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REDUÇÃO, REMISSÃO E PARCELAMENTO

DE ALUGUEL COMERCIAL DIANTE DA


COVID-19 (CORONAVÍRUS), COM BASE NA
TEORIA DA IMPREVISÃO

Por Dr. Alan Costa Reis12

No dia 11 de março de 2020, a OMS (Organização


Mundial de Saúde) decretou pandemia global3 em face da
disseminação acentuada do novo coronavírus originado na China,
que foi batizado de COVID-19.

Naquele momento ainda não podia se perceber os


efeitos que essa crise poderia trazer ao Brasil. Contudo, agora, fica
claro que além dos claros riscos à saúde da população que se
originaram no Covid-19, um outro efeito ocorreu: uma desaceleração
econômica acentuada.

1
Graduado em DIREITO pela Universidade Paulista – UNIP; Pós-graduando em DIREITO IMOBILIÁRIO pela
Escola Paulista de Direito – EPD; Cursando DIREITO RELIGIOSO pela Universidade Luterana do Brasil –
ULBRA; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP Subsecção de Hortolândia.
2
https://www.alanreis.com.br/
Instagram: @alanreis.adv
Facebook: @alanreis.adv
3
https://saude.abril.com.br/medicina/oms-decreta-pandemia-do-novo-coronavirus-saiba-o-que-isso-
significa/ acessado em 20/03/2020 às 11:30
Na data da escrita do presente artigo, diversas
cidades já tinham haviam determinado fechamento dos comércios na
tentativa de frear a disseminação do vírus. Cultos já foram suspensos
em templos religiosos, por voluntariedade e por decretos do poder
público determinando a suspensão das atividades religiosas em
diversas localidades.

Em suma, a pandemia trouxe diversas


repercussões na saúde, na economia e no direito. Em relação as
repercussões jurídicas, em face da Teoria do Direito Civil, podemos
afirmar que tal situação constitui um fato jurídico4.

Interessante é a definição dada pelo Professor


CARLOS ROBERTO GONÇALVES5 acerca do fato jurídico:

“O direito também tem seu ciclo vital: nasce,


desenvolve-se e extingue-se. Essas fases ou
momentos decorrer de fatos, denominados fatos
jurídicos, exatamente por produzirem efeitos
jurídicos. Nem todo acontecimento constitui fato
jurídico. Alguns são simplesmente fatos,
irrelevantes para o direito. Somente o
acontecimento da vida relevante para o direito,
mesmo que seja fato ilícito, pode ser considerado
fato jurídico”

4
“A chuva que cai é um fato que ocorre e que continua a ocorrer, dentro da normal indiferença da vida
jurídica, o que não quer dizer que, algumas vezes, este mesmo fato não repercuta no campo do direito,
para estabelecer ou alterar situações jurídicas. Outros se passam no domínio das ações humanas, também
indiferentes ao direito: o indivíduo veste-se, alimenta-se, sai de casa e a vida jurídica se mostra alheia a
estas ações, a não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a atenção do
ordenamento legal” (Casio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil,, v. 1, p. 219)
5
Direito Civil brasileiro, volume 1: parte geral/ Carlos Roberto Gonçalves. – 17. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2019, pg. 335
Portanto, todo acontecimento que traga
consequências jurídicas podemos conceituar de fato jurídico, e é
nessa classificação que trabalharemos com o COVID-19, haja vista
seus desdobramentos estão trazendo inúmeros ecos no campo do
direito.
Aqui, nos limitaremos a tratar de um aspecto
importante: Com a restrição da exploração da atividade econômica e
suspensão de cultos para deter o avanço do COVID-19, como ficam
os pagamentos dos alugueis de Estabelecimentos Comerciais e
Templos Religiosos?

O Direito Brasileiro adotou em seu ordenamento


jurídico a chamada Teoria da Imprevisão, que tem seu nome
originalmente chamado de Cláusula “rebus sic standibus”6, que
consiste na possibilidade de desconstrução ou revisão forçada, pelo
Poder Judiciário, de contratos celebrados, quando ocorridos
situações imprevisíveis ou extraordinárias.

A Revisão Contratual, por força da Teoria da


Imprevisão, pode ser retirada dos artigos 3177 e 4788 do Código Civil.

6
“A teoria recebeu o nome de rebus sic standibus e consiste basicamente em presumir, nos contratos
comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, a existência implícita (não expressa) de uma
cláusula, pela qual a obrigatoriedade de seu cumprimento pressupõe a inalterabilidade da situação de
fato. Se esta, no entanto, modificar-se em razão de acontecimentos extraordinários (uma guerra, p. ex.),
que tornem excessivamente oneroso para o devedor o seu adimplemento, poderá este requerer ao juiz
que o isente da obrigação, parcial ou totalmente” (Direito Civil brasileiro, volume 3: contratos e atos
unilaterais/ Carlos Roberto Gonçalves. – 17. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pg. 50)
7
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo
que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
8
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
que a decretar retroagirão à data da citação.
Segundo o posicionamento clássico e consolidado
da doutrina civilista9, são requisitos para revisão dos contratos:

1. O contrato deve ser bilateral ou sinalagmático,


com exceção do Artigo 480 do Código Civil
2. O Contrato deve ser oneroso
3. O negócio jurídico entabulado deve seguir a
forma comutativa, sendo claro para as partes
envolvidas o conhecimento prévio quanto as
prestações
4. O Contrato precisa gerar efeitos no tempo
(execução diferida ou trato sucessivo) nos
termos do artigo 478 do Código Civil
5. Exige-se um motivo Imprevisível ou
Extraordinário (Artigos 317 e 478 do Código
Civil)
6. Do evento imprevisível ou extraordinário deve
resultar uma onerosidade excessiva

Por sua vez, os Contratos de Locação são regidos


diretamente pela Lei 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) que restringe as
hipóteses de revisão contratual pelo Poder Judiciário, nos termos do
artigo 18, 68, 69 e 70 do diploma legal citado.

9
Posicionamento defendido pelo Professor Flávio Tartuce, em sua obra “Manual de Direito Civil: volume
único – 9 Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019, pg. 574.”. Na mesma linha Professor
Silvio Salvo Venosa em sua obra “Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos –
10. Ed. – São Paulo: Atlas, 2010, pg. 476”
Porém, considerando que a Lei não versa sobre
situações extraordinárias, como o caso da Pandemia de COVID-19,
entendemos que se aplica as regras gerais de Direito Civil para
solução do problema jurídico, e, portanto, em tese, caberia a
aplicação da Teria da Imprevisão. Vale frisar, que em sua
classificação, o Contrato de Locação possui os requisitos para
aplicação da Cláusula “rebus sic standibus”, nos termos da
argumentação já apresentada.

Vale a observação então de dois requisitos: (1) A


Pandemia Covid-19 é um evento imprevisível ou extraordinário? e (2)
em face desse evento ocorre uma onerosidade excessiva para uma
das partes da relação contratual de locação?

Em nosso entender podemos classificar a


Pandemia COVID-19 como um evento imprevisível e também
extraordinário. E mais, como bem pontuado, sua incidência trouxe
além de graves impactos na saúde como um todo, com milhares de
mortes, também uma fortíssima desaceleração econômica.

E como já mencionado, além do impacto natural


na economia promovido pela pandemia, as autoridades públicas tem
restringido a exploração econômica de diversos setores como forma
de interromper a disseminação do vírus.

Assim, quando olhamos para os estabelecimentos


comerciais, empresas, lojas de Shopping Centers, e outros que se
valem de imóveis locados para exploração do seu negócio podemos
aferir que a obtenção de renda dos mesmos teve significativa
redução, e sendo em alguns casos cessou completamente.

Similar é o caso das organizações religiosas, sem


fins lucrativos, que para manutenção de suas atividades e
compromissos financeiros se vale de ofertas e dízimos que são
recolhidos no momento do culto em seus templos. Com a suspensão
de atividades religiosas em várias cidades brasileiras, a
impossibilidade de reunir a membresia tem trazido preocupação com
a possiblidade de honrar com o pagamento de aluguel de imóveis
locados.
Assim, entendemos que, em decorrência da grave
situação que nosso país e o mundo vivem com o COVID-19, que
resultou na diminuição e restrição absoluta do desenvolvimento da
atividade econômica, bem como da suspensão dos cultos pelas
organizações religiosas é possível sim, baseado na Teoria da
Imprevisão, requerer judicialmente a revisão dos contratos de
locação, visando: suspensão, parcelamento e remissão (isenção)
dos pagamentos de aluguéis.

Como medida alternativa, e anterior, é


aconselhável aos Estabelecimentos Comerciais e Organizações
religiosas, que estejam em dificuldade para arcar com os custos de
locação, que procurem seus Locadores, notificando-os
extrajudicialmente se for o caso, acerca do requerimento de
negociação dos locatícios vencidos e a vencer nesse período de
enfrentamento da pandemia.

Desta feita, poderá ser lavrado um Termo Aditivo


ao Contrato de Locação onde se estipulo suspensão, parcelamento
ou remissão dos pagamentos dos aluguéis.

Trata-se de um momento em que todos os atores


sociais precisaram se associar no afã de vencermos todos os efeitos
da crise instaurada em decorrência da pandemia, que além de graves
prejuízos humanos, também trouxe invariavelmente consequências
terríveis a combalida economia da nossa nação.
BIBLIOGRAFIA:
• Direito Religioso: questões práticas e teóricas/ Thiago Rafael
Vieira; Jean Marques Regina. – Porto Alegre: Concórdia, 2018.
• Instituições de Direito Civil, v. 1/ Casio Mário da Silva Pereira -
p. 219
• Direito Civil brasileiro, volume 1: parte geral/ Carlos Roberto
Gonçalves. – 17. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
• Direito Civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais/
Carlos Roberto Gonçalves. – 17. Ed. – São Paulo: Saraiva
Educação, 2019.
• Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos/ Silvio de Salvo Venosa – 10. Ed. – São Paulo: Atlas,
2010.
• Manual de Direito Civil: volume único/Flávio Tartuce – 9 Ed. –
Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.
• Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência /Claudio Luiz
Bueno de Godoy ... [et al.]; coordenação Cezar Peluso. – 13.
Ed. – Barueri [SP]: Manole, 2019.

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