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Álvaro Faleiros
Universidade de São Paulo (USP)
Prof. Dr. de Literatura Francesa
RESUMO: Um dos elementos significantes do poema é seu espaço gráfico, composto, por
sua vez, pela relação da mancha com os brancos, pelos elementos tipográficos e os vetores
de leitura que o configuram. É a partir dessa perspectiva que Jacques Anis cunhou o
alguns dos modos como foi traduzido o caligrama “Il Pleut” de Guillaume Apollinaire.
exemplo, por meio do conceito de “ritmo”, definido por Henri Meschonnic (1982) como a
caracteres”. (Meschonnic, 1982: 306-307). É claro que esses elementos tipográficos não
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podem ser isolados, mas são compreendidos em sua articulação com as outras dimensões
significantes do texto.
Jacques Anis (1983), ao definir o que entende por “visilegibilidade”, assinala que,
para o poema, as formas gráficas não podem ser vistas nem como um corpo estranho, nem
verso uma seqüência fônica somada a uma linha de letras. Segundo Anis (1983: 97):
mais conhecidos é “Il pleut” (Figura 1). Talvez isso se deva à sua aparente simplicidade.
Nele, cinco versos são dispostos verticalmente para representar uma chuva que cai. Os
elementos tipográficos em jogo são mínimos: texto sem pontuação, com uma única
maiúscula no início do poema, fazendo de cada letra uma gotícula da chuva que tomba.
Pode-se interpretar essa disposição dos versos como uma atitude puramente tautológica,
cujo efeito estético seria a mera redundância do título no modo como os versos estão
dispostos na página.
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Traduções minhas, salvo indicação.
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A disposição dos versos é, contudo, de uma assimetria reveladora. Dos cinco versos
que compõem o poema, o primeiro – onde se lê Il pleut des voix de femmes comme si elles
étaient mortes même dans le souvenir – aparece relativamente deslocado dos outros quatro.
Ele pode ser interpretado como uma matriz a partir da qual o poema reverbera. Com efeito,
a vibração originária é a percepção auditiva da chuva (o poema começa por Il Pleut) que cai
assim, nesse poema aparentemente visual, uma rede imagética constituída em torno de todo
um universo sonoro, que mobiliza, por sua vez, lembranças; memórias de mulheres,
No verso seguinte – c’est vous aussi qu’il pleut merveilleuses rencontres de ma vie,
ô gouttelettes –, após o silêncio que se impõe pelo branco que o precede, surge, em eco
univers de villes auriculaires – que as metáforas sonoras mais se adensam, pois as nuvens,
que relincha, pela intensa e estrondosa presença da vibrante [R]: caBRé, PRennent, henniR,
Nos dois últimos versos, espacialmente muito mais próximos um do outro, solicita-
se a atenção do ouvinte...
écoute s’il pleut tandis que le regret et le départ pleurent une ancienne musique
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...para que ele ouça, primeiramente, num momento de encontro das imagens
aquáticas com as imagens sonoras, “a mágoa e a partida” que “choram uma antiga música”.
Esse é também o momento em que se introduz a última grande unidade de sentido em que
Em seguida, solicita-se que o leitor ouça “caírem os laços”, elos que retêm esse
ouvinte (te) “em cima e embaixo”. Essa última e curiosa imagem coincide com o verso
mais contido – o mais curto e também o mais colado ao verso anterior – num gesto
Assim, a introdução da imagem da queda – queda última das vozes, dos fios tênues
das lembranças, antes retidos “em cima e embaixo”, em grande medida, potencializa a
verticalidade do poema. Não se trata apenas dispor o poema de forma vertical, mas de
produzir um efeito significante, pois, apresenta-se visualmente o cair dos laços; movimento
poema adquire toda sua amplitude pelo lugar que a mancha ocupa na página. O título,
diferentemente do que ocorre, em geral, nas publicações de poemas, não se encontra acima
do poema, na edição de 1918 que foi acompanhada por Apollinaire (Figura 1). Nesse caso,
o poema está no alto da página e o título está disposto a sua direita, seguido de um grande
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discursiva do poema. Caso o título estivesse acima do texto ou a sua esquerda, o percurso
de leitura iria do “il pleut” do título ao “il pleut” do início do primeiro verso. Com a
disposição do título à direita, o percurso de leitura inicia-se com o “il pleut” do primeiro
verso e conclui-se com o “il pleut” do título; o que implica uma circularidade da leitura
determinante no modo de significar das reescritas do poema propostas por meio de suas
traduções.
Na primeira tradução aqui tratada (Figura 2), Oliver Bernard (In: Apollinaire, 1965)
verticalidade do texto pelo fato do título estar acima dos versos, o que enfraquece a
há a assimetria provocada pelo branco entre o primeiro verso e os demais, o que reforça o
plena expansão, com o último verso, em contensão, tampouco se nota. Por outro lado, a
simetria na distribuição diagonal dos versos, que introduz um movimento que sugere a
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feita por Paulo Hecker Filho (In: Apollinaire, 1984) desestrutura, por sua vez, a dinâmica
centralizada e bastante colada aos versos. A mancha acaba toda mais contida pela
proximidade com o texto que, por estar todo em caixa alta, desconstrói em grande medida a
iconicidade das letras, muito mais arredondada e próximas das imagens das gotículas no
texto de Apollinaire.
Hecker Filho também apaga o efeito de assimetria existente entre o primeiro verso e
os outros; além de romper com a diagonalidade, marca da passagem do vento, que atravessa
o texto de partida. Uma segunda vez, a relação entre a mancha e os brancos não traz, no
A tradução para o espanhol (Figura 4) é, sem dúvida, muito mais atenta ao espaço
gráfico do poema. Nela, J. Ignácio Velázquez (In: Apollinaire, 1997) produz uma
distribuição dos versos de forma assimétrica, tanto no espaço após o primeiro verso, como
na contensão dos dois últimos, que se aproxima dos processos significantes de “Il pleut”.
Há, contudo, um excesso de irregularidade na distribuição das letras ao longo de cada verso
Outra desatenção que persiste é o lugar do título que, mesmo estando em caixa alta
e num tamanho maior, como ocorre no poema apollinairiano, continua acima do poema e
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A quarta e mais recente tradução aqui destacada (Figura 4), proposta por mim (In:
Apollinaire, 2008), foi feita como um espelho topográfico e tipográfico da primeira; o que
se deve, em grande medida, à oportunidade de lidar com a edição de 1918, na qual o título
ocupa lugar tão ímpar. A questão que se coloca, por fim, é justamente a da materialidade do
poema que, pelo modo como se distribui no espaço e de como se desenha na página produz
Bibliografia
Anis, Jacques (1983), Vilisibilité du texte poétique. Langue Française 59, pp.88-103.
Middlesex, Pengin.
Madrid, Cátedra.
_______ (2008), Caligramas, Tradução, introdução e notas de Álvaro Faleiros. São Paulo,
Ateliê.
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Anexos
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