Você está na página 1de 68

(P-247)

O SENHOR DOS
ANDRÓIDES

Autor
KURT BRAND

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
Cinco homens e um rato-castor — sendo caçados pelos
monstros do mundo das trevas...

Os calendários do planeta Terra registraram os primeiros


dias do ano 2.402. A expedição de Perry Rhodan para
Andrômeda, conhecida como operação cabeça-de-ponte, não foi
um sucesso total, pois registrou vários revezes.
Depois de vários altos e baixos parece que a expedição
terrana finalmente conseguiu uma base segura no planeta
Gleam, situado na nebulosa Andro-Beta, a partir da qual pode
ser lançada a ofensiva para a área diretamente controlada pelos
senhores da galáxia.
Mas de repente aparecem as esferas luminosas — que são
uma nova arma dos senhores de Andrômeda — e a nebulosa
Andro-Beta transforma-se numa área de perigo máximo!
Graças a um lance inteligente de Perry Rhodan, os
terranos conseguem chegar ao Centro de Controle Módulo, que
é o ponto de partida das esferas luminosas.
Baar Lun, que comanda o centro de controle, odeia os
senhores da galáxia, pois é escravo dos mesmos — tal qual
tantos outros seres inteligentes com que a expedição de Perry
Rhodan se encontrou na estrada perigosa que leva para
Andrômeda. Baar Lun trava uma luta implacável com os
intrusos, pois ele, que é O Senhor dos Andróides, comete um
grave engano...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Baar Lun — O Senhor dos Andróides e último exemplar de seu
povo.
Gucky — O rato-castor que já pode brincar de novo.
Curd Bernard — Um oficial intendente que experimenta suas
dificuldades.
Sven Henderson, Bron Tudd, Ray Burdick, Taka Hokkado e
Finch Eyseman — Participantes da operação mundo das
trevas.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Loor Tan — Uma prova viva.
1

Eram verdadeiros monstros.


E o processo de sua criação era tão monstruoso quanto eles mesmos. Nos
gigantescos caldeirões o plasma arrancado de um ser inteligente era transformado numa
massa gelatinosa e apática. Das profundezas fumegantes dos caldeirões saía um mingau
parecido com lava liquefeita. Antes que o processo de resfriamento pudesse prosseguir,
barras metálicas golpeavam a massa flexível, arrancando peças cuidadosamente pesadas
da mesma. Enquanto os restos voltavam aos caldeirões, os pedaços de massa crua iam
caindo nas entradas afuniladas dos monumentais biobancos.
O último ato de um criminoso processo pseudocriador teria início.
O processo de formação era realizado segundo a regulagem dos biobancos. A escala
do pavor ia dos gigantescos amebóides autotransformáveis para as monstruosas medusas
tentaculares, terminando em gigantes de duas pernas e dois braços.
Mas o pavor não estava tanto nas exterioridades. A gente se acostumava a elas. O
aspecto horrível e criminoso eram os pseudocérebros introduzidos nestes seres. Neles se
manifestava uma réstia tênue de consciência, do consciente coletivo que conferia uma
espécie de alma ao plasma primitivo, enquanto o mesmo era uma unidade física. A
memória desse estado era encapsulada pelas rotinas de comportamento impostas a estes
seres, mas não chegava a ser apagada completamente por elas.
Tive de fazer um grande esforço para não pensar nos martírios psíquicos alojados
nas profundezas destes cérebros. Se o fizesse, ficaria louco. Minha tarefa consistia
exclusivamente em usar meu dom especial de conversão energética para produzir os
cristais vibratórios da quinta dimensão, que conferiam aos cérebros dos andróides uma
centelha de vida aparente. Estes cristais eram formados por substâncias minerais que
produziam vibrações na quinta dimensão. Estas substâncias minerais não costumam ser
encontradas nem em estado natural, nem em estado artificial.
Por uma ironia amarga do destino justamente um ser como eu, que em virtude de
uma sensibilidade especial sentia qualquer sofrimento em escala ampliada, era obrigado a
desempenhar um papel decisivo na geração do martírio dessas criaturas. Só mesmo um
pavor ainda maior poderia obrigar-me a fazer uma coisa dessas. Os seres que com uma
arrogância sem limites costumavam chamar-se de senhores da galáxia exerciam
chantagem contra mim, desde que fora banido embaixo da superfície do planeta Módulo.
Se não fizesse sua vontade, ajudando-os na execução de seu intento criminoso,
destruiriam meu povo.
O pior era que todas as ligações com os membros de meu povo tão sofrido tinham
sido cortadas. Só me lembro de que levam uma existência triste sob o gelo e a noite
eterna do planeta Módulo. Outra parte de meu povo vegeta num planeta pertencente à
nebulosa anã que muitas vezes vejo nos telescópios, diante do fundo cintilante formado
por Andrômeda. A memória dos detalhes de minha infância tinha sido apagada no
psicolador. Por isso não sei praticamente nada sobre como vive meu povo. Mas lembro-
me perfeitamente das suas tradições. Dizem elas que o povo de que se originaram os
módulos vivia num planeta pertencente à nebulosa anã. Este planeta era conhecido como
o mundo do primeiro exílio. Não sei o que significa isso. Pelo que se diz, foi por causa de
um cristal que meu povo se viu obrigado a abandonar seu mundo.
Foi dividido. Parte dele foi banida pelos senhores da galáxia no Mundo dos Cantos,
enquanto outra parte teve de viver sob o gelo de Módulo, um planeta situado no espaço
vazio.
Nestas condições, não pude deixar mesmo de fazer a vontade dos senhores da
galáxia. Era bem verdade que, se quisesse, poderia usar minhas parafaculdades para
conquistar o centro de controle. Mas este ato de rebeldia acarretaria o extermínio total de
meu povo. Os senhores da galáxia costumavam cumprir suas ameaças.
Um uivo estridente se fez ouvir. Levantei instintivamente as mãos e tapei os
ouvidos. Uma das características hereditárias de minha raça nos leva a esboçar reações
violentas e espontâneas.
O uivo vinha do biobanco. Era um sinal de que os cérebros e os corpos de mais um
lote de cem monstros acabavam de ser completados — ou quase, pois ainda lhes faltava o
cristal...
Dirigi-me à plataforma antigravitacional e subi à sala de controle das esferas, que
servia ao mesmo tempo de centro de controle para o processo de vivificação dos
andróides. Fechei ruidosamente a escotilha depois de ter passado por ela. O ruído
martirizante dos caldeirões e biobancos não chegou ao lugar em que me encontrava. O
projetor da quarta dimensão estava em funcionamento, projetando sinais de controle
luminosos que mostravam o desenvolvimento do processo por cima de meu rosto
levantado. Uma espécie de hipno-efeito técnico obrigava meus sentidos a desenvolver um
máximo de atenção. Além disso formava as figuras luminosas abstratas correspondentes
às mensagens que atingiam minha mente, fornecendo-me uma imagem exata dos cérebros
dos andróides.
Minhas mãos executavam um trabalho automático no painel. O trabalho mecânico e
parapsíquico tinham de ser perfeitamente coordenado, pois do contrário os monstros não
poderiam despertar para uma vida pseudo-inteligente.
Não existem palavras para descrever o que acontecia em seguida com meu cérebro e
os cérebros plasmáticos. Tratava-se invariavelmente de um processo apenas
semiconsciente. A energia que executava a conversão de energia em matéria vinha das
profundezas de meu subconsciente.
Saí do pesadelo do estado crepuscular banhado em suor. Os músculos pulsatórios de
minhas artérias bombeavam o sangue com mais rapidez através do corpo que de costume.
Estava deitado em minha poltrona-concha, respirando com dificuldade. Examinei o
resultado de meu trabalho e tremi por dentro. Mais cem andróides acabavam de ser
produzidos. Os seres-medusa saíram cambaleantes sobre tocos tentaculares, para entrar
nas esferas energéticas que já estavam à sua espera.
Em última análise estas esferas também eram um produto de minhas
paracapacidades. Se não fossem os cristais vibratórios produzidos por mim, nunca seriam
capazes de cumprir sua finalidade, consistente em usar o semi-espaço como meio de
transporte e levar a morte instantânea ao planeta escolhido.
Quando as cem esferas saíram pelo poço de decolagem, eu mesmo me senti como
um monstro. Mas não tive tempo de levar ao fim a luta que se esboçava entre minha
consciência e o medo de que meu povo fosse exterminado. Os biobancos seis e sete
anunciaram ao mesmo tempo que o processo de formação acabara de ser completado
mais uma vez.
Tive de ajudar um total de cinco monstros a adquirir uma vida “emprestada”. Cinco
mil esferas saíram em direção à nebulosa anã, para destruir os inimigos dos senhores de
Andrômeda que tinham aparecido por lá. Milhões de esferas já se encontravam lá, e
milhares delas tinham completado seu trabalho cruel.
Depois disso resolvi fazer uma pausa. Dirigi-me ao meu alojamento particular. Uma
vez lá, liguei o aparelho automático de preparo de alimento. Dali a pouco uma bacia rasa
apareceu na abertura redonda da mesa. Fiz avançar o lábio inferior sem muito apetite e
sorvi o caldo tépido verde-acinzentado. Tratava-se de um alimento sintético. Era muito
saboroso e continha todas as vitaminas de que meu organismo precisava. Lembrei-me de
que meu povo costumava designar este líquido como suco de espuma de cogumelos.
Certamente as colônias de cogumelos representavam a principal fonte de alimento no
mundo do qual tinha vindo.
Tentei formar uma imagem deste mundo. A tradição aludia a florestas de cogumelos
e pântanos gigantescos cheios de cogumelos, além de três gigantescos sóis vermelhos e
uma atmosfera fluorescente. Sabia o que era um sol e era capaz de imaginar o que vinha a
ser o fenômeno da fluorescência, mas as palavras florestas e pântanos não faziam nenhum
sentido para mim. Durante toda minha vida só conhecera o frio, a penumbra, o ar viciado,
a rocha e os alojamentos fechados. O psicotratamento fizera com que as impressões se
tornassem vagas e pouco precisas. Mas eu sabia que embaixo do gelo eterno do planeta
Módulo não havia nenhuma atmosfera azul, nem florestas ou pântanos cheios de
cogumelos.
Deveria descansar depois de absorver o alimento. Em virtude de mais uma
característica hereditária, de meu povo, e tensão não permitia que dormisse. Aguardava
ansiosamente o momento em que teria de cumprir a próxima tarefa...
Fazia pouco tempo que algumas espaçonaves desconhecidas tinham aparecido nas
proximidades de Módulo. Usei as esferas para mantê-las afastadas da base. Só um
pequeno veículo conseguira pousar — ou fora derrubado pelos fortes encarregados da
defesa do planeta. Segundo a versão oficial, tratava-se de agentes inimigos. Mas conhecia
muito bem a mentalidade dos senhores da galáxia para deixar-me enganar por eles. Sabia
que estavam nervosos e desconfiados. Isso acontecia em parte porque de repente os
cadáveres de dois maahks tinham sido encontrados em uma das esferas enviadas à
nebulosa anã. Dei ordem para que a esfera regressasse. Os robôs que trabalhavam no
centro de controle tinham sido muito cuidadosos com os cadáveres dos maahks, mas
apesar disso acontecera uma coisa muito desagradável. Um leve contato com um
instrumento cirúrgico fizera com que os dois corpos se derretessem. Alguém havia
colocado cargas combustíveis nesses corpos. Quanto a isso não havia dúvida. Mas apesar
disso a pane não deveria ter acontecido.
Em virtude disso não acreditei que se tratasse de agentes inimigos. Os senhores de
Andrômeda sempre trabalhavam com truques, dissimulando suas verdadeiras intenções.
Tive certeza de que os tais agentes inimigos na verdade eram espiões dos senhores — ou
então inspetores secretos.
Finalmente surgira a oportunidade pela qual tanto tinha esperado em vão. Já poderia
fazer com que os seres que me oprimiam, ou seus servos fiéis, pagassem um pouco pelo
que tinham feito ao meu povo.
Resolvi aceitar a versão oficial. Isso me daria uma possibilidade legal de caçar os
falsos agentes, interrogá-los com o psicoaparelho e, caso tivessem cometido algum crime,
aplicar-lhes a pena de morte. E tudo isso sem que os senhores da galáxia pudessem ver
nisso um motivo para duvidar de minha lealdade.
Vinte mil amebas gigantes autoconversíveis feitas de plasma vitalizado
encontravam-se sobre a cobertura de gelo do planeta Módulo. Sua tarefa tinha sido
perfeitamente definida. Consistiria em usar os recursos disponíveis para desgastar
psiquicamente os intrusos, até que estes vissem na morte uma bênção. Infelizmente
minha intervenção nos acontecimentos que se desenrolavam na superfície sempre seria
bastante limitada, já que não dispunha de qualquer contato visual “para cima”. Não
poderia evitar que os monstros matassem os espiões. Eles mesmos teriam de defender a
própria vida.
Fui à sala de controle e recebi as informações estereotipadas dos andróides. Meus
olhos emitiram um brilho febril.
A caçada tinha começado!
***
Tinha aspecto quase humano, sua altura quase chegava a dois metros, tinha
membros finos e era muito esbelto. O azul delicado da pele formava um contraste
estranho com a pupila amarelada de seus globos oculares cheios de hélio. Se não fosse
vitalidade nova, a calva faria com que se parecesse com um homem idoso do planeta
Terra — e se não estendesse vez por outra o grosso lábio inferior que fechava uma boca
muito larga em forma de colher.
Loor Tan era o único sobrevivente dos seres inteligentes descobertos em Gleam.
Fazia cerca de sete semanas que o Capitão Don Redhorse e os membros de seu
comando tinham descoberto o planeta Gleam. Recebera este nome em virtude da
atmosfera que apresentava uma fluorescência azulada. Gleam era um mundo dado a
extremos. Circulava em torno de um dos três gigantescos sóis vermelhos — o do meio —
que se enfileiravam em linha reta no interior da nebulosa Andro-Beta. A estranha
constelação recebera o nome de sistema Tri. Gleam era o único planeta do sistema. A
velocidade elevada de sua rotação fizera com que adquirisse a forma de uma elipse
achatada.
A explosão da lua Siren tinha produzido uma mudança radical nas condições de vida
existentes em Gleam. Todos os gleamors pereceram em virtude das radiações térmicas de
Siren ou dos tremores tectônicos que se seguiram a elas.
O único sobrevivente fora o chefe. Don Redhorse o usara como refém, para escapar
à prisão. E agora o próprio Loor Tan era um prisioneiro.
Perry Rhodan viu-se lançado mais uma vez num conflito psíquico, quando o
gleamor foi colocado à sua frente. Sentia-se culpado de certa forma pelo desaparecimento
desse povo. Por ordem sua a única lua de Gleamor, chamada Siren, fora destruída com
bombas de Árcon. Acontece que no interior da lua escavada se encontrara a gigantesca
estação de hiper-rádio que comandava as ações destrutivas dos mobys. Ninguém teria
tomado uma decisão diferente. Milhões de seres ameaçados foram salvos. Mas os
gleamors morreram...
Rhodan pigarreou.
Loor Tan estremeceu e fitou-o com os olhos cintilantes. O gleamor tirara seu saiote
típico. Enquanto estivesse a bordo da Crest II não precisaria dessa vestimenta, que
desempenhava uma finalidade bem definida. Ela evitara que afundasse nos pântanos
cheios de cogumelos que cobriam a superfície de Gleam. Loor Tan usava o conjunto-
uniforme simples dos técnicos de manutenção terranos. Isso lhe dava um aspecto muito
mais humano, embora as calças fossem muito largas para suas pernas finas.
Rhodan fez um movimento para que o guarda se retirasse do camarote. O
Administrador-Geral tivera seus motivos para realizar a palestra em seus aposentos
particulares. Queria fazer uma tentativa de derrubar a barreira psíquica invisível que o
separava do estranho ser.
Apertou um botão e ligou a tradutora.
— Faça o favor de sentar, Loor Tan.
O gleamor deixou-se cair lentamente numa poltrona articulada, sem tirar os olhos de
Rhodan. Este recebeu o ataque mental com um sorriso. Tratava-se de uma série de
vibrações da quinta dimensão partidas do cérebro do gleamor. Qualquer terrano comum
seria colocado num perigoso estado de euforia por essas emanações, mas a mente
treinada de Rhodan não teve nenhuma dificuldade em defender-se das mesmas.
— Deixe isso para lá, Loor Tan. Não adianta. Além disso o senhor deve deixar de
considerar-se um prisioneiro. Somos seres aparentados, embora um abismo tinha
separado nossa evolução. Os verdadeiros inimigos dos senhores são os senhores de
Andrômeda, que também são nossos inimigos. Este fato poderia servir de base a um
entendimento.
Rhodan ficou satisfeito ao notar que o gleamor suspendera seu ataque mental, mas
não demonstrou sua satisfação. Examinava atentamente o rosto de seu interlocutor, no
qual se notavam convulsões nervosas.
— Mostraram-lhe o cadáver do andróide...?
Loor Tan soltou um profundo suspiro e sacudiu-se.
— Não conheço os monstros deste tipo, senhor.
Perry Rhodan passou a falar em tom muito sério.
— Pois os monstros deste tipo existiram aos milhares na lua de seu mundo, Loor
Tan. Depois da explosão de Siren, caíram sobre Gleam, vindos do espaço. Temos motivo
para suspeitar que foram eles que mataram os últimos sobreviventes de seu povo.
Loor Tan ergueu-se tão abruptamente da poltrona que até parecia que o assento se
tornara incandescente. Sua respiração era entrecortada. Fazia avançar e recuar o lábio
inferior a intervalos ligeiros. Sem dúvida a excitação típica de seu povo deixara o
gleamor sem fala.
Finalmente voltou a acalmar-se.
— Que importa que meu povo não viva mais? — disse em tom cansado. — Os
indivíduos que viviam no mundo ao qual vocês deram o nome de Gleam eram somente
uns poucos. Além disso estávamos no último estágio da degenerescência — voltou a
sentar. — Não posso dar-lhe muitas informações, senhor. Procure os poderosos. São os
únicos que poderão ajudá-lo a encontrar os inimigos de seu povo e do nosso.
Perry Rhodan soltou um suspiro de resignação. Ali estava de novo a palavra
ominosa. Os poderosos. Pelo que se dizia, eram os membros de uma raça espalhada por
muitos lugares que tinham conservado a vitalidade. Onde viviam eles, e qual era a origem
de seu poder...?
Loor Tan não pôde prestar qualquer informação a este respeito. Dizia que ele e os
gleamors que tinham sido mortos eram descendentes degenerados de um povo que já fora
grande, descendentes estes que tinham sido exilados por seres desconhecidos. Não era
nada difícil imaginar que esses desconhecidos eram os senhores da galáxia. Mas isso
levaria a um beco sem saída, tal qual as outras reflexões.
Rhodan obrigou-se a permanecer calmo. O nervosismo do gleamor era contagiante.
Fez um relato ligeiro de tudo aquilo que em sua opinião Loor Tan deveria saber sobre a
descoberta do mundo das trevas, as esferas e os monstros.
Depois disso obrigou o gleamor a fitar seus olhos. Rhodan colocou toda sua energia
em seu olhar. Havia pessoas que afirmavam que esse olhar irradiava certa força hipnótica.
Não era verdade, mas uma criatura sensível que nem Loor Tan não poderia deixar de
sentir a vontade indomável de Rhodan — e de submeter-se a ela.
Perry Rhodan sabia que Loor Tan dizia a verdade quando alegava não ter nenhuma
explicação para os acontecimentos que se tinham verificado.
Levantou e saiu caminhando pesadamente em direção ao gleamor, que recuou.
Sentia a resistência interior deste ser, mas colocou as mãos sobre seus ombros.
— Preste atenção! — disse em tom insistente. — O senhor e eu não somos inimigos,
Loor Tan. Até deveríamos ser amigos. Mas sei que isso leva algum tempo. Se tomo
minhas precauções, isso só acontece porque por uma questão de princípio não posso agir
de outra forma. Mas eu gostaria que não se considerasse prisioneiro. Sempre que desejar
alguma coisa, avise-me.
Deixou cair as mãos e saiu caminhando em direção à porta.
— Sargento! — gritou para o guarda. — Acompanhe Loor Tan ao seu camarote.
Quero que receba todas as atenções. Lembre-se disso. É claro que voltará a ocupar seu
posto à frente da porta de Loor Tan.
O sargento confirmou.
Loor Tan não ofereceu qualquer resistência, e por isso seu guardião não teve muito
trabalho. Saiu caminhando pelo corredor ao lado do gleamor, dando a impressão de que
os dois pertenciam à tripulação da Crest II.
Perry Rhodan seguiu-os com os olhos. Havia um sorriso indefinível em seu rosto.
A grande tela panorâmica instalada na sala de comando principal estava acoplada
aos hiper-rastreadores. Por isso uma imagem muito nítida do planeta sem luz aparecia na
mesma.
Icho Tolot, o gigante halutense, estava de pé, com as pernas bem afastadas, à frente
do semicírculo formado pelo console de controle. Os três olhos brilhantes vermelhos
tinham saído das órbitas. Fitava ininterruptamente as telas, enquanto os grandes olhos
proeminentes giravam que nem antenas.
Gucky, o rato-castor, estava sentado sobre o ombro do halutense. O pequeno ser
peludo não parecia incomodar-se nem um pouco por que seu corpo não era maior que a
cabeça em cúpula de Tolot. Olhava petulantemente de um lado para outro. Havia um
brilho arrojado em seus olhos redondos de botão. A cauda em concha batia de vez em
quando nas costas de Tolot. Apoiava a mão esquerda na cabeça do gigante.
— Ainda não descobriu o que querem mesmo estas esferas? — perguntou,
interrompendo o silêncio. — O Chefe está chegando...
Um rugido profundo saiu do tórax enorme de Tolot. Só quem conhecesse o
halutense seria capaz de interpretar o ruído trovejante. Era uma expressão de ternura
contida. O ser gigantesco, cujo exterior se parecia com um monstro temível, reservara um
lugar todo especial para Gucky em seus dois corações. Gucky era o único que podia
chamar Tolot de você sem que este se ofendesse. O rato-castor aproveitava a valer a
bondade do gigante. Mas as farpas que lançava nunca conseguiam penetrar no couro
grosso de Tolot.
— Ainda não, baixinho. A não ser que queiramos uma hipótese que parece impor-se
à primeira vista, a de que lhes cabe fechar o acesso ao planeta.
— Fazem isso para valer — observou Perry Rhodan e colocou-se ao lado do
halutense. — Não será nada fácil romper a barreira, até mesmo com quatro
supercouraçados.
— Para espaçonaves ela é insuperável! — constatou Gucky em tom categórico,
numa alusão ligeira à sua capacidade de teleportar.
— Nada disso! — respondeu Rhodan em tom seco, mas logo mudou de assunto. —
Acho que na superfície do mundo sem luz já não está tão escuro. As esferas ainda
cumprem uma função secundária, a de sóis artificiais. Seu brilho não costuma ser tão
forte como está sendo neste instante...
— Sem luz não se pode caçar... — disse Tolot, esticando as palavras.
Perry Rhodan cerrou os lábios com tanta força que se transformaram em traços
pálidos. A alusão do halutense fora muito clara. Havia cinco terranos na superfície do
planeta sem luz: o Capitão Sven Henderson e mais quatro voluntários pertencentes ao seu
comando. Tinham partido há menos de um dia num jato espacial e ao que parecia tinham
sido obrigados a fazer um pouso de emergência. De qualquer maneira, o fim dos sinais
goniométricos e da medição das descargas energéticas tinham sido praticamente
simultâneos. Pouco depois disso o telepata John Marshall conseguira captar por um
tempo muito curto os impulsos mentais nervosos de Henderson. Segundo esses impulsos,
os cinco homens estavam fugindo de monstros.
A primeira tentativa de contato de Gucky fracassara. Nem mesmo um teleportador
de primeira ordem como o rato-castor seria capaz de percorrer num único salto a
distância entre as quatro espaçonaves e a superfície do planeta. Fora obrigado a fazer
várias pausas em pleno espaço — e dessa forma acabara por desorientar-se. Fora parar no
mundo sem luz, não se sabia bem onde. Foi tudo que pôde dizer. Sua curiosidade
indomável o levara a cometer um erro. Um conjunto de cavernas artificiais, em cujo
interior havia aparentemente uma porta, por pouco não se tornara fatal para ele. Gucky
descobrira uma coisa num recinto completamente vazio, cujas tremendas paraenergias o
transportaram a um mundo fantástico. Não guardava absolutamente nada na memória
sobre o que acontecera dali em diante, até o momento em que se vira numa esfera que
corria em alta velocidade pelo espaço. Só sabia que tinha teleportado várias vezes que
nem um sonâmbulo, e também usara suas energias telecinéticas.
A atuação espontânea de Gucky revelara-se completamente inútil — salvo quanto a
uma informação, que deixou principalmente Rhodan bastante pensativo...
O encontro com uma coisa cintilante que irradiava energias hipnossugestivas não
fora o primeiro. Fazia lembrar os cristais da ilusão descobertos pelo Tenente Finch
Eyseman num mundo que recebera o nome de Greenish 7. Os cristais da ilusão também
prendiam a pessoa que olhasse para eles no seu encanto mágico. Simulavam um mundo
fantástico e faziam com que agisse e pensasse em dois planos existenciais ao mesmo
tempo, que nem um sonâmbulo. Um dos planos existenciais era puramente imaginário.
Não existia na realidade, mas era simulado para a pessoa atingida pelo processo.
Enquanto a mesma se movimentava em seu mundo de sonhos, continuava a existir
fisicamente no mundo da realidade. Havia algo de estranho e tranqüilizador ao mesmo
tempo; a pessoa se movimentava em seu mundo dos sonhos de tal forma que seus atos
correspondiam aos dados do mundo real. Dessa forma os cristais de Ilu podiam ser
considerados inofensivos.
Além disso um mutante ou um homem “normal” que tivesse recebido um
treinamento mental especial estava em condições de proteger o espírito contra a
influência dos cristais. Até mesmo pessoas que já estavam submetidas ao encanto do
mesmo eram liberadas assim que se dessem conta do conteúdo de seus sonhos.
Por isso mesmo Gucky não gostava de falar nessa experiência. Afinal, suas
parafaculdades bastante acentuadas deveriam conferir-lhe uma proteção especial contra a
ação do cristal. Mas justamente ele caíra na armadilha como se fosse um recém-nascido.
Era bem verdade que o rato-castor não teria motivo para suspeitar da existência de um
cristal de Ilu no mundo das trevas. Afinal, Greenish 7 ficava a 24.840 anos-luz, em pleno
espaço vazio. O rato-castor fora pego de surpresa, o que certamente teria acontecido com
qualquer um.
Rhodan se incomodava mais do que gostaria com o problema de como um cristal
desse tipo fora parar no mundo sem luz. Tentou encontrar alguma ligação entre os dois
mundos. Não conseguiu.
Parecia ter pensado com tamanha intensidade que seu bloqueio mental se tornara
transparente. Gucky acenou com a cabeça, muito sério. Por pouco não caiu do ombro de
Tolot.
— Existem coisas que nem existem! — piou em tom agudo. — Não fique
quebrando a cabeça com isso, Chefe. Ainda haverei de descobrir o que está havendo com
esses cristais de Ilu.
Perry Rhodan preferiu não repreender o rato-castor por tê-lo espiado
telepaticamente. Limitou-se a sacudir a cabeça.
— Você não vai coisa alguma. Caso ainda consinta em que você desça mais uma
vez por lá, imporei uma condição. Você se preocupará exclusivamente com Henderson e
seus companheiros. Entendido?
Gucky soltou um suspiro. Parecia decepcionado.
— Está bem, Chefe! Mas não fique pensando demais. Henderson deve estar numa
fria.
Perry Rhodan resmungou alguma coisa que soava como uma alusão a expressões
vulgares, mas não entrou no assunto.
— Mesmo que Henderson não esteja lá embaixo, teremos de agir rapidamente. Não
há dúvida de que o local de fabricação das esferas energéticas e de seus monstruosos
pilotos fica no mundo das trevas. A substância roubada ao plasma original foi trazida
para cá. Se não pusermos fora de ação logo esta usina do diabo, daqui a pouco não restará
um único planeta em Andro-Beta.
Icho Tolot encolheu os olhos e voltou o rosto para Rhodan.
— O senhor está diante de uma decisão importante. Teremos de inutilizar as
instalações que produzem as esferas e seu centro de controle, e neste caso os senhores da
galáxia ficarão sabendo que ainda estamos por aqui; ou então limitamo-nos a acompanhar
os acontecimentos, caso em que nossas chances de sobreviver ao último passo em direção
a Andrômeda aumentarão.
— Isso não — respondeu Rhodan. — Não tenho nenhuma dúvida de que os
senhores da galáxia sabem da nossa presença. Portanto, não estaremos cometendo
nenhum erro se interferirmos na ação destrutiva. Mas não podemos lançar um ataque
maciço sem pôr em perigo a vida dos cinco homens que estão desaparecidos. Além disso
gostaria de saber o que realmente está acontecendo lá embaixo e quem dirige o centro de
controle dos senhores da galáxia.
— Devem ser somente robôs. Quem mais poderia ser? — observou Gucky em tom
de pouco-caso.
— Não — disse Tolot. — Os robôs teriam prosseguido no ataque das esferas às
nossas naves até que nos tivessem destruído ou expulso. Só mesmo um cérebro orgânico
seria capaz de, apesar das desvantagens táticas, optar por uma estratégia defensiva.
Perry Rhodan lançou mais um olhar para o mundo iluminado pelas esferas. Em seus
olhos ardia a luminosidade de quem sabe e por isso tem plena consciência de sua relativa
falta de conhecimento.
— Ainda haveremos de descobrir — murmurou.
A indagação sobre o que queria dizer com isso ficou sem resposta. Mas Gucky, que
conseguira espiar uma nesga infinitamente pequena dos pensamentos secretos de Rhodan,
sentiu um tremendo calafrio.
2

— Lá vem mais um — disse Bron Tudd, que se encontrava no posto de vigia.


Sven Henderson praguejou alguma coisa e levantou. Era de opinião que mal acabara
de cochilar um pouco. Mas olhou para o relógio e viu que dormira quatro horas. Sentiu os
movimentos dos companheiros perto dele. Certamente também tinham sido despertados
pela voz de Tudd.
Henderson espreguiçou-se dentro de seu pesado uniforme de campanha e piscou os
olhos. A figura baixa de Bron destacava-se vagamente contra o céu debilmente
iluminado.
O Capitão Henderson teve uma sensação nada agradável ao rememorar os
acontecimentos das últimas vinte e quatro horas.
O jato espacial fora derrubado pelos fortes camuflados. Foi somente graças à
habilidade do piloto aliada a um pouco de sorte que a queda pôde ser transformada num
pouso forçado mais ou menos suportável. Mas o jato espacial não resistira ao impacto.
Transformara-se num inferno de chamas. Se não fossem os potentes campos defensivos
de seus trajes de combate, os homens não teriam sido salvos.
Tratava-se de versões ultramodernas que se assemelhavam a pesados trajes
espaciais. Estavam equipados com micro projetores antigravitacionais que permitiam aos
seus portadores que voassem, além de campos energéticos individuais capazes de
absorver tiros energéticos de pequena intensidade. Além disso os campos energéticos
invisíveis formavam um envoltório esférico, em cujo interior existia uma atmosfera de
oxigênio suficientemente aquecida e umidificada para atender às necessidades do ser
humano.
Era bem verdade que os cinco membros do Comando Mundo das Trevas
dispensaram durante a maior parte do tempo esse tipo de comodidade. Voavam com os
capacetes pressurizados fechados, para economizar oxigênio, água e energia. Na situação
em que se encontravam, não podiam dar-se ao luxo de desperdiçar nada. Tinham trazido
um suprimento de oxigênio, água e alimentos concentrados para um total de cem horas.
Com o consumo normal, suas reservas ainda dariam para setenta e seis horas. Mas em
virtude da economia drástica que estavam fazendo poderiam passar mais setenta e nove
horas com as mesmas. As três horas ganhas dessa forma poderiam trazer a decisão sobre
a vida ou a morte.
Era bem verdade que naquele momento se poderia ter a impressão de que as
medidas de economia tinham perdido toda a importância. Henderson, Bron Tudd, Ray
Burdick, Taka Hokkado e Finch Eyseman ficaram fugindo ininterruptamente durante
vinte das vinte e quatro horas que as encontravam sobre o gelo do planeta das trevas.
Foram caçados por figuras andróides monstruosas. Sven Henderson parecia congelar por
dentro ao lembrar-se disso. Felizmente Ray Burdick descobrira uma fenda estreita no
gelo, no momento exato em que pela primeira vez conseguiram livrar-se dos monstros.
Entraram na fenda totalmente exaustos. Tudd se encarregou do primeiro turno de
sentinela. Mais tarde Henderson o revezaria.
Mas Bron contrariara as instruções recebidas, permanecendo em seu posto. Durante
quatro horas. Fora um erro imperdoável, pois com isso devorava sua energia física, e isso
justamente numa situação em que tudo dependia do condicionamento orgânico.
Henderson chegou à conclusão de que não era este o momento para formular
recriminações. O chamado de Bron só podia significar que os monstros tinham aparecido
de novo.
Sven foi escalando as paredes da fenda, sem ligar o campo energético que poderia
trair sua presença. Colocou cuidadosamente a cabeça fora do esconderijo. Oito gigantes
destacavam-se que nem sombras contra o horizonte, à luz crepuscular espalhada pelas
esferas que pareciam suspensas no firmamento.
— No início era somente um — informou Bron Tudd pelo rádio-capacete. — Os
outros apareceram em seguida, dando a impressão de que tinham saído do chão. Que nem
cogumelos na chuva — acrescentou.
O capitão não ligou para a brincadeira macabra de Bron. Preferiu observar as figuras
que se aproximavam. Tinham certa semelhança com os seres humanos, mas eram muito
maiores e mais desajeitados. Cambaleavam a passos gigantescos sobre a atmosfera
congelada do mundo das trevas. Sven Henderson perguntou-se como os andróides, que
afinal eram feitos de substância orgânica, suportavam o frio do espaço e a ausência
completa de uma atmosfera.
Bron Tudd martelou o gelo com os bicos das botas e colocou calmamente sua arma
energética pesada sobre a borda da fenda.
— Será que devo...?
— Não! — contestou Henderson. — Não enquanto não tivermos certeza de que
sabem onde nos encontramos.
— Olá! Vejam se me encontram! — estas palavras foram seguidas por um palavrão.
— Se estes monstros não tivessem aparecido, poderia pelo menos ter ligado meu campo
energético. Sem ele não consigo pôr as mãos em meu fumo de mascar.
— Será que este sujeito só tem fumo de mascar na cabeça? — gritou Burdick, que
se encontrava no fundo da fenda. — Bem que eu gostaria de poder ligar a esfera mais
uma vez, mas por um motivo diferente. Começo a sentir-me que nem um recém-nascido
cujas fraldas não foram trocadas há muito tempo.
— Será que está com tanto medo desses androidezinhos...? — perguntou Bron,
espantado.
— Estão chegando cada vez mais perto — disse Henderson em tom indiferente. —
Não temos nenhuma certeza de que já fomos descobertos. Talvez os monstros acabem
passando por nós. Isso seria bom demais para ser ver... Atenção! — interrompeu-se
Henderson. — Outros andróides à nossa esquerda.
— À nossa direita também — informou o sargento Tudd em tom indiferente.
Henderson virou abruptamente a cabeça. Pelo menos vinte monstros aproximavam-
se vindos da direita. Do lado esquerdo não deviam ser menos. E outros oito andróides
aproximavam-se perigosamente, vindos da frente. O capitão estreitou os olhos, enquanto
refletia intensamente. Só faltava um detalhe insignificante na imagem que formara sobre
o procedimento dos andróides.
Henderson virou a cabeça, equilibrando-se sobre a pequena saliência no gelo em que
estava parado. A imagem começava a completar-se. Os perseguidores apavorantes
também vinham de trás — só que lá eram pelo menos cem.
O sargento Tudd também vira. Aspirou fortemente o ar.
— OK! — disse num chiado. — Quer dizer que já sabemos como agir, capitão.
Vamos forçar passagem no lugar em que suas linhas são mais fracas — apontou para a
frente com o cano da arma energética. — Oito homens de gelatina não poderão deter-nos
por muito tempo.
— Acho que quanto a isso não existe a menor dúvida — cochichou Henderson.
— Hum!
— É justamente por isso que não agiremos assim, sargento. Abriremos passagem
para trás.
Bron Tudd quis protestar. Os outros membros do comando também tiveram suas
objeções. Mas Sven não permitiu que concluíssem. Havia momentos em que não se tinha
tempo para discussões. Os homens conformaram-se porque confiavam no chefe, embora
no momento suas ordens parecessem não ter lógica.
Foram saindo um após o outro do esconderijo que se tornara inútil. As ordens de
Henderson foram lacônicas e precisas. Os campos energéticos dos trajes de combate
foram ligados. Os cinco homens entraram em formação de cunha. O Capitão Henderson
colocou-se na ponta do grupo. Ainda estavam com os rostos voltados para os oito
monstros.
Sven parecia calmo e controlado. Contemplou com uma expressão fria os monstros
que se aproximavam. Quanto mais perto chegavam, mais se desvanecia o aspecto
humanóide. Era bem verdade que o plasma formava duas pernas, dois braços, tronco e
cabeça. Mas as formas nunca se mantinham constantes. Desmanchavam-se
constantemente, formando uma massa cambaleante e convulsa, que depois de algum
tempo voltava a estabilizar-se.
Os escrúpulos morais de Henderson desapareceram. Os seres que se encontravam ã
sua frente não possuíam inteligência. Não passavam de robôs feitos de plasma orgânico,
equipados com um cérebro artificial, que não dispunham de um sentimento ou
pensamento individual. Quem os destruísse não estaria eliminando qualquer forma de
vida no sentido da Criação.
Quando os oito monstros se encontravam a cinqüenta metros de distância, o Capitão
Henderson deu mais uma ordem.
Os cinco homens subiram em silêncio a cinco metros de altura. E ainda
silenciosamente que nem fantasmas descreveram uma curva. A ponta da cunha apontava
exatamente na direção dos cem monstros que vinham de trás. A formação começou a
movimentar-se.
Quando se encontravam a duzentos metros, os homens começaram a atirar. Os
feixes de impulsos saíam das armas à velocidade da luz. Rompiam sem dificuldade os
campos energéticos de dentro para fora.
Nuvens de gases incandescentes se formaram na formação de ataque dos andróides.
Henderson deu ordem para que passassem a deslocar-se à velocidade máxima. Dali a
pouco os homens perderam-se de vista.
Sven Henderson entrou numa nuvem de gases que emitia um brilho esverdeado. Seu
campo energético mudou de cor, passando para o violeta. Fluxos de fogo da grossura de
um fio pareciam correr sobre o mesmo. Logo atravessou a nuvem.
O braço de um monstro crescia a olhos vistos bem a seu lado. Bateu com toda força
no campo energético de Henderson antes que este tivesse tempo de atirar. Sven foi
atirado para longe e capotou no ar. O andróide saiu em sua perseguição. Uma fração de
segundo apavorante se passou antes que Henderson pudesse fazer pontaria e atirar.
Estabilizou sua rota, orientou-se e abriu uma via de fogo entre os monstros de
plasma que estavam mais próximos. Quando já tinha atravessado a formação, ouviu um
grito abafado em seu rádio-capacete. Voltou imediatamente. Viu um entrelaçado de
andróides do tamanho de uma casa contorcendo-se à luz trêmula e ofuscante das
explosões. A voz de Bron Tudd se fez ouvir.
— Cuidado! Estou do lado de dentro. Não posso atirar, pois o calor represado me
mataria. Os monstros estão esmagando meu campo energético.
— Vou tirá-lo daí! — berrou Sven. — Fique quieto!
Regulou o raio de impulsos energéticos para a concentração máxima e pôs-se a
atirar, tentando cortar sistematicamente os monstros cujas figuras começavam a
confundir-se. Viu pelo canto dos olhos outros andróides dirigirem-se ao campo de
batalha.
Sven Henderson não teria conseguido, se Eyseman, Burdick e Hokkado não
tivessem aparecido nesse momento. Certamente também tinham ouvido o grito de Tudd.
Hokkado e Eyseman mantiveram afastados os monstros que queriam investir contra eles,
enquanto Burdick e Henderson libertavam o companheiro que estava em dificuldade.
Conseguiram sair momentos antes que o círculo dos perseguidores se fechasse de
vez. Os homens fugiram voando à velocidade máxima.
— Já sei por que não forçamos passagem entre os oito monstros — disse Bron Tudd
depois de algum tempo.
— Pois é...! — respondeu Sven. Não tivera tempo para certificar-se de que suas
suspeitas eram verdadeiras.
— Eram milhares deles — explicou Bron. — Aproximaram-se sorrateiramente em
forma de blocos achatados. Só assumiram a forma gigantesca que já conhecemos quando
viram que não caímos em sua armadilha.
Sven Henderson limitou-se a acenar com a cabeça. O fato de ter tido razão não o
tranqüilizava nem um pouco. Pelo contrário. O procedimento dos seus perseguidores
mostrara que suas chances eram muito reduzidas.
Os andróides nunca teriam sido capazes de montar sozinhos uma armadilha tão
traiçoeira.
***
O gelo que emitia um brilho azulado parecia ter despertado para uma vida
fantasmagórica.
Braços preênseis que se assemelhavam a cobras estendiam-se de todos os lados,
enquanto andróides gigantescos de aspecto humano se aproximavam pisando fortemente.
Foi só graças à sua calma e reflexão que os cinco homens ainda estavam vivos. Se
tivessem entrado numa luta desigual, a superioridade do inimigo teria desabado sobre
eles com o peso de milhares de toneladas. Por isso limitavam-se a abrir caminho a tiro
entre as horripilantes pseudoformas de vida.
— Vamos procurar outro esconderijo! — disse Taka Hokkado com a voz rouca e
cansada.
O Capitão Henderson examinou a superfície gelada cintilante com os olhos
entreabertos. À sua direita vários blocos se amontoavam. Talvez por lá tivesse existido a
superfície agitada de um oceano, antes que o planeta fosse arrastado para o frio do espaço
intergaláctico. Sven teve um calafrio. Lembrou-se de que o mundo em que se encontrava
possivelmente já tinha sustentado uma vida opulenta. Que tragédia não devia ter
acontecido por lá quando o sol acalentador desapareceu para sempre e a atmosfera se
precipitou em forma de cristais! Era até possível que os remanescentes de uma cultura
antiga continuassem vivos sob a mortalha do gelo. Os senhores da galáxia nunca tinham
tido qualquer consideração por outras formas de vida, quando sua segurança estava em
jogo.
O capitão deu uma risada áspera. A montanha formada pelos blocos de gelo não
oferecia nenhuma segurança. As sombras que se agitavam entre os blocos, iluminadas
pela luz das esferas incandescentes, eram inconfundíveis. Tratava-se de uma forma de
vida sintética, criada para matar e condenada à morte...
— Vamos em frente! — ordenou Sven Henderson. — Descer a meio metro!
Os homens enfiados nos trajes de combate de aparência desajeitada foram descendo.
Reflexos luminosos deslizavam sobre os capacetes pressurizados transparentes e os canos
das armas energéticas. Não se via nenhum sinal dos envoltórios energéticos que
protegiam os homens, mas os mesmos existiam. Era bem verdade que os homens
dispensaram o conforto de enchê-los de ar, mas os campos energéticos evitavam que os
trajes de combate entrassem em contato direto com o frio do espaço cósmico.
Henderson lançou um olhar saudoso para o alto. A elipse brilhante da nebulosa Beta
subia lentamente sobre a linha do horizonte. Em cima dela estendia-se a roda de fogo da
nebulosa de Andrômeda. Os braços em espiral estrelados destacavam-se fortemente
contra o vazio e as nuvens escuras. Por lá havia pelo menos duzentos bilhões de sóis — e
no lugar em que se encontravam não existia um único. “É o planeta dos perdidos...”,
pensou o Capitão Henderson num assomo de dolorosa ironia. Cerrou instintivamente os
punhos e sacudiu-os na direção em que ficava Andrômeda.
“Ainda haveremos de quebrar esse orgulho, que os leva a desprezar a vida estranha
e pisá-lo aos pés!”
A roda estrelada cintilante não deu resposta. Continuaria ali quando todos já
tivessem desaparecido. Os bons e os maus. Esta idéia serviu de consolo a Sven
Henderson e incutiu-lhe nova esperança. Afinal, o que significava o domínio dos
opressores brutais que se denominavam senhores de uma galáxia inteira, em comparação
com o curso eterno do Universo? Eles não poderiam mudar esse curso nem um
pouquinho. Havia uma barreira diante da qual o poder das criaturas inteligentes se
quebrava, passava a ser apenas uma poeira de estrelas espalhadas no espaço.
— Andróides pela frente! — disse a voz de Bron Tudd saída dos rádio-capacetes.
O Capitão Henderson voltou imediatamente ao mundo da realidade. Notou um
movimento no horizonte. Quantas criaturas estariam à sua espera por lá?
— Manter a rota! — ordenou.
Sorriu ao ouvir as palavras zangadas de Hokkado, segundo o qual deveriam desviar-
se do inimigo. Mas Sven não tinha a menor dúvida de que, se fizessem isso, dentro em
breve encontrariam outra vaga de atacantes. Só havia uma coisa a fazer; ir para a frente!
Qualquer manobra desviacionista representaria uma vantagem para seus perseguidores.
Haviam tentado uma vez sobrevoar a linha dos andróides. Uma vez — e nunca
mais. Quando ultrapassaram a marca dos doze metros de altura, os fortes escondidos
começaram a atirar. Dali em diante a altura de doze metros era considerada o máximo, o
limite além do qual uma morte rápida e quente estava à sua espreita.
As figuras onde antes dos andróides começaram a destacar-se mais fortemente
contra o fundo formado por Andro-Beta. Henderson observou bastante preocupado a
massa de corpos artificiais, que pareciam fundir-se uns com os outros. Tinham alguns
minutos difíceis pela frente.
E seus magazins energéticos já tinham sido gastos pela metade...
De repente Finch Eyseman soltou um grito estridente.
No primeiro instante Henderson assustou-se. Teve medo de que o jovem tenente
tivesse perdido os nervos por causa da tremenda carga psíquica que pesava sobre ele, e
esse medo parecia cingir seu coração com mão de ferro. Mas as palavras que Eyseman
proferiu em seguida deixaram Henderson mais tranqüilo:
— Uma fenda, senhor!
Finch aproximou-se do capitão e olhou-o com uma expressão insistente através do
visor do capacete. Ao mesmo tempo apontou para a frente.
O coração de Henderson começou a palpitar forte e dolorosamente.
Uma fenda de vários metros de largura abria-se entre eles e os monstros que vinham
em sua direção. Pelo aspecto das bordas tinham-se a impressão de que uma força titânica
rompera o gelo nesse lugar. A fenda estendia-se em ambas as direções, até onde
alcançava a vista. Não passava de uma fresta de dilatação, do tipo encontrado em todos
os pontos do mundo das trevas. Em tempos antigos o planeta fora transferido
abruptamente de uma zona em que havia campos gravitacionais de grande intensidade
para um relativo vazio gravitacional.
A fenda que viam à sua frente devia ser uma fresta de dilatação muito antiga. Sven
Henderson teve uma idéia. Quem sabe se a fenda não descia até a superfície firme
propriamente dita do mundo das trevas? Era possível que por lá existissem cavernas e
desfiladeiros naturais, em cujo interior teriam melhores condições para defender-se contra
a força superior dos andróides.
Levou apenas uma fração de segundo para tomar sua decisão.
Ouviu um gemido de alívio de seus homens e concluiu que estes tinham tido a
mesma idéia.
Os andróides estavam a apenas dois ou três quilômetros de distância, quando os
cinco homens descreveram uma curva fechada e mergulharam na fenda.
No interior da sala de controle um ser solitário, que se assemelhava aos humanos,
registrou a perplexidade dos cérebros plasmáticos pseudo-inteligentes. Soltou uma risada
de deboche e pôs a mão nos controles.
Dali a pouco os espiões dos senhores da galáxia estariam maduros para a última
fase...
***
— E dois canhões desintegradores portáteis! — gritou a voz rouca de Gucky em
tom zangado. — Parece que sua audição está piorando, Major Bernard — acrescentou em
tom petulante.
— Procure ser razoável, Gucky. O que vai fazer com dois canhões desintegradores
portáteis? O senhor bem que poderia tentar reprimir suas tendências psicopáticas, que só
têm origem nos problemas da puberdade, que o senhor ainda não conseguiu superar —
sacudiu a cabeça. — Também é possível que a causa de tudo isso seja algum instinto
recalcado. Se penso...
Gucky executou uma teleportação a pequena distância para colocar-se sobre a
escrivaninha de Bernard.
— Pois continue a pensar, major! — esbravejou. — Pare de revirar a sujeira das
almas alheias.
— Ora veja! — regozijou-se Bernard. — Quer dizer que reconhece...
— Não reconheço coisa alguma — respondeu o rato-castor, aborrecido por ter
oferecido um flanco aos ataques do intendente. — Onde estão os dois canhões? Além
disso preciso de três rifles energéticos e a respectiva munição. E, é claro, provisões
concentradas categoria S para seis homens. Acho que uma ração mensal será suficiente.
Além disso dez latas de pontas de aspargos... Que houve com o senhor, major?
Olhou espantado para o intendente. As faces de Bernard tinham assumido uma
tonalidade azul. Um som estertorante saía da boca aberta.
De tão assustado que ficou, o rato-castor encostou as mãos ao peito. Mas logo viu
que as pálpebras do major estavam tremendo. Isso acontecia com qualquer pessoa que
fechasse os olhos à força.
Gucky soltou um suspiro fingido.
— Teve um ataque! Que pena! Eu mesmo terei de reunir os equipamentos... —
Gucky fez menção de abandonar o lugar que ocupava sobre a escrivaninha de Bernard.
No mesmo instante o major endireitou o corpo, exasperado.
— Não se atreva, oficial de patente especial Guck! O senhor ainda acaba me
matando com suas tendências cleptomaníacas. Nem pense em o senhor mesmo reunir os
equipamentos. Bem que gostaria — ligou o aparelho positrônico de requisição. —
Pronto. Que mais queria? Um rifle energético...
Seu dedo estendido não atingiu o teclado. O Major Curd Bernard foi subindo ao teto
de seu escritório, erguido por uma força invisível, e ficou suspenso no ar com os braços
abertos.
Gucky não disse nada. Teleportou de volta para a poltrona destinada aos visitantes,
cruzou os bracinhos sobre o peito e piscou os olhos em direção ao teto, aparentemente
desinteressado pelo que estava acontecendo.
— Dois rifles energéticos... — disse o major, cedendo à insistência de Gucky. Não
teve resposta. — Isso é chantagem! — gritou das alturas. — Está bem... Três rifles
energéticos!
Calou-se e ficou à espera. Mas esperou em vão.
Gucky nem fez menção de libertá-lo da constrição telecinética.
— Solte-me, seu sádico! — exigiu Bernard.
O rato-castor fez de conta que estava ligando o intercomunicador.
— Faça o favor de enviar dois medo-robôs e uma maca ao escritório do intendente.
O Major Bernard gemeu e revirou os olhos.
— Não foi o que eu quis dizer! Não quero que me solte, mas que me faça descer,
Gucky — suspirou resignado e pôs-se a repetir a solicitação de Gucky com a voz
chorosa, palavra por palavra, sem omitir nada.
Quando materializou na sala de comando do jato espacial 102, completamente
carregado, o rato-castor foi parar exatamente à frente do Capitão Don Redhorse. No
mesmo instante o cinto que prendia um dos desintegradores escorregou de seu ombro
estreito. Na queda, a arma que pesava quarenta quilos foi bater na tíbia de Redhorse. O
capitão soltou um ligeiro grito de dor e pôs-se a saltitar em uma perna, segurando a outra
com ambas as mãos.
Gucky colocou o resto de sua carga cuidadosamente no chão e pôs-se a contemplar
Redhorse. Finalmente bateu palmas.
— Formidável, Don! Sempre tive vontade de assistir a uma dança indígena de
verdade.
O cheiene saiu mancando em direção a uma poltrona e deixou-se cair pesadamente
na mesma. Ainda estava com a boca retorcida de dor, mas quanto ao mais soube disfarçar
perfeitamente seus sentimentos.
— É a grande dança festiva! — exclamou, respirando com dificuldade. Pôs à mostra
as fileiras de dentes reluzentes, num sorriso intencionalmente repulsivo. — Costuma ser
executada toda vez que um cara pálida está para ser torturado. Os ratos-castores atrevidos
também pertencem à raça dos caras pálidas... — acrescentou em tom de ameaça.
Gucky apressou-se em mudar de assunto.
— Sinto muito, Don. Está doendo muito?
— Não doeu nem um pouco — mentiu o capitão e exibiu um sorriso sarcástico. —
Que irresponsabilidade colocar uma carga de algumas centenas de quilos nas costas de
um anão peludo.
Gucky piscou os olhos, embaraçado.
— Quando decolaremos, Don?
— Dentro de dez minutos. Se fosse você, iria buscar o traje espacial antes disso.
Dizem que no mundo das trevas o ar é muito escasso.
— Não é escasso; não existe nem um pouco — chilreou o rato-castor e
desmaterializou.
Muito pensativo, Don Redhorse prestou atenção ao ploc surdo que se fez ouvir
quando o ar penetrou no vácuo deixado pelo corpo de Gucky. Depois sacudiu os cabelos
longos, que emitiam um brilho preto-azulado.
— Digam o que quiserem — murmurou para si mesmo. — Para mim a teleportação
é uma operação nada marcial.
Inclinou o corpo em direção ao console principal e deu início ao controle final que
precede a decolagem. As vozes estereotipadas dos outros membros da tripulação foram
saindo do alto-falante do intercomunicador, confirmando que estava tudo em perfeita
ordem. Além disso qualquer veículo espacial que se encontrasse a bordo de uma nave
terrana recebia uma manutenção constante.
Dali a cinco minutos o ar tremeu bem a seu lado. O rato-castor envergava um traje
espacial do último modelo. Tratava-se de uma versão especial, que assentava tão bem
como um traje a rigor feito sob medida. Havia uma lâmpada vermelha acesa na
extremidade do estojo em que estava enfiada a cauda.
Gucky notou o olhar espantado de Redhorse.
— Não quero que os andróides pisem no meu rabo — explicou. — Dizem que o
mundo das trevas está atulhado deles.
— Houve mais alguma notícia, baixinho?
— Não. Henderson transmitiu sua última mensagem durante uma pausa. Parece que
mais uma vez houve uma tremenda confusão.
— Não use expressões deste tipo — disse o capitão, franzindo a testa. — Não
combinam com você — olhou para o relógio. — Vamos. Atar cintos. Decolaremos dentro
de dois minutos.
— Calma! — disse Gucky com a voz fina. Foi pegando os equipamentos espalhados
pelo chão com uma lentidão irritante. Fez uso de sua energia telecinética, pois do
contrário não agüentaria nem dez por cento da carga que estava levando.
No último instante teleportou para dentro de sua poltrona anatômica e reclinou o
encosto da mesma.
— Não há lugar para cintos — disse com a voz calma. Mas não se preocupe
comigo, Don. Não vou cair da poltrona.
Don Redhorse ainda o fitou com uma expressão de dúvida antes de dar o sinal de
decolagem.
O jato espacial precipitou-se pela eclusa do hangar, acelerando fortemente, e passou
a deslocar-se exatamente na direção das esferas incandescentes que flutuavam sobre o
planeta das trevas, como se fossem um envoltório forcado por sóis artificiais.
3

Não tiveram de refletir muito quando Ray Burdick encontrou a entrada da caverna.
Seus perseguidores livraram-nos do peso da decisão.
O Tenente Finch Eyseman fitou a luminosidade projetada pelas lâmpadas embutidas
nos capacetes, que ia empalidecendo cada vez mais. Enfiou cautelosamente a cabeça na
caverna. Os monstros de plasma não se deram ao trabalho de usar seus pseudopés para
descer ao fundo da fresta aberta no gelo. Transformaram-se em massas esféricas e
deixaram-se cair na profundidade de quinhentos metros. O impacto da queda não parecia
afetá-los nem um pouco. Voltaram a assumir sua forma humanóide com uma rapidez
incrível e saíram à procura dos fugitivos.
Os andróides não seguiam qualquer método, mas nem por isso Finch se entregou a
ilusões. Acabariam encontrando sua pista. O importante era que seus companheiros
tivessem bastante tempo para descobrir a rota mais vantajosa para a fuga em meio à
malha extensa de corredores.
Eyseman pôs-se a refletir. Não sabia se o pedido de socorro expedido por
Henderson atingira a Crest. Ali, quinhentos metros abaixo da superfície gelada, não havia
mais nenhuma comunicação pelo rádio. Só mesmo um telepata seria capaz de encontrá-
los. O tenente lembrou-se do rato-castor. Só mesmo Gucky poderia ajudá-los na situação
extremamente difícil em que se encontravam. Se não conseguisse...
Finch encolheu a cabeça ao ver uma sombra passar rente ao seu corpo. Mais um
andróide acabara de descer da forma que lhe era peculiar. Eyseman lançou um olhar para
a massa agitada que se acumulava no fundo do desfiladeiro de gelo. Até mesmo a luz das
esferas luminosas quase não chegava ao lugar em que se encontravam. Imaginava mais
do que via os movimentos dos monstros. Deviam ser aos milhares.
Mais uma sombra apareceu junto à entrada da caverna. Desta vez não desceu; ficou
onde estava. Finch levou apenas um segundo para descobrir que seu esconderijo fora
descoberto. Ligou o transmissor do rádio-capacete com um movimento abrupto do
queixo.
— Eyseman falando! Até onde conseguiu chegar, Capitão Henderson? Dentro de
um minuto no máximo terei de detonar a carga explosiva.
— Estamos diante de uma bifurcação — respondeu a voz tranqüila de Henderson.
— Uma alternativa parece ser tão boa quanto a outra. Quando estiver na hora, provoque a
explosão, Eyseman. Não deixe que os monstros o agarrem, rapaz.
— Não senhor! — Finch cerrou os lábios ao ver a massa dos andróides tomar a
direção da caverna. — Vou começar, senhor!
Fez um movimento repentino ao ver um braço plasmático estender-se em sua
direção. Uma gigantesca mão gelatinosa escorregou pela entrada da caverna. Finch
Eyseman ligou o campo energético que cobria seu microprojetor antigravitacional e foi
deslizando para dentro do corredor.
Quando atingiu a primeira curva, o sinal goniométrico de seu capacete emitiu um
chiado. No mesmo instante um triângulo azul acendeu-se em cima de seu rosto. A ponta
mostrava para um dos dois corredores. Era para onde Finch tinha de ir.
Voltou a olhar para trás. A entrada da caverna não tinha mais de dois metros de
altura, mas um dos andróides conseguiu entrar, fazendo movimentos bruscos. Lascas de
gelo caíram do teto. Os pseudo-olhos emitiam um brilho amarelo e guloso no meio do
rosto flácido do monstro.
Finch Eyseman esperou que o andróide enfiasse o tórax na abertura. Ligou a
lâmpada de seu capacete e entrou no corredor para o qual apontava a luz do triângulo
goniométrico. Quando tinha percorrido cem metros, pegou um aparelho retangular e
achatado. Era o transmissor de impulsos. Cerrou os dentes e comprimiu a tecla de
transmissão. O impulso condensado previamente programado saiu da antena invisível.
Finch passou a voar mais depressa.
Uma eternidade parecia ter passado quando se verificou o efeito esperado. De
repente uma luz vermelha bruxuleante apareceu sobre as paredes de gelo cintilantes.
Parecia transformá-las em chamas trêmulas. No mesmo instante voltou a escurecer. Mas
a luz do capacete de Eyseman continuou a desenhar quadros fantásticos sobre o gelo,
iluminando as fendas e rachaduras que acabavam de aparecer.
Finch encolheu instintivamente a cabeça quando mais uma rachadura correu
silenciosamente pelo teto do corredor. Deu uma risada áspera. O teto ruiu dez metros
atrás dele.
Por enquanto não tinham motivo para recear os andróides. Além de fechar a entrada
principal, a explosão fizera desabar os tetos dos corredores secundários. Mesmo que os
perseguidores estivessem em condições de remover os entulhos de gelo, não saberiam
que direção tinham tomado os fugitivos.
Dali a dez minutos Finch Eyseman encontrou seu grupo.
— Você fez um trabalho excelente, rapaz! — disse Sven Henderson.
Bron Tudd deu uma risada entrecortada.
— Antes de elogiá-lo seria bom verificar suas fraldas, capitão. Estou sentindo um
cheiro suspeito.
— Não se esqueça de que seu traje espacial está hermeticamente fechado, sargento
— observou Finch em tom solene. — Portanto...
Henderson pigarreou como quem quer dizer alguma coisa, mas Bron riu
despreocupado. O capitão compreendeu que Tudd só fizera aquela observação para
distrair o tenente. O velho de aparência grosseira era mais delicado do que aparentava.
Bron Tudd parecia ter tido um acesso de sentimentalismo antes que se desse conta disso.
— Ainda temos ar para sessenta e duas horas constatou Sven Henderson em tom
indiferente. — Dentro destas sessenta e duas horas temos de encontrar um meio de entrar
em contato com a Crest ou atingir as instalações montadas no subsolo do planeta.
Burdick já tinha caminhado mais vinte passos. O feixe de luz de sua lâmpada ia
caminhando de um lado para outro, dando a impressão de que Burdick estava indeciso
sobre a direção a tomar.
— Por aqui existe mais uma bifurcação — informou. — Um dos corredores sobe
suavemente, enquanto o outro apresenta um forte declive para baixo. Que direção vamos
tomar, capitão?
Henderson desligou o campo energético. Os outros seguiram seu exemplo. Ele só
servia para embaraçar os homens no corredor estreito. Quase no mesmo instante
atingiram o lugar em que estava Burdick.
Havia uma expressão sombria em seus rostos.
A bifurcação do corredor não era igual às outras. Não havia nenhum alargamento.
Cada um dos dois corredores só tinha metade da largura do outro. Era menos de um
metro e meio.
— Se continuar assim — disse Bron Tudd em tom de oráculo — teremos de tirar os
trajes espaciais na próxima bifurcação. E não acredito que lá seja mais quente que aqui.
— Vamos pelo corredor que desce — decidiu Henderson. — Bron, o senhor será o
primeiro a escorregar para baixo — mostrou um sorriso ligeiro. — Quem sabe se o calor
do atrito não servirá para aquecer o vácuo...?
Tudd resmungou alguma coisa que ninguém entendeu. Virou calmamente o coldre
da arma energética para trás, soltou o fecho magnético e segurou a arma nas mãos
enluvadas. Agachou-se e tomou impulso. Escorregou de barriga, pois as costas de seu
traje de combate estavam cheias de equipamentos. Dentro de alguns segundos Bron ficou
fora do alcance das lâmpadas dos capacetes.
— Taka, o senhor irá em seguida.
O sargento Hokkado fez avançar sua figura enorme. Desconfiado, piscou os olhos e
contemplou as profundezas geladas cintilantes. Atirou-se para a frente que nem um
nadador.
— É sua vez, Eyseman — decidiu Sven. — Vamos logo!
Finch segurou o controle de seu traje espacial na mão, Para evitar que alguma
saliência deixasse o precioso aparelho avariado. Além disso tinha de estar em condições
de ligar seu campo energético a qualquer momento. Um impulso de rádio emitido pelo
comando especial bastaria para isso.
Eyseman desapareceu e Henderson voltou a cabeça para Ray Burdick.
— O senhor será o último, tenente. Se alguma coisa me acontecer no caminho,
assuma o comando.
— Tudo bem, senhor — respondeu Burdick sem demonstrar a menor emoção.
O Capitão Henderson perguntou-se se havia alguma coisa capaz de abalar um
homem do tipo de Ray Burdick. Finalmente deu o salto para as profundezas.
Enquanto os reflexos de luz lançados pelas paredes geladas iam deslizando perto
dele. Henderson deu-se conta de que nenhum dos homens que tinham saído antes dele
tinham dado sinal de vida.
***
O casco do jato espacial tremia, dando a impressão de que iria romper-se a qualquer
instante.
Gucky esforçou-se para esquecer de que as forças contidas do processo de fusão
atômica rugiam poucos metros embaixo deles. Lançou um olhar ligeiro para o rosto do
comandante. Don Redhorse estava sentado na poltrona de comando, com os ombros
ligeiramente inclinados para a frente. Seu rosto marrom-avermelhado parecia ter sido
esculpido em pedra. Vigilantes que nem os de um puma traiçoeiro, seus olhos iam
deslizando pela multidão de instrumentos e indicações dos rastreadores. Mas havia vida
nestes olhos que emitiam um brilho controlado. Os movimentos das mãos e dos dedos
eram tão rápidos que antes pareciam uma sombra aos olhos do rato-castor.
— Atenção, manobra linear! — disse a voz rouca do comandante, saída dos rádio-
capacetes. Redhorse quase não chegara a mover os lábios ao falar.
— Manobra linear! — cochichou Gucky, estupefato.
— Pensei que estivesse num jato espacial.
— É um modelo especial! — resmungou Redhorse.
— Que coisa! — murmurou o rato-castor, tentando lançar um olhar para o
navegador, por cima dos equipamentos que se amontoavam à sua frente. Não conseguiu.
— Que coisa! — repetiu. — Para mim isto é novidade. Um jato espacial equipado
com propulsores lineares...
— Só para trechos curtos, baixinho.
A voz de Redhorse parecia um pouco mais suave. Gucky afastou telecineticamente
uma sacola de mantimentos e lançou um olhar para a tela global. A escuridão era
completa — só bem ao longe viam-se algumas linhas coloridas de aspecto grotesco.
— Saída! Podem abrir fogo! — decidiu Redhorse.
O rato-castor sentiu os saltos violentos executados pelo jato espacial, que disparava
com todos os canhões. No mesmo instante descobriu algumas figuras cintilantes verdes,
com aspecto de bolha, grudada no campo defensivo da nave.
Eram as esferas energéticas...!
Uma pressão terrível o jogo de volta para dentro da poltrona. Uma campainha de
alarme deu um sinal breve, mas logo voltou a silenciar.
— Sinto muito! — disse Don Redhorse, comentando o incidente. — Tivemos de
executar uma manobra violenta para desviar-nos.
Os canhões energéticos pesados voltaram a rugir. Uma nuvem gigantesca de gases
incandescentes apareceu na tela, envolvendo o pequeno veículo por alguns segundos. Os
lampejos provocados pelas descargas energéticas atingiram o campo defensivo de vários
estágios.
O jato logo atravessou a nuvem.
— Qual é a distância? — perguntou Gucky, enquanto se concentrava para o salto. A
superfície do mundo das trevas apareceu em forma de uma lâmina azul-pálida, que enchia
completamente a tela. A luz das esferas mortais iluminava a noite eterna.
— Cento e cinqüenta mil — respondeu Redhorse.
— Quando chegarmos a cem mil, saltarei — anunciou o rato-castor. Ficou de olho
em certo ponto do planeta, enquanto concentrava suas energias telecinéticas no
equipamento que pretendia levar. Seus músculos seriam incapazes de segurar o mesmo.
— Cem mil! — informou Redhorse. — Boa sorte, baixinho.
Virou a cabeça, mas o lugar em que Gucky estivera pouco antes estava vazio. O
capitão respirou aliviado e pôs as mãos nos controles da nave. A direção dos jatos-
propulsores sofreu uma inversão de cem por cento, enquanto os projetores do sistema de
propulsão antigravitacional entravam em ação. O jato espacial descreveu uma curva
louca, precipitando-se numa altitude de cinqüenta mil quilômetros acima do mundo das
trevas, para subir novamente e voltar a penetrar no espaço linear.
Levou apenas alguns segundos para retornar ao espaço normal. Gucky já deveria ter
dado notícias, mas o rato-castor mantinha-se em silêncio.
E continuou em silêncio, mesmo quando o jato espacial voltou ao seu hangar.
***
Gucky materializou uns duzentos metros acima do gelo. Soltou um pio zangado
enquanto tentava manter reunido o equipamento e ficava suspenso, usando suas forças
telecinéticas.
Foi só por isso que o raio de tração o pegou completamente de surpresa. O rato-
castor sentiu-se arrastado por uma força invisível. Lançou um olhar para o lado e viu a
cúpula blindada de um forte. Ainda há pouco a mesma não estivera lá. Portanto, devia ter
saído do gelo depois que sua presença fora notada.
Gucky felicitou-se porque o inimigo não estava atirando nele com armas
energéticas. Teleportou e voltou a aparecer em cima da cúpula blindada, onde por
enquanto estaria em segurança. Afinal, ninguém consegue enxergar a mosca sentada em
sua cabeça. Foi ao menos o que pensou...
Fechou os olhos e usou seus sentidos para localizar eventuais impulsos mentais.
Antes não tivesse feito isso. Quando teve a impressão de ter descoberto um modelo
cerebral que lhe era conhecido, uma sensação indefinida lhe serviu de alerta. Abriu os
olhos e ficou estupefato ao ver os quatro robôs que vinham em sua direção, com as garras
metálicas estendidas.
Reuniu às pressas o equipamento, usando a telecinesia, e teleportou ao acaso.
Foi parar entre as pontas afiadas e os blocos arrebentados de uma montanha de gelo.
Quando pretendia fazer um inventário, um robô de quatro braços se ergueu num bloco de
gelo ligeiramente inclinado.
— Caramba! — disse o rato-castor, espantado. — Como veio parar aqui? Ou será
que é apenas um fantasma?
As fendas e rachaduras no gelo, provocadas pelos passos pesados do robô, logo
convenceram Gucky de que sua figura era real. Certamente incluíra o robô por engano no
raio de ação da energia telecinética que usara ao teleportar de cima da cúpula.
— Acho que estou ficando velho — murmurou, contrariado. Deu um suspiro e fitou
a máquina. Concentrou-se. O robô foi levantado violentamente. Gucky pretendia deixá-lo
cair de quinhentos metros de altura. Por melhor que fosse um robô, ele não agüentaria
uma queda como esta.
Mas Gucky só teve de fazer o trabalho pela metade. Um raio energético cortou a
escuridão e desmanchou a máquina, transformando-a numa nuvem de gases que descia
rapidamente.
— Muito obrigado pelo aviso — observou Gucky em tom seco. — Vejo que no
futuro terei de abster-me dos vôos a grande altura.
Apoiou-se na cauda e finalmente cuidou do inventário.
— Dois canhões desintegradores portáteis... três rifles energéticos... dois sacos de
mantimentos concentrados... tabletes de água... Munição para as armas energéticas —
ergueu-se, espantado. — Onde está o telecomunicador? Eu o tinha comigo. Será que já
preciso assinalar listas que nem o Major Bernard? — Começou tudo de novo, mas o
telecomunicador tinha desaparecido mesmo. Gucky começou a duvidar das próprias
faculdades, quando descobriu uma mancha negra no gelo. Saiu caminhando em direção a
essa mancha, cheio de maus pressentimentos.
Era o telecomunicador — ou melhor, aquilo que restava de um telecomunicador
novo em folha. Uma linha larga em ângulo reto atravessava os destroços. Nas
extremidades dessa linha viam-se rachaduras no gelo.
— Está começando bem — murmurou o rato-castor, deprimido. — Logo um robô
superpesado tinha de pisar em meu telecomunicador.
Olhou para o céu e enviou uma mensagem telepática. John Marshall, chefe do
exército de mutantes, era um telepata tão bom quanto Gucky. Estava a bordo da Crest II e
não poderia deixar de “ouvir” a mensagem. Mas o rato-castor esperou em vão pela
resposta. Transmitiu mais um chamado, mas ainda desta vez não conseguiu nada. As
esferas energéticas pareciam emitir uma forma de radiação que espalhava os impulsos
mentais.
Gucky deu de ombros. Lembrou-se de que Henderson também dispunha de um
telecomunicador portátil. Se conseguisse encontrá-lo, ainda poderia transmitir sua
mensagem a Perry Rhodan.
Gucky apoiou-se na cauda, fechou os olhos e concentrou-se no modelo das ondas
cerebrais de Henderson, que conhecia perfeitamente.
Demorou mais que de costume para captar o primeiro impulso mental. Nem
conseguiu identificá-lo, de tão fraco e confuso que era.
Depois de cinco minutos Gucky voltou a abrir os olhos e sacudiu a cabeça,
perplexo. Imediatamente deixou de ter a percepção dos impulsos. Voltou a concentrar-se,
mas ainda desta vez não captou qualquer impulso identificável.
“Isso não existe!”
Será que as esferas impediam até mesmo o contato telepático na superfície do
planeta? Era praticamente impossível. Nesse caso deveria ter percebido as radiações.
Devia haver alguma coisa entre ele e o grupo de Henderson.
Gucky teve de lembrar-se das experiências colhidas em Gleam. Ali também
existiam monstros andróides. E também ali o uso de suas parafaculdades fora impedido
toda vez que um dos monstros se encontrava nas imediações. Mas o efeito negativo então
verificado impedira o uso da teleportação e da telecinesia, enquanto aqui estas faculdades
estavam funcionando. Só a telepatia parecia ter sido impedida.
Mas nem esta falhava completamente. Talvez fosse porque os monstros não estavam
nas proximidades de Gucky.
O rato-castor levou um tremendo susto.
Se não estavam perto dele, era quase certo que se encontravam nas imediações dos
cinco homens desaparecidos.
A preocupação por Henderson e seus companheiros levou Gucky a agir depressa.
Gucky sempre tivera por hábito colocar sua segurança em segundo lugar, pois achava que
o importante era ajudar quem precisava. Quando alguém se encontrava em perigo, Gucky
não perdia tempo. Entrava em ação imediatamente.
O rato-castor lançou um olhar pensativo para os equipamentos. Não poderia levar
tudo, pois seria obrigado a realizar várias teleportações. As teleportações seriam difíceis,
e por isso teria de concentrar suas forças exclusivamente nas operações de busca.
Gucky resolveu levar somente um dos rifles energéticos. O resto podia ficar para
depois. Antes de mais nada precisava encontrar os desaparecidos. Depois disso seria
facílimo transportar o restante do equipamento.
Usou a telecinesia para transportar o equipamento para dentro de uma grande fenda
e tapá-la com um bloco. Depois disso pendurou o rifle energético de aspecto desajeitado
ao pescoço, agarrou-o — e teleportou.
Ficou surpreso por materializar numa área em que a visão era perfeita. Concluiu que
os impulsos mentais não poderiam ter vindo dali, pois neste caso teria visto os
desaparecidos. Não viu sinal dos andróides.
Pensativo, o rato-castor examinou a poeira de gelo muito fina que cobria a superfície
gelada. As estrias paralelas que atravessavam essa camada eram inconfundíveis. Até
parecia que centenas ou milhares de tratores tinham viajado pela poeira, abrindo trilhas
com suas esteiras. Mas tratava-se de uma comparação falha. As estrias pareciam ter sido
produzidas antes por alguma coisa se arrastando.
De repente um véu parecia cair de cima dos olhos de Gucky.
Talvez os rastros tivessem sido produzidos pelos pés de gigantescos andróides que
se tivessem deslocados pelo gelo arrastando os pés.
Como todos eles corriam numa direção, Gucky não perdeu tempo fazendo
suposições sobre o que significavam. Os andróides estavam caçando alguma coisa. Só
podia ser o grupo de Henderson.
Infelizmente os rastros seguiam tanto para a direita como para a esquerda. Gucky
tentou novamente captar impulsos mentais localizados. Recebeu alguns fragmentos de
pequena intensidade, que pareciam ter atravessado uma parede imaginária. Até parecia
que essa parede os desviava e difundia, conforme acontecia com os raios de luz num
prisma.
O rato-castor suspirou. Tinha de tomar uma decisão sobre a direção a seguir. Soltou
mais um suspiro e teleportou para a direita.
Foi parar no interior de um desfiladeiro profundo no gelo, que estava repleto de
gigantescos andróides. Deviam estar aos milhares. Gucky enfiou-se imediatamente atrás
de um bloco de gelo do tamanho de uma casa e espiou de trás do mesmo.
Respirou aliviado ao notar que ninguém tomara conhecimento de sua presença. Os
monstros estavam ocupados demais. O rato-castor tentou descobrir o que mantinha os
gigantes tão ocupados. Andavam cambaleantes de um lado para outro, esbarravam uns
nos outros e comprimiam-se perto de determinado lugar da íngreme encosta gelada. O
rato-castor não pôde deixar de rir. Lembrou-se de um filme que mostrava uma lenda
terrana, na qual apareciam gigantes desajeitados como estes. Como era mesmo seu nome?
Tímpetos! Diante das características da mente de Gucky, os andróides já tinham um
nome. Dali em diante seriam chamados de tímpetos.
Gucky tentou definir sua atividade. Pareciam que remexiam e arranhavam o gelo
com suas mãos gigantescas e disformes, dando a impressão de que queriam abrir um
buraco. Em virtude de seu grande número e de sua estupidez atrapalhavam-se mais do
que se ajudavam uns aos outros. Os que vinham de trás puxavam os da frente e juntos
rolavam pelas encostas, enquanto blocos e fragmentos de gelo precipitavam-se atrás deles
em forma de avalanche.
Num momento destes o rato-castor descobriu a entrada da caverna, colocada à
mostra pela metade.
Sacudiu a cabeça e quis pôr o dedo na testa. Grunhiu aborrecido ao bater no
capacete pressurizado. Voltou a dedicar sua atenção aos tímpetos.
Por que queriam desimpedir uma caverna fechada? Certamente não precisavam
proteger-se do ambiente mortífero.
De repente Gucky soltou um assobio estridente.
Por que não se lembraria disso logo? Era claro que o grupo de Henderson se
escondera na caverna aberta no gelo. Era a melhor coisa que os homens poderiam fazer
na situação em que se encontravam. Evidentemente os andróides estavam loucos para
seguir os humanos, uma vez descoberto o caminho pelo qual tinham fugido. O fato de
remexerem o gelo podia ter duas causas. O corredor era muito estreito para dar passagem
aos gigantes — ou então, o que Gucky achava mais provável, Henderson provocara uma
explosão para fechar a entrada.
— Estou chegando bem na hora! — exultou Gucky.
Saiu desajeitadamente de trás do bloco de gelo e sentou lentamente. Depois ficou
concentrado no joguinho, como costumava dizer.
Dentro de dez minutos o desfiladeiro ficou completamente vazio. Gucky agarrara os
monstros aos grupos com suas energias telecinéticas e os fizera subir na vertical. Os
fortes que funcionavam automaticamente cuidavam do resto. Dos cerca de dois mil
andróides que se encontravam lá não sobrou absolutamente nada. Mas outros
perseguidores acabariam por aparecer. Até lá, resolveu o rato-castor, a parte principal de
seu trabalho estaria concluída.
Gucky voltou a escutar — e desta vez não havia nenhuma muralha imaginária que
atrapalhasse suas parafaculdades.
O primeiro pensamento captado com clareza provocou um acesso de riso em Gucky.
Alguém acabara de pensar com uma intensidade incrível — e pensara justamente em
fumo de mascar.
Quando voltou a acalmar-se, o rato-castor investigou pensamentos de Henderson
para descobrir a posição exata do grupo. Dali a alguns segundos foi capaz de imaginar
perfeitamente o corredor com a bifurcação. Examinou cuidadosamente seu traje de
combate. Estava tudo na mais perfeita ordem. Ligou a luz de posição do envoltório da
cauda.
Os homens arregalariam os olhos quando aparecesse à sua frente!
Gucky voltou a fazer a determinação da posição de Henderson — e saltou. Sua
figura desmanchou-se e desapareceu silenciosamente no nada...
4

Houve um imprevisto. Dois mil andróides escaparam ao meu controle.


Pouco antes os monstros ainda haviam tentado desimpedir a entrada de uma caverna
destruída por uma explosão. De repente os impulsos de controles foram desaparecendo
aos grupos.
Os reflexos sensoriais dos monstros mantinham-me informado sobre tudo que eles
viam com seus pseudo-olhos. Por isso o incidente tomava-se ainda mais misterioso. Os
espiões dos senhores da galáxia não tinham saído de seu esconderijo no gelo. Logo, não
poderiam ter destruído seus perseguidores. Pela primeira vez lamentei-me de que os
andróides não possuíssem inteligência. Diante dessa falha, tornava-se inevitável que os
reflexos do ambiente em que atuavam fossem vagos, confusos e distorcidos pelos
instintos. Era perfeitamente possível que estivesse enganado ao supor que os últimos
impulsos dos monstros indicavam um súbito movimento de ascensão, que terminava
abruptamente no nada. O fato era que os andróides não podiam voar ainda mais no vácuo.
Além disso o frio do espaço cósmico não teria afetado de forma alguma seu metabolismo
artificial. Seu desaparecimento continuava a ser um mistério.
Procurei convencer-me em vão de que isso não me deveria interessar nem um
pouco. Era Baar Lun, pertencente ao povo dos módulos, mas não passava de um escravo
dos senhores de Andrômeda. Qualquer coisa capaz de prejudicar os senhores da galáxia
deveria deixar-me alegre.
Infelizmente as coisas eram bem mais complicadas. No interior da camada de gelo,
não se sabia bem onde, havia cinco espiões dos senhores da galáxia, inspetores
disfarçados, que segundo a versão oficial eram inimigos, mas na verdade só tinham vindo
para testar discretamente minha dedicação aos senhores da galáxia. Quanto a isso eu não
tinha a menor dúvida, embora não houvesse qualquer prova. Os senhores da galáxia
costumavam operar invariavelmente a partir de posições perfeitamente protegidas.
Não podia permitir que eles — os inimigos — penetrassem no centro de controle
propriamente dito. Sem dúvida descobririam certas coisas que me deixariam em situação
delicada. Por exemplo, a manipulação feita com o psicolador, que de algum tempo para
cá tornara o aparelho inoperante para meu espírito — ou a instalação de um controle
audiovisual secreto na sala de comunicações. Sem dúvida os senhores da galáxia
castigariam meu povo pelas infrações cometidas — desde que as descobrissem. Por isso
tinha de tomar todas as providências para que os espiões fossem presos e postos fora de
ação. Desta maneira agiria de forma leal e segundo as conveniências dos seres que me
oprimiam — já que oficialmente os cinco desconhecidos eram inimigos dos senhores da
galáxia.
Tinha de ser tudo muito rápido. Os senhores da galáxia não deveriam ter
oportunidade de salvar seus espiões ou revogar a ordem de extermínio.
Mas ao que tudo indicava a primeira versão seria mantida, e a ação dos espiões seria
levada ao fim. Ao que parecia, os seres estranhos pertencentes a um povo auxiliar dos
senhores da galáxia dispunham de certas armas que os tornavam imunes aos recursos que
eu poderia usar.
Poderia perfeitamente livrar-me dos intrusos, mas para isso teria de revelar um dos
meus segredos mais cuidadosamente guardados. Os senhores da galáxia nem
desconfiavam de que era perfeitamente capaz de utilizar o dom da conversão energética
fora da área de influência hipnomecânica exercida dentro da área de comando das
esferas...
Mas haveria mesmo necessidade de usar este recurso?
Lembrei-me de outra possibilidade. Havia um dispositivo de segurança no centro de
controle. O mesmo entraria em ação assim que dois terços dos robôs de combate fossem
postos fora de ação. Quando isso acontecesse, o planeta Módulo se transformaria numa
gigantesca armadilha. Infelizmente depois disso os acontecimentos escapariam ao meu
controle. Ainda estava absorto nas minhas reflexões, quando o som estridente dos
biobancos me convocou mais uma vez para o trabalho que tanto detestava. Mais alguns
monstros tinham de ser vivificados.
O sinal parecia ter removido um bloqueio em minha mente. De repente compreendi
que havia um meio de acionar a armadilha sem perder o controle dos acontecimentos.
Afinal, não havia necessidade de pôr fora de ação dois terços dos meus robôs de combate.
Bastaria provocar outra interferência no funcionamento das baterias conversoras, tal qual
já fizera em outra oportunidade. Dessa forma as radiações difusas se tornariam tão
intensas que os comandos positrônicos, em sua maioria, deixariam de funcionar — e os
cérebros dos robôs seriam colocados fora de ação. A única coisa que teria de fazer seria
paralisar, no momento que me parecesse mais apropriado, as respectivas baterias
conversoras, e a armadilha estaria desativada.
O uivo dos biobancos deixou-me nervoso. Trêmulo de raiva e nervosismo, desliguei
a acústica. O silêncio passou a reinar em minha sala de controle. Nem me dei conta do
crime que acabara de cometer aos olhos dos senhores da galáxia. Nunca pensara em
bloquear o processo produtivo.
Mas naquele momento não pensava em nada além de meu plano arrojado...
***
Há poucos instantes a luz da lâmpada do capacete ainda se refletira no gelo
cintilante — mas de repente a escuridão completa desabou sobre Finch Eyseman que nem
uma onda.
A reação de Finch foi precisa que nem a de um autômato. Ligou o campo defensivo
energético de seu traje de combate. Não teve coragem de ligar o projetor
antigravitacional. Enquanto não tivesse novos dados, só poderia acreditar que ainda se
deslocava em alta velocidade pelo corredor em declive. Se parasse de repente ou
reduzisse a velocidade, correria o perigo de que o homem que vinha atrás dele esbarrasse
violentamente em seu corpo. E os campos energéticos só ofereciam uma proteção
limitada conta a ação das energias mecânicas. Não se podia excluir contra possibilidade
de o homem vinha atrás de Finch não ter ligado seu campo energético. Neste caso
quebraria o pescoço ao bater no campo defensivo de Eyseman. Alguns minutos
apavorantes se passaram. Finch teve a impressão de que era uma eternidade. Pelo menos
conseguia distinguir o mostrador luminoso do relógio, motivo por que não perdeu a
noção do tempo. Só mesmo a lâmpada de seu capacete deixara de funcionar. Na verdade,
ainda irradiava luz, mas o feixe terminava abruptamente num lugar em que minutos antes
houvera camadas reluzentes de gelo. O Tenente Eyseman pôs-se a refletir sobre as
características que devia ter uma substância que absorvesse completamente a luz. Uma
nebulosa escura talvez fosse tão escura quanto o ambiente em que se encontrava, mas
mesmo ali veria pelo menos alguns traços da poeira que engolisse a luz.
Finch levou quatro minutos para lembrar-se de que poderia usar o rádio-capacete
para entrar em contato com os companheiros. É bem verdade que não se iludiu. Se as
comunicações pelo rádio não tivessem sido interrompidas, certamente já teria recebido
um chamado. Não era de supor que estes tivessem esperado tanto quanto ele.
A tentativa foi malsucedida, confirmando suas suspeitas. Os contatos pelo rádio
tinham sido interrompidos.
Como a luz de controle verde continuava acesa, o tenente logo concluiu que devia
estar muito longe dos companheiros, ou que havia alguma coisa entre eles que absorvia
as ondas de rádio.
Dali a dois minutos arriscou-se a ligar o projetor antigravitacional. Freou a descida
com o maior cuidado, até que os controles mostrassem que estava suspenso no vazio,
imóvel e quase sem peso.
Finch prendeu a respiração. Se seus companheiros não tivessem freado também e
ainda se encontrassem na galeria existente no gelo, o impacto logo se verificaria. Não,
disse a si mesmo. Já teria ocorrido. Seus companheiros deviam ter entrado em outra
galeria. Ou ele se encontrava em outro lugar.
Eyseman reconheceu que as reflexões não levariam a nada. Enquanto
permanecessem imóvel, sem sair do lugar, nunca saberia onde estava o que viria em
seguida. Acionou cuidadosamente os comandos de seu projetor antigravitacional. Foi
descendo no interior do envoltório energético. Acompanhou muito tenso o medidor de
desempenho. Só assim poderia verificar com uma segurança razoável qual era o trecho
percorrido em certo tempo. Era o único meio de orientação que poderia funcionar.
— Dois metros... três... quatro... dez... quinze... vinte...
Estupefato, Finch interrompeu a contagem. O suor cobriu sua testa quando tentou
calcular quantos metros devia ter caído desde o momento em que as paredes de gelo
desapareceram e aquele em que ligou o projetor antigravitacional.
Algumas centenas de metros — ou seriam alguns quilômetros...?
Numa resolução súbita, ligou o projetor antigravitacional para a subida. Para seu
enorme espanto, o campo energético bateu num obstáculo quando tinha subido apenas
vinte e cinco metros. Finch foi sacudido violentamente, mas não sofreu ferimentos. Mas
seus pensamentos começaram a confundir-se. Os resultados da operação de determinação
de posição não pareciam ter nenhuma lógica.
De repente o tenente sentiu uma raiva incontrolável. Sem pensar, ligou para o vôo
horizontal e acelerou ao máximo. Levou dez minutos para compreender que estava
agindo irresponsavelmente. Se houvesse um obstáculo sólido em sua trajetória,
fatalmente sofreria um impacto mortal.
No mesmo instante recuperou a capacidade de refletir calmamente. Superara a
primeira crise. Finch Eyseman prosseguiu na mesma direção, mas reduziu a velocidade
para vinte quilômetros por hora.
Dali a cinco minutos felicitou-se pela decisão tomada. Uma mancha luminosa
amarelada apareceu bem à sua frente, no meio da escuridão infinita.
Finch sabia perfeitamente que esta mancha poderia não representar a liberdade, mas
trazer um novo perigo. Mas nem mesmo cem monstros andróides o impediriam de voar
em direção a essa mancha.
O tamanho da mancha foi aumentando rapidamente. Eyseman reduziu a velocidade
para dez quilômetros por hora, e em seguida para cinco quilômetros. Os contornos de um
anel brilhante foram surgindo em torno da mancha — e atrás dele via-se um quadro
esperançoso formado pelos blocos e camadas cor de mármore da paisagem gelada.
Finch já não teve dúvidas. Fosse qual fosse a posição do anel luminoso amarelado,
este era a porta para o mundo da superfície. Lá em cima se estenderia a superfície do
planeta das trevas, iluminado pela luz das esferas brilhantes. Quem sabe se seus
companheiros não tinham chegado lá há muito tempo?
O Tenente Eyseman atravessou a “porta” — entrou na aventura mais estranha e
perigosa que um ser humano já tinha enfrentado...
***
Surpreso, o rato-castor fez um giro de cento e oitenta graus. A lâmpada de seu
capacete iluminava as paredes de gelo lisas, o chão, que não era menos liso, e as saídas de
duas galerias.
Não havia sinal dos desaparecidos.
Gucky rosnou aborrecido. Tinha certeza de que os homens que estava procurando
ainda se tinham encontrado neste lugar há poucos segundos. Era impossível que de um
instante para outro cinco homens normais se dissolvessem no nada.
O rato-castor ia ligar seu rádiocapacete, quando lançou um olhar para a entrada de
uma das galerias. Só então notou que a mesma descia fortemente, e que em sua borda se
viam arranhões que poderiam perfeitamente ter sido produzidos por botas pesadas.
— Eu lhes mostro! — resmungou Gucky, mais calmo. — Onde já se viu brincar
num escorrega para enganar um velho rato-castor!
Refletiu sobre se devia seguir o mesmo caminho, mas resolveu que não. Uma
escorregadela no gelo liso não correspondia ao seu gosto. Além disso o rifle energético,
muito comprido e desajeitado, teria sido um grande obstáculo.
Muito curioso, pôs à mostra o dente roedor solitário e ficou na escuta. Dali a alguns
segundos fez desaparecer novamente o dente roedor. Franziu a testa, de tão preocupado
que ficou. Captara um único impulso, e um impulso bastante estranho. Alguém pensara
numa porta brilhante amarela e num mundo de gelo que ficava atrás dela. Pelo modelo
das vibrações cerebrais, devia ter sido Finch Eyseman. Mas os impulsos foram
interrompidos do mesmo instante.
Como se explicava que uma pessoa que há instantes ainda se mantivera numa
atitude de alegre expectativa parasse de pensar de repente?
Mesmo que Finch tivesse morrido de repente, seu subconsciente ainda teria emitido
um impulso de grande intensidade!
Gucky sentiu que os pêlos de sua nuca se eriçaram. Teve a impressão de que no gelo
do mundo sem luz um perigo os espreitava, maior do que a inteligência podia conceber.
O que tinha acontecido mesmo com Finch, Henderson e os outros?
O rato-castor bem que gostaria que Perry Rhodan estivesse perto dele. Perry
certamente lhe poderia dar um conselho. Ou então Atlan... Ou Icho Tolot.
No mesmo instante Gucky envergonhou-se de ter ficado tão deprimido. Empertigou-
se, cheio de orgulho — e o cano de sua arma energética ficou preso numa saliência do
gelo. Piando de raiva, conseguiu pôr-se de pé de novo e atirou fora a arma desajeitada,
que não adiantaria nada numa situação que não poderia ser compreendida com os
sentidos normais. O rifle energético poderia ficar ali até que encontrasse os
desaparecidos. Gucky não precisava dele. Além disso ainda possuía uma pequena arma
de choques e uma jeitosa arma térmica. Isso, juntamente com suas parafaculdades, seria
suficiente para controlar qualquer situação.
Muito arrojado, o rato-castor concentrou-se no lugar do qual tinha partido o último
impulso mental de Finch. Em seguida teleportou.
Materializou numa escuridão completa.
Não viu sinal de Finch Eyseman ou de qualquer porta luminosa amarela. Não via
absolutamente nada. E a luz de seu capacete estava acesa.
Gucky ligou o campo energético de seu traje de combate, mas preferiu não usar o
projetor antigravitacional. Pretendia evitar na medida do possível fazer a mesma coisa
que os desaparecidos poderiam ter feito na mesma situação. Completamente cego, já que
não encontrava nenhum ponto de referência na escuridão, teleportou. Levou somente um
segundo para compreender que assim não seria possível. Teve a impressão típica de uma
teleportação frustrada.
Seu corpo, ou melhor, a forma de energia em que este se transformava durante a
teleportação, fora parar no interior de uma porção de matéria sólida e arremessada de
volta ao ponto de partida.
Gucky pôs-se a refletir intensivamente. Devia haver uns quinhentos metros de gelo
em cima de sua cabeça. Bastaria teleportar quinhentos metros para cima, e sairia na
superfície do planeta sem luz. Teve o cuidado de acrescentar mais dez metros...
Quando materializou, estava suspenso apenas alguns metros sobre a superfície
formada pela atmosfera congelada. Usou a telecinesia para descer lentamente. Sentia-se
deprimido e decepcionado. Continuava sem ver ou “ouvir” nada dos desaparecidos.
Gucky lançou um olhar saudoso para o firmamento. Os pontos luminosos formados
por milhares de esferas energéticas estavam suspensos por lá. E mais ao longe quatro
naves gigantes esperavam notícias de Gucky. Como explicar seu fracasso, se nem sequer
conseguia dar sinal de sua presença?
— Assim não adianta — disse a si mesmo. — Você terá de resolver o problema
sozinho. Como é que Bell costuma dizer numa situação destas? Olhos abertos, bochechas
fechadas... Não; resolvi não usar mais estas expressões.
Gucky não pôde deixar de rir quando se lembrou de seu grande amigo Reginald
Bell. Este não costumava perder tempo, refletindo sobre um assunto que não conseguia
explicar. Envolvia-se no mesmo, e sempre fora bem-sucedido.
Gucky estufou o peito, pôs as mãos nos quadris, concentrou-se no lugar do qual
tinha vindo, e teleportou.
Desta vez viu-se no interior de uma nuvem que emitia uma débil luminosidade
esverdeada. Levou alguns segundos para encontrar uma explicação do fenômeno. Aquilo
que acreditara ser uma névoa luminosa não passava de uma descarga constante, do tipo
que costuma verificar-se quando a periferia de um campo defensivo energético é atingida
por uma energia não muito intensa.
Gucky deixou-se cair no chão. Realmente havia um chão em que podia apoiar-se.
Fez um esforço e conseguiu distinguir um pavilhão semi-esférico em meio à
luminosidade esverdeada. Não se via nenhuma porta, mas um console largo se estendia
junto a toda a parede interna, e sobre o mesmo luzes se acendiam e apagavam a intervalos
regulares. Não viu nenhum sinal de um robô ou ser vivo.
Gucky perguntou-se de que espécie poderia ser a energia que estava atuando sobre
seu campo defensivo. Talvez consistisse simplesmente em calor, contra o qual o traje de
combate hermeticamente fechado o defenderia facilmente. Mas preferiu não desligar o
projetor de campo defensivo. Usou o projetor antigravitacional para deslocar-se flutuando
em direção ao console. Em virtude da luminosidade verde, só conseguiu captar
impressões confusas. Quanto a uma coisa não havia dúvida. A sala era um centro de
comando do sistema de controles. Não se viam as máquinas propriamente ditas, que
estavam sendo controladas.
Depois de alguns minutos, nos quais não aconteceu literalmente nada, o rato-castor
finalmente deixou de lado as preocupações, mas não foi leviano a ponto de reprimir sua
desconfiança. Por isso concentrou-se num ponto situado na superfície do planeta, antes de
desligar seu campo defensivo.
Muito tenso e pronto para fugir a qualquer momento, pôs-se a esperar. Quase
chegou a sentir-se decepcionado ao perceber que não se sentia mais nada da energia que
atuara sobre o campo defensivo. Era teoricamente impossível que ainda existisse alguma
forma de radiação prejudicial. Os detectores de seu traje de combate a teriam indicado
prontamente. Mas Gucky logo notou outra coisa, não menos surpreendente. Havia uma
atmosfera na sala de controle situada no gelo, embora fosse uma atmosfera de nitrogênio.
A temperatura do ar — ou melhor, do nitrogênio em estado gasoso — era de vinte graus
centígrados negativos.
O rato-castor afastou energicamente as reflexões banais. O mais urgente era
descobrir o grupo de Henderson. Na verdade, as chances eram mínimas, a não ser talvez
que se considerasse o fato de Gucky ter descoberto uma sala de comando num lugar em
que pouco antes só houvera um nada na escuridão.
Infelizmente não soube como explicar o fenômeno, por mais que se esforçasse. Não
quis acreditar que se tratasse de uma miragem hipnossugestiva, pois não haveria como
distinguir o que era verdade e o que era ilusão...
Realmente, como estabelecer a distinção...?
O dente roedor de Gucky apareceu de repente. Era claro que podia distinguir. Uma
ilusão nunca reagiria às energias parapsíquicas. Portanto...
O rato-castor assobiou em tom agudo e desafinado a marcha de entrada dos
gladiadores. Dirigiu os olhos escuros para o console. Os contatos só podiam estar
escondidos embaixo das chapas de revestimento. Se conseguisse levantar as mesmas...
Uma placa fina desprendeu-se com um forte estrondo, subiu ao teto e quebrou-se
junto aos pés de Gucky. O rato-castor encolheu-se instintivamente. Depois de uma
permanência tão prolongada no vácuo, tinha de acostumar-se a um meio que conduzisse o
som. Mas logo voltou a recuperar o sangue-frio. Dentro de cinco minutos o chão da sala
de controle ficou coberto de chapas de plástico quebradas, e os comandos do console
ficaram à vista.
Gucky aproximou-se, até que pudesse lançar um olhar nas engrenagens mecânicas.
A grande quantidade de condutores coloridos e contatos tridimensionais deixou-o
confuso. Nunca gostara muito dessas coisas. Naquele momento bem que gostaria que
tivesse aproveitado as inúmeras oportunidades que já tivera para ampliar seus
conhecimentos técnicos.
Fechou cuidadosamente alguns contatos na quarta dimensão. Não aconteceu nada.
Aos poucos o rato-castor foi perdendo a paciência. Agarrou ao acaso as diversas peças do
console com suas paraenergias, apertando contatos uns contra os outros e fechando
circuitos.
Desta vez foi bem-sucedido.
De repente um zumbido cada vez mais forte encheu o ar. Não vinha do console, mas
produziu uma modificação no interior da sala de controle. Gucky não viu a modificação,
mas sentiu que alguma coisa estava acontecendo — com a sala de controle e com ele
mesmo.
De repente ouviu-se um estalo que nem o de uma corda de violino que se rompesse.
Gucky ficou inconsciente. Quando recuperou os sentidos, estava caindo em velocidade
alucinante em direção a uma superfície branca...
***
Finch Eyseman voou mais uns cem metros. Desceu ao chão e desligou o campo
defensivo. Olhou para trás. A porta luminosa amarela tinha desaparecido.
Finch respirou aliviado. O pavor indefinível tinha ficado para trás. Pelo menos
voltara a ter chão firme sob os pés, mesmo que fosse de gelo.
Só neste momento o tenente percebeu que seus joelhos tremiam. Sentou, exausto e
feliz ao mesmo tempo, olhou para o firmamento — e ficou duro de espanto...
Nuvens branco-amareladas deslizavam pelo céu que nem tecidos de seda finíssimos.
Não impediam a passagem da luz do sol esverdeado. Cristais de gelo granulado voavam
junto ao chão, tangidos pelo vento, que nem deveria existir, tal qual o sol, o céu verde e
as nuvens branco-amareladas...
Por alguns segundos o mundo ficou girando diante dos olhos de Finch. Finalmente
este levantou-se e olhou em volta, distraído. Percebeu que havia uma diferença entre o
gelo em que estava pisando e o do planeta sem luz. Enquanto por lá os blocos e as placas
de gelo continuavam intactos que nem no dia da criação, no lugar em que se encontrava o
chão e as pedras de gelo mostravam sinais evidentes da ação do tempo.
Os microfones externos de seu capacete transmitiam o uivo intermitente do vento, o
farfalhar dos cristais de gelo e o crepitar das bizarras formações rochosas.
Era um mundo completamente diferente!
Eyseman saltou algumas vezes sobre as pontas dos pés. Face à grande experiência
acumulada, concluiu que a gravitação do mundo em que se encontrava era inferior a um
gravo. Mas isso não importava. O importante eram as características da atmosfera. Todos
os membros do comando levavam um pequeno aparelho de análise. Finch prendera o seu
às alças da manga direita do traje de combate. Bastava ler as indicações.
— Metano, amoníaco, hidrogênio — murmurou. As proporções já não o
interessaram mais. Sabia que não poderia respirar a atmosfera desse mundo. E — lançou
um olhar para o relógio — dali a cinqüenta e uma horas suas provisões de ar respirável se
esgotariam...
Só dispunha de mais cinqüenta e uma horas...
O tenente deu uma risada. Estava aborrecido com seu pessimismo. Chegara a este
planeta por algum caminho, e pelo mesmo caminho poderia voltar ao mundo das trevas.
Lembrou-se da porta luminosa.
A mesma não podia ser outra coisa senão o campo energético de um transmissor.
Seus conhecimentos sobre transmissores eram bastante amplos para que pudesse elaborar
um plano. O campo de força, ou então, o arco de passagem do transmissor sempre ficava
bem perto do respectivo banco energético, que por sua vez costumava estar acoplado ao
dispositivo de ajustamento. Portanto, o transmissor propriamente dito só podia ficar no
lugar em que a porta luminosa amarela estivera suspensa no ar. A única coisa que tinha
de fazer era encontrá-lo e ligá-lo para o retorno.
Dispunha de cinqüenta e uma horas — descontado naturalmente o tempo que
gastaria no mundo das trevas, para ser recolhido ou abastecido com ar. Era bem verdade
que não havia como calcular este último lapso de tempo. Talvez fosse de apenas uma
hora, mas poderia ser bem mais longo que o tempo de que dispunha. Finch chegou à
conclusão de que na verdade não dispunha de tempo algum. Quanto mais demorasse para
sair do mundo em que se encontrava, menores seriam as chances de ser salvo.
O Tenente Eyseman voltou caminhando com a testa franzida o mesmo caminho pelo
qual voara com tanta esperança. Infelizmente não marcara nenhuma característica do
terreno, e assim seria bem mais difícil encontrar o lugar em que estivera suspenso o arco
do transmissor.
Quando já tinha caminhado dez minutos, teve a impressão de já ter uma idéia
bastante precisa do lugar. Olhando atentamente para o lugar, ficou caminhando de um
lado para outro e passou a descrever círculos cada vez maiores, para que nenhum ponto
lhe passasse despercebido.
Dali a meia hora não teve mais nenhuma dúvida. Não havia qualquer entrada aberta
ou oculta, para o transmissor que estava procurando.
Aos poucos Finch foi-se acostumando à idéia de que iria morrer. Ficou calmo,
embora todo seu ser se revoltasse contra a idéia de morrer dessa forma.
Sentou bem devagar num bloco de gelo quadrado. Sentiu o cansaço que começava a
tomar conta dele. Nas últimas cinqüenta horas não dormira mais de três horas. Ligou o
campo defensivo energético e pôs-se a refletir se devia enchê-lo de ar para fumar um
cigarro. Preferiu não fazê-lo. Um homem nunca devia desistir, por mais desesperadora
que pudesse parecer a situação. Além disso era soldado. Tinha o dever de fazer tudo que
estava ao seu alcance para continuar vivo. Não fumaria.
Dali a cinco minutos a cabeça caiu-lhe sobre o peito. No último instante conseguiu
espantar mais uma vez o sono. Levantou e refletiu se devia usar a arma energética para
queimar o gelo, a fim de encontrar a possível entrada do transmissor.
Mas antes que pudesse tomar uma decisão, um grito estridente o fez estremecer.
O grito tinha saído de seu rádio-capacete, que fora ativado. Recuperou a esperança e
olhou em volta.
Será que seus companheiros também estavam ali?
Piscou os olhos, estupefato, quando a figura tão conhecida do rato-castor foi saindo
de uma coluna de ar tremeluzente.
Engoliu em seco e olhou fascinado para a lâmpada que brilhava na ponta do estojo
que protegia a cauda de Gucky. Depois deu uma risada de alívio e estendeu a mão.
— Sabia que você não nos deixaria na mão, Gucky. Graças a Deus!
O rato-castor fez um gesto contrariado. — Você ficou alegre antes da hora, Finch.
Também não sei o que fazer — fez um gesto amplo. — Que mundo é este?
O tenente não respondeu.
— O quê...? — perguntou num sopro. — Não venha me dizer que também veio
parar aqui por acaso!
— Que mais poderia ser? — resmungou Gucky em tom grosseiro. — Será que você
voou de propósito para este lugar lindo? — sacudiu a cabeça. — É o que acontece
quando alguém é curioso demais. Onde estão os outros Henderson, Burdick, Tudd e
Hokkado?
— Não faço idéia. Pensei que você soubesse.
O rato-castor murmurou alguma coisa que Finch não compreendeu e disse:
— Acho que daqui a pouco vai nevar. Até lá precisamos ter um telhado para
proteger-nos. É bem verdade que o melhor telhado que poderíamos desejar seria a Crest
II.
— Está bem — concordou Finch. — Vamos para lá andando, Gucky.
O rato-castor levantou a mão, num gesto de advertência.
— Não se mostre petulante perante um homem idoso, tenente! Afinal, tenho pelo
menos quinhentos anos mais que o senhor. Mas, falando sério, estamos metidos numa
boa. Se ao menos soubéssemos onde estamos...
Eyseman deu de ombros.
— Não sei. Mas tenho a impressão de que... — fez um gesto de pouco-caso. — Na
situação em que nos encontramos as impressões não adiantam nada.
Gucky exibiu o dente roedor.
— Será que estamos em Greenish 7...? Já ouvi falar muito neste lugar. Hum!
— O que lhe deu essa idéia?
— Andei lendo seus pensamentos, Finch. Desculpe, mas estava muito curioso para
saber qual era sua impressão. Não penso como muita gente. Para mim as impressões
valem alguma coisa. Pense um pouco! Os dados não combinam com aquilo que você
sabe a respeito de Greenish 7?
— Combinam perfeitamente — resmungou o Tenente Eyseman. — O sol
esverdeado, a atmosfera de metano, amoníaco e hidrogênio, o gelo... — de repente seu
rosto transformou-se numa máscara zangada. — E os cristais de Ilu!
No mesmo instante Gucky sacou a arma de choque.
— Onde encontrou cristais de Ilu, Tenente Eyseman...?
Finch mostrou um sorriso tranqüilizador.
— Pode guardar seu canhão de nervos, Gucky. Não fui influenciado pelos cristais, e
se fosse a influência nunca produziria um efeito negativo. Ainda não descobri nenhum
cristal.
— Ainda bem — disse o rato-castor, esticando as palavras. Voltou a guardar a arma
de choque. — Foi você que abriu um lugar em seu coração mole para essas obras do
demônio. Não tenho razão?
— Abri um lugar em meu coração coisa alguma! — respondeu Eyseman,
embaraçado. — Só andei brincando um pouco com estas coisas, e tenho certeza de que
são relativamente inofensivas. São unicamente os desejos e tendências recalcadas para o
subconsciente que dão forma ao... bem, ao sonho.
— Pois deve ter havido desejos e tendências bem estranhas no meu subconsciente
— murmurou Gucky, enquanto se lembrava do tempo passado no mundo das trevas a
respeito do qual não havia nada guardado em sua memória. — Se uma coisa não é
negativa, nem por isso tem de ser positiva.
— Hum! — fez Finch e saiu caminhando em direção a um morro formado por
blocos de gelo sobrepostos.
— Você está louco! — balbuciou Gucky.
O tenente virou a cabeça e mostrou um sorriso frio, que não se estava acostumado a
ver em seu rosto.
— Talvez, Gucky... — disse em tom arrastado. — Isso mesmo — disse,
respondendo à pergunta que não chegara a ser formulada. — Você “ouviu” bem — fez
uma pausa e respirou profundamente. — Os cristais da ilusão não transferem o ser
humano a um mundo dos sonhos qualquer. Sempre simulam uma realidade que exige
reações bem definidas, reações estas que sempre visam à defesa contra um perigo real. O
Dr. Wai-Ming, que se encontrava em Greenish 7 ao tempo em que a Crest foi aprisionada
pelo comando de vigilância Andro-Beta, deve a vida a esses cristais. Sofreu um acidente
que produziu estragos em seu traje espacial, enquanto se encontrava sob a influência de
um cristal Ilu. Se este não o tivesse colocado em estado de sono narcótico, através de um
processo hipnossugestivo, ele teria morrido na atmosfera venenosa do planeta.
O rato-castor sacudiu a cabeça, num gesto de dúvida.
— Você tem esperança de encontrar o transmissor enquanto estiver submetido aos
efeitos de um cristal, e isso num mundo dos sonhos que... Não consigo acreditar nisso.
— É nossa última chance! — observou o tenente, muito sério.
Deu as costas para Gucky e continuou a andar em direção ao morro de gelo.
Murmurava palavras incompreensíveis.
Gucky ainda o ouviu contar sua história, quando começou a contornar o morro de
gelo. Eyseman calou-se abruptamente. O rato-castor tentou ler os pensamentos do
tenente, mas esbarrou numa barreira invisível. De repente sentiu o coração palpitar
fortemente.
Tomou uma decisão e teleportou.
Quando se viu atrás do morro de blocos de gelo, estacou. Finch estava parado à sua
frente, com o rosto completamente rígido. Os olhos davam a impressão de que estavam
enxergando numa distância infinita. Um cristal octaédrico que segurava na mão emitia
um brilho verde. A luz verde do sol Greenish quebrava-se inúmeras vezes no mesmo,
envolvendo-o numa auréola cuja beleza extasiante atraía o rato-castor e ao mesmo tempo
lhe causava repugnância.
Gucky sentiu os dedos tateantes imaginários que tentaram penetrar em seu espírito.
Quis bloquear o mesmo, mas resolveu abri-lo e deixou que a coisa estranha, inexplicável
penetrasse nele.
Um acorde trovejante envolveu-o e arrastou-o para um mundo diferente...
5

Quando voltei dos bancos conversores e entrei no gigantesco centro de produção,


ouvi um barulho infernal.
Uma nuvem opaca cor de enxofre cobria os biobancos borbulhantes. Um sem-
número de ruídos saía da mesma. Até parecia um concerto oferecido pelas crias do
inferno.
E foi realmente uma cria do inferno que saiu da bruma e dirigiu-se aos
transmissores. Gigantescos corpos de serpentes entrelaçados, esferas que saltitavam sobre
pseudomembros, cilindros que giravam borborejantes, amebas que faziam caretas e
outros monstros dirigiam-se num fluxo ininterrupto para os transmissores de superfícies.
Dei um grito de pavor. A seguir fiquei enjoado e vomitei. Minha inteligência não
era capaz de compreender o quadro que se descortinava à minha frente. De onde esses
monstros tiravam a vida que os animava? Ela não lhes fora dada por mim. Modificara a
regulagem dos bancos conversores, em vez de criar os cristais vibratórios necessários ao
processo de vivificação dos monstros que estavam sendo criados. Como se explicava que
os biobancos pudessem agir de forma autônoma, criando formas novas e horríveis e
dando vida às mesmas?
Cobri o rosto com as mãos e fui abrindo caminho entre as nuvens de vapor, em
direção à plataforma do elevador. Dirigi-me à sala de controle das esferas. No mesmo
instante os efeitos hipnomecânicos voltaram a envolver-me de forma sutil, arrancando-
me do mundo da realidade. Não podia alterar nada nos monstros já saídos dos biobancos,
mas tinha de evitar que outros exemplares dessa cria do inferno fossem produzidos.
Quando voltei a descer pelo elevador, mais dez mil andróides recém-criados
estavam subindo à superfície, para caçar os espiões dos senhores da galáxia.
Apressei-me em chegar à sala de comando, a fim de acompanhar indiretamente a
ação. Os impulsos perceptivos dos andróides foram recebidos com a maior clareza,
conforme era de esperar de seres artificiais dotados de uma inteligência puramente
instintiva. A julgar pelas percepções, os espiões tinham desaparecido de Módulo.
Dali só se podia concluir que a armadilha montada, cujo funcionamento me era
desconhecido, se fechara. Os seres que estavam sendo caçados tinham sido aprisionados.
Infelizmente só havia um meio de interrogá-los. Os robôs teriam de ser ativados de
novo. Só eles seriam capazes de encontrar os prisioneiros e trazê-los para perto de mim,
pois eram os únicos que conheciam a armadilha secreta do planeta Módulo.
Fui para perto dos bancos conversores o mais depressa que pude.
Logo veria os espiões à minha frente...
***
O acorde foi silenciando.
Apesar disso Finch teve a impressão de que as tones de vidro da grande cidade
ressoavam que nem um diapasão percutido, envolvendo-o num sopro suave e insinuante
de melodias irreais, que soavam como uma mensagem de boas-vindas.
Finch Eyseman sorriu. Envolveu carinhosamente o quadro familiar com os olhos. A
cidade ficava num vale pouco profundo, entre colinas vermelho-azuladas, por cujas
encostas subiam as construções de vidro. O sol esverdeado já ia bem alto no céu,
produzindo uma miríade de reflexos mágicos nos telhados planos dos edifícios cúbicos e
nas pontas finas das torres.
O rosto de Finch ainda estava sorrindo quando este pôs os pés na abundante grama
vermelho-azulada e desceu a encosta suave a passos amplos e elásticos.
Ainda estava sorrindo quando atingiu as primeiras casas. Estacou. O sorriso
desapareceu de repente. Intrigado, passou a mão pela testa.
Onde estavam os lindos pássaros amarelos, que costumavam povoar os telhados de
vidro às centenas e aos milhares...? Onde estava seu canto adorável? Onde estavam as
crianças que a essa hora do dia costumavam circular pelos parques floridos?
O silêncio absoluto desabou sobre Finch Eyseman com a força de uma martelada.
As janelas vazias pareciam olhos de cadáveres que o fitavam. Nenhuma brisa brincava
com as harpas de vidro das torres. Nenhum passo ressoava nas praças e ruas vazias.
Finch encolheu-se sob a impressão do silêncio apavorante. Havia uma expressão de
incompreensão absoluta em seus olhos. Quis gritar para chamar alguém, mas não
conseguiu emitir nenhum som.
Caminhando sorrateiramente, olhando em volta que nem um ladrão, Eyseman foi-se
esgueirando junto às casas. Toda vez que pisava com mais força e provocava um eco,
estremecia. Depois de algum tempo saiu correndo, como se fúrias invisíveis estivessem
no seu encalço. Seus passos produziram um ruído oco no piso de vidro da rua.
Ficou parado na Praça do Esquecimento. As estátuas de vidro dispostas em torno
dos chafarizes pareciam fazer sinais insistentes para que voltasse.
Alguma coisa obrigou o homem solitário a voltar a cabeça. Ficou estarrecido. Viu
atrás de si — o nada...
Os cubos de vidro pelos quais acabara de passar, as ruas pavimentadas de vidro, que
ressoavam com seus passos a colina da qual descera ao voltar para casa — tudo tinha
desaparecido! Uma parede feita de escuridão impenetrável estendia-se atrás dele.
A respiração de Finch era apressada e entrecortada. Martelou o peito com os
punhos. Foi-se acalmando aos poucos.
Aquilo só podia ser um terrível pesadelo! Não podia ser verdade. Eles tinham
esquecido — e o poder da nebulosa espiral noturna os tinha esquecido!
Finch Eyseman voltou o rosto para as estátuas que ficavam junto aos chafarizes.
Não se via sinal da cintilância azul que costumava partir das finíssimas cascatas
energéticas.
Finch deu uma risada áspera. Já tinha certeza de que estava sonhando. Só mesmo
em sonho as cascatas energéticas poderiam apagar-se.
— Você está enganado, meu irmão...!
A voz penetrou no consciente de Eyseman que nem o ruído do gelo que se partia e o
fez estremecer. Virou lentamente a cabeça e olhou para a figura esbelta trajada com uma
manta azul, que vinha do outro lado o chafariz.
Finch reconheceu o rosto e os símbolos gravados na manta. Era Soor, pertencente ao
clã dos Lun...
— Tudo que você está vendo é realidade — prosseguiu Soor. — O poder da
nebulosa espiral raptou nosso povo, porque teme nossos cristais dos sonhos. Somos os
últimos indivíduos que restam aqui. Siga nosso povo, a não ser que queira perecer
juntamente com este mundo.
Finch sacudiu a cabeça, enquanto ainda estava prestando atenção às palavras de
Soor. Havia nelas alguma coisa que lembrava uma vida diferente, uma vida situada além
da realidade. Ou seria o contrário? Talvez a outra vida fosse real, e o que estava vendo
não passava de um sonho.
— O que acontece se eu ficar aqui, irmão?
Soor levantou a mão e apontou para a parede feita de escuridão que se estendia atrás
de Finch.
— Esta escuridão o engolirá, irmão. Daqui a pouco por aqui não restará mais
nenhum ar que você possa respirar, nenhuma água ou alimento que seu corpo possa
absorver. A grande mudança está em pleno andamento. O poder da nebulosa espiral fará
com que nenhum indivíduo pertencente ao nosso povo fique aqui ao menos vivo.
— Pois eu fico, mesmo que tenha de morrer! — respondeu Finch Eyseman em tom
enérgico.
Soor sorriu como quem sabe.
— Você irá ao lugar em que está o povo, ou em que um dia estará parte do povo. O
destino quer assim, irmão. Você não deve esquivar-se.
— Você só fala a meu respeito — disse Finch como quem faz uma pergunta.
Soor não deu resposta. Deu as costas a Finch sem dizer uma palavra. Fez um gesto
em que havia tanta autoridade que não admitia contradita.
Eyseman seguiu Soor em silêncio.
A escuridão seguiu os dois...
Dentro de meia hora aproximadamente atingiram o templo da memória. Finch parou
junto ao portal de entrada. Os chefes do clã dos Lun, que estava no governo eram os
únicos que tinham permissão para entrar no templo. Pelo que se dizia, o mesmo guardava
um segredo que poderia deixar louca qualquer pessoa que o descobrisse.
Quando os passos de Finch não se fizeram ouvir mais, Soor voltou a cabeça.
— Siga-me e não olhe para trás — disse em tom sério. — Assim nada lhe
acontecerá.
Eyseman ainda relutava. Lançou um olhar hesitante para a cidade de vidro — e
estacou. A cidade tinha deixado de existir. Só restava a escuridão — e o templo da
memória.
Finch Eyseman virou rapidamente a cabeça e saiu correndo atrás de Soor, em
direção ao único lugar que ainda não fora devorado pela coisa horrível.
Olhou para o chão, enquanto seguia o chefe do clã. O eco dos passos o fez concluir
que passavam ora por corredores estreitos, ora por amplos pavilhões. Luzes multicolores
atingiam o chão, e ouvia-se uma melodia triste vinda não se sabia de onde.
— Chegamos — disse Soor depois de um tempo que para Finch era uma das longas
noites. — Olhe para cima, irmão.
Eyseman levantou a cabeça.
Soor estava parado junto a um círculo luminoso amarelado, que parecia estar
suspenso sobre o mosaico da sala sombria. Dentro do círculo luminoso não era tão
escuro, mas a luz branca impedia a visão para o chão de mosaico. Parecia estranha — e
fria.
Soor apontou para o círculo luminoso.
— Entre, irmão!
— E você...? — perguntou Finch, amedrontado. Soor, pertencente ao clã dos Lun,
sacudiu a cabeça.
— Tenho de ficar aqui para esperar — sorriu com uma expressão misteriosa. — Se
não ficasse, como você poderia ter-me encontrado, Finch Eyseman...?
Finch aproximou-se do anel luminoso e entrou no mesmo. Estava meio atordoado.
No mesmo instante a sala dos mosaicos desapareceu na escuridão e o chefe do clã
mergulhou no infinito...
***
O Tenente Finch Eyseman teve a impressão de que estava caindo. Mas antes que
tivesse tempo para ligar o projetor antigravitacional, bateu em alguma coisa. Sentiu algo
estilhaçar-se embaixo de suas botas e olhou em volta com os olhos arregalados.
— Seu pateta! — gritou a voz estridente de Gucky, saída do rádio-capacete. — Por
que não presta atenção? Olhe o que você fez com minha linda luz de posição.
Ainda completamente atordoado, Finch deu um passo para o lado e contemplou o
lugar em que acabara de pisar. Era o estojo da cauda de Gucky. Os cacos da luz de
posição vermelha estavam espalhados pelo gelo.
O tenente engoliu em seco.
— Desculpe.
— Está bem! — Gucky fez um gesto condescendente.
— Ainda bem que o estojo está pressurizado. Parece que você levou muito tempo
sonhando.
Só agora Finch teve consciência do que estava vendo em torno dele. Encontrava-se
numa espécie de grota no gelo, debilmente iluminada pela luz de uma lâmpada de
capacete desmontada. Havia sacos de mantimentos e rifles energéticos perto do rato-
castor. Atrás deles figuras fantásticas se movimentavam.
Eyseman pôs instintivamente a mão na arma.
— Não atire, por favor! — resmungou a voz irônica de Bron Tudd, à qual Finch
estava tão acostumado. — Seria pena se estragasse meu fumo de mascar.
Gucky deu uma risadinha.
— Que surpresa, não é? Se tivéssemos tempo, cada um poderia contar seu sonho.
Será que você também sonhou com enormes rolos de fumo, que nem Bron?
O Tenente Eyseman sacudiu a cabeça. A figura atlética do Capitão Henderson
aproximou-se, vinda dos fundos da grota.
— Fico satisfeito em vê-lo são e salvo, Eyseman — apertou a mão de Finch. —
Gucky já me disse qual foi a idéia maluca que fez com que os dois voltassem de Greenish
7 — deu uma risada, que parecia um pouco forçada.
— Também estivemos lá. Devemos ter saído em outro lugar. Também fomos salvos
pelos cristais de Ilu, mas não nos submetemos espontaneamente à influência dos mesmos.
Foi uma coisa horrível! — sacudiu o corpo.
Eyseman sorriu.
O plano dos sonhos sempre corresponde aos desejos ocultos no subconsciente,
senhor...
— Já sei. Gucky disse. Aliás, falou em...
— Quieto! — piou o rato-castor. — Se não tivesse estado tão confuso, não teria
contado nada. Peço que ao menos guarde o segredo, capitão.
Henderson deu de ombros e mudou de assunto.
— Ligue seu campo defensivo, tenente. Encha-o de ar e tome uma boa refeição.
Daqui a meia hora veremos o que fazer. Gucky prometeu que até lá iria elaborar um
plano viável.
— Já fiz o plano — disse Gucky. — Só falta descobrir um meio de comunicá-lo a
um ser que se encontra em nível mental inferior.
Finch Eyseman deu uma risada. De repente sentiu-se seguro e protegido. O estranho
senso de humor do rato-castor valia ouro. Ligou o campo defensivo e comeu calmamente
um cubo de ração, tomou um gole de suco de fruta levemente adoçado e finalmente
fumou um cigarro. Só faltava tomar um banho e fazer a barba para sentir-se bem de
verdade.
— Ainda dispomos de um total de vinte e nove horas — principiou o rato-castor
quando Henderson informou que a pausa tinha chegado ao fim. — Por aqui não podemos
fazer muita coisa, por causa dos andróides e das armadilhas de transmissores. Além disso
as emanações cerebrais dos monstros andróides inibem minha capacidade telepática. Se
me afastar muito dos senhores, talvez volte a perder o contato. Por isso terão de ficar
nesta caverna, aconteça o que acontecer. Já conheço as coordenadas de cor. Sempre serei
capaz de voltar para cá. Quer dizer que os senhores manterão a posição enquanto eu salto
e faço um reconhecimento no interior do mundo das trevas.
— Não gosto de ficar quieto, esperando — disse Henderson. — Mas reconheço que
não temos outra chance. Mas fico me perguntando por que quer fazer um
reconhecimento, oficial de patente especial Gucky — o rato-castor ficou todo
empertigado quando alguém o tratou pelo título. — O mundo das trevas é um centro de
controle dos senhores da galáxia — prosseguiu o capitão. — É daqui que partem as
esferas, e a partir daqui é dirigida a destruição da nebulosa Beta. Não seria preferível
pedirmos que venham buscar-nos e recomendar a destruição deste mundo?
Gucky fez que sim.
— Eu mesmo recomendaria isso, se não tivesse descoberto uma coisa... — calou-se
e olhou em volta, para ver se os homens lhe dispensavam a devida atenção. Finalmente
prosseguiu em tom de mistério. — Descobri os impulsos mentais de um ser inteligente.
Eram tão fortes que romperam a muralha formada pelas emanações dos andróides...!
Henderson levantou de um salto.
— Que ser inteligente é este? Pertence aos senhores da galáxia?
— Não — respondeu o rato-castor em tom estridente.
— Pelo contrário. Odeia os senhores de Andrômeda, pois os mesmos o oprimem
juntamente com seu povo.
Lançou um olhar indefinível para Eyseman.
— Baar Lun, pertencente ao povo dos módulos, será nosso aliado, desde que
consigamos convencê-lo de que não somos espiões dos senhores da galáxia.
Os homens exaltaram-se e começaram a falar todos ao mesmo tempo. Finch
Eyseman foi o único que ficou quieto, olhando fixamente para o chão congelado. Seus
pensamentos se atropelaram.
Eram principalmente dois nomes que revolviam sua mente.
Tratava-se de Soor, pertencente ao clã dos Lun, que lhe apontara o caminho de volta
para Módulo — e Baar Lun, o ser misterioso do mundo das trevas...
— Muito bem, Finch — disse Gucky, provando que mais uma vez andara
espionando os pensamentos alheios.
— É uma condição que literalmente se impõe à nossa mente. Estou curioso para ver
o último dos módulos.
— Por que o último...? — perguntou o tenente, espantado. — Soor pode ter sido
uma figura que apareceu somente em nossos sonhos, mas o fato é que falou num povo
inteiro exilado de Greenish 7. Os outros devem ter ficado em algum lugar.
— Será que foram colocados aqui, em Módulo, nome que Baar Lun deu em
pensamento ao mundo das trevas? — perguntou o rato-castor. — Além deste único
cérebro inteligente, por aqui só existem os monstros andróides. Talvez estejam em outro
lugar. Tenho um pressentimento, ou uma suspeita. Mas vamos aguardar.
O Capitão Henderson colocou a mão sobre o ombro de Gucky.
— Será muito perigoso. Você não acha que deveríamos avisar Rhodan antes de
começar qualquer coisa?
— O que diríamos a ele, Sven? Acho que antes de mais nada precisamos de
resultados palpáveis. Vou dar o fora.
— Um momento! — disse Henderson. — Se você não voltar dentro de uma hora,
vou entrar em contato com o Chefe.
— Digamos duas horas — retrucou Gucky.
No mesmo instante o lugar em que estivera antes ficou vazio.
— Tomara que dê certo — disse Bron Tudd em tom solene.
***
Estava refletindo sobre o motivo por que os robôs ainda não tinham descoberto
nenhum sinal dos espiões aprisionados, quando senti uma lufada de ar na nuca.
Primeiro pensei que fosse somente uma impressão. Minha sala de controle estava
hermeticamente fechada e o sistema de ventilação ficava à minha frente. Mas depois de
algum tempo notei perfeitamente que alguém estava respirando perto de mim.
Virei-me abruptamente.
Tive a impressão de que alguém derramara um balde de água gelada sobre minha
cabeça. Havia um pequeno ser peludo marrom-acinzentado atrás de mim. Estava com o
focinho pontudo aberto e exibia um enorme dente solitário. O mais estranho eram as
vestes em que estava enfiado o animal. Parecia ser um traje para ser usado no vácuo, do
tipo que eu mesmo usava em casos de emergência. O capacete estava dobrado para trás e
descansava à maneira de um capuz sobre as costas estreitas. Via-se um pequeno aparelho
achatado no ponto de interseção das duas correias que se cruzaram sobre o peito.
Ouvi uma voz estranha e aguda saída do aparelho.
Permaneci imóvel por alguns segundos, com o queixo caído. Mas meu cérebro logo
voltou a entrar em funcionamento. Graças ao meu talento muito pronunciado para os
assuntos tecnológicos, não levei muito tempo para compreender a finalidade do pequeno
aparelho, que apresentava as características típicas de um radiofone, e também de um
minicomputador positrônico. Tendo em vista ainda que o ser peludo falava para dentro do
aparelho, enquanto os sons saíam dele, só poderia tirar uma conclusão. O aparelho era
uma tradutora simultânea.
Evidentemente qualquer tradutora simultânea, por melhor que fosse, seria
completamente inútil enquanto não lhe desse oportunidade para analisar minha língua. O
fato é que tive a curiosidade despertada.
Proferi algumas frases e uma luz verde acendeu-se no aparelho. Dali a instantes o
ser peludo disse algumas palavras em sua língua — como é que um animal podia ter uma
língua? — e o aparelho fez a tradução:
— Meus cumprimentos, Baar Lun do planeta Módulo! — o animal cruzou as mãos
sobre o peito e fez uma mesura, pondo à mostra a cauda larga e achatada. — Meu nome é
Gucky. Trago uma mensagem para você.
Tive de fazer um grande esforço para não rir. Como poderia um animal que falava
— e ainda por cima um animal esquisito, que possuía cauda — ter uma mensagem para
mim?
Mas de repente sobressaltei-me.
Como o tal do Gucky ficara sabendo meu nome?
Tive uma terrível suspeita. O robô de vigilância não anunciara a presença de um
pequeno ser peludo, há três períodos de sono? Por duas vezes aparecera um ser desse
tipo. Da última vez por pouco não provocara a queda de uma esfera energética. Será que
era o mesmo ser que se encontrava à minha frente? Neste caso seria um dos espiões dos
senhores da galáxia.
Tinha de matá-lo, antes que escapasse mais uma vez.
— Você não vai fazer nada disso, Baar Lun — disse o animal que usava o nome
Gucky. No mesmo instante tirou uma arma energética do coldre.
Ri para o ser que se encontrava à minha frente. Uma arma energética de pequena
potência como aquela não representava nenhum perigo para mim. O que me deixou mais
preocupado foi que o mesmo tinha lido meus pensamentos. Quem sabe se não era mais
inteligente do que parecia?
— Será que pareço mesmo tão estúpido? — murmurou o animal e empertigou-se,
pondo à mostra a placa reluzente de um aparelho de controle.
Finalmente soltou um assobio estridente.
— O aspecto exterior é o que menos importa, Baar Lun! Para os padrões humanos
você também não é nenhuma beleza com sua careca, a mancha de cabelos incolor na
parte traseira do crânio e a boca de sapo. Mesmo que de resto não seja feio —
acrescentou.
— Mandarei colocá-lo no psicolador — respondi em tom pensativo. — Estou
interessado em saber o que passa pela sua cabeça.
Estendi a mão calmamente em direção ao botão de chamada dos robôs de combate.
Mas por mais que me esforçasse, não consegui apertar o botão.
Meu sangue começou a ferver. Não tive a menor dúvida de que era aquele animal
que me impedia de chamar os robôs, embora não soubesse como conseguia fazer isso. Só
mesmo um inspetor dos senhores da galáxia podia ter este poder. Tinha de matá-lo
imediatamente; a situação era muito perigosa.
Saltei da poltrona.
O animal atirou no mesmo instante.
Não tive qualquer dificuldade em converter a energia saída da arma. Devia ser uma
arma de choque relativamente fraca, pois não houve nada além da formação de uma
pequena nuvem de hidrogênio neutro.
O animal foi recuando diante de mim. Parecia perplexo, mas compreendeu com uma
rapidez extraordinária.
— Fique onde está, Baar Lun! — gritou com sua voz estridente. — Não sou quem
você pensa. Também luto contra os senhores da galáxia. Deveríamos ser aliados.
Fiquei parado.
— Muito bem bolado — retruquei em tom irônico.
— É a mais pura verdade. Você trabalha para os senhores da galáxia, porque eles
ameaçam exterminar seu povo, Baar Lun. Acontece que seu povo já não vive mais. Você
tem sido enganado. Preste atenção ao que tenho a dizer!
Soltei uma estrondosa gargalhada.
— Estou ouvindo. Mas é bom que saiba que esta é sua última chance. Se não
conseguir convencer-me, eu o matarei. Pode começar!
E o animal começou a desfiar sua história.
Esforçou-se bastante para convencer-me. Isto não posso negar. Falou num mundo
chamado de Greenish 7, do exílio de meu povo, que teria vivido lá e da modificação deste
mundo num inferno frio e venenoso. Também aludiu à descoberta de um planeta batizado
com o nome de Gleam. Os descendentes de meus ancestrais, que tinham entrado num
processo de degenerescência, teriam vivido lá até serem mortos na explosão da lua.
Também falou em Módulo, sob cujas camadas de gelo, segundo dizia, não havia
nenhuma forma de vida.
Tudo que aquele ser dizia parecia lógico, mas só quem não conhecesse o espírito
traiçoeiro dos senhores da galáxia acreditaria nestas palavras. Comecei a ver o plano
elaborado pelos seres que me oprimiam. Queriam experimentar-me, fazendo-me cair em
tentação. Assim que eu me aliasse ao espião, este deixaria cair a máscara.
O ser calou-se. Seu “relato” chegara ao fim. Fitou-me com os olhos escuros, nos
quais havia um brilho de tristeza. A hipocrisia deixou-me ainda mais indignado.
— Não acredito uma palavra do que diz! — respondi. Você deveria ter sido bastante
inteligente para trazer alguma prova. Suas mentiras são evidentes demais para que uma
pessoa como eu caia nelas. Enquanto eu cumprir a vontade dos senhores da galáxia, meu
povo viverá. Se tiver de desaparecer um dia, você não estará vivo para ver.
Dei um salto em direção ao ser peludo. Este contorceu-se sob a força de meus
braços. De repente senti os fluxos energéticos criados pelo espírito do animal, que tentou
envolver-me num campo energético da quinta dimensão.
Deixei cair as mãos e usei meu espírito para transformar o campo energético em
matéria. Um grito estridente se fez ouvir.
Com um forte estalo, o ar encheu o vácuo. O ser desaparecera, escapara através de
um espaço hiperdimensional.
O pânico ameaçou tomar conta de mim. Mas não por muito tempo. Comecei a
mobilizar todas as reservas de andróides, para desferir o golpe final.
6

Quatro espaçonaves gigantescas mantinham-se suspensas no espaço vazio,


mantendo constante a distância que as separava do mundo sem luz.
Os jatos-propulsores já tinham silenciado. Só de vez em quando os projetores
antigravitacionais entravam em funcionamento por alguns instantes.
Perry Rhodan voltou a cabeça, cansado, quando Atlan saiu do poço do elevador
antigravitacional central.
— Dormiu bastante, amigo?
O arcônida sacudiu a cabeça e deixou-se cair pesadamente numa poltrona que ficava
junto à mesa dos mapas.
— Não consegui dormir, Perry — suspirou. — Ainda não temos notícias?
— Nada. Vamos esperar mais uma hora. Depois darei ordem de ataque. Acontece
que esta medida não representa uma solução. Além disso não devemos esquecer que o
ataque representará um perigo grave para Gucky e o grupo de Henderson. Parece que
mais uma vez seremos obrigados a destruir sem saber o quê.
Atlan sorriu, irônico.
— Você ultimamente está mostrando uma tendência para o pedantismo. Isso me
deixa assustado, Perry. Lá embaixo existe um centro de controle dos senhores da galáxia,
responsável pela destruição de Andro-Beta. E você ainda pergunta o que poderemos
destruir num ataque ao mundo das trevas...?
Perry Rhodan deu de ombros.
— Você não deveria ativar exclusivamente o setor lógico de seu cérebro, Atlan.
Muitas vezes o sentimento nos fornece preciosas indicações. E o sentimento me diz que,
se formos inteligentes, lá embaixo encontraremos uma indicação de grande valor.
— O que você quer dizer com inteligente? — respondeu Atlan, violento. — Acha
que está sendo inteligente por permanecer passivo, embora nem Henderson nem Gucky
tenham dado sinal de vida?
— Henderson já entrou em contato conosco — retificou Rhodan. — Foi justamente
por isso que enviamos o rato-castor. Se estiverem todos metidos bem embaixo da
superfície gelada, o telecomunicador evidentemente não nos alcançará.
— Se é assim, por que está preocupado...? — perguntou Atlan, esticando as
palavras.
— Você sabe — respondeu Rhodan, amargurado. — Gucky não teria nenhuma
dificuldade em realizar uma teleportação que o levasse à superfície e transmitir uma
mensagem. Se usar o código condensado, basta que fique um segundo. Portanto, deve
estar numa situação mais difícil do que imaginamos.
— Mande-me para baixo, senhor! — rugiu uma voz trovejante.
Era Icho Tolot. Aproximou-se gingando o corpo, conforme era de seu feitio. Os três
olhos vermelhos mexiam rapidamente de um lado para outro, o que era um sinal de
grande nervosismo num halutense.
— Ninguém poderá pousar na superfície do planeta sem uma barragem de artilharia
apropriada — objetou Rhodan. — Nem mesmo o senhor, Tolot. A estrutura orgânica
conversível não constituirá uma proteção adequada contra a explosão de uma espaçonave.
— Gucky está lá — disse o gigante halutense, ressentido.
Quem contemplasse o colosso dificilmente seria capaz de acreditar que este pudesse
sentir uma preocupação tão carinhosa pelo rato-castor.
Perry Rhodan fez um gesto afirmativo. Seu rosto assumiu uma expressão sombria.
Finalmente levantou o queixo num gesto sombrio e pôs a mão no intercomunicador.
— Mr. Marshall, faça o favor de comparecer à sala de comando!
— Quer falar com John? — perguntou Atlan. — Por enquanto ele não conseguiu
estabelecer contato telepático com Gucky. Acha que daqui em diante será mais bem-
sucedido?
— Precisamos tentar.
Alguns minutos se passaram num silêncio deprimente. John Marshall não vinha.
Rhodan olhou para o relógio, impaciente.
— Já deveria ter chegado...
Neste instante o telepata saiu apressadamente do poço do elevador. Estava com o
rosto vermelho, sem o quepe do uniforme, e os cabelos desgrenhados caíam-lhe na testa.
Mas seus olhos brilhavam.
— Consegui um contato! — gritou antes que estivesse perto de Rhodan. Parou à
frente do Administrador-Geral, respirou profundamente e informou: — Acabo de ter um
contato com Gucky, senhor. Estão todos bem. Mas os ataques dos andróides estão
aumentando de violência. O rato-castor solicita nosso auxílio.
Perry Rhodan levantou de um salto.
— Peça a Gucky que nos forneça a posição de seu grupo, para podermos atacar com
as quatro naves. Vamos, John! Faça um novo chamado.
John Marshall sacudiu lentamente a cabeça. Sua respiração foi voltando ao normal.
Ao que parecia, viera correndo.
— Gucky não quer um ataque, senhor. Pediu claramente o envio do prisioneiro que
fizemos em Gleamor. Quer que Redhorse o traga num jato espacial a cem mil
quilômetros de Módulo. Aí Gucky saltará e levará Loor Tan consigo.
— Módulo...? — perguntou Atlan, esticando a palavra.
Um sorriso ligeiro cobriu o rosto de Marshall.
— É o nome que deram ao planeta das trevas. Da notícia telepática de Gucky
depreende-se que ela se encontrou com um ser inteligente chamado de Baar Lun. Este
quase o matou. Mas não é nosso inimigo.
— Já não compreendo mais nada — murmurou Atlan. — Por que esse ser haveria
de matar Gucky, se não é nosso inimigo?
— Não sei, senhor. Gucky não tinha muito tempo.
Tentou comunicar-se pelo telecomunicador, porque a ligação telepática é bastante
precária. Vivia me chamando em vão, senhor.
— Temos uma mensagem da sala de rádio, senhor — disse Icho Tolot.
A voz do gigante trovejava com mais força que de costume. Não conseguiu disfarçar
a alegria que estava sentindo.
Rhodan ativou o intercomunicador e ligou os dois alto-falantes adicionais, quando a
mensagem de Gucky foi transmitida.
Depois disso Atlan, Marshall, Tolot e Rhodan entreolharam-se em silêncio. Sentiam
que no fundo pensavam a mesma coisa, embora somente dois deles fossem terranos.
Finalmente Rhodan rompeu o silêncio.
— Atlan, faça o favor de elaborar um plano de ataque juntamente com Tolot —
disse. — John, o senhor vai fazer o favor de ir comigo. Precisamos falar com Loor Tan
— virou a cabeça antes de entrar no elevador. — Atlan, avise Redhorse de que dentro de
dez minutos terá início uma nova operação.
***
O rato-castor saltou de volta para junto do grupo de Henderson, assim que tinha
transmitido a mensagem pelo rádio.
Percebeu imediatamente que a situação se tornara desesperadora. Os monstros
andróides já não estavam atacando somente de um lado, pois tinham conseguido abrir
passagem através de uma segunda caverna. Se não fossem os dois canhões
desintegradores, o grupo não teria sido capaz de manter sua posição. Como o espaço se
tornara relativamente estreito, o uso de armas energéticas seria um ato de suicídio.
Gucky foi para perto de Henderson. O capitão estava de pé perto de um dos
desintegradores, que era operado por Burdick e Eyseman. O raio finíssimo, quase
irreconhecível, saído da arma, precipitava-se sobre a massa dos monstros que se
aproximava. Toda vez que atingia um deles, a estrutura cristalina do respectivo corpo
desmanchava-se prontamente em nuvens verdes de gases moleculares. Mas outros
andróides iam avançando com uma obstinação terrível. Seu número devia ser tremendo, e
acabariam esmagando os defensores. Já começavam a ganhar terreno, embora só fosse
centímetro após centímetro.
— Temos de mudar de lugar! — constatou o rato-castor.
Henderson deu uma risada áspera.
— Naturalmente, baixinho. É só mostrar a porta pela qual podemos sair.
— Já ouviu falar em teleportação? — respondeu Gucky, petulante. — Conheço um
lugar em que ficaremos tranqüilos por algum tempo. Então. Vai resolver?
— Hum! — fez o capitão. — Tomara que este lugar não fique outra vez em
Greenish 7. Os cristais não irão...
— Isso mesmo! Os cristais — disse Gucky. — Isto me faz lembrar uma coisa. No
lugar em que estou pensando há um cristal. Terei de levá-lo antes que vocês mudem para
lá. Aliás, basta enfiá-lo no bolso. Se a gente não vê, não acontece nada.
Sven Henderson levantou-se. O feixe de luz de sua lâmpada apontava para o teto da
caverna. Viam-se perfeitamente algumas fendas, que minutos antes não tinham estado lá.
— Acho que você terá de apressar-se, Gucky.
O rato-castor concentrou-se no pavilhão baixo que ficava na rocha de Módulo, e que
o deixara tão embaraçado na primeira fase na operação mundo das trevas. Teleportou.
O pavilhão estava vazio, conforme tinha na lembrança. Havia um único cristal da
ilusão em seu centro. Gucky já não teve necessidade de quebrar a cabeça para descobrir a
origem desse cristal. Não havia mais nenhuma dúvida de que existia uma ligação entre
Módulo e Greenish 7. E o rato-castor era capaz de imaginar quem perdera o cristal.
Enfiou-o apressadamente em um dos bolsos externos de seu traje de combate.
Depois saltou de volta para junto de Henderson. As rachaduras no teto já tinham
aumentado bastante. De vez em quando o braço deformado de um andróide saía de uma
delas como se fosse uma serpente, tentando agarrar um dos homens.
O rato-castor constatou, satisfeito, que Henderson organizara muito bem a
evacuação. Só havia um homem atrás de cada desintegrador, e Henderson estava
mexendo numa carga explosiva.
Gucky segurou os dois homens que tinham ficado livres. Eram Taka Hokkado e
Finch Eyseman. Saltou para o Pavilhão e voltou imediatamente para a caverna. Assim
Que materializou, Henderson puxou-o violentamente para o lado. Blocos de gelo caíram
ao chão perto dele. O capitão atirava com uma arma narcotizante para o braço que saía do
teto, descrevendo movimentos pendulares. O objeto plasmático tremeu e ficou
imobilizado.
— Burdick e Tudd! Vamos! — ordenou Henderson. Os dois homens quiseram levar
os canhões desintegradores, mas o capitão fez um gesto de pouco-caso.
— Não há tempo para isso!
O rato-castor não perdeu tempo. Levou Burdick e Tudd ao pavilhão. No seu íntimo
pensou no rosto que o Major Bernard faria quando fosse informado sobre a perda das
armas.
Quando apareceu novamente na caverna, Henderson travava uma luta desesperada
contra os monstros vindos de três lados. Se Gucky tivesse demorado mais um segundo...
Na pressa, o rato-castor errou o cálculo um metro. Agarrado ao capitão, caiu
pesadamente no chão duro do pavilhão. Gucky esfregou o traseiro e saiu mancando para
o saco de mantimentos ainda pela metade.
— Que caverna esquisita — constatou Bron Tudd em tom de desprezo. —
Hermeticamente fechada. E não existe ar. Por que será?
O rato-castor esqueceu as dores e voltou a endireitar o corpo. A observação de Bron
despertara mais uma vez sua curiosidade. Mancando um pouco, caminhou junto à parede.
De repente parou.
— Venha cá, Henderson. Acho que encontrei uma porta. Talvez consiga abri-la.
O capitão resolveu usar o tratamento de senhor. A forma de tratamento de Gucky
mudava constantemente, e sempre era conveniente adaptar-se à sua disposição
momentânea.
— Por que não teleporta para o outro lado?
— Tive experiências desagradáveis! — comentou o rato-castor laconicamente. —
Tente usar a cabeça, capitão. Isto aqui é um ponto oval, que se destaca um pouco das
áreas adjacentes. Talvez seja um dispositivo de isolamento térmico, não acha?
— Hum! — fez o capitão e comprimiu a mão contra a mancha clara. Não esperara
que a fechadura ainda funcionasse. Deu um salto para trás quando a porta se abriu
abruptamente para o lado.
Os homens pertencentes ao comando deram prova de sua extraordinária capacidade
de reação. Deitaram no chão quase no mesmo instante e apontaram suas armas para a
porta aberta.
A sala ao lado estava escura.
Sven Henderson mexeu no cinto e atirou um pequeno objeto oval pela abertura.
— Apaguem as lâmpadas! — disse.
Uma chama trêmula cortou a escuridão da sala ao lado. Dali a pouco uma claridade
uniforme espalhou-se, iluminando todos os cantos.
Era uma luz cruel e implacável. Não sabia o que era ter piedade. Deixou à mostra
um gigantesco túmulo. Viam-se milhares de corpos que pareciam dormir. Os olhos muito
abertos e cobertos de gelo eram o único sinal de que não era assim.
Os homens foram atravessando a porta, sob a luz da bomba luminosa. Seguravam
suas armas com as pontas dos dedos, dando a impressão de que tinham vergonha de
entrar armados na pousada dos mortos escavada na rocha. Finch Eyseman guardou a
arma energética com um movimento abrupto. Cruzou os dedos.
Permaneceram em silêncio por alguns minutos. Finalmente Gucky voltou a cabeça.
— Não morreram de morte natural — cochichou. — Foram assassinados e
colocados nesta câmara de vácuo.
O Tenente Eyseman engoliu em seco.
— São parecidos com Baar Lun, não são?
Gucky acenou com a cabeça.
— Os senhores da galáxia exterminaram o povo dos módulos, com exceção de um
único indivíduo, que usam para seus planos infames. Não poderia haver uma mentira
mais baixa do que chantagear Baar Lun com alusões a seu povo, embora este já tenha
sido exterminado.
— Baar Lun há de reconhecer isto... — murmurou Ray Burdick.
— Como? — perguntou Eyseman, exaltado. — Não me diga que pretende trazê-lo
para cá. Vai mostrar-lhe o túmulo de seu povo?
— Isto não pode ser evitado — respondeu o Tenente Burdick, muito sério. — Pode
parecer cruel. Mas seria mais cruel ainda esconder a verdade. Quando se recuperar do
Primeiro choque, Baar Lun há de reconhecer que está livre, livre de uma pressão que já
dura vários anos ou até decênios — livre da obrigação de produzir monstros.
— Burdick tem razão — disse Henderson. — Se Baar Lun vê isto, Andro-Beta
estará salvo. Não devemos esquecer isto.
— É verdade — cochichou Finch, para acrescentar em tom sombrio: — Mas apesar
de tudo não devemos dispensar um encontro com Loor Tan. Sem isso Gucky não
conseguirá trazê-lo para cá.
O rato-castor acenou com a cabeça e olhou para o relógio.
— Don Redhorse deve chegar dentro de cinco minutos. Vou saltar para a superfície
— estendeu a mão. — Quer ceder-me seu telecomunicador, capitão?
Henderson entregou-lhe o aparelho achatado e o rato-castor desapareceu.
— Tomara que os andróides não nos encontrem tão depressa — murmurou Taka.
***
Os robôs estavam desconfiados.
Não sabia como as máquinas puderam registrar o tempo durante o qual seus
cérebros positrônicos estiveram condenados à inatividade. Talvez as interferências
resultantes das radiações produzidas pelos bancos conversores não tinham sido
suficientes para apagar completamente seu consciente, ou então eles possuíam uma
espécie de subconsciente positrônico.
De qualquer maneira, sua forma de agir provava que estavam desconfiados.
Colocaram sentinelas junto a todos os aparelhos. Depois disso algumas divisões
marcharam para dentro dos arsenais. Voltaram equipados com armas energéticas
superpesadas e lança-foguetes de tiro rápido sobre rodas. Parte deles deixou que os
transmissores os transportassem para a superfície, enquanto os outros desapareceram nos
poços dos elevadores de carga. Ao que parecia, estavam se preparando para defender o
centro de controle.
Ignoraram-me completamente — ou quase.
Duas das gigantescas máquinas de guerra pediram que as deixasse entrar em minha
sala de controle. Não tive alternativa; fui obrigado a abrir a porta. Fui recuando passo a
passo diante dos robôs, em direção à parede dos fundos. Preparei-me para fazer a
conversão da energia saída de suas armas, mas não me iludi. Se os dois robôs atirassem
ao mesmo tempo, o volume da energia incidente sobre meu corpo seria muito superior à
minha capacidade de conversão.
Mas as máquinas nem tomaram conhecimento da minha presença. Uma delas parou
e fitou-me com uma expressão de indiferença em seus olhos vermelhos brilhantes. A
outra regulou sua arma energética para a capacidade mínima e disparou um tiro contra o
comando que controlava os andróides. Foi o suficiente para inutilizar definitivamente o
aparelho. Feito isso, as máquinas fizeram meia-volta e afastaram-se.
Fiquei sem saber o que fazer.
Por que fizeram isso? Se desconfiassem de mim, poderiam ter-me prendido. Assim
não estaria em condições de suspender a ação dos andróides. Mas os robôs poderiam
intervir a qualquer momento na atuação dos monstros. Por que resolveram privar-se dessa
possibilidade?
A única explicação para este procedimento, que parecia completamente ilógico, era
que os robôs agiam em conformidade com um comando de segurança esquematizado.
No momento em que me dei conta de que fazia bastante tempo que os senhores da
galáxia não tinham dado sinal de vida, o sinal o qual estava tão familiarizado se fez ouvir.
Soava em todos os cantos do centro de controle. Os senhores de Andrômeda não
gostavam que alguém os fizesse esperar.
Subi na esteira transportadora e dirigi-me ao poço de entrada, onde terminava a
esteira. Teria de atravessar o pavilhão ligado ao poço de entrada para atingir a sala de
comunicações. Tive uma sensação esquisita ao passar entre os guardas-robôs ali
postados. Devia estar tremendo por todo o corpo. Temia pelo futuro de meu povo.
A lembrança disso fez com que recuperasse a capacidade de pensar. Em hipótese
alguma os senhores da galáxia deveriam notar que estava com medo. Devia comportar-
me como de costume.
Quando entrei no recinto em forma de pavilhão, fiquei ofuscado e fechei os olhos.
Esferas vermelhas brilhantes suspensas no ar fitavam-me das inúmeras telas dispostas
junto à parede. Na verdade, não se podia dizer que olhavam, pois não possuíam olhos.
Mas tinha certeza de que me viam.
Era a primeira vez que as esferas luminosas apareciam como interlocutoras. Senti a
nuca ficar gelada de pavor.
Seriam estes os senhores da galáxia...?
Respondi negativamente à pergunta que não chegara a formular. Os senhores de
Andrômeda sempre tinham evitado aparecer pessoalmente nas telas. Não havia nenhum
motivo plausível que justificasse um procedimento diferente. O centro de controle de
Módulo não podia ser tão importante aos seus olhos.
— Baar Lun — disse uma voz de robô fria e monótona. — O alerta automático
entrou em funcionamento duas vezes, anunciando acontecimentos incompatíveis com a
segurança de Módulo. O que tem a dizer sobre isto?
Relatei o que sabia, pelo menos até o ponto em que os fatos pareciam ser bastante
inofensivos para não me comprometer. Tive o cuidado de não mencionar a destruição dos
comandos que controlavam as andróides. Sem dúvida teriam exigido uma explicação para
a desconfiança dos robôs.
— A produção dos andróides e das esferas energéticas procede segundo o plano —
concluí.
Por algum tempo não aconteceu absolutamente nada. As esferas vermelhas
brilhantes permaneceram imóveis nas telas. Finalmente a mesma voz monótona voltou a
fazer-se ouvir.
— O plano não corresponde mais aos dados presentes, Baar Lun. A produção e a
utilização das esferas têm de ser multiplicadas por cinco, — e imediatamente. Não
aceitaremos nenhuma objeção. Cumpra seu dever, senão seu povo está perdido.
Houve um clique muito fraco quando a ligação foi interrompida. As telas apagaram-
se de repente. A sala de comunicações ficou em silêncio.
Fui saindo com os ombros caídos. Aumentar a produção cinco vezes! Era
impossível... Quando muito, seria possível triplicá-la. A capacidade dos biobancos não
permitia mais que isso. Os senhores da galáxia deviam saber disso. Talvez só quisessem
maltratar-me mais uma vez, mostrando seu poder ilimitado e tornando-me mais
submisso.
Não sei como fui parar na sala de controle. A exaltação tornou-me cego para as
coisas que me cercavam.
Mas quando entrei e vi as duas criaturas, meu espírito voltou à realidade...
Um dos dois seres era a criatura peluda que usava o nome de Gucky. Seus olhos
escuros fitavam-me com uma expressão de ansiedade. Foi pelo menos a impressão que
tive.
O outro ser era exatamente igual a mim — salvo alguns pequenos detalhes. Seus
membros pareciam mais delicados e era mais esbelto que eu. Sua cabeça era
completamente calva, enquanto eu possuía uma mancha de cabelos sem cor. A boca era
mais larga e o lábio inferior mais grosso. Mas o que mais o distinguia de mim era a cor da
pele. Minha pele era completamente branca; algumas centenas de manchas pigmentadas
cobriam meu corpo. Mas a criatura que se encontrava à minha frente possuía uma nele
que brilhava num azul delicado.
Fiquei paralisado de susto, perplexo, incapaz de dizer uma palavra.
Meu sósia de pele azul parecia tão perplexo quanto eu. Mas havia uma diferença:
não conseguia controlar-se tão bem. Tremia por todo o corpo, e certamente cairia se o ser
peludo não o apoiasse.
— Apresento Loor Tan — disse Gucky com a voz estridente. A tradutora
simultânea permitiu que eu compreendesse suas palavras. — Loor Tan é a prova que
você estava pedindo, Baar Lun.
Respirei profundamente, para estabilizar minha circulação sangüínea. Não havia
nenhuma dúvida de que Loor Tan e eu éramos aparentados, embora as condições
ambientais naturalmente tivessem produzido mutações transmitidas por hereditariedade.
Mas se era assim Loor Tan deveria dominar a língua de meu povo, que era o maaduuna.
— Faça o favor de desligar a tradutora, Gucky! — pedi.
O ser peludo voltou a exibir seu dente solitário. Parecia ser um gesto de satisfação.
Atendeu prontamente ao meu pedido.
Logo veria se Loor Tan pertencia ao meu povo. Voltei o rosto para ele e passei a
falar em maaduuna, pronunciando lentamente as palavras:
— Meus cumprimentos, irmão! Faz tempo que não ouço falar no meu povo.
Loor Tan arregalou os olhos e deixou-se cair no chão, com as palmas da mão
voltadas para mim.
— Receba minhas homenagens, poderoso! — disse num cochicho.
Prestei atenção às suas palavras, que não deixavam de ser compreensíveis. Mas só
reconheci seu sentido graças à ligação existente entre elas, o que era perfeitamente
compreensível. Os elementos lingüísticos sofriam as modificações determinadas pela
evolução, tal qual os outros fenômenos.
Passei a dedicar minha atenção a Gucky. O ser peludo acabara de dizer que Loor
Tan era uma prova. Restava saber de quê.
Gucky ligou a tradutora, pois notou que eu queria falar com ele.
— Você cometeu uma leviandade ao entrar na armadilha — observei em tom
irônico. — Desta vez você não escapará através de um espaço hiperdimensional, Gucky.
A não ser que realmente consiga provar sua teoria. Mas no momento tudo leva a crer que
Loor Tan está provando exatamente o contrário do que você afirma — ou seja, que meu
povo ainda vive.
— Sinto muito — respondeu o ser peludo, tão baixo que mal consegui entendê-lo.
— Sinto realmente ter de fazê-lo sofrer, Baar Lun. Mas isto é necessário para que você
recupere a liberdade que lhe foi roubada pelos senhores da galáxia. Por favor, faça suas
perguntas a Loor Tan. Se quiser, pode submetê-lo a um interrogatório. Mas prepare-se
para conhecer uma verdade horrível!
As palavras de Gucky deixaram-me um pouco inseguro, embora não acreditasse no
que ele dizia. Um espião dos senhores da galáxia seria perfeitamente capaz de apresentar
um membro de meu povo, caso achasse necessário. Mas não tive a menor dúvida de que
Loor Tan se enlearia nas perguntas capciosas que eu lhe faria. Tinha muito medo de mim,
o que desde logo me dava certa vantagem.
O ser peludo voltou a desligar a tradutora e dei início ao interrogatório...
Não demorei a descobrir que Loor Tan estava dizendo a verdade. Era uma verdade
terrível e tive de fazer um esforço enorme para não perder o autocontrole.
Quando Loor Tan terminou, não me agüentei mais. O ódio que sentia pelos senhores
da galáxia ameaçava sufocar-me. Estes seres deviam ser os piores demônios que a criação
já tinha gerado.
Minhas veias e artérias musculares bombeavam o sangue a toda força pelo corpo.
Círculos vermelhos pareciam dançar diante dos meus olhos. Fiquei sem saber o que
estava fazendo. Com uma força que só pode ser gerada por uma raiva incontida, pus-me a
arrancar as chapas de revestimento do console, a despedaçar instrumentos e rasgar cabos.
Devo ter gritado que nem um animal, pois acabei ficando completamente rouco.
Finalmente fiquei tão exausto que fui obrigado a parar. Caí na poltrona,
completamente esgotado, respirando com dificuldade. O acesso de raiva me debilitara,
mas ao mesmo tempo trouxera certo alívio psíquico.
Finalmente a respiração ficou mais tranqüila e o sangue deixou de zumbir nos meus
ouvidos, Levantei a cabeça e fitei Gucky.
— Estou inclinado... — disse, baixinho e com a voz entrecortada — ... estou
inclinado... a acreditar na verdade, por mais terrível que possa ser. Mas... Loor Tan falou
apenas num ramo degenerado de meu povo. Não soube dizer nada sobre os exilados de
Módulo. Como posso voltar-me contra os seres que me oprimem, enquanto podem usar o
resto de meu povo como reféns...?
Gucky olhou-me demoradamente e sacudiu a cabeça.
— Mesmo que fosse assim, estaríamos em condições de evitar o extermínio dos
remanescentes de seu povo. Nossas naves de guerra são muito poderosas. Poderiam
perfeitamente ocupar Módulo numa operação-relâmpago. Infelizmente você está
enganado. Você é o único modular que resta. Loor Tan não conta. O ramo de seu povo
que vivia em Módulo morreu há muito tempo.
— Não posso acreditar nisso! — disse, exaltado, embora soubesse que minhas
últimas esperanças acabavam de ser sepultadas.
— Pois siga-nos, Baar Lun. Você tem o direito de ver a prova final.
Dei uma risada amarga.
— Mesmo que quisesse, não posso sair deste centro de controle. Os robôs
receberam instruções rigorosas neste sentido.
O ser peludo caminhou desajeitadamente em minha direção. Arrastou o gleamor,
nome que costumava dar a Loor Tan. Pegou minha mão. Resisti um pouco, mas acabei
cedendo.
— Vamos teleportar — disse. — Posso carregar os dois através da quinta dimensão.
Concordei. Já não me importava com mais nada. Minha morte não representaria
uma grande perda.
— Você não deve pensar assim — objetou Gucky em tom de recriminação. Logo
acrescentou a título de explicação: — Não fique espantado. Sei ler os pensamentos. Sou
um para que nem você, mas minhas faculdades são de outra espécie que as suas, Baar
Lun. Já que não pode salvar seu povo, poderia ao menos ajudar-nos a castigar os seres
que o assassinaram.
— Vingarei meu povo — murmurei.
— Não queremos vingança — retificou Gucky. — Vamos submeter os criminosos a
julgamento.
Segurou minha mão com mais força. Nunca pensei que uma mãozinha como a dele
fosse tão forte.
Finalmente os contornos dos objetos que me cercavam se desmancharam — e no
mesmo instante vi-me no interior de uma bolha feita de energia.
— Calma! — disse Gucky. — A bolha energética é uma necessidade, pois estamos
no vácuo.
Olhei em torno. Cinco seres enfiados em trajes à prova de vácuo mantinham-se à
espera no interior de uma sala vazia. A semelhança entre eles e mim deixou-me
espantado. Só nos rostos que apareciam atrás dos visores dos capacetes via-se uma
diferença.
Um deles mexeu nos controles de um aparelho. A bolha energética em cujo interior
se encontravam Gucky, Loor Tan e eu começou a deslocar-se em direção a uma abertura,
uma porta na parede. Alguém atirou um objeto na sala que ficava atrás dessa porta. Logo
esta ficou clara.
O pavor sacudiu meu corpo. Mas não tive mais forças para irromper num novo
acesso de raiva. Talvez já estivesse em condições de controlar-me melhor, já que o
quadro que vi à minha frente não era uma surpresa.
O fato final, irrevogável, transformara-se numa certeza. As feras de Andrômeda
nunca tiveram a intenção de permitir que meu povo vivesse. Bastava que pudessem
exercer chantagem contra mim. Nesse instante tomei-me muito duro. Qualquer um teria
ficado, diante dos mortos e da revelação da mentira infame.
Naquela tumba, jurei vingança contra os senhores da galáxia.
Ninguém disse uma palavra. Ninguém interrompeu meus pensamentos sombrios
nem interferiu no meu sentimento de luto. Depois de muito tempo, eu mesmo voltei a
cabeça e disse:
— Daqui em diante estarei do lado de vocês. Farei tudo que estiver ao meu alcance
para ajudá-los. Não é somente por termos um inimigo comum, mas também porque
sentimos e pensamos quase da mesma forma.
7

Voltamos ao centro de controle. Mais precisamente, Gucky, o rato-castor, um jovem


oficial espacial dos terranos, que se chamava Finch Eyseman, e eu, Baar Lun.
A sensação que eu experimentava quando o rato-castor segurava minha mão e
teleportava através do espaço hiperdimensional ainda era bastante estranha. Percebi o
quanto subestimara o ser peludo, que parecia ocupar uma posição toda especial até
mesmo nos escalões de comando terranos. Suas ordens eram cumpridas sem discussão.
Fiquei satisfeito por ele não estar ressentido comigo.
Estávamos preparados para ter uma surpresa quando materializamos na sala de
controle. Gucky e Finch fizeram girar o corpo, com as armas apontadas, e examinaram
todos os cantos da sala. Um dos terranos me dera uma arma. Era uma pequena arma
energética que, segundo diziam, produzia efeitos devastadores. Estava firmemente
decidido a usar esta arma.
Mas estávamos sós. Nenhum robô entrara em minha sala de controle, mas os
guardas-robôs continuavam postados em todos os cantos do gigantesco pavilhão
industrial.
Vi a plataforma do elevador e dei uma risadinha. Estava suspensa, imóvel, perto do
chão do pavilhão. Havia dois robôs fortemente armados ao lado dela. Provavelmente sua
tarefa consistia em evitar atos de sabotagem. Se estes atos fossem praticados por mim, os
robôs não conseguiriam evitar coisa alguma. Tinham de permitir minha passagem para
que chegasse à sala de comando das esferas, pois do contrário a produção dos andróides e
a atuação das esferas entrariam em colapso. E eram incapazes de controlar-me. A
plataforma antigravitacional não podia sustentar um robô.
— Não se exponha desnecessariamente ao perigo, Baar Lun — disse Gucky.
Certamente lera mais uma vez nos meus pensamentos.
Gucky começava a tratar-me de você. Aceitei esta forma de tratamento, embora
soubesse que os terranos costumavam usar uma forma mais solene, que era o senhor. Mas
parecia que até mesmo neste ponto o rato-castor ocupava uma posição toda especial.
— Compreendo — respondeu. — Mas desta vez prefiro dispensar a teleportação.
Para impedir a produção de andróides e esferas, terei de modificar a regulagem das
máquinas. Isso sem dúvida será notado, inclusive pelos robôs. Desconfiariam
imediatamente se soubessem que não estou na sala de controle. Prefiro ir a pé.
Finch Eyseman pigarreou em tom insistente, enquanto eu caminhava em direção à
porta.
— Se fosse o senhor, não levaria a arma energética, Baar Lun.
Um tanto embaraçado, coloquei a arma num dos consoles. Por pouco não cometera
uma tolice. Os robôs sabiam que eu não possuía nenhuma arma...
— O que acontecerá se teleportarmos para a sala de comando? — perguntou Gucky,
apontando para si mesmo e para o oficial.
— O que poderia acontecer?
— Existe algum equipamento de alarme por lá?
— Não. Se quiser teleportar na frente, não tenho nenhuma objeção.
O rato-castor acenou com a cabeça e segurou a mão Eyseman. Os dois
desapareceram antes que eu abrisse a porta. Até chegaram a levar minha arma energética.
Atingi a plataforma do elevador. Os dois robôs permaneceram imóveis. Subi à
plataforma e lancei um olhar de deboche para as máquinas.
— Não querem acompanhar-me?
Os robôs continuaram imóveis, mas um deles respondeu com a voz mecânica:
— Sentimos muito, Baar Lun, mas somos pesados demais.
Ainda estava rindo quando entrei na semi-esfera que formava a sala de comando.
— O senhor cometeu uma leviandade — observou Finch Eyseman.
— Por quê? — retruquei. — Estes robôs não são capazes de interpretar sentimentos.
Para eles uma risada não passa de um dos inúmeros ruídos aparentemente sem sentido
emitidos pelos seres orgânicos.
— Tomara! — respondeu Eyseman laconicamente.
Vi a preocupação estampada em seu rosto. Estava realmente preocupado comigo.
— Por favor, não me interrompa por enquanto! — pedi, enquanto me acomodava no
assento. — Tenho de concentrar-me no trabalho.
Era a primeira vez desde que comecei a trabalhar neste lugar que me entreguei de
boa vontade ao efeito hipnótico dos modelos luminosos. Passei os dedos pelo teclado,
estabelecendo o contato instantâneo entre as esferas energéticas e os andróides que as
pilotavam. Os comandos eram completamente silenciosos. A máquina captava meus
pensamentos, transformava as manifestações de vontade por mim emitidas em impulsos
codificados ultraluz e os fazia sair das antenas em forma de mensagens em símbolo.
Milhões de pilotos de esferas receberam uma ordem à qual não poderiam resistir.
Deveriam interromper a operação de destruição dirigida contra Andro-Beta, retornar ao
espaço vazio e autodestruir-se. Os andróides seriam incapazes de ficar desconfiados ou
rebelar-se contra a própria destruição, à qual de qualquer maneira estavam predestinados.
Sua inteligência artificial não ia além da execução das ordens que lhes fossem dadas.
Os impulsos de controle retornaram no mesmo instante e mostraram que minhas
ordens estavam sendo cumpridas. Até mesmo as esferas energéticas encarregadas da
produção de Módulo afastaram-se em direção ao local da destruição.
Quando concluí meu trabalho, estava exausto, mas também me senti bastante
aliviado. Era a primeira vez que usava minhas capacidades para um fim justo.
Mas a tarefa ainda não estava concluída.
Os modelos luminosos voltaram a dançar à frente dos meus olhos, e mais uma vez
entrei em transe.
Não podia interromper completamente a produção dos monstros andróides. O alerta
automático certamente entraria em ação e avisaria os senhores da galáxia. Mas o dom de
conversão de energia permitia que influenciasse os monstros recém-formados de forma a
ficarem incapazes de fazer qualquer coisa. Dali em diante os produtos saídos dos
biobancos só por fora se pareceriam com seres artificiais. Na verdade, não passariam de
uma massa inerte.
Levantei-me cambaleante. Finch Eyseman segurou meu braço e fitou-me
preocupado.
— Pronto! — anunciei e dei uma risada triste. — Infelizmente não estou em
condições de influenciar os monstros que já andam pelo planeta Módulo. Vocês têm de
encontrar um meio de enfrentá-los.
— Não se preocupe! — respondeu Gucky. — Ivã Goratchim fará uma limpa entre
eles.
Embora não soubesse quem ou o que vinha a ser Ivã Goratchim, confiei nas palavras
de Gucky. Os terranos, que era o nome usado pelos seres que se pareciam com os
modulares, desenvolviam uma atividade incrível. Se existia uma raça capaz de lidar com
os senhores da galáxia, eram eles.
Coloquei o traje à prova de vácuo que costumava guardar na sala de comando das
esferas. Depois peguei a mãozinha do rato-castor.
— Depressa — pedi. — Os robôs logo perceberão o que está acontecendo por aqui.
Este lugar se transformará num inferno.
***
Perry Rhodan desligou o telecomunicador e pegou o microfone do
intercomunicador. O rosto largo de epsalense do Coronel Cart Rudo apareceu na tela. A
expressão tensa que se notava nesse rosto revelava a espera angustiante de vários dias
para que este momento chegasse. Mas a voz era controlada, embora saísse com o volume
que se estava acostumado a ouvir neste ser.
— Quais são as ordens, senhor...?
— Atacar — e abrir fogo contra os fortes inimigos. Os destróieres espaciais sairão
durante o primeiro vôo de aproximação, abrindo fogo concentrado contra as posições
inimigas até eliminá-las. Durante o segundo vôo de aproximação abriremos fogo contra
os fortes restantes, e faremos sair as naves-girino e os jatos espaciais. Os comandos de
desembarque entrarão em ação contra as posições-chaves já conhecidas. Sempre devemos
lembrar-nos de que estaremos combatendo robôs e andróides sem alma. Portanto,
devemos desenvolver uma ação implacável, para poupar nossa gente. A posição do grupo
de Henderson é conhecida?
O rosto de Cart Rudo descontraiu-se num sorriso zangado.
— E conhecida, sim senhor. Ordens entendidas. Quando será iniciada a operação?
Perry Rhodan olhou para o relógio e retribuiu o sorriso de Rudo.
— A operação ponto final será iniciada exatamente às 3:44 horas, tempo de bordo.
Faça um trabalho bem-feito, coronel!
— Obrigado, e boa sorte, senhor.
— Mas tenha cuidado.
Rhodan levantou-se e voltou a cabeça para Atlan.
O arcônida sorriu. Parecia aliviado.
— Até que enfim, Perry! Façamos votos de que Módulo seja a última fortaleza dos
senhores da galáxia na área de Andro-Beta.
— É o que esperamos, amigo. Onde estão os outros? Já se encontram no jato
espacial de Redhorse?
— Só falta você e eu, Perry.
Rhodan assentiu a cabeça e passou mais uma vez os olhos pelo recinto em que
estava instalada a sala de comando principal de Crest II.
— Devemos apressar-nos. Daqui a dez minutos Rudo dará o sinal de ataque.
Enquanto eram transportados nas esteiras, encontraram-se com inúmeros soldados e
oficiais que corriam para seus postos de combate. Perry Rhodan retribuía os
cumprimentos e examinava os rostos dos homens. Estavam muito sério. Quase todos os
tripulantes da Crest II possuíam experiência de combate e sabiam que não estavam
partindo para uma excursão. Mas todos os rostos revelavam a vontade firme de defender
a Terra e a Humanidade, onde quer que estivessem.
O jato espacial 102 já se encontrava na ante-sala da eclusa do hangar. Os técnicos e
robôs mecânicos acabaram de concluir a revisão usual depois de cada operação mais
intensa. O veículo em forma de disco brilhava com se acabasse de sair da linha de
produção. A tripulação e os “passageiros” tinham entrado em forma a dez metros da
escotilha de entrada da eclusa inferior. Rhodan e Atlan cumprimentaram-nos em silêncio
e ficaram em pé ao lado deles.
Melbar Kasom e Icho Tolot destacavam-se que nem torres. Tolot antes parecia um
tanque sobre duas pernas, enquanto Kasom poderia ser comparado com um gigante de
corpo bem-feito. Os dois valiam pelo menos tanto quanto vinte homens. Ivã Goratchim, o
mutante detonador de duas cabeças, era o único cujo tamanho se aproximava do de
Kasom. Mas as vantagens de Goratchim não eram de natureza física. O mutante era capaz
de, por meio de seus fluxos mentais, provocar um processo de fusão explosivo em
qualquer composto de carbono ou cálcio. Sob este aspecto, Ivã Goratchim era o ser mais
perigoso do Universo. Mas em hipótese alguma seria capaz de abusar de seu poder.
Justamente por isso demonstrava tamanha dedicação para com Rhodan. Sabia que o
Administrador-Geral obedecia aos mesmos princípios éticos que ele.
Os rostos de suas duas cabeças exibiram um sorriso confiante ao retribuir o olhar de
Rhodan.
Os técnicos e robôs retiraram-se do jato espacial e os homens entraram. Perry
Rhodan deixou que a tripulação entrasse antes dele. Finalmente seguiu-os à frente do
comando de desembarque de onze homens. Acomodaram-se no compartimento de carga.
Havia dois carros voadores preparados para sair a qualquer momento, mas somente três
homens entraram em cada um dos veículos blindados. Rhodan, Atlan, Kasom, Tolot e
Goratchim ficaram do lado de fora. Iriam à superfície do planeta Módulo protegidos
unicamente por seus trajes de combate. Sua tarefa consistiria em chegar ao lugar em que
estava escondido o grupo de Henderson, juntamente com os comandos de desembarque
de outros quatro jatos espaciais, e a partir dali encontrar um caminho que levasse ao
centro de controle.
A escotilha de passageiros fechou-se e dali a um minuto Don Redhorse chamou pelo
microcomunicador.
— A operação vai começar, senhor. A Crest já está acelerando ao máximo.
Rhodan agradeceu com um sorriso. O rugido dos propulsores e as vibrações
chegavam até o compartimento de carga em cujo interior se encontravam.
Mais cinco minutos se passaram, e o tamborilar dos canhões energéticos pesados
misturou-se ao ruído dos jatopropulsores.
A luta pela posse de Módulo tinha começado.
***
Se dependesse dos terranos, os mesmos teriam tentado arrombar logo a porta que
ficava atrás da tumba. Pedi que não o fizessem. Dali a instantes viu-se que minha
recomendação fora acertada.
Parecia que os robôs tinham percebido que os biobancos só estavam fabricando
figuras inúteis e sem vida. Seja como for, Gucky, que ocupava um posto de observação
situado na superfície, informou que as torres de canhões dos fortes estavam saindo e os
robôs de combate vinham por inúmeras eclusas.
Estavam à nossa procura — ou pelo menos à minha.
Perguntei-me se os senhores da galáxia já tinham sido informados sobre a
sabotagem que eu praticara e, em caso afirmativo, o que fariam. Se planejassem um golpe
dirigido contra Módulo chegariam tarde.
O rato-castor materializou em nosso esconderijo e ofereceu o relato. Disse que tinha
recebido notícias segundo as quais o ataque das espaçonaves terranas era iminente.
— Você vai ver — disse, voltando o rosto para mim, com os olhos brilhantes. —
Não demorará mais de uma hora para terminar. Se os quatro supercouraçados entrarem
em ação, os fortes robotizados serão varridos do Universo.
Esbocei um sorriso compreensivo. Já descobrira que o pequeno ser peludo gostava
de exagerar.
— Mesmo que isto seja verdade — objetei — ainda restarão as instalações
industriais embaixo da superfície, os robôs e os monstros andróides.
Gucky fez um gesto de pouco-caso e deu uma risada estridente.
— Dos robôs eu cuido sozinho. Já viu um robô voador. Baar Lun? Quero dizer, um
robô que não voa com sua própria força.
Fitei-o sem compreender nada. Será que Gucky queria fazer-me de bobo? Já estava
exagerando demais. Não deu resposta à minha pergunta silenciosa. Levaria mais algum
tempo para descobrir que neste ponto ele não exagerara.
Quando o primeiro abalo sacudiu o chão, todos se levantaram de um salto. Não
havia atmosfera que transmitisse o ruído, mas não era mesmo necessário que ouvíssemos
as explosões, pois nós as sentíamos.
Os tremores eram cada vez mais violentos. O recinto em cujo interior nos
encontrávamos balançava fortemente. Cheguei a recear que o planeta fosse estourar. Mas
os homens olharam-me com uma expressão tranqüilizadora. Meu respeito pelas armas
dos terranos cresceu bastante. Eles só possuíam quatro naves. Além disso poupavam o
lugar em que nos encontrávamos, segundo informava Gucky. Mas apesar disso todo o
planeta tremia sob as salvas de artilharia disparadas a intervalos regulares. Areia, poeira e
pedrinhas caíam do teto.
Os abalos terminaram de repente. Lancei um olhar indagador para o rato-castor, que
estava confortavelmente sentado num canto, encostado à parede, piscando os olhos.
Só então percebi que minhas pernas e braços tremiam de tão nervoso que estava.
Soltei uma estrondosa gargalhada, o que me deixou mais aliviado.
Um dos homens pertencentes ao comando saiu caminhando pesadamente em minha
direção e fitou meu rosto através do visor do capacete. Reconheci-o. Era Bron Tudd, o
homem que tinha uma cicatriz no rosto.
— Parece que você sente cócegas — disse com sua voz áspera, na qual sempre
parecia haver uma ponta de ironia. — Conheço um bom remédio contra isso — abriu a
boca e mostrou um rolo negro, meio mastigado. — Fumo de mascar, meu amigo.
— Que coisa nojenta! — respondi. Todos se sacudiram numa estrondosa
gargalhada. Bron resmungou alguma coisa e voltou ao seu lugar.
— Vamos deixar que o bebê use a chupeta! — gritou Taka, um homem de rosto
amarelo.
Bron Tudd berrou uma resposta, mas ninguém lhe deu atenção. As paredes voltaram
a balançar e o chão ficou ainda mais coberto de areia, poeira e pedras.
O Capitão Henderson, que chefiava o grupo de comando, levantou-se pesadamente.
— Está na hora! — rugiu sua voz de tenor. — Quer fazer o favor de levar-nos para
cima, Gucky?
O rato-castor acenou com a cabeça e estendeu as mãos. Finch Eyseman e Bron Tudd
saíram correndo em sua direção. No mesmo instante dissolveram-se no nada.
Ainda pude acompanhar as conversas dos terranos por algum tempo. Até então a
tradutora de Gucky fizera a tradução das palavras captadas por seu rádiocapacete e as
transmitira para mim. No entanto, esperava aprender logo a língua desses seres. Já
compreendia o sentido de algumas palavras. Minha memória nunca perdia um dado que
tivesse absorvido.
Quando me vi na superfície, fechei os olhos. As explosões incessantes iluminavam o
firmamento. Os incêndios fulgurantes formavam um círculo no horizonte. Monstros que
cuspiam fogo iam saindo da escuridão do espaço vazio e demoliam as posições dos robôs
de Módulo. Às vezes tive a impressão de ver deslizar no céu um objeto esférico do qual
saíam os raios fulgurantes. Mas devia ser uma peça pregada por meus nervos
superexcitados.
Vi perfeitamente que não havia nenhum fogo numa área de milhares de pés em
torno do lugar em que nos encontrávamos. Aos poucos o bombardeio parecia concentrar-
se em uns poucos pontos.
Certa vez vi alguns raios energéticos cintilantes subirem de um ponto situado na
superfície. No mesmo instante uma bolha energética colorida surgiu e foi crescendo no
lugar do qual tinham vindo os raios mortais, transformou-se numa gigantesca esfera
brilhante que nem um céu e foi empalidecendo aos poucos.
— Falta um minuto — disse Henderson.
Estiquei o pescoço. Pelo que ouvira, o Administrador-Geral terrano pretendia descer
pessoalmente em Módulo — no lugar em que estávamos. Não conhecia o sentido exato
da expressão Administrador-Geral, mas o respeito com o qual esta era proferida me levou
à conclusão de que se tratava de uma pessoa importante. Talvez fosse mesmo o chefe
supremo dessa raça.
O espaço de tempo que o Capitão Henderson acabara de designar como um minuto
passou muito depressa. Enquanto as naves gigantescas concentravam seu fogo
exclusivamente em determinados pontos, algumas luzes fulgurantes apareceram no céu,
foram descendo — e as sombras de alguns veículos espaciais destacaram-se na escuridão.
8

As explosões e os incêndios criaram uma fantástica cortina cintilante. A luz dessa


cortina fazia brilhar os cascos metálicos dos veículos que pousavam no planeta.
Tratava-se de cinco discos chatos com uma corcova no centro, parecidos com
pequenas espaçonaves, e um objeto maior, esférico, que pousou silenciosamente nas
imediações. As superfícies de sustentação comprimiam o gelo e no mesmo instante
grandes escotilhas se abriram. Delas saíram veículos semelhantes a tanques, com esteiras
e aletas de estabilização, formando um amplo círculo protetor em torno do local do
pouco. Depois dos tanques colunas de homens com trajes espaciais foram saindo da nave.
Ouvi ordens enérgicas transmitidas por meu rádio-capacete. Parte dos soldados se
espalhou pela área. enquanto outra parte formava grupos dispostos um atrás do outro.
Dois homens de aspecto nada impressionante saíram de um grupo formado por
verdadeiros gigantes e aproximaram-se do lugar em que nos encontrávamos. No início
não lhes dei muita atenção. Só estava interessado em conhecer o Administrador-Geral.
Mas não se via sinal dele.
Só tive a atenção despertada quando a potente voz de comando de Henderson se fez
ouvir no rádio-capacete e os homens pertencentes ao seu grupo ficaram em posição
empertigada.
Será que um dos dois homens de aspecto insignificante era...?
Os homens aproximaram-se a passos elásticos, mas revelando certa lentidão. Apesar
dos trajes de combate que usavam, notava-se perfeitamente que eram muito magros.
Eram muito parecidos uns com os outros, e seus movimentos eram quase perfeitamente
ajustados.
A voz do Capitão Henderson soou ainda mais forte que de costume no meu rádio-
capacete. Fiz uma careta. O chefe do grupo de comando adiantou-se e ficou com o braço
em ângulo, encostando a mão espalmada e rígida na parte superior do capacete
pressurizado.
Os dois homens retribuíram o cumprimento com um gesto relaxado.
Fiz uma recapitulação rápida das regras de cortesia terranas, que Gucky me tinha
ensinado. O Administrador-Geral fazia jus ao tratamento de senhor. Mas qual dos dois
seria o Administrador-Geral? E qual era o tratamento a ser usado para com o outro?
O rato-castor veio em meu auxílio, usando sua tradutora simultânea. Ficou à minha
direita e cochichou:
— O da direita é Perry Rhodan, o Administrador-Geral. O da esquerda é o Lorde-
Almirante Atlan, um arcônida muito amigo de Rhodan. Pode chamar os dois de senhor.
Os homens chegaram perto de nós. Tentei olhar para o rosto de Rhodan, mas este só
aparecia confusamente atrás do visor do capacete. Os olhos cintilantes, porém,
destacavam-se fortemente em meio aos contornos vagos do rosto. Pareciam exercer certo
encanto sobre mim. Vi neles o fluido de poder e grandeza que esse terrano irradiava.
Cumprimentei da forma que vira Henderson fazer.
Os dois retribuíram o cumprimento. Em seguida ouvi Pela primeira vez a voz do
Administrador-Geral, que não tinha nada do enérgico tom de comando que notara em
Henderson. Rhodan falava baixo, mas sua voz parecia exercer uma ação hipnótica.
— Meus cumprimentos, Baar Lun...!
— Seja bem-vindo em Módulo, senhor! — respondi laconicamente.
Uma risadinha fez com que voltasse abruptamente o rosto para o homem cujo nome
era Atlan. Seus olhos tinham certa semelhança com os de Rhodan, mas sua ex-pressão era
mais profunda e misteriosa. Tive a impressão de estar vendo um abismo.
O lorde-almirante deu outra risada.
— Baar Lun — um humano!
— É o último do povo dos módulos — retificou Gucky. — Baar Lun não é um ser
humano, embora seja humanóide.
— Naturalmente — disse o Administrador-Geral. Não é um ser humano do planeta
Terra. Mas os seres que habitam o Universo não são todos mais ou menos aparentados,
seja qual for o lugar em que nasceram? E isso ainda mais quando se parecem
espiritualmente, e também fisicamente...
Lançou um olhar penetrante para mim. Tive a impressão de que de repente estava de
pé, completamente despido, em pleno deserto de gelo do planeta Módulo. Mas seu rosto
logo se descontraiu e abriu-se num sorriso. Estendeu a mão — e eu a segurei, conforme
Gucky me ensinara.
— Muito obrigado, senhor — respondi e retribuí seu olhar. — Aceito sua colocação.
Mas não pertenço à sua raça. Meu povo já foi um povo grande e bom. Sempre serei um
modular, senhor.
— Isso é uma coisa que ninguém vai contestar, Baar Lun — respondeu Rhodan.
Atlan voltara a fazer ouvir sua risadinha misteriosa.
— Esta cena me faz lembrar uma coisa, amigo — disse, dirigindo-se a Rhodan. —
Não chega a ser tão dramática como nosso primeiro encontro, mas quem sabe se aqui não
existe um abismo muitas vezes milenar, que ainda tem de ser superado?
O lorde-almirante também apertou minha mão.
— Perry Rhodan e eu também já lutamos um contra o outro — disse com uma ponta
de ironia na voz. — Ele ganhou, porque sabia perder melhor — seu rosto assumiu uma
expressão séria. — Qualquer luta entre seres de nossa espécie é uma coisa que não faz
sentido, Baar Lun. Fico satisfeito por nos termos encontrado tão depressa.
— Eu também — respondi laconicamente. — Mas estamos perdendo um tempo
precioso. Ainda há dois exércitos lá embaixo: o dos andróides e o dos robôs Também na
superfície ainda deve haver andróides. E a qualquer momento novos reforços poderão
chegar pelos transmissores.
Como que para confirmar minhas palavras, os canhões polares da nave esférica
começaram a atirar de repente. As armas dos veículos espaciais menores e dos blindados
voadores seguiram seu exemplo. Um círculo luminoso ultra forte formou-se em torno
deles. Iluminava uma massa enorme de monstros andróides, que investiam
destemidamente contra o mar de fogo.
— São as últimas reservas, senhor! — observei. — Trata-se de dois milhões de
monstros. Nem mesmo os canhões energéticos poderão detê-los por muito tempo — ao
menos não o número reduzido que temos por aqui.
Sem que ninguém o notasse, um gigante de duas cabeças aproximou-se de nós. Uma
gargalhada estrondosa saiu das duas bocas.
— Não se preocupe, irmãozinho. Eles ficam por “nossa conta” — passou a dirigir-
se ao Administrador-Geral. — Se permitir começo logo, senhor. Poderia fazer o favor de
antes disso dar ordem para que os homens se retirem e os campos defensivos das naves
sejam ativados?
Perry Rhodan assentiu com a cabeça. Mexeu na parte de seu capacete pressurizado
que engatava na altura do pescoço. Dali a pouco moveu os lábios. Parecia estar falando
numa freqüência diferente.
Vi os tripulantes que se encontravam perto de nós retirarem-se. Só os blindados
voadores continuavam no mesmo lugar, disparando ininterruptamente. Dali a pouco uma
cúpula que emitia uma débil luminosidade estendeu-se sobre os veículos espaciais. Os
campos defensivos das diversas unidades juntaram-se formando uma gigantesca
campânula, que envolveu inclusive a nós.
Voltei o rosto para o mutante de duas cabeças, mas o mesmo já não estava mais lá.
Dali a instantes viram-se inúmeras bolhas energéticas cintilantes, típicas das
explosões ocorridas no vácuo. O avanço dos andróides interrompeu-se.
— Ivã Goratchim está fazendo uma limpeza na superfície do planeta — observou
Gucky.
Tive um calafrio.
— O senhor não deveria usar estas expressões, Gucky. Os andróides não são seres
vivos, mas mesmo assim sua destruição não é um espetáculo de beleza, mas representa
somente uma amarga necessidade.
— Está bem — murmurou o rato-castor. — Só quis ressaltar a capacidade de
Goratchim.
O Administrador-Geral voltou a mexer nos comandos de seu transmissor. Dali a
pouco a tradutora simultânea traduziu suas palavras.
— Tudo preparado. Os destacamentos de desembarque chegaram aos pontos em que
deverão entrar em ação. Dentro de um minuto será iniciado o ataque ao centro de controle
propriamente dito. Baar Lun, poderia fazer o favor de mostrar-nos o caminho?
Virei a cabeça sem dizer uma palavra. No momento em que tive uma oportunidade
de destruir as instalações que tanto odiava, comecei a sentir-me inibido. Afinal, uma
verdadeira maravilha da técnica seria destruída, embora não tivesse servido a uma
finalidade justa.
Mas estava disposto.
Um técnico acabara de colocar alguns equipamentos adicionais em meu traje à
prova de vácuo. Praticamente dispunha de um traje de combate igual ao dos terranos.
Saltamos aos grupos por cima da borda da fresta que se abria no gelo e descemos
com os campos defensivos ligados. Deixamos para trás um verdadeiro inferno atômico —
um inferno igual ao que dali a pouco seria desencadeado embaixo de nós...
***
A fumaça cor de enxofre, que se movimentava preguiçosamente, impedia nossa
visão. Os homens não se viam uns aos outros. Só os lampejos das armas energéticas
mostravam a posição de cada homem.
Conduzidos por mim, os homens tinham aberto caminho para os pavilhões
industriais. Os robôs não recuaram um passo que fosse. Concentrados num espaço
reduzido, os tiros energéticos provocaram um verdadeiro inferno, que se tornara ainda
mais apavorante por causa da atmosfera que transmitia os sons.
Fiquei mais admirado foi comigo mesmo. A aparente confusão caótica de uma luta
encarniçada representava uma coisa estranha para mim. Deveria ter-me transformado
num feixe de nervos uivante. Mas desde o momento em que foi disparado o primeiro tiro
uma calma fria que em gelo apoderou-se de mim, calma esta que me deixou assustado. O
medo de morrer que esperara sentir não se fez notar. Talvez o tivesse expulso aos gritos
que nem os outros homens. Talvez fosse porque só estava combatendo máquinas.
Os terranos atiraram-se à luta com um ímpeto descontrolado. Às vezes nem
consegui acompanhá-los.
Mas naquele momento não conseguíamos prosseguir.
A sala de comunicações estava à nossa frente. Os destroços de robôs que tinham
explodido amontoavam-se junto às paredes. Mas assim que quebramos a resistência e
fizemos menção de avançar, centenas de esteiras de canhões abriram-se nas paredes de
aço. Diante da capacidade de fogo infinitamente superior, retiramo-nos apressadamente e
abrigamo-nos atrás dos biobancos destruídos.
Não vi a menor possibilidade de silenciar o fogo das armas automáticas. O máximo
que conseguimos fazer foi abandonar os abrigos que desmoronavam e salvar a pele. A
destruição completa dos nossos abrigos era apenas uma questão de tempo.
Não havia possibilidade de nos retirarmos para mais longe, pois para isso teríamos
de percorrer uma grande área desprotegida. Nunca seríamos capazes de atingir a
extremidade oposta do gigantesco pavilhão.
Até mesmo Icho Tolot, o gigante que muitas vezes enfrentara os robôs de mãos
desarmadas, viu-se obrigado a desviar-se dos tiros energéticos mais fortes. Sua arma
portátil já silenciara quatro canhões inimigos, mas assim mesmo nem ele, com sua
habilidade, seria capaz de mudar a situação. Estávamos numa armadilha da qual não
escaparíamos.
O monte de destroços que se encontrava na minha frente dissolveu-se,
transformando-se em energia. Usei instintivamente minha capacidade conversora, mas só
consegui prender materialmente pequena parte das energias liberadas. Dei alguns saltos e
abriguei-me atrás de alguns blocos de prensas. Só quando já estava deitado no chão notei
que me encontrava ao lado de Perry Rhodan. Atlan e o rato-castor também estavam lá.
Gucky segurava na mão um objeto oval.
O Administrador-Geral cumprimentou-me com um gesto ligeiro da cabeça. Depois
dirigiu-se ao rato-castor. Com a tradutora simultânea estava ligada, entendi tudo que
dizia.
— Sem dúvida lá dentro também existem armas defensivas. Portanto, siga
exatamente minhas instruções, baixinho. Salte para lá, largue a bomba e volte
imediatamente!
— Está bem! — disse Gucky com a voz estridente. — Farei isso, mas somente para
deixá-lo mais calmo.
Vi-o comprimir um pino vermelho e no mesmo instante identifiquei o mecanismo.
Assim que Gucky soltasse o pino, o mecanismo de relógio entraria em funcionamento.
Atlan pediu que os membros do comando se abrigassem perfeitamente.
O rato-castor teleportou em seguida.
Transformou-se num fantasma de traços confusos, mas antes que meus olhos fossem
capazes de registrar seu desaparecimento, sua figura voltou a tomar forma. Seu traje
espacial estava chamuscado. Provavelmente um raio energético passara por cima de seu
campo defensivo, provocando um represamento de calor em seu interior. Mas de resto
parecia estar bem, pois começou a gritar para mim.
— Baixe essa careca, seu idiota!
Obedeci imediatamente. Já descobrira que Gucky tinha o direito de fazer suas
palhaçadas, e que não tinha a intenção de ofender ninguém.
Mal deitei no chão, um tremendo abalo sacudiu o piso de metal plastificado. Senti-
me levantado e atirado por cima da área livre. Se não fosse o campo defensivo, não teria
sobrevivido ao impacto contra a parede do pavilhão.
As vozes de comando que soaram em meu rádio-capacete fizeram com que me
recuperasse do atordoamento. Levantei cambaleante e vi os terranos saírem de baixo dos
destroços e darem início ao assalto dirigido contra a sala de controle. Minhas pernas
movimentaram-se quase mecanicamente, carregando-me atrás deles.
Nenhum raio energético veio ao nosso encontro. A única coisa que por vezes
interrompia nosso avanço eram as poças fumegantes de metal plastificado derretido e
alguns focos de incêndio. Usamos as armas energéticas para cortar a porta-alçapão,
desprendendo-a do piso em ebulição. Os terranos tinham sido informados por mim de que
embaixo dela se encontravam os últimos restos do plasma original.
Quando entramos correndo na gigantesca ante-sala, mais um grupo de robôs veio ao
nosso encontro. Mas desta vez eram robôs terranos de combate. Dali a pouco chegou
mais um grupo de combatentes. As informações fornecidas pelos mesmos e as mensagens
de rádio recebidas pelo Administrador-Geral revelaram que a resistência havia cessado. E
não existiam mais andróides.
Ainda tínhamos uma tarefa desagradável pela frente. Não poderíamos deixar o
plasma onde estava. Por outro lado, seria impossível levá-lo, porque a quantidade era
muito grande. Senti que o Administrador-Geral teve muita dificuldade em tomar a única
decisão acertada. Cheguei perto dele e disse:
— Destrua-o, senhor. Será uma boa obra. O plasma vive, mas tal qual uma cultura
de cogumelos não tem consciência de seu próprio ser. Só por meio de um tratamento
especial consegue-se uma pseudoconsciência, que para o plasma representa um
verdadeiro martírio. Se morrer agora, será como se o senhor tivesse destruído uma
ameba, que em certas condições e por meio de uma evolução muito demorada também
pode transformar-se numa forma de vida consciente.
Devemos evitar que os senhores da galáxia voltem a abusar do plasma.
Fitou-me demoradamente, com uma expressão estranha no rosto, e acenou com a
cabeça.
Quando saímos do pavilhão, fiquei sabendo que os humanos estavam predestinados
a derrotar os donos de Andrômeda. Os seres que, como eles, respeitavam até mesmo as
formas de vida não inteligentes, eram invencíveis.
***
Módulo foi desaparecendo rapidamente nas profundezas geladas do espaço sem
sóis. Voltara a transformar-se num mundo sem luz, depois que os últimos incêndios se
extinguiram.
Fiquei até o último instante sem tirar os olhos da tela do rastreador. Senti os olhos
arderem quando vi mergulhar no espaço o mundo em que tinha nascido e no qual
estavam sepultados meus antepassados. Nunca esqueceria este mundo, embora nele
tivesse passado a fase mais terrível de minha vida.
Voamos na direção de Andro-Beta. Perry Rhodan providenciaria para que as esferas
energéticas que não se tivessem destruído a si mesmas fossem postas fora de ação. Além
disso havia duas bases terranas na nebulosa anã.
Entramos no semi-espaço e Módulo desapareceu definitivamente diante de nossos
olhos. Levantei a cabeça. Senti os olhares dos homens reunidos em torno da mesa dos
mapas pousados em mim: Perry Rhodan, Atlan, Gucky, Melbar Kasom, John Marshall e
Icho Tolot. Já decorara seus nomes.
Sorri e recostei-me na poltrona anatômica. Sabia o que esperavam de mim. Mas
estava muito cansado. Por enquanto meu relato se restringiria a umas poucas frases.
— Segundo explicaram seus astrônomos, minha idade corresponde ao equivalente
de seiscentos anos terranos. Sei que mesmo em Módulo isso representa uma vida muito
longa. Seus médicos e biólogos ainda descobrirão qual é a causa. Tenho certeza de que
minha vida longa e meu vigor físico e mental não são devidos a um ativador de cédulas...
Atlan deu uma risada.
— Gucky também não possui nenhum ativador celular, Baar Lun. No entanto, tem
pelo menos quinhentos anos terranos e ainda se julga um jovem.
Fitei o rato-castor com uma expressão de perplexidade. Gucky piscou os olhos e
exibiu seu dente solitário. Pigarreei.
— Bem, eu só quis esclarecer que os modulares não eram nenhum povo de imortais.
Antigamente nosso povo era conhecido por outro nome. Foi quando ainda vivia
unido num só planeta. Este planeta costumava ser chamado de Mundo do Primeiro
Exílio. Isso talvez significasse que não tínhamos surgido lá, mas que fôramos arrastados
para lá pelos senhores da galáxia. Talvez nosso mundo de origem ficasse na nebulosa de
Andrômeda. Mas as tradições não diziam nada sobre isso.
O Mundo do Primeiro Exílio deve ter sido um belo mundo. As tradições falavam em
grandes cidades de vidro e num nível cultural muito elevado. Era bem verdade que a
astronáutica e a energia atômica não eram conhecidas. A capacidade de transformar
energia em matéria era a base de nossa civilização.
— O Tenente Eyseman contou o sonho que teve...?
Perry Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Falou. Gravou tudo num carretel. Para que serviam mesmo os cristais da ilusão
que seu povo usava, Baar Lun?
— Segundo reza a tradição, cada modular era obrigado a, em intervalos regulares,
clarear um espírito. Somos... ou melhor, éramos seres supersensíveis, e por isso mesmo
fortemente afetados pelas doenças neuróticas. Os sonhos ilusionistas representam uma
compensação para a agressividade, e por isso constituem um remédio psicohigiênico.
Infelizmente os senhores da galáxia viram nos cristais uma ameaça ao seu poder. Pode
parecer ridículo; sem dúvida trata-se de uma conseqüência de uma necessidade
psicopática de segurança. Os senhores de Andrômeda parecem sofrer de uma espécie de
mania de perseguição.
“Levaram-nos do mundo ao qual os senhores deram o nome de Greenish 7 e fizeram
com que nunca mais um ser que respirasse oxigênio pudesse viver lá. Depois disso meu
povo foi dividido. Parte dele, na qual estão incluídos meus antepassados diretos, viveu
durante muitas gerações no Mundo dos Cânticos. Loor Tan é um dos membros
degenerados desse ramo. Os senhores deram a este mundo o nome de Gleam.
“As tradições não revelam o que aconteceu em Gleam. Um dia apareceu uma grande
frota e exterminou grande parte de meu povo. Outra parte ficou em Gleam, enquanto a
maior parte dos que restaram foi levada para Módulo.
“Eu mesmo nasci neste planeta. Quer dizer que não fomos mortos imediatamente.
Como o dom da conversão energética que possuo é mais acentuado que nos outros
indivíduos de meu povo, fui raptado juntamente com meus pais quando ainda era muito
jovem.
“Fui colocado no centro de controle. Os senhores da galáxia obrigaram-me a fazer o
que queriam, pois ameaçavam-me de destruir meu povo.”
Cobri o rosto com as mãos, como se isto pudesse ajudar-me a afastar os quadros
apavorantes que surgiram em minha mente.
Uma mão pesada foi colocada sobre meu ombro.
— Isso passou, Baar Lun.
Levantei a cabeça e vi o rosto do Administrador-Geral, que sorria com uma
expressão tranqüilizadora.
— Só mais uma pergunta. Depois deve descansar. O que sabe a respeito das defesas
de Andro-Beta?
— Quase tudo — respondi.
Uma expressão de incredulidade surgiu nos rostos dos homens que me cercavam.
— Andei escutando as conversas dos senhores da galáxia — acrescentei a título de
explicação — e quase todas as instruções e os relatórios eram transmitidos pela grande
emissora de Módulo. Até sei alguma coisa sobre as defesas internas de Andrômeda.
— Fiquemos por enquanto em Andro-Beta — disse Perry Rhodan com a voz rouca
de nervosismo.
Contei tudo que sabia sobre os sistemas defensivos da nebulosa Beta. Mas tudo que
apresentei foi eliminado pelos terranos, pois tinha sido destruído ou posto fora de ação.
Meu respeito por estes seres aumentou bastante.
— E o transmissor solar? — perguntei finalmente. Fiquei curioso para ouvir a
resposta. Os terranos certamente não tinham sido capazes de pôr fora de ação o
transmissor.
O Administrador-Geral limitou-se a esboçar um sorriso vago.
— O transmissor foi destruído pelos senhores da galáxia, que transformaram um dos
sóis numa nova.
Fiquei estarrecido, mas logo soltei uma gargalhada trovejante. Não consegui
controlar-me. As lágrimas desciam pela minha face.
Finalmente recostei-me na poltrona anatômica, respirando com dificuldade, e fiquei
quieto.
Levei alguns minutos para responder aos olhares indagadores.
— Vocês ganharam — disse aos homens que me ouviam espantados. — Destruindo
propositadamente o transmissor de Beta, os senhores da galáxia fecharam seu próprio
caminho para a nebulosa anã. Daqui em diante vocês podem considerar-se donos de
Andro-Beta, pois as esferas e eu éramos a última defesa...

***
**
*
O mundo das trevas chamado Módulo era o último
reduto dos donos de Andrômeda na nebulosa Beta! Dali
em diante os misteriosos senhores da galáxia parecem
desenvolver uma atividade terrível entre os maahks de
Andro-Alfa, a 62.000 anos-luz da nebulosa Beta.
A Crest II, que é a nave-capitânia de Perry
Rhodan, e a nave-capitânia da USO, a Imperador, dão
início a uma grande viagem — e Grek-1, o maahk que
se tornou aliado de Perry Rhodan, quer ver o que está
acontecendo em seu mundo. E, ao fazer isso, está
Arriscando a Própria Vida...
Arriscando a Própria Vida — é este o título do
próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

Você também pode gostar