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exatamente a imortalidade, mas a O mesmo Castro Alves que

perenidade de quase clássicos. abençoou quem semeia livros


Todos esses seis cavalheiros e “manda o povo pensar”.
EDITORIAL têm em comum mais do que a Pernambuco tem contado
indiscutível qualidade de suas ao longo do tempo com muitas
Sem abrir mão obras: o fato de que foi em Per-
nambuco nasceram, ou definiram
publicações periódicas e es-
porádicas de literatura, mas
da esperança sua vocação para a literatura, e muito poucas monográ­ficas.
aqui escreveram seus livros, to- Hexágono preenche não
Ariano Suassuna e sua dos ou uma parte deles. Desses, uma lacuna, mas uma ne-
glória: o povo brasileiro, sua dois foram “pernambucanizados” cessidade dos novos e velhos
cultura, sua graça e “recifencizados”, para usar uma leitores: o saber mais profun-
expressão tão cara a Gilberto damente quem foram e o que
Freyre. Ariano Suassuna, parai- fizeram esses autores.
bano; César Leal, cearense, ambos Quando escrevemos “pro­
viram e sentiram o que o baiano fundamente” não queremos
Castro Alves viu, sentiu e cantou dizer aquele tipo de aborda-
no século anterior ao deles: gem que tem como algo um
“Pernambuco! Um dia eu vi-te público muito restrito, de
Dormindo imenso ao luar, iniciados. “Profundamente”
Com os olhos quase cerrados, aqui quer dizer algo mais
Com os lábios — quase a falar... simples e menos pretensio-
Do braço o clarim suspenso, so: o contrário do superfi-
— O punho no sabre extenso cial. O sério. O concentrado.
De pedra — recife imenso, O dedicado. Mas com uma
Que rasga o peito do mar... “ linguagem a mais clara, di-
dática e atual.
Não tem Hexágono a am-
Um país se faz com ho- bição de esgotar nenhum as-
mens e livros: esta frase sunto. O ensaio é longo, sim,
reverberou em várias ge- mas não em demasia; mais
rações. Seria um excelente ou menos do tamanho do
mote para campanha de in- que costumam ser os artigos
centivo à leitura. Mas talvez, acadêmicos. Mas, de propó­
para quem não a ignora, te- sito, escrito numa linguagem
nha de ser completada: um não acadêmica.
país se faz com homens, mu- É bom que um leitor que
lheres, e todos os demais gê- nunca leu César Leal, nem
neros existentes e por existir, Ariano Suassuna, nem Os-
e com livros, revistas, blogs, man Lins, nem Hermilo Bor-
websites, redes sociais etc. ba Filho, nem João Cabral,
Sim, o mundo, o Brasil e nem Luís Jardim, encontre no
Pernambuco são mais com- ensaio um guia seguro para
plexos do que nos tempos de uma iniciação. Que acom-
Luís Jardim, João Cabral de panhe na cronologia o que
“Aqui morava um rei quando eu menino
Melo Neto, César Leal, Hermilo Vestia ouro e castanho no gibão, houve de principal na vida e
Borba Filho, Ariano Suassuna Pedra da Sorte sobre meu Destino, na obra do autor, no aspecto
e Osman Lins. Mas o fato de Pulsava junto ao meu, seu coração.” intelectual, obviamente. Que
suas obras continuarem vi- encontre na fortuna crítica
vas para as novas gerações e [Do soneto A Acauhan – A Malhada da Onça, uma espécie de “sumo”, ou
o novo século é uma das pro- de Ariano Suassuna] de “síntese” dos muitos exer-
vas de que alcançaram não cícios de interpretação sobre
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Rachel de Queiroz sobre Ariano
2 Suassuna e A Compadecida:
“Ah, meu Deus, gosto tanto dessa
peça, gosto tanto, que com todo o D. Quixote Suassuna:
gosto atiraria fora tudo que venho Ariano Suassuna:
cavaleiro de inquieta figura
tentando escrever, nestes trinta uma cronologia
anos de profissional do papel e da Ensaio de Ivana Moura
tinta, para poder botar o meu nome
sob o título da Compadecida. Mas
nesse reino, como no reino do céu,
não entra quem quer – só entra Com a força de
quem merece...” um profeta

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Entrevista com
Raimundo Carrero
menos duas gerações. Com isto ampliamos
o horizonte do olhar, de modo a termos
pelo menos um esboço de mapa da litera-
tura que se fez e se faz em Pernambuco.
Uma literatura que se faz com todos os
gêneros, como dissemos. Por isso, adian­
tamos o boa notícia: a segunda série de
Hexágono cuidará de seis autoras, das
mais variadas áreas da Litera­tura como Bibliografia:

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o romance, o conto, a crítica literária, o ensaios, artigos, teses,
teatro, a poesia e a crônica. Clarice Lis- traduções, livros de & sobre Ariano Suassuna:
pector, Maria do Carmo Barreto Campello Ariano Suassuna Fortuna crítica
de Mello, Celina de Holanda, Francisca Izi-
dora Gonçalves da Rocha, Edwiges de Sá
Pereira e Ladjane Bandeira, analisadas
também pela crítica conceituada de Per-
nambuco de, pelo menos, duas gerações.
Não houve em Pernambuco na última
década do século vinte e nos primeiros
o autor. Que a bibliografia cronistas, críticos literários. anos do século 21 autor mais popular do
sirva tanto para que conhe- Sempre que possível aspec- que Ariano Suassuna. Contribuíram para
ça o que publicou o autor e tos não óbvios, ou mesmo no- isso os meios de comunicação de massa e
alguns dos que se ocuparam vos, são trazidos à tona. as famosas aulas-espetáculo, que foram
de analisar sua obra, mas Temos em Hexágono, um um misto de missão educativa, entreteni-
também como um ponto de convite à viagem com auto- mento e homenagem à cultura popular.
partida para que possa rea- res que têm também outro Ariano Suassuna é, no entanto, muito
lizar a própria pesquisa. Que ponto em comum: são nacio- mais do que o comunicador e professor que
na entrevista aprenda, de nais e internacionais, a par- encantou plateias por todo o país. É mais
modo mais coloquial e infor- tir de Pernambuco. Não há inclusive do que o dramaturgo da Compa-
mal, aspectos os mais varia- nisto nem o complexo de can- decida e o inflamado defensor da cultura Hexágono, revista literária em seis volumes, agradece, nesta edição, aos colaboradores Ivana Moura, pelo ensaio crítico;
dos em torno desses escrito- tar ou contar a aldeia para brasileira. É autor de uma obra narrativa Raimundo Carrero pela entrevista; a Patrícia Cruz Lima, pela direção de Arte e Halina Beltrão pela ilustração da
res que elegemos. cantar ou contar o mundo, e poética que está, de certa maneira, ain- capa e Miguel Falcão pela caricatura de Ariano Suassuna. A Daniela Nader pelas fotos de Ariano Suassuna. Hexágono
da por cobrir ou redescobrir. Numa publi­ é uma publicação da Somnium Editora, e tem incentivo do Funcultura, Fundarpe, Secretaria de Cultura e Governo do
Conquanto modesta em mas a natural ressonância a
Estado, com produção-executiva da Nós Pós, de Alexandre Melo. A edição-geral, pesquisa e projeto gráfico são de Sidney
sua proposição, Héxagono partir da estética. cação como esta o leitor mais jovem que
Rocha. Esta publicação não tem ânimo financeiro de nenhuma espécie e é distribuída gratuitamente para estudantes e
não se limita a listar o mais Os críticos convidados a viu Ariano na TV ou numa apresentação professores de escolas públicas, além de bibliotecas das redes estadual e municipal. Buscou-se ao máximo se encontrar a
evidente e reconhecido so- escrever ou conceder depoi- pública, tem o estímulo certo para ir à de- autoria de reproduções de fotografias, fotomontagens ou obras de arte, e fazemos chegar nossos agradecimentos aos seus
bre esses poetas, romancis- mentos à revista são, confor- manda da Pedra do Reino e dos poemas tão autores ou autoras. Se você encontrar este exemplar em lugar impróprio à leitura, ou se é seu e terminou de lê-
tas, contistas, dramaturgos, me o projeto original, de pelo cheios de música e de simbolismo. lo, favor repassá-lo a outro leitor. Impresso pela Cepe Editora, no Recife, no bicentenário da Revolução Pernambucana.
4 D. QUIXOTE SUASSUNA: 5

CAVALEIRO DE INQUIETA FIGURA


O escritor francês no Palco dos Peca­ dores
Marcel Proust dedi- de: “autobiografia mu-
cou 14 anos a escrever sical, dançarina, poéti-
os sete volumes de Em ca, teatral e vídeo-ci-
Busca do Tempo Perdi- nematográfica”. Não há
do, entre 1908 e 1922, nenhum exagero no
ano em que morreu, uso do termo “autobio-
com apenas 51 anos de grafia”. Em incontáveis
idade. O poeta norte-a- momentos das tantas
mericano Ezra Pound entrevistas que con-
CIDADE DA cedeu, Ariano indica o
demorou quase meio PARAIBA
século, de 1915 a 1962, que pode ser encontra-
para concluir Os Can-
tos, longo e complexo 1927 do de seu próprio “eu”
nas personagens de
suas obras de ficção, e
poema que combina
referências geográ- RECIFE vice-versa. Inclusive no

2014
ficas que cruzam vá- seu texto mais conhe-
rios continentes, dá cido do grande público,
piruetas temporais e que é o Auto da Compade-
cida, como chegou a des-
usa diversos idiomas. vida, uma síntese do tor muito demorado.
“Pode assinalar tacar numa entrevista
Depois de produzir seu pensamento sobre Levou, por exemplo,
meu rompimento com ao Jornal do Brasil:
o monumental Ulys- cultura brasi­leira, 12 anos para concluir
o teatro moderno. ele “O teatro, de todos
não me interessa, não ses (1922), o escritor uma autobiografia o Romance d’A Pedra os gêneros literários, é
me agrada e não sinto irlandês James Joyce pla­nejada como A do Reino e o Príncipe do o mais impessoal. Mas
os seus problemas, que gastou quase duas dé- Ilumi­ara, que deveria Sangue do Vai-e-volta, de olho o conjunto do meu
me parecem falsos. cadas para aprontar chegar a uma série 1958 a 1970. O seu pro- teatro e vejo muito
[...] Sinto-me ligado Finnegans Wake. de sete tomos. Antes cesso de escrita contri-
às raízes populares do
de mim lá. No Auto da
A história da lite- de morrer, em 2014, buía para esse ritmo Compadecida, tem um
teatro clássico. ratura está repleta Suassuna colocou um mais lento. Ele escre- momento em que o
Considero-me
de casos de escrito- ponto final nos dois via à mão. Depois pas- cangaceiro começa a
na linha de
Molière, Goldoni res que consagraram volumes do Romance sava para a máquina, sonhar com a possível
e até certo ponto de anos de suas vidas, de Dom Pantero no Palco corrigia manualmen- aposentadoria, que ele
Shakespeare. até quase o esgota- dos Pecadores, dividido te e ainda refazia o sabe, coitado, nunca
Naturalmente não mento, para concluir em O Jumento Sedutor e texto uma quarta vez.
estou fazendo suas obras. O Palhaço Tetrafônico. A “Escrevo e reescrevo. POR IVANA MOURA.
comparações de O escritor brasi- obra foi lançada pela Tenho uma tendên- Jornalista, crítica de teatro,
qualidade literária, escritora e doutoranda em
leiro (paraibano-per- editora Nova Frontei- cia de ser prolixo”, co-
mas é esta minha Artes Cênicas pela USP.
nambucano) Ariano ra, nas derradeiras mentou algo assim, em Mestra em Teoria da Lite-
linha estética.”
Suassuna (1927-2014) semanas de 2017. muitas ocasiões. ratura com especialização
perseguiu durante Suassuna se auto- AS qualificou o Ro- em Jornalismo e Crítica Cul-
Foto de Daniela Nader tural pela UFPE.
33 anos a obra de sua definia como um escri- mance de Dom Pantero
O “testamento literário” de Ariano, que O autor frequenta
6 reúne prosa, poesia e ilustrações, tem sua própria obra a partir de 7
1.012 páginas assume fôlego proustiano, heterônimos, de alter-egos,
engenhosidade linguística rosiana de personagens que trazem
e estética armorial, com ilustrações nos nomes e sobrenomes as
inspiradas em arte rupestre. letras A e S. [...]

virá. E ele diz que se conseguisse o dinheiro biografia deformada” o autor inspeciona
de mais uns 50 cachorros que fossem enter- sua obra, que é atribuída aos seus hete-
rados ele poderia até se aposentar, comprar rônimos, integrantes da família Save-
uma terrinha, criar umas cabras e nunca dra. Já na primeira “Carta-Espetaculosa”,
mais ouviria falar do rifle dele. Anos depois, Antero Savedra cita versos de poema
relendo A Compadecida, vi que isso era um so- Noturno, de 1945, que marca o início da
nho meu. Nessa época, eu é que sonhava em carreira literária de Ariano Suassuna.
ter uma terrinha, que ainda hoje não tenho, Episódios biográficos são embara-
para criar algumas cabras nela.” lhados às ideias sobre cultura popular
O fato é que Ariano nunca se aposentou e erudita, em intrincados relatos in-
como ‘cangaceiro’ nem como guerreiro da tertextuais e polifônicos raros na me-
cultura brasileira, pois esteve no ‘front’ até Suassuna tinha autoconsciência do seu proje- morialística brasileira. O prefaciador
os seus últimos dias de vida. Atuou como pro- to estético. Suas aulas-espetáculos faziam parte inúmeras alterações e ficou com a coordenação e coordenador editorial Newton Júnior
fessor da Universidade Federal de Pernambu- de uma rica reflexão sobre cultura brasileira. editorial do livro. defende que Dom Pantero é o romance mais pós-
co. Foi secretário municipal de Educação e Cul- A professora Beti Rabetti, da UniRio, apontou que “Perfeccionista declarado, Suassuna burilou moderno da literatura, um romance que se
tura de Recife (1975-1978) e estadual de Cultura Ariano Suassuna integra um grupo seleto dos o texto o quanto pode. Impossível quantificar os vale, para completar a narrativa, de imagens e
de Pernambuco (1994-1998 e 2007-2010). “explicadores do Brasil”, uma turma que inclui até da internet. O artista plástico Manuel Dantas
episódios e cenas cortadas e acrescentados, os
Em 1970 lançou o Movimento Armorial, am- filósofos, historiadores, sociólogos, pensadores, Suassuna, filho de Ariano, preparou os vídeos
nomes de personagens alterados, as passagens
bicioso projeto estético, que contempla várias que buscaram elucidar o Brasil. referidos no romance, que podem ser assistidos
inteiramente reescritas ou simplesmente des-
formas de arte (literatura, música, dança, artes O Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, por meio de QR Code.
cartadas. Os milhares de páginas manuscritas
plásticas, teatro, cinema, etc). A poética armorial seu “testamento literário”, reúne prosa, poesia Dom Pantero carrega uma carpintaria que
conservadas em seu gabinete de trabalho reve-
é explicada pelo professor Newton Júnior como “a e ilustrações; tem 1.012 páginas, assume fôlego ganhou mais complexidade por abranger a con-
lam que bastante coisa ficou de fora da versão
procura de uma arte erudita brasileira a partir proustiano, engenhosidade linguística rosiana cepção de uma tipografia própria e de numero-
final - o que nos leva a inequívoca conclusão de
da cultura popular, da arte rupestre e do diálo- e estética armorial, com ilustrações inspiradas sas ilustrações de Ariano Suassuna. É do artista
go com as artes dos países do Terceiro Mundo”. A que o romance cresceria muito, caso Ariano não
em arte rupestre. O autor frequenta sua pró- gráfico Ricardo Gouveia de Melo, designer do
pesquisadora francesa Idelette Muzart Fonseca tivesse começado a passar, em 2013, pelos pro- livro, essa tipografia específica, desta vez base-
pria obra a partir de heterônimos, de alter-egos,
dos Santos entende que o Movimento Armorial blemas de saúde que o forçaram a colocar um ada nos desenhos feitos à mão por Ariano Su-
de personagens que trazem nos nomes e sobre-
é consequência do “diálogo existente da criação ponto final na obra”, atesta Carlos Newton Júnior assuna, que era um pesquisador de figuras da
nomes as letras A e S. Cada um dos dois livros
popular com a poética original dos cantadores e são constituídos por quatro cartas que Antero no prefácio do Romance de Dom Pantero. arte rupestre, com traços mais sinuosos.
com os folhetos de cordel”. A vocação de comple- Savedra noticia no suplemento pseudoliterário Antero Savreda, o D. Pantero do título, mi- Ricardo também virou personagem do ro-
mentariedade das criações armoriais, a contínua Sibila, do jornal A voz de Igarassu. As correspon- nistra ‘aulas espetaculosas’ nas quais defende mance e ganhou até título de realeza, ao lado
interrelação entre elas e a evocação do espírito dências são direcionadas “Aos nobres Cavaleiros seus pontos de vista sobre o mundo e arte. Ele de sua esposa, a jornalista Adriana Victor, que
de outras artes, em especial as populares, carac- e belas Damas da Pedra do Reino”. se diz um escritor frustrado e que sonha em foi assessora e secretária adjunta do escritor.
terizam os trabalhos do movimento. O Romance começou a ser escrito nos anos erguer uma grande obra a partir do sucesso Amigos de Ariano aparecem com seus no-
Sem dúvida, sua obra de criador no teatro, no 1980, como desejo do escritor de articular uma literário de seus irmãos famosos: o romancista mes verdadeiros ou sucedidos de sobrenomes
romance e na poesia, é, no aspecto estético, o le- síntese de sua produção de artista e pensador, Auro Schabino, autor do romance A Pedra do Rei- ficcionais em epígrafes ou em diálogos em que
gado mais importante, mas não há como desvin- que englobasse além da literatura, as artes plás- no, o dramaturgo Adriel Soares, autor da peça o autor discute seu projeto literário e vários
culá-lo de sua visão ética nem de sua práxis como ticas e o teatro. Newton Júnior cuidou de digitar Auto d’A Misericordiosa e o poeta Altinho Soares. pontos de sua visão sobre a cultura brasileira.
cidadão, como homem politicamente atuante. as páginas escritas à mão por Ariano em suas A leitura exige do leitor coragem. Nessa “auto- Pesquisadores, acadêmicos, críticos, políticos,
“No Auto da xágono), que escreveu no artigo As fontes clássicas e de de Gregório de Matos, a doçura de Casimiro
8 Compadecida, tem um populares da poesia de Ariano Suassuna, publicado em de Abreu, o fanatismo de Antonio Conselheiro, o 9
momento em que o
cangaceiro começa a
1988: “basta lê-lo e os seus versos dirão ao leitor ardor de Castro Alves (‘pássaro de bico escarla-
sonhar com a possível que Suassuna é um dos melhores poetas brasilei- te’), o sonho épico de Euclides da Cunha, a agonia
aposentadoria, que ros contemporâneos. ” Leal ainda fala do domínio de Augusto dos Anjos, o repente de Lira Flores,
ele sabe, coitado, da técnica e da importância da tradição cultural tudo que pudesse representar um Fausto antigo
nunca virá. E ele diz dentro de uma alma nova, que já pode ser es-
do Ocidente na poesia de AS. Esse traço da tra-
que se conseguisse
o dinheiro de mais dição é um ponto importante em toda a obra de sencialmente brasileira sem se deixar seduzir
uns 50 cachorros que Ariano. Mas por que é importante ler a poesia de pelos anos de eternidade europeia).”
fossem enterrados AS ou, antes: por que não se leu sua poesia, ainda? Confira a força e dramaticidade do soneto A
ele poderia até se Há pistas dessa resposta no livro O pai, o exílio, Acauhan – A Malhada da Onça:
aposentar, comprar
uma terrinha, criar
o reino, de Carlos Newton Junior, que cita um epi-
umas cabras e nunca sódio de 1956, quando Mário Faustino (1930-1962), Aqui morava um rei quando eu menino
mais ouviria falar do importante tradutor e crítico literário do Jornal Vestia ouro e castanho no gibão,
rifle dele”. do Brasil, garantia serem somente oito os grandes Pedra da Sorte sobre meu Destino,
poetas brasileiros: Cassiano Ricardo, Cecília Mei- Pulsava junto ao meu, seu coração.
reles, João Cabral de Melo Neto, Jorge de Lima,
Manuel Bandeira, Murilo Mendes e Vinicius de Para mim, o seu cantar era Divino,
Moraes. “Aqui não há etc. Os críticos tímidos se Quando ao som da viola e do bordão,
No reino da poesia abrigam da possível perda de rendosas amiza- Cantava com voz rouca, o Desatino,
des,” dizia Faustino, que escreveu somente um O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
É comum situar a obra de
Ariano em dois blocos: o tea- livro de poesia: O homem e sua hora e que morreu
com apenas 32 anos de idade, num acidente de Mas mataram meu pai. Desde esse dia
tro e a prosa. A poesia, gênero Eu me vi, como cego sem meu guia
que Suassuna alimentou desde avião. Àquela época, Suassuna já havia escrito
os poemas de O pasto incendiado e, embora já re- Que se foi para o Sol, transfigurado.
muito cedo, parece mais invisí-
vel. Claro, não faltam exemplos nomado dramaturgo, não integrava os cânones
da poesia, como na exigente lista de Faustino. Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
de sua poesia integrada ao seu Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
teatro e ao romance, elemen- Já Renato Carneiro Campos coloca-o num alto
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.
to apoiando a narrativa, como, patamar de sínteses: “O autor de O Pasto Incen-
por exemplo, em A farsa da boa diado, tanto no teatro como na poesia, está forte-
preguiça, de 1960, escrita como mente ligado aos motivos sertanejos, do mesmo
modo que Guimarães Rosa aos Gerais mineiros. É
A caminho do perdão
versos da literatura de cordel,
inspirada no conto popular His- tradicionalista e regionalista e, ao mesmo tempo, A última vez que Ariano Suassuna avistou a
tória do preguiçoso. Na peça, o po- universalista e homem de sua época. É de hoje figura de seu pai foi no cais do Recife, aos três
eta Joaquim Simão não quer sa- a sua poesia, de agora, mesmo que tenha sido anos de idade. A família acompanhou o deputa-
ber de outro trabalho que não escrita em tão verdes anos. Há uma intenção de do federal até a plataforma de embarque, que
seja escrever. ligar passado e presente, e de projetar o próprio seguia para o Rio de Janeiro. A imagem do pa-
Mas sua poesia, ela mesma, o futuro, quando deixa entrever um grande mun- triarca acenando da moldura do navio foi ali-
gênero autônomo, é pouco lida e do brasileiro: os seus símbolos e os seus mitos. mentada ao longo da vida de AS.
artistas são citados como Nelly de Carvalho, Lígia Vassalo, Be- analisada, ainda. É bem verdade Sente-se em seus versos, portanto, um poeta que “Foi de meu pai, João Suassuna, que herdei,
nedito Nunes, Anco Marcio Tenório Vieira, Miguel de Alencar, que essa poesia só foi reunida e pretende igualar épocas, conciliar o velho com entre outras coisas, o amor pelo Sertão, princi-
Henrique Accioly (Eduardo Campos), Lourival Batista, Vladimir publicada tardiamente. Um dos o novo, uma terra prestes a morrer com o es- palmente o da Paraíba, e a admiração por Eu-
Carvalho. Outros ganham falas para defender suas ideias como primeiros e raros exemplos de pírito atual, com o espírito de um país que cada clides da Cunha. Posso dizer que, como escritor,
os diretores Aderbal Freire-Filho e Luiz Fernando Carvalho, os estudiosos a dar relevo a essa vez mais se unifica. Um poeta que, como diria eu sou, de certa forma, aquele mesmo menino
poetas José Laurenio de Melo e Adélia Prado. E outros interlocu- produção foi César Leal, poeta e um whitmaniano, deseja que a sua alma seja a que, perdendo o pai assassinado no dia 9 de ou-
tores de Dom Pantero como atrizes Inez Viana e Marieta Seve- crítico literário (e um dos autores correspondência da alma do seu país. Algo as- tubro de 1930, passou o resto da vida tentando
ro, a arqueóloga Niède Guidon. com trajetória comentada por He- sim como se trouxesse dentro de si a impieda- protestar contra sua morte através do que faço
e do que escrevo, oferecendo-lhe esta precária mento de vingança contra ninguém. Recorram “Por que existem uns felizes
10 compensação e, ao mesmo tempo, buscando re- para Deus. Para Deus, somente. Não se façam e outros que sofrem tanto, 11
cuperar sua imagem, através da lembrança, criminosos por minha causa”. A carta foi escri- nascidos do mesmo jeito,
dos depoimentos dos outros, das palavras que ta em 8 de outubro de 1930, endereçada a Dona criados no mesmo canto?”
o pai deixou”. Rita e seus filhos.
A disposição para não deixar ataque sem “Os Pessoas acusaram meu pai de ser o man-
resposta, a postura desabrida, a hombridade, dante do assassinato de João Pessoa. João Dan-
certamente foram “heranças” paternas. Sa- tas foi o executor, mas o mandante teria sido
be-se pelo noticiário da época, que o seu pai, o meu pai. Isso é uma coisa que hoje, na Paraíba,
deputado federal João Suassuna, ao receber o até os partidários de João Pessoa sabem que
primeiro tiro, tentou reagir buscando o colt ca- não é verdade. Meu pai era um sertanejo. Se
Nessa conversa Suassuna cita o poeta po-
libre 32 que levava consigo, mas recebeu qua- ele quisesse mandar matar João Pessoa, ele ti-
pular paraibano, Leandro Gomes de Barros,
se instantaneamente o segundo disparo que o nha, só na fazenda do pai dele, trinta pessoas
que ele considera que analisou brilhantemen-
matou. O assassino do seu pai, um pistoleiro de que se disporiam a matar! Meu pai ia mandar
te o problema filosófico mais grave da Huma-
aluguel, se chamava Miguel Alves de Souza. um primo legítimo da mulher, formado em Di-
nidade. Desenvolve AS: “Camus, o grande es-
A mãe tomou todas as providências para reito, advogado do Banco do Brasil? Quem co-
critor franco-argelino, tem um livro em que
desencorajar a vingança, já que o ambiente no nhece o mínimo da biografia de João Dantas
começa dizendo que o único problema filosó-
Sertão incentivava essa reparação. Dona Rita sabe que ele não é homem de ser mandado
fico realmente sério é o do suicídio. O suicídio
de Cássia Dantas Villar saiu da Paraíba para por ninguém”, comentou Ariano já maduro.
é uma coisa muito grave: a pessoa avalia o
Numa entrevista ao jornalista Geneton Mo-
Pernambuco com as nove crianças e convenceu mundo, avalia a si própria e acha que não
raes Neto, AS disse que caminhava para per-
a prole que o pistoleiro havia morrido. AS só vale a pena. Mas apesar dessa frase ser mui-
doar os assassinos do pai, que conseguia rezar
soube que o atirador estava vivo e morando no to bonita, Camus, a meu ver, estava errado.
por eles. “Isso é uma tentativa constante, na
Rio de Janeiro, depois de homem feito, casado e O problema filosófico na verdade não é o do
minha vida. Finalmente, estou conseguindo,
já com seus próprios rebentos. “Das lembranças suicídio, que é apenas um aspecto dele. Mais
depois dos oitenta anos. Procurei sempre. Te-
que tenho da infância uma é de um morador da grave, para mim, é o problema do mal e do
nho muito cuidado, com medo de ser hipócrita,
fazenda, grande amigo de papai, ajoelhado aos sofrimento humano. Então, sinto que Leandro
porque perdoar é uma coisa muito difícil. Digo
pés da minha mãe pedindo para ela deixar que Gomes de Barros formulou muito melhor que
perdoar mesmo – sinceramente”.
ele matasse o assassino. Mamãe não deixou”. Camus essa questão”.
Seu amigo Hermilo Borba Filho, com quem
João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassu- fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco O poema de Leandro Gomes de Barros:
na (1886–1930) havia sido presidente da Paraí- (TEP), em 1946, e o Teatro Popular do Nordeste
ba (1924-1928), cargo que equivale ao de gover- Se eu conversasse com Deus
(TPN), em 1958 pensava que Ariano gostaria de
nador. Atingido pelas costas, João Suassuna foi iria Lhe perguntar
crer em Deus como as crianças creem, “mas crê
morto como desdobramento do assassinato de por que é que sofremos tanto
com angústia, fervor e perguntas. Seu caráter
João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (1878— quando viemos para cá?
é ouro de lei e, embora o negue, esforça-se para
1930), que era presidente da Paraíba (1928-1930) amar os inimigos como manda o Evangelho. Que dívida é essa
e tinha sido candidato em 1930 a vice-presiden- Pode pessoalmente atacar um amigo, mas de- que o homem tem de morrer para pagar?
te na chapa de Getúlio Vargas, que perdeu para fende-o de público até com armas na mão”. Perguntaria também
chapa governista, encabeçada por Júlio Prestes. O autor de A Pena e a Lei demonstrava sua como é que Ele é feito
O crime foi o estopim para a eclosão da chama- convicção na existência de Deus em falas e que não come, que não dorme
da a Revolução de 1930. atos e sua obra está impregnada dessa fé. “Eu e assim vive satisfeito.
Morte anunciada. João Suassuna deixou acredito em Deus por uma necessidade. Se Ele Por que foi que Ele não fez
uma carta em que assegura ser inteiramente não existisse, a vida seria uma aventura amal- a gente do mesmo jeito?
inocente no caso de morte de João Pessoa: “Se diçoada. Eu não conseguiria conviver com a Por que existem uns felizes
me tirarem a vida os parentes do presiden- visão amarga, dura, atormentada e sangrenta e outros que sofrem tanto,
te João Pessoa, saibam todos os nossos que foi do mundo. Então, ou existe Deus, ou a vida não nascidos do mesmo jeito,
clamorosa injustiça. Não sou responsável pela tem sentido nenhum. Bastaria a morte para ti- criados no mesmo canto?
sua morte nem de pessoa alguma neste mun- rar qualquer sentido da existência”, disse em Quem foi temperar o choro
do. Não alimentem, apesar disso, ideia ou senti- entrevista ao escritor Eric Nepomuceno. e acabou salgando o pranto?
A Pedra do Reino é um
12 “romance armorial, popular, 13
brasileiro.. “mas também algo
mais: uma espécie de histoire
de geeste local, vista com os
olhos de um moderno, entre
história e folclore, lenda e
cônica, muito documentada,
muito inventada, a obra
é como um grande painel
colorido, vivo.” [Página do
livro Triunfo del Emperador
Maximiliano I..., publicação
dos sécs. XVI-XVII, acervo
da Biblioteca Nacional da
Espanha.

Compadecida e outras peças atro brasileiro próprio, e se pretendia que, por Foi no mesmo Jornal do Commercio que Eduar- como César: - veio, foi vista e venceu. Triunfou
princípio, quanto mais local, mais universal. Num do Portella que, tempos depois seria reconheci- quando apresentada numa memorável competi-
O bom-humor era algo essencial na vida do depoimento ao Jornal do Commercio (do Rio de Janei- do como um dos grandes críticos literários (foi ção de amadores, triunfou editorialmente quan-
escritor Ariano Suassuna. Suas críticas ferre-
ro), em 12 de outubro de 1957, Ariano Suassuna também ministro da Educação), escreveu uma do apresentada em livro, e novamente triunfa
nhas estavam permeadas do combustível do
fez um quase desabafo com jeito de manifesto: das primeiras resenhas sobre A Compadecida, neste elenco misto de profissionais e estudantes
riso. Nem de longe era uma unanimidade, mas
“Pode assinalar meu rompimento com o teatro dizendo textualmente que “a raiz ibérica do te- - mas tão harmonioso, tão bem equilibrado, que
arregimentava centenas de pessoas nas suas
moderno. Ele não me interessa, não me agrada e atro do sr. Ariano Suassuna é a mais digna: é supera a maioria das apresentações de profis-
aulas-espetáculos em que arrancava garga-
lhadas falando sobre celebridades, pobreza não sinto os seus problemas, que me parecem fal- Gil Vicente, é o teatro de Gil Vicente, são os seus sionais que estamos acostumados a ver.”
musical no Brasil e atualidades. sos. Sou contra o realismo. Procuro apelar para autos, autos que são, por seu lado, uma forma Nem tudo, porém, foram flores no caminho
O criador da peça Auto da Compadecida osten- a imaginação do espectador. Sinto-me ligado às teatral tipicamente peninsular no seu compor- da peça, no que diz respeito à reação dos críticos
ta uma imagem complexa, que pode ser inter- raízes populares do teatro clássico. Considero-me tamento estético”. de teatro. Sábato Magaldi, no artigo Apresentação
pretada desde arcaica por seus desafetos ao na linha de Molière, Goldoni e até certo ponto de Talvez de todas as celebridades nacionais de um autor, publicado no suplemento literário de
cume da mais alta experimentação artística e Shakespeare. Naturalmente não estou fazendo que elogiaram o autor d’A Pedra do Reino tenha O Estado de S. Paulo (9 de março de 1957), destaca a
estética assimilada por seus admiradores. comparações de qualidade literária, mas é esta sido a romancista Rachel de Queiroz quem foi deliberada ingenuidade que salvaria o autor do
Algo que se encontra como característica do minha linha estética. A Compadecida foi tirada do mais longe nas hipérboles. Em sua coluna na primarismo, e reconhece que “a trama torna-se
seu pensamento é a coerência. Quando em 1957, cancioneiro popular. Dois romances inspiraram revista O Cruzeiro, em 31 de janeiro de 1959, ela verossímil teatralmente porque abdica de um
com trinta anos de idade, alcançava grande su- a peça: O auto da Compadecida, em que aparece escreveu: realismo verista em troca de uma outra reali-
cesso com a peça A Compadecida, o que muito se Nossa Senhora, deu motivo ao título e O Enterro do “Sobre os méritos da peça de Ariano Suas- dade, feita de sobrenatural e de poesia”. Mas na
discutia na época era a possiblidade de um te- Cachorro forneceu a história.” suna, não é preciso mais falar. Ela chegou aqui resenha que escreveu para a edição da peça
editora Agir, foi menos suave (30 de novembro ou velho, me acena sorrindo e nos olhos conten- religião e lembra que no Auto há vozes forçadamente anasaladas,
14 de 1957), embora o que aponte como defeitos de tes me salva da morte ao me ver Grilo. uma visão bíblica de Jesus, mas nas piadas com que costura as 15
Ariano ele os estenda a todo o teatro brasileiro: Esse que te escreve já foi cavalgado por loucos carregada do catolicismo serta- suas “aulas-espetáculos”.
“A maneira de Ariano Suassuna apresentar caubóis: por Jó, cavaleiro sábio que insistia na nejo, que seria uma combinação Monteiro lembra de Suassu-
pergunta primordial. Por Trepliev, infantil édi- de aspectos religiosos com cren- na “magérrimo, correndo, com
os caracteres baseia-se na forma popular bra-
po de talento transbordante e melancólicas des- ças populares. Nossa Senhora, as pernas compridas, a fim de
sileira, que não admite sutilezas ou requintes. culpas. Fui domado por cavaleiros de Sheakes- a personagem da peça, afiança alcançar o ônibus da linha Cidade
Embora reflita o lavor de um dramaturgo in- peare, de Nelson, de Tchekov. Fui duas vezes que conhece a pobreza e assume Universitária (quando dava aulas
teligente e lúcido, A Compadecida não se poupa, cavalgado por Dias Gomes. Adentrei perigosas o papel de advogada dos pobres. na UFPE), porque, ele afirmava,
além do primitivismo e da ingenuidade delibe- veredas guiado por Carrière, por Büchner e Ye- Antes de A Compadecida, Aria- era ‘melhor perder a dignidade
rados, um certo tom que estimaríamos menos ats. Mas de todos eles, meu favorito foi teu Grilo. no havia escrito outros textos te- do que a condução’”. Essas iro-
primário. Incide o autor na simples dicotomia O Grilo colocou em mim rédeas de sisal, sem for- atrais. Uma mulher vestida de sol, de nias levavam os alunos ao delírio
do bem e do mal que, apesar de toda a profun- çar com ferros minha boca cansada. Sentou-se 1947 foi a primeira, baseada no do riso. Mas Fernando Monteiro
didade que tente emprestar-se, acaba sempre sem cela e estribo, a pelo e sem chicote, no lom- Apocalipse. Em seguida ele com- não viu nenhuma graça quando
em primarismo inapelável. Artisticamente, A bo dolorido de mim e nele descansou. Não corria põe a peça Cantam as harpas de Sião o mesmo professor – de Estéti-
em cavalgada. Buscava sem fim uma paragem (1948), que aponta para o livro de ca – passava a ensinar que ‘José
Compadecida deixa ainda a desejar porque não
de bom pasto, uma várzea verde entre a secura Salmos e, notadamente o 137, o Sal- de Alencar é mais importante do
transcende um certo primarismo, comum a dos nossos caminhos. Me fazia sorrir tanto que mo do exílio (que cuida do exílio a
todo o nosso teatro e a quase toda a nossa lite- que James Joyce’ .
eu, cavalo, não notava a aridez da caminhada. Eu Babilônia do povo judeu, depois da “Tudo bem, qualquer um tem
ratura, e que não decorre da procura do pri- era feliz e magro e desdentado e inteligente. Eu tomada de Jerusalém pelo rei ba- o pleno direito de achar que o
mitivo e do ingênuo.” deixava o cavaleiro guiar a marcha e mal per- bilonense Nabuchodonosor), que romancista de Iracema é mais
Na montagem paulista de 1957, o crítico de cebia a beleza da dor dele. O tamanho da dor dele. também inspirou o poeta Camões. importante (?) do que o autor de
teatro do jornal Nossa Voz, preferiu dar menos O amor que já sentia por ele, e por você, Ariano. O santo e a porca e O casamento Ulysses, porém mais ou menos em
relevo aos supostos defeitos da peça e destacar Depois do Grilo de você, e que é você, virei ca- suspeitoso foram escritas no mes- particular, na intimidade cerca-
a recepção do público: valo mimado, que não aceita ser domado, que mo ano, 1957. Uma peça traça da de xilogravuras de Onças Cas-
“Só a aparência de simples comédia circense encontra saídas pelas cercas de arame farpado, uma reverberação nordestina tanhas e Beatos e Príncipes-do-
e encontra sempre uma sombra, um riachinho, de Plauto e Molière e a outra Gol- Vai-e-Volta etc. Já um professor
A Compadecida é um dos fatos mais importante
um capim bom. Você Ariano, e teu João Grilo, me doni, tendo como matéria os laços de Universidade, em sala de aula,
no teatro brasileiro. A sua trama não é original, levaram para onde há verde gramagem eter- do casamento e a função do di- precisa ter cuidado quando se
pois tirada de histórias populares do Nordeste; na. Fui com vocês para a morada dos corações nheiro. Os textos não foram bem
seu texto não é primoroso, embora de boa qua- permite certas opiniões expres-
de toda gente daqui desse país bonito e duro. recebidas pela crítica. sas diante da atenção basbaque
lidade; a carpintaria teatral obedece mais aos Depois do Grilo de você, que é você também, que de jovens estudantes tendentes a
preceitos de circo de que propriamente de pal- sou eu, fui morar lá no rancho dos arquétipos, Polêmicas respeitar um mestre reconheci-
co - e, no entanto, é de excepcional importância onde tem néctar de mel, água fresca e uma do”, criticou FM.
sombra brasileira, com rede de chita e tudo. De Quando Ariano Suassuna
para o nosso teatro. E por quê? Simplesmente completou 85 anos, o poeta, ro- Nacionalista radical e defen-
porque agrada (e muito) à culta plateia de São lá, vê-se a pedra do reino, uns cariris secos e co- sor intransigente do que conside-
loridos, uns reis e uns santos. De lá, vejo você na mancista e cineasta. Fernando
Paulo como agradará (acreditamos) o mais po- Monteiro escreveu um artigo rava a cultura popular autêntica,
cadeira de balanço de palhinha, contando, todo Suassuna buscava excomungar
pular auditório do sertão nordestino.” para o site Sul21 em que faz um
elegante, uma mesma linda estória pra nós. Um qualquer posição cultural que
Mas a grandeza dessa obra que atravessa beijo, meu melhor cavaleiro. retrato desde a época que o co-
décadas ganha outra pulsação na voz de outro nheceu, em 1968. “A voz delibera- encarasse como estranha aos câ-
Teu, nones do erudito popular.
artista, o ator Matheus Nachtergaele, que es- Matheus Nachtergaele” damente arrastada e uma verve
que teria provavelmente assimi- Gostava de uma boa briga,
creveu uma carta para Ariano Suassuna, pou-
lado daqueles palhaços de circos de uma polêmica. Travou com o
co antes da morte do autor do Auto da Compade- *** sociólogo e músico Sebastião Vi-
cida. Um depoimento emocionado e agradecido mambembes, lonas esburacadas
la-Nova uma disputa porque Vila
do intérprete que fez o personagem João Grilo, Idelette Muzart-Fonseca dos Santos considera sobre as caras mal pintadas dos
defendia a genialidade de Tom
que em todas as peças, houve uma aprendizagem comoventes  clowns que faziam
na adaptação para a TV e cinema da peça: Jobim e Ariano o considerava o
pela tragédia, sempre apoiada, fundamentada na suas graças primitivas com re-
“Carta para Ariano, maestro apenas um “compositor
Bíblia, “não necessariamente voltada para a exe- petições de volta ao ponto de par-
Quem te escreve agora é o Cavalo do teu Grilo. a mais”, praticamente medíocre.
gese, para a compreensão litúrgica, mas a leitura tida das histórias”. Lembra que
Um dos cavalos do teu Grilo. Aquele que te sen- Conta-se que Ariano agrediu
te todos os dias, nas ruas, nos bares, nas casas. de um livro de referência da vida como um todo”. o narigão de Suassuna também
com um soco o jornalista Celso
Toda vez que alguém, homem, mulher, criança Segundo a pesquisadora, Ariano foi um crítico da favorece para arremedar as
Marconi, no antigo Teatro Popu-
lar do Nordeste, durante o inter- tantemente pela imprensa na mulheres de preto, com uns véus
16 valo de uma peça, porque Mar- época. Informava-se, por exem- arrastando muito sem jeito”. E 17
coni escreveu uma crítica com plo, que o industrial pernam- Ariano teria perguntado a An-
ressalvas à produção do filme A bucano Marcelo Carneiro Leão selmo: “E qual é esse filme?”, e An-
Compadecida, de George Jonas. Na estaria disposto a financiar a selmo respondido: “não sei bem,
citada entrevista a Geneton Mo- produção do filme revoltado da parece que era baseado num
raes Neto, AS disse que se arre- possível filmagem no Rio Gran- dramalhão grego chamado Elec-
pendia desse ato, pois tinha ímpe- de do Norte, enquanto um jornal tra.” Depois de citar o “essa não!”,
to para briga quando jovem. Sua da Bahia noticiava que seria ini- dito por Ariano, conclui o colunis-
mansidão da maturidade não ciada a filmagem em agosto de ta assim a explicação da ruptura:
consegue entender como a agres- 1963 e que as locações seriam “Depois desse diálogo em que An-
são aconteceu. O suposto segundo em Salvador. Mas um mês antes selmo demonstrou possuir tanta
soco desferido contra Celso Mar- disso, os jornais já noticiavam a ‘cultura’, Ariano resolveu desistir
coni, mas cujo alvo seria o artista desistência do projeto por par- de entregar sua peça”.
Jomard Muniz de Britto, Suassu- te de Anselmo Duarte, alegando No entanto, o que contou o
na disse não lembrar, mas seria dificuldades técnicas e econô- próprio Anselmo Duarte foi algo
possível dadas às circunstâncias, micas. Essa explicação “neutra” bastante diferente. No volume da
brigar também com Jomard. terminou sendo a oficial, mas não coleção Aplauso, dedicado à sua
Esse foi um episódio que se impediu que fossem trazidas ao trajetória artística, ele diz não
incorporou ao gossip da cultura público as versões alternativas saber o que teria afetado mais
recifense, contado de diversas que desvendavam os bastidores negativamente sua carreira se a
maneiras. do affair Anselmo/Ariano. Uma ditadura militar, o cinema novo e
Tempos antes do tal episódio, das mais pitorescas ocupou toda a mídia, mas, não tinha dúvidas
Celso Marconi, na coluna que uma coluna do jornalista Celso de que depois de O Pagador, “as
mantinha na Última Hora, em 20 Marconi no jornal A Última Hora. coisas começaram a dar errado”.
de maio de 1963, se ocupou das No dia 21 de agosto de 1961, com Assim afirma em Anselmo Duarte,
possibilidades de um filme, por título chamativo: “Ariano brigou de O Homem da Palma de Ouro, na
Anselmo Duarte sobre a peça com Anselmo Duarte”. entrevista a Luiz Carlos Merten:
de Ariano. Em tom simpático e A explicação dada na coluna “Tive de esperar três anos pe-
amistoso ele ocupou mais de uma para as razões da “briga” foi que, las rendas do filme para fazer o
vez sua coluna com o assunto, ao visitar Taperoá, na Paraíba, meu projeto seguinte, que foi Ve-
até estimulando a realização da e dois outros municípios no Rio reda da Salvação. Não era, inicial-
filmagem em Pernambuco, pois Grande do Norte, o premiado de mente. Compenetrado da minha
comentava-se, que era de que o O Pagador de Promessas teria afir- condição de cineasta vencedor
filme seria rodado no Rio Grande mado que em Itu (no interior de da Palma de Ouro, eu acredita-
do Norte, por falta de ajuda oficial São Paulo) havia cenários idênti- va, como acredito até hoje, que
do governo de Pernambuco. cos aos do Nordeste e, do ponto de a receita do sucesso está em dar
“Estou certo que, também vista econômico, seria melhor fil- aos filmes um sentido humano,
aqui, o Governador dará todo o mar lá. Além disto, ao comentar dentro de formas narrativas na-
apoio para Anselmo e Ariano re- o contexto de sua Palma de Ouro cionais. Cinema tem de ter raiz.
alizarem seu filme. Sendo o prof. em Cannes, Anselmo havia dito Pensando assim, resolvi que ia
Ariano Suassuna um paraibano a Ariano: “tinha lá um filme de adaptar O Auto da Compadecida, do
radicado no Recife, não se enten- um tal de Cacoyannis, mas muito Ariano Suassuna”.
de que vá para o R. G. do Norte ruim: imagine que havia uma se- Ele prossegue o seu depoimen-
para filmar sua peça. Faço, aqui, quência em que apareciam umas to que foi ao encontro de Ariano
um apelo ao meu ex-professor de
estética: que inclua no seu con-
trato de cessão da história uma
cláusula exigindo a realização do
“O ‘testamento literário’ de Ariano, que reúne prosa,
filme em Pernambuco”. poesia e ilustrações, tem 1.012 páginas assume fôlego proustiano,
As ideias de adaptar a peça engenhosidade linguística rosiana e estética armorial,
ao cinema foram noticiadas cons- com ilustrações inspiradas em arte rupestre.”
“Faz falta esse Quixote Ariano, que concordou com a montagem. “Já estou mais maduro”, ates-
18 bir­rento, amado e tou, lembrando que o romance era uma coisa e a leitura para o palco 19
criticado, que defendeu de Antunes era outra. Depois da estreia AS elogiou entusiasmado o
com todas as suas espetáculo, que assistiu várias vezes. Na época da estreia, Antunes Fi-
melhores armas –
lho avaliou que talvez nem ele, nem o teatro, nem o Brasil estivessem
a poesia e o sonho,
preparados para receber Quaderna no palco duas décadas antes. Não
a sabedoria,
a espontaneidade dá para saber, mas o importante é que a superação de diferenças só
e o humor – o Brasil trouxe benefícios para o teatro e para a cultura brasileira.
que ele tanto amou.” O gosto de Ariano por provocar, e revidar, vinha de longe. Quan-
do pouco mais tinha que vinte e um anos, publicou, em 16 de janeiro
de 1949, no Diario de Pernambuco o artigo A deserção de Chaplin. O ana-
lista de colunas do próprio jornal reagiu criticando o artigo, e no dia
30 de janeiro de 1949, Ariano voltou ao tema:
“Mal cheguei do sertão, tive notícia de que uma nova secção do Dia-
rio de Pernambuco tinha sido inaugurada e logo no dia de estreia metia
o pau no artigo que escrevi sobre Monsieur Verdoux de Chaplin. Soube
também que Jerônimo Colaço de Magalhães era um pseudônimo; pre-
feria que seu Magalhães dissesse quem é. Mas enquanto o amigo Tales
pai era uma ferida nunca não se decide, vou defendendo o meu artiguinho, em situação mais crí-
cicatrizada. Sua reação foi tica do que a de D. Quixote; o atacado sou eu e nem ao menos diviso os
humana, demasiadamente moinhos do vento que me esbordoam as magras costelas”.
humana. Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2005, criticou
Suassuna também teve dois colegas no evento. O historiador Evaldo Cabral de Mello, por ter
suas querelas com um dos comparado a Espanha de Dom Quixote aos EUA de Bush. E o escritor
maiores encenadores bra- Alberto Mussa por ter afirmado que o personagem de Cervantes é
sileiros, Antunes Filho. Aria- egoísta. Suassuna não disse os nomes, mas estava com as “provas”
no proibiu a montagem de nas mãos: dois exemplares de jornais brasileiros.
A Pedra do Reino em 1984. Ninguém podia negar que como pessoa e como personagem fosse
Por insistência do encena- marcado pela autenticidade, o humor, o sarcasmo. Nas próprias au-
dor Antunes Filho as obras las-espetáculo também exercitava a autorionia, em meio a exposição
Romance d’A Pedra do Reino e de seus princípios de teatro e cultura: Chegou a comentar “Mas que
o Príncipe do Sangue do Vai-e- mau gosto tem essa gente!”, referindo-se à plateia que lotou a apre-
volta e História do Rei Degolado “Atribuir a Deus sentação ou ao mostrar a capa de uma revista de cultura, com sua
nas Caatingas do Sertão: ao Sol uma coisa tão foto: “Mas como escritor é feio!”.
da Onça Caetana chegaram odiosa quanto A capacidade de rir de si mesmo era parte do seu charme, e a
ao palco em 2006. “Ele teve o racismo me disposição para fazer chacota dos próprios defeitos também. Certa
um gesto de grandeza. Que- deu uma raiva vez reagiu assim a um colunista da revista O Cruzeiro que elogiara
ro ser justo e ser justo com tão grande que sua performance num programa de TV apresentando a música eru-
Suassuna na companhia do ator Agildo Ribeiro, que escolhera para viver alegria. Se alguém fizesse na mesma hora dita do Nordeste:
mudei o texto e
o personagem João Grilo: comigo o que eu fiz com ele, “Sou gago. Aquilo que os outros levam cinco minutos a dizer eu
transformei
“De saída, cometi uma gafe que deixou o Suassuna bufando. Estávamos eu nunca mais procurava. gasto o dobro. Além do mais, basta colocar na minha frente uma má-
o Cristo num negro.”
no carro, procurando o que poderia ser um bom local para as filmagens, Eu proibi a encenação quan- quina fotográfica ou de televisão para que eu fique cheio de dedos,
quando vi uma estátua e perguntei: “– É o João Pessoa?” Suassuna fechou do ela já estava indo para o coberto de nós pelas costas. Fico fora de foco. Sou um fracasso. Tanto
a cara. É que eu não sabia que o pai dele, quando era governador, fora ensaio geral”, comentou AS que um amigo entendido em coisas de comunicação sempre me pede
acusado de mandar matar o João Pessoa. E eu, muito tonto, sem me man- sobre o episódio da interdi- para ficar natural diante dessas invenções modernas. Respondo
car do que estava ocorrendo, ainda comecei a cantarolar João Pessoa/ ção da peça. sempre: então, tira a câmara e apaga a luz”.
João Pessoa/Bravo filho do sertão... O Suassuna gritou “– Chega!” Foi o pri- Anos depois Antunes Nem as câmaras foram tiradas nem apagadas as luzes, até o fim
meiro de uma série de atritos. Suassuna me convenceu a não falar mais deu uma entrevista em de sua vida. A “mídia” gostava dele, e ele da mídia, embora expressas-
daquele cabra da peste – era incapaz de dar nome a João Pessoa. O Agil- Brasília, dizendo que conti- se este “amor” muitas vezes por sinais trocados ou contrários.
do me contou que eu estava pisando em terreno minado e, finalmente, nuava com o sonho de fazer Sobre sua famosa indisposição de viajar de avião, costumava dizer
caí em mim”. Quem conhece minimamente a biografia de Ariano sabe A Pedra do Reino. Esse ape- que pagava o dobro do cachê para não sair de casa. Certa vez simulou
que, apesar do nome de santo e ser religioso, esse assunto da morte do lo chegou aos ouvidos de um mal-estar. A comissária preocupada fez a pergunta que foi uma
deixa para suas famosas piadas. A lama do Recife tinha valor. de maracatu. O coração desses “Na minha visão do
20 “O senhor está sentindo falta de Em 1995, Ariano Suassuna as- dois homens, um maduro o outro mundo e, em particular 21
ar? E ele respondeu: “Eu ‘tô é com sumiu a secretaria de Cultura de jovem – se entenderam. AS disse na do nosso País, a
esta altura submetido
falta de terra, minha filha!”. Pernambuco e disse que na ges- que subiria no palco com o man-
a um processo de
tão dele a prioridade seria a cul- gueboy se ele trocasse o nome
falsificação, de entrega e
tura popular. Que não daria apoio para Chico Ciência. Foi sua decla-
Amor pelo ao manguebeat, que já tinha as ração de amor.
vulgarização que, a meu
mangueboy simpatias do mercado. Nessa oca- Science morreu em 2 de feve-
ver, é a impostura mais
triste, a traição mais feia
No início da década de 1990, o sião, Chico Science & NZ já eram reiro de 1997, vítima de um aciden- que já se tramou contra
Recife era apontado como a quar- conhecidos nacionalmente. te de carro, aos 30 anos de idade. ele”, anunciou Suassuna.
ta pior cidade do mundo para se A declaração de Ariano foi feito Suassuna foi ao enterro e chorou
fogo no paiol para a imprensa se- ao se despedir do amigo, que o con- [A Melancolia, 1532,
viver, segundo a Organização
óleo sobre tela, de
das Nações Unidas (ONU). Nesse denta por polêmicas. Saíram ma- trapondo oxigenou suas ideias.
Lucas Cranach, o Velho].
cenário emergiu uma voz, que téria com fotos de Ariano de um
marcou a música brasileira, o lado e CS de outro em jornais de A vida é uma
comportamento e a mentalida- circulação nacional. Fred 04 soltou
de dos jovens: Francisco de Assis sua veia punk na revista Bizz: “Nós grande escola
França Caldas Brandão, o Chico
um ideia de educação & cultura para um por conta das populações periféri-
somos de uma geração que veio A literatura de Ariano não é “Brasil real” todo na cabeça do profes- cas do gran monde Brasil. E Onça
Science. Ele não apareceu só, mas pra bater em Caetano, Gil, Alceu...” fruto de um sonho romântico, mas sor Ariano: Como se o país pudesse Malhada? A Onça é o respeitável
de andada como os caranguejos e da solução de um problema prá- se transformar em uma imensa sala povo brasileiro,
já havia lançado o álbum Da Lama *** tico, bem ligado à educação, ou à de aula ou num enorme circo, e onde
ao Caos (1994) com sua Nação Zum- sala de aula, ou aos resultados. Em O povo brasileiro era o grande
o professor fosse ao mesmo tempo o
bi e renovado a cultura da capi- Na época, eu era repórter do entrevista concedia à Nova Escola, mestre-de-cerimônias, o palhaço e o
público para Ariano. Ainda que
tal pernambucana. Diario de Pernambuco e articulei ele conta: “Certo dia, eu tive uma leão. sua matriz principal fosse um certo
Science inventou uma batida uma reunião de Chico Science prova de Geografia e não sabia Tudo ‘planejado’ por dentro de um tipo de Nordeste, as raízes são mais
que misturava ritmos tradicio- com Ariano Suassuna, no gabine- nada. Então, resolvi dar as respos- imenso improviso, se pudéssemos di- amplas, brasileiras, e até mais, ibé-
nais, como cavalo-marinho, ciran- te do secretário, a pedido de AS. tas por meio de versos. O profes- zer assim, porque era no improviso ricas. Um Brasil plural de um povo
da, coco e maracatu com guitarra Participaram da conversa além sor quis saber quem era aquele onde Ariano se sentia mais na sala, ou de povos que tem na resistên-
elétrica, batidas eletrônicas, tudo dos dois artistas em questão, o aluno e, em vez de me dar uma de visitas ou de aula, como ele mesmo
bronca, me elogiou”.
cia e na capacidade de rir de si e
carregado com a crítica social do produtor Paulo André Pires, eu - disse, nos versos de um cantador de
O estímulo não ajudou a formar dos outros uma das suas marcas
rap, além da influência da diáspo- que fiz uma matéria para o DP e feira, ‘improvisado’ para ele daque-
ra africana, da psicodelia setentis- somente o escritor, mas também o mais reconhecidas, como o próprio
o fotógrafo Fred Jordão. las aulas: “Para brigar de tiro e faca/
ta e de uma ânsia de futuro. Foi um encontro de artistas. professor Ariano Suassuna, que autor de A Pedra do Reino assinalou
não sirvo não presto não./ Mas solto
O manifesto Caranguejos com Aliás nasceu um afeto, uma admi- dava aula desde os 17 anos e que assim sobre um palco/com um micro- num depoimento que deu à revista
Cérebro, uma miscelânea de so- ração mútua e depois do abraço lecionou por 32 anos na Universi- fone na mão./ Eu sou onça matadei- Realidade (em número monográfico
ciologia de Josué de Castro com uma ligação fraternal. Chico ou- dade Federal de Pernambuco. De- ra/ sou tigre bravo e leão”. sobre o Nordeste, publicado em no-
o vigor do movimento punk da viu atentamente as ponderações fendia a ideia de que um professor vembro de 1972):
Por isso o professor-palhaço. O
Inglaterra, já tinha sido elabora- não é diferente de um ator. “Sendo
de Ariano sobre colonialismo e personagem abre o Auto da Compa- “Um povo que construiu na Amé-
do por Fred Zero Quatro, líder do somente um expositor de ideias,
dominação, ingleses e indianos. decida. No começo do século vinte, rica Latina um país como o Brasil,
Mundo Livre AS, junto com o jor- dificilmente ele chamará a aten-
AS mostrou umas pastas com re- no Brasil Profundo, o povo entra- que se mantém íntegro e uno den-
nalista Renato L. ção dos estudantes”.
cortes de jornais, uma delas com va em contato com a dança, a mú- tro de todas as suas contradições, é
Esse cuidado com a educa-
“O que fazer para não afun- uma matéria sobre o show de
ção fazia parte do que se pode sica, o teatro, o canto e a literatura forte, sem exagero. É, dentro dessa
dar na depressão crônica que Ozzy Osbourne, no Rock in Rio, de
paralisa os cidadãos? Como de-
considerar uma ideia de nação ou pela escola ou pelo circo. E mui- extraordinária garra brasileira, o
1985. Ozzy bradou que o Brasil era
em Ariano, presente em sua li- to mais por esse último. nordestino pode ser apontado como
volver o ânimo, deslobotomizar o pior lugar que ele já tinha visi-
teratura, para se ler, e em suas Talvez por isso o palhaço Aria- um exemplo de tenacidade e re-
e recarregar as baterias da ci- tado. Ariano ficou de bronca com apresentações, ou aulas-espetá- no tenha preferido o circo itine- sistência. Já fui criticado, certa vez,
dade? Simples! Basta injetar um o músico britânico e falou: “Chico, culos, para se ver. Os primeiros
pouco de energia na lama e es- como pode um homem desses vir rante para fazer circular pelo porque se disse que no meu livro A
sinais de seu AVC ocorreram
timular o que ainda resta de fer- falar do meu Brasil?” Science cha- justo enquanto ensinava, num es- Brasil seu A Onça Malhada, a Favela Pedra do Reino não se dava nenhuma
tilidade nas veias do Recife”, pon- mou Ariano de mestre. Suassuna petáculo-aula que nomeou de A e o Arraial. E ele explica: arraial atenção à seca, exemplo de resis-
tuou o manifesto. encontrou em Chico um Mateus Onça Malhada, a Favela e o Arraial, em homenagem a Canudos. Favela tência e coragem do povo nordes-
“Como se o país pudesse
22 tino. Não acho a crítica válida. se transformar em 23
Limitei-me apenas a mencionar uma imensa sala de
as secas, é verdade. Mas, ao não aula ou num enorme
circo, e onde o professor
ficar lamentando as chagas e
fosse ao mesmo tempo
o sofrimento, estou apenas se- o mestre-de-cerimônias,
guindo o exemplo do próprio o palhaço e o leão.”
povo sertanejo, que, suportando Circus: Stedelijk
grandes provações com enor- Museum Alkmaar
me estoicismo, com coragem ad-
mirável, ainda encontra forças
para rir do mundo, dos outros e
de si mesmo.” para a morte). Trabalhou com
Em 3 de agosto de 1989, foi entusiasmo até as vésperas do
eleito para a Academia Brasi- AVC que lhe tirou a vida, ao
leira de Letras, a grande aca- findar de uma tarde de julho
demia, a grande escola. Em de 2014, aos oitenta e sete anos.
2002, outra escola, agora de Sua última aula-espetáculo foi
samba, a carioca Império Ser- na primeira versão o Cristo era de Letras. camponês pobre. Mas acredito faço é bom para o Brasil. O pes-
branco. A mudança na cor da Em 1980, Ariano leu uma dois dias antes, em Garanhuns
rano, o homenageia. Ariano na importância das roupagens soal diz que só apoio artista que
pele foi um momento de indig- frase de Ghandi, que o im- (Pernambuco) para uma pla-
não via diferença nesses dois para a liturgia, como creio no admiro. É claro! não vou apoiar
nação meu motivado pelo com- pressionou profundamente. teia entusiasmada ao ouvir
palcos, nessa mistura, nessa sentido dos rituais. E queria artista que eu não admiro. Mas
portamento dos americanos. Ti- Dizia Ghandi que um india- aquele raro e genial contador
malha, nessa mestiçagem, onde que minha maneira de vestir eu não sou ditador, não. A pri-
nha visto na revista Life a foto e no verdadeiro e sincero, mas de histórias.
tudo é o povo, e seguia tentando indicasse que, como escritor meira vez que fui Secretário
a notícia de um comício contra pertencente a uma das duas Suas últimas análises sobre
definições by color aprendidas pertencente a um País pobre e de Cultura de Pernambuco,
a inclusão das primeiras crian- classes mais poderosas de seu o Brasil eram preocupantes.
com Euclides da Cunha para a uma sociedade injusta, estou com o meu aval e a minha as-
ças negras nas escolas bran- país, não deveria nunca vestir Como artista que capta os sinais
quem todos os gatos – nós - são convocado, ‘a serviço”, discur- sinatura, foi convidado para o
cas dos Estados Unidos. Em pri- uma roupa feita pelos ingle- do futuro: “Na minha visão do
pardos, com a morenidade de- sou na posse da ABL. Festival de Garanhuns o grupo
meiro plano na foto tinha uma ses. Primeiro, porque estaria mundo e, em particular na do
fendida por Gilberto Freyre, e o Pois é, Ariano Suassuna Paralamas do Sucesso, que eu
mulher segurando um cartaz se acumpliciando com os inva- nosso país, a esta altura subme-
Brasil mestiço incutido um pou- nunca foi uma unanimidade. tenho horror, eu achava que
que dizia: ‘Deus foi o primeiro sores. Depois, porque estaria, Apontado como um idealista tido a um processo de falsifica-
co por Sylvio Romero. Ou como ele devia fazer sucesso em ou-
preferia responder, quando o segregacionista ao criar ra- com isso, tirando das mulheres lúcido, notório por suas posições ção, de entrega e vulgarização
ças diferentes’. Atribuir a Deus pobres da Índia um dos poucos tro paralama, não no nosso. Eu que, a meu ver, é a impostura
assunto perdia o tom educativo ideológicas em defesa intransi- sou aberto. Agora, querer que
somente, ele se valia de certa uma coisa tão odiosa quanto o mercados de trabalho que ain- gente da cultura brasileira, leal mais triste, a traição mais feia
racismo me deu uma raiva tão da lhes restavam. eu digo que aquilo é bom, só que já se tramou contra ele”,
pedagogia visceral, do padre ao seu pensamento estético e
grande que na mesma hora “Egresso do patriarcado ru- nascendo de novo” anunciou Suassuna.
Vieira “Quem quiser acertar político, ele respondia aos que o
mudei o texto e transformei o ral derrotado pela burguesia Dedicou-se com toda ale- Faz falta esse Quixote birren-
em história, em política ou em considerava antiquado. “Os jor-
Cristo num negro.” urbana de 1889, 1930 e 1964, gria e lealdade a artista plásti- to, amado e criticado, que defen-
sociologia deve consultar as en- nalistas perguntam as mesmas
Aboliu o terno e a gravata, ingressei no patriciado das ci- ca Zélia de Andrade Lima (Su- deu com todas as suas melhores
tranhas dos sacrificados”, repe- coisas as mesmas coisas que
mesmo em ambientes mui- dades como o escritor e pro- assuna), amor de adolescência armas – a poesia e o sonho, a
te Ariano, para quem a ques- respondo há 10 anos; não mudei.
to formais. Como uma de suas fessor que sempre fui. Conti- que ardeu por 67 longos anos, sabedoria, a espontaneidade e
tão racial era uma das suas Continuo coerente”.
tabuadas mais cobradas. marcas estava o uso de calças nuo, portanto, a integrar uma “Eu sou muito paciente e sou que gerou seis filhos e 15 ne- o humor – o Brasil que ele tan-
Conta-se que o Cristo, n’O Auto e camisas de talhe sertanejo de daquelas classes poderosas, às muito tranquilo, porque tenho tos. Dizia que não pretendia to amou. Faz falta esse artista,
da Compadecida era, a princípio, brim ou linho, confeccionadas quais fazia Gandhi a sua reco- a convicção de que tudo que eu morrer, mas entre dramas como disse Hermilo, que “não
branco. A forma como o profes- por uma costureira popular, mendação. Sei, perfeitamente, faço é coerente com aquilo que e tragédias familiares, amor, esquece a grandeza do homem,
sor ensinou ao dramaturgo é Edite Minervina; traje inclusive que não é o fato de me vestir eu acredito. Agora, querer que amizade, arte e fé foi forjando no bem e no mal, porque é um
algo emocionante, mas melhor adaptado para o fardão para a de certa maneira, e não de ou- eu gosto de coisas que eu con- o espírito para encontrar com dos poucos que têm consciência
nas suas próprias palavras: “... posse na Academia Brasileira tra, que vai fazer de mim um deno, aí não dá. Acho que o que a Caetana (nome que ele dava de ser, aqui, um peregrino”.
24 Raimundo Carrero, um dos grandes romancistas brasi- 25
leiros, conviveu por muitas décadas com o amigo e mes-
tre Ariano Suassuna. Nesta entrevista à jornalista e críti-
ca teatral Ivana Moura especialmente para Hexágono,
Carrero co­menta influências literárias, intelectuais, po-
pulares e políticas de (e em) Suassuna: o armorialismo, a
resistência à indústria cultural, a educação e sobretudo
a importância de se ler Ariano para melhor se entender
o passado, o presente e o futuro do Brasil. [Hx]

COM A FORÇA
DE UM PROFETA
[hexágono] e disse eu preciso conversar com Ariano. Procurei Ariano
26 Qual foi o primeiro impacto e qual foi a primeira obra de Ariano mais umas três vezes, e pelas razões óbvias de um jovem
27
Suassuna que o senhor leu na vida? O que lembra desse momento, adolescente que está procurando emprego, fui vender livros
das circunstâncias, enfim... de porta em porta. E me ausentei. Nesse momento eu comecei
a escrever artigos críticos para o Diario de Pernambuco. Eu
[raimundo carrero] não posso dizer crítica literária, porque eu era um menino,
Com maioria dos leitores de Ariano, o primeiro livro dele que com formação ainda incompleta e escrevia sobre livros que
eu li foi o Auto da Compadecida, quando era adolescente em eu lia e que eram publicados regularmente por César Leal
Salgueiro, entre 14 e 15 anos. A peça me impressionou muito. e Marco Antônio do Prado. Por isso mesmo logo depois um
Eu gostava muito de teatro, porque tenho uma influência do colega meu, que era editor de um jornal universitário, me
teatro de forma indireta, mas que me marcou muito. O meu procurou e disse “Carrero, Ariano quer falar com você”. Fui
irmão Francisco, que era o meu irmão mais velho, foi ator lá na Universidade e Ariano falou “Olha eu quero que você
do Circo Nerino. E ele periodicamente mandava comprar venha trabalhar comigo aqui no DEC”. Foi um tempo em que o
peças pelo reembolso postal. Uma dessas peças foi Auto da Movimento Armorial estava no seu início, e ao mesmo tempo
Compadecida. no seu esplendor. Trabalhava lá todo o Quinteto Armorial, os
Depois eu vim embora para o Recife. Eu nasci em Salgueiro, músicos da Orquestra Armorial, e eu passei a trabalhar com
no Alto Sertão de Pernambuco, e vim para o Recife em duas Maximiniano Campos, Ângelo Monteiro, Manoel Neto; então
etapas. A primeira delas foi no fim de 1960. Naquela época comecei a ter uma convivência diária com Ariano.
estava me preparando para entrar no ginásio - na época Mas apesar disso, como eu tinha pressa de aprender, eu ia à
era uma espécie de vestibular. Então eu vim para o Colégio casa de Ariano todo domingo e passava o domingo com ele
Salesiano interno. Depois do Salesiano, eu voltei para Salgueiro das 9 da manhã às 9h da noite.
e aos 15 anos definitivamente vim para o Recife. Logo depois, Ariano lançou A Pedra do Reino, que exerceu em
A princípio toquei numa banda de rock, chamada Os Tártaros mim um fascínio mágico incrível. Eu nunca tinha visto nada
- durante um período muito bom aí. Nós estamos falando 1966/ igual. Até porque é natural que um jovem adolescente, eu já
67. De repente eu saí da banda para escrever um romance... estava com 20 anos, tivesse um impacto muito forte com o
porque comigo aconteceu uma coisa engraçada. Eu não sei livro brilhante daquele, com o universo que ele não conhecia.
quando decidi ser escritor; eu nasci escritor. Quando foi uma
tarde, eu tinha acabado de escrever um romance. Chamava- [hexágono]
se Gigante mundo em quatro paredes. Na Livraria Imperatriz, eu Ariano é um entusiasta de Dom Quixote. O senhor exerga Ariano
conhecia um vendedor e eu disse para ele que escrevi um como uma figura quixotesca?
romance. Ele disse: “mostre a Ariano Suassuna”. Eu disse, eu
não conheço Ariano Suassuna. Ele disse: “eu tenho aqui o te- [raimundo carrero]
lefone dele”. Liguei para Ariano. Ariano disse: “Eu quero ver o Se você imaginar no sentido de Quixote grandioso, de reformador
romance venha aqui em casa, venha”. Isso era o ano de 1968. do mundo, era. Agora se quiser ver como uma figura quixotesca
Fui na casa de Ariano. Ele pediu o livro e me disse uma frase capaz de ter sonhos e ter ideias que não se realizariam, que pas-
que é exemplar para minha vida inteira: “Eu vou ler o seu sariam até por questão de psicanálise, esse Ariano não. Agora um
livro, se eu não gostar não significa que não presta, significa Ariano que compreendia e vivia o Brasil com muita intensidade,
que eu não gostei”. Voltei uma semana depois. Ele comentou a partir do ponto de vista dele, do ponto de vista do Sertão, e da
que o livro realmente era imaturo, o livro de um menino, construção do mundo, eu não tenho dúvida que era um Quixote.
que não evoluiu bem, mas que eu me dedicasse à literatura, Nesse sentido porque Ariano era um homem de sonhar e de rea-
porque essa dedicação resultaria em um bom escritor. Foi lizar... Não era um Quixote que sonhava e extrapolava o natural e
o que eu fiz. Voltei para casa. Levei para casa o Lazarillo de
Tormes, que é uma novela espanhola que não tem autor, e
Ariano me emprestou Os demônios Dostoiévski. Eu fui para
casa, li tudo aquilo, fiquei muito entusiasmado, com uma in-
[...]LIGUEI. ARIANO DISSE: “EU QUERO
quietação muito grande. O que é que Ariano quer comigo?
Me entrega uma novelinha, que é uma comédia e depois me
VER O ROMANCE VENHA AQUI EM CASA,
entrega um drama, uma tragédia imensa. Eu fiquei por ali
VENHA”. ISSO ERA O ANO DE 1968
passava a ser um louco. Não era o caso de Ariano. Ariano era louco exemplo Shakespeare tenha lançado mão da literatura popular.
28 pela obra e construiu uma obra fantástica e sonhou esse mundo que Por exemplo, nós sabemos que Romeu e Julieta era um texto que vem 29
ele que ele realizou a maneira do possível, através da sua obra es- da Idade Média na Itália ou na Europa e tenha se tornado erudito
crita, através dos amigos que faziam parte do movimento armorial. através de Shakespeare. E não é incomum que outros grandes
Por exemplo Arnaldo (Barbosa), que era um grande amigo dele, que criadores também lançassem mão desse universo. Esse tipo de
construiu estátuas imensas de figuras decisivas e importantes para acusação, de base ideológica muito forte, não considera inclusive o
vida de Ariano, lá no Sertão; na cidade de São José do Belmonte. E Brasil. Autores mais jovens e nesse mesmo tempo, também fizeram
ali ele realizou. Agora, ele não era uma pessoa de fazer conforme praticamente a mesma coisa. A Gota d’Água, de Chico Buarque, é a
o gosto dos outros. Ele era de fazer de acordo com ele. Ele tinha história de Medeia, e todos sabem; “Geni” é Guy de Maupassant, ele
também uma ideia muito grande de realizar o que ele chamava foi lá e fez a transcrição e a reinvenção.
de Ilumiara. Ele realizou a primeira Ilumiara, exatamente em São
José do Belmonte. Lá tem duas pedras onde ocorreu o martírio de
crianças e de jovens por causa da visão sebastianismo do persona-
gem que passou a se chamar Quaderna. Outra visão que ele tinha
era de construir Ilumiara em homenagem aos índios. A partir da
O MOVIMENTO ARMORIAL É RECRIAÇÃO
figura de Garrincha. Porque Garrincha era descendente direto de
índios. Garrincha era descendente dos índios de Águas Belas, em
[...] UMA DAS PALAVRAS-CHAVES DA
Pernambuco. Por isso que Ariano tinha também esse sonho. Mas
não é nada desagregado da realidade. Nada que não estivesse muito
LITERATURA BRASILEIRA
próximo do possível, da realidade. Nada de sonhos mirabolantes.
Ele sabia o que queria e como iria realizar. Este é com convicção o
Ariano quixotesco. Nesse sentido do sonho... De forma que acusar Ariano de copiar os populares é não conhecer
nem a história do teatro e da literatura da Idade Média para cá
[hexágono] e nem conhecer a história do nosso mundo contemporâneo. Essas
Ariano trabalhava com cantorias e literatura de cordel na sua adaptações são normais e reincidentes na história da literatura
obra dramatúrgica e romanesca. Qual o ponto mais visível da sua universal, sem dúvida. Até porque ninguém cria do nada. Só quem
obra com a cultura popular? cria do nada é Deus, o resto vai buscar da fonte e das origens que
são esses caminhos.
[raimundo carrero]
Na década de 1960, no fim da década de 60 começo de 70, quando
Ela está visível, objetivamente visível, na construção da obra e suas Ariano sedimentou o Movimento Armorial, como havia no Brasil
ramificações. Porque Ariano era um músico a sua maneira, de um confronto político, às vezes até armado entre direita e esquerda,
indicar caminhos através da música erudita dos séculos 19 e 18, do aquilo que não se enquadrava exatamente na visão dos críticos de
Brasil que ele realizou através do Quinteto Armorial e da Orquestra um lado ou de outro, passavam a ser censurado ou questionado. E
Armorial. Contando com a ajuda de grandes músicos, como Capiba Ariano em alguns momentos foi vítima disso. Mas, quando se faz
e do maestro Clóvis Pereira. De forma que ele sabia para onde ia. essa reflexão, considerando a Europa e o Brasil, ela é inteiramente
E a música brasileira originária, que é também clássica, vem com ingênua e boba. Posso citar um grande número também de cria-
a colaboração desses dois músicos excepcionais - Capiba e Clóvis dores que fizeram a mesma coisa. Porque não é cópia; é recriação.
Pereira. E ele realizou isso muito bem. E basta que se ouça os discos... Recriação é uma das palavras chaves na literatura brasileira. Tem
três verbos muito claros na história da recriação. Vamos buscar
[hexágono]
o movimento modernista, vem a realidade da reinvenção. A se-
Por utilizar o cordel, o cordel de Leandro Gomes de Barros, por gunda é o verbo copiar, que é do movimento regionalista, copiar
exemplo, e outros cordéis, às vezes trechos inteiros na sua obra documentalmente as manifestações sociológicas e antropológicas
Ariano foi acusado por algumas pessoas de apropriação... Houve que terminam folclóricas. E o Movimento Armorial que é recriação,
até polêmica... a partir das fontes populares. Reinventar e recriar, essas são as
[raimundo carrero] bases do trabalho. De forma que essa ingênua acusação de que
Isso é o mesmo tempo um erro e uma ingenuidade. E falta de co- Ariano queria se apropriar, não se apropriou, ele foi na fonte e
nhecimento. porque não é incomum, digamos assim, que na história reinventou, como se fez no mundo inteiro.
da cultura ocidental, grandes escritores, grandes criadores por
[hexágono] [hexágono]
30 Qual a contribuição de Ariano Suassuna para a educação? Qual o livro que indicaria como porta de entrada para novos
31
leitores?
[raimundo carrero]
Principalmente mostrar um Brasil onde as fontes mais tradicionais [raimundo carrero]
e mais populares estão a partir do Sertão. Ou seja, naquela região Se for a prosa, Ariano tem um romance que é fundamental, como
onde a comunicação se dá com maior dificuldade e descobrir as porta de entrada. Chama-se Fernando e Isaura, que tem um edição
qualidades do homem originariamente do Campo. Porque há vá- recente , da José Olímpio. Se for o teatro, alguns indicam A Pena e a
rias interpretações. A mais divulgada delas, da região praieira, Lei, outros indicam Auto da Compadecida. Eu gosto muito, muitíssimo,
que leva em consideração a civilização portuguesa, sobretudo e acho a súmula do teatro de Ariano, Farsa da Boa Preguiça, pela ri-
holandesa, alguma coisa francesa, porque ficaram por aqui as queza de elementos, pela visão do mundo, do Brasil, de personagens,
influências. Enquanto Ariano procurou analisar e questionar o da força de diálogo, da recriação de cena. É bom que se conheça
que ele chamava corretamente de a civilização do couro; onde também Introdução à Estética, que é um ensaio que ele escreveu para
estava o índio, onde estava o negro foragido, onde estava o gado, os alunos de arquitetura. Quando Ariano foi ensinar estética na
onde estava a cultura mais complexa e mais difícil. Essa educação
do homem se reconhecer no seu próprio meio, sem a influência
externa foi e será sempre, não tenho a menor dúvida disso, a maior
contribuição de Ariano na educação.
ARIANO MANTEVE-SE NA SUA POSIÇÃO
[hexágono] DE OBSERVADOR, DE ESTUDIOSO DO
Ariano tinha verdadeira aversão aos símbolos da indústria cultu-
ral, norte-americana principalmente. Como é que o senhor situa
esse posicionamento de Ariano?
COMPORTAMENTO HUMANO[...]
[raimundo carrero]
Universidade Federal de Pernambuco não existia uma biblioteca,
Há uma palavra, que talvez seja a palavra-chave para discutir então Ariano comprou uma biblioteca inteira e transformou num
esse assunto, que Ariano questionava muito, chamada imposição. livro mimeografado, depois editado. Em seguida Ariano doou os
É uma imposição cultural, não brotou da necessidade do homem. livros à faculdade de arquitetura, para que o curso de arquitetura
O mundo algum dia teve necessidade da Disney World? Não teve! tivesse pelo menos uma biblioteca de estética.
Apenas a indústria norte-americana, na sua ânsia de venda e de
influência no destino do homem, inventou a Disney World, como [hexágono]
inventou outras coisas mais fortes. Isso é muito grave... como é o Para um jovem estudante, digamos de 12 anos, como definiria o
rock, por exemplo? Por que Ariano não discutiu outras músicas Movimento Armorial?
norte-americanas? Porque as outras músicas não foram objeti-
vamente criação só de uma indústria... Eu não tenho nenhuma [raimundo carrero]
autoridade para falar sobre isso, mas vou dizer agora. O blues O movimento armorial é a consagração do espírito brasileiro sem
e o jazz são basicamente inquestionáveis porque são frutos da influência do mundo comercial e industrial...
música popular norte-americana, tá lá no bojo da música popular
norte-americana. Não é resquício de gravadora que quer vender, [hexágono]
como acontece com o rock... O rock é o sertanejo brasileiro. O rock Como isso funcionaria, digamos, na literatura?
é tão ruim que é uma imposição de gravadora, é uma imposição
[raimundo carrero]
de mídia. Não é uma coisa nascida do povo para o povo. Por isso a
minha questão com o brega – veja bem, estou dando aqui a minha Na literatura e nas técnicas. Por exemplo, o romance armorial
opinião e não a opinião de Ariano – a minha questão com o brega não considera o aprofundamento psicológico, que é próprio do
não vem do fato de que o brega é apenas ruim ou medíocre. É romance burguês. você sabe o romance a partir da idade média
porque vem do fato que é uma imposição da indústria fonográfica. ou um pouco antes, com Cervantes, o romance veio passar pelo
O que inquietava muito Ariano é quando a cultura passava a ser questionamento psicológico e por isso mesmo passou a se isolar da
objeto de imposição e não de questionamento. grande tradição do romance da Grécia, e da prosa principalmente.
Então, ao associar essas técnicas. a própria academia chamou o ro-
mance de romance burguês, o que associava as técnicas do mundo do posicionamento mais objetivo e prático. 
[hexágono]
32 ocidental, através da imposição - sem dúvida nenhuma - editorial. Como o senhor definiria Ariano?
33
Quando ele se livra disso e passa o ser um romance claramente
livre do universo ditatorial da Indústria. [raimundo carrero]
Um grande intelectual brasileiro com uma força de profeta. Tanto
[hexágono] que o Estado de São Paulo o chamava de o Tostói brasileiro. Era um
E o romance armorial? visionário e um profeta, que vai se mostra mais firme agora neste
novo romance.
[raimundo carrero]
O romance armorial – aliás Ariano disse várias vezes - se você
prestar atenção, ele tem a estrutura do folheto de cordel, que cor-
responde à estrutura da epopeia. Os fatos que se desenvolvem e as
ações e os gestos correspondem... o conflito não é dado a partir do
ELE SEMPRE FOI MUITO CLARO:
questionamento interior, desse drama da alma. Ele se revela através
da ação, do movimento, da desenvoltura dos personagens e da ação
PREFERIA O CAMÕES, QUE É UM PRÊMIO
dos temas e dos assuntos. E aí que está a diferença, basicamente.
LUSO-BRASILEIRO DO QUE O NOBEL
[hexágono]
O que o senhor diria para para as pessoas que consideram ainda
hoje que Ariano era um artista conservador? [hexágono]
[raimundo carrero] Isso como artista. E como ser humano, já que o senhor teve uma
proximidade com ele, conviveu aprendeu...
Olha eu entendo como uma maneira de atingir e ofender Ariano. [raimundo carrero]
Porque Ariano na época das questões ideológicas, que foram muito Uma pessoa que tinha uma enorme capacidade de estudo e de
graves, não se declarou esquerda ou não se declarou um homem realização, sem recorrer a subterfúgios, que era o que ele sabia
preocupado com o choque entre direita e esquerda. Ariano man- fazer com grande qualidade. Ariano não era um erudito de ten-
teve-se na sua posição de observador, de estudioso do comporta- dência europeia. Aí é que está a questão. Era um erudito que vinha
mento humano, sem tomar uma posição à esquerda ou à direita. buscar a fórmula, a condução e a teoria no Brasil. Tanto que para
Isso não tem nada a ver com conservador. Se nós pudéssemos ele o grande filósofo era Matias Aires, que é um filósofo brasileiro
pegar a Pedra do Reino chamá-la de realismo mágico, que tem uma do século do século 19, de grande qualidade, mas que não é nem
tendência à esquerda, seria claramente detectado isso. Mas ele conhecido nas academias; por que formava pensamento brasileiro
não estava enquadrado nem rotulado neste mundo. O realismo e não apenas passava pela cópia dos europeus.
mágico, inclusive, eu ouvi Hermilo (Borba Filho), que tinha uma
tendência mais política – enquanto Ariano era um esteta, (Her- [hexágono]
milo com certeza era um guerrilheiro da palavra, eram posições Mas nessa sua convivência como foi a sua experiência Ariano?
diferentes). Mas não significa que Ariano era conservador. Nunca [raimundo carrero]
foi. Muito pelo contrário. Ele apenas buscava definições claras da De profundo aprendizado. Ainda hoje muitos perguntam se eu não
estética, que ele era um esteta. O ideal da beleza estava na beleza debatia com Ariano? Não. Eu ia lá para aprender. Eu nunca tive
e não fora dela. A beleza estava na própria construção do belo e um debate acalorado com Ariano...
não passava – digamos assim – pela construção da guerrilha, ou
[hexágono]

ERA UM ERUDITO QUE VINHA Mas você concordava com todas as coisas?
[raimundo carrero]

BUSCAR A FÓRMULA, A CONDUÇÃO Concordava porque o ponto de vista dele é muito firme, e Ariano
não vinha com subterfúgio. Ele era um erudito profundo. Quando
ele tomava um ponto de vista ele sabia expor, explicar e desen-
E A TEORIA NO BRASIL volver sem nenhuma dificuldade.
[hexágono]
34 O senhor leu os originais do novo romance, que é a obra da vida
35
inteira dele.
[raimundo carrero]
O meu amigo Samarone Lima, que na época era um dos principais
assessores de Ariano, me procurou e disse: “Carrero, Ariano man-
dou perguntar se você quer ler o livro dele”. Aí eu respondi com
uma pergunta básica: “Ariano enlouqueceu? É claro que eu quero.
Se nada restasse, era obra de um jeito que eu queria conhecer na
origem”. Aí ele trouxe umas partes vermelhas enormes; os ma-
nuscritos. Porque Ariano escrevia à mão e depois os secretários
dele digitavam. Então eu li, fiquei fascinado e comecei a escrever
algumas coisas. Até porque eu sabia que Ariano gostava que os
amigos dele dessem a opinião por escrito. Samarone então disse
que ele queria que eu escrevesse a orelha do livro. Mandei para
Ariano... E eu vou fazer uma revelação que todo mundo vai dizer
que é mentira minha. E eu suportarei claramente sem cerimô-
nia. Eu sentado na minha poltrona e ele aqui do lado. Aí Ariano
disse assim: “Carrero eu vou lhe confessar uma coisa. Estão me
inscrevendo aí no prêmio Nobel. Mas essa orelha sua me dá mais
alegria do que o Prêmio Nobel”. Até porque ele sempre foi muito
claro, preferia o Camões, que é um prêmio luso-brasileiro do que
o Nobel. Aliás doutor Mário Soares que ero o presidente Portugal
uma ocasião estava aqui no Recife jantando com Ariano no Clube
Português. Mário Soares comentou que sabia da aversão de Aria-
no às viagens, mesmo assim convidou-o para fazer uma visita a
Portugal. Ariano respondeu que era capaz de ir porque Portugal
pelo menos tem um bom senso de falar português.

Raimundo Carrero é romancista e contista. Nos anos 1970 participou da


criação do Movimento Armorial, liderado por Ariano Suassuna. Um dos
autores mais importantes da literatura contemporânea brasileira, Carrero
é autor de A história de Bernarda Soledade – a tigre do Sertão, As sombrias ruínas da
alma, As sementes do sol – O semeador, Sombra severa, Somos pedras que se consomem,
Tangolomango, O senhor agora vai mudar de corpo, entre outros.
36 1927 - Nasce Ariano Suassu-
na em 16 de junho, na cidade
1934/37 - Inicia os estudos em
Taperoá (PB), com os professo-
1950 - Escreve a peça Auto de
João da Cruz, encenada pelo TEP,
1960 - Forma-se em filosofia. Es-
creve Farsa da Boa Preguiça, mon-
do Brasil: Uma Reflexão sobre a Cul-
tura Brasileira, na Universidade
posse na Academia Paraibana
de Letras. Estreia o filme O Auto
37
da Paraíba, atual João Pessoa, res Emídio Diniz e Alice Dias. com direção de Hermilo Borba tada no ano seguinte pelo TPN. Federal de Pernambuco. da Compadecida, de Guel Arraes.
capital do estado da Paraíba. Vai estudar interno no Colégio Filho. Conclui o curso de Direito.
1963 - A University of California 1981 - Publica no Diario de Per- 2002 - É homenageado pela Es-
Oitavo dos nove filhos do casal Americano Batista, do Recife. Passa uma temporada em Ta-
Press publica versão em inglês nambuco carta aberta se despe- cola de Samba Império Serrano,
João Urbano Pessoa de Vascon- peroá para tratar-se de uma
1942 - A família toda vai morar do “Auto da Compadecida”, com dindo das atividades literárias. do Rio.
cellos Suas­suna e Rita de Cássia infecção pulmonar.
no Recife. tradução de Dillwyn Ratcliff 1989 - É eleito para a cadeira
Vilar Suassuna, Ariano nasce 1951 - Elabora seu primeiro 2006 - Estreia em São Paulo
no Palácio da Redenção, pois 1943 - Ingressa no Ginásio Per- texto teatral cômico, Torturas de 1970 - No dia 18 de outubro, com nº 32 da Academia Brasileira
versão teatral do Romance d’A
nambucano. Estuda música um Coração ou em Boca Fechada o concerto “Três Séculos de Mú- de Letras - ABL.
seu pai exerce à época o cargo Pedra do Reino, dirigida por An-
de presidente da Paraíba, o erudita e pintura. Não Entra Mosquito. sica Nordestina - do Barroco ao 1990 - Toma posse na ABL. Em tunes Filho
que equivale ao atual posto de 1945 - Matricula-se no Colégio 1952 - Escreve a peça teatral O Armorial”, é lançado, no Recife, 26 de abril, morre sua mãe.
governador. o Movimento Armorial 2007 - Nomeado secretário de
Oswaldo Cruz. Publica o pri­ Arco Desolado. 1993 - É eleito para a cadeira 18
meiro poema, Noturno, no Jornal Cultura do Estado de Pernambu-
1928 - Concluído seu mandato, 1956 - Torna-se professor de Es- 1970 - Em 18 de outubro, com o da Academia Pernambucana co. A minissérie A Pedra do Reino,
João Suassuna muda-se com a fa- do Commercio, do Recife. concerto Três Séculos de Música de Letras.
tética da Universidade Federal dirigida por Luiz Fernando Car-
mília para a Fazenda Acahuan, 1946 - Entra para a Faculdade de Pernambuco e abandona a Nordestina - do Barroco ao Armo- 1994 - Aposenta-se como pro- valho, estreia na Globo.
no interior da Paraíba. de Direito do Recife. Participa da advocacia. Escreve o romance rial, é lançado, no Recife, o Mo- fessor da Universidade Federal
criação do Teatro do Estudante A História do Amor de Fernando vimento Armorial. de Pernambuco; Uma Mulher 2008 - É homenageado no enre-
1930 - Em 26 de julho, João Pes- do do desfile da escola de samba
de Pernambuco – TEP, liderado e Isaura. Auto da Compadecida é 1971 - Publica o Romance d’A Pe- Vestida de Sol é adaptada para
soa Cavalcanti de Albuquer- encenada no Recife. Mancha Verde, em São Paulo.
por Hermilo Borba Filho. dra do Reino e o Príncipe do Sangue TV, sob a direção de Luiz Fer-
que, presidente da Paraíba
(1928-1930), é assassinado no 1947 - Compõe a peça Uma Mu- 1957 - Em 19 de janeiro, casa-se do Vai-e-Volta pela editora José nando Carvalho. 2014 - Aos 87 anos, morre, no
Recife pelo advogado João Du- lher Vestida de Sol. Começa a na- com Zélia de Andrade Lima. O Olympio, obra que vinha escre- 1995 - Assume a Secretaria Recife, em decorrência de um
arte Dantas, fato apontado com morar Zélia de Andrade Lima. casal tem seis filhos: Joaquim, vendo desde 1958. Estadual de Cultura do Estado AVC hemorrágico.

um dos estopins da “Revolução 1948 - É encenada sua peça Maria, Manuel, Isabel, Mariana 1972 - O “Romance d’A Pedra do Rei- de Pernambuco no governado
de 1930”. Em 6 de outubro, João Cantam as Harpas de Sião, com e Ana. No Rio de Janeiro, Auto da no...” ganha o Prêmio Nacional de Miguel Arraes.
Dantas é morto na Casa de direção de Hermilo Borba Filho, Compadecida ganha a Medalha
Ficção, do Instituto Nacional do
Detenção do Recife. Em 9 de ou- de Ouro no 1º Festival Nacional 1997 - Publica no Caderno Mais!,
na inauguração da Barraca, Livro. Suassuna cria o Quinteto
tubro o então deputado federal de Teatro Amador. Escreve O da Folha de S.Paulo, a peça His­tória
palco itinerante do TEP. Armorial.
João Suassuna (pai de Ariano), é Casamento Suspeitoso. de Amor de Romeu e Julieta.
assassinado, no Rio de Janeiro, O texto é reescrito 10 anos 1958 - Ingressa no curso de Fi- 1975 - Assume a Secretaria de 1999 - Estreia na televisão o
por um pistoleiro de aluguel, depois sob o título O desertor de losofia da Universidade Católica Educação da Prefeitura de Re- quadro cultural O Canto de Aria-
aos 44 anos de idade. Princesa. de Pernambuco. cife, cargo que exerce de 1975 no, na Rede Globo Nordeste. Auto
1949 - Cria o texto Os Homens de a 1978. Publica o ensaio Iniciação da Compadecida vira minissérie
1933 - A família migra para 1959 - Funda, com Hermilo à Estética.
Barro, montada pelo TEP, com Borba Filho, o Teatro Popular do da Globo.
Taperoá, no Sertão dos Cariris
Velhos da Paraíba. direção de Hermilo Borba Filho. Nordeste-TPN. 1976 - Defende sua tese de livre- 2000 - No dia 9 de outubro (70
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38 ENSAIOS SOBRE ARIANO SUASSUNA 39

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FORTUNA
O teatro de Ariano Suassuna, neste sentido, é tarem, ótimo. Se não gostarem, azar deles. Feliz-
46 o mais específico que possuímos. Absolutamen- mente têm gostado todos, o que é o ideal”.  47
te integrado no espírito popular, transportando E ao lado dessa impregnação popular que
para o palco as nossas histórias e os nossos tipos, podemos ver e sentir em todos os seus persona-
Suassuna está fazendo uma obra que obtém lar- gens, em seus assuntos, em suas histórias, atin-
ga repercussão. gindo até mesmo o diálogo que se torna vivo, ágil,
Vejamos uma de suas peças - O casamento sus- construído à maneira nordestina, as peças de

CRÍTICA
peitoso - que tive a honra de dirigir para a Com- Ariano Suassuna são obra de um católico. Tanto
panhia Nydia Lícia-Sérgio Cardoso. na Compadecida como no Casamento suspeitoso ou no
Se na Compadecida ele lançou mão dos proces- Santo e a porca estamos diante do catolicismo de
sos do auto medieval, em O casamento suspeitoso, Cristo que não se assustava com as prostitutas, os
cujo tema é o pecado da luxúria (a peça ia cha- ladrões, os pecadores enfim.
mar-se, primeiro, Auto da mulher safada) valeu-se O teatro de Ariano Suassuna, pelo menos o
dos processos dramáticos do século XVIII, embora que foi apresentado no Sul, na encenação do Stu-
conservando o ‘velho espírito tradicional e popu- dio Teatral e da Companhia Nydia Lícia-Sérgio
lar’ que é o seu. E é nisto que reside sua maior Cardoso, ambas por mim dirigidas; e na da Com-
[excertos] força: na conservação, ou melhor, na transforma-
ção do espírito popular para o plano erudito, sem
panhia Cacilda Becker, revela um detalhe curio-
so e até agora praticamente inédito no Brasil:
que esse espírito perca as suas características interessa a todo o tipo de público. E ainda mais:
Apesar da perda irreparável, a presença/au-
UM UNIVERSO POÉTICO sência do pai ilumina toda a infância de Ariano,
de irreverência, ingenuidade (mesmo nas cenas
picantes) e coragem. A peça é escrita dentro das
comove o ignorante e o intelectual. [Trecho do ar-
guia a formação do jovem e do intelectual que en- tigo “O autor brasileiro”, publicado na Revista Bra-
três unidades clássicas de ação, lugar e tempo e
Idelette Muzart Fonseca dos Santos contra, nos livros da biblioteca paterna, os ecos de sileira, edição 27, Rio de Janeiro, 1959, pp. 126-128]
seus personagens são tão vivos quanto os de Mo-
Desde as primeiras formulações da história suas preferências: Euclides da Cunha, Gustave Bé- lière e Plauto, daí decorrendo a excelência de sua
da literatura, a articulação entre a vida e a obra dier, Leonardo Mota e muitas outras admirações arte. Eis o trecho de uma das suas cartas a mim
de um autor permaneceu um crivo indispensá- ou amizades do pai passam para o filho, que as dirigidas: ‘Estava com o maior medo desta peça, O MOVIMENTO ARMORIAL
vel à compreensão do crítico: lendo uma atra- incorpora e constrói, a partir destas leituras, seu com complexo da Compadecida. D. achou que a es-
vés da outra ou fingindo sua total dissociação, as primeiro universo poético. [Trecho do ensaio “O trutura ficou semelhante, mas eu fiz isso um pou- Ligia Vassallo
perspectivas mudaram ou evoluíram na busca decifrador de brasilidades”, publicado na revista co propositadamente, para firmar uma espécie A preocupação estética de Ariano Suassuna
de um ponto de equilíbrio. Apesar da dificuldade Cadernos de Literatura Brasileira/Ariano Suassuna, de estilo. Depois, poderei agir com mais ousadia, foi-se definindo durante um longo percurso que
do exercício, tal abordagem revela-se necessá- Instituto Moreira Sales, São Paulo, pp. 94-95] quando o público estiver mais acostumado com culminou na elaboração de um projeto cultural
ria para entender alguns autores que, mais do minhas coisas. Além disso, não me preocupa mui- ímpar — o Movimento Armorial. Este se fez co-
que outros, talvez, viveram sua obra e mantive- to a originalidade sob tal aspecto. nhecer por meio de duas exposições de artes
ram na sua escrita um laço estreito, fundante, COMOVE O IGNORANTE E O Hoje, o que me interessa, verdadeiramente, no plásticas e dois concertos, nos anos de 1970 e 1971,
com sua vida. Ariano Suassuna é um destes es- teatro, é a criação dos personagens, gente viva e e envolveu vários tipos de artistas.
critores. INTELECTUAL vigorosa, a exemplo do que os clássicos fizeram. O grupo reunia poetas, gravadores, músicos, es-
Não publicou memórias, nem autobiografia, Quero fazer concorrência ao registro civil, como critores, pintores, dramaturgos, ceramistas e core-
nem diário íntimo, mas deu aulas, como profes- Hermilo Borba Filho dizia Balzac, contrapondo minha humanidade à ógrafos, com a pretensão de associar as diferentes
sor, deu entrevistas e tem mantido colunas em O verdadeiro caminho para o teatro brasileiro, que eu vejo. E vejo que isso é o mais importante artes de modo a levar adiante seu enraizamento
jornais e revistas nas quais o intelectual fala na em nosso modo de ver, no entanto, pode ser encon- em todos os grandes, desde Boccacio a Molière. na cultura nordestina, relacionando a produção
primeira pessoa e deixa escapar lembranças e trado, com vantagem, na exploração dos assuntos Eles ficaram vivos porque povoaram suas obras popular e a erudita. Desenvolvia-se assim coeren-
sonhos do adolescente e do homem. Na sua obra locais de cada região. Não podemos competir, ain- de gente viva e de histórias vigorosas e simples. temente um embrião que já existia desde os pri-
maior, aquela que guardaria se tivesse de jogar da, com os dramaturgos estrangeiros no domínio Por isso, não interessa que uma peça lembre mórdios, no Teatro do Estudante de Pernambuco
fora o resto dos seus escritos (como o confessou dos “assuntos eternos”. Se exploramos, no entanto, outra: Sonho de uma noite de verão, por exemplo, (TEP). Na verdade, a conceituação da armorialidade
em mais de uma ocasião), no Romance d’A Pedra do as peculiaridades de nossa própria maneira de lembra A tempestade e outras do mesmo tipo, o é precedida por um longo e fértil período, no qual
Reino, e particularmente no seu segundo volume, viver, os dramas de nossas várias regiões, nosso que não estava interessando absolutamente ao Ariano produziu a maior parte da sua obra literá-
História d’0 rei degolado nas caatingas do sertão: Ao sol romanceiro, estaremos fazendo uma obra que, grande Bill. A mesma coisa com Molière e Plauto. ria dramática, poética e de pesquisa. Até mesmo
da Onça Caetana, ocorreram sutis deslizes narrati- partindo do regional, poderá projetar-se no plano E só me interessa receber lições desse povo. Os suas experiências narrativas já haviam sido ini-
vos e bruscamente as lembranças do menino de universal, pelas marcas próprias, por caracterís- outros, que se danem. Hoje, quem me interessa é ciadas, embora permanecessem inéditas. Suassu-
três anos invadiram a fala do narrador na evo- ticas particulares, cor, atmosfera, maneiras de o grande - mas grande mesmo, os do teatro mo- na explica a nova proposta nestes termos:
cação dos raros momentos vividos ao lado do pai, sentir. Revelando o homem e a terra estaremos derno são pigmeus - e o público popular, virgem A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem
assassinado em 1930. dando ao mundo um teatro original. e ingênuo. Escrevo para eles. Se os grandes gos- como característica principal a relação entre o es-
pírito mágico dos folhetos do Romanceiro popular do plos de poeta tão rigorosamente atado à tradição
48 Nordeste (literatura de cordel), com a música de vio- ULTRACOLORIDOS CASTELOS cultural do Ocidente, como o de Ariano Suassuna. O PASTO ILUMINADO 49
la, rabeca ou pífano que acompanha suas canções Semelhante a dois pesos iguais nos pratos de uma
e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim DE PALAVRAS balança, nele o equilíbrio entre forma interior Carlos Newton Júnior
como o espírito e a forma das artes e espetáculos e exterior é perfeito. O domínio técnico que de- Aclamado como um dos maiores dramatur-
populares em correlação com este Romanceiro. César Leal monstra ao elaborar um poema, nos faz crer ser gos e romancistas de língua portuguesa, Ariano
O Movimento Armorial se limita aos autores O ano de 1957 marca o aparecimento na litera- a poesia um dos seus objetos de estudo mais fre- Suassuna continua, entre nós, infelizmente, tanto
vivos, que tematizam o espaço cultural do Nor- tura brasileira de um escritor que deu ao nosso quente. E assim deve ser. Pois Ariano Suassuna é da parte do público quanto da crítica, quase des-
deste rural do Sertão, em contato estreito com a teatro um cunho de transcendência: Ariano Suas- um cultor da técnica precisa. Ele confessa, numa conhecido como poeta. De fato, poucos sabem que
natureza e as tradições populares e rurais. Sem suna. O seu Auto da Compadecida, baseado em nar- de suas Odes, ser um desassossegado; mas é um foi através de um poema - “Noturno”, publicado no
se sentirem regionalistas estreitos, os criadores rativas do romanceiro popular nordestino, apre- desassossegado de expressão perfeita e parado- Jornal do Commercio, do Recife, em 7 de outubro de
armoriais buscam apoiar-se em temas da cultura senta uma organização estrutural exteriormente xalmente tranquila: 1945 - que o autor, aos 18 anos de idade, se iniciou
popular nordestina, visando alcançar a imagem simples, mas complexa interiormente e uma di- na vida literária; que, daí até 1947, ano em que es-
de uma nova literatura e uma nova arte brasi- reção expressiva de conteúdo mágico. Como na Bestas ávidas, cheias de insossego creve sua primeira peça de teatro, Uma mulher
leiras, através da recriação poética daquilo que maior parte das peças de Shakespeare, no Auto mesmo puras, às vezes, vestida de sol, diversos poemas seus foram publi-
Ariano prefere chamar de Romanceiro, dando ao da Compadecida o espectador é convidado a par- desejosos somente do que falta cados em suplementos literários e revistas de cul-
termo uma acepção peculiar, que engloba toda a ticipar “dramaticamente” desde o início da ação, vagamos entre as pedras e as pastagens tura, dentre as quais pode-se destacar a revista
literatura de cordel num sentido amplo. quando o palhaço anuncia que iremos assistir “ao de uma terra latina, Estudantes, da Faculdade de Direito do Recife; que,
Graças à arte armorial, a valorização das tradi- julgamento de alguns canalhas, entre os quais um inquietos e grosseiros como o bode muito embora tenha alcançado o merecido reco-
ções populares conduz à renovação das formas e sacristão, um padre e um bispo”. A situação é se- que, sem culpa, é-nos sangue em tudo igual, nhecimento nos campos do teatro e do romance,
expressões literárias e artísticas. Ou seja, como diz melhante as do início do Romeu e Julieta, do Otelo e tão cioso como nós de seu tesouro Suassuna jamais abandonou a poesia.
Suassuna: “O movimento armorial pretende reali- especialmente do Rei Lear. Mas, em Shakespeare, de altas pedras a ver e a escalar, Pode-se dizer, de certo modo, que a culpa é do
zar uma arte brasileira erudita a partir das raízes de fêmeas e de frutos. próprio Suassuna, que jamais se empenhou junto
o transcendental não é o drama em si, nem mes-
populares da nossa cultura”. É exatamente o que ele aos editores para publicar seus poemas. Ora: isento
mo a ação dos elementos por ele desencadeados.
tem reiterado sempre, até mesmo em seus mais re- A forma interior e exterior, as associações de de vaidades inchadas, Suassuna é daqueles raros
Claro que tudo isso é de grande interesse para o
centes artigos na imprensa e nas entrevistas. palavras, a ausência de maneirismos ou de expres- escritores conscientes de que o fundamental de sua
espectador, mas não tanto para o analista de be-
A arte armorial parte do folheto de cordel, não sões ao gosto dos românticos, parnasianos, ou sim- obra realiza-se com lápis e papel. Tanto isso é ver-
las letras ou o crítico literário. Dámaso Alonso, ao
como fonte única, mas como ponto de convergên- bolistas modernistas ou neomodernistas, levam- dade que ele continua, ainda hoje, escrevendo como
estudar a função da crítica num dos capítulos de
cia que associa a música dos instrumentos, a pala- nos a identificar as raízes de sua poesia nas fontes sempre escreveu, ou seja, à mão, sem jamais ter se
vra da cantoria e a imagem da xilografia segundo Poesia Española, adverte que o teatro de Shakespe-
are foi escrito para ser representado e “não para greco-latinas, onde a presença, talvez indireta de deixado seduzir pelas “facilidades” da máquina de
o ponto de vista da arte popular. O folheto é então
a filologia alemã”. Contudo, não se pode abstrair Píndaro e Teócrito, e, mais diretamente de Horácio escrever elétrica ou do computador - e creio mesmo
erigido em bandeira armorial, porque reúne três
que um dos segredos da força de Shakespeare é a se faz sentir em toda a sua força expressiva. [....] que, no seu caso, em vez de lhe trazer benefícios, es-
setores normalmente separados: o literário, tea-
torrente vigorosa de poesia que flui de suas cria- Em Ariano Suassuna, a poesia não é somen- ses equipamentos só fariam é quebrar a ambiência
tral e poético dos versos e narrativas; o das artes
ções, associada a uma pujança retórica que não te intuição, imaginação, sensibilidade e fantasia; ritualística indispensável ao seu processo de cria-
plásticas em associação com as xilogravuras da
encontra paralelo em qualquer literatura. tampouco é confidência romântica, êxtase místico ção. De modo contrário ao que ocorre com aqueles
capa do folheto; o musical dos cantos e músicas que
Então não há poesia no Auto da Compadecida? Cla- ou o produto da digestão de certos opiáceos – como que procuram o sucesso fácil, e não o êxito verda-
acompanham a leitura ou a recitação do texto. Por
ro que há. Não tenho dúvida de que o Auto da Compa- Coleridge, sob os efeitos de um deles, declarou ha- deiro, Suassuna não se preocupa em editar porque
integrar as três formas de expressão presentes
decida é uma obra poética; a legítima configuração ver escrito o Kubla Khan. [....] sabe que a substância da sua obra é feita de futuro,
no folheto, o teatro é encarado por Suassuna como
arte maior no Movimento Armorial. de um símbolo artístico. Todavia, aqui, o elemento Creio que se algum dia a história da poesia não se encontrando, portanto, vulnerável ao esco-
Este preconiza ao mesmo tempo a retomada de poético, em sua essência meramente formal está brasileira for escrita com o rigor indispensável pro e ao esmeril do tempo. Assim, com ou sem pers-
uma herança cultural assinalada por sua pereni- ausente. Nesse caso, seria uma limitação para o seu aos mais justos critérios de diferenciação crítica, pectiva de publicação, é a mesma a alegria com que
dade; a reafirmação da originalidade regional; a teatro, o fato de não ser Ariano Suassuna um poeta é certo que ali irão figurar as Odes de Suassuna; ele se debruça sobre o papel em branco, para rea-
renovação dos modelos formais por meio de uma no sentido mais extenso do termo? elas não serão apenas um ‘cume erguido contra lizar sua missão e vocação na festa da Literatura.
temática nova; o recurso a formas populares em Assim poderão pensar os que ainda não co- nada’, mas sobretudo um cume de verdadeira Por outro lado, há muito o autor vem chaman-
obra não popular; a passagem do oral ao escrito, ou nhecem o autor da Compadecida como poeta. Mas, arte poética, a destacar-se na vasta planície onde do a atenção dos seus leitores e da crítica, de um
seja, a reelaboração erudita a partir de um modelo quando se escreve sobre a poesia — e faço da a mediocridade alegre e irrefletida constrói os modo geral, não só para sua produção em poesia,
popular. Desse modo a literatura popular é conce- poesia o tema preferido de minhas dissertações seus magníficos e ultracoloridos castelos de pala- mas, principalmente, para a importância dessa
bida como objeto de conhecimento e de pesquisa, — seria omissão grave deixar à margem esse vras. [Excerto do ensaio intitulado “As fontes clás- produção no entendimento do conjunto de sua
além de servir de base à criação erudita. [Trecho importante poeta, um dos poucos, no Brasil, que sicas e populares da poesia de Ariano Suassuna”, obra. Suassuna já disse, inúmeras vezes, em en-
do ensaio “O grande teatro do mundo”, publicado na conseguiram assimilar os processos de expres- e publicado no livro Entre o Leão e o Tigre, Fundação trevistas e artigos que sua poesia é a fonte pro-
revista Cadernos de Literatura Brasileira/Ariano Suas- são artística mais ortodoxamente tradicionais. Em Joaquim Nabuco, Editora Massangana, Recife, 1988, funda de tudo o que ele escreve. Parece-me que o
suna, Instituto Moreira Sales, São Paulo, pp. 147-148] toda a literatura brasileira não há muitos exem- pp. 223-224, 231 e 237] descuido, portanto, deve ser atribuído muito mais
aos editores e à crítica do que propriamente ao e Julieta, da Princesse de Cleves e de Madame
50 autor. Os editores sabem que poesia vende pouco Bovary, para nada dizer, claro está, da ópera de 51
— sobretudo uma poesia em boa parte herméti- Wagner, que a tornou paradigmática.
ca como a de Suassuna, que requer, para ser me- Na lenda original, o rei Marco, desejando ca-
lhor compreendida, alguma familiaridade com sar-se, encarrega o sobrinho Tristão de procu-
o universo literário do autor. A crítica, por sua rar uma princesa digna do seu nome. Figura de
vez, quase sempre fecha os olhos para o insólito deslumbrante beleza, Isolda, na viagem de volta,
e o verdadeiramente novo, deixando à História bebe por engano, com Tristão, o filtro mágico des-
da Literatura a tarefa de corrigir, no futuro, seus tinado a despertar o amor dos futuros esposos,
erros e omissões. De modo que, nesses tempos de com o resultado inevitável: uma paixão ao mesmo
globalização e de consequente massificação cultu- tempo irresistível e maldita. Somente na morte
ral, sempre que me deparo com o silêncio em tor- os personagens poderão libertar-se, apesar de to-
no de um poeta com a dimensão de Suassuna (ou dos os esforços, inclusive o duplo casamento, do rei
com a dimensão daquele outro grande poeta bra- Marco com Isolda e de Tristão com a outra Isolda
sileiro que é Foed Castro Chamma, cujo ostracismo - a Isolda “de brancas mãos”.
editorial dos últimos anos chega a ser um verda- A lenda difundiu-se pela Europa a partir de
deiro crime contra os leitores de poesia), lembro, 1130, através de numerosas recopilações. Joseph
com pesar, da seguinte passagem de O arco e a Bédier (1864-1938) foi autor, em 1900, de uma adap-
lira, de Octavio Paz: “O cansaço de uma sociedade tação moderna que se tornou clássica. E Afrânio
não implica necessariamente a extinção das artes Peixoto? O seu romance é referido por Suassuna
nem provoca o silêncio do poeta. O mais provável em A Pedra do Reino como a história de “um rapaz
é que ocorra o contrário: suscita o aparecimento e uma donzela, que não se amavam, tomaram
de poetas e obras solitárias. Cada vez que surge desse vinho juntos, sem saberem do que se tra-
um grande poeta hermético ou movimentos de tava. Na mesma hora, a Urtiga sangrenta, vene-
poesia em rebelião contra os valores de uma so- nosa, espinhenta e deleitosa do amor envolveu
ciedade determinada, deve-se suspeitar de que os dois e eles ficaram enredados de paixão para
essa sociedade, não a poesia, padece de males o resto da vida”. Na novela de Fernando e Isaura,
incuráveis. [Trecho do ensaio “O pasto iluminado os dois amantes viajam na barcaça Estrela da
ou a sagração do poeta brasileiro desconhecido”, Manhã, que reaparece em A Pedra do Reino como
publicado na revista Cadernos de Literatura Brasilei- “o mais bonito” dos navios legendários: “As velas
ra/Ariano Suassuna, Instituto Moreira Salles, São são brancas, mas quando elas passam em Pene-
Paulo, pp. 129-130] do, nas Alagoas, desviam-se da coroa de areia
vermelha onde estão os martins-pescadores fle-
chando peixes [...]”.
FERNANDO E ISAURA São naturais as contaminações entre os dois li-
vros, porque a data de composição de A Pedra do
Wilson Martins Reino (1958-70) sucede imediatamente à conclusão
No que se refere à ficção em prosa, a carrei- de Fernando e Isaura. Suassuna admite, assim, a in-
ra de Ariano Suassuna teve início em 1956 com fluência de Afrânio Peixoto, embora escrevendo
A história do amor de Fernando e Isaura, editado uma narrativa que, do ponto de vista estilístico,
somente em 1994 - “imitação nordestina”, diz ele, filia-se mais a Bernardo Guimarães que ao Béroul
de Béroul, Bédier e Afrânio Peixoto, filiação hete- medieval ou ao tonitruante Wagner das grandes
rogênea destinada a nacionalizar, e até a regiona- epopeias. Uma artimanha subconsciente levou
lizar, um dos grandes mitos do amor no Ocidente, Ariano Suassuna a denominar de Isaura a sua he-
para lembrar o título célebre de Denis de Rouge- roína, que, como a de Bernardo Guimarães, nada
mont (1906-1985). Suas origens estão, realmente, tem de wagneriano. [Trecho do ensaio “O roman-
na lenda de Tristão e Isolda - cuja ação se passa ceiro da pedra e do sonho”, publicado na revista Ariano Suassuna
na Irlanda -, incorporada por Béroul à literatura Cadernos de Literatura Brasileira/Ariano Suassuna, em evento homenageando Capiba (1904-1997).
universal e fonte, direta ou indireta, de Romeu Instituto Moreira Salles, São Paulo, pp. 111-112]
Foto de Daniela Nader.
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