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(P-252)

O MUNDO DOS
REGENERADOS
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os calendários terranos registram o início do ano 2.404
— e a muitos milhares de anos-luz dali, em pleno espaço
cósmico, está reunida a elite do Império Solar, a fim de
penetrar na própria nebulosa de Andrômeda, com o novo
ultracouraçado que recebeu o nome de Crest III.
A operação é cheia de surpresas, e corre de forma bem
diferente do que Perry Rhodan e seus companheiros
imaginavam.
Os homens do Império Solar fazem a Crest III pousar
em KA-barato, que é um estaleiro voador, e os robôs lhes
proporcionam uma recepção amistosa. Kalak, o engenheiro
cósmico, despertado de um sono de 800 anos por causa do
aparecimento dos terranos, literalmente “acorrenta” a
maravilha da construção espacial terrana e apresenta suas
condições.
Quando conhecem a história de Kalak, os terranos
compreendem os motivos que o animam. Mas antes que
consigam chegar a acordo com o proprietário do estaleiro
ambulante KA-barato, aparece o exército dos
biodegradadores. Cônscios de sua superioridade, os terranos
permitem que os anões entrem na Crest III. Foi um erro
grave, pois os biodegradadores impõem sua vontade à
tripulação da nave e apoderam-se do veículo espacial.
Perry Rhodan, Atlan e Gucky assistem impotentes ao
seqüestro da Crest III, que é levada ao Mundo dos
Regenerados...

======= Personagens Principais:...= = = = = = =


Perry Rhodan — O Administrador do Império Solar, que é
obrigado a combater sua gente.
Atlan e Gucky — Colaboradores de Perry Rhodan.
Major Don Redhorse e sargento Whip Gilliam — O uísque
os ajuda a adquirir a liberdade.
Kalak — Um engenheiro cósmico.
Kildering — A “ferramenta sagrada” de Kalak.
Bitzos — O “conquistador dos mundos”, que apresenta Um
ultimato aos povos estelares.
1

Uísque!
A garrafa exalava um aroma inconfundível.
Don Redhorse, major da Frota Solar, levantou a garrafa bojuda, encostou-a ao rosto
e farejou seu conteúdo. Distraído, deixou cair a tampa. Redhorse seria incapaz de dizer
por que fora parar justamente no camarote do sargento Brazos Surfat. O cheiene vagara
ao acaso pelos corredores e elevadores da Crest III, sem seguir qualquer plano, pois
estava sob a influência das forças hipnóticas dos biodegradadores. Depois que a nave
tinha pousado, os anões do planeta Ollura quase não deram nenhuma atenção aos cinco
mil tripulantes da nave. Limitaram-se a manter os terranos sob vigilância e cuidar para
que nenhum deles pudesse chegar à sala de comando.
Redhorse teve uma ligeira lembrança de que Brazos Surfat estava deitado, não se
sabia bem onde, pois fora ferido pela arma de um dos biodegradadores.
Redhorse não estivera na sala de comando durante a operação de pouso. Não sabia
absolutamente nada a respeito do mundo em que tinham pousado. De qualquer maneira
seria incapaz de ocupar sua mente por algum tempo com isso, pois sua inteligência era
incapaz de concentrar-se em qualquer coisa.
Enquanto não recebia nenhum comando hipnótico, Redhorse era um ser acometido
de pensamentos esporádicos. Completamente incapaz de tomar uma decisão.
No entanto, seu subconsciente, que não fora atingido completamente pela influência
exercida pelos biodegradadores, o levara a dirigir-se ao camarote de Surfat.
Don Redhorse colocou a garrafa sobre a mesa e ficou parado no centro do pequeno
recinto. Perguntou-se quando a nave voltaria a decolar. Mas demorou somente alguns
segundos até que se esquecesse da pergunta. A memória entrou em funcionamento por
um breve instante, e Redhorse lembrou-se de Rhodan, Atlan e Gucky, que tinham ficado
no estaleiro pertencente ao engenheiro cósmico chamado Kalak.
“Estão perdidos”, pensou Redhorse, desesperado.
Mas este sentimento logo desapareceu. Redhorse saiu caminhando em direção à
porta do camarote de Surfat. Parou de repente. Fez meia-volta e deu dois passos em
direção à mesa.
Olhou com uma expressão pensativa para a garrafa de uísque bem cheia.
Um recanto de sua inteligência trouxe-lhe à lembrança o fato de que alguma coisa
acontecera com o sargento Brazos Surfat, sob a influência do álcool.
Redhorse esqueceu o sargento, mas pôs a mão na garrafa.
Encostou o gargalo ao nariz e teve de espirrar. Hesitou, mas acabou levando a
garrafa à boca e tomou um grande gole. Tossiu. Os olhos lacrimejaram.
“Quero que os beberrões da Frota Solar vão para o inferno”, pensou Redhorse e
sorriu.
Ficou parado uns três minutos — um homem alto e magro, com um rosto que
parecia esculpido em madeira e uma mecha de cabelos negro-azulados caída na testa.
Sentiu que a pressão que vinha oprimindo seu cérebro há bastante tempo estava cedendo.
Voltou a encostar a garrafa à boca e esvaziou a terça parte de seu conteúdo,
produzindo um ruído borbulhante.
Teve de parar para respirar. Revirou os olhos e contemplou a garrafa cintilante de
encontro às luzes do teto, refletindo os raios e lançando desenhos grotescos nas paredes.
Girou a garrafa, quase fazendo transbordar o líquido. O major sentiu um estranho alívio.
Deu uma risadinha.
O álcool atravessou suas veias como se fosse fogo e esquentou-lhe a cabeça.
Redhorse voltou a beber.
Se a tripulação da Crest III estivesse em condições de pensar com a própria cabeça,
dali a meia hora certamente se admiraria de ver um oficial da Frota Solar cheio de
condecorações sair cambaleante do camarote de um sargento mal afamado e ter de
apoiar-se por um instante na porta, já que estava completamente embriagado.
Mas os raros homens com que Redhorse se encontrou no caminho fitaram-no com
uma expressão de indiferença. Os biodegradadores que passaram por ele também não lhe
deram nenhuma atenção.
Nunca lhes teria passado pela cabeça que esse homem cambaleante pudesse ter
rompido os grilhões do poder hipnótico e começava a ter seus próprios pensamentos.
Don Redhorse já se dera conta de que, juntamente com os outros tripulantes da
Crest III, tinham praticado um ato terrível. Haviam seqüestrado o ultracouraçado da Frota
Solar, entregando-o a inteligências estranhas, deixando Rhodan, Atlan e Gucky em
situação desesperadora num estaleiro cósmico.
A inteligência de Redhorse, envolta nos vapores do álcool, levou algum tempo para
absorver os novos dados. Ainda havia muita coisa que ele não compreendia. As idéias
voltavam a girar em círculo.
Redhorse sabia que em hipótese alguma deveria voltar a ficar sóbrio, pois nesse
caso estaria sujeito às influências hipnóticas dos biodegradadores. As mãos apalparam o
casaco do uniforme, embaixo do qual mantinha escondida mais uma garrafa de uísque
encontrada no camarote de Surfat.
O sargento Brazos Surfat não prestava mesmo. Como conseguira a bebida
alcoólica? E isso logo a bordo de um nave onde o oficial-intendente era logo o Major
Curd Bernard, um homem que granjeara a fama de ficar discutindo horas a fio por causa
de um botão de uniforme.
Redhorse entrou em um dos longos corredores principais que se estendiam perto da
protuberância equatorial da nave. O chão parecia abaular-se à sua frente. Teve de fazer
um grande esforço para não perder o equilíbrio.
Redhorse não estava em condições de elaborar um plano. A primeira coisa que
pretendia fazer era abandonar a nave e curtir a ressaca num lugar seguro. Deviam
encontrar-se num mundo de oxigênio, pois os biodegradadores tinham andado bem à
vontade no estaleiro de Kalak e a bordo da Crest III. Redhorse chegou à conclusão de que
seria bom se pudesse levar um traje de combate ou ao menos uma arma, mas tinha suas
dúvidas de que no estado em que se encontrava tivesse bastante habilidade para apoderar-
se desses objetos.
Seria preferível sair da nave pela eclusa de carga.
Estava tão embriagado que nem considerou a possibilidade de os anões terem
colocado guardas nas saídas.
Viu um grupo de astronautas terranos aproximar-se. Levavam caixas com armas.
Certamente os biodegradadores lhes tinham dado ordem de levá-las a algum lugar.
O corredor pelo qual estava caminhando tinha seis metros de largura, mas Redhorse
batia ora na parede da direita, ora na da esquerda. Os astronautas hipnotizados não se
desviaram ao vê-lo. Redhorse revirou os olhos e lançou uma prece ligeira dirigida a
Maheo, o mais poderoso deus dos cheienes. Conseguiu passar pelos homens. Respirou
aliviado e apoiou-se na parede. Fora liberado da pressão mental que os biodegradadores
exerciam sobre ele, mas sentia certa preguiça intelectual, que não podia ser atribuída
exclusivamente ao álcool. A sensação era provocada pelos gases orgânicos liberados
durante o processo de regeneração celular dos biodegradadores. Era por causa desse gás
que a tripulação da Crest III ficou atordoada a ponto de executar qualquer ordem que os
habitantes do planeta Ollura lhe davam.
Redhorse fez um grande esforço e prosseguiu em sua caminhada. Passou por um
elevador antigravitacional perto do qual se encontravam quatro biodegradadores.
Redhorse prendeu a respiração e tentou aparentar certa segurança. Mas os regenerados
nem tomaram conhecimento de sua presença. Tinham certeza absoluta de que todos os
tripulantes estavam submetidos ao seu controle.
Ao ver os quatro inimigos, Redhorse ficou mais sóbrio e conseguiu caminhar mais
depressa. Além disso conseguiu raciocinar melhor. Desesperado, ficou se perguntando o
que poderia fazer sozinho. Seria um erro tremendo entrar na sala de comando fortemente
vigiada. E a idéia de deixar embriagados todos os terranos seria ainda mais absurda.
Perto da eclusa de carga Redhorse encontrou-se com o sargento Whip Gilliam.
Apesar de estar submetido à influência hipnótica, aquele homem magro não perdera nada
de seu gênio pachorrento. Naquele momento estava colocando a carga num veículo
dirigido por robô.
Redhorse lembrou-se de que Gilliam era muito amigo dele, o que lhe dava certa
esperança de livrar pelo menos este homem da influência dos regenerados.
Caminhando com insegurança, Redhorse chegou perto do veículo de carga. Apoiou-
se na plataforma, enquanto do outro lado Whip Gilliam colocava sem parar bastões de
cádmio sobre o veículo. Redhorse não sabia por que os anões queriam levar o material
para fora da Crest III. No momento isso não importava mesmo.
Inclinou-se por cima da plataforma.
— Ei! Whip! — cochichou.
O sargento continuou a trabalhar com o rosto indiferente. Os cabelos louros caíam-
lhe na testa.
Redhorse caminhou em torno do veículo e segurou o braço de Gilliam.
— Ouça-me só um instante, sargento — disse Redhorse.
Gilliam não respondeu. Continuou a trabalhar. Redhorse pôs-se a praguejar.
Finalmente pegou a garrafa de uísque que trazia embaixo do casaco do uniforme e
encostou-a aos lábios de Gilliam.
— Tome, Whip! — gritou. — Isto lhe fará bem.
Gilliam bebeu o uísque como se fosse água. Redhorse chegou a recear que o hábito
prolongado de beber tivesse tornado o astronauta imune aos efeitos do álcool. Mas
quando a garrafa estava pela metade, a face do sargento adquiriu cor e Redhorse criou
esperança. Mas o otimismo diminuiu quando alguns biodegradadores se aproximaram,
vindos do outro lado do corredor.
Redhorse quase engasgou de tão nervoso que estava. Escondeu apressadamente a
garrafa entre os bastões de cádmio, enquanto Gilliam ficou parado, com os olhos
brilhantes, dando a impressão de que escutava uma voz interior.
— Trabalhe! — cochichou Redhorse para o sargento.
Gilliam abaixou-se para pegar alguns bastões. Por pouco não bateu com a cabeça na
lateral do veículo. Mas Redhorse ficou aliviado ao ver que o sargento conseguiu segurar
alguns bastões e colocá-los na plataforma. Os dois ficaram colocando a carga no veículo,
até que os biodegradadores desapareceram atrás da curva do corredor.
Os dois endireitaram o corpo quase ao mesmo tempo.
— Está notando alguma coisa, sargento? — perguntou Redhorse em tom áspero.
Os olhos azuis de Gilliam tinham a expressão ingênua de uma criança. Olhou para
Redhorse e disse com a voz insegura:
— Com sua permissão, senhor, estou bêbado que nem um gambá.
Redhorse pegou a garrafa de uísque que estava escondida entre os bastões de
cádmio e tomou um gole. Gilliam lançou um olhar para o rótulo e disse em voz de
entendido:
— É a marca de Surfat.
Os dois não disseram mais nada. Olharam em torno. Acenaram com a cabeça e
saíram, deixando o veículo carregado somente pela metade.
— Que eclusa vamos usar? — perguntou Gilliam, depois que tinham encontrado um
esconderijo provisório num estreito corredor secundário.
— A eclusa de carga — respondeu Redhorse com a língua pesada.
— A eclusa de... de — disse Gilliam, esforçando-se para repetir a expressão.
Redhorse inspecionou suas reservas de uísque e observou em tom triste:
— Infelizmente não basta para tirar mais gente da nave
— O culpado — balbuciou o sargento — é a nebulosa de Andrômeda.
Redhorse o fitou sem compreender e o sargento acrescentou:
— Surfat ainda não conseguiu estender suas ligações com o precioso líquido para
esta galáxia.
Os dois homens embriagados voltaram tateantes ao corredor principal, fortemente
agarrados um ao outro. Don Redhorse ficou apavorado ao notar que a pressão surda que
por tanto tempo pesara em seu cérebro estava voltando aos poucos.
Ao que parecia, o álcool não era um meio apropriado de subtrair-se por muito
tempo à influência dos biodegradadores. Tinham de apressar-se para escapar da nave
antes que fosse tarde.
— Acho que deveríamos andar mais depressa — sugeriu Redhorse quando entraram
no corredor principal.
Gilliam agitava as pernas magras, fazendo estalar as juntas. Um sorriso arrojado
apareceu em seu rosto, que costumava mostrar uma expressão sombria.
— Vamos andando, major! — disse.
Quando já estavam perto da eclusa, encontraram-se com um carro dirigido por robô,
que entrava devagar na câmara. Havia apenas algumas caixas na plataforma de carga.
— Estamos com sorte! — resmungou Redhorse. — Lá vai nosso táxi.
Apressaram o passo e atingiram o veículo no interior da grande câmara da eclusa.
Redhorse saltou para a plataforma e escondeu-se entre duas caixas. O veículo prosseguiu
sem fazer o menor ruído.
Não se via nenhum sinal de Gilliam. Lutando para não perder o equilíbrio, Redhorse
ergueu-se o suficiente para espiar entre as caixas. Normalmente o quadro que se lhe
deparou teria sido ridículo. O sargento Whip Gilliam estava agarrado à parte traseira da
plataforma e esforçava-se em vão para subir nela. Parecia uma canoa que estivesse sendo
rebocada por uma lancha de alta velocidade. Cada vez que o veículo dava um solavanco,
o sargento era atirado de um lado para outro. O rosto de Gilliam estava muito pálido, e
cada vez que dava um de seus enormes saltos os cabelos longos esvoaçavam em torno da
cabeça.
— Salte para cima do carro! — gritou Redhorse, sem lembrar-se de que poderia
haver algum biodegradador por perto.
Um pé enorme entrou no campo de visão do major. Redhorse nunca notara que os
pés do companheiro fossem tão grandes. O sargento conseguiu enganchar-se com a ponta
do pé. Gilliam contorceu-se enquanto puxava o corpo para cima da parte traseira do
veículo.
Redhorse cobriu o rosto com as mãos.
Neste instante o veículo de carga saiu da câmara da eclusa e desceu pela rampa. A
súbita inclinação fez com que Whip Gilliam caísse para dentro, batendo contra uma
caixa.
Redhorse pôs a cabeça para fora, a fim de ver Gilliam deitado no veículo. O
astronauta se esforçava para pôr-se de pé.
Os olhares dos terranos se encontraram.
— Está com a garrafa, senhor? — perguntou Gilliam, bastante preocupado.
— Estou — respondeu Redhorse.
Os dois esconderam-se entre as caixas, já que o carro dirigido por robô estava
chegando ao pé da rampa, onde havia uns trinta biodegradadores, contemplando felizes e
orgulhosos a maior conquista já feita pelo povo de Ollura: A nave Crest.
2

Atlan, que era o lorde-almirante da USO, lançou um olhar aborrecido para a figura
baixa sentada numa caixa de madeira, junto à entrada da câmara da eclusa do caça-
mosquito.
— Está dormindo — constatou o arcônida.
Gucky saiu a passos arrastados da câmara da eclusa, que mal e mal dava para
abrigar dois homens. Parou à frente do engenheiro cósmico Kalak e sacudiu a cabeça
num gesto de reprovação.
— Quem sabe se podemos tirar a ferramenta sagrada de baixo do traseiro dele? —
sugeriu, apontando para a caixa de madeira.
— Desde quando deu para usar uma linguagem tão distinta? — perguntou Perry
Rhodan, que ocupava o assento do piloto.
Gucky apoiou-se na parede da eclusa.
— Kalak merece ser tratado como um cavalheiro. Estou admirado de que consiga
dormir, pois ainda não se livrou do medo de que possamos ver Kildering.
Kildering.
Era este o nome do objeto misterioso que o dono do estaleiro espacial KA-barato
mantinha guardado numa tosca caixa de madeira levada para bordo do caça de dois
ocupantes. Segundo afirmara o engenheiro cósmico tratava-se de uma ferramenta sagrada
que só podia ser usada num caso de emergência.
Kildering.
Também fora este o nome que Kalak dera à pequenina nave espacial que Gucky
conseguira retirar no último instante de um dos hangares da Crest III, e na qual quatro
seres tão diferentes tinham partido do estaleiro espacial para chegar ao sistema de origem
dos biodegradadores.
O pequeno sol vermelho, ao qual os regenerados tinham dado o nome de Ollus, já
aparecia na tela de imagem do sistema de observação ótica. Os novos modelos de caça-
mosquito, levados pela primeira vez a bordo do ultracouraçado Crest III, estavam
equipados com um sistema de hiperpropulsão.
O MJ-C 23 usou o micro conversor kalupiano para percorrer rapidamente a
distância de cinco meses-luz que separava o estaleiro de Kalak do sistema de Ollus. Era a
primeira vez que o veículo saía da zona de libração para entrar no conjunto espácio-
temporal comum. Rhodan deu início às operações de telemetria.
Parecia que Kalak sentira instintivamente que estavam falando dele, pois levantou a
cabeça e encarou os companheiros. Fez um gesto automático em direção à caixa de
madeira. Rhodan observou-o. As atitudes de Kalak pareciam diverti-lo.
— Não se preocupe; não vamos mexer em sua ferramenta — prometeu.
Um tanto embaraçado, Kalak puxou a barba ruiva, atirada sobre os ombros em duas
trancas amarradas nas costas.
— Não pensem que desconfio dos senhores — apressou-se em assegurar. — Esta
prudência está dentro de mim.
— Será que com o tempo esse lugar não se tornará desconfortável? — perguntou
Atlan. — Se quiser, pode sentar no meu lugar até pousarmos.
Os olhos profundamente afundados nas órbitas do ambulante refletiam as luzes de
controle, enquanto ele inclinava o corpo para exprimir a gratidão que lhe inspirava a
oferta de Atlan.
— Para mim é uma honra ficar sentado em cima de Kildering — disse.
— Quando é que você vai mostrar essa maravilha? — perguntou Gucky.
Kalak limpou uma poeira imaginária do sobretudo de plástico impecavelmente
branco.
— Seria uma indignidade andar mostrando a ferramenta sagrada por aí — disse.
Rhodan tirou algumas fitas de plástico do pequeno computador embutido que ficava
ao lado do painel de controle.
— Aqui estão os primeiros dados — disse, satisfeito. — Ollus possui um único
planeta, conforme Gucky já descobriu na mente dos biodegradadores. A distância média
entre Ollura e seu sol é de cento e vinte milhões de quilômetros. Sua órbita é ligeiramente
elíptica.
— Acredita que sua espaçonave se encontre lá? — perguntou Kalak.
Rhodan deixou-se cair no assento. Já fizera a mesma pergunta a si mesmo.
Certamente o mais provável era que os anões tivessem obrigado os tripulantes da Crest a
se dirigirem primeiro ao sistema de Ollus. Só depois o ultracouraçado seria utilizado em
outras expedições.
— Parece que não sabe — conjeturou o engenheiro cósmico ao notar que Rhodan
não respondia.
— Só podemos fazer votos de que encontremos a Crest — respondeu Rhodan. — É
a única possibilidade de percorrermos distâncias maiores. A bordo de seu estaleiro não
existe nenhuma espaçonave de grande raio de ação, e sem uma tripulação não poderemos
acelerar KA-barato.
— Às vezes a gente passa muito tempo deslocando-se em círculo — filosofou o
atravessador de estruturas. — Não se esqueça de que fiquei dormindo muito tempo, até
que o senhor apareceu e minha vida voltou a ter um sentido.
Rhodan pousou a mão sobre o console, enquanto a outra segurava a direção manual.
— Não temos tempo para dormir — disse em tom resoluto. — E temos de ir para a
frente, nunca movimentar-nos em círculo.
— É um objetivo bem ambicioso — opinou Kalak. — O esforço de alcançá-lo pode
esfacelar qualquer ser inteligente.
Atlan sorriu; parecia triste.
— O povo arcônida é um bom exemplo do que o senhor acaba de dizer —
confirmou.
Rhodan acelerou a Kildering, fazendo-a penetrar novamente no semi-espaço para
avançar em velocidade ultra-luz em direção ao único planeta do sol vermelho, que
brilhava como ponto de destino na tela de imagem.
— Deseje-nos boa sorte — disse Rhodan, dirigindo-se a Kalak. — Faça votos de
que encontremos um mundo de oxigênio, no qual possamos andar sem traje protetor.
Infelizmente o senhor é o único passageiro da Kildering que possui um traje dessa
espécie.
— Trouxe meu capacete especial com o equipamento de oxigênio. — lembrou
Gucky.
— Se as condições do ambiente forem extremamente hostis, isto não bastará. —
Afirmou Atlan.
O caça-mosquito voltou a interromper o vôo ultraluz. Ollura já aparecia nitidamente
na tela de imagem. Os instrumentos de alta precisão do caça de dois ocupantes voltou a
funcionar. Dentro de alguns segundos Rhodan retirou os primeiros dados do computador.
— É um mundo de oxigênio do tamanho de Marte — informou. — A gravitação é
pouco inferior a um gravo. O planeta executa um movimento de rotação. A duração deste
movimento ainda não foi determinada. A temperatura média é de trinta graus centígrados.
— Deve ser um mundo primitivo — disse Atlan. — Isto confirma a informação de
Gucky, segundo a qual Ollura não é o mundo de origem dos biodegradadores. Estes
anões são os descendentes de astronautas que fizeram um pouso de emergência neste
planeta e sofreram um processo de mutação.
A manobra de aproximação da MJ-C 23 foi realizada sem problemas. Rhodan achou
preferível não entrar por enquanto na atmosfera do planeta. Deu várias voltas em torno do
planeta, descrevendo órbitas diferentes. Depois de algum tempo os rastreadores de massa
deram um sinal.
Atlan, que se encarregara do controle dos rastreadores, fez um sinal para Perry
Rhodan.
— Lá embaixo existe uma coisa que deveremos ver — disse. — Quase chego a
acreditar que se trata da Crest III.
— Vamos pousar logo? — perguntou Gucky, que parecia ansioso para entrar em
ação.
Rhodan refletiu por um instante. Encontravam-se sobre a face do planeta que não
estava sendo iluminada pelo sol. Quer dizer que o lugar em que acreditavam estar o
supercouraçado se encontrava às escuras. Conforme tinham mostrado a interpretação dos
dados colhidos enquanto o caça percorria suas órbitas em torno do planeta, os dias e as
noites de Ollura duravam treze horas e meia. Poderia demorar mais algum tempo até que
voltasse a clarear.
— Vamos descer mais — decidiu Rhodan.
O caça de dois ocupantes penetrou em alta velocidade na atmosfera de Ollura.
Descreveu curvas amplas enquanto se aproximava da superfície.
Os quatro ocupantes do veículo espacial não tiravam os olhos das telas de imagem.
— Luzes! — exclamou Atlan de repente em tom exaltado.
— São grandes fogueiras a céu aberto — constatou Rhodan em tom indiferente. —
Parece haver uma cidade lá embaixo.
No mesmo instante as esperanças de Rhodan foram confirmadas pelos resultados
apresentados das operações de rastreamento. O ultracouraçado encontrava-se bem
embaixo deles.
— Encontramos a Crest — gritou Gucky, aliviado.
— Falta reconquistá-la — acrescentou Atlan. Rhodan acenou com a cabeça. Parecia
contrariado.
Imaginava que os biodegradadores fariam tudo para dificultar a conquista.
— Como devemos proceder? — perguntou Kalak, nervoso.
— Gucky fará um ligeiro salto de teleportação para bordo da Crest, a fim de
descobrir o que está acontecendo por lá — decidiu Rhodan. — Sem isso não podemos
fazer nossos planos.
— Será muito perigoso — preveniu Atlan. — Ninguém sabe se o capacete especial
evitará mais uma vez que Gucky seja atingido pelos efeitos da substância narcotizante.
— Posso prender a respiração — respondeu Gucky.
Para surpresa de todos, foi justamente o cauteloso Kalak que apoiou a sugestão de
Rhodan.
— Kildering está conosco — disse. — Tudo correrá conforme desejamos.
Rhodan não acreditava no fetiche do engenheiro cósmico, mas não perdeu tempo.
Pediu que o rato-castor fizesse o salto de teleportação.
— Vamos, baixinho! — disse. — Não quero que se arrisque.
Gucky desmaterializou, pondo fim à discussão. No interior da Kildering ficou tudo
em silêncio. O aparelho fazia nuas evoluções sobre a povoação dos biodegradadores, a
uma altura em que estava em segurança. Não se via sinal dessa povoação, além das
grandes fogueiras.
Gucky voltou dentro de cinco minutos. Rhodan deduziu da forma de o rato-castor
movimentar-se que haveria problemas.
— A tripulação ainda se encontra sob a influência do gás orgânico e da força
hipnótica dos anões — disse. — Na sala de comando só há biodegradadores. Vários
tripulantes estão transportando peças sobressalentes para fora da nave — ergueu os
ombros num gesto de resignação. — Por enquanto é só.
— Não vamos desistir — disse Rhodan, calmo. — Só precisamos de trajes
protetores. Kalak, volte ao estaleiro espacial juntamente com Gucky e fabrique estes
trajes para Atlan e para mim. Volte o mais depressa possível.
Gucky pôs as mãos nos quadris.
— Quer dizer que pretende ficar em Ollura com Atlan.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Enquanto vocês não voltarem com os trajes protetores, vãos dar uma olhada lá
embaixo.— Por que justamente eu tenho de voltar com este ambulante? — protestou o
rato-castor. — Atlan também poderia pilotar o aparelho.
Rhodan sorriu. Não parecia muito alegre.
— Trate de poupar suas forças, baixinho. Vai precisar delas — disse. — Por que faz
tanta questão de rastejar pelas matas de um planeta desconhecido? Afinal, não podemos
fazer nada de importante.
Gucky concordou a contragosto. Parecia imaginar que Rhodan o escolhera para
voltar ao estaleiro espacial porque era o mais impaciente entre os ocupantes do caça-
mosquito. O Administrador-Geral não queria expor-se ao perigo de ser descoberto em
virtude de um ato precipitado enquanto observava os biodegradadores.
Rhodan fez a Kildering descer mais. Estava muito escuro. Levou nada menos de
uma hora para encontrar um lugar próximo à povoação onde pudesse saltar. Gucky
assumiu os comandos do caça-mosquito. Atlan e Rhodan colocaram os pára-quedas.
— Quem sabe se não vão cair na boca de um monstro? — disse Gucky em tom
sombrio.
Pela primeira vez depois que o veículo espacial tinha decolado de Ka-barato Kalak
levantou-se da caixa de madeira. Pegou-a e colocou-a nas mãos de Rhodan, que parecia
estupefato.
— Leve Kildering — disse. — Talvez precise dele. Só abra a caixa quando isso for
absolutamente necessário.
Rhodan sentiu que não se tornava nada fácil para o engenheiro cósmico entregar a
ferramenta sagrada a outra pessoa. Pegou a mão de Kalak e apertou-a fortemente.
Finalmente prendeu a caixa ao cinto do uniforme.
Gucky abriu a eclusa.
Perry Rhodan entrou na câmara da eclusa. Sentiu uma lufada de ar tépido do mundo
desconhecido. Segurou-se com ambas as mãos nas laterais da saída e espiou para a
escuridão. Viu as fogueiras bem ao longe.
Não perdeu mais tempo. Saltou. Sabia que mais tarde Gucky não teria dificuldade
em encontrá-los. Bastaria usar seus dons telepáticos.
A MJ-C 23 ficou parada em cima dele, enquanto caía da eclusa de cabeça para
baixo. Aguardou calmamente que o ângulo da queda se tornasse favorável, antes de abrir
o pára-quedas. Graças à ótima suspensão, quase não sentiu nenhum solavanco. Sabia que
Atlan tinha saltado logo depois dele. O arcônida devia estar bem perto. Não havia
praticamente nenhum vento, e assim não corriam perigo de ser desviados.
Certamente Gucky já fizera a Kildering voltar ao espaço cósmico. A esta hora
estaria viajando em direção ao estaleiro espacial.
Rhodan aspirou profundamente o ar quente e úmido. O ativador de células o
protegeria, evitando que contraísse alguma doença no mundo desconhecido.
Dali a instantes seus pés tocaram o solo do planeta, e Perry Rhodan rolou para
livrar-se do pára-quedas.
3

O veículo de carga deu um solavanco ao sair do passadiço. Redhorse percebeu que a


área era iluminada por grandes fogueiras. Atrás dos troncos empilhados reinava a
escuridão.
O veículo passou pelos biodegradadores que estavam reunidos junto à rampa de
carga e parou perto de uma fogueira. Redhorse distinguiu alguns vultos que se
aproximavam do veículo robotizado. Tratava-se de homens da Crest III, que certamente
tinham sido incumbidos de descarregar o carro.
O major olhou por cima das caixas para certificar-se de que os biodegradadores não
podiam vê-lo e saltou para chão. Os terranos o viram, mas pareciam interessados
exclusivamente na descarga do material.
Gilliam apareceu ao lado de Redhorse. À luz das chamas seu rosto tinha um aspecto
de cera. Só os olhos irradiavam uma intensa vitalidade. “Não devo estar melhor que ele”,
pensou Redhorse. A grande quantidade de uísque que tinham consumido em pouco
tempo subira à cabeça.
Os dois abaixaram-se e passaram correndo entre duas fogueiras.
Assim que saíram do círculo de luz projetado pelas mesmas, Redhorse parou.
Normalmente o esforço não o afetaria nem um pouco, mas naquele momento seu coração
batia furiosamente. Gilliam também estava ofegante.
— E agora? — perguntou o sargento. — Longe das fogueiras não temos nenhuma
visibilidade — lançou os olhos para o céu escuro. — Só vejo algumas estrelas — disse.
— Parece que a cidade fica do outro lado da Crest — observou Redhorse.
— Como descobriu isso? — perguntou Gilliam, espantado.
— Está vendo as fogueiras espalhadas que ficam mais longe da espaçonave? Devem
servir para iluminar as ruas.
— Que povo avançado — disse Gilliam em tom de escárnio. — Fico me
perguntando como estes anões envenenados conseguiram pilotar as três naves piramidais,
se nem sequer dispõem de um sistema unificado de abastecimento de energia.
— Mais tarde cuidaremos disso — disse Redhorse. — No momento o mais urgente
é cuidarmos de nossa segurança.
Redhorse ouviu o sargento dar alguns passos titubeantes pela escuridão. Perguntou-
se aonde ele pretendia ir.
— O chão é mole — disse a voz de Gilliam saída da escuridão. — Parece que por
aqui não existe um campo de pouso pavimentado.
— Quando será que vai clarear o dia? Até o amanhecer precisamos encontrar um
esconderijo do qual possamos observar a nave.
— Não enxergo um palmo à frente do nariz — resmungou Gilliam, contrafeito. —
Além disso estou bêbado. Por isso acho que é bem possível eu entrar diretamente na
choupana de um biodegradador para esconder-me. — Fez uma ligeira pausa e perguntou
em tom ansioso: — Ainda tem algum uísque?
— Só para uma emergência — respondeu Redhorse. — Precisamos conservar a
cabeça limpa, sargento.
Redhorse ouviu Gilliam bater os calcanhares, o que o fez tropeçar sobre as próprias
pernas. No lugar em que se encontravam ouvia-se o crepitar das fogueiras. De vez em
quando alguns biodegradadores apareciam na luminosidade das chamas e atiravam
troncos de árvores nas fogueiras.
— Aqui não podemos ficar — disse Redhorse. — Acho que vamos nos afastando
com cuidado. Temos de ficar agarrados um ao outro, senão nos perderemos.
Gilliam segurou a mão do major. Redhorse teve uma idéia vaga de que, se estivesse
sóbrio, provavelmente não se arriscaria a marchar para o desconhecido.
Movimentaram-se em direção oposta à das fogueiras. O chão era plano e não havia
acidentes no terreno. Avançaram rapidamente.
— Estamos nos afastando cada vez mais da nave, e tudo continua na mesma —
observou Gilliam depois de algum tempo. — Quem sabe se não estamos andando por
uma estepe sem fim?
— Ainda não percorremos mais de quinhentos metros objetou Redhorse, embora
não tivesse tanta certeza de que no estado em que se encontrava era capaz de avaliar as
distâncias. — Não se esqueça de que o campo de pouso dos regenerados é bem grande,
tanto que a Crest cabe nele. Teremos de mexer as pernas mais um pouco para chegarmos
aos limites do porto espacial.
Sem esperar resposta, foi arrastando Gilliam. Nunca vira o companheiro tão loquaz
como se mostrara nos últimos minutos. Whip Gilliam era um homem retraído. Não se
sabia quase nada sobre seu passado. Redhorse lamentou-se mais uma vez de que estava
bêbado, o que o impedia de aproveitar o estado de Gilliam para formular perguntas
hábeis.
As fogueiras já estavam reduzidas ao aspecto de pequenas chamas, quando os dois
terranos esbarraram no primeiro obstáculo. Redhorse, que andava com a mão estendida,
tocou numa coisa dura.
— Pare! — chiou. Gilliam obedeceu; parou imediatamente. Redhorse soltou-o e
pôs-se a examinar o objeto invisível. — Parece ser uma pilha de lenha — informou. —
Deve ser um depósito de combustíveis dos biodegradadores.
Gilliam soltou um forte arroto.
— Desculpe, senhor! — disse.
— Sente-se melhor? — perguntou Redhorse em tom paternal.
— Sim — respondeu o sargento com a voz triste.
Caminharam tateando junto à pilha de lenha. Quando tinham caminhado alguns
minutos, Redhorse parou de novo.
— Que pilha enorme! — observou Gilliam.
— É mesmo — reconheceu Redhorse. — Mas deve terminar em algum lugar.
Prosseguiram, até que Gilliam constatou que aquilo que acreditavam ser um
depósito de lenha era uma cerca de troncos. Redhorse encostou-se às toras espessas e
enxugou o suor da testa. O ar parecia insuportável, de tão quente que estava.
— Parece que os biodegradadores cercaram seu porto espacial — disse Gilliam.
Redhorse ouviu o sargento arrancar alguns pedaços de casca de árvore e esmagá-los
entre os dedos.
— Toda cerca tem uma passagem — disse Don Redhorse, esperançoso.
— Às vezes estas passagens são vigiadas — disse Gilliam.
Redhorse perguntou-se qual seria a finalidade da cerca levantada pelos regenerados.
Será que o biodegradadores tinham inimigos e queriam evitar que estes entrassem no
campo de pouso?
— Vamos ficar parados? — perguntou Gilliam, impaciente.
— Vamos ver se conseguimos passar por cima da cerca — decidiu Redhorse. —
Fique de costas para os troncos. Subirei aos seus ombros para verificar qual é a altura da
cerca.
O sargento apoiou as costas na cerca e entrelaçou as mãos, para que estas pudessem
servir de degrau a Redhorse. O major teve de fazer um grande esforço para subir nos
ombros de Gilliam. Esticou-se o mais que pôde, mas não; conseguiu alcançar a
extremidade superior dos troncos. Voltou a descer ao chão.
— A cerca é muito alta — disse.
Não tiveram alternativa. Continuaram a andar junto à cerca. Mantiveram-se sempre
encostados a esta. A cerca parecia não ter fim. Finalmente Redhorse deu com um tronco
que estava solto no chão. Os dois homens levantaram-no. Depois de um trabalho
estafante, conseguiram desprender e retirar também os dois troncos que ficavam ao lado.
Atravessaram a brecha assim criada e chegaram ao outro lado da cerca.
Don Redhorse espremeu o corpo através da abertura e esperou que Gilliam se
encontrasse a seu lado.
— Já estou ficando sóbrio de novo — afirmou o sargento. — A cada minuto que
passa mais me convenço de que nos arriscaremos muito se continuarmos a caminhar ao
acaso na escuridão.
Redhorse também sentiu que os efeitos do álcool estavam diminuindo. Sentia-se
cansado. Provavelmente se sentiria mal se a embriaguez continuasse a ceder.
Redhorse não pôde deixar de confessar a si mesmo que cometera um erro ao fugir
apressadamente da Crest III. Deveriam ter tentado ao menos levar algumas armas e trajes
de combate. Se tivessem agido com cuidado, os biodegradadores não teriam desconfiado
de nada. Redhorse deu de ombros. Não havia tempo para lamentar as oportunidades
perdidas.
— Espere por mim aqui — ordenou.
Deu alguns passos pela escuridão. Suas pernas roçaram em várias plantas. A
vegetação era cada vez mais densa, à medida que o cheiene se afastava da cerca. Não
demorou a esbarrar nas primeiras árvores. O chão continuava a ser mole. Parecia estar
coberto de folhas e uma camada de humo.
— Whip! — disse Redhorse com a voz abafada.
— Continuo no mesmo lugar, senhor! — respondeu o sargento.
Redhorse seguiu a direção da voz e em alguns instantes encontrava-se novamente
perto da abertura que tinham feito na cerca.
— Por ali existe uma floresta. Parece ser bastante densa — informou. — A cerca de
troncos certamente foi levantada para impedir o avanço da vegetação, ou então serve para
evitar que certos seres vivos cheguem ao porto espacial.
Whip Gilliam suspirou.
— Que perspectivas promissoras — disse. — Talvez a esta hora já haja uma fera à
espreita para devorar-nos.
— Uaaaa! — fez Redhorse.
No mesmo instante ouviu-se um grito apavorante vindo da floresta. Redhorse
prendeu a respiração.
— Não sei quem foi, mas ele sabe berrar melhor que o senhor, major — garantiu
Gilliam em tom amável. — Não acha que deveríamos voltar quanto antes ao outro lado
da cerca e colocar os troncos no lugar?
Redhorse colocou a mão no braço do sargento, para que ficasse calado. Depois do
grito não se ouvia mais nada. Mas dali a pouco os homens notaram o estalo de galhos.
Parecia que uma criatura de grandes dimensões estava abrindo caminho pela selva,
— Está bem perto — cochichou Gilliam.
Ouviu-se um gemido e o ruído de alguma coisa caindo na água.
— Água! — chiou Redhorse. — Alguém está tomando banho.
O barulho aumentou tanto que Redhorse não ouviu a resposta de Gilliam. Notava-se
perfeitamente que a algumas centenas de metros do lugar em que se encontravam os
terranos um animal grande se rebolava na água.
— Que será? — perguntou Gilliam, quando o ruído tinha diminuído,
transformando-se num fraco burburinho.
Redhorse não tomou conhecimento da pergunta, que lhe parecia absurda enquanto
não viam nada. Os ruídos que tinham ouvido certamente tinham sido produzidos por um
dos habitantes primitivos do planeta Ollura. O major já não teve nenhuma dúvida de que
a finalidade da cerca de troncos consistia em evitar que os animais grandes andassem
pelo campo de pouso.
Dali a algum tempo o monstro saiu da água. Os dois terranos ouviram-no grunhir de
satisfação. A seguir os galhos voltaram a estalar. Gilliam abaixou-se para encostar o
ouvido no chão.
— A terra está retumbando — disse. — Aposto que o ser que acaba de tomar banho
tem pelo menos o tamanho de um elefante.
Antes que Redhorse tivesse tempo para responder, uma coisa úmida tocou seu rosto.
Estremeceu. Estivera tão concentrado no barulho que o animal fazia que levou alguns
segundos para compreender que acabara de ser atingido por um pingo de chuva.
No início só caíram umas poucas gotas, mas dentro de instantes uma cachoeira
parecia desabar sobre os homens, que logo ficaram completamente encharcados.
Encostaram-se à cerca de troncos, mas foi inútil.
Redhorse sentiu a água descer-lhe pela nuca. Os biodegradadores teriam muita
dificuldade em manter acesas suas fogueiras. Um relâmpago iluminou a noite, mostrando
por uma fração de segundo os contornos fantasmagóricos dos objetos que os cercavam. A
cerca fora feita de troncos altos, cravados no chão em posição ligeiramente inclinada.
Entre a cerca e a mata virgem havia uma faixa de alguns metros de largura que formava
uma terra de ninguém. O chão era escuro e coberto por poças de água. O que Redhorse
pôde ver tinha um aspecto desolador, e era incapaz de contribuir para que ficasse mais
otimista.
Seguiu-se um trovão prolongado, e a chuva ficou ainda mais forte. Redhorse afastou
os cabelos molhados do rosto. A trovoada fez a temperatura cair bastante. Redhorse
sentiu frio. Estava completamente sóbrio. Era a primeira vez desde o momento em que
saíra do estaleiro espacial de Kalak que se sentia capaz de refletir sobre a situação. Sabia
perfeitamente que as chances de ele e Gilliam reconquistarem a Crest III eram mínimas.
Não tinham ganho nada abandonando o ultracouraçado.
Sentiu-se ainda mais pessimista ao lembrar-se de que Rhodan, Atlan e Gucky
tinham ficado em KA-barato juntamente com o engenheiro cósmico. O que poderia fazer
para salvar Rhodan, se ele mesmo se encontrava, sem armas, num ambiente
desconhecido, precisando de auxílio?
A luz do raio seguinte permitiu que reconhecesse o rosto tenso de Gilliam. Os
cabelos do sargento estavam grudados à cabeça. Os maxilares pareciam mais salientes
que de costume. A chuva fazia a pele brilhar, e o uniforme prendia frouxamente junto ao
corpo. A figura magra do sargento destacava-se embaixo do tecido.
Gilliam esperou que o trovão acabasse.
— A única vantagem desta tromba d’água é que ela clareou nossa cabeça, senhor —
disse.
Redhorse tirou a garrafa de uísque e sacudiu-a.
— Precisaremos da bebida que ainda resta para aquecer-nos — disse. — Pode ser
que demore algumas horas até que o dia comece a clarear.
O major sabia perfeitamente que até lá estariam condenados à inatividade. Não
poderiam arriscar-se a entrar na mata. O lugar mais seguro era junto à cerca.
— Já dormiu em pé, senhor? — perguntou Gilliam depois que a trovoada tinha ido
embora e a chuva havia diminuído.
Redhorse passou a mão pelo rosto. O chão amolecera a ponto que afundaram quase
até os tornozelos. Gilliam arrastou um dos troncos que tinham tirado da cerca e sentou
nele.
— É estranho ficarmos sentados aqui, esperando, enquanto bem perto de nós a nave
mais importante do Império Solar está ocupada por inteligências estranhas — disse.
Redhorse sentou ao lado do sargento e despejou a água de chuva que se tinha
acumulado em suas botas.
— Pensei que depois que voltasse a ficar sóbrio não falasse mais tanto, Whip —
disse.
— Hum — fez Gilliam. Parecia absorto em suas reflexões. Depois de algum tempo
voltou a abrir a boca. — Às vezes falar ajuda, senhor. A gente tem um nó na garganta, só
se consegue pô-lo para fora falando.
Redhorse nunca pensara que Gilliam fosse medroso.
— Tem medo de alguma coisa, Whip? — perguntou.
As botas molhadas de Gilliam rangeram, quando este se virou abruptamente para
Redhorse. A escuridão era completa, mas o major sentiu o olhar de seu interlocutor
pousado nele.
— Estou com medo de mim mesmo — respondeu Gilliam, calmo. — Não consigo
controlar-me. Quando me vejo numa situação perigosa, costumo agir sem pensar. Que
nem... que nem um animal!
Chegou a cuspir a última palavra.
— Não deve ser tanto! — objetou Redhorse. — Deve haver muita gente igual ao
senhor.
— A vida do homem é em grande parte um processo mais ou menos longo de causa
e efeito — disse Gilliam. — Andei refletindo bastante sobre isso, e cheguei à conclusão
de que existem pessoas que só agem por intuição. Outros costumam refletir antes de agir.
Até mesmo nas situações mais estranhas são capazes de raciocinar sobre qual é o
procedimento mais adequado. São capazes de prever os efeitos de seus atos. Não possuo
esta capacidade. As ações instintivas já me privaram de boas amizades, e muitas vezes
quase me custaram a vida.
— O senhor aprendeu a controlar-se.
— Só para fora — respondeu Gilliam. — Não sou um homem em quem se possa
confiar, major. Nunca se pode ter certeza do que vou fazer numa situação crítica.
— Até hoje o senhor nunca me deu motivo de queixa — observou Redhorse.
Gilliam surpreendeu seu interlocutor com uma risada.
— Estamos conversando sobre bobagens, mas temos coisas muito mais importantes
em que pensar.
Redhorse fechou os olhos. Coisas importantes? O que poderia ser importante para
quem estava sentado num tronco de árvore, abandonado na escuridão de um mundo
desconhecido, cheio de perigos?
Até mesmo o homem que tinha atravessado o abismo imenso que separa as galáxias
acabava sendo arremessado de volta ao microcosmo de seu egoísmo. Naturalmente
fariam tudo para reconquistar a Crest III, mas Redhorse era bastante sincero para
confessar que o que o levava a agir assim não era somente a tripulação indefesa do
ultracouraçado, mas também a situação em que ele mesmo se encontrava.
— Assim que clarear cuidaremos das coisas importantes — prometeu.
***
No momento em que soltou as fivelas do pára-quedas, Rhodan ouviu um baque
surdo. Era Atlan que acabara de tocar o chão perto dele. Chamou o arcônida em voz
baixa. Este respondeu imediatamente. Rhodan enrolou o pára-quedas, e deixou o pacote
no chão.
Rhodan girou em torno do próprio eixo, mas não descobriu nenhuma fonte de luz.
Como não tinham trazido lanterna, nem sequer estavam em condições de verificar onde
tinham caído.
Rhodan dirigiu-se ao lugar em que Atlan estava enrolando seu pára-quedas. Guiou-
se pelo ouvido.
— Saímos do caça antes da hora — disse Atlan. — O que vamos fazer nesta
escuridão?
— A povoação dos regenerados não fica longe — lembrou Rhodan. — Deve haver
um meio de encontrar as luzes que vimos da Kildering.
— Resta saber em que direção devemos seguir — respondeu o arcônida em tom
irônico.
Antes que Rhodan pudesse tomar uma decisão, os dois tiveram a atenção despertada
por um estranho ruído. Rhodan pôs-se a escutar atentamente.
— Está ouvindo alguma coisa? — perguntou.
— Parece que alguém está enfiando alguma coisa no chão — respondeu o lorde-
almirante.
— Luzes! — exclamou Rhodan de repente. Os dois viram chamas bruxuleantes
numa distância difícil de calcular.
— São tochas — disse Atlan. — Quem as está carregando vem em nossa direção.
— Será que fomos descobertos?
— Não acredito. Deve ser uma coincidência. Faço votos de que não nos descubram.
O ruído era cada vez mais forte. O chão chegou a tremer. Rhodan contou cinco
tochas, que balançavam continuamente de um lado para outro.
— Até parece que há um animal grande vindo em nossa direção — disse Rhodan
com uma débil ironia. — Deve ser uma máquina rudimentar.
Dali a pouco os dois astronautas viram um corpo negro fosco iluminado pelas
tochas, que vinha em sua direção. Rhodan viu duas corcovas enormes com placas córneas
de um metro quadrado, em cujo centro fora presa uma armação. Havia cinco
biodegradadores nesta armação, que era de tábuas. Cada um deles segurava uma tocha.
Os movimentos bruscos do gigantesco animal faziam com que a armação
rudimentar balançasse constantemente. Os regenerados tiveram de segurar-se para não
cair.
— É um sáurio! — exclamou Atlan. Nem tentou abafar a voz, pois o barulho
causado pelo monstro era tamanho que Rhodan mal compreendia o amigo.
Rhodan viu à luz das tochas que o pescoço do monstro tinha três metros de
comprimento. Em comparação com o resto do corpo, o pescoço era muito pequeno. Os
olhos eram tão pequenos que Rhodan só os via quando o gigante movia a cabeça, fazendo
com que brilhassem à luz das tochas.
— Será possível? — gritou Atlan. — Como é que esses anões envenenados
conseguem lidar com um colosso deste tamanho?
— Da mesma forma que lidam com os tripulantes da Crest — gritou Rhodan. —
Hipnotizam o animal. O animal é tão primitivo que eles nem precisam recorrer ao gás
soporífero para submetê-lo à sua vontade.
O sáurio passou com seus passageiros a trinta metros do lugar em que estavam
Rhodan e Atlan.
— Deve ser um vegetariano inofensivo — conjeturou Rhodan, quando puderam
comunicar-se novamente em tom normal. — De qualquer maneira, prefiro não cruzar o
caminho de um monstro destes.
— Onde há vegetariano também costuma haver carnívoros — respondeu Atlan em
tom pessimista. — Talvez não sejam tão grandes, mas em compensação são mais
perigosos. O lugar que escolhemos para saltar não é o ideal.
— Vamos na direção da qual veio o sáurio — sugeriu Rhodan. — Talvez
consigamos chegar perto da cidade.
Ouviu-se um trovão. Dali a pouco a chuva começou a cair.
— Parece que é uma trovoada — disse Atlan. — Era só o que faltava.
Enquanto a chuva descia em cataratas, os homens saíram andando em direção a um
destino que não viam.
Não poderiam imaginar que a menos de trinta quilômetros dali dois tripulantes da
Crest III estavam sentados na chuva, à espera de uma oportunidade de reconquistar o
ultracouraçado.
4

A selva acordou antes que clareasse de vez. Redhorse, que estava cochilando,
sobressaltou-se ao ouvir o canto de um pássaro bem perto. Arregalou os olhos e levantou-
se de um salto. O movimento foi tão repentino que o sargento Gilliam acordou,
levantando instintivamente os braços para defender-se de um ataque imaginário. Os
ruídos dos visitantes matutinos da aguada que ficava escondida na selva, bem à sua
frente, chegaram a eles.
Redhorse espreguiçou-se. Estava com o corpo duro e com muito frio. Seu uniforme
ainda estava encharcado. Parecia que tomara banho com ele. Com Gilliam acontecia a
mesma coisa. Os dois astronautas fizeram alguns movimentos para aquecer-se.
À luz do crepúsculo o ambiente parecia ainda mais desanimador que de noite,
quando fora iluminado pelos relâmpagos.
O chão era lamacento. A vegetação rala da terra de ninguém consistia somente em
alguns arbustos raquíticos.
Depois da terra de ninguém vinha a selva propriamente dita. Formava uma parede
cinzenta de árvores, arbustos, trepadeiras e cogumelos. À luz do sol as coisas deviam ter
um aspecto mais agradável, mas Redhorse tinha suas dúvidas de que o sol conseguisse
romper muitas vezes a camada de nuvens.
A cerca de troncos levantada pelos biodegradadores não era nenhuma obra-prima
capaz de atestar sua capacidade artesanal. Alguns troncos estavam podres, outros tinham
sido quebrados ou arrancados. O major não acreditava que estes troncos fossem capazes
de resistir ao ataque concentrado de um animal mais robusto. A cerca só parecia assinalar
o limite do porto espacial, se bem que Redhorse não compreendia que alguém fosse
capaz de explicar aos animais o que vinha a ser um limite.
Whip Gilliam terminou os exercícios de aquecimento.
— Sinto muito que adormeci, senhor — disse com a voz rouca.
Pigarreou e teve de espirrar. Redhorse mostrou um sorriso sem graça. Os dois
deviam ter pegado um forte resfriado.
Tirou a garrafa de uísque e ofereceu-a ao sargento.
— É nosso café da manhã — disse Gilliam, entusiasmado, e tomou um grande gole
antes de devolver a garrafa ao cheiene. Enquanto Redhorse estava bebendo o uísque, um
animal gordo apareceu na borda da mata. Parecia um porco selvagem sem cerdas.
Quando viu os dois homens, ficou desconfiado e retirou-se para trás dos primeiros
troncos. Redhorse ouviu-o esfregar as costas em um dos troncos.
Três aves de penas cinzentas saíram caminhando solenemente da mata e cataram
alguma coisa na lama. Tinham um metro de altura. Os bicos eram pontudos e as pernas
magras. De vez em quando brigavam por causa de uma minhoca. Faziam de conta que
eram os donos da terra de ninguém.
— Acho que devemos retirar-nos para o outro lado da cerca, antes que a situação
fique mais desagradável — disse Redhorse. — Os animais maiores não demorarão a
aparecer.
Espremeram-se pela brecha que tinham aberto na cerca. Sem querer, Redhorse
respirou aliviado ao ver o vulto do gigantesco ultracouraçado pousado no porto espacial.
Enquanto a Crest III estivesse lá, teriam uma chance de reconquistá-la para os terranos.
Ainda era muito escuro para que o major pudesse ver o que estava acontecendo
embaixo da eclusa de carga. Não se distinguiam os edifícios, nem os veículos.
Gilliam tirou o casaco do uniforme e tentou espremer a água. Quando voltou a
vesti-lo, estava completamente amarrotado. Examinou suas vestes e fez uma careta.
— Gostaria que os autores dos romances em que os astronautas da Frota Solar são
apresentados como jovens robustos e bem trajados me vissem neste estado — disse em
tom sarcástico.
Redhorse sorriu debochado. Quem visse o sargento não seria mesmo capaz de
acreditar que ele pertencia a uma tropa de elite, escolhida especialmente para conquistar
uma base na nebulosa de Andrômeda.
Uma dezena de biodegradadores apareceu a uns duzentos metros do lugar em que os
dois se encontravam. Os terranos recuaram imediatamente para perto da cerca.
— Será que eles nos viram? — perguntou Gilliam.
Redhorse sacudiu a cabeça. Não tirava os olhos dos regenerados. Estes
aproximaram-se da cerca e fizeram uma abertura nela.
— Construíram um portão giratório — observou Gilliam. Ergueu as sobrancelhas.
— Gostaria de saber para que serve. Não devem possuir máquinas com as quais possam
entrar na selva.
— Talvez haja alguma coisa que sai da selva e entra por este portão — conjeturou
Redhorse.
Redhorse e Gilliam atravessaram a brecha aberta na cerca, voltando à terra de
ninguém. Queriam verificar quais eram as intenções dos biodegradadores. Os
descendentes dos astronautas desconhecidos que tinham naufragado em Ollura numa
época remota caminharam resolutamente em direção à selva. Quando chegaram à borda
da mata, pararam.
Os raros animais que se encontravam ali não tomaram conhecimento da presença
dos regenerados.
— Parece que os anões envenenados não têm medo de que alguém os ataque —
constatou Gilliam, espantado.
— Além de possuírem uma coragem incrível, são capazes de hipnotizar outras
criaturas. Com os animais isso deve ser mais fácil que com as formas de vida inteligentes
— Redhorse apontou para a selva. — Acho que os biodegradadores só se sentem tão
seguros porque neste mundo nunca lhes aconteceu nada.
Os dois terranos viram uma ave de penas cinzentas pousar perto dos regenerados.
Pertencia à mesma espécie da qual Redhorse e Gilliam tinham visto três exemplares
assim que acordaram.
Um dos anões, que era pouco menor que a ave, brincou com o bico desta,
sacudindo-o. O pássaro não ofereceu nenhuma resistência. O biodegradador soltou-o e
ele começou a catar seu alimento na lama.
— Parece que nossos amigos estão esperando alguma coisa — disse Gilliam.
Redhorse limitou-se a acenar com a cabeça. Os biodegradadores deviam ter seu
motivo para vir até aqui. No início Redhorse pretendera chegar perto da povoação dos
anões e tentar apoderar-se de algumas armas. Mas naquele momento achou preferível
esperar para ver o que os doze regenerados vieram fazer perto da selva.
— Está saindo uma coisa da mata! — observou Gilliam de repente.
Redhorse ouviu galhos estalando. O ruído era parecido com o que tinham ouvido
durante a noite. Os astronautas terranos ficaram com os olhos pregados no lugar em que
os biodegradadores estavam esperando.
Viram uma árvore de tamanho regular quebrar-se que nem um graveto. Em seguida
um sáurio saiu da mata. Revirou a lama com as pernas de tonel, e estas esmagaram os
arbustos que cresciam na terra de ninguém. Os regenerados cumprimentaram o monstro
com uma gritaria nervosa. O sáurio olhava com uma expressão estúpida para o portão
aberto.
— Parece que eles querem levar o bichinho ao campo de pouso — observou
Gilliam.
Redhorse ficou fascinado ao ver um dos regenerados atirar um laço sobre o pescoço
do animal. O anão subiu às costas do monstro e acomodou-se na primeira vértebra dorsal.
Parecia sentir-se completamente seguro, pois acenou para os companheiros.
— Está cavalgando o sáurio — havia um tom de espanto na voz de Gilliam.
O gigante saiu andando. Os onze regenerados que o cercavam seguiram-no
prontamente em direção ao portão aberto, que era bastante amplo para dar passagem ao
corpo gigantesco do animal. O sáurio desapareceu no campo de pouso e os onze anões
fecharam o portão. Redhorse e Gilliam tiveram pressa de chegar novamente ao outro lado
da cerca.
— Tomara que os biodegradadores não pretendam levar um monstro destes para
dentro da Crest — disse Gilliam.
Redhorse fez um gesto.
— Acho que antigamente toda esta área era coberta pela mata — disse. — Os
biodegradadores limparam o terreno com a ajuda dos sáurios. A terra de ninguém
também surgiu desta forma. A única coisa que os anões têm de fazer é contornar o campo
de pouso uma vez por dia, montados num sáurio, para evitar que a vegetação avance em
direção à cerca.
O major sentiu que o exercício lhe fazia bem. O uísque que haviam tomado ao raiar
do dia também o ajudara a aquecer-se. Sentiu fome e pensou em vasculhar a borda da
mata, à procura de frutos comestíveis. Mas no momento ainda se encontravam numa
situação tão desesperadora que não podiam assumir este risco.
Assim que o sáurio e os biodegradadores tivessem desaparecido, iniciariam sua
marcha em direção à povoação dos anões. Sem dúvida não seria menos perigoso que sair
à procura de alimentos na mata.
— A cidade fica do outro lado do campo de pouso — disse Redhorse. —
Caminharemos junto à cerca. Desta forma poderemos esconder-nos se por acaso
aparecerem os biodegradadores.
Gilliam acenou com a cabeça. Parecia não gostar da idéia.
— Receio que se seguirmos nesta direção levemos algumas horas, senhor —
observou.
— É claro que o senhor tem razão, mas temos de pensar antes de mais nada na
nossa segurança. No momento representamos a única esperança para a tripulação do
ultracouraçado.
No momento em que saíram andando, a chuva voltou a cair. O céu estava nublado.
Redhorse duvidava de que naquele dia o sol chegasse a brilhar. Acontece que a
luminosidade reduzida facilitaria sua tarefa. O major lembrava-se de que os
biodegradadores também mandaram retirar caixas com armas da Crest III. Acreditava que
estas tivessem sido levadas diretamente à aldeia dos anões. Com um pouco de sorte
poderiam localizar um dos depósitos dos regenerados e saqueá-lo.
Quanto passaram pelo portão, viu que as pernas de tonel do sáurio haviam revirado
o solo. Os postes que seguravam o portão tinham sido amarrados com cordas muito
fortes. Isso levou Redhorse a concluir que a entrada de um sáurio nem sempre era tão
fácil como a que tinham visto há poucos minutos. As reações dos animais gigantescos
eram lentas, e certamente não era raro eles esbarrarem nos postes do portão.
Gilliam parou à frente de uma das pegadas do monstro, que já se enchera de água da
chuva.
— Tem cerca de um metro de diâmetro — disse. — Receio que a pior coisa
imaginável possa acontecer à rampa de carga da Crest, caso estes anões envenenados
resolvam fazer o monstro subir por ela.
— Eles não farão isso — tranqüilizou o cheiene. — Não existe nenhum motivo
lógico para eles levarem este gigante para a nave.
Os dois astronautas prosseguiram. Constantemente viam trechos avariados na cerca.
As brechas tinham sido precariamente consertadas, o que provava que os
biodegradadores não tinham motivo para recear um ataque vindo da selva. Provavelmente
a cerca de troncos era uma relíquia vinda dos tempos em que as primeiras gerações de
biodegradadores tinham descido em Ollura.
De vez em quando Redhorse lançava um olhar para a Crest III. O ultracouraçado
ocupava quase metade do campo de pouso. Em certo lugar as áreas de apoio quase
tocavam na cerca. Redhorse perguntou-se se mais algum tripulante conseguira libertar-se
da influência hipnótica dos regenerados. Os anões certamente não tinham dado pela falta
de dois tripulantes. A presunção destes seres era tamanha que fazia com que se tornassem
levianos. Ao que parecia, os biodegradadores nem pensavam em tomar quaisquer
precauções para proteger a nave que tinham conquistado. Parecia que nem admitiam a
possibilidade de um ataque vindo do espaço.
“Neste ponto eles até têm razão”, pensou Redhorse, deprimido. “Quem poderia
encontrar este planeta isolado?”
Pelos cálculos de Redhorse já deviam ter caminhado cerca de duas horas.
Finalmente viram os contornos das primeiras construções à luz mortiça do dia. Pararam.
Gilliam apoiou-se na cerca. Estava exausto. Tomaram o resto do uísque. Redhorse atirou
a garrafa vazia por cima da cerca, para o lado em que ficava a terra de ninguém.
As construções que viam eram simples cabanas de troncos com telhados íngremes e
passadiços encostados. Mais para o centro da cidade havia construções maiores, cujos
telhados sobressaíam sobre os das outras casas. No entanto, parecia incrível que os
habitantes de casas tão primitivas pudessem dirigir três espaçonaves a uma distância de
cinco meses-luz, através do espaço cósmico.
Mas Redhorse teve de confessar que uma povoação construída por náufragos
espaciais terranos não teria um aspecto muito melhor. Ainda acontecia que os
regenerados não passavam de descendentes atingidos por um processo de mutação
daqueles astronautas que em tempos remotos tinham naufragado em Ollura. Desta forma,
o vôo das três naves piramidais era um feito extraordinário.
— Parece deserta — disse Gilliam, apontando para a aldeia.
— A maior parte dos anões deve encontrar-se na Crest ou perto dela — respondeu
Redhorse. — Isto aumenta nossas chances de entrar num depósito de armas sem que eles
percebam.
Prosseguiram. Dali a pouco viram as plantações que os regenerados tinham feito
atrás da cidade. Alguns biodegradadores estavam cuidando destas plantações. Estavam
montados em aves parecidas com avestruzes, que corriam por caminhos estreitos que
separavam os campos cultivados. A principal cultura dos biodegradadores consistia em
certas plantas que tinham certa semelhança com pequenos ciprestes. O major viu que
nestas árvores cresciam frutos vermelhos, semelhantes a tomates.
— Como faremos para passar por lá sem que eles nos vejam? — perguntou Gilliam.
A cerca de troncos fez uma dobra, estendendo-se até a extremidade dos campos
cultivados. Só do outro lado da cidade voltava a aproximar-se do campo de pouso.
— Temos de mudar de direção — decidiu Redhorse. — Passaremos à frente das
plantações.
Bastou um único olhar para Gilliam avaliar a distância que os separava da primeira
construção.
— São pelo menos quinhentos metros, senhor — disse. — Temos de contar com a
possibilidade de a qualquer momento um dos biodegradadores vir cavalgando dos
campos para cá, no momento em que estivermos atravessando a área livre.
— Conto com esta possibilidade — respondeu Redhorse laconicamente.
Redhorse concluiu pelo tamanho da povoação que nela deviam viver cerca de dez
mil biodegradadores. O major achava perfeitamente natural que os regenerados fizessem
tudo para voltar ao espaço. Vários séculos se passariam até que os habitantes de Ollura
conseguissem criar sua própria astronáutica — se é que um dia conseguiriam.
“É estranho”, pensou Redhorse. “A mentalidade de outros povos cósmicos difere
bastante da dos terranos, mas todas as raças civilizadas se assemelham na ânsia de
conquistar o espaço.” O Universo parecia partir para uma empresa arrojada. Naves dos
tipos mais diversos decolavam de inúmeros planetas. Até parecia que o espaço cósmico
era a terra prometida, que representava a resposta a todas as indagações que podiam
surgir no cérebro de um ser inteligente.
Até mesmo os povos que não estavam em condições de viajar pelo espaço possuíam
ao menos um mito sobre as estrelas, contavam lendas ou inclinavam-se diante do brilho
dos sóis, como se as estrelas que tornavam possível a vida nos planetas fossem
divindades onipotentes.
— Está cansado, senhor? — perguntou Whip Gilliam.
Redhorse sacudiu a cabeça. A inquietude que o fizera viajar pelo espaço não
poderia ser apagada pelo cansaço, por mais intenso que fosse este. Por estranho que
pudesse parecer, a inquietude interior que a pessoa sentia na superfície do planeta não
diminuía quando esta viajava entre as estrelas. Só se verificava uma alteração das
dimensões. Era como se um homem sedento quisesse esvaziar o oceano. O espaço
misterioso, que parecia não ter começo nem fim, resistia a todos os esforços de
investigação.
— Agora temos uma boa oportunidade, senhor — observou Gilliam, impaciente. —
Todos os animais de montaria desapareceram entre as plantas.
— Vamos embora — disse Redhorse.
Saíram correndo lado a lado. Suas botas faziam esguichar a lama. Gilliam dava
saltos enormes com suas pernas compridas e Redhorse teve de fazer um grande esforço
para acompanhá-lo. Nem uma única vez o major olhou para os campos cultivados. Se
fossem descobertos, seriam alertados imediatamente pela gritaria dos biodegradadores.
Ainda chovia, mas já tinha ficado mais claro. Já tinham percorrido metade da
distância que os separava da primeira casa. Redhorse conseguiu enxergar entre duas
fileiras de casas. Notou aliviado que não havia nenhum biodegradador no terreno
lamacento, para o qual a designação de rua seria por demais lisonjeira.
Redhorse olhou para trás. Do lugar em que se encontrava via perfeitamente a Crest.
Havia dois sáurios entre as colunas de sustentação. Provavelmente estes animais eram
usados pelos regenerados para carregar certos objetos que os tripulantes hipnotizados
tinham colocado fora do ultracouraçado.
Gilliam passou à frente do oficial e atingiu a primeira construção. Enfiou-se
imediatamente embaixo do passadiço de madeira que dava para ela. Redhorse chegou lá
ofegante. Puseram-se a observar os campos, espremidos contra a parede. Demorou quase
um minuto até que aparecesse um biodegradador. Saltou de sua montaria e pegou uma
corda, amarrando o animal a uma árvore. Feito isso, o regenerado voltou a desaparecer
nas plantações.
Gilliam respirou aliviado.
— Até aqui tudo bem, senhor — disse. — Só falta encontrar um dos depósitos.
Redhorse pôs-se a refletir. Não podiam arriscar-se a caminhar pela rua lamacenta,
nem poderiam ir para dentro da cidade pelos passadiços de madeira. Só lhes restava
rastejar embaixo deles até que chegassem a um dos depósitos. Era uma forma de
locomoção lenta e nada confortável, mas em compensação era a mais segura. Redhorse
expôs sua idéia ao sargento. Mal via o rosto deste na penumbra reinante embaixo do
passadiço. O sargento fez um movimento. Parecia nervoso.
— Também pensei nisso — disse, dirigindo-se a Redhorse. — Acontece que desse
jeito estaremos numa armadilha perfeita. Se os biodegradadores nos descobrirem, a única
coisa que terão de fazer será bloquear ambas as saídas para evitar nossa fuga.
Os dois astronautas prosseguiram, rastejando apoiados nas mãos e nos joelhos.
Redhorse ouvia os pingos de chuva tamborilarem nas tábuas que ficavam em cima de
suas cabeças. Este ruído e o provocado por seus joelhos arrastando-se na lama eram a
única coisa que ouviam. A cidade parecia deserta. Assim mesmo a qualquer momento um
biodegradador poderia aparecer em cima de suas cabeças. Se isso acontecesse, teriam de
ficar bem quietos.
O buraco pelo qual tinham passado para enfiar-se embaixo do passadiço não
demorou a sair de seu campo de visão, mas as frestas entre as tábuas deixavam passar
bastante claridade para que pudessem orientar-se. Redhorse estava satisfeito porque os
regenerados se tinham dado ao trabalho de revestir com tábuas também o espaço que
separava as casas da rua. Certamente tinham feito isso para evitar que a umidade
penetrasse nas casas.
Os astronautas foram detidos num lugar em que o passadiço tinha sido avariado.
Várias tábuas quebradas penetravam no espaço vazio. Redhorse examinou a madeira que
a umidade fizera inchar. Gilliam ficou agachado a seu lugar sem dizer uma palavra.
— Se quisermos passar, teremos de empurrar as tábuas. — constatou o major.
— Para isso teremos de fazer barulho — advertiu Gilliam.
Já era tarde para voltar atrás. Redhorse segurou resolutamente uma das tábuas e
empurrou-a para cima. Ouviu-se um rangido. Redhorse sobressaltou-se e prendeu
instintivamente a respiração. Ficaram agachados alguns minutos, sem atrever-se a fazer
qualquer movimento. Finalmente Redhorse segurou outro obstáculo e empurrou-o de
volta para o passadiço.
A chuva atravessou as aberturas que se tinham formado e bateu no rosto dos
homens. Estes saíram rastejando bem depressa. Parecia que não tinham despertado a
atenção de ninguém.
Passaram por mais vinte cabanas. Redhorse parou de novo. Havia alguns
biodegradadores gritando mais à frente.
— Aconteceu alguma coisa ali adiante — cochichou o cheiene.
No mesmo instante os dois fugitivos ouviram um trombetear ensurdecedor.
— Um sáurio! — constatou Gilliam, apavorado. — Em plena cidade.
— Deve estar bem perto daqui — disse Redhorse.
Enfiou a mão entre duas tábuas. Uma delas cedeu, e Redhorse e Gilliam viram a rua
através da fresta.
O quadro com que se defrontaram foi fantástico e impressionante ao mesmo tempo.
Um dos veículos de transporte da Crest III estava atolado na lama até os eixos e não
conseguia prosseguir. Os biodegradadores tinham cometido um erro, sobrecarregando o
veículo. Redhorse viu alguns tripulantes do ultracouraçado parados calmamente na
chuva.
Pelo menos vinte regenerados tentavam tanger um sáurio rebelde em direção ao
veículo de carga. O animal trazia algumas cordas penduradas ao pescoço. Ao que parecia,
os biodegradadores queriam que o monstro puxasse o veículo para fora do lamaçal.
Gilliam contemplou a cena por cima do ombro de Redhorse. Este ouviu o sargento
ranger os dentes.
— Há alguns homens da Crest metidos nisso, senhor — disse.
— Não podemos fazer nada por eles — respondeu Redhorse em tom resoluto. —
Não faça nenhuma leviandade.
O major voltou a olhar para a rua. O corpo brilhante do sáurio destacava-se na
chuva. A água pingava da córnea que cobria suas corcovas. As pernas do monstro abriam
valas profundas na lama. Os regenerados gritavam todos ao mesmo tempo. Ao que
parecia, a situação à qual não estavam acostumados os deixava nervosos. O sáurio
levantou abruptamente o pescoço e soltou um berro. Redhorse recuou instintivamente.
A cauda do gigante chicoteava o chão, fazendo esguichar a lama para todos os
lados. Dois regenerados atingidos pelas pancadas deram início imediatamente ao
processo de regeneração de células.
Finalmente os anões conseguiram colocar o animal na frente da carroça.
Estenderam às pressas as cordas que deveriam amarrá-lo ao veículo. Ao que parecia, os
terranos também estavam recebendo novas ordens, pois ajudaram os biodegradadores a
prender as cordas no veículo.
Quando o sáurio começou a exercer a tração, duas cordas se romperam. Eram sete
ao todo. O veículo saiu repentinamente da lama e tombou. As caixas caíram
ruidosamente da plataforma de carga. O sáurio arrastou o carro vazio mais alguns metros
e parou.
Os terranos ficaram parados sem saber o que fazer. Os biodegradadores pareciam
furiosos. Auxiliados pelos tripulantes da Crest, conseguiram pôr o veículo novamente de
pé. Puseram-se a colocar as caixas sobre a plataforma de carga. Buracos de alguns metros
de profundidade se tinham formado na rua. Era quase impossível passar com qualquer
espécie de veículo.
— Vamos andando — disse Redhorse. — Aqui não podemos fazer nada.
Os modos exaltados dos biodegradadores tinham-no deixado profundamente
chocado. Para os regenerados esta cena devia ser uma coisa corriqueira, mas a falta de
consideração com que agiam os anões causava repugnância a Redhorse.
Estes anões mutados eram loucos!
Aquilo que na opinião dos terranos não passava de uma exagerada autoconfiança e
de uma coragem incrível na realidade era uma manifestação de loucura. Os
biodegradadores eram doentes mentais, que se guiavam cegamente por uma compulsão
interior.
A idéia de que os tripulantes da Crest III se encontravam à mercê destes seres fez
com que o major tivesse um calafrio. Os homens do Império Solar já deveriam ter
reconhecido o perigo que representavam os anões quando as naves piramidais pousaram
em KA-barato e os biodegradadores avançaram pelo campo de pouso, para conquistar o
ultracouraçado.
Era uma horda de megalomaníacos, que não tinha a menor capacidade lógica e
perdera completamente o senso da realidade.
Redhorse cerrou os punhos.
— Deveríamos matar todos eles! — gritou fora de si.
Assustou-se com as próprias palavras.
Gilliam teve bastante sensibilidade para fazer de conta que não ouvira o desabafo do
major. Talvez estivesse pensando mais ou menos a mesma coisa.
— Depressa! — ordenou Redhorse. — Temos de ser rápidos. Parece que os anões
já têm planos bem definidos a respeito da Crest.
Ouviu-se o berreiro de um sáurio, vindo de longe. A água da chuva caía em cascata
dos telhados. Havia um cheiro de umidade em toda parte, mas estava ficando cada vez
mais quente.
Redhorse não sabia quanto tempo tinha passado quando finalmente atingiram o fim
da rua e a saída do abrigo representado pela ponte de madeira. Avistaram uma área livre
que os biodegradadores haviam firmado com troncos empilhados, a fim de impedir o
avanço das torrentes de lama que ameaçavam inundar a cidade.
Do outro lado da rua havia vários edifícios alongados, cujas portas estavam abertas.
Havia alguns biodegradadores por lá.
O corpo magro de Gilliam passou por Redhorse. O sargento fechou os olhos por um
instante. A água da chuva cobria seu rosto.
— Acho que podemos tratar de voltar — disse com a língua pesada. — Não
conseguiremos passar ali sem sermos vistos.
O major sabia perfeitamente que, se voltassem, estariam confessando sua derrota
final. Neste caso poderiam perfeitamente regressar para bordo da Crest III e inalar o gás
narcotizante.
Um veículo de transporte da Crest III veio rolando de outro lado, que os dois não
viam, e desapareceu pelo portão de um dos prédios maiores.
— É ali que eles guardam as coisas mais importantes — disse Redhorse com a voz
apagada. — Tenho certeza de que, se conseguíssemos entrar em um destes depósitos,
encontraríamos máquinas e armas dos antepassados destes anões.
— Só existe um meio — disse Gilliam, calmo. — Um de nós tem de distrair a
atenção dos biodegradadores e o outro aproveitará a confusão para atravessar a área livre
sem que eles o vejam.
— Não podemos arris...
Redhorse interrompeu-se ao ver o sargento sair do abrigo e levantar-se de um salto.
Por um instante viu os contornos da figura magra e coberta de lama que se destacavam
junto à saída do abrigo. Gilliam logo saiu correndo.
— Whip! — gritou Redhorse, embora soubesse que seria inútil tentar deter o
sargento.
Gilliam percorreu uns cinqüenta metros e dobrou para a esquerda. Atirou os braços
para o alto e começou a gritar.
Redhorse viu os biodegradadores que se encontravam perto dos depósitos se
sobressaltarem. Relutaram em abandonar suas posições para ir ao encontro de Gilliam.
O major praguejou e saiu do abrigo. O vento tépido fazia bater a chuva em seu
rosto. A respiração era difícil. O ar estava muito abafado. O cheiene olhou para trás e
certificou-se de que na rua não havia nada que pudesse representar qualquer perigo. O
sargento Gilliam saltava pela área livre que nem um louco. Os regenerados aceleraram o
passo. Certamente já tinham percebido que Gilliam não estava sob a influência da
hipnose.
Redhorse viu os biodegradadores cercarem o sargento aos poucos. Este saiu
correndo para atravessar o mais depressa possível a área livre. Teve a impressão vaga de
que ouvia a voz de Gilliam, mas devia ser engano. O sangue zumbia em seus ouvidos e a
chuva cercava-o de todos os lados.
Os troncos usados pelos regenerados para firmar o solo estavam molhados e
escorregadios. Redhorse logo compreendeu que sempre que possível devia colocar os pés
nos intervalos entre os troncos, para não perder o equilíbrio.
Nem procurou saber se havia alguém atrás dele. Quanto mais corria, mais distantes
pareciam ficar os depósitos. Olhou para o lado e viu que Gilliam conseguira romper o
cerco e desapareceu numa rua secundária, seguido por um bando furioso de
biodegradadores.
Alguns dos troncos em que Redhorse apoiou os pés estavam soltos. A lama formava
bolhas entre eles. Quando Redhorse ainda se encontrava a vinte metros do portão de um
dos edifícios, um biodegradador apareceu junto à entrada.
Olhou para Redhorse como quem não compreendia nada. Redhorse continuou a
correr. Acabou esbarrando no regenerado e atirando-o ao chão. O major não perdeu
tempo. Entrou no edifício. O anão que tinha ficado para trás começou a gritar. Havia
tochas penduradas nas paredes, que espalhavam uma luz fantasmagórica pelo recinto
enorme.
Redhorse viu algumas caixas que talvez tivessem sido retiradas da Crest III e
aproximou-se delas. Ouviu o ruído de uma explosão vindo de trás. Uma bala atingiu o
chão bem à frente do cheiene.
Don Redhorse saltou para trás das caixas. Ofegante, puxou uma caixa não muito
grande e arrancou a tampa. Gemeu decepcionado ao ver que esta só continha peças
sobressalentes.
Ouviu os gritos do biodegradador que o perseguia.
Dali a pouco viu a cabeça feia da criatura por cima da pilha de caixas — e o cano de
uma estranha arma.
Redhorse atirou a tampa da caixa na direção do biodegradador. Este nem sequer
abaixou a cabeça. No entanto, o segundo tiro disparado pelo anão também errou o alvo.
Redhorse abriu outra caixa, enfiou as mãos trêmulas no material de embalagem e
apalpou o cano metálico de uma carabina energética. O terceiro projétil disparado pelo
biodegradador passou rente a seu corpo. Ouviu-se o estalo da madeira, e o tiro
ricocheteou, uivando fortemente.
Redhorse segurou a carabina e atirou a esmo.
Ouviu o biodegradador dar um grito. Conseguiu pôr-se de pé de um salto. Uma
massa ondulante se formava junto às caixas. O regenerado atingido pelo tiro energético já
dera início ao processo de renovação de células.
Redhorse fechou os olhos e prendeu a respiração. Passou por cima das caixas e
dirigiu-se à saída.
Lembrou-se de Whip Gilliam. Segurou firmemente a arma e apressou o passo. Logo
atingiu a entrada do depósito.
***
O chão cedeu tão depressa sob os pés de Rhodan que este não teve tempo de
esboçar qualquer reação. Ouviu o grito abafado de Atlan e bateu violentamente no chão.
Pôs-se imediatamente de pé para defender-se de um eventual ataque. Tentou em vão
varar a escuridão com os olhos.
— Uma armadilha para pegar animais — disse Atlan. — Caímos nela.
“Por que”, perguntou-se Rhodan, “os biodegradadores fazem armadilhas deste
tipo, se mantêm os animais de Ollura sob controle hipnótico?”
— Deve ser muito antiga — disse Atlan, que até parecia ter adivinhado os
pensamentos de Rhodan. — Acho que é do tempo em que a nave dos regenerados caiu
neste planeta. Na época ainda não sabiam se seriam capazes de dominar os animais deste
planeta.
Rhodan saiu apalpando as paredes, com os braços bem estendidos. Não alcançou a
borda da escavação.
— Temos de dar um jeito de sair daqui — disse. — Subirei nos seus ombros para
ver se alcanço a superfície.
— Acho que não adianta — disse o arcônida. — A armadilha fechou-se em cima de
nós. Deve haver alguns troncos cobrindo a abertura.
Rhodan descobriu um galho no chão e resolveu usá-lo para avaliar as dimensões da
armadilha. Levantou-o e a ponta tocou em material firme.
— Infelizmente você tem razão — disse Rhodan. — Parece que nossa excursão
noturna chegou ao fim.
— Ainda temos uma esperança — disse Atlan.
— Gucky? Quando voltar, poderá tirar-nos daqui.
— Talvez chegue tarde — respondeu Atlan. — Estou pensando na ferramenta
sagrada dos engenheiros cósmicos — em Kildering.
Rhodan pôs a mão na caixa de madeira que trazia presa ao cinto.
— Tive de prometer a Kalak que só usaria Kildering numa emergência — disse. —
Ainda acontece que nem sabemos o que há nesta caixa. Não acredito que exista uma
ferramenta capaz de tirar-nos daqui.
Rhodan ouviu o arcônida dar alguns passos na água que se acumulara no chão.
— Acho que devemos tentar — disse o lorde-almirante em tom insistente.
Rhodan desprendeu a caixa. Não era pesada, mas Kalak parecia ter uma confiança
irrestrita na ferramenta sagrada. Rhodan sorriu ligeiramente. Não tinham nada a perder se
fizessem uma experiência com Kildering. Era uma pena que estava tão escuro que não
podiam ver a ferramenta. Certamente nem estariam em condições de lidar com ela.
Rhodan segurou fortemente a tampa da caixa e abriu-a.
Kildering acordou.
***
Don Redhorse parou na entrada do edifício. Biodegradadores saíram correndo dos
edifícios vizinhos, atraídos pelo barulho dos tiros. Os anões que tinham saído em
perseguição de Gilliam também estavam voltando. Redhorse fez um grande esforço para
refletir calmamente por um instante e avaliar suas chances. Não podia permitir que seus
nervos se descontrolassem por causa da superioridade do inimigo.
As chances de chegar ao outro lado da praça eram bastante reduzidas. E não podia
fugir para os lados, pois já fora descoberto pelos regenerados que se aproximavam
correndo.
Redhorse tomou uma decisão desesperada. Voltou para dentro do depósito e abriu
às pressas algumas caixas. Finalmente encontrou um desintegrador pesado. Arrastou-o
para a entrada e deitou no chão.
Os gritos de triunfo dos biodegradadores, alguns dos quais se encontravam a apenas
cinqüenta metros de distância, fizeram com que Redhorse reconhecesse a verdadeira
extensão do perigo em que se encontrava. Sua vida estava em jogo. E não só a sua, mas a
de todos os tripulantes da Crest.
Redhorse atirou. A frente compacta dos inimigos desmanchou-se. Pelo menos vinte
anões foram derrubados pelo golpe energético. Não havia processo de regeneração que
pudesse salvá-los.
O ataque dos regenerados deteve-se diante do fogo do desintegrador.
Redhorse ficou na expectativa. Esperava outro ataque dos anões, mas eles o
surpreenderam retirando-se para dentro das casas. Dali a pouco abriram um fogo de fuzil
bem nutrido contra ele. Redhorse foi obrigado a recuar para o interior do depósito.
Arrastou algumas caixas e abrigou-se atrás delas. Dali a instantes apareceram alguns
anões na entrada. Redhorse matou-os a tiros de desintegrador.
O cheiene estava com os lábios ressequidos. Suas mãos tremiam.
“Mutações negativas”, pensou. “São os piores inimigos de todas as formas de vida
inteligente.”
Mas a consciência o acusava. Apesar de tudo...
Redhorse sentiu-se aliviado porque não houve outro ataque. Provavelmente havia
alguns atiradores de elite postados do lado de fora, à espera do momento em que saísse.
Sem tirar os olhos da entrada, o cheiene procurou acomodar-se da melhor forma
possível atrás das caixas. Sabia perfeitamente que estava próximo à exaustão completa.
Nem se atrevia a pensar em Whip Gilliam. Não havia a menor dúvida de que o sargento
caíra nas mãos dos anões.
As reflexões de Redhorse foram interrompidas por um berreiro tremendo. Levantou
a cabeça e espiou por cima das caixas. O quadro que se descortinou diante dele
confirmou seus piores receios. Os biodegradadores estavam tangendo um sáurio pela
praça.
Redhorse agarrou firmemente o acionador da arma de desintegração. Certamente
precisaria de um canhão energético para dar cabo de um monstro destes. Os anões
usariam seu poder hipnótico para obrigar o monstro a atacá-lo.
O corpo gigantesco foi passando pela entrada. O monstro soltou mais um berro. As
batidas de seus pés faziam tremer o chão. A cauda chicoteou as paredes do depósito. O
edifício sofreu fortes abalos. Lascas de madeira choveram sobre a cabeça de Redhorse.
Os biodegradadores estavam gritando. Parecia que o animal lhes causava problemas.
Redhorse perguntou-se se o monstro passaria pelo portão. Certamente abriria
caminho de qualquer maneira.
O corpo enorme apareceu de novo junto à entrada, não deixando que a luz do dia
entrasse. Redhorse cercou os dentes e atirou. O sáurio trombeteou em tom estridente e foi
entrando no depósito. As vigas mestras do edifício, rangeram perigosamente. Redhorse
voltou a atirar, mas não atingiu nenhum lugar vulnerável. Os tiros abriam crateras de
alguns metros de largura no corpo do monstro. Redhorse ouviu o estalo das madeiras,
quando o gigantesco animal esticou o corpo, rompendo repentinamente a cobertura do
depósito. Uma das pernas de tronco descansou sobre a pilha de caixas atrás da qual estava
abrigado o cheiene, esmagando-a de vez.
Redhorse rolou de lado. Suas ações eram puramente instintivas. Conseguiu atingir a
perna do sáurio. O gigante inclinou o corpo para a frente. Algumas peças do telhado
desprenderam-se e caíram, mas Redhorse estava deitado embaixo do corpo do monstro,
onde não podia ser atingido pelos fragmentos. A fumaça e o cheiro desagradável quase
deixaram inconsciente o astronauta. Sabia que não poderia atirar mais, pois neste caso o
monstro poderia cair sobre ele. Quase não se via mais nada.
De repente clareou em torno do terrano. Redhorse virou-se abruptamente. Viu no
meio da fumaça uma brecha na parede dos fundos, aberta pela cauda do monstro.
Redhorse fez um esforço tremendo, pegou o desintegrador e saiu cambaleando em
direção à abertura. Atrás dele o edifício desmoronou sobre o gigante moribundo.
Redhorse caiu atrás dos fragmentos. Estava exausto. Estava deitado na lama, entre alguns
troncos. Levantou a cabeça e viu que se encontrava em plena rua. Não havia sinal dos
biodegradadores. Certamente estavam reunidos na praça. Não deviam ter a menor dúvida
de que o inimigo estava morto.
Redhorse largou a arma, pois estava fraco demais para carregá-la. Conseguiu chegar
ao outro lado da rua. Enfiou-se embaixo de uma ponte de madeira e ficou deitado,
exausto.
Matara alguns biodegradadores e um sáurio. Mas não valera a pena.
A Crest III continuava em poder dos regenerados.
Redhorse limpou a sujeira que cobria seu rosto e apoiou-se na parte dianteira do
passadiço de madeira.
“Maheo abandonou o último de seus filhos”, pensou Redhorse. Naquele momento
era apenas um índio cheiene, que suportava seu destino com o maior estoicismo. Mas
seus pensamentos rebelaram-se contra o inevitável e não queriam conformar-se com a
fraqueza do corpo.
***
Onde?
A indagação telepática veio de surpresa, e atingiu Rhodan com a força de uma
pancada. Sem que ele quisesse, o subconsciente deu as informações.
Ollura. O único planeta de um pequeno sol vermelho, na área limítrofe da nebulosa
de Andrômeda. Fica a cinco meses-luz de KA-barato.
Rhodan sentiu a satisfação de quem formulara a pergunta, como se ele mesmo a
estivesse experimentando.
Quem?
“Tenho de orientá-lo”, pensou Rhodan, desesperado. “O que está acontecendo?”
Seu subconsciente logo deu a resposta.
Aliados do engenheiro cósmico Kalak. Cinco mil seres vindos de uma galáxia
vizinha. Amigos.
Notou-se uma atitude de reserva a prudência no pensamento de quem acabara de
formular a indagação.
A pergunta seguinte foi formulada de maneira hesitante.
Quando?
Dezessete de janeiro de dois mil quatrocentos e quatro, tempo terrano.
Com esta resposta precisa, que Rhodan forneceu prontamente, o ser que formulara
as indagações teve conhecimento de praticamente todos os dados relativos ao sistema
complexo de marcação de tempo dos terranos.
Rhodan apoiou as costas na parede úmida da cova, sem dar-se conta de que ainda
segurava a caixa. Ouviu Atlan murmurar alguma coisa em plena escuridão.
— Alguém acaba de entrar em contato telepático conosco — disse Rhodan.
— Fui eu. Kildering — disse a voz telepática.
— A ferramenta sagrada! — exclamou Atlan, alarmado. — Ela vive.
Houve uma vigorosa negativa. A seguir foi transmitida a imagem mental de uma
massa gelatinosa, formada por seis milhões de minúsculas unidades.
— Unidades? — a voz de Rhodan tinha um tom abafado. — Que vem a ser isso?
— São conchas! — Kildering revelou certo alívio ao transmitir esta palavra à mente
dos dois astronautas. — De cada concha só uma parte microscópica. Capacidade de
armazenamento, capacidade de armazenamento, capa...
— Já compreendi! — gritou Rhodan, mas Kildering já deduzira de seus
pensamentos que ele não compreendia tudo.
— É um computador vivo — disse Atlan. — Os cibernéticos terranos também
fizeram experiências com invertebrados, antes que fossem inventados os cérebros
positrônicos. Descobriram uma espécie de concha cuja substância orgânica gelatinosa era
capaz de armazenar um volume muito maior de informações que os quadrinhos com
transistores que se usavam naquele tempo.
— Acontece que são seis milhões — disse Rhodan. — Dormindo numa caixa e com
o dom da telepatia.
— Seis milhões de unidades — disse Atlan, estarrecido. — É possível que em cada
unidade...
— Um milhão de informações por unidade — disse Kildering prontamente.
Mais uma vez notou-se uma rejeição violenta, quando Rhodan pensou em Kildering
como um ser vivo.
— Sou uma ferramenta! — a transmissão mental foi bastante enfática. — Trabalho.
Disponho praticamente de todos os conhecimentos que os engenheiros cósmicos haviam
adquirido.
— Acontece que você pensa — objetou Rhodan. — Qualquer coisa capaz de pensar
logicamente ou desenvolver sentimentos instintivos tem vida.
— Gostaria de saber como isso funciona — interveio o arcônida.
— Quase não preciso de nenhuma energia — respondeu Kildering. — Sou
modesto. Modesto. Modesto.
— Isso não explica nada — retrucou Atlan. — Como você absorve as informações?
— Por via telepática, que é o melhor meio — pensou a ferramenta sagrada. —
Estou informado sobre todos os acontecimentos que se verificaram a partir do momento
em que vocês desceram em Ka-barato.
Kildering formou a imagem mental da Crest III e transmitiu aos dois homens sua
tristeza pela perda que tinham sofrido.
— A coisa tem sentimento — murmurou Atlan.
— São reflexos telepáticos. Emoções produzidas por impulsos mentais. São vocês
que estão criando os sentimentos.
Rhodan tentou imaginar a figura que jazia na caixa à sua frente. Seis milhões de
peças gelatinosas extremamente pequenas reunidas. Cada uma delas dispunha de um
milhão de informações armazenadas.
— Como foi que Kalak e seus colaboradores conseguiram criar uma coisa destas?
— perguntou Atlan.
— Foi uma experiência. Os engenheiros cósmicos conseguiram reunir duas mil
unidades. Mas Kildering passou a trabalhar de forma independente. Os engenheiros
passaram a guiar-se por suas instruções.
— Por que parou de crescer? — perguntou Rhodan. Mal sentia o suor frio que
porejava em sua testa.
— Seis milhões de conchas são muita coisa — pensou Kildering. — Especialmente
quando se trata de uma espécie rara. A capacidade esgotou-se. Talvez fosse bom, pois
tenho meus limites.
Rhodan imaginava que várias horas se passariam antes que pudessem compreender
em todas as suas conseqüências a palestra telepática que acabavam de manter.
— Por que não pôde ajudar os ambulantes em sua luta com os senhores da galáxia?
— perguntou Atlan.
— Salvei Kalak, porque segundo a lei da probabilidade continuava em aberto a
possibilidade de muitos engenheiros cósmicos conseguirem fugir. E agora vieram vocês
e ajudarão Kalak.
— Quem precisa de auxílio somos nós — lembrou Rhodan. — No momento não
podemos fazer nada por Kalak. Por que ele não o tirou mais cedo de sua caixa?
— Kalak é mudo — respondeu Kildering, triste. — Quando meus conhecimentos
aumentaram além da medida, os engenheiros cósmicos não quiseram que eu
armazenasse informações supérfluas através de indagações telepáticas. Conseguiram
isolar de mim todos os ambulantes que trabalhavam no projeto da ferramenta sagrada.
Não posso entrar em contato com Kalak. Portanto, só posso ajudá-lo por intermédio de
outra pessoa.
— Mas ele o venera, embora saiba que não passa de um conjunto de bolinhas de
gelatina.
Rhodan fechou a caixa, mas nem por isso o contato telepático foi interrompido.
— Kalak honra o conhecimento de seu povo — pensou Kildering, orgulhoso.
Rhodan lembrou-se de que o sentimento de orgulho tinha origem numa reflexão
telepática, segundo dizia Kildering, e só era percebido por ele e Atlan. — Não existe
nada mais grandioso para um engenheiro cósmico que uma excelente instrução e um
tesouro de conhecimentos que lhe permita ocupar-se com todas as espécies de
problemas.
— Você é uma máquina indispensável — disse Rhodan. — Por que Kalak não o
usou assim que chegamos a KA-barato? Naquele tempo já poderíamos ter estabelecido o
contato.
— Só posso resolver um problema dentro de certo lapso de tempo — disse a
resposta telepática. — Minha fraqueza reside no fato de ser obrigado a executar um
intercâmbio ininterrupto de informações. Em outras palavras, para cada elemento que
armazeno tenho de expelir outro. É um processo extremamente complicado, pois sou
obrigado a pesar o valor de cada informação em relação às outras. Se trabalhasse
ininterruptamente, o intercâmbio constante dos dados certamente criaria a confusão.
— Você enlouqueceria — constatou Atlan, indiferente. “Seis milhões de bolinhas
de gelatina loucas”, pensou
Rhodan, que já começava a recuperar-se do espanto. Representariam um perigo para
seu dono, pois forneceriam dados falsos.
— Suas preocupações não têm razão de ser — prosseguiu Kildering em seus
pensamentos. — Posso ajudá-los a resolver o problema. Vocês irão à cidade assim que
raiar o dia. Acredito que lá encontrem um ou mais tripulantes do ultracouraçado que
conseguiram libertar-se.
— Como soube? — perguntou Atlan, estupefato.
— Não sei, mas deve ser isso. Há cinco mil tripulantes na Crest. Pela interpretação
dos dados que fiz, pelo menos dois homens conseguirão fugir nas condições atuais.
Rhodan levantou a cabeça. A escuridão já estava cedendo. Rhodan distinguia
vagamente os contornos dos troncos que fechavam a cova.
— Como faremos para sair daqui? — perguntou.
— As paredes da cova amoleceram com a chuva — pensou a ferramenta sagrada
dos engenheiros cósmicos. — Será fácil retirar uma porção de terra, fazendo com que
alguns troncos caiam. Vocês poderão subir por eles.
— Você é a melhor ferramenta com que já trabalhei — disse Atlan.
— De fato — respondeu Kildering. — As informações de que disponho confirmam
a exatidão desta afirmativa.
Rhodan sentiu que Atlan estava olhando para ele. Como que a um sinal, os dois
homens soltaram uma gargalhada de alívio.
— Comecem a trabalhar — advertiu Kildering. — Não pode haver nenhuma falha
no cronograma.
5

Don Redhorse seria incapaz de dizer se adormecera de tão cansado que estava ou se
ficara inconsciente. De repente foi despertado pelo barulho de um sáurio. A chuva parara,
e a temperatura subira mais.
Redhorse apoiou-se nas mãos e nos joelhos e saiu rastejando em direção à
extremidade do passadiço de madeira. Cada movimento que fazia provocava dores, mas
apesar disso sentia-se bem mais forte do que se sentira logo depois da luta que travara
com o sáurio no interior do depósito.
Pôs-se a observar a rua. Alguns biodegradadores tangiam um sáurio pela rua. Havia
um gigantesco tronco amarrado com várias cordas. O sáurio arrastava este tronco. Ao que
parecia, os regenerados usavam este método para aplainar a rua.
O gigantesco animal não parecia gostar do trabalho que estava fazendo.
Constantemente soltava gritos de protesto, mas não conseguiu subtrair-se à influência
hipnótica exercida pelos anões.
Redhorse voltou a recolher-se ao seu esconderijo. De vez em quando ouvia o tronco
puxado pelo sáurio bater nos passadiços de madeira que ficavam de cada lado da rua. Os
biodegradadores gritavam todos ao mesmo tempo, fazendo ainda mais barulho que o
gigantesco animal. Redhorse esperou pacientemente que a estranha coluna de
trabalhadores desaparecesse numa curva da rua antes de arriscar-se a sair de baixo do
passadiço.
Não havia nenhum inimigo à vista. Redhorse não sabia se nas casas havia alguém
que pudesse observá-lo no momento em que estivesse atravessando a rua. Ouvia-se o
barulho de um comando de limpeza, vindo do depósito que acabara de ser destruído. Para
o major isso significava que no momento não poderia voltar para lá. Amaldiçoou a
própria fraqueza, que fizera com que novamente ficasse sem uma arma.
Não se iludiu. Suas esperanças não se tinham cumprido. Cometera o erro de
subestimar os biodegradadores. Os anões também cometiam seus erros, mas nem por isso
um homem isolado seria capaz de desenvolver uma ação decisiva contra eles.
Redhorse sabia que a alternativa que se abria diante dele era a de voltar para a Crest
III, entregando-se aos regenerados, ou ficar alojado não se sabia até quando embaixo de
pontes de madeira, fugindo constantemente.
Lembrou-se de Whip Gilliam. Gostaria de saber se o sargento ainda estava vivo.
Quem sabe se Gilliam não conseguira fazer alguma coisa? Redhorse sacudiu a cabeça.
Era um absurdo pensar nessa possibilidade.
Teve a impressão de que não correria nenhum perigo se cruzasse a rua e saiu de vez
de baixo do passadiço. Quando ficou de pé, sentiu uma tontura.
Levou alguns segundos para superar o ataque. Atravessou a rua. Subiu no passadiço
de madeira e entrou numa viela estreita que seguia entre dois edifícios. Chegou aos
fundos dos edifícios sem que ninguém se interpusesse em seu caminho. Estava na
periferia da cidade. A cerca de troncos ficava a trezentos metros do lugar em que se
encontrava.
Redhorse sabia que se encontrava no ponto mais afastado do campo de pouso. As
casas impediam a visão paira o ultracouraçado. Obliquamente à sua frente havia alguns
campos de cultura dos biodegradadores. Redhorse viu alguns anões trabalharem nestes
campos.
Perguntou-se se devia entrar em um dos edifícios. Talvez encontrasse armas e
alimentos em um deles. Mas logo abandonou o plano, pois não sabia se havia
regenerados no interior das casas. Quase todos os habitantes da povoação pareciam
ocupados no campo de pouso, mas os incidentes que tivera no depósito provavam que por
ali ainda havia um número suficiente de anões para criar dificuldades a um homem
isolado.
Redhorse sabia que sua indecisão momentânea era causada principalmente pelo fato
de não saber o que poderia fazer para melhorar a situação em que se encontrava. Não
estava em condições muito melhores que os prisioneiros dos biodegradadores.
O ar quente e úmido também contribuía para piorar seu estado. As vestes estavam
enxugando junto ao corpo. Estavam incrustadas de sujeira. Além disso a idéia de
encontrar-se a 1.450.000 anos-luz de seu sistema solar não o abandonava.
O cheiene ouviu um ruído e virou-se abruptamente. Abaixou-se, pronto para
defender-se, ao registrar um movimento pelo canto do olho.
Quase no mesmo instante uma voz bem familiar se fez ouvir.
— Não fique nervoso, Major Redhorse.
Rhodan e Atlan saíram da sombra da casa mais próxima e aproximaram-se.
Redhorse piscou os olhos, perplexo.
— Como vieram parar aqui? — grasnou em tom de incredulidade.
Perry Rhodan bateu com o dedo contra a caixa de madeira que trazia presa ao cinto.
— Foi Kildering que nos guiou — disse.
Redhorse viu Atlan sorrir. Já não compreendia mais nada.
— Pensei que tivesse sido Gucky que o tirou da Crest, juntamente com Atlan,
senhor — disse. — Pensei que tivesse ficado em KA-barato.
— Ficamos mesmo — confirmou Rhodan. — Acontece que além de nós o rato-
castor recolheu um caça-mosquito dos hangares do ultracouraçado. Entramos nele e
viemos para Ollura. Gucky e Kalak regressaram ao estaleiro espacial, a fim de fabricar
trajes protetores para Atlan e para mim.
Redhorse foi-se recuperando aos poucos.
— Trajes protetores? — repetiu. — Para que, senhor?
— Se quisermos reconquistar a Crest, teremos de movimentar-nos em seu interior
sem inspirar o gás narcotizante — respondeu Atlan.
Redhorse nem se esforçou mais para disfarçar o tremendo alívio que estava
sentindo. O cansaço e os sofrimentos que experimentara tinham perdido toda
importância.
— O senhor é o único tripulante que conseguiu fugir? — perguntou Rhodan.
O cheiene respondeu que não.
— O sargento Whip Gilliam esteve comigo até poucas horas atrás. Distraiu a
atenção dos biodegradadores, para que eu pudesse conseguir uma arma — Redhorse
baixou a cabeça. — Apoderei-me de um desintegrador pesado, mas depois de uma luta
com um sáurio fiquei tão fraco que não pude carregar mais a arma.
— Onde está Gilliam? — perguntou Rhodan.
— Receio que os biodegradadores o tenham prendido. — Redhorse passou a mão
pelo uniforme imundo, dando a impressão de que se sentia embaraçado. — Tomara que
não tenha morrido — acrescentou com a voz apagada.
— Gilliam não esteve em Gleam com o senhor? — perguntou Rhodan. — Já o
conhece há muito tempo?
— Só passei a conhecê-lo na noite passada — respondeu Redhorse.
— O senhor sabe que não podemos perder tempo procurando um único homem,
quando a vida da tripulação da Crest está em jogo — disse Rhodan. Redhorse acenou
levemente com a cabeça, e o Administrador-Geral prosseguiu. — Faço votos de que
Gucky e Kalak voltem antes do pôr-do-sol. Até lá precisamos examinar a Crest de perto,
para termos uma idéia do que devemos esperar quando formos para lá.
— O campo de pouso está atulhado de biodegradadores — informou Redhorse. —
Os anões mantêm ocupada a sala de comando. Não permitem a entrada de nenhum dos
tripulantes que se encontram sob sua influência hipnótica. É bem verdade que não
tomaram outras precauções. Há pelo menos três ou quatro sáurios nas proximidades da
nave. Os animais ajudam os regenerados a transportar cargas trazidas da nave pelos
homens da Crest.
Rhodan pôs-se a refletir por um instante.
— Se os anões estão saqueando a Crest, podemos ser levados a concluir que no
momento não pretendem fazer decolar a nave.
— Só estão retirando peças sobressalentes e armas — disse o cheiene. — Acho que
pretendem decolar assim que tenham concluído este trabalho.
— O processamento que fiz dos dados deu o mesmo resultado — explodiu uma voz
telepática no cérebro de Redhorse.
— O que...? — principiou o oficial.
— Foi Kildering — informou Perry Rhodan. — É a ferramenta sagrada dos
engenheiros cósmicos. Foi-me entregue por Kalak. Ele lhe explicará a situação muito
mais depressa do que eu poderia fazer exprimindo-me em palavras.
Até parecia que Kildering queria confirmar as palavras de Rhodan, pois forneceu
uma ligeira explicação telepática a Redhorse.
— É um computador vivo — disse Redhorse em tom de incredulidade, assim que a
transmissão mental chegou ao fim.
Kildering protestou enfaticamente. Rhodan sorriu para o cheiene.
— Ele não gosta de ser considerado um ser vivo. Não passa de uma ferramenta.
— Não passa de uma ferramenta — repetiu Redhorse, perplexo. — Queira
desculpar, senhor, mas volto a ter minhas dúvidas de que o senhor e Atlan realmente se
encontrem à minha frente. Talvez esteja louco.
— O senhor está em seu estado normal — garantiu Rhodan. — Vamos dar uma
olhada no campo de pouso.
6

No momento em que Gucky fez entrar o caça-mosquito no espaço normal, nas


proximidades de Ollura, foi recebida uma hipermensagem, expedida por Bitzos, um dos
tripulantes da Crest III. O comandante dos regenerados intimava os demais povos da
nebulosa de Andrômeda a se submeterem ao seu domínio. Bitzos ameaçou aqueles que
não atendessem à intimação com uma guerra de retaliação, que o anão provavelmente
pretendia travar com o ultracouraçado.
Gucky desligou o alto-falante. Estava furioso.
— Onde já se ouviu tamanha bobagem? — disse, dirigindo-se a Kalak, que estava
sentado na poltrona de trás. — Este idiota fica trombeteando seu sucesso pelo espaço. É
capaz de atrair algumas espaçonaves estranhas.
Kalak puxou nervosamente a barba.
— Temos de apressar-nos — disse. — Não querem que os senhores da galáxia
tenham a atenção despertada para nós.
O rato-castor colocou a Kildering numa órbita em torno de Ollura. Deixou os
controles por conta do atravessador de estruturas. Dirigiu-se à eclusa, onde estavam
guardados os trajes protetores de Rhodan e Atlan, fabricados por Kalak. O ambulante
confeccionara uma versão aperfeiçoada de máscara respiratória para Gucky.
— Saltarei nas imediações de Boltra — disse Gucky.
Boltra era a única cidade dos regenerados. Bitzos mencionara o nome em sua
hipermensagem.
— Uma vez lá, não demorarei a encontrar Rhodan e o arcônida. Voltarei com
Rhodan — lançou um olhar desconfiado para o ambulante.
— Você acha mesmo que será capaz de pilotar este aparelho se houver algum
imprevisto?
Kalak não pôde deixar de rir da preocupação de Gucky.
— Naturalmente — asseverou. — Já prendi a lidar em muito menos tempo com
máquinas bem mais complicadas.
O rato-castor não gostou da presunção do engenheiro cósmico. Bem que gostaria de
bancar o professor por mais algum tempo, mas Kalak não lhe deu oportunidade para isso.
Um tanto contrariado, Gucky saiu arrastando os pés em direção à eclusa e colocou a
máscara respiratória. Kalak cumprimentou-o com um gesto amável.
Gucky permitiu-se uma brincadeira. Fez a poltrona do ambulante cair para trás.
— Telecinesia — observou Kalak com a maior calma. — É formidável ver isso
funcionar.
Gucky mostrou-se decepcionado e passou a concentrar-se no salto de teleportação.
O interior do caça-mosquito desmanchou-se diante de seus olhos.
O rato-castor materializou na periferia da cidade, junto a uma cerca feita de troncos.
Olhando entre as casas, via o campo de pouso. A Crest III continuava estacionada no
mesmo lugar em que a tripulação hipnotizada a fizera pousar. Gucky procurou orientar-
se. Captou inúmeros fluxos mentais emitidos por biodegradadores. No meio deles sentiu
os pensamentos apáticos dos homens hipnotizados que se encontravam a bordo do
ultracouraçado. Levou somente alguns segundos para registrar as emanações mentais de
Rhodan e Atlan. Preparou um novo salto de teleportação e atingiu praticamente num
tempo zero a extremidade oposta do campo de pouso.
Rhodan, Atlan e Redhorse estavam escondidos atrás da cerca de troncos. Do lugar
em que se encontravam viam perfeitamente a eclusa de carga da Crest III.
— Ainda bem que voltou — disse Rhodan, cumprimentando o rato-castor. — Daqui
a pouco vai escurecer.
Gucky não tomou conhecimento das palavras de Rhodan. Concentrou-se nos
estranhos impulsos mentais que estava captando. Rhodan soube interpretar a expressão
rígida do olhar do rato-castor.
— O que você está sentindo é Kildering — explicou.
Gucky deixou cair o queixo. Poucas vezes captara uma mensagem telepática tão
clara e intensa como naquele momento. Sem dúvida neste ponto as capacidades da
ferramenta sagrada superavam as suas.
— Fui criado especialmente para este fim — transmitiu Kildering. — Sempre
existe uma diferença entre um dom natural e a capacidade de uma ferramenta.
— Uma ferramenta? — balbuciou Gucky, olhando alternadamente para Rhodan,
Atlan e o imundo Redhorse.
— Por que Kalak nunca nos disse que tesouro mantinha guardado nesta caixa?
— Talvez tinha medo de que você tivesse vontade de comer conchas — disse Atlan.
— Esta colocação é totalmente inadequada, até mesmo em sentido humorístico —
interveio Kildering. — O consciente do rato-castor revela claramente que ele prefere um
legume chamado cenoura, que cresce principalmente no planeta em que nasceu Rhodan.
Acho que esta informação não é importante, e por isso não vale a pena trocá-la por
outra já armazenada dentro de mim.
— As cenouras são a coisa mais importante que existe. — retrucou Gucky, furioso.
— É bom não se esquecer disso.
— A voracidade é uma característica que nem sempre pode ser considerada
elogiável — respondeu Kildering. — É o que deduzo do pensamento de Rhodan.
— É mesmo? — resmungou Gucky, cerrando ameaçadoramente o punho para
Rhodan. — Só assim fiquei sabendo como você pensa a meu respeito em seu
subconsciente.
— Só estou interessado em saber se Kalak conseguiu fabricar os trajes protetores —
disse Rhodan.
— Naturalmente — respondeu Gucky. — A idéia de mandar-me de volta com o
ambulante até que não foi má. Pude ajudá-lo na confecção do equipamento.
— Ah, ah, ah! — fez Atlan. — Com suas duas patas esquerdas você nem sequer
seria capaz de prender um parafuso.
Gucky fez um gesto de desprezo.
— Nunca me rebaixaria a desempenhar uma atividade subalterna como esta —
afirmou. — O auxílio que prestei foi de outra espécie.
— Algum auxílio espiritual? — conjeturou Rhodan.
— Foi um auxílio artístico — respondeu Gucky, orgulhoso.
Rhodan e Atlan entreolharam-se, estupefatos.
— Quem sabe se Gucky pintou os trajes com tinta luminosa? — perguntou
Redhorse.
— Não — Gucky sacudiu fortemente a cabeça. — Servi de modelo.
— Você serviu de modelo? — repetiu Rhodan, estarrecido. — Quer dizer que na
confecção de nossos trajes protetores foram consideradas as mesmas desvantagens
anatômicas que você apresenta.
Kildering interveio nos debates.
— Essa discussão não tem nenhuma lógica e só pode prejudicar nossos planos.
Acho que deveríamos cuidar de coisas mais importantes.
Antes que Rhodan pudesse dar uma resposta, a conversa foi interrompida pelo ruído
dos propulsores. Os três homens e Gucky olharam fixamente para a Crest III, cuja eclusa
de hangar se estava abrindo. Dali a pouco cinco caças-mosquito saíram da nave.
— Fizeram sair alguns caças-mosquito! — exclamou Rhodan, surpreso. — Porque
será?
— Os regenerados devem ter detectado a presença da Kildering e certamente deram
ordem a cinco pilotos para derrubá-la — conjeturou Atlan.
— É a explicação correta — transmitiu Kildering. — Temos de entrar em ação
imediatamente.
Rhodan dirigiu-se ao arcônida.
— Fique à nossa espera aqui, juntamente com Redhorse — decidiu. — Gucky e eu
saltaremos para a Kildering. Gucky trará para cá os trajes, além de Kalak. Redhorse vai
colocar meu traje. Tentem chegar à sala de comando de emergência da Crest. Enquanto
isso distrairei a atenção dos pilotos dos cinco mosquitos.
A idéia de que eventualmente teria de travar uma batalha aérea fez com que Rhodan
cerrasse os lábios, zangado.
Segurou o braço de Gucky.
— Vamos, baixinho! — ordenou. — Atlan e Redhorse saberão o que fazer no
interior da Crest.
— Deixe o mosquito por minha conta — gritou Redhorse, mas Rhodan e Gucky já
tinham desmaterializado.
Quando apareceram no MJ-C 23, Kalak levantou-se de um salto. Rhodan examinou
imediatamente os rastreadores. Os cinco caças-mosquito que tinham saído da Crest ainda
não se tinham aproximado perigosamente.
— Que houve? — perguntou Kalak, que compreendera imediatamente que houvera
um imprevisto.
— A Kildering foi detectada — respondeu Rhodan laconicamente. — Os
regenerados obrigaram cinco dos nossos pilotos a atacar este aparelho.
Kalak confirmou com um gesto. Lançou um olhar para a caixa presa ao cinto de
Rhodan.
— Kildering — quase chegou a gritar o nome. — O senhor utilizou a ferramenta
sagrada.
Rhodan deu de ombros. Sabia que não podia esconder a verdade do engenheiro
cósmico.
— Ele agiu corretamente — transmitiu Kildering de forma tranqüilizadora. —
Tudo acabará bem.
— E agora? — perguntou Kalak em tom menos violento, assim que Gucky lhe
transmitiu os pensamentos de Kildering.
— O senhor terá de voltar à superfície do planeta, juntamente com Gucky, levando
os trajes protetores, para entrar em nossa espaçonave. Atlan e Redhorse sabem o que
fazer.
— Redhorse? — perguntou Kalak.
— Trata-se de um oficial que conseguiu escapar de dentro da nave.
Rhodan notou que Kalak estava hesitando. O terrano lançou um olhar preocupado
para os rastreadores. Os aparelhos que se aproximavam só levariam mais alguns minutos
para colocar-se à distância de tiro.
— Depressa! — insistiu.
Gucky e o ambulante desapareceram no interior da eclusa. Rhodan esperava que
bastasse um único salto de teleportação para que o rato-castor retirasse o engenheiro e os
trajes protetores da Kildering. Deu dois passos em direção ao assento do piloto.
Desprendeu do cinto a caixa em que estava guardada Kildering e colocou-a no chão.
Depois deixou-se cair no assento e assumiu os controles.
— Pronto? — gritou, virando a cabeça para trás.
— Pronto! — respondeu Gucky.
Dali a pouco Kildering informou telepaticamente que os dois não se encontravam
mais a bordo. Rhodan recostou-se no assento, aliviado. Queria aproveitar os momentos
de paz que ainda lhe restavam para concentrar-se. Se não fosse o ativador de células, não
estaria em condições de pilotar a Kildering. Sentir-se-ia cansado demais.
Lançou um olhar para os rastreadores. Via-se perfeitamente que os caças que se
aproximavam voavam em formação de combate. Rhodan perguntou-se quem seriam os
escolhidos dos biodegradadores para pilotar estes aparelhos. Não teria alternativa. Seria
obrigado a atirar em homens que eram seus amigos.
Rhodan fez o MJ-C 23 descer mais. Nas camadas superiores da atmosfera seria
mais fácil controlar o caça-mosquito. Sabia que deveria retardar ao máximo a batalha
aérea, para que Atlan e seus companheiros tivessem oportunidade de entrar na Crest III.
Os biodegradadores concentrariam sua atenção nos acontecimentos que se desenrolariam
nos céus, relaxando a vigilância da nave.
Com o auxílio de Gucky talvez seria possível acionar o comando de emergência
instalado no interior da Crest III.
Quando os cinco atacantes se encontravam a distância de tiro, Rhodan fez a
Kildering cair um pouco. Não teve dúvida em usar o canhão energético.
— Suas preocupações não têm razão de ser — telepatou Kildering neste instante.
— Você sobreviverá à batalha. Os cinco homens que pilotam os outros aparelhos
também continuarão vivos.
— Como pode ter tanta certeza? — perguntou Rhodan.
— Isto resulta das informações que recebi nestes últimos segundos — respondeu
Kildering.
— E a Crest? — perguntou Rhodan, enquanto fazia a Kildering descer ainda mais
na atmosfera. — Vamos reconquistá-la?
Rhodan teve uma surpresa, pois desta vez não houve resposta. Teve a impressão de
que a ferramenta sagrada queria ocultar um pensamento doloroso, mas devia estar
enganado. Kildering não era capaz de experimentar qualquer sentimento; somente podia,
por meio de suas reflexões telepáticas, produzir sentimentos em outros seres.
Os cinco veículos espaciais atacantes espalharam-se em cima do MJ-C 23,
preparando-se para entrar em mergulho. Rhodan sorriu, mas acabou fazendo uma careta.
Sabia que os homens que estavam nos controles dos mosquitos eram bons pilotos. Mas
tinham uma desvantagem. Estavam sob a influência do gás orgânico e tinham sido
hipnotizados, o que certamente causaria um retardamento em suas reações.
Rhodan reduziu a velocidade e esperou que os cinco caças mergulhassem.
Cercaram-no numa manobra que quase chegava a ser acadêmica. Rhodan descreveu uma
curva fechada e acelerou de repente. Ouviu alguns lampejos atrás dele. Eram os canhões
energéticos dos caças.
— Eles vão esquentar o ambiente para nós — disse Rhodan, dirigindo-se a
Kildering.
— E como! — confirmou a ferramenta sagrada do engenheiro cósmico.
A Kildering penetrou em alta velocidade numa espessa camada de nuvens. Por
alguns instantes os perseguidores desapareceram diante dos olhos de Rhodan. Mas ele
não deixou que isto o enganasse. Dificilmente conseguiria fugir, pois os pilotos dos
outros aparelhos poderiam acompanhar a rota do MJ-C 23 com os rastreadores
O caça-mosquito pilotado por Rhodan dirigiu-se à face noturna de Ollura. Mas
Rhodan não pretendia afastar-se muito da cidade dos biodegradadores Fez subir o
aparelho. Os atacantes seguiram-no imediatamente. Rhodan concentrou-se na mira ótica
do canhão energético.
Os pilotos dos outros caças certamente não esperavam que o homem que estava no
comando do aparelho que perseguiam, e que só parecia interessado em fugir, de repente
resolvesse enfrentá-los.
***
Gucky e Kalak materializaram bem à frente de Atlan e Redhorse. O engenheiro
cósmico entregou os trajes protetores aos dois homens que tinham estado à sua espera.
— Preciso descansar um instante — disse Gucky. — Os saltos de teleportação
seguidos a grande distância são extenuantes. E não quero materializar no interior da Crest
em estado de exaustão.
Atlan acenou com a cabeça e fez um sinal para que Redhorse se aproximasse.
— Vamos, major! Devemos experimentar os trajes fabricados por Kalak.
Os trajes tinham sido feitos com um material fino, quase transparente, de um peso
específico incrivelmente baixo. Os conjuntos de oxigenação e os capacetes também não
pesavam quase nada.
Atlan enfiou o traje por cima da cabeça.
— O senhor criou uma obra-prima em tempo curto — disse, dirigindo-se a Kalak.
— Este tipo de trabalho dá prazer à gente — respondeu o ambulante, que se sentia
lisonjeado. — O senhor verá que estes trajes não falham, sejam quais forem as condições
de pressão. O material de que são feitos resiste ao calor e ao frio. Não há motivo para
recear que qualquer de suas peças entre em pane.
Atlan sorriu e regulou o suprimento de oxigênio. Redhorse também colocou seu
traje protetor. Gucky apoiou-se na cerca de troncos, enquanto Kalak caminhava
nervosamente de um lado para outro.
De repente ouviu-se o rugido de jatopropulsores, vindo das camadas de nuvens.
Atlan lançou um olhar preocupado para o céu crepuscular. Lá em cima Perry Rhodan
lutava sozinho contra cinco pilotos bem treinados, que os regenerados tinham obrigado a
lançar o ataque.
Gucky também ouviu o barulho. Afastou-se repentinamente da cerca e dirigiu-se a
Atlan.
— Acho que por enquanto só Atlan e eu devemos saltar para dentro da nave. Se a
sala de comando de emergência não estiver ocupada, virei buscar Kalak e Redhorse.
Atlan certificou-se de que o capacete de seu traje protetor estava perfeitamente
vedado. O rato-castor também controlou sua máscara respiratória. Feito isso, segurou a
mão de Atlan. O arcônida lançou mais um olhar para o ultracouraçado. Preocupava-se
mais com os homens hipnotizados que com os biodegradadores. Qual seria sua reação no
momento decisivo?
Atlan sentiu Gucky exercer uma pressão suave sobre sua mão. O rato-castor saltou
quase no mesmo instante. Atlan tomara a decisão de prestar atenção a eventuais
percepções sensoriais durante o processo de teleportação, mas mesmo desta vez
surpreendeu-se com a mudança de ambiente. Era como se houvesse uma mudança
abrupta de cenário durante a projeção de um filme.
Não havia biodegradadores nem tripulantes da Crest III na sala de comando de
emergência. Mas a iluminação e os controles e comandos ligados mostraram ao arcônida
que o suprimento de energia do ultracouraçado não fora interrompido. Nem por isso se
poderia afirmar que a nave decolaria imediatamente, mas o fato revelava que os
regenerados pretendiam usar dentro em breve a nave que haviam conquistado.
Gucky usou seus sentidos paranormais para “espiar” nas salas contíguas. Fez um
gesto tranqüilizador para Atlan.
— Não há ninguém por perto. Acho que não há perigo de que nos próximos
minutos entre alguém.
Atlan sabia que os comandos de emergência não poderiam ser manipulados por uma
única pessoa. Tratava-se de uma precaução destinada a evitar qualquer ação precipitada.
Os comandos só podiam ser acionados por dois homens ao mesmo tempo. Nem mesmo
Gucky seria capaz de ajudar o arcônida com seu dom telecinético, pois os relês tinham
sido construídos de tal maneira que seu funcionamento era interrompido diante de
qualquer acionamento que não fosse manual.
Era necessário trazer Redhorse para dentro da Crest III.
Atlan certificou-se de que todos os controles estavam ligados. Os comandos
também poderiam ser acionados a partir da sala de comando principal, mas esta tinha
sido ocupada pelos biodegradadores.
— Trarei Redhorse e Kalak — disse Gucky. — No momento você não corre
nenhum perigo.
O rato-castor levantou a máscara respiratória por um instante, mas logo voltou a
fechá-la.
— O gás dos regenerados continua ativo — disse. — Não tire o traje protetor.
— Nem penso nisso — respondeu Atlan, mas o rato-castor já tinha
desmaterializado.
O arcônida deu início aos poucos preparativos necessários ao acionamento dos
comandos de emergência. Rememorou o que aconteceria depois deste acionamento.
Na sala em que se encontrava ficava o computador de comando principal do
ultracouraçado, que reunia todas as programações. Este computador possuía uma
programação especial para o caso de a nave ser abordada por seres estranhos.
No momento em que o respectivo sinal fosse transmitido ao centro de computação,
todas as escotilhas se fechariam no interior da nave. Os campos defensivos seriam
ativados automaticamente. Além disso seriam produzidas ondas ultra-sonoras de grande
intensidade, que causavam paralisias nervosas, e o equipamento de climatização expeliria
gases narcotizantes. Em condições normais isso bastaria para rechaçar qualquer invasor.
Mas agora o caso era diferente. Havia cinco mil tripulantes no interior da nave, e
estes sem dúvida seriam atingidos pelas conseqüências do acionamento dos comandos de
emergência. Ficariam inconscientes por muito tempo. Por outro lado, não se sabia qual
seria a reação dos biodegradadores diante das ondas ultra-sonoras e do gás narcotizante.
Atlan achava que era possível que estes não afetassem os regenerados.
Se isso acontecesse, a ação desesperada de Atlan e seus companheiros seria inútil.
Os biodegradadores seriam privados do auxílio dos tripulantes da nave e não seriam
capazes de pilotar esta, mas a mesma coisa aconteceria com o grupo de Rhodan.
Atlan tinha suas dúvidas que conseguissem sozinhos expulsar os biodegradadores
da Crest III, se o resto da tripulação fosse colocado fora de ação.
Mas estes pensamentos não passavam de considerações teóricas. Era possível que a
realidade fosse bem diferente. Na situação em que se encontravam, o arcônida aceitaria
qualquer meio que pudesse ajudá-los. Atlan lamentou-se mais uma vez de que Rhodan
costumava mostrar-se tão indeciso toda vez que havia necessidade de lançar uma
operação militar contra um grupo de inteligências estranhas. Desde o início Atlan
manifestara a opinião de que os regenerados deviam ser destruídos. Rhodan recusara a
proposta. E agora ele e os tripulantes da Crest enfrentavam um grande perigo.
O arcônida se convencera mais de uma vez de que Rhodan era um homem enérgico,
que não recuava diante de qualquer conflito. Atlan já experimentara no próprio corpo a
capacidade de luta do terrano. Era bem verdade que em sua opinião era uma incoerência
continuar a ter contemplação pelo inimigo quando se penetrava em outra galáxia.
Os arcônidas, que em outra época tinham feito de Árcon o centro da Via Láctea,
nunca pensaram em preocupar-se com o destino dos povos subjugados. Já Rhodan se
deixava levar constantemente por considerações de ordem moral.
Atlan abanou a cabeça, aborrecido. O incidente com os biodegradadores poderia ter
sido evitado. Bastaria que o Administrador-Geral tivesse atacado os tripulantes das três
naves piramidais quando estas pousaram no estaleiro de Kalak. Mas apesar de tudo Atlan
não esperava que um dia seu amigo pudesse mudar. Se tivesse oportunidade, o terrano
voltaria a cometer os mesmos erros. Atlan convivia com os terranos há muitos anos, mas
era incapaz de compreender essas atitudes.
Gucky, Redhorse e Kalak materializaram na sala de comando de emergência. Atlan
interrompeu suas reflexões.
As forças paranormais do rato-castor estavam completamente esgotadas, e ele
precisaria de um descanso. Mas apesar disso Gucky certificou-se de que não havia
nenhum biodegradador ou tripulante da nave por perto.
— Podem começar — disse, dirigindo-se a Atlan e Redhorse.
Kalak examinou com grande interesse os diversos controles. Para ele a Crest III
representava uma realização técnica comparável ao estaleiro espacial KA-barato. Isto
fora uma das causas principais que o levara a celebrar uma aliança com os terranos.
Atlan e Redhorse dirigiram-se aos controles. Era a primeira vez que se tornava
necessário utilizar o comando de emergência do ultracouraçado.
Os dois homens não perderam tempo. Começaram imediatamente a mudar a
posição das respectivas chaves. Atlan não tirava os olhos dos controles. Era bem possível
que o centro de computação se recusasse no último instante a cumprir a tarefa
previamente programada. Tratava-se de urna precaução adicional adotada pelos
engenheiros terranos, com a finalidade de evitar que o comando de emergência fosse
acionado sem motivo. O centro de computação estava recebendo dados de todos os
computadores instalados na nave. Estes dados eram processados com uma rapidez
incrível.
O centro de comando de emergência não seria atingido peitos acontecimentos a
serem desencadeados. Por isso Atlan teria de basear-se exclusivamente nos controles. Era
o único meio de saber se o ultra-som já vibrava nos recintos e nos corredores da Crest III
e se o equipamento de climatização expelia o gás narcotizante.
O centro de computação liberou a programação mais depressa do que ele esperara.
Três luzes vermelhas se acenderam. Atlan tirou as mãos cuidadosamente dos comandos.
Olhou pelo visor do capacete e viu que Kalak o fitava ansiosamente.
— Está começando! — disse. — Dentro de instantes saberemos se nossa ação foi
bem-sucedida.
7

Bitzos ficou satisfeito ao ver os três terranos levarem uma caixa pesada para junto
do veículo de carga e a colocarem com grande esforço sobre a plataforma.
O tricentésimo ego anterior a ele certamente seria incapaz de imaginar os sucessos
que lhe estavam reservados. Bitzos deu-se por feliz, pois além de possuir uma nave
maravilhosa, podia contar com a tripulação, que cumpria prontamente todas as ordens
que lhe eram dadas pelos biodegradadores. Bitzos dera ordem para que as reservas de
alimentos dos astronautas desconhecidos fossem completadas com as provisões dos
regenerados. Não queria arriscar-se a ver algum tripulante morrer de fome.
Assim que a aparelhagem e os armamentos mais importantes estivessem guardados
em Boltra, o comandante da frota de Ollura, frota esta que no momento era formada
somente pela Crest III, daria uma pausa aos terranos. Bitzos não se iludia sobre o estado
de saúde dos tripulantes hipnotizados. Estava na hora de partirem novamente para o
espaço. A gigantesca nave teria de estar em plena ação, para que os regenerados
aprendessem a pilotar o veículo espacial esférico.
Bitzos sentia-se cada vez mais nervoso. Não via a hora de atacar planetas
desconhecidos e conquistá-los para o povo dos regenerados. A mensagem que expedira já
devia ter apavorado inúmeros povos.
Voltou a dedicar sua atenção aos trabalhos de carregamento. Divertia-se observando
os seres desconhecidos, que se moviam que nem animais bem adestrados. Sem dúvida
eram mais fáceis de controlar que um sáurio. Era bem verdade que, se não fosse o gás
orgânico, seria impossível hipnotizar os astronautas desconhecidos. Já os cérebros
primitivos dos animais que viviam em Ollura eram fáceis de influenciar, mesmo sem este
gás.
Mais dois tripulantes aproximaram-se carregando uma caixa. Bitzos apoiou-se no
veículo de carga e esperou que os homens hipnotizados colocassem a caixa sobre a
plataforma de carga.
Neste instante aconteceu uma coisa que ele não esperara.
Até parecia que de repente a caixa passara a pesar demais para os terranos, que a
deixaram cair ao chão.
— Levantem esta caixa! — gritou Bitzos, fora de si.
No mesmo instante emitiu um comando hipnótico.
Os dois homens ficaram de pé, imóveis. Bitzos arregalou os olhos e caminhou
lentamente em torno do veículo. Estava decidido a matar os dois astronautas, se estes não
quisessem obedecer. Pôs-se a refletir sobre o motivo do estranho comportamento dos
tripulantes.
Será que os desconhecidos ofereceriam uma resistência declarada? Talvez estes se
tivessem habituado ao gás e tinham criado uma imunidade contra ele.
— Vamos! — gritou o regenerado. — Levantem esta caixa, antes que eu mande
fuzilá-los.
Os dois homens davam a impressão de que nem sequer tomavam conhecimento da
presença de Bitzos. Estavam com os olhos pregados num ponto situado no fundo do
corredor, que Bitzos não podia ver.
Começaram a balançar.
Bitzos recuou instintivamente e agarrou-se ao veículo de carga. Quis gritar por
socorro, pois sentiu que uma coisa grave estava acontecendo.
Os dois terranos caíram ao chão bem ao lado da caixa e ficaram imóveis. Bitzos
correu em sua direção e inclinou-se sobre eles. Parecia que não estavam mortos, mas
certamente tinham perdido os sentidos.
“Devem estar doentes”, pensou Bitzos. “Trabalharam demais.”
Mas no mesmo instante lembrou-se de que seria bastante estranho dois seres
tombarem ao mesmo tempo por estarem doentes.
Quando voltou a endireitar o corpo, o comandante dos anões ouviu gritos.
Biodegradadores nervosos vieram correndo.
Bitzos ergueu o braço e obrigou os regenerados a se acalmarem. Imaginava as
notícias que eles traziam.
— Os astronautas desconhecidos estão caindo ao chão em toda parte — gritou
alguém.
— Os hipnotizados param de trabalhar — gritou outro habitante de Boltra. — Não
obedecem mais às nossas ordens.
— Basta! — gritou Bitzos. Apontou para os dois homens deitados a seus pés. Não
sabia que resposta dar aos regenerados que o cercavam. No momento não havia
explicação para o acontecimento surpreendente. O mais importante era evitar que alguém
agisse precipitadamente. — Ninguém sai desta nave! — ordenou Bitzos. — Acho que a
tripulação só está fazendo uma pausa, que tem de ser observada a intervalos regulares.
Bitzos sabia que não seria nada difícil refutar esta hipótese, mas os anões nervosos
que o cercavam deram-se por satisfeitos com a explicação.
Mas só demorou alguns segundos até que o nervosismo dos biodegradadores
voltasse a ser estimulado.
Outro grupo de anões veio correndo em direção ao veículo de carga. Bitzos subiu à
plataforma a fim de ver os homens reunidos.
— Todas as escotilhas acabam de fechar-se automaticamente! — gritou um dos
recém-chegados. — Os regenerados que ainda se encontram na nave demorarão bastante
para abri-las.
— Todos os astronautas desconhecidos ficaram inconscientes! — exclamou outro.
— Silêncio! — gritou Bitzos, zangado. — Não adianta ficar gritando. No momento
não estamos em perigo. Havemos de resolver o problema.
— Há seres estranhos na nave! — interrompeu alguém. — Vieram no pequeno
veículo espacial que está sendo atacado por ordem nossa.
— Quem disse isso? — perguntou Bitzos.
Um dos biodegradadores adiantou-se, para que Bitzos pudesse vê-lo. Este fitou-o,
como se assim pudesse levá-lo a contraditar suas próprias palavras.
— Estava perto de um dos hipnotizados, quando uma escotilha se fechou perto do
lugar em que nos encontrávamos — informou o regenerado. — Perguntei ao astronauta o
que era isso. E ele respondeu antes de ficar inconsciente.
— O que foi que ele disse? — gritou Bitzos, impaciente.
— Disse que alguém deve ter entrado às escondidas na sala de controle de
emergência e ativado a programação de segurança. Isso acarretaria não somente o
fechamento de todas as escotilhas, mas também um ataque com ultra-som e gás
paralisante dos nervos. O astronauta caiu ao chão antes que pudesse dizer mais alguma
coisa.
Bitzos uivou. Receara que tivesse havido um imprevisto capaz de retardar a
execução de seus planos, mas não acreditara que tivesse de enfrentar tamanhas
dificuldades. Perguntou-se como era possível que alguém entrasse na nave sem que o gás
orgânico dos regenerados o deixasse inconsciente. Devia haver uma ligação entre estes
acontecimentos e o aparecimento do pequeno veículo espacial.
— Precisamos descobrir onde fica esta sala de comando de emergência — decidiu
Bitzos. — Levem armas, pois mataremos qualquer ser que se encontre por lá.
— Não sabemos onde fica esta sala, nem temos possibilidade de ir para lá neste
momento — objetou um dos regenerados. — Os desconhecidos, que são maiores e
fisicamente mais fortes, não terão nenhuma dificuldade em acionar os comandos manuais
das escotilhas, mas nós seremos detidos por muito tempo diante de cada uma delas.
Bitzos não pôde deixar de reconhecer que o regenerado tinha razão. Havia seres
desconhecidos no interior da nave, não se sabia onde, e estes também queriam apoderar-
se do veículo espacial. Como a tripulação de cinco mil homens estava inconsciente,
Bitzos nem pensou na possibilidade de a nave ter sido atacada por aliados dos mesmos. O
comandante dos biodegradadores acreditava que uma terceira força interviera nos
acontecimentos, depois que sua atenção fora atraída para o planeta Ollura pelas
mensagens de rádio expedidas há pouco tempo.
— Pouco importa quanto tempo levemos para atingir a sala de comando de
emergência — gritou para os regenerados que cercavam o veículo de carga. — Enquanto
não chegarem à sala de comando principal, os desconhecidos não farão decolar a nave.
Mas o caminho para lá está trancado para eles, da mesma forma que está para nós —
Bitzos ergueu ameaçadoramente o punho. — Não se esqueçam de que neste instante
cinco pilotos perseguem a espaçonave desconhecida, obedecendo às nossas ordens. O
veículo acabará sendo derrubado. É apenas uma questão de tempo. Quando isso
acontecer, a resistência dos inimigos que se encontram na nave será quebrada.
Bitzos saltou do veículo. Mandou que lhe dessem uma arma e entrou no corredor à
frente de um grupo de cerca de vinte biodegradadores. Dali a instantes atingiram a
primeira escotilha.
— Abram! — gritou Bitzos.
Um regenerado teve de subir em cima do outro para atingir a chave manual. Bitzos
receava que as forças do que estava sobre os ombros do outro não seriam suficientes para
mudar a posição da chave. Mas dali a pouco a escotilha abriu-se. Os dois regenerados que
acabavam de acionar o comando manual perderam o equilíbrio e caíram ao chão.
— Vamos! — insistiu Bitzos. Alguma coisa em seu inconsciente lhe dizia que
perderia a nave se não conseguisse chegar logo à sala de comando de emergência. E sem
a nave os habitantes de Boltra estariam condenados a viver para todo o sempre num
planeta isolado.
Atingiram mais uma escotilha, e o lento procedimento de abertura foi repetido.
— Estão trabalhando muito devagar! — disse Bitzos, criticando os esforços dos
companheiros. — Procurem andar depressa!
Um dos circunstantes recomendou que ele mesmo tentasse. Furioso, Bitzos virou
abruptamente a cabeça, mas sabia que não conseguiria desmascarar o regenerado que o
provocara de forma tão insolente. Bitzos era bastante inteligente para saber que os
regenerados se sentiam irritados. Por enquanto suas promessas grandiosas se tinham
cumprido, e sua qualidade de chefe não fora posta em dúvida. Mas naquele momento
havia o risco de perderem a nave. Bitzos sabia que um comandante pode ser deposto e
substituído muito depressa. Mas no momento não havia perigo de que isso acontecesse. A
lembrança do vôo heróico de Bitzos para o estaleiro cósmico e da conquista da nave
esférica ainda estava muito viva na cabeça dos regenerados.
Quando atingiram a terceira escotilha, esta foi aberta do outro lado. Dois
biodegradadores correram ao seu encontro, soltando gritos de júbilo. Sentiam-se felizes
por verem outros membros de seu povo, pois receavam defrontar-se com um poderoso
inimigo. Bitzos ficou feliz com o reforço que seu pequeno grupo acabara de receber.
Entraram num corredor secundário e encontraram centenas de astronautas
estranhos, jogados ao chão, inconscientes. Bitzos ergueu lentamente a arma. Talvez seria
conveniente dar ordem para fuzilar estes seres. Isto reforçaria a autoconfiança dos
regenerados. Mas Bitzos não chegou a dar esta ordem. Demorariam bastante para matar
os desconhecidos. Além disso estes eram muito valiosos. O fuzilamento dos astronautas
representaria o abandono indireto da nave e de sua tripulação.
Os biodegradadores passaram por cima dos homens inconscientes. Atingiram um
elevador antigravitacional. Bitzos deu ordem para que um dos regenerados saltasse para
dentro do poço. Este caiu que nem uma pedra. Bitzos ouviu o impacto de seu corpo no
fundo do poço.
Enquanto o biodegradador que acabara de cair no poço iniciava o processo de
regeneração de células, Bitzos disse:
— Os elevadores não estão funcionando. Seria muito demorado realizarmos uma
regeneração de células depois de cada queda. Vamos seguir outro caminho.
Ninguém o contraditou. Tiveram de abrir mais quatro escotilhas antes de encontrar
outro grupo de regenerados. Desta vez foram sete que se juntaram ao grupo de Bitzos.
O comandante dos anões brandiu a arma, entusiasmado. Sentia-se cada vez mais
confiante. Nenhum dos regenerados que se encontravam na nave sofrera um ataque. As
terríveis armas só tinham posto fora de ação os tripulantes da nave. Os regenerados
acabavam de dar mais uma prova de sua superioridade.
Bitzos já não tinha a menor dúvida de que voltariam a apoderar-se da nave. Mal se
lembrava do pequeno veículo espacial que tinham localizado com os aparelhos instalados
na sala de comando. Era possível que já tivesse sido derrubado, e que os cinco aparelhos
que tinham saído da nave estivessem regressando.
***
Era a primeira vez que o Major Don Redhorse se sentia como um intruso no interior
de uma espaçonave terrana.
Na sala de comando de emergência reinava um silêncio completo. Até mesmo
Kalak deixara de caminhar de um instrumento para outro e limitava-se a abservar os
controles.
Redhorse olhou para Gucky. O rato-castor devia sentir por meio de suas faculdades
telepáticas se fora da sala de comando em que se encontravam havia alguém que
estivesse de posse de suas faculdades. Gucky, que geralmente era um ser bem loquaz,
mantinha a cabeça abaixada.
Finalmente Atlan rompeu o silêncio.
— Então? — perguntou. — Está notando alguma coisa?
O mutante sobressaltou-se como quem é subitamente despertado de um sono
profundo. Falou sem levantar a cabeça.
— Não deu certo. Os tripulantes ficaram inconscientes, mas os biodegradadores não
foram afetados nem pelo gás nem pelo ultra-som. No momento estão abrindo as
escotilhas. Saíram à procura da sala em que nos encontramos.
— Conseguiu verificar quantos biodegradadores se encontram a bordo? —
perguntou Atlan.
Gucky concentrou-se por um instante.
— Tenho certeza de que não são mais de cinqüenta — respondeu. — Há alguns
anões reunidos junto à eclusa de carga. O comandante está com eles. Trata-se daquele
louco chamado de Bitzos, que transmitiu uma mensagem na qual intima todos os povos
de Andrômeda a submeter-se ao seu governo.
— O que devemos fazer? — perguntou o engenheiro cósmico.
— Temos de lutar — respondeu Atlan. — As eclusas fecharam-se automaticamente
e os campos defensivos foram ativados. Dessa forma os anões não poderão receber
reforços vindos de fora. Temos de encontrar um meio de pôr fora de ação os
biodegradadores que se encontram na nave.
— Estou disposto a fazer tudo que estiver ao meu alcance para ajudá-los — disse
Kalak.
— Não temos armas — lembrou Redhorse. — Os biodegradadores levaram quase
todas as armas de fogo portáteis para fora da nave. Será difícil até mesmo para Gucky
arranjar armas para nós.
Redhorse lembrou-se de Perry Rhodan, que era obrigado a enfrentar cinco caças
inimigos nos céus de Ollura. Tinham de apressar-se, para libertar o Administrador-Geral
da situação difícil em que se encontravam.
— Não possuo o dom da telecinesia, mas sou capaz de atravessar qualquer parede
— disse Kalak. — Gucky e eu poderemos criar bastante confusão entre os
biodegradadores.
Redhorse esperou que Atlan fizesse uma objeção. Não gostava muito da idéia de
que o arcônida teria de permanecer inativo no interior da sala de comando de emergência.
As ondas de ultra-som já eram menos intensas e os homens podiam andar pela nave sem
correr qualquer perigo. Seu equipamento especial protegia-os contra o gás.
— Acho que o mais importante é que Gucky e o senhor consigam armas para nós
— disse Atlan. — Os regenerados acabarão localizando esta sala e quando isso acontecer
partirão para o ataque. Não podemos permitir que o centro de computação de comando da
nave seja danificado.
Kalak não disse uma palavra. Deu as costas aos companheiros e atravessou a porta
fechada. Gucky ainda estava hesitando.
— Que houve, baixinho? — perguntou Atlan.
— Não sei, mas deve ser Kildering — respondeu Gucky. — Tenho a impressão de
que quer estabelecer contato comigo. Mas toda vez que me concentro, ele se retira.
Atlan ergueu as sobrancelhas.
— Agora você não pode pensar no que está acontecendo dentro do caça-mosquito
— advertiu. — Compreendo que esteja preocupado por Rhodan, mas enquanto não
reconquistarmos a nave, nada poderemos fazer por ele.
— Kildering quer transmitir uma informação — disse Gucky, sem tomar
conhecimento das palavras de Atlan. — Mas quando estou em condições de captar sua
mensagem telepática, ele se fecha.
Atlan impacientou-se.
— Já faz alguns minutos que Kalak saiu à procura de armas — disse em tom
enérgico.
Gucky ergueu os bracinhos, num gesto de resignação, e desmaterializou.
— Será que aconteceu alguma coisa com Perry Rhodan? — perguntou Redhorse,
preocupado.
A resposta do arcônida foi proferida em tom mais sarcástico do que este pretendia.
— Será que o senhor também ouve vozes interiores, major?
Um sorriso apagado apareceu no rosto do cheiene.
— Acho que estou muito cansado para isso, lorde-almirante.
***
Por uma fração de segundo Rhodan viu a curta asa delta de um dos caças-mosquito
aparecer na mira ótica de seu canhão energético. Certamente a máquina inimiga se
preparava para entrar em mergulho e atacá-lo. Mais três perseguidores se aproximaram,
vindos de trás. Rhodan já conseguira derrubar um dos caças-mosquito. O aparelho
atingido não explodira. Desta forma o piloto tivera oportunidade de catapultar-se para
fora dele com o assento ejetável.
Rhodan fez subir o Kildering. A sobrecarga fez uivar os jatos-propulsores, mas o
Administrador-Geral nem ouviu. Conforme esperara, a popa maciça do inimigo voltou a
aparecer na mira ótica. Rhodan atirou sem mudar a trajetória de vôo. Neste instante seu
aparelho sofreu um golpe violento. Rhodan olhou para o lado e viu que o campo
híperenergético resistira à carga, embora os jatopropulsores e o canhão energético
consumissem quase toda a energia disponível.
Os três aparelhos que voavam atrás do MJ-C 23 atacavam furiosamente. Os pilotos
sabiam que mais um caça de seu grupo fora perdido. Os homens hipnotizados se sentiam
seguros demais. Nem sequer ativaram os campos defensivos dos caças-mosquito. Rhodan
os surpreendera ao enfrentá-los no combate aéreo, criando confusão em suas linhas.
Rhodan lançou um olhar para fora da carlinga e viu uma bandeira de fumaça branca,
que saía que nem um foguete. Era o segundo caça atingido por ele. Ficou aliviado ao ver
o piloto aproximar-se da superfície de Ollura dentro de seu assento ejetável. Parecia que
por enquanto a batalha não exigira nenhuma vítima fatal.
O campo hiperenergético de um caça-mosquito não podia ser comparado ao da
Crest III. O ultracouraçado estava em condições de dispor de quantidades enormes de
energia para alimentar o campo defensivo, mesmo quando o centro de comando de tiro
fosse obrigado a repelir um ataque e o Coronel Rudo tivesse de realizar manobras
complicadas, que exigissem o máximo dos sistemas de propulsão normais.
Já o campo hiperenergético de um caça-mosquito, quando ativado à potência
máxima, consumia quase toda a energia disponível do aparelho. Sempre que o veículo
voava em alta velocidade, usando os jatopropulsores comuns, ou usasse suas armas, o
campo defensivo se tornava mais fraco e podia ser rompido.
Rhodan tinha plena consciência dessa desvantagem. Havia outro perigo. Os pilotos
dos três aparelhos que o perseguiam poderiam receber dos inescrupulosos
biodegradadores uma ordem hipnótica de usar os canhões conversores. Rhodan esperava
que as coisas não chegassem a este ponto, pois as bombas que o caça-mosquito levava
seriam capazes de arrebentar o planeta.
— Rhodan! — o impulso mental de Kildering interrompeu as reflexões de Rhodan.
O terrano quase esquecera a ferramenta sagrada. As mãos, que seguravam
firmemente os controles, estremeceram.
— Que foi? — perguntou Rhodan.
— Desligue o campo hiperenergético — disse Kildering.
— Só se eu estivesse louco — respondeu Rhodan, exaltado. — Ainda estão em três.
— Você tem de desligar o campo — insistiu Kildering. — Faça isso, senão os
tripulantes do ultracouraçado morrerão.
Rhodan estremeceu. Quais seriam as informações que Kildering possuía?
— Estão muito perto de mim — exclamou Rhodan. — Derrubarão meu caça.
— É verdade — retrucou Kildering, calmo.
“O que há atrás disso”, pensou Rhodan intensamente, enquanto seu aparelho sofria
mais um abalo. O campo hiperenergético resistiu aos impactos dos canhões energéticos.
— Depressa! — implorou Kildering. — Desligue o campo.
— Quero saber o que há atrás disso! — insistiu Rhodan.
Sentiu que o suor lhe corria pela testa.
Kildering provocou, por meio de um reflexo, o sentimento do pânico na mente de
Rhodan. O terrano lutava com todas as forças contra a emanação telepática da ferramenta
sagrada.
— Kalak! — pensou Rhodan de repente. — Você receia que Kalak possa ser morto.
— Kalak! — Kildering pensou este nome com um sentimento de devoção e
simpatia, embora estes sentimentos fossem gerados por Rhodan, com base nas emanações
mentais da ferramenta sagrada. — Kalak, Kalak, Kalak.
O nome pulsava nos pensamentos de Rhodan.
— Canhões conversores — disse um pensamento penetrante captado por Rhodan.
— A qualquer momento usarão os canhões conversores, se não conseguirem nada com
os canhões energéticos.
Rhodan ficou imóvel por um instante. Kildering dispunha de todas as informações
de que precisava para realizar uma interpretação correta. Não era possível que estivesse
enganado.
O instinto de autoconservação de Rhodan rebelou-se contra a exigência de
Kildering.
— Sua vida ou a de cinco mil tripulantes — transmitiu Kildering. — Além da de
Kalak.
— Não é possível! — os pensamentos de Rhodan se agitavam em seu cérebro, mas
de repente o sistema de intercâmbio de informações de Kildering passou a funcionar com
urna velocidade alucinante. Absorvia os pensamentos de Rhodan que nem uma esponja.
Fazia isso por Kalak. Por Kalak, o mudo, que nunca conseguira comunicar-se com ele. —
Quero que Kalak vá para o inferno! — pensou Rhodan, mas logo se assustou com este
pensamento.
— Isso é de um egoísmo sem fronteiras — pensou Kildering, decepcionado. — Até
mesmo você, você, você.
— Chega! — gritou Rhodan.
Soltou os comandos. O mosquito penetrou numa camada de nuvem. Os pingos de
chuva bateram na carlinga. Os perseguidores caíram para trás e foram obrigados a refazer
sua formação.
— Assim que eles nos alcançarem, usarão os canhões conversores — transmitiu a
ferramenta sagrada.
— O espaço cósmico! — a mente de Rhodan trabalhava febrilmente. — Rápido!
Para o espaço cósmico.
— Já é tarde — pensou Kildering. — Atirarão dentro de alguns segundos.
Rhodan deixou-se cair para a frente e moveu uma chave, interrompendo o
suprimento de energia para o campo hiperenergético.
— Satisfeito? — perguntou em tom apagado.
— Não sou capaz de experimentar o sentimento de satisfação. O que você está
sentindo é a satisfação por ter superado o medo de morrer.
— Bobagem! — disse Rhodan com a voz rouca.
Olhou para os rastreadores. Os perseguidores o seguiam de perto. Não havia a
menor chance de escapar mais uma vez. Deixara que as mensagens de Kildering o
distraíssem.
O MJ-C 23 sofreu um golpe e caiu repentinamente. A proa rachou. Os alarmes
emitiram um som estridente. O mundo que cercava Rhodan transformou-se num carrossel
que girava loucamente.
A mão trêmula de Rhodan encontrou a tecla que ejetava o assento.
— Estamos em cima da cidade — transmitiu Kildering.
A carlinga explodiu em cima da cabeça de Rhodan, que foi arremessado para fora
juntamente com o assento. A súbita pressão quase o deixou inconsciente. Ligou
apressadamente o projetor antigravitacional, que lhe permitia dirigir o assento e
aproximar-se lentamente da superfície do planeta.
Mais uma vez foi atingido pelos pensamentos de Kildering.
— Você se afasta, Rhodan — pensou a ferramenta sagrada. — As informações que
transmite já não são tão nítidas.
Rhodan fechou os olhos. Deixara Kildering a bordo do avião que estava caindo.
— Sinto muito... (palavras banais).
— O aparelho cairá na cidade e explodirá — transmitiu Kildering. — Boltra
deixará de existir.
— Rápido! Evite... — Rhodan teve a impressão de que estava morrendo sufocado.
— Faça alguma coisa.
— Uma cratera enorme se abrirá — diziam os pensamentos de Kildering que
atingiam Rhodan. — Os campos defensivos do ultracouraçado estão ligados. Kalak e a
tripulação não sofrerão nada.
O assento de piloto balançava fortemente, mas Rhodan não se incomodou com isso.
— Kildering! — gritaram seus pensamentos. — Você morrerá na explosão.
— (Negativa enfática.) Como posso morrer se nunca vivi? Sou apenas uma
ferramenta.
De repente os pensamentos de Kildering se fecharam para Rhodan. A ferramenta
sagrada se retirava.
Mas de repente houve um angustiante grito telepático, que fez com que Rhodan se
empinasse no assento.
— Continuar vivo! (Um desejo de comunicação, reconhecimento, amizade,
melhores condições de vi...)
O resto silenciou em meio à tremenda explosão que destruiu o micro conversor e
transformou Boltra num montão de destroços, em cujo centro se abria uma cratera
incandescente de um quilômetro de diâmetro.
Uma nuvem de chuva com vento fez com que Rhodan se deslocasse para o lado. O
terrano esbelto fechou os olhos e ficou imóvel em seu assento.
— Kildering — pensou cautelosamente.
Mas só havia o vento que balançava o assento, e a chuva que batia ruidosamente no
corpo de Rhodan.
O resto era silêncio.
8

Kalak desprendeu-se da parede e viu à sua frente dois regenerados que faziam um
esforço desesperado para abrir uma escotilha que lhes fechava o caminho para o corredor
principal. Estavam tão concentrados em seus esforços que nem viram o engenheiro
cósmico.
Kalak sabia que precisaria ao menos de um desintegrador para matar os dois anões.
As armas dos regenerados, que estavam jogadas no chão, perto da escotilha, eram
completamente inúteis.
De repente um dos anões virou a cabeça e avistou Kalak. Soltou um grito de alerta e
fez com que seu companheiro também voltasse o rosto para Kalak. Os dois
biodegradadores levantaram-se de um salto e correram para pegar as armas. Kalak
preferiu não esperar que estas fossem apontadas para ele. Fugiu pela parede que ficava do
outro lado. Esperou alguns segundos e voltou a enfiar a cabeça no corredor. Os dois
anões soltaram um grito e levantaram as armas.
Kalak retirou-se de vez. Não valia a pena tentar mais uma vez a sorte com estes
tipos histéricos.
O ambulante não teve nenhuma dificuldade em atravessar algumas escotilhas
fechadas e chegar perto dos depósitos. Em toda parte havia tripulantes inconscientes
deitados no chão. Kalak sabia que no momento não podia fazer nada por eles. Passou por
uma das entradas da sala de comando. Parou e perguntou-se se deveria dar uma olhada no
recinto mais importante do ultracouraçado, mas preferiu prosseguir no seu caminho. Dali
a pouco encontrou-se com outro grupo de biodegradadores. Saiu de seu caminho, pois
sabia que já se encontrava bem perto dos depósitos.
Antes que chegasse lá, Gucky materializou um metro à sua frente. Kalak parou. O
rato-castor carregava dois desintegradores pesados.
— Ainda há armas que chega — gritou para Kalak. — Vou abastecer Atlan e
Redhorse e depois voltarei.
Kalak confirmou com um gesto e o mutante dissolveu-se diante de seus olhos.
O ambulante entrou nos depósitos, vindo do corredor principal. Quando a Crest III
estivera pousada em KA-barato, o engenheiro cósmico examinara cuidadosamente a nave
e assim era capaz de orientar-se em quase todos os conveses.
Os biodegradadores tinham desfalcado bastante os depósitos do ultracouraçado, mas
não lhes fora possível saqueá-los completamente. O tempo era muito curto. O
atravessador de estruturas deu uma volta e constatou que as peças sobressalentes mais
importantes ainda estavam lá. E havia uma quantidade suficiente de armas. Kalak pegou
duas armas de fogo portáteis e tratou de voltar ao lugar de onde viera.
Encontrou-se com Gucky junto à entrada do depósito.
— Os biodegradadores já estão chegando bem perto da sala de comando de
emergência — informou o rato-castor, nervoso. — Acho que já descobriram onde devem
procurar. Está na hora de voltarmos para lá.
Segurou Kalak pelo braço e teleportou. No mesmo instante Kalak se viu, perplexo,
no interior da sala de comando de emergência.
Atlan e Redhorse, que estavam parados na entrada, cumprimentaram-nos com um
gesto. O engenheiro cósmico entregou ao rato-castor uma das armas que tinha nas mãos.
— Não podemos esperar até que os anões cheguem aqui — disse Atlan. — O perigo
de o centro de computação ser avariado durante a luta seria muito grande.
— Qual é sua sugestão? — perguntou Kalak.
— Vamos ao encontro dos biodegradadores e cortamos-lhes o caminho para esta
parte da nave — respondeu o arcônida.
Saíram juntos da sala de comando de emergência, que era o único lugar no interior
do ultracouraçado em que nem o gás nem as ondas de ultra-som tinham atuado.
Gucky não teve nenhuma dificuldade em fixar a direção em que deviam seguir.
— Os regenerados se uniram em três grupos — informou. — Os dois grupos
menores vagam ao acaso pelos corredores, mas os anões que se juntaram a Bitzos
parecem saber muito bem aonde devem ir.
— Quantos biodegradadores acompanham seu comandante? — perguntou Atlan.
— Até agora são pelo menos quarenta — respondeu Gucky. — Estão todos
armados. Alguns ainda possuem suas armas antigas, enquanto os outros se abasteceram
no depósito da Crest.
Teriam de enfrentar um número muito superior de inimigos, pensou Don Redhorse.
A superioridade dos biodegradadores só poderia ser compensada por Gucky, que com
suas faculdades paranormais poderia anular a vantagem militar do inimigo. Nem Atlan,
nem Redhorse ou Kalak sabiam como agir se houvesse uma luta. Era bem verdade que o
ambulante possuía dons extraordinários, que poderiam assumir um papel decisivo durante
um conflito, mas era bastante duvidoso que estivesse disposto a arriscar a vida pelos
terranos.
Atravessaram um corredor secundário e tiveram de abrir uma escotilha para chegar
ao corredor principal mais próximo.
Gucky levantou o braço.
— Dentro de alguns minutos aparecerão nessa curva — disse. — Ainda terão de
atravessar duas escotilhas.
Atlan olhou para o corredor secundário do qual tinham saído.
— Acho que este é o lugar ideal para recepcioná-los — disse. — Se começarem a
atirar, poderemos retirar-nos bem devagar, respondendo ao fogo.
— Enquanto isso eu aparecerei atrás deles — anunciou Gucky. — Isso os deterá por
algum tempo.
Kalak fez um gesto de assentimento. Apontou para a parede que ficava do outro
lado.
— Caso não haja nenhuma objeção, eu me instalarei ali. Dessa forma os anões
ficarão numa pinça. Talvez consigamos obrigá-los a abandonar a nave sem luta.
— Tenho lá minhas dúvidas — disse Atlan. — Estes tipos não se amedrontam com
nada. Já fizemos esta experiência.
Gucky desmaterializou e o atravessador de estruturas ocupou seu lugar. Redhorse e
Atlan continuaram onde estavam.
— Estou tão cansado que mal consigo distinguir um biodegradador de um sáurio —
disse Redhorse com um bocejo.
Atlan sorriu. Vivia se esquecendo de que estes homens não possuíam nenhum
ativador de células, e por isso se cansavam bem mais depressa que ele.
— Atire em qualquer coisa que aparecer à sua frente — sugeriu. — Tanto faz que
seja um sáurio ou um biodegradador.
Redhorse apoiou-se na parede. Bem que precisaria tomar um banho e comer alguma
coisa. O uniforme que usava embaixo do traje protetor estava reduzido a uma crosta de
lama.
Lembrou-se de Perry Rhodan e do sargento Whip Gilliam. Fazia votos de que os
dois ainda estivessem vivos. Ficou com os olhos semicerrados, enquanto observava o
corredor principal, à espera do momento em que aparecessem os primeiros
biodegradadores. O conflito implacável que estava sendo travado com essas mutações
negativas só chegaria ao fim quando uma das partes conseguisse eliminar completamente
o inimigo. Seria impossível dialogar com os regenerados, pois estes seres simplesmente
não eram capazes de avaliar uma situação. De tão loucos que eram, acreditavam que
representavam o centro do Universo.
Redhorse não tinha a menor dúvida de que um dia se acabariam por causa dessa
atitude. Quem sabe se o momento em que isso deveria acontecer não tinha chegado?
— Cuidado! — disse o arcônida num cochicho.
O major arregalou os olhos. Por enquanto não se via nada, mas ouviam-se
perfeitamente as vozes estridentes dos biodegradadores.
— Aguarde minhas ordens para abrir fogo, major! — disse Atlan.
Redhorse viu os primeiros três anões aparecerem no corredor. Corriam sobre as
pernas tortas. Os braços parecidos com mangueiras com as mãos de quatro dedos
pareciam estranhamente desvitalizados. As cabeças esféricas calvas fixadas sobre
pescoços de vinte centímetros balançavam como se eles fossem anciões. Os olhos
salientes pareciam fitar estupidamente o vazio. As bocas de sapo pareciam antes ranhuras
feias no meio da pele marrom-avermelhada.
Redhorse já vira muitos extraterrestres, mas poucas vezes algum ser lhe parecera tão
feio como estes.
Vinte regenerados apareceram atrás dos primeiros três. Seguiu-se mais um grupo
numeroso. No fim vieram dois retardatários.
Redhorse apoiou-se fortemente na parede e levantou o desintegrador.
Neste instante Kalak saiu da parede e fechou o caminho dos biodegradadores.
Redhorse prendeu instintivamente a respiração. O engenheiro cósmico era um sujeito
temerário, ou então tinha enlouquecido.
Um dos biodegradadores, que devia ser o chefe, gritou uma ordem, e a pequena
força combatente parou. Atlan e Redhorse entreolharam-se com uma expressão de
espanto.
Não se via sinal de Gucky, mas Redhorse sabia que podiam confiar nele.
De repente Kalak passou a dirigir-se aos regenerados, usando a língua feita de
grasnados falada pelos anões. Redhorse admirou-se de que o engenheiro tinha aprendido
a língua tão depressa por meio de suas máquinas tradutoras. Mesmo que o aprendizado
tivesse sido levado a efeito através de um processo hipnótico, sua eficiência era
formidável.
Kalak prosseguiu em intercosmo, sem virar a cabeça.
— Eu lhes expliquei que estão cercados, mas que queremos evitar o derramamento
de sangue. Pedi que se retirassem da nave.
— Tenha cuidado! — exclamou Atlan. — Estes tipos são imprevisíveis.
O chefe dos biodegradadores gritou algumas palavras para Kalak.
O engenheiro cósmico virou calmamente a cabeça. Redhorse perguntou-se como era
possível que o sobretudo de plástico de Kalak ainda estivesse bem branco, não mostrando
um pingo de sujeira. O traje protetor do ambulante certamente estava equipado com um
dispositivo de auto-limpeza.
— Eles querem provas — traduziu Kalak. — Não acreditam que nós os cercamos.
O arcônida fez um sinal para Redhorse.
— Vamos! — disse e saiu para o corredor principal, seguido pelo major, que já
estava bem acordado.
Gucky materializou bem em cima da cabeça dos biodegradadores, segurando-se
numa luminária.
Sem dizer uma palavra, Kalak apontou para o rato-castor.
Os biodegradadores levantaram abruptamente a cabeça. Finalmente Bitzos voltou a
falar.
— Ele diz que só somos em quatro — traduziu Kalak. Gucky fez Bitzos subir
alguns metros. O regenerado gritava, mas não conseguiu evitar que girasse em torno do
próprio eixo. Dali a um minuto desceu para o chão. Seus companheiros fitaram-no com
uma expressão de espanto.
Kalak voltou a falar enfaticamente com os biodegradadores.
— Acho que depois desta demonstração eles concordarão em retirar-se — disse,
esperançoso. — Não seremos obrigados a entrar em combate.
Redhorse respirou aliviado.
— Quer que os incomode mais um pouco? — gritou Gucky, alegre.
Atlan sacudiu a cabeça. Deviam dar algum tempo aos biodegradadores, para que
estes tomassem sua decisão. Kalak continuava parado no meio do corredor. Era uma
figura baixa e robusta, com uma barba ondulante amarrada nas costas.
Redhorse teve vontade de felicitar o engenheiro cósmico pelo êxito alcançado. Viu
os anões baixarem as armas.
— Querem enganar-nos! — gritou Gucky no mesmo instante. — Pretendem
abandonar a Crest, mas somente para voltar com uma força mais numerosa.
— Já sei — respondeu Kalak, calmo. — Mas depois que estiverem do lado de fora,
não permitiremos mais que entrem na nave.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — disse Atlan, zangado.
Os biodegradadores recuaram devagar. Redhorse esteve a ponto de sair do corredor
secundário para felicitar Kalak.
Neste instante o micro conversor da Kildering explodiu dentro da cidade de Boltra,
destruindo esta com todos os seres que viviam nela.
O campo hiperenergético da Crest estava ligado, mas a nave vibrou por alguns
segundos. Os sistemas de alerta uivaram.
— Um caça-mosquito caiu em Boltra! — gritou Gucky.
Até parecia que os biodegradadores sabiam o que significava a vibração que
acabavam de sentir. Pararam e levantaram as armas. Kalak pôs-se a salvo, pulando para
dentro da parede do corredor.
— Para trás! — gritou Atlan para o major.
Redhorse ainda estava meio atordoado. Ao ouvir o grito de Gucky, lembrou-se da
possibilidade de Rhodan, ou Gilliam, ou ambos terem morrido.
Gucky desapareceu do teto e teleportou para um lugar seguro. Os biodegradadores
começaram a atirar. Redhorse abaixou-se e entrou no corredor secundário. Atlan já se
abrigara lá e empurrou o cano do desintegrador para o outro lado da entrada do corredor.
— Será que foi o aparelho de Rhodan? — perguntou Redhorse.
— Atire! — disse o arcônida, zangado.
Era a primeira vez que Redhorse vira o lorde-almirante perder o autocontrole. A
preocupação que sentia pelo amigo terrano fizera com que os nervos do arcônida se
descontrolassem por um instante.
Os biodegradadores atiravam às cegas para dentro do corredor. Os projéteis
ricocheteavam e saíam uivando. As balas não tinham força para perfurar as paredes
metálicas. Em compensação os anões causaram grandes estragos com as armas
energéticas. Fundiam buracos nas paredes do corredor e danificaram o piso. Numa
questão de segundos o corredor principal ficou cheio de fumaça. A temperatura subiu de
repente.
Redhorse deixou-se cair no chão e espiou para o corredor principal. Viu o corpo de
Kalak aparecer. O engenheiro cósmico disparou três tiros e retirou-se. Os
biodegradadores soltaram gritos furiosos, mostrando que o ataque repentino fora coroado
de êxito. Havia uma fenda na parede, no lugar em que estivera Kalak. Mas a reação dos
anões fora muito lenta. O ambulante já estava em segurança.
Redhorse atirou para dentro das nuvens de fumaça de onde saíam os anões. Gucky
apareceu atrás dos atacantes e abriu fogo com seu desintegrador.
Muitos biodegradadores morreram antes que alcançassem o corredor secundário. Os
sobreviventes continuavam a avançar, enfrentando a morte. Sua gritaria superava o
barulho infernal causado pelas armas. O caos foi completo quando Kalak voltou a sair da
parede e interveio na luta.
Os últimos regenerados tombaram à frente de Redhorse e Atlan. Um único ainda
possuía bastante substância celular para iniciar o processo de regeneração. Mal suas mãos
e braços tomaram forma, voltou a pegar a arma. Kalak acabou de matá-lo.
— Pare! — gritou Atlan com a voz rouca. — A luta chegou ao fim.
— Um dos anões fugiu! — gritou Kalak.
— É Bitzos, o chefe deles — informou Gucky. — Quer tentar unir-se aos poucos
biodegradadores que ainda se encontram na nave.
— Eles não se renderão — disse Redhorse com a voz apagada.
Voltou a retirar-se para o corredor secundário, onde a visibilidade era melhor, já que
a fumaça avançava lentamente.
— Temos de persegui-los — decidiu Atlan. — Eu me responsabilizo. Enquanto
houver um anão vivo, os tripulantes não se livrarão da influência hipnótica.
— Rhodan não concordaria com este método, lorde-almirante — objetou Redhorse.
— É possível — respondeu Atlan em tom obstinado. — Acontece que nem sabemos
se Rhodan ainda está vivo. E os biodegradadores são responsáveis por sua eventual
morte.
— Os regenerados livram-nos do problema — disse Gucky. — Não pretendem
render-se. Bitzos quer lutar, embora saiba que já não tem nenhuma chance de sair
vitorioso.
Enquanto um cogumelo de fumaça cobria Boltra, escurecendo o céu, os últimos
regenerados morriam a bordo do ultracouraçado.
9

A cidade dos regenerados transformara-se num deserto de fumaça, chamas e


escombros. A chuva foi incapaz de apagar a fogueira atômica resultante da explosão.
A pressão do ar deslocado pela explosão por pouco não matou Rhodan. Por um
instante o Administrador-Geral perdeu o controle de seu projetor antigravitacional. Mas o
perigo já tinha passado, e Rhodan descia suavemente em direção à Crest III, que resistira
incólume à explosão do caça-mosquito.
Rhodan reduziu a velocidade. Não poderia entrar em qualquer das eclusas da nave
enquanto o campo hiperenergético não fosse desligado. Viu os caças-mosquito que o
haviam derrubado descrever curvas amplas em cima do ultracouraçado. Parecia que os
pilotos também esperavam o momento em que poderiam voltar aos hangares.
Os dois homens cujos caças tinham sido destruídos por Rhodan foram parar bem ao
lado da Crest III. Para eles o perigo ainda não passara, pois o foco do incêndio se
espalhava aos poucos em direção ao campo de pouso.
Rhodan fazia votos de que a bordo da Crest III a situação já se tivesse decidido. A
presença do campo hiperenergético era uma prova de que Atlan e Redhorse tinham
ativado o comando de emergência.
O terrano voltou a olhar para a cratera que se abrira no lugar em que antigamente
ficara a cidade dos anões. Os biodegradadores tinham encontrado a morte, com exceção
daqueles que no momento da explosão se encontravam a bordo da Crest.
Rhodan sabia que ele e os outros tripulantes da nave terrana não eram culpados do
desaparecimento desse povo. Os próprios regenerados tinham provocado seu extermínio.
Em virtude de um acaso infeliz, a Kildering caíra justamente no lugar em que ficava a
cidade.
Além dos biodegradadores, o sargento Whip Gilliam e a ferramenta sagrada do
engenheiro cósmico tinham sido vitimados pelo trágico acidente. Depois da aliança
promissora celebrada com Kalak, era este o primeiro revés que os terranos sofriam na
nebulosa de Andrômeda.
Rhodan sabia que ainda teriam muito trabalho para apagar as marcas deixadas pela
luta com os biodegradadores. Sem dúvida a vigilância dos senhores da galáxia era muito
mais intensa em sua nebulosa que nas aglomerações estelares avançadas chamadas
Andro-Alfa e Andro-Beta.
Os acontecimentos dos últimos dias tinham lançado uma luz inteiramente nova
sobre a pretensão de Kalak, que queria procurar sobreviventes de seu povo. Rhodan
compreendeu que tinham necessidade urgente de receber auxílio na galáxia misteriosa em
que se encontravam.
Se, conforme dizia, existiam estaleiros voadores com as respectivas tripulações em
toda parte, valeria a pena sair à procura deles. A tecnologia dos ambulantes era mais
evoluída que a dos terranos. Rhodan reconheceu isso de bom grado. Mas Kalak não
representava um grande auxílio.
Rhodan viu o campo hiperenergético verde, que envolvia o ultracouraçado, apagar-
se de repente. Mudou imediatamente de direção com o assento ejetável, fazendo-o
deslocar-se em direção à Crest III.
***
O Lorde-Almirante Atlan, que se encontrava na sala de comando da Crest III,
desligou o campo hiperenergético e abriu algumas eclusas, para que os gases tóxicos
pudessem escapar mais depressa.
Redhorse, Gucky e Kalak estavam cuidando dos oficiais da Crest que estavam
inconscientes, jogados nos corredores próximos à sala de comando.
O primeiro a recuperar os sentidos foi o epsalense Cart Rudo. Queixou-se de enjôos
e de um mal-estar generalizado. Kalak e Redhorse ajudaram o homem pesado a chegar à
sala de comando.
Os outros levaram algum tempo para voltar a si.
— Parece que todos os tripulantes precisam de tratamento médico — concluiu
Atlan. — Deve ser principalmente por causa do gás expelido pelos anões. Faço votos de
que o organismo seja capaz de absorver as toxinas.
— Os impulsos sugestivos dos biodegradadores não existem mais — disse Kalak.
— Dessa forma o gás não age mais como deveria. A tripulação logo ficará boa.
— Tomara — disse Redhorse, contrariado, e deixou-se cair numa poltrona.
— Ainda não está na hora de tirar um cochilo, major — disse Gucky em tom de
reprovação. — Seria preferível cuidar de Rhodan e dos pilotos dos cinco caças-mosquito
que saíram da nave.
O cheiene levantou-se a contragosto.
— Por que você mesmo não cuida disso? — perguntou.
Gucky tirou a máscara respiratória e também se acomodou numa poltrona.
— Estou cansado — disse, inclinando a cabeça para o lado e deixando ouvir alguns
roncos.
Redhorse levantou-se, foi para perto da poltrona em que estava sentado o rato-castor
e deu uma cutucada nele. Gucky abriu os olhos, zangado.
— Parece que você nem quer saber o que aconteceu com Rhodan — disse Don
Redhorse, indignado.
— Estou sentindo seus pensamentos — respondeu o rato-castor, sonolento. —
Entrará a qualquer instante em uma das eclusas da Crest e cuidará de tudo.
Os tripulantes estavam acordando em todos os cantos da nave. Atlan ligou o
intercomunicador e transmitiu suas instruções.
— O perigo passou — disse para dentro do microfone. — Reconquistamos a nave.
Ninguém corre perigo de vida, mas é preferível que todos se cuidem, assim que os
médicos tenham feito seu diagnóstico. Na sala de comando estão sendo tomados todos os
preparativos para fazer a nave decolar o mais depressa possível.
Redhorse viu alguns oficiais entrarem na sala de comando cambaleantes.
Queixavam-se de enjôo e dores de cabeça.
— Abrir eclusas dos hangares! — ordenou Atlan. — Três caças-mosquito se
aproximam.
Dali a instantes Perry Rhodan entrou na sala de comando. Estava encharcado, mas
não sofrera nenhum ferimento. Don Redhorse suspirou ao tirar o traje especial que lhe
fora entregue por Kalak. Sabia que finalmente chegara a hora de tomar um banho e
dormir.
— Como estão as coisas lá fora? — perguntou Atlan.
— A cidade foi completamente destruída — informou Rhodan. — Todos os anões
pereceram na fogueira atômica. Acho que devemos decolar quanto antes, pois a fogueira
avança em direção ao campo de pouso.
Redhorse enrolou o traje protetor e enfiou-o sob o braço direito.
— Quer dizer que o sargento Whip Gilliam morreu, não é mesmo, senhor?
— É a única vítima que temos a la... — interrompeu-se e olhou para Kalak. — Não
— corrigiu. — Gilliam não é a única vítima.
O engenheiro cósmico lançou um olhar para o cinto de Rhodan. Seu rosto adquiriu
uma expressão diferente.
— Não foi minha culpa — disse Rhodan com a voz apagada. — Quando saí do
mosquito, esqueci de prender a caixa em que estava Kildering ao meu cinto.
Teve-se a impressão de que Kalak estava encolhendo. Parecia sentir dores. Quando
voltou a levantar a cabeça Rhodan viu a tristeza estampada no rosto do ambulante, a
tristeza pela perda de algo que não podia ser substituído.
— O senhor estava em contato com ele no momento... no momento em que foi
queimado? — perguntou Kalak, triste.
— Estava — respondeu Rhodan.
— O que estava pensando naquele momento? — perguntou o atravessador de
estruturas.
— Forneceu informações — mentiu Rhodan.
Sentiu que Kalak sabia que estava mentindo. Mas o engenheiro cósmico calou-se e
saiu.
— Isso o deixou bastante abalado — disse Atlan em tom pensativo.
— Era mudo — disse Rhodan. — Não conseguiu comunicar-se com Kildering. Para
ele a ferramenta sagrada devia ser uma coisa incompreensível. Compreendia seu
funcionamento, mas criou em seu consciente um mito a respeito de Kildering. Para ele a
ferramenta sagrada transformou-se no símbolo da raça extinta a que pertencia. E este
símbolo acaba de ser destruído.
— Ele vai esquecer — disse Atlan.
— Naturalmente — respondeu Rhodan. — Mas isso em nada altera o fato de eu ser
culpado em parte pela destruição de Kildering.
Atlan viu um dos médicos de bordo entrar, arrastando os pés. Este médico cuidaria
dos oficiais.
“Talvez”, pensou o arcônida, “seja este o momento apropriado de mostrar a
Rhodan o erro que ele cometeu.”
— Se houve um erro — disse — este erro não começou em Ollura, mas em KA-
barato.
Rhodan encarou o amigo com uma expressão de surpresa.
— Compreendo — respondeu. — Em sua opinião, eu deveria ter dado ordens de
matar os biodegradadores quando eles tomaram de assalto a Crest.
— Isso mesmo — constatou Atlan. — Quanto tempo ainda levará para compreender
que não se pode confiar em alguém que não se conhece? Um dia sua obstinação ainda lhe
custará a vida.
Rhodan passou as mãos pelos cabelos. Deu um passo em direção a Atlan, deixando
um rastro molhado no chão.
— Devemos dar a qualquer criatura uma oportunidade de provar suas boas
intenções — disse em tom sério.
— Boas intenções! — repetiu Atlan em tom sarcástico. — Você acha que as
intenções dos biodegradadores eram boas, quando abandonaram suas naves destroçadas e
penetraram na Crest?
Rhodan deu de ombros.
— Pareciam indefesos — apesar de seu aspecto selvagem. Acha que deveria ter
dado ordens de atirar, embora parecessem infinitamente inferiores a nós?
— Receio que estejamos falando línguas diferentes.
Rhodan deu um sorriso e examinou o próprio corpo.
— Acho que está na hora de mudar de roupa. Não sei se o ativador de células me
torna imune à ação dos vírus. Não gostaria de pegar um resfriado.
— O mínimo que você poderia fazer é pensar no que acabo de dizer — observou
Atlan.
— Farei isso enquanto estiver mudando de roupa — prometeu Rhodan, calmo.
10

O ferido que afirmava não lembrar seu nome gemeu, deitou de costas e estendeu a
mão em direção a uma mesinha próxima à sua cama.
O medo-robô entregou-lhe prontamente o caneco de chá.
O ferido farejou a bebida e empurrou-a para longe, resmungando aborrecido. Havia
um cordão pendurado ao pescoço do homem, com uma placa em que estava gravado seu
nome.
Nesta placa lia-se em letras bem grandes: BRAZOS SURFAT.
O ferido divertia-se com a placa que trazia seu nome, pois sabia perfeitamente quem
era ele. Além disso a placa apertava seu estômago quando deitava de barriga. E não havia
nada que Surfat apreciasse mais que o conforto. Não sabia quanto tempo a gente era
capaz de agüentar no hospital de bordo, com um ferimento produzido por um tiro e sob
os efeitos da anestesia, mas estava disposto a estabelecer um novo recorde.
O pior era que por enquanto só lhe davam chá.
Se não fosse este maldito medo-robô, ele se arriscaria a ir ao seu camarote e levar o
uísque escondido por lá ao hospital.
— Brazos! — gritou alguém que se encontrava na porta.
Surfat levantou a cabeça. No mesmo instante o sangue subiu-lhe ao rosto. Ele se
traíra.
— Entre, rapazinho — pediu, dirigindo-se ao homem que se encontrava na entrada.
Chard Bradon aproximou-se nas pontas dos pés.
— Não sabe pisar mais como um homem? — perguntou Surfat em tom gelado. —
Por que fica rastejando que nem um gato?
— O doutor Lerbig me disse que não se deve fazer barulho perto de um homem
gravemente enfermo — respondeu o jovem tenente.
Surfat franziu a testa.
— Foi mesmo?
— Recomenda que a gente ande na ponta dos pés — prosseguiu Bradon em tom
sério.
Surfat mordeu o lábio.
— Não foi o que eu quis dizer — gritou, impaciente. — Quero saber se ele disse
que estou gravemente enfermo.
Bradon acenou com a cabeça. Parecia preocupado.
— Hum — fez Surfat, pensativo. Deixou-se cair no travesseiro, exausto. — Só sinto
falta de uma coisa: um bom gole de uísque — disse depois de algum tempo.
Bradon encarou-o.
— Será que é mesmo o uísque que lhe faz falta? — perguntou.
Surfat acenou fortemente com a cabeça, fazendo ranger a cama e sacudindo as
carnes do rosto.
— Acontece que não existe uísque a bordo da Crest. — disse Bradon com a voz
triste.
O medo-robô pegou um pano úmido e enxugou o suor da testa de Surfat. O sargento
empurrou-o, zangado. Bradon examinava cuidadosamente as unhas dos dedos.
Surfat tossiu levemente. Bradon fitou-o assustado.
— Será que esta tosse não é um sintoma de pneumonia?
Surfat voltou a prestar atenção ao que se passava dentro dele.
— Pode ser — disse com a voz triste. — A única coisa que poderia ajudar-me seria
um bom gole de uísque.
Bradon sorriu, malicioso.
— Onde foi que você o escondeu?
Surfat alisou cuidadosamente a coberta.
— Em meu camarote — disse como que ao acaso. — Na gaveta de baixo do
armário.
Bradon levantou sem dizer uma palavra, piscou para o sargento e retirou-se. “Ainda
bem”, pensou o sargento, “que a gente tem um amigo entre os oficiais mais jovens. Estes
rapazes sempre estão prontos a fazer um favor a um velho combatente.”
Surfat espreguiçou-se gostosamente. Até que poderia agüentar algum tempo onde
estava. Dali a algumas horas a nave decolaria do planeta Ollura. A tripulação já se
recuperara bem dos efeitos do gás orgânico. A fogueira atômica já se apagara.
“Com um pouco de fantasia um homem até pode passar bons tempos na Frota
Solar”, pensou Surfat, satisfeito consigo mesmo.
Seus pensamentos agradáveis foram interrompidos por algumas pancadas violentas
na porta. Dali a pouco esta se abriu violentamente, e o Major Don Redhorse entrou.
Brazos Surfat engoliu a bola que se formara em sua garganta e fez um esforço para
olhar para a parede.
— Bradon acaba de me comunicar uma coisa agradável. O senhor recuperou-se da
amnésia — disse Redhorse com um sorriso.
— O quê? — perguntou Surfat, perplexo. — Pois é. — disse. — Já melhorei um
pouco, mas ainda não me lembro de tudo.
— Encontrei-me com Bradon em seu camarote — observou Redhorse.
— Ora! — fez Surfat, espantado. — O que estava fazendo por lá?
— Parece que sua amnésia ainda não passou de vez — constatou Redhorse. —
Senão o senhor se lembraria que foi o senhor que mandou Bradon para lá. Faz somente
alguns minutos.
— Enxugue o suor! — ordenou Surfat ao medo-robô com a voz quase inaudível. —
Por que haveria da mandar o Tenente Bradon ao meu camarote? — perguntou,
esforçando-se para dar ao rosto uma expressão tão inocente como era sua pergunta.
Redhorse tirou uma garrafa bojuda com um líquido marrom debaixo do casaco do
uniforme e colocou-a sobre a mesinha junto à cama.
— Foi por isto! — disse.
O sargento virou os olhos de um lado para outro.
— Uísque! — disse num sopro.
O Major Don Redhorse fez uma ligeira mesura.
— Entrego-lhe isto com as recomendações do Tenente Chard Bradon — disse.
Perplexo, Brazos Surfat olhava ora para a garrafa, ora para o cheiene.
— Quer dizer que... que posso ficar com isto? — perguntou, apontando para a
garrafa.
— Fazemos qualquer coisa pelos heróis da Frota Solar que estão gravemente
enfermos.
Virou abruptamente a cabeça e piscou para Surfat — do mesmo jeito que Bradon
tinha piscado — e saiu.
Incrédulo, Surfat passou as mãos pela garrafa. Só mesmo ele para ter tamanha sorte.
Abriu a garrafa, farejando gostosamente. No mesmo instante compreendeu que o
tempo que passaria no hospital da nave chegara ao fim. Praguejou. O líquido que havia
na garrafa era da cor do uísque.
Mas o aroma que saiu dela era inconfundível.
Chá!

***
**
*

A Crest III foi reconquistada e sua


tripulação se libertara da influência dos
biodegradadores.
Kalak, o engenheiro cósmico que
desempenhou um papel tão importante na
operação de libertação, chega a acordo com
Perry Rhodan, e coloca seu estaleiro voador à
disposição dos terranos.
O preço que estes têm de pagar é O Avanço
no Mundo das Trevas.
O Avanço no Mundo das Trevas é o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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