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Em tempos de
nas escolas, para provocar deba opinião exacerbada estaria
tes sobre autores e suas produ viva ou morta a crítica lite
EDITORIAL ções, mas também de um conceito rária? Hexágono não pre
mais abrangente literatura, como tende responder a isto, mas
Mais do que algo cotidiano e acessível, como o
pão de cada dia na vida de muitas
plantar novas discussões em
torno dos nomes e da rica li
nunca, relembrar pessoas. teratura produzida em Per
Uma revista literária é uma nambuco.
A literatura silenciada em forma da crítica. A própria lite Na primeira série de
Pernambuco tem nome de ratura também. Hexágono bus Hexágono estão Ariano Su
mulher: Francisca Izidora ca oferecer múltiplos enunciados assuna, Osman Lins, César
para esse universo cuja crítica Leal, João Cabral, Luís Jardim
vem ainda se constituindo para e Hermilo Borba Filho.
autores que tiveram sua obra em Para a continuação de
torno de Pernambuco. Buscando Hexágono optamos por
tanto a produção como a recep uma valorização radical de
ção de seus trabalhos a partir de um gênero. Não um determi
novos olhares, complementares nado gênero literário, mas o
(ou não). Agora com a fortuna crí feminino, que é, aliás, por
tica de seis autoras de gerações excelência, literário. Ao lon
diferentes. É uma das caracterís go dos séculos, Pernambuco
ticas da modernidade anunciar a vem revelando algumas das
morte de quase tudo: de deus, do mais talentosas autoras do
romance, da poesia, do teatro, da país, mas que quase sempre
literatura, e até a morte da pró ficam à sombra ou em pla
no secundário, se conside
rarmos o domínio quase
são muito acima das nos absoluto dos homens nas
sas previsões mais otimistas antologias, nas revistas, nos
motivaram a continuação do livros, e até nos eventos de
projeto Hexágono. Esta se literatura. Assim, optamos
gunda série acontece pela por seis Hexágonos dedi
positiva demanda dos lei cados a seis au toras, atra
tores mais exigentes. Eles se vessando parte do século
espelham tanto na justificati 19 e todo o século 20. Temos
va em si de uma publicação assim um quadro um tan
em linguagem de revista, to quanto panorâmico que
leve e acessível, bonita e mo vai da primeira mulher a
derna, que coloque em pri ser eleita para a Academia
meiro plano grandes nomes Pernambucana de Letras
da literatura pernambu – Edwiges de Sá Pereira –
cana, e no preenchimento a uma das suas figuras de
de uma lacuna ou carência maior destaque até o início
de um tipo de publicação as deste século 21, que foi Ma
sim específica, monográfica. ria do Carmo Barreto Cam
A revista existe não para Quantas Franciscas Izidoras e
pello de Melo. De Francisca
atender aos segmentos es suas obras, no Brasil, são e foram
vítimas dessa condenação ao silêncio, Izidora Gonçalves da Rocha,
pecializados e mais hermé cujo centenário de morte
sentenciadas ao desaparecimento?
ticos, e sim todo o público, completou-se em 2018, mas
estudantes e professores, Detalhe d’O Pesadelo, de Johann completamente esquecida
de pesquisadores e leigos. É Heinrich Füssli, óleo sobre tela, 1781. em Pernambuco, até Celina
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18
Quando Francisca Izidora
morreu, em 1918, o mundo
encerrava a chamada belle
époque. Francisca esteve Quando o esquecimento
para além do seu tempo Um milagre do amor
é só uma das formas
e celebrou sempre a vida, aliada Hexágono recupera
ao progresso da ciência, de silenciar
das novas tecnologias conto de Francisca Isidora,
e vanguardas. Sempre Ensaio de Tatiana Notaro inédito desde 1904
de olho no futuro.
Entrevista com
Na foto, modelo posa Francisca Izidora
46
em estúdio de moda, em Paris,
por volta de 1899.
38
nomes. Grandes ou não. E do quanto obra& Gonçalves da Rocha:
vida resistem ao teste, porque o tempo é o uma cronologia Francisca Izidora:
maior crítico para a vida&obra de auto
Fortuna crítica
ras e autores. Mas quando a mentalidade
de um tempo elege, muitas vezes violen
tamente, tudo o que deve permanecer e
tudo o que deve desaparecer por essa
seleção nada natural? Esta série de Hexá-
gono não trata contudo de vítimas, mas de
escritoras que, apesar do espírito de sua
de Holanda cujo centenário anos no Recife, a judia ucra época, garantiram espaço na litera tura
de nascimento tão recente niana, a mais universal das pernambucana e nacional. Sobre tudo
mente comple tado quase autoras brasileiras. uma que, não por acaso, viveu em um ci
passou em brancas nuvens. Nesta nova série, Hexá- dade chamada Vitória, em Pernambuco.
Há ainda um nome ímpar gono traz elementos dessas Francisca Izidora Gonçalves da Rocha.
não somente das letras, mas obras sempre por escri O desconhecimento a que está relegada
das artes e do jornalismo de toras, poetas e estudiosas, é muito maior do que o seu longo nome.
Pernam buco, cuja segunda todas tão apaixonadas pelo Mesmo se o simplificamos em Francisca
década de falecimento se hábito da leitura quanto Izidora (ou Isidora, conforme a grafia mais
completou em 2018: Ladjane críticas, com um olhar mais atual), não estará resolvido magicamente o
Bandeira. Por fim, mas não arejado e atualizado sobre problema, que é, na verdade, duplo. O pri Hexágono, revista literária em seis volumes, agradece, nesta edição, a Tatiana Notaro, pelo ensaio crítico; a Andréa
porque menos importante, cada uma dessas autoras, meiro, reconstruir de um modo realmente Mota, pela entrevista e pelas fotos do acervo da família; a Patrícia Cruz Lima, pela direção de arte, a Halina Beltrão
Clarice Lispector, a mais in trazendo pontos de vista completo a trajetória vital e literária da au pela ilustração da capa e a Anny Stone pela fotografia às páginas 16-17, e agradecimento especial a Luzilá Gonçalves
Ferreira. Hexágono é uma publicação da Sommium Editora, e tem incentivo do Funcultura, Fundarpe, Secretaria
ternacional das autoras per mais recentes sobre como tora. O segundo, o de localizar suas obras.
de Cultura e Governo do Estado, com produção-executiva da Nós Pós, de Alexandre Melo. A edição-geral, pesquisa e
nambucanas. Sim, Pernam anda sua recepção no país e Ao pagamento da enorme dívida que o projeto gráfico são de Sidney Rocha. Esta publicação não tem ânimo financeiro de nenhuma espécie e é distribuída
buco reivindica desde há fora dele, numa linguagem Brasil tem com a memória dos seus melho gratuitamente para estudantes e professores de escolas públicas do Estado de Pernambuco, além de bibliotecas das
muito a pernambucanidade simples, que promova o in res Hexágono paga com ao menos uma rede estadual. Buscou-se ao máximo se encontrar a autoria de reproduções de fotografias, fotomontagens ou obras de
de Clarice, pois viveu seus teresse pela escritora mono isidora, Parte do pagamento é esse tocante arte, e fazemos chegar nossos agradecimentos aos seus autores ou autoras. Se você encontrar este exemplar em lugar
mais intensos e inspiradores grafada deste número, bem ensaio de Tatiana Notaro. Leia. impróprio à leitura, ou se é seu e terminou de lê-lo, favor repassá-lo a outro leitor. Impresso pela Cepe Editora, no Recife.
4 QUANDO O ESQUECIMENTO 5
A educadora Bertha
Maria Júlia Lutz.
(1894-1976).
A feminista brasileira
abriu caminho para
muitas batalhas, entre
elas a conquista do
voto feminino.Como
Francisca Izidora
Gonçalves da Rocha
e Edwiges de Sá
Pereira, também
de uma geração de
educadoras, escritoras
e mulheres que
atuavam na imprensa
e noutras atividades.
Aqui, Bertha em
foto de autoria
desconhecida,
restaurada por
Adam Cuerden.
Muito curioso ver que a produção Conta Luzilá à Hexágono que
14 “izidoriana” transita com inteligên quando cascavilhava a vida de Fran 15
cia entre poesias e romances. Passa cisca, descobriu que ela morreu em
ainda pelo teatro, arrastando esses Vitória de Santo Antão. Então, ima
sentimentos todos e demonstrando gina, é lá que deve estar enterrada.
seu talento e preparo para as letras, Alguns parentes disseram que sim,
ao mesmo tempo em que seu papel mas no cemitério da cidade, olhando
de jornalista é desempenhado com túmulo por túmulo com Marcus Vilar
louvor, equilibrando voz ativa e ele (escritor, também acadêmico da APL),
gância, sem esquecer de uma inteli não encontrou nada que nomeasse o
gente ironia. Assinou ainda textos em sepulcro da jornalista. Não se sabe do
jornais do Recife (Diario de Pernambuco, seu corpo.
em 1901; Correio Pernambucano, em “Quem sabe indo aos livros de re
1868; e A Província da Cidade do Recife) gistro, encontre-se”, palpita.
e ainda em periódicos do interior do Na Biblioteca Pública de Pernam
estado (O Fanal e O Commercio), além de buco, em frente ao Parque Treze de
ter sido colaboradora de uma revis Maio, centro do Recife, é possível en
ta dedicada às mulheres, O Lírio, que contrar um manuscrito de Francisca
defendia a educação feminina como Izidora Gonçalves da Rocha. Um folhe
meio fundamental para seu posicio to com cerca de 30 páginas que guar
namento político e social. dam o discurso que ela es creveu
Interessante é que o olhar jornalís para homenagear Úrsula Garcia
tico de Francisca conseguia ver, já na (eram amigas de redação), cuja dedi
quela época, que havia uma centrali catória diz:
zação do Brasil no Sul e a segregação “Para as leitoras da biblioteca”.
das demais regiões, como se menores Parece melancólico, estamos dian
fossem. E isso, também punha no pa te de uma grande mulher, resumida
pel – “mas o Rio é a capital, o Rio está a parcas memórias, enaltecida por
no Sul e no Brasil o Sul tem o privilégio poucas vozes.
de ser protegido pelo governo” – ao Por outro lado, a força de Francisca
criticar que Vitória não tinha sequer está muito bem representadas por
um corpo de bombeiros, indignada aquelas palavras de punho: o tempo
com um incêndio que ocorrera em virou uma mancha, a tinta se sobres
um estabelecimento comercial. sai e permanece a quem procurá-la.
Na foto,
Natália Amor-im
posa para
Anny Stone.
18 Em 1910, o jornal carioca O País publicou, por meio do seu Alberto
Santos-Dumont 19
(1873-1932)
Almanaque, uma enquete cultural, com perguntas às es inventor, designer,
empreendedor ,
Izidora. E mais: Júlia Lopes de Almeida, Adelina Lopes por quem Francisca
Izidora nutria
grande admiração.
Vieira, Carmen Dolores, Júlia Cortines e Maria Clara da Foto: Horst
Merkel-Itaú
Cunha Santos. As perguntas e as respostas têm um gran Cultural.
[o país] [o país]
A sua opinião sobre o amor, o casamento, a maternidade e o di Acredita V. Exa. que haja uma cozinha nacional brasileira?
vórcio?
[francisca izidora]
[francisca izidora] Existe realmente a cozinha nacional brasileira, que, sendo conforme
Tratando-se de assuntos tão sérios, tão melindrosos, de tanto cri aos nossos costumes, oferece as mais variadas iguarias, de acordo
tério e responsabilidade, eu prefiro calar-me para ouvir somente com a higiene e o paladar.
os pensadores sensatos.
[o país]
[o país] Acredita V. Exa. na necessidade da instituição, no nosso meio, das
Que pensa do feminismo e da incorporação da mulher à política? escolas de ensino doméstico?
[francisca izidora]
Os balões de Santos Dumont, porque nos elevam para o éter, lá
onde pairam as águias e os condores, perlustrando a imensidade.,,
[o país]
Entre a creche e o jornal, qual, segundo a opinião de V. Exa., o que
mais interessa ao progresso e à solidariedade humana?
[francisca izidora]
O jornal, porque mais firme e perseverante, mesmo vencendo
afanosas dificuldades se constitui o auxiliar permanente das ideias
e dos sentimentos humanitários, e, congregando escritores nacio
nais e estrangeiros numa família de irmãos comunicativos e leais,
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Um milagre
encantadoras...
raízes de sândalo e raminhos
Eram oito horas do dia. de resedá, sacudindo a poeira Toda absorvida nessas
Vestida garbosamente à dos livros, revendo as contas agradáveis ocupações,
do amor
negligé com o transparente amassadas na escrivaninha que distraem a ociosidade
peignoir guarnecido de de mogno, colocando flores e que fazem passar o
finíssimas rendas, que traíam- novas e frescas nos artísticos tempo sem causar bocejos,
lhe o segredo das formas jarros de porcelana de torando a vida mais suave
graciosas, soltas as tranças Sèvres, pousando-os aqui e e a natureza humana mais
do seu formosíssimo cabelo, além, como a fade benfazeja enérgica, porque a atividade
Victorina Lafourcade movia- do lar, atarefada com todas
O fantástico, a ironia e o feminismo. se gentilmente no gabinete essas obrigações inerentes a
é um poderoso auxiliar
das forças físicas, Victorina
Hexágono recupera conto de Francisca Isidora, inédito de seu marido, vendo se uma dona de casa cuidadosa entretinha-se quando
estavam em ordem todos os e ativa e sentindo-se ouve tocar a sineta... Já?
desde 1904. O conto abre discussão sobre direitos civis móveis, arrumando a roupa completamente compensada Perguntou ela a si mesma.
e individuais da mulher, como à sexualidade.
sexualidade, engomada nas gavetas da porque era rica e feliz! Não me enganei... Ouvi
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dez horas e absorver-me livre e tu bem sabes que doirando-me a existência, infância com a morte de
todo o resto do dia... todas as minhas noites te que se desliza venturosa meus progenitores!...
pertencem exclusivamente! entre sorrisos e flores!...
— Neste caso, atalhou Um estranho que nos serve
Quer em nossos confortáveis
a esposa, não me levas Oh! Como é encanador estar de tutor, embora humano e
salões, no doce aconchego
à Ópera!... E tinha tanto sempre contigo, ouvindo compassivo, é sempre um
da intimidade recíproca,
empenho de assistir! frases tão sinceras e tão indiferente! Não houve falar-
conversando alegremente,
Segundo os cartazes e doces que teus lábios lhe n’alma a voz do sangue...
quer nos longos parques
apresentações de jornais, pronunciam num idílio de Não se preocupa com o que
onde dardejam os raios
figuram no elenco artistas amores... e que tanto me sofremos, nem vigia o que
claros do luar sobre as
de grande merecimento. fazem palpitar o coração, necessitamos!...
áleas floridas, é-me sempre
Olha! já estava me de amiga estremecida e de
agradável estar ao teu lado, Falta-me a sábia previdência
preparando para ir ao esposa feliz!...
sempre atento e vigilante, de carinhosa mãe... Não
espetáculo, já predispunha
como teu campeão e teu Sim: eu devo-te toda a segue a intuição divinatória
o meu espírito para gozar de um pai!... Mas, tu foste a
guarda! tranquilidade de minha
as deliciosas surpresas minha Providência! Tu velas
existência, onde florescem
do desempenho e já me De mais, os teus menores incessantemente, e sem
os teus afetos, devo-te todo
enlevavam as variadas desejos são ordens cansar-te, pela tranquilidade
o conforto de um porvir
perspectivas do pitoresco imperiosas para mim, de meu espírito! Em teu peito
independente, e sem encontrei os afetos da família,
cenário e assim as horas porque aceito com
trabalho nem humilhações, porque substituindo meus
distintamente... é o sinal do carinhosamente a mão, que passariam suaves ao som desvanecimento e ufania o
porque, se não te ligasses pais, te constituíste o meu
almoço! Nem ao menos deu- apertava entre as suas. das sinfonias da orquestra!... leve jugo de obedecer-te!...
a mim como o frondoso único e legítimo protetor...
me ele tempo de mudar a Mas, essa obrigação
— Hoje almoço mais cedo, — Compreendo-o, Revelle, carvalho protegendo a
toilette. intransmissível, que tantas O Sr. de Revelle
Victorina, porque tenho de e lhe sou em extremo frágil florinha do deserto,
vezes rouba-me a tua interrompeu-a dizendo:
E sai ligeiramente. Desce fazer diversas transações agradecida! Entesouro bem os meus dias escoar-se-iam
presença, vem ainda hoje
ao andar térreo, onde, na comerciais, regular certas no íntimo de minh’alma no isolamento e na sombra, — Logo que chegar ao
estorvar-me!...
todas as tuas amabilidades sem que os aquecesse uma escritório pedirei ao caixeiro
escada, o Sr. de Revelle já contas do banco e passar
— De modo algum, Victorina, e os teus carinhos, que eu réstia de sol! Devo-te todos para alugar um camarote
estava esperando-a e vindo quitações, de sorte que o
porque a noite fica-me considero joias verdadeiras, os desvelos que me foram no teatro. Depois, deixa-o à
ao seu encontro tomou-lhe trabalho deve começar às
de incontestável valor, fatalmente arrebatados na tua disposição mandando à
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III.
sem serem plantadas essas asiático e o requintado No meio de tudo isto um
— Não preciso de nada!
outras roseiras agrestes E tomando a mão de seu elevado pavilhão de ordem
Basta o meu vestido de gosto parisiense, que
em 1736 nas montanhas de marido levou-o pelas áleas coríntia, no gênero de
pelúcia cor de ouro com o deslumbrariam provocando
Borgonha, donde veio-lhes bordadas de madressilvas e Calímaco, de cujo centro Victorina tinha razão
adereço de brilhantes. Nos uma imaginação sedente
o nome de batismo, e depois jasmins. avistavam-se montanhas quando queixava-se de que
cabelos, flores naturais... e de voluptuosidade, ali,
foram-se propagando nos na extensão do parque, coroadas de arvoredos, que sua infância fora destituída
quanto a extratos, sabes que Se, no interior do castelo
jardins, sendo desde então deliciosamente encantador, tocavam nos céus, como de encantos e de afeições
prefiro A rosa branca... havia o luxo suntuoso dos
cultivadas! a Arte e a Natureza esculpindo-os de caprichosos verdadeiras!
móveis estufados de veludo
Oh! ia-me esquecendo... a desvelavam-se em formar desenhos, e ao longe
Oh! Como está encantadora a carmesim e os mais ricos Era de temperamento
minha roseira de Borgonha os mais soberbos conjuntos!... patenteava-se o mar cheio de
minha roseira de Borgonha tapetes da Pérsia, jardineiras ardente, de imaginação
amanheceu cheia de
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muito viva, que pedia-lhe de a melhor alavanca contra a tinha medo de msotrar-se, Nada mais faltava para o
pronto expansão e objetivo; adversidade. expondo-se aos comentários complemento da existência
mas o seu caráter sério e indiscretos, porém nutria em faustosa de Victorina
refletido mostrava-se forte Muitos moços de sua silêncio uma paixão delirante, Lafourcade. Considerações,
e refratário aos anelos, terra, alguns mesmo verdadeira e única!... Era visitas, teatros, passeios,
equilibrando-lhe a razão, desinteressados e bem como o crente de Jagernat, viagens, carruagens, joias,
evitando, ou, antes, livrando-a colocados, aspiravam à que se deixa esmagar aos pés estofos caríssimos, ricos
de toda e qualquer sedução... sua mão, disputavam o de seu ídolo! artefatos de Paris, e mais
seu coração, procurando que tudo esse coração fiel
Sentia-se pobre, sem arrimo, merecer-lhe a simpatia, em Considerava-a como a sua
e amante, em que podia
dispondo apenas de esmerada quanto os mais enfatuados crença a qual se submetia
escudar-se com toda
educação, porque o seu esperavam que ela se com toda humildade, toda
confiança e firmeza!
tutor, a pretexto de gastar decidisse na escolha de um constância e todo estoicismo
V.
com os mestres e os livros, companheiro, mas, ou por de um casto sacerdote! – Era
tinha consumido todo seu excesso de timidez, ou mesmo Alexandre.
dote, esquecendo-se de que por natural desconfiança,
IV.
ela ficava sem recursos, Victorina os conservava Deixemo-la cumprir o seu
e o saber da mulher na distanciados, e nenhum deles destino!
sociedade sedenta de ouro ousava maldizer-se, tal era
não é credencial, com que o prestígio da imagem, cujo Victorina decidiu-se pelo .........................................................................................
se apresente impondo seus pedestal não poderia atingir! sr. de Revelle, menos pela .........................................................................................
méritos!... Não lhe assegurava, invejável posição, que lhe
VI.
por certo, um porvir isento de Entre esses havia, contudo, assegurava na sociedade, do
humilhações!... um jovem poeta, que não que pelo coração magnânimo
a perseguia com as suas e nobre, que trazia-lhe, e, por
Assim, pensando nas insistentes assiduidades, certo, a escolha não podia ser Depois do enlace matrimonial
consequências da pobreza, não seguia-lhe com o olhar melhor, nem mais acertada. do sr. de Revelle, ninguém
Victorina retraía-se, votando- cobiçoso, não se antepunha mais ouviu falar em
se ao trabalho manual, que ante os seus passos Sob esses lisonjeiros auspícios Alexandre. Ninguém o
à força de hábito, tornou-se assumindo a vaidade de realizou-se em poucos dias o encontrava nas ruas, em
uma segunda natureza, senão conquistá-la, e até mesmo casamento. que de ordinário trajetava,
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e sua casa conservou-se Ainda não tinha descansado me a presença dela... E Sabia que ela estava neste
hermeticamente fechada. das fadigas da jornada, nem contudo não deixava cair mundo, e nada lhe faltava
desarrumado as malas, nem uma lágrima, porque para a satisfação de seus
Teria arrefecido o seu amor?
quando feriu-lhe o ouvido tinha secado a fonte à força desejos!... Mas a notícia de
Ou ferido pela intensidade
uma notícia fulminante, que de tanto chorar!... Mas sua morte... Perdê-la de
do golpe, procurara o
fê-lo vacilar e estremecer, sangravam-me todas as novo... Sem vê-la jamais...
suicídio precipitando-se
empalidecendo mortalmente! fibras do coração!... Antepondo-se a eternidade
nas profundezas do Sena?
ao meu amor, que também
Ninguém sabia dizê-lo! Victorina Lafoucarde de As flores aguardam o
é infinito porque contém em
Revelle tinha sido inumada orvalho refrigerante das
A pouco e pouco, os amigos si a imensidade... Abrange o
naquele mesmo dia, com noites serenas, dando-
foram-no esquecendo, e por oceano e o firmamento... Oh!
grande pompa – no jazigo da lhes em troca o seu doce
fim não se falava mais em Isto me faz enlouquecer!...
família, no meio do cemitério perfume, as plantas se
seu nome.
de uma aldeia, dependência animam com o leve roçar Hei de vê-la pela última
Passaram anos, sucederam- de um dos seus castelos!... das virações, mesmo os vez!... Quero certificar-me
se fatos diversos, novas irracionais têm uma alegria, com os meus próprios desta
Alexandre levou a mão ao
mudanças, outros e todos gozam de um prazer triste verdade! Quero cortar,
coração, que estalava de
acontecimentos se operaram na existência, todos, mais para servir-me de relíquia,
dor, e murmurou soluçando:
no minúsculo planeta, em ou menos, logram um afeto, uma trança de seus lindos
Perdida duas vezes a mulher
que habitamos, mas sempre ou sentem o esvoaçar de cabelos!... Depois... Não sei se
a quem amei delirantemente
o mesmo véu misterioso uma esperança... Mas eu... terei forças bastantes para
com todas as faculdades de
cobrindo o paradeiro de Eu sentia-me num báratro, resistir!... Eu também já me
minh’alma! Ai! Quanto o meu
Alexandre! onde minha vista se perdia considero morto!... Morri
fado foi negro!...
nas alucinações de um moralmente no mesmo dia,
Um dia, porém, impelido insensato!... em que ela deu-se a outrem...
Às vezes... Não!... Sempre!
pela nostalgia da pátria, Morri para a alegria...
Ai! Sempre, tomado de
ou mesmo por um secreto Contudo... Resignava-
sombria preocupação o meu Morri para os afetos do
pressentimento Alexandre me viver sem possui-la,
espírito se perturbava... coração... Morri para todos
regressou inopinadamente à porque sabia que ela era
a minha vista se perdia os passatempos da vida!...
França! feliz e amada, embora nos
no vácuo... Porque faltava-
braços de outrem!... Sim!
34 35
VII.
pela última vez aquelas como despertando de longo
assim ataviada para a última Todos esses desvelos,
feições queridas, que pesadelo lançava em torno
e extrema jornada!... todas essas providências,
estavam gravadas em sua olhares desvairados... Cerrou
prodigalizadas a tempo e
Efetivamente, alta noite, às memória, e, talvez, num A cabeça pendia-se numa novamente os olhos... E seu
proficuamente, tiveram
dez horas, acompanhado de transporte de amor e de profusão de flores naturais, corpo flácido e leve perdeu
êxito feliz, fazendo-a pouco a
seu fiel criado, Alexandre, saudades, roçar num beijo sobressaindo a enorme toda rigidez cadavérica, que
pouco reanimar-se, embora
que levava uma escada o primeiro e último aqueles quantidade de rosas, que o entorpecia, tornando-o
indistintamente, porque
munido de uma lanterna lábios sagrados, que nunca exalavam brandos e pesado e inerte... Alexandre
as suas ideias estavam
furta-fogo, penetrou no tiveram para enleá-lo nem balsâmicos odores. auscultou o coração que
assombradas ainda pela
interior do parque à sombra um fugitivo sorriso... palpitava debilmente...
Alexandre contemplava tudo noite do túmulo!...
dos ciprestes, onde a solidão
e o silêncio eram profundos... Descobriu-lhe o semblante isto absorto em profundo Então, mais animado,
Dois meses se passaram
Somente as aragens oculto por finíssimo lenço pesar, com toda veneração revestido da coragem e da
assim, mas voltaram as
noturnas moviam de leve os de seda das Índias, bordado e religioso acatamento, mas, força que o caracterizavam
forças físicas, a consciência e
galhos das casuarinas, que com iniciais entrelaçadas de súbito sobressaltou-se... tirou-a do ataúde,
a saúde! Conhecendo, pois, a
formavam alas funerárias... formando o anagrama de Estremeceu violentamente prendendo-a nos seus
sua situação, que parecia-lhe
dois nomes diversos. porque sentia nas asas braços, e depois de envolvê-
falsa e precária, Victorina
Alexandre parou ante uma da aragem um como que la em seu capote, fugiu
Aí cravou os olhos como mostrou-se saudosa de
cruz erguida, ajoelhou-se e débil gemido... Prestou mais apressado com esse precioso
invocando uma visão da seu lar, acusando-se de
rezou... atenção... Tudo era soturno fardo...
36 37
X.
que lanço nenhum prende
a que deixou. Comecemo-la
juntos.
Nessa sensacional e [Publicado originalmente no Diario
Ela deixou-se convencer, e extraordinária ação jurídica, de Pernambuco, no Recife, terça-
expatriaram-se. em que Sr. de Revelle feira, 2 de agosto de 1904, p. 2]
38 1855 – 24 de janeiro. Nasce
no engenho santo André, em
Heráclita, Joana Tiburtina Lins
e Anna Alexandrina. Cita dois
Em testemunho de minha ade
são à civilizadora propaganda
lacqua, Anna Nogueira, Úrsula
Garcia, funda a revista femi
do Monumento Comemorativo
da Batalha das Tabocas em Vi
39
Jaboatão (PE), Francisca Izidora de seus poemas e informa que pela libertação dos cativos, tão nina O Lírio, editada no Recife. tória, em 27 de janeiro.
Gonçalves da Rocha, filha de Francisca Izidora traduzira o brilhantemente sustentada por Nessa revista, ela publicará 1906 – Em setembro, pronuncia,
D. Francisca Herculana Gon Manfred de Byron, era autora V. S., deliberei-me alforriar, contos, poemas e traduções. na Oficina Literária Martins
çalves da Rocha e do coronel do drama lírico em três atos, sem ônus algum, as minhas es Junior, da qual era sócia, uma
Pedro Gonçalves da Rocha. A filha dos Tupis e do romance cravas Julia e Maria do Carmo 1903 – Sócia correspondente conferência em homenagem à
O sítio de Lisandro. pela inclusa carta de liberdade, da Academia Pernambucana poeta Úrsula Garcia, recente
1865 – Em Escada (PE), edita, que V. S. me fará o obséquio de de Letras, que publica em sua mente falecida;
com o irmão Herculano, “fale 1883 – O Almanaque Litterario mandar registrar. Faço votos Revista daquele ano seu drama
cido na flor dos dias”, utilizando publica seu poema “O banhista”. para que todos os possuidores lírico Elnar. O Almanaque Garnier, 1908 – Professora primária na
um prelo de madeira de cajá, Ilmo. Sr. Dr. Joaquim Nabuco. de escravos o aplaudam assim. do Rio, publica poemas seus. cidade de Vitória, onde o irmão,
o jornalzinho A Vontade, que Recife, 12 de março de 1887. Francisca Isidora Gonçalves da o deputado Gonçalves da Rocha,
circulava apenas no seio da Rocha.” 1905 – Colabora nO Fanal, de edita o jornal A Vitória, no qual
família. 1887 - Na vanguarda do tempo, Jaboatão, com poema em home ela assinará, durante anos, a
Francisca Izidora foi mais do 1888 – Saem publicados poe nagem a Dona Maria Castro de coluna “Ao correr da penna”.
1879 – Em 1879, no livro Pernam- que uma ativa feminista, tam mas seus no jornal O laranjei- Freitas. Colaborações nO Com- Escreve também em O Lidador,
bucanos ilustres, o estudante de bém disse “sim” à causa aboli rense, de Laranjeiras, no Estado mercio, do município do Cabo, daquela cidade. O jornal O jabo-
Direito Henrique Capitolino, diz cionista, e noticia seu apoio em de Alagoas. O Astro, do Ceará, e O Escrínio, atonense, “periódico littero-noti
que Francisca Izidora perten carta a Joaquim Nabuco: dirigido por Andradina de cioso”, publica sua biografia e
ce ao “grupo inteligente e espe 1902 – Artigos e poemas nos Oliveira (RS). Escreve o “Hino um retrato na sua Galeria de
rançoso de poetas e escritoras “Ilmo. Sr. Dr. Joaquim Nabuco. - jornais Diario de Pernambuco e à vitória das Tabocas”, cantado Jaboatonenses Ilustres, em 26
contemporâneas”, como Maria Recife, 12 de março de 1887. A Província. Com Amélia Bevi por ocasião da inauguração de janeiro.
40 O BANHISTA 41
Vem! Dá-me tua mão! Voemos sobre as ondas
Como cisnes, talvez, levados pelo amor…
Fica perto a cidade; o rema n’água afunda,
Do frágil lenho seu, o tardo pescador.
Um banho em Asnières
(em francês: Une baignade
à Asnières), [detalhe]
óleo sobre tela de 1884,
do pintor francês
Georges Pierre Seurat
(1859-1891)
National Gallery, Londres.
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CABELOS NEGROS
Era assim
a Istambul à época
em que Francisca
Izidora escreveu
o poema.
A foto mostra
a Mesquita Azul
(Sultanahmet),
antes de 1895.
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NENÚFAR
CRÍTICA
Francisca Izidora fez-se ouvir num bonito trabalho sitou esta capital, que veio conhecer e onde re
sobre a individualidade simpática de Úrsula Garcia, alizou algumas brilhantes conferências sobre
dando ao estudo crítico sobre a apreciada escrito assuntos naturalistas de sua predileção – uma,
ra morta a imparcialidade que o seu afeto por ela, sobretudo: “As árvores” – que lhe valeram me
mesmo por ser muito grande, inspirava e impunha. recidos aplausos da imprensa e dos competentes.
Colaborou em quase todos os jornais de Per E, por isso mesmo, o seu súbito e surpreenden
nambuco e em diversos outros estados; ultima te pensamento não nos pode eximir, ao menos, de
mente era assídua no Lidador, da Vitória, e no uma honrosa referência, a que ela tem incontes
Escrínio, a valente revista que Andradina de Oli tável direito pelos seus altos toes de espírito e co
[excertos] veira estoicamente mantém no Rio Grande do Sul.
Não faz muito tempo, vimo-la figurar na Revista
ração e acentuadamente, pelo seu bonito talento
de escol, esmerada cultura intelectual e subidos
de Ciências e Letras, de Amélia e Clóvis Bevilaqua. méritos. É o que fazemos nestas poucas linhas, –
Era, não obstante a sua idade já avançada, de antes tarde do que nunca.
uma capacidade de trabalho admirável! Solteira, D. Francisca Izidora, oriunda de principal e
manteve-se sempre do seu esforço próprio, ser abastada família de agricultores, nasceu em prós
oposta aos velhos moldes, com eles rompendo des
QUEM? de o alvor de sua mocidade, alvorotando e ilumi
vindo com amor ao magistério.
Tinha ilusões e aspirações literárias, ela, aos
pera “fazenda” da zona açucareira do estado de
Pernambuco, marginada pela Estrada de Ferro
nando o austero solar paterno com os clangores sessenta anos, como eu nunca tive nem tenho, na do Recife ao São Francisco; e ali foi educada, re
Edwiges de Sá Pereira e a luz de suas ideias novas, altruísticas, liberais. dolorosa certeza de que está muito longe o dia velando, desde a sua primeira mocidade, o mais
Passou leve e sutil a notícia de sua morte: nem Surgiam ainda longe os primeiros albores do em que o escritor nacional, e máxime a escritora, acentuado temperamento literário, que se foi gra
necrológios pomposos, nem além do domínio dos abolicionismo e já o entusiasmo pela cruzada san possa fazer de sua pena brotar, no mesmo tempo, dualmente avigorando e aprimorou depois.
parentes e dos íntimos a dor de sua perda se fez ta a empolgava em absoluto, inspirando-lhe o es a independência e a glória. E assim foi que, em assíduo convívio com os li
lágrimas... Entretanto, ela bem as merecia, – a tro de estreante em versos onde a sua piedade, Não cito neste rápido escrito a totalidade de vros e permanente contato com a bela, pujante
malograda escritora, – essas lágrimas de sau unida ao sentimento de justiça, fulgia como um sol. seus trabalhos, apenas aqueles de que tenho ab e oxigenada natureza – quase virgem – que a
dade: homenagem ao seu incontestável talento, E, enquanto media o verso e procurava a soluto conhecimento... ambientava, bem moça ainda, menina quase, co
preito à denodada combatente que ela foi! rima, já recolhendo as memórias, que dos antigos E vão caindo assim, um após outro, os marcos meçou a exteriorizar, em prosa e verso, todos os
Eu senti, numa vibração dolorosa, plangerem lhe vinham, das penas em que gemia a raça in que de há mais tempo assinalam a nossa pas sonhos, todas as esperanças, todas as aspirações,
-me as cordas todas do sentimento ante o fato ir feliz, escrevendo mais tarde um livro – Um epi sagem pelo caminho das letras... Ignez Sabino, e até mesmo imaginárias desilusões de sua alma,
remediável, e conquanto o silêncio seja – segundo sódio da escravidão no Brasil, – romance que é Carmen Dolores, Francisca Izidora... a um tempo meridional e contemplativa.
Maeterlinck – o único meio de bem conhecermos um valioso documento dessa fase negregada. À memória da conterrânea, ilustre por tantos Daí, talvez, e da funda solidão em que sem
a profundeza do nosso ser e de o darmos a conhe Nunca os prelos o viram; a insuficiência de títulos, essa demonstração modesta, essa home pre viveu, longe de maior convívio humano e do
cer, – um impulso de justificada solidariedade meios e a indiferença do meio não lhe permitira nagem sincera da minha veneração e da minha sugestivo bulício das grandes cidades, senão da
levou-me a traçar estas linhas, contrariando o a publicação desta obra. É mais uma companhia, saudade. influência byroniana que reinava no seu tem
conceito de Maeterlinck para satisfazer a neces talvez, para os livros de Paulo de Arruda, de Edu [Publicado no Jornal Pequeno, Recife, em 30 de agosto po, que ela ia haurir no original, e da qual não
sidade do meu coração. ardo de Carvalho, e tantos outros que eu não sei, de 1913, p. 3] se pode nunca desprender, esse fundo românti
Quem, neste nosso meio, desdenhoso e indife menos felizes que o inditoso Caetano Andrade na co, quiçá por demais subjetivo, doentio quase, e,
rente, dá-se ao trabalho de curar de letras, pro misericórdia de uma publicação póstuma. sobretudo, esse reflorido e adereçado estilo, nem
fissional ou diletante que seja, há de convir que o
nome de Francisca Izidora é o representante de
Não conheço bem o livro a que me refiro, mas
creio-o de valor, porque de valor foram inúme
FRANCISCA IZIDORA: sempre correto, mas muitíssimo pessoal, que se
nota em todas as sua produções.
uma individualidade de prestígio próprio, de lon
ga data firmado no conceito dos contemporâneos.
ros trabalhos insertos em revistas e jornais da
imprensa indígena, onde a saudosa escritora
UMA HOMENAGEM Como quer que seja, porém, muito trabalhou e
escreveu muito, não só com destino ao livro como
Educada sob os atrasados princípios da antiga sempre figurou com brilhantismo. Lacônico despacho telegráfico do Recife, tão à imprensa periódica; e deixa grande número de
disciplina doméstica obediente a Molière, que so O seu drama Elnar, na Revista da Academia lacônico que nos passou de todo despercebido na composições poéticas, muitas das quais enfeixadas
mente permite na educação feminina “poucas lu Pernambucana de Letras, – de que era membro labuta diária, noticiou, há dias, ali ter falecido a em volume, alguns contos, mais de um romance
zes”, – foi um milagre a resistência tenaz por ela correspondente – é um vigoroso atestado de suas literatura pernambucana Francisca Izidora. e imaginoso drama lírico, que não viram luz de
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48 “Que perfume
prefere?”
O perfume
White Rose,
lançado em
1800. Como se
lê na enquete
nesta edição,
a fragrância
preferida
da escritora
Francisca
Izidora.
publicidade, – afora escorços biográficos e inúme Em todo caso, d. Francisca Izidora, que era a
ros artigos esparsos por periódicos, que efemera última descendente ilustre de uma dinastia de
mente editou, e em colaboração, por publicações poetas, a entroncar em Maciel Monteiro, Paes
estranhas. – Correspondia-se assiduamente com de Andrade, Marciano Rocha e outros, figura
escritores do seu sexo, dentro e fora do país. gloriosamente na bela galeria das Pernambu
Como se vê, pois, cultivou todos os gêneros li canas ilustres, de Henrique Capitolino; pertencia
terários; mas, o que é verdadeiramente para no à Academia Pernambucana de Letras; e, sendo
tar, é que, em tão grande número de produções uma distinta poetisa, era uma escritora de pulso,
em que ela se patenteia uma escritora de raça e reconhecidamente, de real e verdadeiro me
e, por vezes, um espírito mais varonil do que fe recimento.
minino, a sua forma literária mais característica Nossos pêsames às Letras Brasileiras.
e acentuada seja a prosa, que é sempre tersa, a
fazer lembrar um pouco Herculano, seu escritor
predileto, de preferência ao verso, que é por ve [Homenagem publicada na primeira página do
zes frouxo e descurado, a Casimiro de Abreu, seu jornal O Século, Rio de Janeiro, quarta-feira, 1 de
poeta favorito. outubro de 1913]