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O PONTO FINAL
DE HORROR
Autor
H. G. EWERS
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Quando se encontrava no centro da Galáxia, Perry
Rhodan e sua nave-capitania entraram repentinamente na área
de sucção da rota de transmissores que levava para Andrômeda.
Na estação de Gêmeos, a Crest II foi arremessada para adiante
pelo guardião moribundo — mais precisamente, para o interior
de Horror, um mundo oco artificial.
Lutando sempre, os humanos foram subindo nível após
nível, até atingir a superfície do planeta artificial, em torno do
qual circulam três sóis. Quando já tinham alcançado a
segurança do espaço cósmico, voltaram a sacrificar a mesma,
aproximando-se novamente da superfície do planeta Horror.
Na oportunidade penetraram no campo de ação de uma
arma secreta chamada Horror — e foram atingidos por um
processo de redução, que diminuiu em mil vezes o seu tamanho
e o dos objetos que os cercavam.
Durante a luta com os “Gigantes no Pólo Sul” Rhodan e
seus companheiros tiveram de conscientizar-se plenamente de
que depois da falha de todos os equipamentos atômicos e
hiperfísicos da Crest não lhes restava a menor chance de
modificar o destino que os esperava. Mas ainda havia uma
esperança. Pawel Kotranow viria em seu auxílio, com a
Androtest II.
O Coronel Kotranow e seus companheiros já estão voando
em direção a Horror, para O Ponto Final de Horror...
O fogo de artifício silencioso produzido pelas energias titânicas parecia não ter
começo nem fim.
Nem sempre os olhos humanos podiam ver aquilo que fluía constantemente entre os
sóis das concentrações estelares galatocêntricas, como o fluxo das marés de um oceano
terrano. Era só nos momentos em que os raios, normalmente invisíveis, se quebravam nas
névoas de matéria, que surgiam lampejos fulgurantes no vazio aparente, nos lugares em
que pouco antes tudo fora escuridão, despejando uma cascata de beleza inebriante feita de
cores luminosas.
Às vezes as luzes eram refletidas por uma cadeia de objetos esféricos, dando a
impressão de que estava caindo em espelhos gigantescos.
A grande tela frontal da espaçonave alterava sua intensidade luminosa no mesmo
ritmo do espetáculo mudo proporcionado pela natureza.
A silhueta, imóvel feito uma estátua, de um homem alto destacava-se contra o fundo
de claridade cambiante.
O Marechal Solar Julian Tifflor estava com os olhos semicerrados, para não ser
ofuscado pela profusão de luzes. Mas o que prendia sua atenção não era o espetáculo
oferecido pela natureza, de uma beleza sem par, mas ameaçador ao mesmo tempo. Estava
com os olhos presos na extraordinária constelação formada por seis gigantescas estrelas
azuis.
Só mesmo uma pessoa familiarizada seria capaz de ver a olho nu o que havia de
extraordinário nas mesmas.
Muitas vezes as gigantescos sóis azuis formavam condensações estelares abertas ou
fechadas.
Mas jamais se constituíam num hexágono geometricamente perfeito.
Com uma única exceção: o transmissor hexagonal galatocêntrico pertencente a um
povo que vivia na galáxia de Andrômeda e era conhecido como os senhores da galáxia.
— Que coisa incrível! — observou Tifflor.
Atrás dele ouviu-se uma risada borbulhante.
— Não diga, senhor! Acha isso incrível...! Pensei que durante os anos de atividade
na Frota o senhor já tivesse perdido a capacidade de admirar-se com alguma coisa.
Julian Tifflor virou a cabeça e fitou os olhos penetrantes de um paisano atlético e
calvo com as bochechas entremeadas de veias azuis, meio ocultos entre as massas de
gordura. Tratava-se do professor Amo Kalup, inventor do sistema de propulsão linear,
que era conhecido por suas observações e irrupções emocionais menos respeitosas.
Um sorriso irônico apareceu no rosto de Tifflor.
— Até parece que o senhor acha perfeitamente natural que alguém não se limite a
extrair a energia de seu transmissor de um conjunto hexagonal de sóis, chegando a
transformar os próprios sóis em peças de um gigantesco sistema de transmissão. Não, não
diga nada — pediu Tifflor ao ver o hiperfísico abrir a boca. — Se disser que é isso
mesmo, responderei que o senhor sozinho nunca teria tido a idéia de que alguém pudesse
recolher seis sóis gigantescos como se fossem grãos de ervilha e dispô-los em hexágono,
além de influenciá-los de maneira tal que á simples aproximação de uma espaçonave
criam seu próprio arco de transmissor.
As bochechas murchas do professor Kalup tremeram de tão indignado que ficou.
Fungou tão fortemente que parecia uma locomotiva soltando vapor.
Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, a campainha de alarme soou. Uma
retumbante voz de tenor encheu a sala de comando.
— Façam o favor de atar os cintos, senhores! O rastreamento automático anuncia
uma forte tempestade magnética vinda do setor verde. A sobrelevação é de somente
0,210613 graus. As coisas poderão ficar um pouco desagradáveis.
No mesmo instante Julian Tifflor esqueceu o hiperfísico. Com um misto de
curiosidade e tensão no rosto, deixou-se cair na poltrona que ficava ao lado da do coronel
Haile Trontor, um epsalense que exercia as funções de comandante da Péricles, um
supercouraçado da Frota Solar.
Não fez nenhuma pergunta a Trontor. Se o epsalense os prevenia da chegada de
uma tempestade magnética, ele não se referia a uma das tempestades provocadas por
descargas a que já estavam acostumados. Bastante preocupado, Tifflor pôs-se a observar
as indicações dos rastreadores. Ali o quadro era bem diferente daquele projetado nas telas
da galeria panorâmica. Uma coisa que por lá se acendera de vez em quando como uma
fileira de refletores esféricos, aqui permanecia numa relativa imobilidade, sob a forma de
um bando infinito de ecos verdes de rastreamento.
Eram oito mil espaçonaves da Frota Solar...!
Em obediência à ordem do Administrador-Geral, trazida pelo comandante da
Androtest I, a primeira espaçonave terrana com um raio de ação de um milhão de anos-
luz, uma enorme força se concentrara diante do conjunto hexagonal de sóis situado no
centro da Galáxia. Das oito mil espaçonaves ali reunidas, cinco mil eram unidades
pesadas e superpesadas da Frota Solar, enquanto as três mil unidades restantes formavam
gigantescos recipientes transportadores, carregados com tudo que se fazia necessário para
instalar uma base em pleno espaço cósmico.
E agora o comandante supremo de uma força titânica receava pela sorte de seu
grupo, somente porque um sistema de rastreamento automático tinha detectado uma
tempestade magnética.
— Está pensando em mandar acordar os tripulantes...?
Julian Tifflor nem virou a cabeça. Limitou-se a fazer um gesto. O professor Kalup
acabara de tocar exatamente no problema crítico. O centro galáctico era temido por suas
imprevisíveis tempestades magnéticas. Constantemente se verificava o desaparecimento
de espaçonaves, inclusive de unidades superpesadas, nesse inferno energético.
Normalmente um grupo concentrado deste tamanho não estaria exposto a um perigo deste
tipo. Nem mesmo uma nave bastante avariada desapareceria de um instante para outro;
sempre haveria tempo para ao menos resgatar a tripulação.
Isto se os tripulantes estivessem em condições de serem salvos!
Naquele momento a tripulação de nenhuma das oito mil naves estava em condições.
Os terríveis choques de desmaterialização e de rematerialização que se verificavam por
ocasião da passagem pelo transmissor hexagonal produziriam graves danos psíquicos, a
não ser que a tripulação orgânica se encontrasse em estado de congelamento narcótico.
A Frota estava preparada para passar pelo transmissor. Tifflor só esperava a
confirmação de que as três naves enviadas na frente tinham chegado sãs e salvas ao
receptor instalado no sistema de Gêmeos.
Dessa forma as tripulações de oito mil naves — com exceção do número reduzido
de pessoas que permaneciam de prontidão nas salas de comando — encontravam-se em
estado de congelamento narcótico e, portanto, numa condição que a medicina
considerava quase equivalente à morte clínica.
— Não! — disse Tifflor em voz alta e em tom áspero. — Seria inútil. Ninguém
recuperaria os sentidos bastante depressa para recuperar a capacidade de ação caso haja
uma catástrofe. Ao despertar, esses homens só perturbariam as guarnições das salas de
comando.
— Além disso — Tifflor não manifestou este pensamento em voz alta — é
preferível que as tripulações das naves, condenadas à morte, não sejam testemunhas
indefesas de seu próprio fim cruel.
— Ainda acabo enlouquecendo! — disse o Coronel Trontor em tom espontâneo. —
Queira desculpar, senhor — acrescentou um tanto embaraçado.
Tifflor fez um gesto de impaciência. — O que houve?
Haile Trontor sacudiu o crânio enorme. Parecia que ainda tinha certas dúvidas. Mas
de repente empertigou-se. Os traços de seu rosto, que até poderiam confundir-se com
uma máscara, descontraíram-se um pouco.
— O transmissor, senhor! — exclamou em tom exaltado. — Faz um segundo que
uma concentração de energia se formou no centro do mesmo. Até parece que vai haver
uma passagem. Mas os fenômenos-magnéticos que costumam acompanhar a mesma têm
a polarização invertida...
A poltrona anatômica de Tifflor girou abruptamente. O marechal solar lançou um
olhar apressado para os controles de Trontor.
Mais aos fundos ouviu-se um fecho que se abria. Os cintos foram afastados
ruidosamente. A figura obesa do hiperfísico atravessou a sala de comando fungando
fortemente.
— Aposto — bradou em tom malicioso — que seu grande comandante confundiu o
impulso magnético do transmissor, que por ocasião da chegada de uma espaçonave
logicamente deve ter a polarização invertida, com o centro de uma tempestade magnética.
Deixe que um homem experimentado lhe di...
— O senhor ficou louco? — Dificilmente alguém já tinha visto o marechal solar tão
nervoso. — Volte a colocar os cintos. Rápido!
Julian Tifflor quis dizer mais alguma coisa. Antes de mais nada, queria explicar que
o Coronel Trontor não se enganara, e que realmente uma tempestade magnética
extremamente forte se aproximava do grupo de espaçonaves, e que, conforme mostravam
os instrumentos, a mesma se transformaria num furacão, se coincidisse com o impulso
emitido pelo transmissor.
Mas preferiu não dizer mais nada, pois viu os campos defensivos da nave Péricles,
compostos por vários estágios, iluminarem-se repentinamente. Os elementos de ligação
do casco da nave, forçados ao máximo, rangeram terrivelmente.
No mesmo instante Tifflor também desatou os cintos de segurança. Com um salto
colocou-se ao lado de Kalup. Enlaçou o homem enorme com os braços, atirou-o para
dentro da poltrona como se fosse uma trouxa de roupa e precipitou-se atrás dele, para atar
os cintos do cientista, que tremia de raiva.
Concluiu o serviço bem em cima da hora.
Uma torrente de energias gravitacionais e magnéticas indomadas desabou sobre a
Péricles, rasgou os campos defensivos, que seriam capazes de resistir ao impacto de um
planetóide, e transformou a nave de quinhentos metros de diâmetro numa bola que gemia
nas soldas e era atirada de um lado para o outro.
Quando a poltrona anatômica que se encontrava à sua frente foi colocada
repentinamente na horizontal por obra do dispositivo de salvamento, Julian Tifflor caiu
ao chão. Raios amarelos pálidos saíam dos fusíveis queimados e pequeninos fragmentos
chilreavam ao ricochetear traiçoeiramente pela sala de comando, que de um instante para
outro se encheu com uma fumaça causticante.
Quando começou a surpreender-se porque o primeiro golpe violento não o tinha
esmagado de encontro à parede dos fundos da sala de comando Tifflor sentiu uma mão de
ferro que segurava seus quadris.
Ficou deitado com o rosto no chão, e o silêncio que se espalhou de repente parecia
tão chocante que perdeu os sentidos.
***
O estado de inconsciência não podia ter durado mais que alguns segundos.
Quando recuperou os sentidos, Julian Tifflor estava sendo erguido violentamente
pelo Coronel Trontor.
Fez um gesto distraído, passando a mão pelos lábios rachados para limpar o sangue.
— Quais são as notícias, coronel?
— Só agora estão começando a reagir, senhor — disse a voz de tenor de Trontor.
Sua mão gigantesca apontou para o console de comunicação da nave-capitânia da Frota
do centro: Este console ocupava uma área de um metro quadrado. Neste espaço reduzido
as colunas de algarismos se enfileiravam lado a lado. Cada uma das oito mil naves era
representada por um número situado num quadro minúsculo. Naquele momento as
primeiras manchas verdes estavam aparecendo nos respectivos quadrados.
Julian Tifflor esforçou-se em vão para descobrir um quadro com uma luz vermelha.
Não encontrou nenhum e respirou aliviado. Parecia que pelo menos não houvera
nenhuma perda total.
Dali a cinco minutos tiveram certeza de que nenhuma nave sofrerá avarias graves.
Somente quatorze naves de transporte e cruzadores ligeiros informaram que seus
projetores de campos defensivos tinham falhado parcialmente, mas essa falha podia ser
removida por meio de outros conjuntos.
— Parece que tivemos sorte, senhor — observou o epsalense. Deu uma risada que
antes soava como o trombetear de um elefante adulto.
Tifflor gemeu. Os epsalenses eram considerados os oficiais de espaçonaves mais
competentes, mas o tamanho enorme dos humanos de Epsal adaptados ao ambiente
naturalmente não poderia deixar de ter seus reflexos nas cordas vocais. Ouvir um
epsalense falar ou até mesmo dar uma gargalhada podia ser tudo, menos um bálsamo para
os nervos.
— Isso quase chega a ser um milagre — disse Tifflor em tom pensativo. — Ainda
não recebeu nenhuma mensagem de hipercomunicação de Kahalo? — acrescentou depois
de uma pausa.
Até parecia que o hipercomunicador só estivera esperando por esta pergunta. Uma
mensagem condensada foi recebida, produzindo um apito estridente no receptor. O
grande centro de computação positrônico de bordo deu início automaticamente à
decifração da mensagem. Como o respectivo código tinha sido introduzido em sua
memória, o texto da mensagem não levou mais de um segundo para ser apresentado.
— CW-333Y-51-SP chamando MST, no momento PE-RIK-SIX-S-TR:
concentração esférica de energia SPEZ. 333Y em 20.12.2400 TT, 23,06,41 horas sobre
pirâmides de Kahalo. Fim da Transmissão — CW-333Y-51-SP.
Tifflor leu o texto em voz baixa. Uma pessoa estranha não saberia o que significava
o mesmo, mas quem conhecesse a linguagem telegráfica sabia que MST significava
Marechal Solar Tifflor e que o sentido da mensagem era simplesmente o de que os
observadores que se encontravam no planeta Kahalo tinham registrado e interpretado
uma concentração de energia sobre o transmissor piramidal, específica para o caso 333Y.
O caso 333Y, por sua vez, significava que se tratava de um impulso partido de Gêmeos
em direção ao transmissor formado pelo conjunto hexagonal de sóis.
Alguém gemeu e engoliu ruidosamente em seco.
Tifflor viu pelo canto dos olhos que o professor Kalup estava recuperando os
sentidos. Não deu muita atenção ao fato, pois segundo a mensagem recebida de Kahalo
outra mensagem estava para ser transmitida, e Tifflor esperava ansiosamente pela mesma.
— Oh...! — disse o hiperfísico com a voz borbulhante e a língua pesada. — Ka...
ha... lo cha... chamou! — respirou profundamente e com um ruído estranho. — Tudo
bem?
Tifflor fez um gesto afirmativo.
— Tudo, exceto a nave.
— Ah, é... — disse Kalup, para logo acrescentar em voz alta: — Queira desculpar,
senhor. Acho que me comportei que nem... que nem...
— Que nem o professor Kalup — completou Tifflor com um sorriso. — Faça o
favor de não repetir isso, professor — acrescentou em tom sério.
Kalup fungou. Só então viu as placas de revestimento empretecidas dos fusíveis e
os fragmentos de vidro e plástico. Ficou abatido.
— Acho que o senhor salvou minha vida. Muito obrigado.
— Deixe para lá.
Tifflor virou a cabeça. Antes de compreender o sentido oculto da resposta, Kalup
foi contagiado pelo sorriso de Tifflor. Fez um gesto vago de ameaça com o dedo erguido.
Mas Tifflor nem chegou a ver. Uma nova mensagem estava chegando naquele
instante. Também foi decifrada pelo centro de computação positrônica numa questão de
segundos.
— Graças a Deus, senhor! — disse o Coronel Trontor do fundo do coração. — É a
nave Return III. Parece que voltou intacta.
Tifflor voltou a tirar os dedos que enfiara nos ouvidos.
— Nem por isso o senhor precisaria estourar meus tímpanos, coronel! Mas o senhor
tem razão. Envie um raio vetor à nave.
O professor Kalup saiu gemendo da poltrona de Tifflor.
— Acho que daqui a pouco vai começar. Pelo que sei, é a primeira vez na história
que uma nave volta do sistema de Gêmeos pelo mesmo caminho.
— É a primeira vez na história do Império Solar — retificou Tifflor, para
acrescentar em tom pensativo: Também acho que daqui a pouco poderemos começar.
Mas vamos aguardar para ver quais são as novidades que nos traz a tripulação da nave
especial.
***
A tripulação da Return III estava num estado próximo à euforia. Parecia inebriada
de alegria por ter retornado sem incidentes.
No meio da alegria nem notou uma coisa que não escapou ao comandante da Return
III. Apesar do atraso em relação ao cronograma, o Marechal Solar Julian Tifflor não se
esqueceu de, numa mensagem-cumprimentar, felicitar a tripulação pelo êxito alcançado,
tendo chegado a apertar pessoalmente as mãos de todos os oficiais.
Para Tifflor isso era perfeitamente natural. Afinal, todas as pessoas que viajavam na
nave especial tinham empenhado todas as suas forças e arriscado a vida para evitar que as
tripulações de oito mil naves tivessem de fazer sacrifícios desnecessários.
Quando os oficiais da nave especial se retiraram da Péricles, a ligação humana que
os unia ao “seu” marechal solar tornara-se ainda mais firme e íntima.
Mas Tifflor não sabia absolutamente nada do resultado que acabara de conseguir.
Seu ato não resultara de um cálculo frio, mas de um traço fundamental de seu caráter,
traço este que fazia dele um chefe nato, tal qual Rhodan.
Além disso havia outra característica básica. Tratava-se do comandante da Frota
que transmitiu as ordens destinadas a oito mil espaçonaves com uma precisão que quase
chegava a ser positrônica, sem esquecer nenhum detalhe importante — e que exigiu que
todos os comandantes cumprissem suas ordens com uma correção cem por cento.
Oito mil espaçonaves começaram a movimentar-se.
Quando acabou de transmitir a última ordem, Julian Tifflor permaneceu por uma
fração de segundo numa posição dura que não correspondia à sua natureza. Mas logo
voltou a descontrair-se.
— Pronto! — disse e passou a dirigir-se ao comandante da Péricles:
— Coronel, chame os robôs!
O professor Kalup balançava nervosamente o corpo.
— Está na hora de inventarmos uma coisa que nos permita dispensar o
congelamento narcótico. A idéia de que dentro de alguns minutos serei um pedaço de
carne congelada completamente inútil não me agrada nem um pouco.
— Ah, é? — Tifflor sorriu. — O senhor acha que será mais útil correndo por aí feito
um louco?
— O senhor é um sádico! — fungou o hiperfísico em tom indignado.
— De quem partiu a recomendação de usarmos o caminho direto através do
conjunto hexagonal de sóis...?
— É claro que fui eu. Será que o senhor acredita... — Kalup soltou uma estrondosa
gargalhada. — Deixe para lá, senhor. De fato seria bastante problemático levar oito mil
naves pelo caminho correto através do transmissor de Kahalo. Basta que nos
aproximemos o bastante para que o sistema de proteção automático do conjunto
hexagonal de sóis seja ativado a favor de nossos objetivos.
Uma escotilha blindada emitiu um zumbido ao deslizar para o lado.
Passos rangeram e cessaram atrás de Kalup.
— Pede-se que procure controlar seus movimentos nervosos, senhor — disse uma
voz mecânica rouca, saída de um robô-médico.
Kalup virou abruptamente a cabeça. Seus olhos pareciam saltar das órbitas ao
contemplar o robô.
Desta vez foi Tifflor que deu uma estrondosa gargalhada.
Uma seringa pressurizada emitiu um chiado.
Kalup lançou um olhar de perplexidade para o antebraço. No mesmo instante o
corpo caiu silenciosamente para trás.
Outros robôs tinham entrado na sala de comando atrás dos três robôs-médicos.
Assumiram sua posição ao lado de Tifflor e Trontor.
Estes robôs pilotariam a nave durante a passagem pelo transmissor, até que os
humanos despertassem. Por enquanto estavam à espera. Julian Tifflor e o Coronel Haile
Trontor concentraram-se nas telas e nos rastreadores.
O grupo de naves entrou em formação. De repente parecia menos disforme que
antes. Notava-se uma disposição matematicamente exata.
O primeiro grupo penetrou na concentração energética chamejante do transmissor
solar, dirigida por um raio energético vermelho-alaranjado.
Os sóis irromperam em chamas, dando a impressão de que queriam transformar-se
numa estrela nova.
Uma coluna de números apagou-se no console de comunicação da Péricles.
O segundo grupo foi atraído por forças tremendas. As naves seriam incapazes de
resistir ao raio vermelho-alaranjado, mesmo que utilizassem toda a potência de seus
jatos-propulsores. Energias mais poderosas que aquelas de que os gigantes do espaço
podiam dispor estavam em ação.
A segunda coluna de números apagou-se. A terceira... a trigésima... a tricentésima...
Julian Tifflor sentiu o chiado da seringa pressurizada. Enquanto o corpo começava a
ficar duro e dormente, seus olhos perceberam o fogo vermelho-alaranjado que
subitamente envolveu a Péricles.
No mesmo instante seus olhos cobriram-se de gelo.
O sistema de climatização insuflou lufadas de ar polar na sala de comando.
***
A sensação de, ao despertar, ser cumprimentado pelo rugido uniforme dos
geradores, era infinitamente tranqüilizadora.
— Está tudo em ordem, senhor — disse o robô-médico e deu um passo para o lado.
Julian Tifflor mostrou um sorriso forçado. Seus músculos ainda não obedeciam com
a rapidez costumeira. E os olhos captavam o quadro projetado nas telas da galeria
panorâmica como se estivessem envoltos numa névoa. Mas a visão era suficiente.
Dois monstruosos sóis amarelos brilhavam no céu em que não havia outras estrelas.
Entre eles fervilhava o núcleo energético que formava o terminal do transmissor. Até
parecia um inferno atômico. Mãos de fantasmas pareciam expelir grandes esferas
metálicas desse inferno, esferas estas que lançavam reflexos fantasmagóricos do fogo em
cujo meio materializavam e saíam correndo sobre lanças de fogo atrás da Péricles.
Tifflor contou vinte e quatro supercouraçados, e outros gigantes iam aparecendo
ininterruptamente.
O marechal solar virou a cabeça para o console de comunicação.
Depois disso deu a ordem final de ocupação e bloqueio do sistema de Gêmeos...
***
Todos os tripulantes de oito mil espaçonaves despertaram para uma nova vida.
A sala de comando da Péricles também estava novamente com a guarnição
completa. Para garantir o cumprimento da tarefa que cabia à unidade como nave-
capitânia do grupo, principalmente os postos de observação, os sistemas de rastreamento
e a sala de rádio estavam com a guarnição duplicada.
O Marechal Solar Tifflor acabara de retirar-se para a mesa dos mapas. O Coronel
Haile Trontor e seus oficiais voltaram a ser os únicos responsáveis pela direção do
supercouraçado. Tifflor exercia as funções de comandante supremo de toda a Frota, o
professor Amo Kalup era seu assessor técnico e os seis cibernéticos do estado-maior
cuidavam do processamento das informações que chegavam e determinavam os lances
táticos e estratégicos com o auxílio do potente computador positrônico de comando. Mas
as decisões cabiam única e exclusivamente a Tifflor.
O rugido e o estrondo dos reatores energéticos enchia a Péricles. A nave
desenvolvia metade da velocidade da luz e atravessava o sistema cercada por mais de
quatrocentas unidades, que juntamente com ela formavam o grupo de invasão número IV.
O transmissor solar continuava a expelir uma nave atrás da outra. Mas as primeiras
naves já estavam pousando.
— Posto de observação colocado em Septimo e devidamente protegido, senhor —
informou um dos cibernéticos.
— Obrigado! — Tifflor acenou com a cabeça. Por um instante tentou imaginar as
condições reinantes em Septimo, um supergigante com uma gravitação de 59 gravos. Não
conseguiu evitar um ligeiro calafrio. Nenhum dos homens destacados para servir em
Septimo merecia ser invejado. Era bem verdade que os homens que guarneciam o posto
de observação colocado em Septimo só tinham um inimigo: a natureza. Em outros
lugares não seria assim.
— Entre em contato com o grupo II e pergunte se encontrou resistência!
A tarefa do grupo de invasão II consistia em pousar em Quarta, um planeta
semelhante à Terra, pertencente ao sistema de Gêmeos e, numa ação relâmpago, cercar a
supercidade de Bigtown com campos energéticos. Tratava-se de uma gigantesca colônia
penal destinada a criminosos vindos da nebulosa de Andrômeda, que tinha de ser isolada
de qualquer maneira, para evitar surpresas desagradáveis. Naquele lugar o
Administrador-Geral encontrara alguém que por pouco não o derrotara. Ninguém sabia se
o drung realmente era o ser vivo mais perigoso de Quarta — e o mesmo seria capaz de,
sozinho, causar problemas gravíssimos a uma Frota de oito mil naves.
— O grupo II pousou no planeta segundo o plano, senhor — disse a informação. —
A resistência foi quebrada com raios narcotizantes. Os projetores dos campos energéticos
já estão funcionando com quarenta por cento de sua capacidade.
— E as naves de transporte? — perguntou Tifflor.
— Estão sendo descarregadas, senhor. Por enquanto não houve nenhuma baixa.
— Obrigado. Entre em contato com Sexta.
Dali a trinta segundos foram recebidas as informações sobre o grupo de invasão
número III. O mesmo acabara de ocupar o velhíssimo mundo seco chamado Sexta — um
planeta com uma gravitação de 195 gravos — sem encontrar qualquer resistência.
Comandos de robôs já estavam perfurando as primeiras galerias nas quais seriam
instalados os abrigos. Além disso tinham iniciado a construção de seis portos espaciais,
juntamente com as posições de defesa.
— Está dando tudo muito certo — disse Tifflor.
— Para meu gosto está dando certo demais — esbravejou o professor Kalup. —
Afinal, Gêmeos é um elo muito importante na corrente transmissora transgaláctica. Não
consigo imaginar que os senhores da galáxia permaneçam inativos diante da invasão que
estamos realizando.
— Não estão mesmo — disse Tifflor. Lembrou-se do relatório do Coronel Kraysch,
comandante do couraçado Mohikan, que tinha reencontrado o planeta Kahalo com seu
conjunto hexagonal de pirâmides e de repente se defrontara com vinte das temíveis
naves-lápis negras, uma das quais há menos de seis meses tinha destruído, no interior do
sistema de Gêmeos, uma gigantesca nave espacial dos pos-bis, para ser derrotada pela
Crest depois de uma batalha difícil. Foi este um dos motivos por que um número tão
elevado de espaçonaves em relação à magnitude da tarefa foi utilizada para realizar a
ocupação do sistema de Gêmeos.
— Kahalo está sob nosso controle! — disse Tifflor em tom obstinado. — Com isso
as naves-lápis já não têm possibilidade de aparecer de surpresa no sistema de Gêmeos.
Para fazer isso, teriam de reconquistar Kahalo.
O professor Kalup deu uma risada; parecia zangado.
— Ninguém melhor que eu para saber disso, meu caro. Acontece que ainda não
desvendamos todos os mistérios de Kahalo, e me sentirei inseguro enquanto não fizermos
isso.
— Não espero mesmo que o senhor se tome leviano — respondeu Tifflor em tom
sarcástico. — Certamente ainda teremos pela frente milhares de surpresas desagradáveis
vindas dos senhores da galáxia. Por que não damos passos relativamente pequenos?
Interrompeu abruptamente a palestra quando o sinal de outra notícia se acendeu na
tela do intercomunicador.
— Pois então! — disse. — Finalmente podemos tirar as passas do bolo. — Virou a
cabeça para o aparelho de intercomunicação que mantinha contato permanente com o
grupo de invasão número IV.
— Tifflor falando. Operação Quinta terá início dentro de trinta segundos, conforme
o plano. Aguardo confirmações constantes sobre todos os detalhes dos comandantes do
grupo IV. O cronograma terá de ser mantido exatamente, sejam quais forem as
circunstâncias. Fim.
Olhou para a galeria panorâmica.
De repente as telas movimentaram-se. Mas era apenas uma ilusão ótica. Na verdade
naquele momento o grupo de naves do grupo IV começou a movimentar-se
repentinamente em direção a Quinta. Em toda parte surgiam fenômenos luminosos nas
protuberâncias em que estavam instalados os propulsores. O rugido no interior da
Péricles subiu a um nível infernal.
Quinta era o coração do transmissor de Gêmeos. Era onde ficava o centro de
comando, com o qual o transmissor podia ser ajustado para o receptor desejado. A tarefa
do grupo de invasão número IV consistia em, numa operação relâmpago, ocupar e
proteger o centro de comando, de tal forma que as unidades geradoras e conversoras que
ocupavam até mesmo as entranhas do planeta não pudessem ser avariadas durante os
combates.
Dali a quinze minutos o disco que representava o mundo aquático chamado Quinta
preencheu a tela frontal da sala de comando. Com a mudança de rota, os jatos-
propulsores instalados na protuberância circular fizeram estremecer a nave. As massas
aquáticas foram deslizando rapidamente embaixo da Péricles. O único continente do
planeta aproximou-se.
Trilhas de fogo atravessaram a atmosfera.
Mas não se tratava dos rastros de mortíferos tiros energéticos; eram os comandos
avançados que estavam penetrando na atmosfera. Caças e jatos espaciais saídos das naves
espalharam-se aos milhares sobre o continente, preparados para romper qualquer
resistência com seu fogo concentrado.
Mas por enquanto tudo permanecia em silêncio.
No entanto, Tifflor sabia que a situação poderia mudar rapidamente. Os robôs
inimigos destinados à proteção do centro gerador e da cúpula de regulagem certamente
continuavam estacionados em Quinta. Era altamente improvável que todos eles tivessem
sido postos fora de ação durante as operações anteriores da Crest II e da Androtest I.
Realmente, as primeiras notícias não demoraram a chegar.
Os robôs de guerra terranos, que há alguns minutos choviam ininterruptamente
sobre a superfície do planeta, anunciaram os primeiros contatos com o inimigo. Mas logo
conseguiram livrar-se dos mesmos.
Tifflor voltou a concentrar-se exclusivamente na operação de pouso da Péricles.
Os campos defensivos acabavam de iluminar-se. O supercouraçado penetrou na
atmosfera, usando os jatos-propulsores na frenagem. Uma ampliação setorial mostrou
uma campânula de material transparente. Tifflor sabia que se tratava da estação de
regulagem. Espantou-se com o tamanho da mesma. A campânula tinha somente
cinqüenta metros de diâmetro e setenta de altura. No entanto, abrigava os comandos com
os quais se podia controlar o gigantesco transmissor solar do sistema de Gêmeos.
A Péricles pousou nas proximidades da estação de regulagem, juntamente com
cento e vinte unidades pesadas e superpesadas.
No mesmo instante divisões de robôs choveram no interior do anel formado pelas
naves. As placas luminosas instaladas nas paredes da sala de comando anunciaram a
abertura das eclusas.
Tifflor colocou o cinto com dois coldres.
— Vamos, professor! Chame sua gente. Vamos resolver quanto antes a tarefa mais
importante.
Tifflor e o professor Kalup saíram num carro voador. Voaram para dentro das
nuvens de pó levantadas com o pouso das naves. Constantemente grupos de robôs
cruzavam seu caminho. Plataformas antigravitacionais de dimensões formidáveis
estavam transportando os primeiros equipamentos aos locais de trabalho. De vez em
quando ouvia-se o rugido das armas energéticas ou o estrondo provocado pelas explosões
atômicas, mas os grupos de robôs já davam início à construção de fortes planetários.
Canhões conversores eram colocados em posição e os maquinismos queimavam galerias
profundas na superfície do planeta.
O único continente do planeta Quinta fervilhava de trabalho.
Julian Tifflor olhou para o relógio.
— As primeiras mil naves transportadoras descarregadas já deveriam iniciar a
viagem de regresso — gritou ao ouvido de Kalup para fazer-se entendido no meio do
barulho.
O professor Kalup acenou com a cabeça.
— Naturalmente os cozinheiros das naves já estão afiando as facas, senhor. Não sei
o que a festa da vitória tem que ver com os problemas que estamos enfrentando.
— Eu disse que as naves de transporte já estão iniciando a viagem de regresso —
berrou Tifflor em voz ainda mais alta.
— Por que iriam cometer um excesso? Não compreendo...
— Chegamos — disse Tifflor enquanto o carro voador pousava bem ao lado do
centro de regulagem. Nesse instante os sóis de Gêmeos se iluminaram.
— Até que enfim! — gritou Kalup. — As primeiras mil naves transportadoras estão
iniciando a viagem de regresso.
— É o que estou dizendo o tempo todo — resmungou Tifflor em tom exaltado.
— O senhor tem razão — disse o professor Kalup, levantando-se com um suspiro.
— Não temos tempo. Vamos dar uma olhada no mecanismo de regulagem.
***
Julian Tifflor cambaleou e teria caído se um tenente prestativo não o amparasse.
— Os poços antigravitacionais ainda não estão bem regulados, senhor — disse a
título de desculpa.
Tifflor fez um gesto de pouco caso e olhou em torno.
Encontrava-se no interior de um amplo recinto abobadado, em cujo interior
terminava um total de quarenta poços antigravitacionais. Em toda parte viam-se técnicos
e robôs ocupados em montar instrumentos de controle e instalar equipamentos auxiliares.
Até mesmo para Tifflor tornava-se difícil imaginar que fazia somente quatro horas que
neste mesmo lugar tinham sido construídos os primeiros poços.
O uivo estridente das sereias o fez levantar a cabeça.
Tentou obter informações de algum dos homens que se encontravam no interior da
cúpula, mas nenhum deles parecia incomodar-se com o ruído.
Tifflor sacudiu a cabeça e aproximou-se do buraco aberto cercado de placas
vermelhas de advertência. Tratava-se do terminal de transmissão de passageiros, ainda
em construção.
De repente o chão balançou levemente. Ouviu-se um rugido surdo: Depois disso
vagas de um uivo infernal passaram por cima da construção abobadada.
Tifflor encostou o transmissor de pulso à boca.
— Tifflor falando. Alguma novidade, Coronel Trontor?
— Nada de especial, senhor — respondeu a voz estrondosa do epsalense. — Cerca
de duzentos robôs voadores inimigos tentaram um ataque de surpresa à área que circunda
o centro de regulagem. Foram destruídos por seis grupos de caças, antes que pudessem
aproximar-se das defesas de superfície.
— As naves de transporte já foram descarregadas?
— Foram descarregadas e iniciaram a viagem de regresso, senhor. A ligação está
funcionando muito bem. Tomara que não seja perturbada por controle remoto.
— Quanto a isso não se preocupe. — Tifflor deu uma risada petulante. — O
professor Kalup já descobriu e interrompeu os respectivos cabos e condutores. O
transmissor está sendo controlado exclusivamente por nós. Coronel, mande decolar a
Frota descarregada.
Seguiu-se um momento de silêncio. Finalmente o Coronel Trontor perguntou:
— Que transmissor será usado, senhor?
Tifflor sorriu.
— Certamente não será o transmissor solar, coronel. Já não se lembra de que me
encontro num edifício destinado a transmissores estratégicos.
— Sei, sim senhor. Mas não é possível que já esteja pronto...
— Para os técnicos terranos a rapidez não se confunde com a bruxaria, coronel.
Pelo menos os transmissores ligados à campânula em que me encontro estão prontos.
Mande ativar o terminal receptor da Péricles.
“Pois é”, pensou, enquanto se dirigia ao setor do pavilhão destinado aos
transmissores. “Estes homens já conseguiram uma coisa incrível. Ocupar e proteger um
sistema solar no espaço de doze horas, e isso com todos os recursos técnicos.”
— O transmissor está preparado? — perguntou, dirigindo-se ao oficial técnico que
se encontrava junto ao quadro de controle.
O homem ficou em posição de sentido.
— Sim senhor. Mas a ligação com a Péricles ainda não foi testada...
— O senhor não confia no seu trabalho.
— Senhor, os transmissores estão preparados, embora os revestimentos ainda não
tenham sido colocados.
O oficial ficou vermelho. Não se sabia se era por estar embaraçado ou por alegrar-se
com a confiança que o marechal solar depositava em seu trabalho. De qualquer maneira
executou alguns movimentos seguros para ativar o transmissor e ajustar o mesmo para a
estação receptora instalada na Péricles.
Dentro de alguns segundos Tifflor saiu do terminal receptor instalado no
supercouraçado, que se abriu à sua frente, e caminhou os poucos metros que o separavam
da sala de comando.
Ouviu com a maior calma o relato dos cibernéticos do estado-maior.
A supercidade de Bigtown, situada no planeta Quarta, tinha sido cercada sem que a
Frota sofresse nenhuma perda e fora colocada sob um conjunto impenetrável de campos
energéticos. Alguns dos seres estranhos que habitavam a cidade tentaram sair, mas foram
rechaçados com armas narcotizantes. Entre eles também não houve mortos. Tifflor não
tinha a intenção de mandar ocupar a cidade. Seria muito difícil e complicado regular sem
violência as condições reinantes num núcleo de proporções quase continentais, onde
viviam milhares de raças inteligentes, que além de tudo eram descendentes de criminosos
deportados e haviam erigido o crime numa lei invariavelmente observada. Por enquanto
teriam de contentar-se com o isolamento da cidade.
Tifflor também ficou sabendo que a Frota fora dividida. Grande parte das cinco mil
naves estava penetrando no espaço cósmico conforme fora planejado, a fim de proteger o
sistema de Gêmeos de um eventual ataque vindo de fora. A área em torno do transmissor
propriamente dito foi cuidadosamente bloqueada. Quem quer que tentasse um ataque
externo ou interno teria uma surpresa desagradável.
Julian Tifflor acabara de dar suas instruções e colocar-se ao lado da poltrona
ocupada por Haile Trontor, quando foi anunciado o regresso da última nave de transporte.
Dali a dez minutos apareceram os primeiros grupos das naves de transporte recarregadas,
trazendo novas peças destinadas à construção dos depósitos de mantimentos e
armamentos.
— Acho que o senhor já merece uma pausa — disse Tifflor com um sorriso,
dirigindo-se ao robusto epsalense. — O quartel-general de Quinta já foi instalado, e as
ordens de Rhodan foram integralmente cumpridas.
— Muito obrigado, senhor — rugiu a voz de Trontor. — Acontece que o senhor
está de pé há tanto tempo quanto eu, e eu suporto mais que o senhor. Além disso falta
cumprir um item do programa.
Tifflor confirmou com um gesto.
— Já sei. A Androtest II deverá chegar dentro de vinte minutos... Soltou um suspiro
ligeiro. No íntimo invejava os cinqüenta homens que viajavam na nave especial. Tinha de
ficar ali, enquanto esses homens dentro em breve estariam à frente de Perry Rhodan.
A não ser que houvesse algum imprevisto...
2
Hawk procurou descontrair-se. Não foi muito difícil, pois estava bem esticado numa
poltrona anatômica inclinada para trás, que ficava junto à mesa dos mapas.
Mas o rugido súbito, o estertor e o estrondo dos jatos-propulsores começavam a
deixá-lo nervoso. Além disso de vez em quando o alarme dos neutralizadores de pressão
ressoava pela sala de comando.
No entanto, Hawk sabia que o Coronel Kotranow não era culpado do
comportamento rebelde assumido pela nave. Afinal, a Androtest era uma nave
especialmente construída para vencer distâncias imensas, sem dispor de dispositivos
especiais de correção de rota. Dentro de um tempo relativamente curto deveriam fazer
uma correção de rota de noventa graus, e isso num setor espacial bastante restrito. A nave
não se prestava para isso a catástrofe só foi evitada graças à grande habilidade de
Kotranow, que acabou realizando a modificação de rota que fora planejada.
As áreas adjacentes ao pólo norte estavam reduzidas a um montão de destroços. Ao
que tudo indicava, tremendas energias atômicas tinham se descarregado por ali,
devastando completamente uma área de cerca de cinco mil quilômetros quadrados.
Hawk depreendeu dos fragmentos das mensagens transmitidas captadas por seu
rádio-capacete que de início a área construída fora bem menor. Alguém devia ter agido
sem a menor contemplação, alguém que resolvera usar todos os recursos disponíveis para
ter certeza de que no centro da destruição não restava mais nenhum vestígio de vida.
Omar Hawk começou a desconfiar de quem tinha sido esse alguém.
Perry Rhodan.
Era bem verdade que por motivos que ele não conhecia o supersentido de
rastreamento de seu okrill costumava falhar de vez em quando. Hawk teve a impressão de
que havia alguma coisa desconhecida que distraía a atenção de Sherlock. Mas a imagem
transmitida pelo amplificador de vibrações cerebrais foi suficientemente clara para que
pudesse reconstituir as explosões e identificá-las como efeitos dos disparos de canhões de
conversão. Vez por outra até se via no céu a figura de uma gigantesca nave esférica. Só
podia ser a Crest II, com o aspecto que tivera há dois ou três dias quando viajava por ali.
— Onde estaria a nave naquele momento?
— O que acha? — perguntou Hattinger.
Hawk arregalou os olhos de espanto. Só neste momento deu-se conta de que
acabara de falar em voz alta.
— Estou me referindo à Crest. Foi ela que destruiu estes edifícios.
— Isso combina com meus cálculos — disse Folger Tashit, que se encontrava num
ponto mais afastado.
— Consegue “ver” a Crest? — perguntou Hattinger em tom de curiosidade.
— Às vezes vejo-a por uma fração de segundo. Sherlock hoje não está muito atento.
Há algo de errado por aqui. De vez em quando desliga seu sentido infravermelho. Até
parece que eu o obrigo a olhar para a bola de fogo de uma nova.
— Para a bola de fogo...? — Hattinger empalideceu.
— Não é o que o senhor está pensando — apressou-se Hawk em dizer. — A Crest
não se transformou numa bola, pois nesse caso ela não poderia aparecer de vez em
quando.
— Quer dizer que não é a Crest — observou Kotranow. — Era o que eu imaginava.
A estação do pólo norte foi destruída tão depressa e de forma tão completa que
dificilmente poderia atingir a Crest. O que acha, Tashit?
O matelógico já tinha voltado ao seu adorado computador positrônico. Kotranow
suspirou.
— Vamos mudar novamente de rota. Aposto que no pólo sul de Horror
encontraremos uma estação semelhante.
— O senhor me chamou? — disse a voz de Tashit, saída do rádio-capacete.
— Meu Deus! Como o senhor custa a compreender! — disse Kotranow com um
gemido.
— Perdão, senhor! — Tashit aproximou-se. — Acabo de calcular o grau de
probabilidade de que no pólo sul de Horror possa existir uma estação semelhante... —
Interrompeu-se, atordoado, quando Hattinger soltou uma ruidosa gargalhada.
Kotranow mostrou um sorriso malicioso.
— Para isso o senhor precisa de um computador positrônico matelógico? Para que
serve seu cérebro?
— Faça-me o favor! — principiou Tashit.
— Silêncio! — gritou Kotranow. — Trate de atar os cintos; depressa. Fui um pouco
mais rápido que seu computador positrônico. Daqui a dois segundos darei início à
mudança de rota para seguirmos em direção ao pólo sul.
***
Omar Hawk ouviu um ruído estranho, assim que o primeiro rugido forte provocado
pelo empuxo dos propulsores cessou.
Desconfiou de alguma coisa. Virou a cabeça e observou Folger Tashit. O
matelógico parecia ter dificuldades com seu suprimento de oxigênio. Hawk viu-o fazer
tentativas desesperadas de abrir seu capacete pressurizado. O estranho ruído estertorante
continuava a sair do rádio-capacete.
Hawk bateu no fecho de seus cintos.
Neste mesmo instante voltou a soar o alarme dos neutralizadores de pressão.
— Fique sentado, seu bezerro lunar! — gritou Kotranow, zangado.
— Bezerro lunar é o senhor! — resmungou Hawk.
No mesmo instante foi obrigado a segurar-se no encosto de sua poltrona. Uma força
tremenda queria arremessá-lo contra o teto. O tenente olhou para as telas e via ora a
superfície do planeta Horror, ora um dos três sóis do sistema. Ao que parecia, a Androtest
II estava girando em tomo de seu eixo transversal. Hawk sentiu-se fascinado ao
contemplar seu okrill. O animal não estava atado à poltrona. A falha transitória do
neutralizador de pressão fizera com que subisse. Bateu ruidosamente no teto e voltou a
cair ao chão. Atrás dele ouviu-se o tilintar de uma pequena tela que, segundo parecia, fora
arrancada do suporte com a força do impacto. Sherlock não parecia estar ferido.
Hawk soltou um assobio estridente entre os dentes e empurrou-se. Com um único
salto percorreu a distância que o separava do computador positrônico e foi parar ao lado
do matelógico.
Mas chegou tarde.
Folger Tashit já conseguira abrir seu capacete pressurizado. A boca aberta aspirava
ruidosamente o ar, enquanto as mãos esfregavam o rosto, principalmente os olhos, dos
quais não se via quase nada.
Hawk fitou o matelógico com uma expressão de perplexidade. Não compreendia
que uma pessoa escolhida para uma missão especial vomitasse pelo simples motivo de
que o “mundo” parecia girar nas telas.
Antes que Hawk pudesse fazer qualquer coisa para ajudar o matelógico, um robô-
médico compareceu ao lugar. Tirou o traje espacial de Tashit e, vencendo a resistência
deste, colocou-o numa maca. Depois desapareceu pela escotilha blindada.
— Ei, careca o que houve? — perguntou a voz de Hattinger, saída do
intercomunicador de Hawk.
— Tashit vomitou — respondeu Hawk.
— Essa você não esperava! — exclamou Hattinger em tom alegre. Mas de repente
parou de rir. — Espere aí, careca! Quer dizer que Tashit...? Não é possível. Ele deve ter
agüentado em situações muito mais difíceis, senão não estaria nesta nave. Há algo de
errado nisso, careca.
Se Hattinger tivesse tido tempo de prosseguir em suas reflexões até chegar a uma
conclusão lógica, talvez ainda pudesse ter salvo a situação. Mas não teve tempo.
— A estação do pólo sul está intacta! — anunciou a voz do Major Le Croix. — É
formada por quatro abóbadas dispostas em retângulo. Cada abóbada consiste numa semi-
esfera de dez quilômetros de altura e dez quilômetros de diâmetro.
— A gente acaba ficando com dor de cabeça, de tanto que este sujeito grita! —
esbravejou Hattinger. — Além disso só fica dizendo bobagens.
O sargento Usbekian, que estava registrando a rota da Androtest II, levantou a
cabeça de seu estilete sincronizado.
— O senhor também. Minha cabeça está quase estourando.
Hawk olhou em torno com uma expressão de perplexidade. Também tinha uma
sensação oca na cabeça. Além disso parecia que ver o estado de Tashit lhe fizera mal. Seu
estômago começava a revoltar-se.
Seu rádio-capacete transmitiu um arroto abafado e doloroso, seguido da voz áspera
do Coronel Kotranow.
— Aqui fala o comandante. Vamos lançar um ataque contra a estação do pólo sul.
Ngudru, abra fogo com todas as peças assim que os rastreadores de mira tenham
enquadrado o alvo. O objetivo do ataque será a destruição total da base do sul.
Hawk reprimiu as náuseas e, apesar da pressão que superava os neutralizadores, foi
avançando em direção à poltrona do comandante. Olhou para a tela frontal e viu a estação
que se aproximava.
— Quer mesmo destruir a estação, senhor? — perguntou assim que conseguiu
colocar-se ao lado de Kotranow. — Sem nenhum reconhecimento prévio?
— A estação já foi atacada — respondeu o coronel com a voz penetrante. —
Apresenta sinais de danos de pequena monta, sinais estes que constituem indício seguro
da ação das armas da Crest. Para mim isso é uma prova concreta. Pense um pouco para
descobrir por que a estação não foi destruída, apesar de ter sido atacada.
Hawk refletiu a este respeito. Enquanto as trilhas energéticas dos quatro canhões da
Androtest II atingiam o alvo, compreendeu a conclusão final a que Kotranow tinha
chegado. A mesma lhe pareceu lógica. Se Rhodan ordenara o ataque à fortaleza do pólo
sul e este só apresentava danos relativamente insignificantes, dali só se poderia concluir
que o ataque lançado pela Crest II fora rechaçado.
Hawk esperava com o coração palpitante que a mesma força que, segundo tudo
indicava, fora fatal à Crest II, também viesse a ser empregada contra a Androtest II.
Mas não houve nada que se opusesse à ação da Androtest II, que atirava
ininterruptamente. Cogumelos atômicos subiam bem acima das camadas superiores da
atmosfera e o céu ainda parecia estar numa estranha incandescência quando a nave já
tinha mergulhado atrás da linha do horizonte.
O silêncio reinava na sala de comando no momento em que Kotranow freou a
Androtest II no espaço situado entre o sol B e o planeta Horror, ao mesmo tempo em que
modificava a rota.
O único ruído que se ouvia era o murmúrio do computador positrônico, e os estalos
dos relês que soavam toda vez que os dados apurados pelos rastreadores eram
transmitidos às telas de transmissão. A estes ruídos misturava-se o zumbido uniforme dos
reatores que alimentavam o sistema de propulsão, ruído este que vinha das profundezas
da nave.
***
Rhodan olhou com uma expressão de compaixão para o corpo do homem deitado na
mesa de exames, que se tornara macilento com as canseiras imensas e sangrava de
inúmeras feridas pequenas.
As faces do Capitão Redhorse pareciam brilhar num estranho fogo por cima dos
maxilares angulosos. As pálpebras tremiam. Os lábios rachados movimentavam-se em
silêncio.
O médico que estava realizando os exames largou o spray de plasma, pegou uma
seringa e enfiou a agulha na veia do braço de Redhorse.
“Ninguém diria que ele não tem mais de dois milímetros de altura”, pensou Rhodan
e um traço amargo surgiu em torno dos cantos da boca. Quem poderia imaginar uma
coisa dessas? Afinal, o tamanho de todas as coisas diminuiu sob a ação do condensador
potencial.
Isso praticamente teria de compensar o processo apavorante...
Quem dera que todo o Universo tivesse sido reduzido juntamente com eles!
Na situação em que se encontravam estavam isolados dos amigos, do mundo em
que viviam, de sua galáxia de origem. Isolados estavam todos aqueles que pertenciam à
tripulação da Crest II, um supercouraçado que não tinha mais de um metro e meio de
diâmetro...
De repente a figura musculosa do índio cheiene entesou-se. Redhorse abriu os olhos
e fitou Rhodan. Até parecia ter notado o olhar atento que este lhe lançara. Fez um grande
esforço para levantar a mão e um sorriso orgulhoso apareceu em seus lábios.
— H'gun — disse. — Coragem.
As pálpebras voltaram a fechar-se como se pesassem demais. O braço caiu para trás.
O tórax subia e descia num ritmo uniforme.
— Está dormindo, senhor — disse o médico num cochicho.
Rhodan acenou com a cabeça. Não disse uma palavra; fez meia-volta e saiu
andando. Não havia necessidade de perguntar se Redhorse se recuperaria. Ele sabia que
sim.
Rhodan atravessou o corredor comprido com a cabeça caída. Caminhou em direção
à escada de emergência que levava à sala de comando da nave-capitânia da Frota do
Império.
Deu uma risada amarga.
A nave-capitânia! Uma nave-capitânia com um metro e meio de diâmetro!
Um ser humano de tamanho normal nem acharia que o vale em que estava pousada
a Crest II era um vale; seria antes uma pequena reentrância no solo. Mas para Rhodan e
os outros tripulantes este vale representava uma depressão de cinqüenta quilômetros de
diâmetro, limitada por uma cadeia de montanhas em ferradura de oito mil metros de
altura. Todas as coisas existentes na superfície de Horror tinham sido reduzidas ao
mínimo por meio de um conjunto de máquinas que há muito tempo tinha posto um fim
terrível à guerra atômica travada entre duas espécies inteligentes.
As únicas coisas que tinham conservado o tamanho normal eram as estações que
haviam gerado o campo de redução.
A estação do pólo norte tinha sido destruída pela Crest II antes que se manifestasse
a catástrofe.
Mas a estação do pólo sul ainda existia — e com ela as irradiações do condensador
potencial, a arma mais terrível que um ser humano já tinha conhecido, e cujos efeitos
chegavam até o equador.
Rhodan parou instintivamente. Suspirou, e seu suspiro encerrava todo o desânimo e
desespero que lhe enchia a alma.
Mas de repente lembrou-se do Capitão Redhorse. Teve vergonha de sua atitude de
resignação.
— Coragem! — dissera o índio cheiene, embora mal e mal tivesse escapado do
inferno, mais precisamente, o inferno da estação do pólo sul.
— Coragem! — repetiu Rhodan.
Subiu a escada, pisando fortemente.
De um instante para outro a Crest II viu-se no meio do concerto ensurdecedor de um
furacão. Massas de ar impregnadas de areia passavam uivando pelas paredes externas. A
escada em que pisavam os pés de Rhodan começou a balançar.
Rhodan hesitou um pouco, mas logo subiu apressadamente, como se o demônio em
pessoa estivesse atrás dele.
Imaginou que o que estava acontecendo por ali realmente devia ser uma coisa
diabólica.
Realmente, em Horror tempestades fortes como estas eram desconhecidas — ao
menos as tempestades naturais...
***
Quando Rhodan entrou na sala de comando, Mory Rhodan-Abro virou a cabeça.
Rhodan fitou seu rosto branco. Seu coração contraiu-se. Mas não deixou que ninguém
percebesse o desespero que sentia.
Mais à frente, à meia-luz espalhada pela iluminação de emergência, reconheceu os
contornos da figura de Atlan. O arcônida estava mexendo em alguns comandos.
De repente uma tela acendeu-se — uma única.
Era a tela que permitia a visão para o sul, na direção em que as montanhas Tortas de
Areia recuavam, formando a abertura do vale.
Rhodan colocou-se ao lado de Mory e apertou a mão da mesma. Sentiu um ligeiro
tremor.
— Coragem! — disse, repetindo sem querer a palavra pronunciada por Redhorse.
Mais uma rajada de vento atingiu a Crest II, fazendo balançar a nave. As peças de
sua estrutura gemiam como se fossem seres vivos. A esse ruído juntava-se o uivo infernal
de um terrível furacão.
Mas nenhum dos presentes, nem Rhodan ou Mory, sua esposa, nem Atlan ou Icho
Tolot ou Bert Hefrich, Cart Rudo ou Jury Sedenko, deu atenção a isso. Os olhos de todos
estavam literalmente pregados no horizonte ao sul, sobre o qual uma série de línguas de
fogo subia cada vez mais. Eram colunas de chamas que subiam ao céu, bolas
incandescentes que se expandiam rapidamente, e os cogumelos de fumaça que
representavam um acompanhamento típico das explosões nucleares.
As pessoas que se encontravam na sala de comando da Crest II tiveram de segurar-
se. A nave balançava. Não era somente o furacão, nem os ventos escaldantes que rugiam
sobre as montanhas ou os torvelinhos que se formavam no interior do vale: tinha-se a
impressão de que a própria estrutura do planeta estava sendo sacudida.
Alguém deu uma estrondosa gargalhada.
O Major Hefrich, que exercia as funções de engenheiro-chefe, pôs-se a praguejar.
— Procure não enlouquecer, Kasom! Aquele que está promovendo este fogo de
artifício pode explodir todo o planeta.
Rhodan pigarreou.
— Calma, minha gente. Em minha opinião é o Coronel Kotranow que está atacando
a estação do pólo sul com a Androtest II. E faz muito bem atirando primeiro para
perguntar depois.
— Major Hefrich! Dr. Holfing! Providenciem para que os três conjuntos geradores
de emergência desta nave trabalhem a plena potência. Transmita toda a energia gerada à
estação de rádio. Major Wholey! O senhor fica encarregado de orientar a antena
direcional exatamente para a posição matematicamente determinável da Androtest II. Irei
imediatamente para aí a fim de fornecer o texto da mensagem de alerta que deverá ser
expedida.
Os três homens retiraram-se e Atlan juntou-se a Rhodan e Mory.
— Você acha que Kotranow voará para a própria desgraça?
Rhodan acenou com a cabeça.
A figura enorme de Icho Tolot, que antes parecia um monstro saído de um pesadelo,
aproximou-se pisando fortemente. “Quem vê este halutense até é capaz de esquecer que
o mesmo só tem três milímetros e meio de altura”, pensou Rhodan.
— Ele correrá para a própria desgraça — disse Tolot. — Kotranow nem desconfia
do perigo que o espera em Horror.
— Por isso mesmo quero preveni-lo — disse Rhodan. Voltou a apertar a mão de
Mory e, usando a escada secundária, subiu à sala de rádio.
— Tomara que a mensagem alcance a Androtest! — disse Atlan com um suspiro.
Ninguém respondeu, pois todos sabiam que nada tinham a acrescentar às palavras
do lorde-almirante. Só lhes restava esperar.
6
***
**
*