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Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário

Suzi Maria Mariño e Anamaria de Moraes


UNEB – Salvador, Julho/2012
Sumário

1 ORIGENS E CONCEITUAÇÃO DA ERGONOMIA .......................................................... 4


1.1 Os Autores Franceses ................................................................................ 7
1.2 A Voz Oficial ............................................................................................. 11
1.3 A Questão Principal ................................................................................... 11
1.4 Ergonomia: Ciência ou Tecnologia? ............................................................ 12
1.5 Tecnologia e Investigação Científica............................................................ 13
1.6 Conclusões ............................................................................................... 14
1.7 Mais uma Definição: uma Proposta ............................................................. 14

2 O PENSAMENTO / O ENFOQUE SISTÊMICO............................................................... 16


2.1 Da Máquina ao Sistema................................................................................................... 16
2.2 Homens e Sistemas ....................................................................................................... 19
2.3 Uma Definição de Sistema ............................................................................................. 20
2.3.1 Conjunto de Partes Interagentes ........................................................................... 20
2.3.2 Segundo um Plano ou Princípio ........................................................... 21
2.3.3 Outra Definição de Sistema ................................................................................... 21
2.3.4 Existem Três Tipos de Objetos ........................................................... 22

3 INTERVENÇÃO ERGONÔMICA.................................................................................. 25
3.1 Apreciação Ergonômica ............................................................................. 25
3.2 Diagnose Ergonômica ................................................................................ 25
3.3 Projetação Ergonômica .............................................................................. 26
3.4 Avaliação, Validação e/ou Testes Ergonômicos ............................................ 26
3.5 Detalhamento Ergonômico e Otimização ..................................................... 26

4 ALGUNS CONCEITOS PARA MODELAGEM DO SISTEMA HOMEM-TAREFA-MÁQUINA..... 29


4.1 Conceituação de Sistema Homem-Máquina ................................................. 29
4.1.1 Algumas Definições ............................................................................ 29
4.2 Caracterização dos Sistemas Homens-Máquinas .......................................... 31
4.3 Modelos do Sistema Operando ................................................................... 34
4.4 Problematização do Sistema Homem-Tarefa-Máquina .................................. 43
4.5 Categorização e Taxionomia dos Problemas Ergonômicos do Sistema
Homem-Tarefa-Máquina ........................................................................... 46
4.6 Disfunções Sistêmicas do Sistema Homem-Tarefa-Máquina .......................... 48
4.7 Parecer Ergonômico .................................................................................. 49
4.7.1 A Formulação do Problema ................................................................. 49

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4.7.2 A Priorização e Consolidação do Problema ........................................... 49
4.7.3 Referencial Teórico ............................................................................ 50
4.7.4 Predições .......................................................................................... 50
4.7.5 As Sugestões Preliminares de Melhorias............................................... 50
4.7.6 O Quadro do Parecer Ergonômico: Formulação do Problema e
Sugestões Preliminares de Melhorias............................................................ 50

4.8 Tabela GUT ............................................................................................. 51

5 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 52

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1 Origens e Conceituação da Ergonomia

De acordo com dados da Ergonomics Research Society, Inglaterra apud IIDA (1991), “(...)
Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e o seu trabalho, equipamento e
ambiente, e particularmente a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia
na solução dos problemas surgidos desse relacionamento”.

Tendo suas origens na II Guerra Mundial, surge a ergonomia, segundo IIDA (1991), “com os
objetivos práticos de segurança, satisfação e bem-estar dos trabalhadores no seu relacionamento
com sistemas produtivos. A eficiência virá como resultado. (...) a ergonomia visa, em primeiro
lugar, o bem-estar do trabalhador. (...) a ergonomia parte do conhecimento do homem para
fazer o projeto do trabalho, ajustando-o às capacidades e limitações humanas.”

“(...) A ergonomia tem data ‘oficial’ de nascimento: 12 de julho de 1949. Nesse dia, reuniram-se,
pela primeira vez, na Inglaterra, um grupo de cientistas e pesquisadores interessados em discutir
e formalizar a existência desse novo ramo de aplicação interdisciplinar da ciência” (IIDA, 1991).
“O termo Ergonomia é derivado das palavras gregas ergon (trabalho) e nomos (regras, normas).”
(DUL et alli, 1995). Esse termo foi adotado nos principais países europeus, onde se fundou a
Associação Internacional de Ergonomia, que realizou o seu primeiro congresso em Estocolmo, em
1961. Nos Estados Unidos foi criada a Human Factors Society em 1957 e até hoje o termo mais
usual naquele país continua sendo human factors (fatores humanos), embora Ergonomia já seja
aceito como sinônimo. (IIDA, 1991)

Teve como um de seus precursores Federick Winslow Taylor, pai da administração científica do
trabalho. Taylor foi o primeiro a realizar a análise do trabalho com o objetivo de mudá-lo. Teve
seus objetivos diferentes dos da ergonomia, pois só visava o aumento da produção, mesmo que
com isso levasse o trabalhador a constrangimentos.

Segundo DUL et alli (1995), “a ergonomia estuda vários aspectos: a postura e os movimentos
corporais (sentado, de pé, empurrando, puxando e levantando pesos), fatores ambientais
(ruídos, vibrações, iluminação, clima, agentes químicos), informação (informações captadas pela
visão, audição e outros sentidos), controles, relações entre mostradores e controles, bem como
cargos e tarefas (tarefas adequadas, cargos interessantes). A conjugação adequada desses
fatores permite projetar ambientes seguros, saudáveis, confortáveis e eficientes, tanto no
trabalho quanto na vida cotidiana.”

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A ergonomia, de acordo com IIDA (1991), estuda diversos aspectos do comportamento humano
no trabalho e outros fatores importantes para o projeto de sistemas de trabalho, que são:

 homem - características físicas, fisiológicas, psicológicas e sociais do trabalhador (...);


 máquina - entende-se por máquina todas as ajudas materiais que o homem utiliza no seu
trabalho, englobando os equipamentos, ferramentas, mobiliário e instalações;
 ambiente - estuda as características do ambiente físico que envolve o homem durante o
trabalho, como a temperatura, ruídos, vibrações, luz, cores, gases e outros;
 informação - refere-se às comunicações existentes entre os elementos de um sistema, a
transmissão de informações, o processamento e a tomada e formação de equipes;
 organização - é a conjugação dos elementos acima citados no sistema produtivo, estudando
aspectos como horários, turnos de trabalho e formação de equipes;

MORAES & SOARES (1989) diz que "a ergonomia seja no enfoque francês, ou no americano,
lança mão de métodos e técnicas de pesquisa já consagrados por outras ciências e disciplinas
tecnológicas, seu objeto - o trabalhador trabalhando no seu local de trabalho - também é o foco
da engenharia de produção e do estudo de métodos. A ergonomia também divide seu objetivo,
quer seja adaptar o trabalho, maquinária e equipamentos às características e capacidades
humanas, ou seja melhorar as condições específicas do trabalho humano, como a higiene e
segurança do trabalho. A singularidade da ergonomia está justamente na sua práxis que integra
as pesquisas sobre o homem, como os estudos tecnológicos e com a proteção e avaliação de
sistemas, interfaces e componentes, sempre a partir das variáveis fisiológicas e cognitivas
humanas e segundo critérios que privilegiam o conforto, a segurança e o bem-estar do homem".

A ergonomia situa-se como mediadora entre as ciências, que estudam os diversos aspectos do
ser humano, e as diversas tecnologias projetuais, para as quais fornece recomendações
ergonômicas que viabilizam projetos e ambientes humanos. Na figura 1, MORAES (1992),
apresenta-nos um quadro da Ergonomia com suas etapas de intervenção e finalidades.

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Figura 1 – Fronteiras da Ergonomia, Ciência e Tecnologia: Projetos Ergonômicos (MORAES, 1992)

Várias são as definições da ergonomia. Alguns autores a classificam como ciência, outros como
tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto outros
focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem. No entanto, a questão onde aparecem
mais divergências é, sem dúvida, o caráter científico da ergonomia. Muitos que afirmam que
Ergonomia é uma ciência imaginam que dessa maneira tornam a ergonomia uma disciplina mais
séria e importante – afinal ela é uma ciência!

Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que assim se comete um equívoco sobre o que é a tecnologia
e sobre suas relações com a ergonomia. Cumpre enfatizar que a tecnologia utiliza os métodos

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científicos. Consideram-se as definições de tecnologia substantiva e operativa de Mario Bunge, a
diferença de arte, técnica, tecnologia e ciência. Ao final propõe-se uma definição que considera a
ergonomia como a tecnologia projetual das comunicações nas interfaces humano-tecnologia.

O tema se mostra mais atual quando a IEA – International Ergonomics Association – em seu
último congresso trienal acaba de propor uma nova definição para Ergonomia. Discute-se o
conceito de tecnologia para argumentar e definir a Ergonomia como uma tecnologia substantiva
e operativa.

Durante a reunião do Conselho Executivo da IEA, nos dias 29 e 30 de julho de 2000, antes do

14º Congresso Trienal de Ergonomia, que ocorreu até 4 de agosto, em San Diego, Califórnia,
aconteceu uma saudável discussão sobre ajustes na definição de Ergonomia, proposta pela IEA.
Estavam presentes cerca de 50 representantes das várias associações e sociedades de
Ergonomia existentes na América, na Europa, na Ásia e na África. Um dos itens que provocou
mais debates foi a definição de Ergonomia. Levantaram-se preocupações relativas à falta de
referência para a pesquisa e o ensino no que tange ao papel da Ergonomia.

Discutiu-se se: cabe ao ergonomista: “otimizar” um sistema ou somente melhorá-lo; a definição


do que é um sistema; e a combinação na definição do que é a ergonomia e do que os
ergonomistas fazem.

Reconheceu-se, ao final, que a definição proposta representava um consenso de opiniões


apresentadas durante os últimos dois anos, quando esta questão foi apresentada pela IEA –
International Ergonomics Association. Havia o perigo que as mudanças propostas pelo conselho
pudessem ser menos aceitáveis do que a proposta original, como se afirmou, “um camelo é
conhecido como sendo um cavalo projetado por um comitê”.

1.1 Os Autores Franceses


“A Ergonomia é uma disciplina científica: seu objeto de estudo é o funcionamento do homem
em atividade profissional. (...) A Ergonomia desenvolve pesquisas específicas, ela criou um
conjunto de métodos, alguns emprestados de outras disciplinas, outros que lhe são próprios.
A Ergonomia é uma disciplina técnica porque ela tem como objeto construir conhecimentos e
organizá-los para aplicá-los à concepção dos meios de trabalho considerando os critérios de
saúde, de desenvolvimento das capacidades dos trabalhadores e de produção.

Esta aplicação destaca-se como uma arte, como a arte do engenheiro ou do médico, porque
ele trata de colocar em jogo um conjunto de conhecimentos técnicos e práticos para produzir
realizações particulares. (Laville, 1998). “A definição de Ergonomia poderia ser simplesmente

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“ciência do trabalho”. Uma ciência que não consideraria as fronteiras convencionais impostas
pelas práticas da direção da empresa, às quais fazem eco os discursos dos especialistas. O
engenheiro que concebe as máquinas, os organizadores que repartem as funções, o agente
de organização e métodos que fixa os tempos e movimentos, o médico do trabalho
preocupado com a higiene, o responsável pela segurança que só pensa em acidentes aqueles
que tratam da qualidade preocupados com a fiabilidade humana, o diretor de pessoal que
recruta e negocia as remunerações, os sindicalistas, que lutam contra os licenciamentos...
Todos se ocupam do trabalho e do trabalhador, mas seus enfoques são parciais e talvez
contraditórios: a segurança pode se opor à produtividade, uma organização muito restritiva
pode impedir as iniciativas, e as qualificações contradizerem as competências...Uma ciência do
trabalho digna deste nome deverá poder superar estas contradições”. (de Montmollin, 1996).

“Esta é a razão por que também não propusemos uma definição normativa da ergonomia.
Esta de fato não constitui um campo disciplinar homogêneo, estabelecido, onde os conteúdos
e as fronteiras sejam objeto de um consenso majoritário (sabemos por exemplo que as
instituições universitárias francesas não reconhecem a ergonomia como uma disciplina).
(...) Mas o território e as fronteiras não têm nada de definitivo. A ergonomia vive hoje uma
crise de crescimento e se interroga sobre sua identidade. Até onde nós podemos ou devemos
assumir o “mundo do trabalho”? (de Montmollin, 1997).

(...) “Esta a razão por que se prefere, aqui, Ergonomias (no plural). (...) Parece impossível
definir a ergonomia no singular, como se faz com as disciplinas cuja historia determinou
fronteiras maioritariamente reconhecidas, como a física, a psicologia ou a sociologia. O plural
é, no entanto, modesto: pretende-se distinguir, na história, como nos conceitos e práticas,
dois principais conjuntos de ergonomias, que se referem a dois grandes modelos, ou quadros
teóricos gerais. (de Montmollin, 1997).
“O primeiro corresponde à ergonomia clássica, mundialmente majoritária, liderada pelos
americanos e britânicos, que qualificaremos como centrado no componente humano dos
sistemas homem-máquina. O segundo, antes isolado sobretudo nos países francófonos
(França, Bélgica, Quebec), mas que felizmente tende a se universalizar, que qualificaremos
como a ergonomia centrada noa atividade humana e, mais precisamente, atividade situada.
(de Montmollin, 1997).

“Estas duas grandes correntes não estão em oposição (mesmo se talvez os ergonomistas que
as representam estão...), mas se complementam. Esta dicotomia entre a duas principais
famílias de ergonomias repousa sobre os quadros teóricos, os modelos e os métodos
diferentes (de Montmollin, 1997).

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“(...) Hoje, são sobretudo, mas não exclusivamente, as atividades ditas cognitivas que são
estudadas (a ergonomia cognitiva se constitui assim como uma certa autonomia). Quer dizer,
para ser rápido, as atividades onde o essencial é constituído pela compreensão, pelo
operador, de situações às quais ele dá uma significação. As situações que comportam quase
sempre uma dimensão coletiva”. (Montmollin, 1997).

A Ergonomia é uma disciplina científica um pouco especial. Ela é constituída por várias
disciplinas, mais exatamente por partes de disciplinas, que concorrem para o conhecimento
científico de homem no trabalho, sobre os diversos aspectos fisiológicos, psicológicos,
sociológicos e médicos do trabalho humano. Este conhecimento científico visa um objetivo
prático que condiciona e justifica a própria existência da Ergonomia: a adaptação do trabalho
ao homem. Não é suficiente estudar o trabalho humano para que o estudo possa ser
qualificado de ergonômico. É necessário que o objetivo do estudo seja explicitamente a
adaptação do trabalho às diversas características dos homens que trabalham numa
determinada situação, (Sperandio, 1988).

"ou seja o arranjo concreto de utensílios, de postos de trabalho e de sistemas homens-


máquinas, do ambiente e da organização do trabalho, assim como de todas as mediações
técnicas utilizadas. Sob este aspecto, a ergonomia é função de engenheiros e de técnicos
tanto quanto de pesquisadores científicos. Ela trata diretamente do conteúdo e das condições
de trabalho de todos os trabalhadores, seja qual for o trabalho, com predominância física ou
intelectual”. (Sperandio, 1988).

“A Ergonomia é o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários


para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados como o
máximo de conforto, segurança e eficácia. A prática ergonômica é uma arte (como se diz da
arte médica e da arte do engenheiro) que utiliza técnicas e se baseia em conhecimentos
científicos”. (Wisner, 1987)

“Pode-se definir Ergonomia como o estudo das habilidades e características humanas que
afetam o design de equipamentos, sistemas e trabalhos. Ela é uma atividade interdisciplinar
com base na engenharia, psicologia, anatomia, fisiologia, e estudos organizacionais. Seu
objetivo é melhorar a eficiência, a segurança e o bem-estar do operador”. (Corllet & Clark,
1995).

“Para muitas pessoas a ergonomia é um conceito, uma idéia. É uma maneira de olhar o
mundo, de pensar sobre as pessoas e como elas interagem com todos os aspectos do seu
ambiente, seus equipamentos e sua situação de trabalho. A Ergonomia tem como foco central

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a proposição que desde que as pessoas habitaram este mundo muito antes das máquinas (na
verdades, as pessoas inventaram as máquinas) e desde que desejamos que nossa interação
com nosso ambiente seja efetiva é fundamental que nós nos mantenhamos no total controle
das operações do sistema no qual trabalhamos. (Oborne, 1995).

“Para garantir este resultado e para assegurar ótima interação, as “máquinas” e o ambiente
de trabalho no qual elas operam devem ser projetados para se adaptar aos pensamentos,
desejos e habilidades das pessoas”. (Oborne, 1995).

“As pessoas definem ergonomia de diversas maneiras. Provavelmente o mais simples:


Ergonomia é o estudo científico do trabalho humano.

A palavra ‘trabalho’ pode ser usada em sentido amplo e restrito. No sentido estrito ela se
refere às coisas que fazemos para ganhos econômicos – ou seja para ganhar a vida. (...) Mas,
em sentido, amplo ‘trabalho’ se refere a quase todas as espécies de atividades humanas, que
envolvem um propósito ou esforço. (...) A ciência da Ergonomia lida com o trabalho no
sentido amplo, embora o trabalho em sentido estrito tenha sido fundamental para o seu
desenvolvimento.

“O trabalho geralmente envolve o uso de máquinas ou ferramentas. (...) De algum modo faz
mais sentido definir ergonomia em termos do seu papel no processo de design. Tende-se,
assim, a refletir mais acuradamente o que os ergonomistas profissionais realmente fazem. A
Ergonomia é a aplicação da informação científica relativa ao ser humano ao design de objetos,
sistemas, e ambiente para uso humano. (Pheasant, 1991)”.
“Quando um objeto é projetado para uso humano ele deve necessariamente ser usado com
algum propósito. Este propósito pode (em sentido amplo) ser chamado trabalho.

Os dois enfoques da ergonomia podem ser sintetizados na seguinte frase, que é mais um
“slogan do que uma definição: A Ergonomia é a ciência de adequar o trabalho aos
trabalhadores e os produtos aos usuários”.

“Uma ação efetiva da ergonomia é aquela que otimiza: a eficiência no trabalho (performance,
produtividade, etc,); saúde e segurança; conforto e usabilidade (fácil de usar)” (Pheasant,
1991).

“Ergonomia é atualmente um termo aceito em todo o mundo em relação a prática de


aprender sobre as características humanas e, então, utilizar este entendimento para melhorar
as interações das pessoas com as coisas que elas usam e com o ambiente no qual tal ocorre.

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Nos Estados Unidos, o termo equivalente foi “fatores humanos”, mas ergonomistas em todos
o mundo consideravam esta denominação como sinônimo de ergonomia e, mesmo nos
Estados Unidos, sua sociedade profissional é agora conhecida como “Human Factors and
Ergonomics Society” (Wilson, 1995).

“Existem diferentes definições de Ergonomia, mas as diferenças relacionam-se mais com a


determinação das fronteiras da ergonomia do que com discordâncias fundamentais de
enfoque. (...) Uma definição relativamente compreensível é que ergonomia é aquele ramo da
ciência e tecnologia que inclui o que é conhecido e teorizado sobre as características
comportamentais e biológicas humanas que podem ser validamente aplicadas para
especificação, design, avaliação, operação e manutenção de produtos e sistemas para
aumentar a segurança, eficiência e uso satisfatório por indivíduos, grupos e organizações
(Wilson, 1995)”.

“Tal definição enfatiza a coleta de dados ou derivação (ciência) e aplicação (tecnologia), o


input da ergonomia em relação a todos os aspectos do ciclo de vida de sistemas e a
multiplicidade de objetivos que nós temos.”(Wilson, 1995).

1.2 A Voz Oficial


"A ergonomia é o estudo científico da relação entre o homem e seus meios, métodos e espaço
de trabalho. Seu objetivo é elaborar, mediante a contribuição de diversas disciplinas científicas
que a compõem, um corpo de conhecimentos que, dentro de uma perspectiva de aplicação,
deve resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos e dos ambientes de
trabalho e de vida" (Congresso Internacional de Ergonomia, 1969).

“Ergonomia (ou human factors) é a disciplina científica que trata de entender as interações
em humanos e outros elementos de um sistema; é a profissão que aplica teoria, princípios,
dados e métodos para projetar de modo a otimizar o bem-estar humano e a performance
total do sistema”. (Conselho Executivo da IEA, 2000).

1.3 A Questão Principal


Várias são as definições da ergonomia. Alguns autores a classificam como ciência, outros
como tecnologia. Alguns destacam os aspectos sistemáticos e comunicacionais, enquanto
outros focalizam a questão da adaptação da máquina ao homem. No entanto, a questão onde
aparecem mais divergências é, sem dúvida, o caráter científico da ergonomia. Muitos que
afirmam que Ergonomia é uma ciência imaginam que dessa maneira tornam a ergonomia uma
disciplina mais séria e importante – afinal ela é uma ciência!!

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Cabe ressaltar, em primeiro lugar, que assim se comete um equívoco sobre o que é a
tecnologia e sobre suas relações com a ergonomia. Cumpre enfatizar que a tecnologia utiliza
os métodos científicos. Consideram-se as definições de tecnologia substantiva e operativa de
Mario Bunge, a diferença de arte, técnica, tecnologia e ciência. Ao final propõe-se uma
definição que considera a ergonomia como a tecnologia projetual das comunicações nas
interfaces humano-tecnologia.

1.4 Ergonomia: Ciência ou Tecnologia?


Kneller (1975) afirma que a tecnologia moderna com bases científicas, que compreende o uso
da ciência básica e aplicada, produz artefatos, desenvolve novas técnicas e organiza as
atividades humanas. A tecnologia eletrônica, por exemplo, usa conhecimentos das ciências
eletrônicas aplicadas para construir equipamentos. Os produtos da tecnologia que incluem:
artefatos, como satélites artificiais, câmaras fotográficas; técnicas, como análise de sistemas e
organização o trabalho em linha de produção; consubstanciam vários resultados das ciências
básicas e aplicadas.

A tecnologia moderna produz máquinas e ferramentas, mas também organiza e estrutura


atividades. A tecnologia física (pesada) tem como seus fundamentos as ciências naturais e a
tecnologia não física (leve) compreendem as ciências comportamentais. Uma organização ou
sistema administrativo que considere os princípios da gerência científica é um construto
tecnológico do mesmo modo que um dispositivo espacial. A tecnologia automotiva, por
exemplo, considera não somente o produto, mas também os equipamentos utilizados nas
fábricas e a organização do trabalho.

De acordo com BUNGE (1975), os limites entre conhecimento científico e conhecimento


prático, entre pesquisa pura e pesquisa aplicada estão se apagando. No entanto, tal não
elimina as diferenças, e o processo não é senão o resultado de uma colocação cada vez mais
científica dos problemas práticos - ou seja, de uma difusão do método científico.A
identificação do conhecimento com a prática não se deve somente a uma falha na análise de
ambos, ou à falta de análises, mas sim ao desejo legítimo de evitar os dois extremos - a teoria
especulativa e a ação cega. Porém, a melhor maneira de defender a contrastabilidade das
teorias e a possibilidade de melhorar a racionalidade da ação não é ignorar as diferenças
entre teorizar e fazer, ou afirmando que a ação é a contrastação da teoria, porque essas teses
são falsas e, nenhum programa defensável, pode basear-se na falsidade.

“Um corpo de conhecimento é uma tecnologia se, e somente se:


1) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico,

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2) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou sociais".
(BUNGE, 1980)

Observe-se que, segundo esta definição, uma tecnologia pode ter ou não uma interseção com
alguma ciência. Todas as tecnologias tradicionais - as engenharias e as tecnologias biológicas
- têm algo em comum com a ciência, à parte o método. Ao contrário, algumas das tecnologias
novas, tais como a pesquisa operacional e a informática, apenas partilham com a ciência seu
método. Logo, compreende-se como tecnologia todas as disciplinas orientadas para a prática,
sempre que usem o método científico.

Bunge (1969) observa que uma teoria tecnológica pode ser relevante para a ação, seja
porque forneça conhecimento sobre os objetos da ação (máquinas, por exemplo) seja porque
trate da própria ação (por exemplo, as decisões que precedem e controlam a fabricação ou o
uso das máquinas). Os dois tipos de teoria consistem em teorias tecnológicas.

1.5 Tecnologia e Investigação Científica


A tecnologia a partir de um ponto de vista metodológico não é diferente da investigação
científica. Em ambos os casos o ciclo de pesquisa compreende as seguintes etapas:

 reconhecer e delimitar o problema;


 tentar resolver o problema utilizando o conhecimento disponível (teórico ou empírico);
 se a tentativa anterior não for bem sucedida, propor novas predições ou técnicas (ou mesmo
sistemas hipotéticos dedutivos) capazes de resolver o problema;
 chegar à uma solução (exata ou aproximada do problema com a ajuda do novo material ou
instrumental conceitual;
 testar a nova solução ( no campo ou no laboratório);
 implementar as correções necessárias na hipótese ou nas técnicas ou mesmo na formulação
original do problema.Além de serem metodologicamente similares em ambos os casos a
pesquisa é orientada em direção à sua meta, embora as metas não sejam as mesmas. O
objetivo de uma investigação científica é a verdade. A meta de investigação tecnológica é a
verdade útil para alguém.
“A interação entre teoria e prática e a integração entre artes e ofícios com a tecnologia e a
ciência não se alcança proclamando sua unidade, mas considerando os seus múltiplos
contatos e estimulando o processo através do qual ofícios e técnicas se convertam em
tecnologia e a tecnologia se transforme em ciência aplicada. Tal implica a conversão de
algumas prescrições peculiares em regras estabelecidas, ou seja, regras que se fundamentem
em algumas leis”. (Bunge, 1969)

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1.6 Conclusões
Apesar das diferenças entre ciência, estudo científico e tecnologia, todos os ergonomistas,
entretanto, consideram os seguintes aspectos:

1) a utilização de dados científicos sobre o homem;


2) a origem multidisciplinar destes dados (anatomia, fisiologia, biomecânica,
neurofisiologia, psicofisiologia, psicologia, ciência cognitiva, sociologia, antropologia,
semiótica);
3) a interdisciplinaridade da ergonomia;
4) a aplicação ao dispositivo técnico, à organização do trabalho e ao treinamento dos
parâmetros e recomendações propostas pela ergonomia;
5) A relação da ergonomia com o design de máquinas, equipamentos, utensílios,
produtos de consumo, bens duráveis, sistemas de informação, avisos e advertências,
documentos, interfaces informatizadas e telas de computador, tarefas, organização do
trabalho, instruções e procedimentos:
6) a perspectiva do uso destes dispositivos técnicos pela população normal dos
trabalhadores, com suas capacidades e limites, sem implicar uma seleção que escolha
os 'homens certos';
7) a adaptação ao homem de máquinas, ambientes e trabalho e não o contrário;
8) a consideração das capacidades, características, habilidades, limites da população
usuária;
9) os objetivos de segurança, conforto e bem-estar.

1.7 Mais uma Definição: uma Proposta


Segundo Moraes, a ergonomia é uma tecnologia projetual – ela visa não só o estudo mas a
mudança. Como uma tecnologia substantiva, a ergonomia utiliza os resultados de pesquisas
descritivas e experimentais de fisiologia, psicologia, biomecânica como bases empíricas para o
design de máquinas, equipamentos, documentos, interfaces, software, ambientes, tarefas,
organização do trabalho, programas instrucionais, seguros, confortáveis, fáceis de usar,
seguros.
Como uma teoria tecnológica operativa, a ação ergonômica objetiva resolver problemas na
interface humano-tecnologia, usando métodos científicos da sociologia, da psicologia, da
antropologia, da abordagem sistêmica e da própria ergonomia. Finalmente, deve-se enfatizar
que a Ergonomia tem como foco principal O HUMANO, como um ser integral, o que significa
recuperar o sentido antropológico do trabalho, produzindo conhecimento para desalienação
do trabalho, para mudar e transformar o mundo”.

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“Human Factors/ Ergonomia sempre foi desafiadora, frustrante algumas vezes, gratificante em
outros momentos, mas nunca insípida. Eu posso honestamente afirmar, como retrospecto,
que eu tive uma vida plena – uma vida excitante – e que eu gostei de falar às pessoas sobre a
ergonomia, educando estudantes e outros para continuar, quando eu tiver que sair, e lutando
corpo a corpo com os problemas, tentando fazer nosso mundo material mais seguro, mais
confortável, e fácil de enfrentar”. (Chapanis, 1999).

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2 O Pensamento / O Enfoque Sistêmico
A ABORDAGEM SISTÊMICA

2.1 Da Máquina ao Sistema

Se alguém se dispusesse a analisar as noções correntes e os termos em moda encontrariam


bem a palavra “sistemas”. Este conceito invadiu todos os campos da ciência e penetrou no
pensamento popular e nos meios de comunicação de massa. São complexas as raízes desta
evolução. Um de seus aspectos é a passagem da engenharia de produção de energia – isto é,
libertação de grandes quantidades de energia tal como acontece nas máquinas a vapor ou
elétricas – para a engenharia de controle, que dirige processos empregando dispositivos de
baixa potência e conduziu aos computadores e à automação.

Apareceram máquinas auto controladas, desde o humilde termostato doméstico até os mísseis
autoguiados da Segunda Guerra Mundial e os mísseis imensamente aperfeiçoados de nossos
dias. A tecnologia foi levada a pensar não em termos de máquinas isoladas, mas em termos
de “sistemas”.

Uma máquina a vapor, um automóvel ou um receptor de rádio achavam-se dentro da


competência do engenheiro treinado na respectiva especialidade. Mas, quando se chega aos
mísseis balísticos ou aos veículos espaciais, estes engenhos têm de ser constituídos pela
reunião de componentes originados em tecnologias heterogêneas, mecânicas, eletrônicas,
químicas etc.

As relações entre o homem e a máquina passam a ter importância e entram em jogo


inumeráveis problemas financeiros, econômicos, sociais e políticos. Ainda mais, o tráfego
aéreo ou mesmo o de automóvel já não é mais tão-somente uma questão de veículos em
operação, mas formam sistemas que devem ser planejados ou organizados.

Esta evolução seria simplesmente mais uma das múltiplas facetas da modificação que se
passa em nossa sociedade tecnológica se não fosse a existência de um importante fator que
pode não ser devidamente compreendido pelas técnicas altamente complicadas e
necessariamente especializadas da ciência dos computadores, da engenharia dos sistemas e
campos relacionados com estas últimas.
Não é apenas a tendência da tecnologia de fazer as coisas maiores e melhores, ou mais
lucrativas, destruidoras, ou ambas. Trata-se de uma transformação nas categorias básicas de
pensamento da qual as complexidades da moderna tecnologia são apenas uma – e

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 16
possivelmente não a mais importante – manifestação. De uma maneira ou de outra, somos
forçados a tratar com complexos, com “totalidades” ou “sistemas” em todos os campos do
conhecimento.

Pode-se afirmar com Reis (1980, apud MORAES, 2000), que a abordagem de sistemas “nada
mais é do que um modo de pensar, uma maneira lógica de desenvolver o raciocínio, quando
trabalhamos com problemas amplos, nos quais necessitamos desta visão global. (...) Através
de uma série de passos, através de um conjunto de regras, procuramos guiar e construir
linhas básicas para o desenvolvimento do nosso raciocínio e intuição em problemas
complexos”.

Ou, como explicita Mendonça (1972, apud Moraes, 2000), “a abordagem de sistemas procura
disciplinar nosso raciocínio e nossa intuição, através de um processo lógico e de uma análise
formal e global do problema”.

Churchman (1972, apud MORAES, 2000), declara: “O enfoque sistêmico terá de perturbar
processos mentais típicos e sugerir alguns enfoques radicais para pensar. Na verdade, pode
ser já uma atitude de todo radical para alguém pensar primeiro sobre o objetivo global e em
seguida começar a descrever o sistema em função deste objetivo global”.

Nos últimos anos o triunfo da biologia molecular, o “fracionamento” do código genético, as


consecutivas realizações na genética, na evolução, em medicina, fisiologia celular e muitos
outros campos tornaram-se conhecimento comum. Mas, a despeito de – ou justamente por
causa de – uma percepção aprofundada conseguida pela biologia “molecular”, tornou-se
visível a necessidade de uma biologia “organísmica”, conforme proposição de Bertalanffy, em
1928, 1932, 1949, 1960 (O neologismo “organísmico” indica que se trata de uma intenção
especial de Bertalanffy. A palavra “orgânico”, que em português serve de adjetivo tanto para
“órgão” quanto para “organismo”, não expressaria o que Bertalanffy se propõe afirmar). A
biologia não tem que se ocupar apenas com o nível físico-químico ou molecular, mas também
com os níveis mais elevados de organização da matéria viva. De acordo com Ackoff (1990,
apud MORAES, 2000), na Era da Máquina o homem procurava dividir o mundo, analisar seu
conteúdo e nossas experiências em relação a ele chegando até partículas indivisíveis: átomos,
elementos químicos, células, instintos, percepção elementar. Estes elementos se relacionavam
através de leis de causa e efeito, leis que faziam com que o mundo se comportasse como
uma máquina. Este conceito mecanicista do mundo não possibilitava o estudo da busca de
metas, das proposições. Tais conceitos ou eram considerados como destituídos de significado
ou eram relegados ao campo da pura especulação, metafísica.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 17
Este homem que via o mundo como uma máquina tratou de desenvolver máquinas que
fizessem o trabalho do homem.

A mecanização permitiu substituir o homem por uma máquina como fonte de trabalho físico.
O próprio trabalho acabou parcelado em elementos cada vez menores que eram definidos
para máquinas e homens e então conjugados em modernas linhas de produção. A
produtividade aumentou e o trabalho se desumanizou. O processo que substituiu o homem
por máquinas acarretou que o homem se comportasse como uma máquina e desempenhasse
tarefas simples, repetitivas e monótonas.

Após a 2a. Guerra Mundial desenvolve-se uma nova maneira não mecanicista de abordar o
mundo - é a Idade dos Sistemas. Um sistema é um todo que não pode ser separado em
partes sem perda de suas características essenciais e que deve ser estudado como um todo.
Em vez de explicar o todo em temos de suas partes, as partes começam a ser explicadas em
termos do todo. Mais ainda, as coisas a serem explicadas são vistas como partes do todo mais
amplos em vez de serem consideradas como todos as serem divididos em partes. Em vez de
pensar no homem como similar da máquina, começa-se a pensar na máquina em temos
humanos.

A Idade dos Sistemas desencadeou a Revolução Pós-Industrial. Esta revolução muito recente
baseia-se em máquinas que podem observar (gerar dados), comunicar dados, e manipula-los
logicamente. Tais máquinas propiciam a mecanização do trabalho mental, a automação.
A Abordagem de Sistemas vai mais longe e recusa a separação entre ciência e humanidades.
O enfoque sistêmico considera que ciência e humanidades podem ser vistas e discutidas
separadamente, mas não podem ser separadas. À ciência cabe buscar a similaridade entre
coisas que parecem ser diferentes; a humanidade compete buscar diferenças entre coisas que
parecem ser iguais. Ambas são necessárias.

Por exemplo, para resolver um problema deve-se conhecer ciências e humanidades:


(1) através da ciência verificar em que medida ocorrem similaridades com problemas já
resolvidos de modo que se possa aplicar o que já foi aprendido;
(2) a partir das humanidades descobrir em que medidas ocorrem diferenças em relação a
qualquer problema já resolvido de modo a determinar o que se precisa ainda aprender.
Assim as humanidades têm como função identificar problemas a serem resolvidos e a
ciência tem como função resolvê-los.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 18
2.2 Homens e Sistemas
Como afirma Chapanis (1972, apud MORAES, 2000), em quaisquer sistemas de equipamentos
utilizam-se ou envolvem-se pessoas, pois os sistemas de equipamentos são sempre
elaborados com algum objetivo humano:
 eles existem para atender a determinada necessidade humana;
 eles são planejados e construídos pelo ser humano;
 são criaturas humanas que os manejam, supervisionando-os, observando-lhes o
funcionamento e cuidando de sua manutenção.

Os sistemas não substituem as válvulas, os transístores ou as lâmpadas que queimam, nem


soldam suas conexões. Tais incumbências são responsabilidades dos homens. Logo, pode-se
afirmar que todos os sistemas de equipamentos são sistemas homem-máquina - embora varie
enormemente a intensidade com que os sistemas homem-máquina envolvem os operadores
humanos.

O sistema de sinais de trânsito que regula o fluxo de veículos de qualquer grande cidade
funciona independentemente de operadores humanos. Depois que se instalam os sinais e
seus mecanismos reguladores, os sinais passam a acender e a apagar, automaticamente. Em
sistemas desse tipo, o papel do homem é de projetista, construtor e manutenidor.

Por outro lado, o automóvel é um bom exemplo de sistema altamente complexo, em que o
operador desempenha ativo papel de comando e intervém diretamente no sistema a cada
momento. Um automóvel pode andar durante algum tempo sem motorista, mas, para servir
ao seu propósito básico, como veículo para transportar algo ou alguém de um ponto a outro,
a atuação constante de um motorista é absolutamente indispensável.

De acordo com Meister (1989, apud MORAES, 2000), o conceito de sistema não é uma crença
nativa, que outras disciplinas usavam antes da ergonomia utilizá-lo. Sua aplicação na
ergonomia possibilitou o desenvolvimento de uma estrutura conceitual formal. No contexto da
ergonomia, o conceito de sistema significa que o desempenho humano no trabalho só pode
ser corretamente conceituado em termos de todos organizados e que para o desempenho do
trabalho este todo organizado é o sistema homem-máquina.
Atualmente, falam-se maravilhas da automação e sonha-se com o dia em que as máquinas
possam fazer tudo sozinhas. O fato é que muitos sistemas automáticos têm que utilizar
sempre o homem, seja de uma forma ou de outra. Na verdade, as pessoas se enganam
freqüentemente a respeito do montante de trabalho que os operadores humanos executam
em sistemas automáticos. Embora a proporção de homens para cada unidade mecânica seja

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 19
bem maior do que em sistemas automáticos, há operadores trabalhando e participando
ativamente da manipulação e do controle dos sistemas automatizados.

Nos sistemas homens-máquinas, cabe enfatizar a interação entre os homens e as máquinas. A


ergonomia não estuda o homem isolado nem a máquina isolada. Não constitui capítulo da
antropologia, da psicologia, da fisiologia, nem da engenharia ou do design.

Mais ainda: a partir do enfoque sistêmico, e com a visão do sistema homem + máquina como
um sistema aberto, o ergonomista considera as injunções da tecnologia, do quadro sócio-
econômico e da maturidade sindical. Aí reside sua originalidade, assim como a origem da sua
eficiência - o ergonomista estuda o trabalho numa perspectiva centrada no sistema - no
sistema homem-máquina - e sempre ressalta os requisitos humanos de segurança, conforto e
bem-estar.

2.3 Uma Definição de Sistema


De acordo com MENDONÇA (1972), pode-se definir sistema como:
 um conjunto de partes que se interagem de modo a atingir um determinado fim, de
acordo com um plano ou princípio;
 conjunto de procedimentos, doutrinas, idéias ou princípios logicamente ordenados e
coesos com intenção de descrever, explicar ou dirigir o funcionamento de um todo.

De acordo com REIS (1980), tal definição ainda guarda certo grau de generalidade. Cabe
adicionar algo que, poderíamos dizer, seriam requisitos para qualquer entidade 'lato sensu' ser
considerada um sistema:

1) conjunto de partes interagentes;


2) segundo um plano ou princípio;
3) objetivando atingir um determinado fim.

2.3.1 Conjunto de Partes Interagentes

Implica que a modificação em uma ou mais resulta em alteração em pelo menos uma
outra parte do todo.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 20
2.3.2 Segundo um Plano ou Princípio

Envolve o conceito de organização. Sabendo que em tudo no nosso universo há uma


tendência à catamorfose, a idéia de organização, inerente ao sistema, procura ir contra
esta tendência, no sentido de um equilíbrio ou do desenvolvimento, a anamorfose.

Objetivando atingir um determinado fim a interação entre as partes visa a um


determinado fim. (...) Enfatiza-se aqui o sentido teleológico, isto é, de relacionamento
das partes com um fim, ou objetivo.

Explicitam-se, assim, os seguintes conceitos:

 Sinergia - ato ou esforço coordenado de vários órgãos na realização de uma


função, associação simultânea de vários fatores que contribuem para uma ação
coordenada;
 Holismo - tendência que se supõe seja própria do universo de sintetizar
unidades em totalidades organizadas;
 Teleologia - estudo da finalidade, estudo dos fins humanos, doutrina que
considera o mundo como um sistema de relações entre meios e fins - da
abordagem de sistemas;
 Anamorfose - corresponde à mudança no estado de um sistema tendendo ao
desenvolvimento, à organização crescente - evolução contínua, sem etapas
descontínuas ou saltos. A situação inversa é a catamorfose.

Esta idéia de todo - holístico, sinergético e teleológico - é a base da filosofia de


sistemas que a utiliza nos mais diversos campos do conhecimento.

2.3.3 Outra Definição de Sistema

Uma definição comumente aceita para sistema, segundo Schoderbek (1990), apud
MORAES (2000), é que um sistema é um conjunto de objetos junto com as relações
entre os objetos e entre seus atributos relacionados uns com os outros e com o
ambiente deles de modo a formar um todo.

Por conjunto entende-se qualquer coleção bem definida de elementos ou objetos


contidos dentro de um quadro/ marco/ referencial de discurso. Tal significa que deve
ser possível afirmar com segurança se um determinado objeto ou símbolo pertence ao
conjunto.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 21
Objetos são os elementos do sistema. Do ponto de vista estático, os objetos de um
sistema seriam as partes que formam o sistema. Entretanto, a partir da visão funcional,
os objetos do sistema são as funções básicas desempenhadas pelas partes do sistema.
Importam, portanto, não as partes em si mas sim as funções das partes.

2.3.4 Existem Três Tipos de Objetos

Entradas, processos e saídas


Inputs/ entradas do sistema podem ser matérias-primas, energia, informações ou
seres humanos. Compreendem os recursos necessários para colocar o sistema em
funcionamento. Os sistemas possuem entradas que são saídas de outros sistemas. Uma
entrada serial é resultado de um sistema prévio com o qual o sistema alvo em foco está
diretamente relacionado. Entradas seriais também podem ser provenientes do ambiente
externo.

Processo é o que transforma a entrada em uma saída/output do sistema. Podem ser


máquinas, equipamentos, ferramentas, computadores, indivíduos, químicos. Em geral
sabe-se como as entradas são transformadas em saídas. Entretanto, em algumas
situações não se conhece o processo em detalhe porque esta transformação é muito
complexa.

Outputs/saídas do mesmo modo que os inputs, as saídas podem ser produtos,


serviços, informações como em uma "printout" do computador, ou energia como no caso
de uma usina hidroelétrica. As saídas são o resultado da operação do processo - o
propósito para o qual o sistema existe.

Cabe às relações ligar os objetos e mante-los juntos. Embora cada relação seja única e
deva ser considerada no contexto de um dado conjunto de objetos, as relações
encontradas no mundo empírico pertencem a uma das três categorias: simbiótica,
sinergética, redundante.

Relação simbiótica é aquela em que os sistemas conectados não podem continuar a


funcionar sozinhos. Pode-se citar como exemplo a relação simbiótica entre produção e
vendas - se não há produção não há vendas, se não existem vendas não há produção.

A relação sinergética, embora não seja funcionalmente necessária, é útil porque sua
presença é fundamental para o desempenho do sistema. Sinergia implica "ações

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 22
integradas". Na nomenclatura de sistemas, entretanto, o termo significa mais que o
esforço cooperativo. A relação sinergética é a ação integrada de subsistemas semi-
independente que considerados em conjunto produz uma saída total maior que a soma
de suas saídas tomadas independentemente. Uma expressão coloquial e conveniente da
sinergia é dizer que 2 + 2 = 5 ou 1 + 1 > 2.

Relação redundante é aquela que duplica outra relação. A razão para a redundância é a
confiabilidade. Relações redundantes aumentam a probabilidade de que o sistema opere
como foi projetado para funcionar - satélites, naves espaciais, aviões, computadores.
Quanto maior a redundância maio a confiabilidade, mas maior também o custo.

Atributos são propriedades de relações e objetos. Eles manifestam o modo como algo é
conhecido, observado ou introduzido em um processo. Uma máquina, por exemplo, pode
ter como seus atributos as seguintes características: um número, uma capacidade, uma
corrente elétrica requerida, x anos de garantia etc.

Além das propriedades quantitativas e qualitativas do sistema, os atributos podem se de


dois tipos: limitadores e associados.
Características limitadoras são aquelas sem as quais uma entidade não seria designada
ou definida.
Características associadas são aquelas cuja presença ou ausência não faria diferença a
respeito do uso do termo que a descreve.

A divisão dos atributos em dos objetos do sistema em limitadores e associados possui


algumas implicações úteis para o projeto e para o uso de sistemas. Um caminhão, por
exemplo, caracteriza-se por certos aspectos, que em determinados momentos não
parecem necessários para sua definição, mas, no entanto, são atributos do sistema. Uma
destas características é, por exemplo, a quantidade de poluição resultante do
funcionamento do motor. Hoje, este atributo - que tempos atrás seria associado - tornou-
se uma característica limitadora a ser considerada junto com outros atributos limitadores
relacionados como velocidade, consumo de energia.
O conceito de fronteira do sistema relaciona-se com o de ambiente do sistema. Existe
uma constante troca de energia e/ou informação entre o sistema e o seu ambiente. A
fronteira funciona como a membrana de uma célula ao conectar o exterior com o interior.
A posição da fronteira é mais ou menos arbitrária. Através de tentativas, os projetistas,
investigadores ou pesquisadores da estrutura do sistema, determinam a fronteira,
examinam o que acontece no interior do sistema, e reajustam ou não a fronteira.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 23
A fronteira de um sistema depende das variáveis consideradas. Pode-se ajustar a
fronteira para que determinadas variáveis fiquem dentro ou fora do sistema. Um sistema
visto a partir de diferentes níveis pode ter diferentes fronteiras. O perigo é que, sem um
entendimento do sistema, determine-se uma fronteira muito estreita, o que impede que
surjam soluções significativas. Tratam-se os sintomas, mas não as verdadeiras causas.
Ao contrário, uma fronteira muito ampla pode eliminar qualquer possibilidade de solução.
No que se refere ao ambiente, pode-se afirmar que cada sistema possui algo interno ou
externo a ele. O que é externo pertence ao ambiente do sistema e não ao próprio
sistema. No entanto, o ambiente do sistema inclui não somente aquilo que se situa fora
do completo controle do sistema, mas também aquilo que, ao mesmo tempo, determina
de algum modo o desempenho do sistema. Por esta razão, o ambiente pode ser
considerado como fixo ou um dado a ser incorporado ao problema do sistema.

Quanto ao sistema como um todo, cabe observar que, filosoficamente, totalidade é um


atributo - um atributo limitador - de uma coisa ou de um se. Sempre que se pensa em
um objeto - casa de campo, equipamento de som, cachorro - o objeto é sempre
concebido como uma unidade, uma totalidade a qual pertencem todos os dados dentro
da unidade. Ao se pensar um determinado professor como um todo, atribui-se a ele uma
totalidade de dados, seja forma, cor, raça, sexo, som, odor ou movimento.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 24
3 Intervenção Ergonomizadora: (Moraes e Mont’Alvão, 2000)

A intervenção ergonomizadora pode ser dividida nas seguintes grandes etapas:

 Apreciação ergonômica;
 Diagnose ergonômica;
 Projetação ergonômica;
 Avaliação, validação e/ ou testes ergonômicos;
 Detalhamento ergonômico e otimização

3.1 Apreciação Ergonômica

A apreciação ergonômica é uma fase exploratória que compreende o mapeamento dos


problemas ergonômicos. Consiste na sistematização do sistema homem-tarefa-máquina e
na delimitação dos problemas ergonômicos - posturais, informacionais, acionais,
cognitivos, comunicacionais, interacionais, de deslocamento, movimentacionais,
operacionais, espaciais, físico ambientais, biológicos. Fazem-se observações no local de
trabalho e entrevistas com supervisores e trabalhadores.

Realizam-se registros fotográficos e em vídeo. Esta etapa termina com o parecer


ergonômico que compreende a apresentação ilustrada dos problemas, a modelagem e as
disfunções do sistema homem-tarefa-máquina. Conclui-se com: a hierarquização dos
problemas, a partir dos custos humanos do trabalho, segundo a gravidade e a urgência;
a priorização dos postos a serem diagnosticados e modificados; sugestões preliminares
de melhoria; predições que se relacionam à provável causa do problema a ser enfocado
na etapa da diagnose.

3.2 Diagnose Ergonômica


A diagnose ergonômica permite aprofundar os problemas priorizados e testar predições.
De acordo com o recorte da pesquisa ou conforme a explicitação da demanda pelo
decisor, fazem-se a análise macroergonômica e/ou a análise da tarefa dos sistemas
homem-tarefa-máquina. Considera-se a ambiência tecnológica, o ambiente físico e o
ambiente organizacional da tarefa. É o momento das observações sistemáticas das
atividades da tarefa, dos registros de comportamento, em situação real de trabalho.
Realizam-se gravações em vídeo, entrevistas estruturadas, verbalizações e aplicam-se
questionários e escalas de avaliação.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 25
Registram-se freqüências, seqüências e/ou duração de posturas assumidas, tomadas de
informações, acionamentos, comunicações e/ou deslocamentos. Os níveis, amplitude e
profundidade dos levantamentos de dados e das análises dependem das prioridades
definidas, dos prazos disponíveis e dos recursos orçamentários. Esta etapa se encerra
com o diagnóstico ergonômico que compreende a confirmação ou a refutação de
predições e/ou hipóteses. Conclui-se com: o quadro da revisão da literatura, as
recomendações ergonômicas em termos de ambiente, arranjo e conformação de postos
de trabalho, seus subsistemas e componentes, programação da tarefa - enriquecimento,
pausas, etc.

3.3 Projetação Ergonômica

A projetação ergonômica trata de adaptar as estações de trabalho, equipamentos e


ferramentas às características físicas, psíquicas e cognitivas do trabalhador/ operador/
usuário/ consumidor/ manutenidor/ instrutor. Compreende o detalhamento do arranjo e
da conformação das interfaces, dos subsistemas e componentes instrumentais,
informacionais, acionais, comunicacionais, interacionais, instrucionais, movimentacionais,
espaciais e físico-ambientais. Termina com o projeto ergonômico: conceito do projeto,
sua configuração, conformação, perfil e dimensionamento, considerando espaços,
estações de trabalho, subsistemas de transporte e de manipulação, telas e ambientes;
mudanças na organização do trabalho e na operacionalização da tarefa.

3.4 Avaliação, Validação e/ou Testes Ergonômicos

A avaliação, validação e/ ou testes ergonômicos tratam de retornar aos


usuários/operadores/ usuários/ consumidores/ manutenidores/ instrutores os
argumentos, as propostas e alternativas projetuais. Compreende simulações e avaliações
através de modelos de testes. As técnicas de conclave objetivam conseguir a participação
dos usuários/ trabalhadores nas decisões relativas às soluções a serem implementadas,
detalhadas e implantadas. Para fundamentar escolhas, realizam-se, também, testes e
experimentos com variáveis controladas.

3.5 Detalhamento Ergonômico e Otimização

O detalhamento e a otimização ergonômica compreendem a revisão do projeto, após sua


avaliação pelo contratante e validação pelos operadores, conforme as opções do decisor,
segundo as restrições de custo, as prioridades tecnológicas da empresa solicitante, a
capacidade instalada do implementador e as soluções técnicas disponíveis. Termina com

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 26
as especificações ergonômicas para os subsistemas e componentes interfaciais,
instrumentais, informacionais, acionais, comunicacionais, interacionais, instrucionais,
movimentacionais, espaciais e físico-ambientais.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 27
Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 28
4 Alguns Conceitos para Modelagem do Sistema Homem-
Tarefa-Máquina

A noção do sistema homem-máquina sempre se apresentou como um dos conceitos básicos da


ergonomia, ao enfocar a interação do homem (ser humano) com utensílios, equipamentos,
máquinas e ambientes. Quando a comunicação homem-máquina passou a privilegiar a cognição
em vez da percepção, os antigos modelos foram revistos e atualizados.

4.1 Conceituação de Sistema Homem-Máquina


A ergonomia lida com sistemas homens-máquinas, ou seja, com sistemas em que ao menos
um elemento é um homem com uma certa função.

4.1.1 Algumas Definições


A partir de MEISTER & RABIDEAU (1965), tem-se que:

 Miller (1954), descreve o sistema homem-máquina como consistindo de


homens e máquinas somados aos processos pelos quais eles interagem
dentro de um ambiente;
 Fitts (1959) define um sistema homem-máquina como uma montagem de
elementos, que estão engajados no cumprimento de alguns propósitos
comuns, e são unidos por uma rede de fluxos de informações comuns, a saída
do sistema estando em função não somente das características dos
elementos, mas também das suas interações e inter-relações.

Em MONTMOLLIN (1971) aparece o conceito de que "Um sistema homens-máquinas é


uma organização cujos componentes são homens e máquinas que trabalham
conjuntamente para alcançar um fim comum e estão unidos entre si por uma rede de
comunicações".

Para MCCORMICK (1980), "Pode-se definir um sistema homens-máquinas como uma


combinação operatória de um ou mais homens com um ou mais componentes, que
interatuam para fornecer, a partir de elementos dados ('input'), certos resultados,
considerando as limitações impostas por um ambiente dado".

Neste quadro de referência, o conceito comum de máquina, como se viu


anteriormente, é muito restrito. "Máquina compreende virtualmente qualquer tipo de

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 29
objeto físico, dispositivo, equipamento, facilidade, coisa, ou seja lá o que for que as
pessoas usam para realizar alguma atividade que objetiva alcançar algum propósito
desejado ou para desempenhar alguma função. (...)
"A natureza essencial do envolvimento das pessoas nos sistemas refere-se a um papel
ativo, interagindo com o sistema para realizar a função para a qual o sistema foi
projetado".

De acordo com MEISTER (1976), o sistema homem-máquina é essencialmente um


conceito baseado em certas suposições, é uma abstração e não uma configuração
física ou um tipo de organização. É basicamente uma estrutura para a análise de
sistemas.

“O sistema é um conceito porque está organizado em torno de transformações (de


entradas a saídas, de estímulos a respostas) que são invisíveis; tudo que se vê são os
produtos destas transformações. Aquilo que é encontrado dentro do sistema, como o
comportamento humano em geral, pode ser deduzido somente pelas entradas
antecedentes e pelas conseqüentes saídas. A natureza da construção do sistema é
sugerida pelas várias maneiras nas quais ele foi definido”. MEISTER (1976).

"O elemento comum de todas as definições do SHM é o conceito de ser proposital.


Uma vez que o SHM é uma criação artificial, as suas características dependem do
propósito do seu criador. (...) O análogo do propósito humano é o requisito do
sistema a partir do qual podem-se deduzir, logicamente: a configuração do sistema,
as suas funções e as suas operações". MEISTER (1976). Nos sistemas homens-
máquinas, cabe enfatizar a interação entre os homens e as máquinas. A ergonomia
não estuda o homem isolado nem a máquina isolada. Esta interação se dá através das
comunicações entre o homem e máquina e se expressa a partir das atividades da
tarefa. Mais ainda: a partir do enfoque sistêmico, e com a visão do sistema homem-
máquina como um sistema aberto, o ergonomista considera as injunções da
tecnologia, do quadro sócio-econômico e da maturidade sindical. Aí reside sua
originalidade, assim como a origem da sua eficiência - o ergonomista estuda o
trabalho numa perspectiva centrada no sistema - no sistema homem-tarefa-máquina -
e sempre destaca os requisitos humanos de segurança, conforto e bem-estar.
Kroemer & Grandjean (1997), atualizam a expressão sistema homem-máquina e
declaram que “um sistema ser humano-máquina significa que o ser humano e a
máquina têm relações recíprocas um com o outro”.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 30
4.2 Caracterização dos Sistemas Homens-Máquinas
Embora estas definições possam parecer muito genéricas e pouco precisas, elas sugerem
certas características comuns aos sistemas. A partir de MEISTER & RABIDEAU (1965), tem-
se que:

1) As máquinas são necessárias para se atingir os objetivos do sistema. Existem, é claro,


outros sistemas (biológico, físico, matemático, social etc.) que utilizam poucas ou nenhuma
máquina. A diferença básica do sistema homem-máquina para os outros sistemas é que nos
SHM as máquinas são usadas pelos homens como o meio necessário para modificar o
ambiente ou atingir um objetivo, enquanto nos outros sistemas o uso de máquinas é
circunstancial ou inexistente. Cabe ainda mencionar que qualquer organização do homem -
sistemas homens-homens - que envolve o extensivo uso de equipamentos ou máquinas (por
exemplo, um escritório de contabilidade, um hospital ou uma fábrica) pode ser considerada
um sistema homem-máquina.

2) Tanto homens quanto máquinas são necessários para o desempenho do sistema. Não
existe sistema completamente automático ou completamente manual; mesmo nos sistemas
conhecidos como completamente automáticos (como os que podem ser encontrados em
refinarias de produtos químicos), homens são necessários para realizarem tarefas diretivas,
de monitoração, de controle, de regulação e de manutenção.

Nas sociedades primitivas, ou mesmo certos canteiros da construção civil, onde o trabalho
manual é amplamente realizado, alguns instrumentos são sempre utilizados.

3) A relação homem-máquina é direcionada para um objetivo, um propósito. Como o


sistema é uma criação do homem, ele existe para realizar alguma coisa, para afetar alguma
coisa. Um sistema completamente sem propósito seria, na melhor das hipóteses, uma
invenção sem sentido prático.

4) O objetivo do sistema é efetuar mudanças ambientais a curto, médio e/ou longo prazos.
O sistema funciona de maneira a modificar o seu ambiente externo (ou para modificar as
suas relações com o seu ambiente) e o seu próprio ambiente interno, quando ocorrem
disfunções, ou para cumprir instruções de manutenção preventiva.
5) O sistema possui tanto um ambiente interno quanto um externo. É óbvio que um sistema
não pode ser conceituado sem a definição do seu ambiente, pois este diferencia as coisas
que são do sistema daquelas que não são. A definição daquilo que constitui um ambiente
para um sistema em particular depende de que objetos devem ou não ser considerados
como parte do sistema.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 31
A demarcação entre o sistema e o seu ambiente externo, no entanto, pode apresentar
dificuldades. O sistema também é considerado como tendo um ambiente interno constituído
pelos componentes que fazem parte do sistema. Em relação ao sistema como um todo, os
equipamentos individuais, as fiações interconectadas e os operadores de equipamentos
constituem o ambiente interno do sistema.

De acordo com MEISTER (1989), a ergonomia busca entender e explicar como determinadas
varáveis afetam o desempenho humano no trabalho. Deste modo, a ergonomia diferencia-se
de outras ciências a partir da sua ênfase sobre o trabalho.

O objetivo da ergonomia é otimizar o desempenho dos sistemas e melhorar tanto a


eficiência humana quanto a do sistema, a partir da modificação da interface entre o
operador e os equipamentos. A ergonomia, certamente, preocupa-se com o indivíduo, mas
também com a entidade da qual o indivíduo faz parte.
Deve-se considerar, de fato, o bem estar do indivíduo - é um erro pressionar o operador
excessivamente, ignorar sua motivação natural ou colocar em perigo sua segurança - mas
esta preocupação não deve superar a consideração dos propósitos e requisitos do sistema
do qual o trabalhador participa.

Os partidários da “qualidade de vida no trabalho” podem questionar esta ênfase, mas a


assunção é que se o sistema que inclui o homem como um elemento essencial tem um bom
desempenho, o homem será contemplado. O oposto também é verdadeiro: se o homem não
está satisfeito, o sistema não pode funcionar com eficiência.

Alguns conceitos fazem-se necessários para a estruturação do modelo verbal do sistema


operando. Em face das discrepâncias e a partir das convergências tem-se como
imprescindível consolidar algumas noções fundamentais.

Meta do sistema: compreende o propósito, a missão principal, função básica do sistema o


para que serve o sistema. É por onde se começa a análise do sistema em operação - do
sistema em operação – do que é o sistema. A meia define determinantes para o
desempenho do sistema, implica, portanto, requisitos e funções.
Requisitos do sistema: características que o sistema deve ter para que se atinjam as
metas. Consolem em definições qualitativas e, sempre que possível, quantitativas. Os
requisitos derivam da mela e estão em oposição aos problemas, já que são justamente os
problemas que prejudicam o atingimento da meta. A consecução dos requisitos implica o
desempenho de determinadas funções.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 32
Funções do sistema: a função é o objetivo de unia ação, implica na consecução de um
requisito do sistema e é desempenhada por um subsistema ou componente. As funções
implementam os requisitos. O ponto de partida para a determinação das funções do sistema
é a análise dos requisitos do sistema. Deve-se sempre definir a função por um verbo
(atuando sobre algo) e um substantivo (objeto sobre o qual o verbo atua).

Componentes do sistema: são os responsáveis pelo desempenho das funções. O


pensamento com relação aos componentes visa descobrir os componentes cujas medidas de
rendimento são verdadeiramente relacionadas com a medida de rendimento do sistema
global.

Ambiente do sistema: é o que está 'fora' do sistema-alvo; que implica a explicitação da


fronteira do sistema-alvo, seus limites em relação ao ambiente; sobre o qual o sistema
pouco pode fazer e não exerce controle; mas que, no entanto, influencia o sistema e
determina restrições, as entradas e saídas e, também, à atuações de subsistemas e
componentes.

Restrições do sistema: influências do ambiente no sistema sobre as quais não se tem


controle, ou nada pode ser feito para alterá-las e que afetarão o funcionamento, a obtenção
e, conseqüentemente os resultados do sistema. E possível que uma limitação imposta ou
uma restrição atue por um cerro tempo no desenvolvimento do sistema, mas, em algum
momento, cesse de afetar o sistema, seja pelo seu desaparecimento ou mudança. A
restrição funciona como um impeditivo à implementação das funções e, conseqüentemente,
à consecução dos requisitos.

Entradas (recursos requeridos): entradas (recursos) são o conjunto de objetos


fornecidos ao sistema para que sua existência seja preservada e seus objetivos sejam
atingidos. Entradas ou insumos (inputs) compreendem tudo o que ingressa no sistema para
fazê-lo funcionar - caracterizam as forças que fornecem ao sistema o material, os dados, a
informação e a energia para a operação ou processo. Ao considerar o sistema como um
processo, estes recursos são processados, obtendo-se no final produtos ou resultados
(saída), que devem estar em sintonia como a meta do sistema. Reserva-se o termo entrada
para aquele elemento específico que é processado pelo sistema para gerar a saída. Deste
modo, os insumos, vistos como fatores que entram na produção de determinada quantidade
de bens ou serviços - energia, lubrificantes, água, horas trabalhadas - não guardam a
especificidade necessária para serem entradas.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 33
Saídas (resultados esperados): correspondem aos resultados do processo de
transformação das entradas. As entradas devidamente processadas e convertidas em
resultados são exportadas de novo para o ambiente, na forma de informações, produtos,
serviços ou novos comportamentos. As saídas devem apresentar coerência com a meta do
sistema. Para facilitar o controle e avaliação do sistema. Para facilitar o controle e avaliação
do sistema, as saídas devem ser quantificáveis, de acordo com parâmetros previamente
fixados - os padrões de desempenho.

Padrão de desempenho (medida de efetividade): para realizar o controle e avaliação


do sistema de maneira adequada faz-se necessária uma medida do desempenho do sistema,
chamada padrão. Para cada componente, precisa-se de uma medida de desempenho do
subsistema e um nível desejado de desempenho que se pode chamar de padrão para o
subsistema. Devem-se ter claras as exigências e os limites de funcionamento e resistência,
esforço, capacidade e competência. O padrão de desempenho ou medida de efetividade
deve, sempre que possível, ser colocado em termos numéricos.

Medida de rendimento: objetiva verificar se as saídas estão coerentes com a meta e os


requisitos estabelecidos. É, por assim dizer, uma contagem de pontos, que nos diz até onde
o sistema está funcionando bem. Quanto maior o número de pontos, melhor o rendimento.
Para realizar o controle e a avaliação de maneira adequada é necessária uma medida do
desempenho do sistema - o padrão de desempenho do sistema. A medida de rendimento
não se avalia pelo número de peças produzidas ou pelas informações emitidas - ou seja,
apenas pela eficácia do sistema. A medida do rendimento de um sistema será algo assim
como uma saída ponderada menos o custo da entrada; implica a eficácia do sistema, sendo
os pesos determinados por padrões de qualidade.

Objetivo geral: corresponde ao resultado final que se pretende atingir quanto à obtenção
do sistema (planejamento e projetação).

Cumpre, ainda, distinguir as restrições do ambiente do sistema dos constrangimentos do


sistema / tarefa que atuam sobre o operador. Os constrangimentos associam-se aos
problemas e geram custos humanos para o usuário / operador / consumidor / manutenidor.

4.3 Modelos do Sistema Operando

De posse dos conceitos básicos necessários à modelagem verbal do sistema parte-se para a
construção dos modelos do sistema operando.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 34
a) Caracterização do sistema

Compreende a definição:

 da meta / missão do sistema - para que serve o sistema?;


 dos requisitos / atributos limitadores e dos atributos associados – o deve ter e/ou
deve ser do sistema? – que propicia o atingimento da meta;
 do ambiente do sistema, que está “fora” do sistema-alvo e que explicita
fronteiras e limites do sistema-alvo – influencia o sistema-alvo, mas o sistema-
alvo não exerce controle sobre o ambiente;
 das restrições – coações fixas - que estão no ambiente do sistema e
obstaculizam a implementação dos requisitos;
 das entradas que determinam as ações do sistema e que serão processadas para
gerar as saídas; das saídas que propiciarão avaliar o desempenho do sistema;
 dos resultados despropositados que explicitam falhas ou desvios do sistema:
acidentes, produtos defeituosos, refugos, poluição.

b) Posição serial do sistema

O sistema-alvo situa-se numa posição serial e recebe entradas de um sistema que lhe é
anterior - o sistema alimentador - e, por sua vez, produz saídas para um sistema que lhe
é posterior - o sistema ulterior. As entradas são processadas pelo processo característico
do sistema alvo (figura 3).

c) Ordenação hierárquica

Posiciona o sistema-alvo de acordo com sua continência ou inclusão em outros sistemas


hierarquicamente superiores. Mais ainda: explicita os sistemas contidos no sistema alvo.
Tem-se, portanto, a partir do sistema alvo, os níveis hierárquicos superiores que são o
supra sistema e o supra-supra-sistema, até o ecossistema, e níveis hierárquicos inferiores
constituídos de subsistemas e subsubsistemas e sub-sub-sistemas. (figura 4)

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 35
Figura 3 – Caracterização e posição serial do sistema

Figura 4 – Ordenação hierárquica do sistema

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 36
d) Expansão do sistema

Uma das principais noções que a abordagem sistêmica propõe é a de expansionismo dos
sistemas. Todo sistema apresenta outros sistemas paralelos a ele próprio e recebe como
entrada produtos provenientes de sistema serial que o antecede e produz saídas que o
sucede. Existem ainda os sistemas redundantes que replicam o sistema alvo. Tem-se,
portanto, uma ordem hierárquica e uma posição em série, (figura 05)

Figura 5 – Expansão do sistema

e) Modelagem comunicacional do sistema

Lida basicamente com a transmissão de informação, compreendendo os subsistemas


humanos de tomada de informação / percepção (sentidos humanos envolvidos); os
subsistemas humanos de resposta / regulação (ações realizadas) -palavra, gestos,
deslocamentos, posturas; os subsistemas da máquina que fornecem informações para
serem processadas pelo homem; os subsistemas da máquina que recebem as ações do
homem, (figura 06)

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 37
Figura 6 – Modelagem comunicacional do sistema

f) Fluxograma funcional ação – decisão

Como parte do enfoque sistêmico tem-se o fluxograma seqüencial das funções /


operações / atividades - em série, simultâneas, alternativas, questionáveis - e as decisões
implicadas. Convém ressaltar que esse fluxograma possui codificações próprias para
representar as atividades em série, atividades alternativas, atividades simultâneas, blocos
de decisão, grupo de atividades e prosseguimento das atividades.. (Figuras 7 e 7a)

Fun./Oper.
Atividade
alternativa
Função Função Fun./Oper.
Operação Operação Atividade
Atividade Atividade em série

Fun./Oper.
Atividade
alternativa

Função Função Atividade


Bloco de
Operação Operação questioná-
decisão
Atividade Atividade vel

Fun./Oper.
Atividade
simultâneas
Função Função Função
Operação Operação Operação
Atividade Atividade Atividade
Fun./Oper.
Atividade
simultâneas

Figura 7 – Fluxograma funcional ação - decisão

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 38
INÍCIO Todo fluxograma é iniciado com uma seta com a palavra início.

O final do fluxograma deve ser indicado com uma linha simples e a palavra
FIM fim.

Todas as atividades devem aparecer dentro de uma caixa com seu número
que corresponde à posição dela no fluxograma.

Quando uma atividade pode ocorrer ou não, é opcional, representa-se essa


atividade numa caixa com contorno tracejado.

Atividades simultâneas, ou seja, aquelas que ocorrem ao mesmo tempo, são


representadas paralelas com a indicação “e”.

Atividades alternativas, ou seja, quando opta-se por uma delas e apenas


uma das atividades é realizada, são representadas com a indicação “ou”.

Todo bloco de decisão, ou seja, o momento na seqüência de atividades


onde precisa-se tomar uma decisão, é representado com um losango e a
pergunta que leva à decisão.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 39
Exemplo:

Figura 7a – Exemplo de fluxograma funcional ação - decisão

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 40
g) Tabela de função - informação - ação

Esta técnica aperfeiçoa cada função ou ação do diagrama de fluxo funcional pela
identificação da informação que é requerida para que cada ação ou decisão ocorra. Esta
análise é geralmente complementada com fontes de dados, problemas potenciais,
incidência de fatores associados à indução ao erro ou acidente em cada função ou ação
(Chapanis, 1996).

O procedimento para a construção da tabela de função - informação - ação é o seguinte:


cada função ou ação identificada no diagrama funcional é estudado pelo pesquisador,
que se utiliza de seus conhecimentos e de todas as informações disponíveis para
identificar e descrever os requisitos de informação, as fontes de informação, problemas
potenciais, fatores de indução ao erro e qualquer outro comentário relevante, assim
como as ações e os objetos das ações.

Como resultado, tem-se uma lista detalhada de requisitos de informação e de ação para
interfaces operador-sistema, que pode prever a necessidade de requisitos de suporte,
problemas potenciais, e prováveis soluções. A análise pode produzir sugestões para a
melhoria do design de hardware, software e procedimentos.

Para melhor compreensão, apresenta-se na tabela 1, a seguir, um exemplo de uma


tabela de função - informação - ação, com um exemplo muito simples, de uma função
muito familiar: a preparação para encher um tanque de combustível.

Informação Ação
Função Informações Fontes de Objetos da(s)
Dificuldades Ação (ões) Dificuldades
requeridas informação ação(ões)
7.2.3 1. Tipo de 1. Manual do 1. Dirigir-se à 1. Bomba de
Preparação combustível proprietário bomba de combustível
para encher o requerido combustível
tanque de (álcool, 2. Atendente do
combustí-vel gasolina, diesel) posto de
2. Localização combustível Pode não estar
da tampa do aparente e o
tanque de 3. Odor do motorista pode
combustível combustível parar do lado
(lado direito, errado da
lado esquerdo, bomba de
atrás da placa combustível
do carro)
3. Forma de 1. Destravar a 1. Chave da Existência de
travamento da tampa do trava travas anti-furto
tampa de tanque não aparente
combustível 2. Tampa
2. Tirar a tampa
do tanque
Tabela 1 – Tabela de função - informação - ação

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 41
4.4 Problematização do Sistema Homem-Tarefa-Máquina

Como afirmam Reis et alli (1980), a primeira etapa do processo de engenharia de sistemas
compreende a identificação da situação. E uma tarefa difícil, mas da qual dependem todos os
passos posteriores. Na identificação da situação, procura-se levantar a maior quantidade de
informação possível sobre a situação, de forma a permitir, em primeiro lugar, uma definição
clara e objetiva do problema; em segundo lugar, a análise do meio ambiente; e, finalmente, a
delimitação da área de atuação.

Ackoff (1974) ressalta que uma solução bem sucedida para qualquer problema só é possível
se encontrarmos a solução certa para o problema certo: E mais freqüente errar porque se
solucionou o problema errado do que errar porque se adotou uma solução errada para o
problema certo. Para resolver um problema, utilizamos instrumentos provenientes da ciência e
da tecnologia, mas a identificação destes problemas, tem muito pouco a ver com isso: esta
identificação depende de nossa filosofia e visão do mundo. E isto, como observa o autor,
"depende dos conceitos e idéias que usamos e como os usamos para organizar nossa
percepção do mundo".

Como diz Dewey (apud King, 1981) "não formular o problema é andar às cegas, no escuro". A
maneira pela qual se concebe o problema é que possibilita decidir o que se deve considerar
ou desprezar, que elementos selecionar ou rejeitar, e qual o critério para a relevância ou não
da hipótese e da estruturação dos conceitos. Vera (1974), por sua vez, diz que "formalmente,
um problema é um enunciado ou uma fórmula. Do ponto de vista semântico, é uma
dificuldade, ainda sem solução, que é mister determinar com precisão para intentar, em
seguida, seu exame, avaliação, crítica e solução". De acordo com Rudio (1986),

"Formular o problema consiste em dizer, de maneira explícita, clara, compreensível e


operacional, qual a dificuldade com a qual nos defrontamos e que pretendemos resolver,
limitando o seu campo e apresentando suas características. Desta forma, o objetivo da
formulação do problema da pesquisa é torná-lo individualizado, específico, inconfundível".

"Embora a formulação do problema possa parecer, às vezes, tarefa cansativa e monótona e


exista quem de tal maneira nela se emaranha, que não consegue passar adiante, é, no
entanto, exigência imprescindível e condição fundamental para que possam surgir as outras
etapas do método. Sem uma formulação bem feita do problema, não se sabe que solução se
procura e, conseqüentemente, é impossível encontrá-lo".

Gil (1987) apresenta uma diferenciação para o conceito de problema:

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 42
"Quando se diz que toda pesquisa tem início com algum tipo de problema, torna-se
conveniente esclarecer o significado desce termo. Uma acepção bastante corrente identifica o
problema com questão que dá margem a hesitação ou perplexidade, por difícil de explicar ou
resolver. Outra acepção identifica problema com algo que provoca desequilíbrio, mal-estar,
sofrimento ou constrangimento às pessoas. Contudo, na acepção científica, o problema é
qualquer questão não resolvida e que é objeto de discussão, em qualquer domínio do
conhecimento. (...) um problema científico é [estável cientificamente quando envolve variáveis
que podem ser observadas ou manipuladas".

Para Barbosa (l 980),

"O problema é uma defasagem entre o que é e o que deveria ser, ao se considerar um
determinado aspecto da realidade; e que, para ser o que deveria, requer um reajustamento
(solução), capaz de mudar os aspectos problemáticos.

O fato, por exemplo, de um motor estar parado não constitui um problema; mas o dele estar
parado quando deveria estar funcionando é um problema e requer solução, pois causará
dificuldades a alguém. Identicamente, se o motor funciona quando deveria estar parado, tal
implica uma situação problemática. A queda das folhas das plantas não nos diz muito, mas se
esse fato baixa a produção e a produtividade agrícola, configura-se uma situação
problemática. A falta de mercado para uma economia com excesso de produção ou a falta de
produtos para atender à demanda do mercado em expansão são situações problemáticas".

Segundo Ackoff (1978), podem-se formular os problemas de uma maneira positiva ou


negativa. Na positiva, tem-se a "aquisição ou obtenção de alguma coisa que falta mas é
desejada". Na negativa, considera-se "destruição, remoção ou contenção de algo que está
presente, mas não é desejado". Graficamente, pode-se apresentar o problema como um
desvio da situação idealizada. A situação existente - o problema, deve-se à uma causa que
acarretou o desvio que impede o atingimento da situação deve ser, a situação idealizada. Esta
relação está representada pela figura 09.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 43
Figura 8 - Representação da situação problemática

A determinação da causa pressupõe a definição de hipóteses e a explicitação de variáveis que


relacionadas comprovarão ou refutarão a hipótese e conseqüentemente confirmarão ou não a
relevância da causa em questão.

A partir de Bunge (1975), que subdivide a colocação do problema em três fases -


reconhecimento dos fatos, desenvolvimento do problema, formulação do problema -
apresenta-se, então, a problematização em três fases:

 reconhecimento do problema: corresponde à identificação dos aspectos mais graves e


flagrantes da situação problemática que, numa primeira observação ou ao primeiro
contato com a realidade, 'saltam aos olhos';
 delimitação do problema: compreende a seleção e a classificação de diferentes
aspectos da situação problemática, a partir de uma observação assistemática mais
acurada, que destaca do todo os diferentes elementos problemáticos relevantes;
 formulação do problema: trata de reduzir a situação problemática aos seus aspectos
significativos e solucionáveis, considerando a competência do profissional envolvido,
os conhecimentos disponíveis e a solicitação do decisor; nesta fase, os problemas que
aparecem na delimitação devem ser aprofundados em termos da explicitação e do
detalhamento dos aspectos problemáticos, assim como devem-se ilustrar e
demonstrar os aspectos problemáticos e assinalar os itens que impliquem maiores
constrangimentos para o operador.

Para melhor apreender os problemas quando das primeiras visitas ao local de trabalho,
durante a apreciação ergonômica cumpre ter como orientação categorias de problemas que
compreendem deficiências e faltas e falhas específicas. Com as categorias de problemas em
mente, torna-se mais fácil e eficiente para o ergonomista realizar observações assistemáticas
em campo e propor questões durante a entrevista focalizada.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 44
Cumpre observar que os problemas que determinam constrangimentos para o usuário /
operador / trabalhador / consumidor / manutenidor também impedem a implementação dos
requisitos do sistema e implicam óbices para o atingimento da sua meta do sistema alvo. O
ergonomista, no entanto, não deve negligenciar as questões da operação, do processo
produtivo e da tecnologia. Deste modo, as questões de resultados despropositados do
sistema, incidentes e paradas, baixo rendimento do trabalho, baixa produtividade da empresa
e comprometimento da qualidade dos produtos, são indicadores que o ergonomista deve
considerar durante a apreciação e o diagnóstico do sistema homem-tarefa-máquina.

Mais ainda, cabe observar: as entradas que, devido à não conformidade, gerarão problemas
para o processamento e, conseqüentemente, para o operador; as saídas / resultados
despropositados explicitam disfunções do sistema.

Não se podem esquecer: as questões ecológicas relacionadas à ação do sistema sobre o


ambiente; as restrições do ambiente externo que influenciam o desempenho do sistema alvo.

4.5 Categorização e Taxionomia dos Problemas Ergonômicos do Sistema Homem-


Tarefa-Máquina

Problemas Caracterização
Interfaciais  posturas prejudiciais resultante de inadequações do campo de visão / tomada de
informações, do envoltório acional / alcances, do posicionamento de componentes
comunicacionais, com prejuízos para os sistemas muscular e esquelético
Instrumentais  arranjos físicos incongruentes de painéis de informações e de comandos, que
acarretam dificuldades de tomada de informações e de acionamentos, em face de
inconsistências de navegação e de exploração visual, com prejuízos para a
memorização e para a aprendizagem
Informacionais /  deficiências na detecção, discriminação e identificação de informações, em telas,
Visuais painéis, mostradores e placas de sinalização, resultantes da má visibilidade,
legibilidade e compreensibilidade de signos visuais, com prejuízos para a
percepção e para a tomada de decisões
Acionais:  constrangimentos biomecânicos no ataque acional a comandos e empunhaduras;
Manuais / ângulos, movimentação e aceleração, que agravam as lesões por traumas
Pediosos repetitivos
 dimensões, conformação e acabamento, que prejudicam a apreensão e acarretam
pressões localizadas e calos
Comunicacionais:  falta de dispositivos de comunicação a distância
Orais / Gestuais  ruídos na transmissão de informações sonoras ou gestuais
 má audibilidade das mensagens radiofônicas e/ou telefônicas
Cognitivos  dificuldade de decodificação, aprendizagem, memorização, em face de
inconsistências lógicas e de navegação dos subsistemas comunicacionais e
dialogais
 resultam perturbações para a seleção de informações, para as estratégias
cognoscitivas, para a resolução de problemas e para a tomada de decisões
Interacionais  dificuldades no diálogo computadorizado, provocadas pela navegação, pelo
encadeamento e pela apresentação de informações em telas de programas
 problemas de utilidade (realização da tarefa), usabilidade (diálogo) e
amigabilidade (apresentação das telas), de interfaces informatizadas

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 45
Movimentacio-  excesso de peso, distância do curso da carga, freqüência de movimentação dos
nais objetos a levantar ou transportar
 desrespeito aos limites recomendados de movimentação manual de materiais,
com riscos para os sistemas muscular e esquelético
De deslocamento  excesso de caminhamentos e deambulações
 grandes distâncias a serem percorridas para a realização das atividades da tarefa
De acessibilidade  despreocupação com a independência e a autonomia dos usuários portadores de
deficiência, dos idosos e das crianças, considerando locomoção e acessos, nas
ruas e edificações e nos sistemas de transporte
 má acessibilidade, espaços inadequados para movimentação de cadeiras de
rodas, falta de apoios para utilização de equipamentos
Urbanísticos  deficiência na circulação dos usuários no espaço da cidade
 ausência de pontos e/ou marcos de referência que auxiliem a circulação e
orientação dos usuários no espaço urbano
 falta de áreas públicas de lazer e integração.
Espaciais /  deficiência de fluxo, circulação, isolamento; má aeração, insolação, iluminação,
arquiteturais de isolamento acústico, térmico, radioativo
Interiores  falta de otimização luminosa, da cor, da ambiência gráfica, do paisagismo
Físico-ambientais  temperatura, ruído, iluminação, vibração, radiação, acima ou abaixo dos níveis
recomendados
Químico-  partículas, elementos tóxicos e aero-dispersóides em concentração no ar acima
ambientais dos limites permitidos
Biológicos  falta de higiene e assepsia, o que permite a proliferação de germes patogênicos
(bactérias c vírus), fungos e outros microorganismos
Naturais  exposição às intempéries
 exposição excessiva ao sol
Acidentários  comprometem os requisitos secretários que envolvem a segurança do trabalho,
em casa, e no ambiente
 falta de dispositivos de proteção das máquinas precariedade do solo, de
andaimes, rampas e escadas
 manutenção insuficiente
 deficiência de rotinas e equipamentos para emergências e incêndios
Operacionais  ritmo intenso, repetitividade e monotonia
 pressão de prazos de produção e de controles
Organizacionais  parcelamento taylorizado do trabalho, falta de objetivação, responsabilidade,
autonomia e participação
Gerenciais  inexistência de uma gestão participativa, desconsiderando opiniões e sugestões
dos funcionários
 centralização de decisões; excesso de níveis hierárquicos; falta de transparência
nas comunicações das decisões, prioridades e estratégias
 falta de política de cargos e salários coerente
Instrucionais  desconsideração das atividades concretas da tarefa durante o treinamento
 manuais de instrução confusos que privilegiam a lógica de funcionamento em
detrimento das estratégias de utilização
Psicossociais  conflitos entre indivíduos e grupos sociais
 dificuldades de comunicações e interações interpessoais
 falta de opções de repouso, alimentação, descontração e lazer no ambiente de
trabalho
Securitários  controle de riscos e acidentes através de atividade prevencionistas, pela
manutenção de máquinas e equipamentos, pela utilização de dispositivos de
proteção coletiva e, em último caso, pelo uso de equipamentos de proteção
individual adequados, pela supervisão constante de instalação de dutos, alarmes
e da planta industrial em geral.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 46
4.6 Disfunções Sistêmicas do Sistema Homem-Tarefa-Máquina

Problemas Caracterização
Entradas  falta de padronização e conformidade das matérias-primas
 deficiência no armazenamento e na estocagem
 deficiência no planejamento do estoque e da reposição
Saídas /  número das unidades abaixo do planejamento
resultados  descumprimento de prazos
despropositados  falta de qualidade dos produtos acabados
 excesso de peças refugadas
Disposição dos  falta de ordem, desarrumação de ferramentas, instrumentos,
elementos matérias-primas
 resultam prejuízos para a agilidade e qualidade do trabalho e para o
desempenho da tarefa
Funcionamento /  deficiências no desempenho do sistema que não atinge a capacidade
confiabilidade esperada; baixa confiabilidade de subsistemas e componentes
Manutenção /  descuido com a limpeza e manutenção dos componentes
Conservação  obsolência dos equipamentos
das máquinas  irregularidades de reparos e reposição das peças
 depredação precoce por uso incorreto
Entorno  entulho e sujeira no ambiente de trabalho, desconsideração da
limpeza do ambiente e da conservação do espaço arquitetural
Rendimento de  deficiência no desempenho da tarefa
trabalho  acarretam lentidão, erros e paradas, com prejuízo para o ritmo de
trabalho
 resultando irritação, acomodação e desmotivação para o trabalhador
Desempenho do  deficiências no desempenho do sistema que não atinge a capacidade
sistema / esperada
Confiabilidade  baixa confiabilidade de subsistemas e componentes
 problemas com saídas do sistema seja em Termos de:
a) efetividade - produção / número de itens previstos e produzidos
b) eficiência - produtividade (produção com economia de recursos)
c) qualidade e conformidade
Ecológicas  despejo de resíduos, refugos e subprodutos na atmosfera, em rios,
lagos e mares
 depredação do ambiente com a destruição das florestas e o
esgotamento de reservas não renováveis
Ambiente  incompatibilidade das prioridades de investimento com as
externo necessidades da sociedade
 insuficiência dos recursos disponíveis para a atualização e inovação
tecnológica em face das políticas governamentais e/ou
organizacionais
 instabilidade institucional e política

Na problematização do sistema homem-tarefa-máquina particularizam-se as categorias acima


às situações problemáticas específicas estudadas. Os problemas acima mencionados
aparecem explicitados e ilustrados a partir da situação real. Na pratica, a problematização
ocorre paralelamente à fase da sistematização. Durante a problematização realizam-se
observações assistemáticas, e quando da sistematização, entrevistas não estruturadas - é
uma fase exploratória.

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 47
Esta fase exploratória conclui-se com o parecer ergonômico, responsável pela passagem da
Apreciação Ergonômica para a Diagnose Ergonômica.

4.7 Parecer Ergonômico

O parecer ergonômico compreende uma síntese dos problemas observados no Quadro de


Formulação do Problema, Sugestões Preliminares de Melhoria , a Priorização e Consolidação
do Problema, Predições e Conclusão.

Cabe ressaltar que o Parecer Ergonômico é etapa imprescindível para a determinação dos
passos que se seguirão na Diagnose Ergonômica. De um bom Parecer depende a construção
dos instrumentos que serão aplicados: questionários, entrevistas, verbalizações, registros de
comportamento, escalas de avaliação. Só assim saberemos o que perguntar e o que observar.

4.7.1 A Formulação do Problema

Conforme visco anteriormente o objetivo da formulação do problema é torná-lo


individualizado, específico, inconfundível. Portanto, cada formulação dependerá da
situação estudada, das condições de trabalho existentes, das atividades reais. Por
exemplo, no trabalho do servente da construção civil, o problema movimentacional -
movimentação manual de materiais - aparecerá na formulação do problema. No
entanto, no caso do trabalho com terminais de vídeo, este problema provavelmente não
existirá.

Esta seleção é também determinada pelo enquadramento dentro do sistema alvo e


pelas competências e capacidades do pesquisador / projetista. Neste momento, devem
ainda ser consideradas as determinações dos decisores. Alguns problemas podem estar
relacionados ao ambiente do sistema e dificilmente poderão ser resolvidos a partir de
mudanças propostas para o sistema alvo. Logo, não devem constar do quadro de
formulação do problema, embora sejam considerados como restrições do sistema.

4.7.2 A Priorização e Consolidação do Problema

A priorização e consolidação do problema compreendem a seleção do subsistema ou


subsistemas que serão objeto da diagnose. Utilizam-se critérios como gravidade e
urgência de solução dos problemas existentes, a tendência de agravamento, as

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 48
possibilidades tecnológicas e as decisões do decisor. Nesta etapa faz-se uma ilustração
mais detalhada destas situações e apresentam-se os argumentos para sua seleção.

4.7.3 Referencial Teórico

Após priorizar os problemas, cabe sistematizar os conhecimentos disponíveis sobre o


sistema em estudo, os constrangimentos e custos humanos envolvidos. Quando se
estuda o trabalho em terminais de vídeo, por exemplo, é pertinente um pequeno
sumario sobre as questões relacionadas a fadiga visual, às lesões por estorço repetitivo,
as lombalgias e a carga cognitiva envolvida na tarefa. Resultam predições melhor
fundamentadas.

4.7.4 Predições

As Predições são fundamentais para Diagnose Ergonômica. São elas que fornecem
interpretações para as causas dos problemas. Estas causas serão futuramente
investigadas durante a Diagnose Ergonômica. Nesta fase também deve-se buscar
referências na literatura que permitirão fundamentar as predições e constituirão o
Referencial Teórico.

4.7.5 As Sugestões Preliminares de Melhoria

Servem principalmente para guiar o ergonomista no levantamento de idéias que ficam


registradas para posterior desenvolvimento.

As sugestões preliminares de melhoria são proposições ainda muito inicias - não


pretendem ser recomendações, não definem soluções, nem permitem iniciar o
desenvolvimento de projetos.

4.7.6 O Quadro do Parecer Ergonômico: Formulação do Problema e Sugestões Preliminares de


Melhoria

O Quadro do Parecer Ergonômico: Formulação do Problema e Sugestões Preliminares


de Melhoria deve conter os problemas selecionados dentre aqueles apresentados
durante a problematização. Neste quadro incluem-se ainda:
 os requisitos do sistema;
 os constrangimentos da tarefa - que atuam sobre o operador;
 os custos humanos do trabalho - que são as conseqüências físicas e/ou
psíquicas dos constrangimentos - doenças, dores, estresse;

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 49
 as disfunções do sistema - que são as conseqüências para a produtividade e
qualidade do sistema e do trabalho, resultantes dos constrangimentos da tarefa
e custos humanos;
 as sugestões preliminares de melhoria - que são propostas verbais, ainda muito
incipientes, para a solução dos problemas e atendimento aos requisitos do
sistema;
 as restrições - que são os elementos presentes no ambiente do sistema que
impedem que os problemas sejam solucionados.

Modelo do quadro do parecer ergonômico: formulação do problema e sugestões


preliminares de melhoria:

Constran- Custos Sugestões


Classe de Proble- Requisi- Disfunções Restrições
gimentos humanos preliminares
problema mas tos do sistema do sistema
da tarefa do trabalho de melhoria

Interfaciais 


(Etc.) 

No parecer ergonômico a conclusão é um fechamento onde se pode mencionar os


problemas, focalizar os problemas priorizados, e apresentar algumas sugestões de
métodos a serem utilizados.

A conclusão apresenta ainda hipóteses e as atividades a serem realizadas durante a


diagnose ergonômica.

4.8 Tabela GUT

Uma técnica proposta por Kepner e Tregoe, chamada GUT (Gravidade, Urgência, Tendência)
visa facilitar esta priorização. Para priorizar as ações a serem implementadas, fazem-se três
perguntas a respeito de cada problema encontrado:

4.8.1 Qual a gravidade do desvio?


Esta pergunta gerará novas perguntas:
- Que efeitos surgirão a longo prazo, caso o problema não seja corrigido?
- Qual o impacto do problema sobre coisas, pessoas, resultados?

Ergonomia e Usabilidade – Interação com o Usuário, Suzi Marino Pequini e Anamaria de Moraes 50
4.8.2 Qual a urgência de se eliminar o problema ?
(relacionando com o tempo disponível para resolvê-lo)

4.8.3 Qual a tendência do desvio e seu potencial de crescimento?


Esta irá originar perguntas relativas ao futuro:
- Será que o problema se tornará progressivamente maior?
- Será que tenderá a diminuir e desaparecer por si só?

A técnica propõe que o analista/ ergonomista proceda com a avaliação GUT com todos (ou
com o maior número possível) os operadores/ usuários do sistema.

Isto permite uma avaliação participativa e fornece subsídios para as sugestões e conclusões
da etapa da Apreciação Ergonômica. O ergonomista solicita que cada
operador/usuário responda a cada uma das perguntas anteriores e pontue, segundo os
valores apresentados na tabela a seguir.

Valor Gravidade Urgência Tendência GxUxT

5 Os prejuízos e/ou as É necessária uma Se nada for feito a 125


dificuldades são ação imediata. situação irá piorar
extremamente em pouco tempo.
graves.
4 Muito grave. Alguma urgência. Vai piorar em pouco 64
tempo.
3 Grave . O mais cedo Vai piorar a médio 27
possível. prazo.
2 Pouco grave. Pode esperar um Vai piorar, mas a 8
pouco. longo prazo.

1 Sem gravidade. Não tem pressa. Não vai piorar e 1


pode até mesmo
melhorar.

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5 Referências

MORAES, Anamaria. Definições da Ergonomia. Salvador: UNEB, 2000.

MORAES, Anamaria. Conformação da interface homem-máquina: Usuários extremos versus


homem brasileiro. Rio de Janeiro: Anais do 2° Encontro Carioca de Ergonomia, 1994. pás. 33 a
45.

MORAES, Anamaria; MONT’ALVÃO, Cláudia. Ergonomia: Conceitos e Aplicações. Rio de Janeiro:


2AB, 2000.

PEQUINI, Suzi Mariño. Origens da Ergonomia. Salvador: UNEB, 2000, apostila da disciplina de
Ergonomia dos cursos de Desenho Industrial.

PEQUINI, Suzi Mariño. Ergonomia aplicada ao design de produtos: Um estudo de caso sobre o
design de bicicletas. 2005. 675 f. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo,
2005.

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