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LIFESTYLE

Máscaras protetoras: adeus à identidade… e à maquilhagem?


03.05.2020 às 0h17

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Na crónica ‘Sem Preço’, a jornalista Catarina Nunes escreve sobre a perda de relevância da
maquilhagem com a normalização do uso de máscara protetora

CATARINA NUNES

Os rostos escondidos são um desafio para a indústria da maquilhagem, em principal para os batons
RUI DUARTE SILVA

A
abertura progressiva à vida fora de casa e a normalização do uso de máscara protetora são um alívio
para aqueles que, como eu, entendem que o con namento não é eternizável e que o coronavírus vai
continuar por aí à solta. A combinação destes dois aspetos – o ir à rua e o uso de máscara – traz efeitos
colaterais (não tão graves como os sintomas da covid-19): a perda de identidade e a irrelevância da
maquilhagem.
Nas breves idas ao supermercado resisti, até há algumas semanas, à ideia de usar máscara protetora,
aguardando a clari cação da e cácia em não-infetados e a recomendação ou obrigatoriedade o cial. Numa
dessas saídas para ir às compras tive o primeiro contacto com o lado mais desumanizante daquilo que é o ‘novo
normal’, ao cruzar-me no supermercado com uma pessoa que conheço, irreconhecível com os dois terços do
rosto tapados. Com a expressão facial escondida perde-se também o indicador de emoções, seja o sorriso ou a
‘cara fechada’.

A questão (que é a normalidade das mulheres muçulmanas que usam niqab ou burca e dos asiáticos, adeptos das
máscaras protetoras muito antes do coronavírus) confronta agora os ocidentais com aquilo que era um dado
adquirido: a livre expressão da identidade facial. Naturalmente que a perda deste direito é em nome de um bem
maior e o uso de máscara, para já, é obrigatório apenas em espaços e serviços públicos. Por esta altura, as marcas
de produtos de maquilhagem estarão, provavelmente, a torcer para que o levantar do estado de emergência não
implique o uso obrigatório em todas as circunstâncias.

Já testei a compatibilidade da máscara facial com o uso de batom, base, blush e iluminador. Além de não ser
visível por baixo da máscara (o que lhe retira o propósito), a maquilhagem tem tendência a derreter com a
transpiração do rosto, xando-se na máscara. Salva-se a hipótese de usar lápis de olhos, rímel, sombras,
purpurinas e delineador de sobrancelhas, que não fazem parte dos meus hábitos de maquilhagem diários. Até à
data, as marcas de maquilhagem não se podem queixar, sejam as que são vendidas em perfumarias ou as de
supermercado. O gasto médio em Portugal em pinturas para o rosto cresce 8,4% no primeiro trimestre de 2020,
face ao mesmo período em 2019, apesar de a frequência de compra diminuir 1,1%, de acordo com os dados do
painel de indivíduos da Kantar, empresa especializada em monitorização e análise do comportamento do
consumidor.

Isto signi ca que a quarentena, até março, trouxe uma necessidade acrescida às portuguesas (e aos portugueses
que se maquilham) de se sentirem com a autoestima elevada, que o uso de maquilhagem proporciona. A
proliferação de diretos nas redes sociais, nomeadamente no Instagram, e de vídeos de in uenciadoras e
celebridades com dicas de maquilhagem para estar em casa, em reuniões no Zoom ou em chamadas de vídeo
terão ajudado. Na verdade, a tendência de crescimento vem de 2019, com o online a ser o canal mais procurado
para a aquisição de produtos de maquilhagem, que é também onde se tem concentrado o consumo nos últimos
meses.

Na China, que vai um passo à frente na pandemia e no descon namento, as vendas de bases, blushes e de batons
estão em queda no primeiro trimestre, mas a Tmall (plataforma da Alibaba) regista um crescimento de 40% das
vendas de delineadores de olhos e sombras de marcas estrangeiras. Desde o nal de janeiro há vários retalhistas
na China a desenvolver o conceito de maquilhagem associada ao uso de máscara cirúrgica, com conteúdos
promovidos em redes sociais como Weibo e WeChat, por exemplo. É a oportunidade de as marcas salientarem as
suas características de durabilidade por baixo da máscara, ajustando a narrativa da oferta ao novo contexto e
capitalizando o que é a nova normalidade.

O crescimento das vendas dos produtos de maquilhagem para os olhos é um caminho natural, quando essa é a
única parte do rosto que agora está descoberta. Mas perde-se a referência das expressões faciais, que nos guiam
na aferição do estado de espírito daqueles com quem interagimos. E a possibilidade de reconhecer ou descobrir
um novo rosto. Ganha-se o apurar da audição e a conversa olhos nos olhos. Os rostos escondidos são um desa o
para a indústria da maquilhagem, em principal para os batons. Esta é uma das categorias que, até agora, mais
cresce em vendas, o que estava a levar as marcas de luxo (como a Hermès, por exemplo) a lançarem-se neste
mercado.

Para a indústria da moda ou empreendedores é uma oportunidade, com a maioria das marcas de luxo e empresas
têxteis a inundarem o mercado com coberturas de rosto que prometem proteger da contaminação. Crescem em
particular os modelos em pano, ou em outros materiais e as opções feitas em casa. Conferem uma sensação de
segurança e são uma nova expressão de estilo pessoal, com inúmeras formas, cores e padrões, e até já há umas
com sorrisos e emojis. Em tempos de início de descon namento e de adaptação a uma normalidade possível, as
máscaras põem-nos a todos em igualdade (com as mulheres muçulmanas ou os indesejáveis potenciais
assaltantes…). É um convite a olhar para lá da aparência e com empatia. Olhos nos olhos, com ou sem
maquilhagem.

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