Você está na página 1de 91

psp m

í /• ^Ü iS
■ M »

\W^ÈÉÈ0.‘$: M |i ».? - :Í7 y . (-.•-•

g jfc
. ' :
8
: # lllS S Í Í
S fíS f g § É
á '- V í í
l;/ÉS£tó«‘
ü
;$?§9í|
jyys?

^jipWÍpíB

WM*Mw
WfflÈw ...
«Bf
-,^l
^W c
OPÚSÇULOS DE FORMAÇÃO
Para uso das Congregações Marianas

1. Série

CU R SO DE F O R M A Ç A O RELIGIOSA

2. O p ú s c u lo :

O DRAMA
DA
HUMANIDADE

PUBLICAÇÕES

/ CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS CONOREOAÇÕES MARIANAS
Rl« d* — Ru« S«n«d«r D«nt«s, 118 • P.® ■
» C®Ijm P®*t«l 1«Stf1
DA
HUMANIDADE
por

P. WALTER MARIAUX S. J.
D i r e t o r do S e c r e t a r i a d o G e r a l das
C o n g r e g a ç õ e s M a r i a n a s em Roma

Prefaciado pelo P. L E O N E L F R A N C A S . J .

COLÊQkO anchíeta
..-t Í, N. Fflburgo - Cst. do Ri°
■ \ t' -' Biblioteca
C EOlTORAt •
ED IÇÕ ES T É C N IC A S BRASILEIRAS LTDX
Rua da Figueira, S0»B • Caixa 3798 - TeL 3-5345 - S. Paulo
O DRAMA
DA
HUMANIDADE
Imprimi potest
Rio de Janeiro, 8 de Setembro de 1941

P. Luiz Riou S. J.
Prep. Prov. do Bras. Central.

Imprimatur

Rio de Janeiro, 15 de Setembro de 1941

+ Sebastião
Cardial Arcebispo do Rio de Janeiro
R E C O M E N D A Ç Ã O
dos “Opúsculos de Formação”
por
S.a Emin. o Sr. Cardial Leme

"Louvando e abençoando a oportuna iniciativa, com todo

empenho recomendamos os "O P Ú SC U LO S DE FO R M A Ç Ã O "

não só aos Congregados Marianos mas á mocidade em' geral,

aos colégios e institutos de educação e muito particularmente

ao clero secular e regular."

17 de Janeiro de 1941.

(a) DOM SEBASTIÃO LEME


Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro
■«* /

• *

'~rS '

i;‘ .

V.^
' . V: .
J:

f'
T^iejáció
dó 7^e. £eóneê- 'frumca vf.

Em face de um mundo que se debate em convulsões


de agonia, a conciência cristã sente toda a grandeza ex­
cepcional de suas responsabilidades. Mais do que em qual­
quer outra época sôa-nos no fundo da alma a voz do Se­
nhor que nos intima o alto dever: vós sois a luz do mundo,
vós sois o sal da terra.

E as almas batizadas não querem ser infiéis às exi­


gências de sua vocação. Sentimos que no tesouro do nosso
cristianismo possuímos tudo o a que aspiram homens e povos.
Desejamos um desenvolvimento mais conciente da nossa per­
sonalidade? A doutrina da espiritualidade da alma e dos
seus destinos imortais ministra-nos o verdadeiro fundamento
da eminente dignidade da pessoa humana e dos seus direi­
tos intangíveis. Experimentamos mais estreita a solidarie­
dade fraterna e desejamos viver em toda a sua plenitude
esta comunhão de interesses e finalidades, essencial à fa­
mília humana? O dogma da Creação e da Redenção que
nos ensinam a comum paternidade divina e a indissolúvel
fraternidade cristã, nos vínculos dò corpo místico da Igreja,
dão-nos à grandeza de nossas aspirações a mais divina das
respostas.

Eis porque, sob a ação providencial do Espírito Santo,


um escól, cada vez mais numeroso' de fieis aspira a uma es­
piritualidade mais profunda e mais conciente. São almas
sequiosas de vida interior séria. Seu desejo ardente a co­
nhecer "as riquezas investigaveis de. Cristo" para viver e
irradiar intensamente o cristianismo que vivifica, salva e
consola. O conhecimento elementar de um catecismo de
10
primeira comunhão já não satisfaz aos reclamos de uma fé
que se desenvolveu e quer tomar conciência de todos os
seus tesouros, para com eles, enriquecer a beleza de uma
vida.

9 A este anelo das conciências vem providencialmente


responder a série de opúsculos, de que o presente é o se­
gundo. Seu autor, o P. Walter Mariaux é um apóstolo da
alma moderna. Arde-lhe no coração o zelo radiante e con­
quistador que caracteriza sempre o missionário de Cristo.
Não só. A esta fôrça difusiva do bem alia o conhecimento
vivo da alma contemporânea, das suas lutas e conflitos,
das suas âncias e dos seus ideais. Joven ainda, ele viveu
com a geração que sobe todas as causas profundas de seus
entusiasmos e no cristianismo vivido até às suas últimas
consequências, encontrou o segredo da paz de uma grande
esperança que se realiza.

Por isso a exposição da doutrina cristã na sua pena


nada tem de repetido e postiço; é espontânea e original
como tudo o que vive. Percorrendo-lhe as páginas sente o
leitor que realmente a mensagem evangélica é "luz da vida",
lumen vitae; que as palavras do Salvador são, "espirito e
vida"; verba mea spiritus et vita sunt; que ao homem só
resta como salvação o caminho para Cristo, porque só
Ele tem palavras de vida eterna: ad quem ibimus? verba vi­
tae aeternae babes.

Na sua síntese féliz, os dogmas hão se dispersam, iso­


lados; articulam-sé na unidade orgânica da verdade inte­
gral. Dogma, moral e liturgia não se apresentam como dis­
ciplinas separadas por necessidades didáticas; fundem-se,
como aspetos diversos de uma realidade rica e .complexa.
Inteligência, vontade e ação integram-se na unidade harmô­
nica da vida. O cristianismo ãparece-nos, de fato, como
solução de todo o problema humano, resposta pacificadora
ês aspirações da personalidade e às exigências da comunhão
social.
11
Só nos resta formular o voto de que bem depressa ao
presente volume lhe sucedam os irmãos prometidos. Com­
pleta, a série oferecerá um resumo substancial de uma
"Dogmática para os leigos", de que todos lamentávamos a
falta dolorosa. Congregados Marianos ou não, jovens e
adultos, todos os fieis sequiosos de um conhecimento mais
profundo das riquezas e das responsabilidades do seu ba­
tismo encontrarão aqui as fontes puras desta "água qüe
jorra para a vida eterna". Aos perseguidores dos primeiros
tempos dizia Tertuliano: a religião cristã só vos pede uma
cousa: não a condeneis sem a conhecer, ne ignorata damne-
tur. Às almas sinceras de hoje ávidas de luz e de paz, dis­
persas ou torturadas, em busca.de interioridade profunda
e de vida cheia, Cristo, oferecendo ainda uma vez a pleni­
tude de sua mensagem repete o convite divino: vinde a
mim. . . e encontrareis o repouso, veeiite ad me. . . et inr
venietis requiem.

Felizes e beneméritos os que trabalham por difun­


dir nos horizontes que escurecem esta claridade que salva.

P. Leonel Franca S. J.
Introdução
Manhã de domingo. Um congregado mariano
ençontrou-se com um amigo:
Vai à igreja?
0 outro hesitou: Não; estou pensando em ir
assistir ao culto dos Protestantes.
Você, Protestante? Como é possível?
Há pouco presenciei uma cerimônia dêles, e ouví
o sermão do pastor. Se visse, como falou bem, cheio
de sentimento, e com voz tão simpática! Disse ex­
pressamente que sua religião procura satisfazer ao
coração, inundando-o de sentimentos nobres e divinos,
em oposição à religião católica que obriga os fiéis a
crer num sem número de dogmas, fomentando assim
um “inteledualismo” frio. O Protestantismo culti­
va a vida espontânea, não se entretendo com discus­
sões e. polêmicas inúteis; cada um pode crer no qxie
lhe apraz. 0 que importa é ter confiança em Nosso
Senhor Jesús Cristo.
E daí? '
Daí. . . acho esta religião muito mais simples do
que. a católica. Satisfaz muito mais ao meu cora­
ção ... A religião católica sempre me causou, uma
impressão de frièza. Lembra-se daquelas mil' per­
guntas de catecismo que devíamos decorar cegamen­
te? Quantas vêzes me perguntava: para que saber
13
tudo isto? De que serve para minha vida religiosa?
Acho que se pode muito bem ser cristão, sem saber
responder a tantas perguntas! ...
O congregado ficou surpreso sem saber que res­
posta dar. Nunca pensara em tal. De repente,
ocorre-lhe uma idéia. Desculpe, disse, porém fala­
remos nisto mais tarde. Quer acompanhar-me? Vou
assistir a uma cerimônia comemorativa. Trata-se de
um amigo que morreu há vários anos.
Ah, e hoje é o dia aniversário?
Sim, mas seus amigos organizam uma cerimônia
cada semana.
Cada semana?
Sim, pois êle o merece! Sabe que lhe devo
tudo? E sua morte foi muito singular. Morreu
assassinado.
Assassinado?
Sim, e morreu como herói!
Mas isto è deveras comovente!
E’... Muitos há entretanto que se interessam
pouco por êle; mesmo alguns que se dizem amigos,
não querem mais assistir a tais cerimônias comemo­
rativas ...
Que vergonha!
Você tem razão, ê uma vergonha... Eis-nos
chegados. Entremos.
M as... isto ê uma igreja?
Precisamente.' Vamos assistir à comemoração
da morte do nosso melhor amigo; vai ser agora.
14
Que quer dizer isto?
Você não sabe, que ê a morte heróica de Jesús,
que se representa, ou melhor, que se renova no altar,
na Santa Missa? E’. esta a história comovente, que
nos ensina o dogma “frio e seco” e todo o Catecismo
com suas “mil perguntas”. Elas não fazem mais que
explicar, quem enviou aquele' nosso amigo Jesús
Cristo, quem foi Jesús Cristo, como viveu, porque
morreu e que espera de nós.
0 amigo ficou pensativo. A partir daqUêle mo­
mento começou a desvendar-se para ele o verdadei­
ro significado dos dogmas e a conexão da doutrina
católica com a vida religiosa.
Quantos não se encontram na situação triste
daquele amigo?... E porque? Porque não conhe­
cem bastante sua religião e a concebem duma manei­
ra superficial. Conhecem, apenas, fragmentos da
doutrina católica. Toda d Fé católica lhes parece
uma coleção de dogmas empilhados como um montão
de pedras, e só sabem lastimar-se das infinitas per­
guntas do catecismo. Além disso contentam-se com
aprendê-las- de cor, trabalho de memória, sem jamais
tirar as consequências das verdades aprendidas, sem
familiarizar-se com o mundo sobrenatural, sem re­
fletir. Por isso estas verdades da Fê permanecem
estéretSj descoradas, abstratas, extranhas à vida.
Podemos afàáo.extranhar que com tinta tal con­
cepção, cada vez mais esmoreça o entusiasmo, a ale­
gria espiritual e a.fôrça viva da convicção religiosa?
15
Não há dúvida alguma que, nas apostasias da
Igreja, desempenha papel decisivo esta ignorância e
superficialidade no campo dos conhecimentos reli­
giosos.
E’ este mal que queremos remediar com as ex­
plicações seguintes. Por isso exporemos as verda­
des da Fé na sua conexão mútua e na sua transcen­
dência para a vida.
Eis o nosso apelo, jovem católico, donzela ca­
tólica, e mais que ninguém, congregado mariano:
aprende a conhecer a tua Fé.' A Fé integral, o dog­
ma sem restrições, o mistério da Santíssima Trin­
dade, do Homem-Deus Jesús Cristo, da Igreja, —
todas as verdades desde a creação do mundo até o
juízo universal e a vida eterna.
Hoje em dia, não basta mais estar ao par de
uma ou outra verdade apenas. Lê, estuda, pois, con­
gregado mariano, êstes opúsculos, que, em sua série,
tc apresentam, na íntegra, o dogma católico.
Duas cousas, como o evidenciamos há pouco, no
exemplo aduzido, duas cousas sobrelevam a todas em *
importância: conhecer os dogmas na sua coesão orgâ­
nica e conhecer-lhes a projeção sôbre a vida prática.
Àpresentamos primeiro uma vista de conjunto.
No decorrer do cur.so, a cada passo faremos sobres­
sair a articulação dos diversos dogmas entre si.
Além disto, pretendemos mostrar a irradiação das
doutrinas da Igreja sôbre a vida cristã. Encontras,
pois, aqui esplanada a. moral católica, que quanto
16
for possível, apresentaremos em suas dependências
com as verdades da Fé.
Sem dúvida, o estudo aprofundado destes opús­
culos exige paciência e energia. Porém, sem receio,
confiamos que a juventude desta terra tradicional-
mente católica está possuída de uma alta e entranhada
estima das doutrinas da Igreja.
Quando tiveres assimilado bem esta série de
opúsculos, repetiremos nossa pergunta: Conhecer
a Fé, significa conhecer o maior número possível de
téses isoladas? E constituirão elas um amálgama
sem unidade ou uma Catedral unida e coesa? Além
disto: as verdades da Fé são apenas conhecimentos
platônicos da inteligência, ou influenciam sobre a
vida? São um museu de antiguálhas ou uma nascen­
te de vida?
Tu mesmo, partindo de tuas íntimas convicções
formularás a resposta: A Fé católica é o mais gran­
dioso monumento levantado no mundo; nele palpita o
gênio do artífice — o Filho de Deus.
Ser cristão, católico, significa alimentar e fe­
cundar a vida humana com as torrentes do mais ine­
fável mandai de vida, com a vida do próprio Deus
uno e trino.
Capitulo I.
Unidade dos dogmas
Os dogmas da Igreja! Talvez 6 leitor extra-
nhe, ouvindo a palavra “dogma”, que instintiva-
mente lhe evocará a idéia de soleníssimos Concílios,
como o de Trento,‘ no século XVI, em que quasi 250
Arcebispos e Bispos reunidos em 25 sessões baixa­
ram numerosos decretos e cânones, fixando verdades
dogmáticas; ou como o último Concilio universal do
Vaticano, em que mais de 700 Arcebispos e Bispos,
sob a presidência do Papa, definiram entre outras
coisas a infalibilidade do Sumo Pontífice... Pen­
sará em definições solenes como a da Imaculada
Conceição dá Santíssima Virgem Maria, feita em
1854 pelo Papa Pio IX ...
E ’, pois, a estas definições dos Concílios e do
Papa, cabeça infalível da Igreja, que chamamos
dogmas ?
Certamente, mas a palavra / ‘dogma” abrange
muito mais ainda, pois dogmas são todas as verdades
reveladas por Deus e propostas pelo magistério in­
falível da Igreja como objeto obrigatório da Fé.
Ora, não é só nas definições solenes que a Igre­
ja propõe certas verdades como tais, mas também
na pregação regular e quotidiana. Pois, a Igreja
identifica-se com o Cristo místico; e é Deus mesmo
que por sua boca fala aos homens.
Dogmas são portanto a totalidade das verdades
reveladas e comunicadas aos homens pela Igreja,
como objetos obrigatórios da nossa Fé.
Mas, não são estes dogmas fórmulas rígidas,
mortas e inalteráveis, ém que ninguém pode jamais
tocar? E só por tê-lo tentado, não foram muitos
estigmatizados como hereges?... A Igreja não nos
impõe teses cristalizadas, em lugar de nos comunicar
vida verdadeira e estuante?...
Responderemos ainda mais pormenorizada-
mente a estes pontos. Por enquanto baste dizer que
os dogmas são a palavra de Deus, são comunicações
feitas por êle mesmo à Igreja, que sob a assistência
do Espírito Santo as revestiu duma fórmula verbal.
Comunicações divinas! Quem havería de pen­
sar que o Deus vivo nos tenha querido impor fór­
mulas sem vida! Não, os dogmas significam rea­
lidades grandiosas e fecundas.
Mas, é antes de tudo necessário encarar o con­
junto, a conexão das verdades dogmáticas. Pois,
os dogmas constituem uma unidade.
I — Uma parábola.
Ouçamos, para começar, uma pequena história.
Um magnata da indústria, por pura bondade,
dignou-se tratar com distinção um casal de operá-
19
rios. Adota-o, e o constitue herdeiro de sua imen­
sa fortuna. Um dia, porém, dá-se uma cena de dis-
senção veemente: o casal adotado desprezando a ami­
zade do benfeitor, renuncia para si e para seus des­
cendentes à fortuna e à herança.
Mas, coisa curiosa! o rico aproveita desta oca­
sião para um rasgo grandioso de bondade. Come­
ça a cumular o casal de operários e seus filhos com
sinais de benevolência. Não desiste apesar de vêr
que seu amor não encontra correspondência nem
compreensão. Parece mesmo que quanto maior se
torna a caridade do senhor, tanto mais cresce o ódio
dos operários.
Um dia, envia-lhes seu próprio Filho, que se
hospeda com os operários, come e bebe com êles, tor­
na-se mesmo operário. Êles contudo o odeiam, es­
carnecem dêle, e, finalmente o assassinam.
Então o capitalista declara aceitar a morte do
Filho como' expiação das gravíssimas injúrias rece­
bidas. Estava pronto a perdoar tudo e a comuni­
car de novo os bens e direitos que outorgara ao pri­
meiro casal operário. Os que então se mostrassem
dignos do seu favor seriam admitidos, um dia, à
comunidade de vida com êle, em sua casa.
Uma simples narração, é verdade.. Porém, os
dogmas mais importantes estão compreendidos nela.
Basta trocar os nomes às pessoas da nossa his­
torieta, dar-lhe um sentido universal, e teremos —
o drama da Redenção divina do munido.
20
As partes da parábola correspondem a o s
dogmas seguintes:
0 magnate da indústria Dogma de Deus, Senhor do
Universo, infinitamente fe­
liz na sua unidade miste­
riosa de Pai, Filho e Es­
pirito Santo, habitando na
"luz inacessível".

trata com distinção um ca­ Dogma da criação do ho­


sal de operários; adota-o mem, sua elevação à vida
como herdeiro. sobrenatural. 0 homem,
menos que operário, é
servo diante de Deus. Deus
dá-lhe a filiação divina e
por meio dos dons pre-
ternaturais transforma-lhe
a vida num prazer e a
terra num paraíso, assegu­
rando-lhe a herança da
vida eterna.

Um dia o filho adotivo Dogma do pecado original:


desprezando a amizade do Adão, como primeiro pai,
benfeitor, renuncia à for­ cabeça da família humana,
tuna e à herança para to­ rejeita a .graça santifi*
dos os descendentes. cante e a felicidade eterna.
/

0 rico realiza uma gran­ Dogma da redenção: A nun­


diosa obra de perdão e de cia-se a vitória da mulher
bondade. e de seu filho (Cristo Re*
. dentor) sôbre a serpente
(o mal e o demônio).
21
Cumula os operários de si­ Dogma da preparação da
nais de distinção, sem Redenção no Antigo Tes­
atender à pouca corres­ tamento. Apesar dos nu­
pondência; quanto maior merosos benefícios divinos,
sua bondade, tanto maior o povo eleito cai sempre
o ódio dos operários. de novo na idolatria, tru­
cida os legados de Deus,
os profetas, et c..

Um dia envia-lhes seu Dogma do Homem-Deus


filho. Jesus Cristo, verdadeiro Fi­
lho de Deus, com a função
de mediador.. .

Êste vive entre os operá­ Dogma da Incarnação: não


rios e se faz um dêles. só vive Jesús entre os ho­
mens, mas se faz homem.

Mas os operários ludibriam Dogma da paixão e morte


dêle, odeiam-no e o ma­ de Jesús: seu povo o re­
tam. jeita, os dirigentes entre­
gam-no a Pi latos, que o
crucifica.

0 magnate declara aceitar Dogma da Redenção pela


a morte de seu filho como paixão e morte de. Jesús.
expiação das injúrias e Esta morte expia os peca­
ofensas recebidas; pronto dos; o Pai torna-se pro­
a perdoar e galardoar com pício.
o direito à sua amizade ín­
tima todos os que apelas­ Dogma da Igreja: Ela nos
sem para a morte de seu oferece no. Batismo o meio

filho. de apelar para a morte de


' Jesús.
Dogma da graça, dos sa-
cramentos e dos "novís­
simos" (morte, juízo, in­
ferno e paraíso).
/
A Igreja, de fato, nos en­
riqueceu com os bens d i­
vinos, que estreitam nossa
amizade com Deus, nossa
incorporação (mística) em '
Seu Filho e nos conduzem
à vida eterna.

Como se vê, todos êstes dogmas es,tão bem tra­


vados uns com outros. Os papéis desempenhados
por Deus, pelo homem e pelo Homem-Deus como
mediador, se entrelaçam como os anéis duma cadeia
única. — Em outras palavras:
Todos os dogmas da Igreja se podem exprimir
numa breve narração dramática. Não temos uma
“acumulação”, mas sim um encadeamento de dog­
mas, na doutrina da Igreja. Não se apresentam os
dogmas como um montão de pedras, mas sim como '
uma catedral grandiosa.
II — Sua unidade na história.
Desde seus primeiros tempos, a Igreja vem
apresentando siias doutrinas em bloco coeso. Desde
os inícios do Cristianismo, seus dogmas foram arti­
culados em fórmulas clássicas.
23
A estas fórmulas santificadas pela sua antigui­
dade e pelo emprego oficial de tantos séculos, ga­
rantidas pela autoridade infalível da Igreja, chama­
mos “ Símbolos”. O mais antigo é o “Símbolo dos
Apóstolos”. Que diz êle?
Creio em Deus Padre todo-poderoso, Criador do céu
e da terra; e em Jesús Cristo, um só seu Filho, Nosso
Senhor; o qual foi concebido do Espírito Santo, nasceu de
Maria Virgem; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado; desceu aos infernos; ao
terceiro dia ressurgiu dos mortos; subiu ao céu, está sen­
tado à mão direita de Deus Padre todo-poderoso, donde
há de vir a julgar os vivos e os mortos; creio no Espírito-
Santo; na Santa Igreja Católica; na Comunhão dos san­
tos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne;
na vida eterna. Amen.
Com grande probabilidade podemos afirmar que
as origens desta fórmula de fé remontam aos tem­
pos apostólicos. Seus elementos já se encontram
em Justino (f 167), Irineu (J202) e outros.
Nem mesmo esta fórmula primitiva çonstitue
uma juxtaposição arbitrária ou esporádica de dou­
trinas esparsas. Senão, examinemos: A parte cen­
tral é formada por um. encadeamento de fatos his­
tóricos: desde a conceição de Jesús até sua vinda
no dia do Juízo universal. A primeira parte trata
de Deus, e logicamente se vincula à seguinte, uma vez
que foi de Deus que nos veio Cristo, o Salvador.
E a última parte? Também se liga espontaneamen­
te à parte central, porque focaliza à continuação da
obra de Cristo pelo Espírito Santo, a Igreja Cató­
lica até a ressurreição da carne, até a vida eterna.
24
Quem, agora, referindo-se à doutrina católica,
pode falar em “acumulação eventual de mil e uma
questões dispersas” ?
Naturalmente, no decorrer dos séculos, houvé
hereges que negaram ora uma, ora outra verdade de
fé, ou as interpretaram falsamente.
Para preservar, pois, a verdadeira doutrina,
muitos artigos do Símbolo dos Apóstolos foram mais
desenvolvidos, foram formulados com mais nitidez
e precisão. Assim se formaram “ Símbolos” poste­
riores, como o de Nicéa, que recitamos na Santa
Missa. Chama-se “ Símbolo niceno” porque foi
composto e oficializado como fórmula de fé pelo
.Concilio de Nicéa. Examinando-o detidamente em
nosso Missal, logo perceberemos que não passa de
uma ampliação do Símbolo dos Apóstolos.
III — Na tua língua.
O que os artigos de fé anunciam são principal­
mente fatos históricos. Não deverá, pois, ser tam­
bém possível, compreender em uma narração amena
os dogmas mais importantes?
Tentemos fazê-lo.
Deus, Criador do universo, adota como filhos seus
o primeiro casal. Contudo êles não resistem à pequena
prova imposta. Adão, o pai do gênero humano, desobe­
dece, privando-se assim da graça da filiação divina. De­
vido ao seu papel de chefe da família humana, o pecado
de Adão se estende a todos os homens, como mancha he­
reditária, e consiste na privação culpável da filiação di­
vina.
25
Deus então castiga aquêle grave delito, privando o
homem de esplêndidas graças e expulsando-o do Paraíso.
Ao mesmo tempo, porém, serve-se desta queda para a
mais estupenda obra de salvação. Pouco antes de bani-
los do Paraíso, promete a vitória da Mulher sublime e
de seu Filho, sobre a serpente, isto é, sobre o mal.
Dentre todos os povos escolhe Êle um, para perpe­
tuar a tradição de suas promessas. Assim dispunha a
humanidade para o Advento do Redentor. E êste Re­
dentor, Êle o envia na pessoa de seu Filho, verdadeiro
homem, nascido de Maria Virgem. Êste viveu entre nós
como rei, mestre e sacerdote, para finalmente rematar
nossa salvação, imolando-se por nós na cruz. Deus está
aplacado, o resgate é superabundante.
Jesús Cristo não somente restituiu a graça perdida,
mas ainda incorporou os homens a si, formando seu cor­
po místico, isto é, sobrenatural e misterioso. Neste cor­
po místico de Cristo, que é ao mesmo tempo sociedade
visível e organizada e a que chamamos Igreja, é que cada
homem encontra tesouros de salvação; nele 6 que vai hau-
rir suas forças; por êle as desenvolve e aumenta, e cada
vez mais se assemelha a Cristo, que é a Cabeça. E
quándo enfim morre na paz de Deus, passa ao gozo exu­
berante da filiação divina na visão beatífica da divindade.
Nestas poucas frases, não está de fato estrutu­
rada tôda nossa fé? Todos os dogmas, sem esfor­
ço, se alinham nesta narração. Mais ainda: E’
aqui assim entrelaçados, que êles logram tôda sua
luz. Senão vejamos algumas provas ao acaso.
Qual é, por exemplo, a significação do dogma
da graça santificante? Não é êle que nos fala da-
quela vida divina presenteada a nossos primeiros
pais e destinadas a todos os sveus filhos, vida que
Adão menosprezou, e com a qual Cristo, de novo,
nos agraciou, vida que se alimenta pelos sacramentos,
e que nos conduz à participação beatífica da vida de
Deus?
26
E o dogma da SS. Trindade? Não é êle que
no* ergue uma ponta do véu que nos encobre a es­
sência e a vida íntima de Deus, vida da qual parti­
cipamos pela graça, vida inefável de família no seio
da divindade, à qual seremos introduzidos na felici­
dade eterna?
E o dogma da infalibilidade do Papa? Não é
êle que assegura à Igreja a unidade e pureza das dou­
trinas de Jesús Cristo? E não importava que o
Papa, Vigário de Deus entre os homens, nos apon­
tasse uma senda absolutamente segura, pela qual pu­
déssemos orientar-nos para Deus, para a salvação
eterna?
E assim podemos tomar ao acaso qualquer dog­
ma; todos são partes salientes do GRANDE DRA­
MA DA SALVAÇÃO DA HUMANIDADE, que
nos seus contornos gerais acabamos de esboçar, e
todos se prestam, como vimos, a uma ampliação mais
nítida de suas linhas csqucmáticas.
Por isto, importa tanto a todo cristão estrutu­
rar concretamentc diante dos olhos tôdo o imponen­
te arcabouço das verdades da fé, numa sequência
histórica, como há pouco fizemos.
Evidentemente podes expô-la também de outra
maneira. Experimenta fazê-lo com tuas próprias
palavras. Repete o tentame frequentemente, até que
a intcrconexáo dos dogmas tc seja plenamente fa­
miliar.
27
NSo te faltam possibilidades múltiplas de varia­
ções. Porque podes, à vontade, ou circunscrever mais a
narração acima, ou desenvolvê-la num ou noutro ponto.
Podes salientar que o Deus que agraciou nossos primei­
ros pais, é o Ser infinito, que nêle vivem três pessoas:
Padre, Pilho e Espírito Santo. Podes acrescentar que.
Eva foi seduzida pelo espírito do mal, sob a figura de
uma serpente; podes ainda referir-te à revelação progres­
siva do futuro Redentor ao povo eleito, e lembrar como
êste, pouco a pouco, se foi alheiando de Deus. Podes
mesmo, narrar algumas passagens da vida do Salvador,
por ex.: da luta que teve de sustentar para ser reconhe­
cido como enviado de Deus, do ódio dos pontífices, do
perjúrio do povo, da paixão, morte e ressurreição de
Jesús Cristo.
'
Já vês, nas doutrinas da Igreja tens de onde
'

haurir à vontade; sempre poderás dispô-las assim,


na urdidura de uma narração, como a de há pouco.
As mútuas relações com que os dogmas se ilumi­
nam, mostram o sentido e a transcendência de cada
um dêles na história da redenção.
Capítulo II.
Beleza dos dogmas
Enquadramos as doutrinas de nossa Santa Ma­
dre Igreja num pequeno enredo. Atrever-se-á al­
guém a negar que essas doutrinas são rasgos enter-
necedores de uma imensidade e formosura divina?
A beleza de nossos dogmas se revela:
I — Na sua harmonia.
Que beleza já se manifesta no simples esboço
daquela narração! Quando nos surge ante os olhos
a silhueta desta obra de mestre, a obra prima do di­
vino Artista, a obra da redenção, não experimenta­
mos a sensação de quem contempla um esplêndido
edifício ?
O desenhista que em trps linhas bosqueja a Ba­
sílica de São Pedro, em Roma, naturalmente supri-1
me centenas de pequeninas joias de arte. Isto po­
rém não impede que, com prazer, Surpreendamos o
perfil do magnífico templo.
E ’ sempre importante, para julgar sôbre tiina
obra de arte, ter dela uma vista de conjunto.
Um grupo de peregrinos encontra-se diante da fa­
chada da Basílica de São Pedro, em Roma.
“Repare, como esta pedra já eatá enegrecida", ob­
serva um.
29
"E aquela alí, atalha outro mal impressionado, já
começa a decompor-se”.
“Mas que é isto? verifica ura terceiro aborrecido;
uma racha enorme naquele blóco?! Veja aquêle orna­
mento partido”.
E desiludidos dão as costas, murmurando: “Esta
é que é a obra de Bramante e Miguel Ângelo? Isto é
que é obra prima? Que obra prima, qual nada! obra mi­
serável, cheia de falhas!”
Que responderiamos a tais impertinentes?
Cavalheiros, se querem apreciar esta obra, tenham
a bondade de pôr-se à distância, afastem-se um pouco
mais, até poder abranger o edifício numa vista d’olhos.
Peito isto, se não se sentem encantados com a beléza da
arquitetura, da cúpula, da praça com as arcadas, de tôdas
estas formas que simbolizam a mais perfeita harmonia da
majestade e da ternura de Deus — se não se sentem en­
ternecer como que postos em face da santidade do Ser in­
finito, se não se sentem estremecer de júbilo e emoção,
então, sim, é caso perdido!...
Quantos homens, quantos cristãos não procedem -
como aqueles peregrinos, com respeito às doutrinas
da Igreja! Escandalizam-se de uma particularida­
de, que não entendem, de que não gostam, que
acham retrógrada, e rejeitam, por isto, tôda a Fé
católica, todos os dogmas, tôda a Igreja. Senhores,
ocorre dizer a estes tais, desviai por agora, ps olhos
dêsse pormenor, tomai distância, envolvei num olhar
toda a alvenaria da doutrina católica, atentai à nar­
ração sublime que co-ordena todos os dogmas, as­
sistí ao drama universal da redenção. Tereis assim
uma idéia que vos faça entrever qualquer cousa da
beltíea e profundeza mais que humana desta obra
diyina.
30
II — Na sua profundeza.
Ela se revela em três termos conhecidos de
todos:

REVELAÇAO — CRISTIANISMO
REDENÇÃO
Com efeito, qualquer um destes títulos: “Reve­
lação’'. “Cristianismo”, “Redenção” se enquadra
perfeitamente nos sucessos da nossa narração.
.-V • ; .;

A ) — Do ponto de vista de Deus


. : > . •.* j •

REVELAÇÃO é todo o realizar-se da reden­


ção, focalizando porém nêle apenas o papel de Deus
expandindo seu amor e sua vida. Temos já na crea-
ção uma revelação natural de Deus. Porém, em
uma revelação sobrenatural, Deus nos faz partici­
pantes de sua própria vida íntima. A primeira vez,
no paraíso, creando nossos primeiros pais. A se­
gunda, dando-nos Cristo, nossa cabeça mística. Pelo
santo batismo e pelos deriláis sacramentos, como pór
inefáveis canais é esta mesma vida divina que se
deriva para cada membro do Corpo de Cristo. E
ainda uma vez é desta vida de Deus que em tôda a
' sua plenitude e em todo seu poder beatífico gozare­
mos na glória eterna. Deus revelando-se, isto é>
«omunicando-se ao homem, eis tôda nossa religião.
31
B) — Do ponto de vista de Cristo
CRISTIANISMO: assim chamamos nossa re­
ligião.. Não é Cristo com efeito o ponto central 4a
grande obra da Redenção? Êle foi de fato o pro­
metido a nossos pais no paraíso. Seu advento foi
preparado através do Antigo Testamerito. E’ êle
qüe leva a efeito a. obra da regeneração., Foi por
êle que a mão de Deus cerrou de novo a mão do ho­
mem. Êle nos guia à vitória final, para o trono de
Deus.
C) — Do nosso ponto de vista
SALVAÇÃO (ou redenção) chamamos o Cris­
tianismo. Isto considerando-o da parte dos homens.
Pois foi a nossos pais que a. Redenção se anunciou
no paraíso, e, preparada na antiga lei, conquistada
pela pessoa adorável do Mediador, foi-nos propor­
cionada pela Santa Igreja, e nós fruiremos de sua
plenitude, no esplendor da eternidade.
III — Na sua riqueza e variedade,
. Demonstram-nas vários .ditos de Jesús e doe
Apóstolos.
Jesús mesmo e os Apóstolos não raras vêzès
sintetizaram as doutrinas da. Igreja em pequenas me­
táforas, parábolas e sentenças.:
Três magníficas passagens da Sagrada Escri­
tura n completam:
32
A) —- A primeira focaliza a Deus Pai na re­
denção, numa expressão comovedora: “A tal pon­
to amou Deus o mundo que lhe deu seu Filho Uni-
gènito” (João 3,16). Cristo revela, nesta frase a
Nicodemos, a fonte donde brotou nossa salvação.
Revela-lhe a medida inaudita, ou melhor, o imensu­
rável amor do Pai Celeste. O amor fôra já o mó­
vel da creação do mundo, revelação natural de Deus.
O amor o constrange ainda a aproveitar da queda de
nossos pais para um rasgo de sua misericórdia. O
amor impele a se entregar a um incansável trabalho
de aperfeiçoamento da humanidade para preparar o
advento de Cristo. Êste amor ascende até ao incon­
cebível, verdadeiro excesso divino, de dar seu pró­
prio Filho para o resgate dos homens. O amoroso
amplexo de Deus e da humanidade será a corôa des­
ta obra na bemaventurança.
B) — Uma passagem do Apóstolo São Paulo
nos descobre o mesmò panorama, sublinhando po­
rém a pessoa do Filho: “ Subsistindo na forma de
Deus... aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma :
de servo, fazendo-se semelhante aos homens.......j
Humilhou-se a si mesmo, feito obediente até à mor­
te, e morte de cruz. Pelo que Deus também o exal­
tou e lhe deu um riome que supera a todo o nome, i
para que ao nome de Jesús se dobre todo o joelho j
dos que estão nos céus, na terra e nos infernos, 0 j
toda a língua confesse que o Senhor Jésús Cristo j
está na glória de Deus Pai” (Felip. 2, 6-11). j
33
Já o vemos: é sempre a mesma grande obra da
redenção. Ao baixar do Filho de Deus às entra­
nhas da Virgem, a seu humilhar-se até nos comu­
nicar sua natureza e sua vida, a seu atufar-se numa
noite de dores e de morte, sucede sua deslumbrante
exaltação a Rei da Glória. E êle nos leva consigo,
como irmãos seus, mais, como seus membros, ao
reino eterno de Deus.
C) — O Apóstolo São João nos apresenta o
mesmo sublime espetáculo com relação agora a nós
cristãos. “Vede o amor que o Pai nos consagrou,
pois nos denominamos filhos de Deus, e na realida­
de o somos... Ainda não se manifestou o que ha­
veremos de ser. Quando Êle se revelar, seremos
semelhantes a Êle porque veremos como Êle é”
(I Jo. 3. Is). Não é sempre a estupenda obra da
redenção, que, ainda aqui, refulge còm novos res-
plandores, nos seus efeitos sôbre a humanidade?
Basta-nos folhear as páginas sagradas para encon­
trar, a cada passo, estas comovedoras expressões. O que
no princípio deste capítulo dispuzemos sob a forma de
uma parábola, já Cristo Nosso Senhor apresentára a seus
ouvintes na parábola dos agricultores homicidas (Mat.
21, 33-44). E* o que.lemos também na Epístola aos Ro­
manos: “Porque todos pecaram e necessitam da glória
de Deus; sendo justificados gratuitamente por sua graça
pela redenção que está em Jesús Cristo, a quem Deus pro­
pôs como vítima de propiciação” (Rom. 3,23-25).
Outros belos trechos são, por ex. a introdução da
Epístola aos Efésios (Eph. 1,3-14); ou as primeiras fra­
ses da primeira Epístola de S. Pedro (1 Pet. 1, 3-6).
34
A Sagrada Escritura é, pois, como que um fei­
xe na história, abrangendo o desenrolar-se grandio­
so da salvação. Nas primeiras páginas deparamos
com a creação, a queda do homem, a promessa do
Redentor. As últimas descerram-nos os resplando-
res da Jerusalém Celeste: a humanidade decaída, res­
gatada pelo sangue de Cristo, e exaltada à glória do
céú.
Algumas consequências:
Nossos dogmas não são pois um acervo de blo­
cos, são uma catedral.
Importa muito ter em vista esta unidade. So­
mente quem profundamente apreendeu estas linhas
gerais, está em condições de estruturar as particu­
• N

laridades.
Esta magnífica unidade levará de vencida mil
dificuldades. Muitos catolicos hoje se extraviam
da fé por objeçõezinhas miseráveis. Ouvem falar
de um sacerdote de má nota, não alcançam o sentido
de uma disposição da autoridade eclesiástica — no
fundo não passa isto de um pequeno abalo — e se
desviam da Igreja. Porque? Conheciam apenas a
superfície, nunca penetraram o íntimo de sua reli­
gião. Deixam-se empeiar por minúcias, e não go­
zaram nunca de uma vista de conjunto.
E’ preciso que nos persuadamos intimamente
desta concatenação essencial de nossos dogmas-
Dêmo-nos ao trabalho de descer ao sentido profun­
do de nossas práticas religiosas. Mandamentos e
proibições, deveres humanos e dons divinos, trave-
35
,mos sempre tudo isto no vasto sistema que nêste ca­
pítulo aqueceu o nosso espírito. Aos primeiros cris­
tãos, sem dúvida, eram muito familiares estas arti­
culações de nosso dogma. Não extranharíamos
hoje o júbilo que manifestavam em seus escritos,e
em face dos tiranos, se nos lembrássemos que eles
tinham consciência da grandiosidade da redenção.
Oxalá tivéssemos hoje em dia mais cristãos,
que, como êles, solidamente apanhassem o sentido
fecundo e a opulência de nossa religião. Esforcê-
mo-nos, pois, sempre que fôr possível, por expôr o
conteúdo de nossa fé, em breves traços e com pala­
vras próprias. Aproveitemos de todas as oportuni­
dades para formular estas idéias. E com boa von­
tade, se acham sempre tais ocasiões.
Se és, por ex., pai de família, não podes então pro­
porcionar a teus filhos, sob a forma de uma narração ca­
tivante, a grande história de nossa salvação? Se és o ir­
mão mais velho, não podes fazer o mesmo com teus ir­
mãos menores? Pois ainda que êles já tenham aprendido
no catecismo muitas particularidades, uma narração assim
compacta tem extraordinário valor para a concepção de
nossos dogmas como tuna realidade viva. Tens amigos,
conhecidos, cuja fé talvez agoniza? Fala-lhes da beleza
e da sublimidade dos dogmas de nossa fe, da-lhes a ler
êste capítulo, e incita-os a falar também disto a saus
filhos.

4?
Capítulo III
Necessidade dos dogmas
A grandiosa unidade e inefável beleza da dou­
trina da Igreja obrigam-nos a ser gratos para com
Deus que no-la doou em sua revelação; esta reve­
lação torna supérflua quaisquer interrogações a res­
peito da necessidade dos dogmas. Contudo não dei­
xa de ser útil tratar sôbre ela, uma vez que muitos
a contestam. Os dogmas são necessários, eis o que
afirmamos.
I — Porque asseguram a palavra de Deus contra
a desagregação.
Muito raramente se resolve a Igreja infalivel
de Cristo a uma definição dogmática. Infundado,
portanto, e inútil é o temor de certos espíritos que
receiam ser oprimidos sob um fardo insuportável de
injunções doutrinárias.
Se porém a Igreja declara um dia uma verda­
de como dogma, não o faz tiranicamente. E ’ de
suma importância que entendamos bem o verdadeiro
sentido de cada definição dogmática: não é a ambi­
ção de dominar o§ espíritos, é simplesmente delimi­
tar e assegurar a posição de uma verdade, cujo autor
é Deus.
37
E em direito, não deve Deus, revelador das rea­
lidades tão transcendentais, que em singela narração
resumimos nos capítulos anteriores, — verdades, em
torno das quais giram o céu e o inferno, a nossa
eterna salvação e a nossa eterna condenação —, não
deve Deus defendê-las do perigo da destruição, do
esfacelo e da falsificação? De outra forma não
haveria risco de que, com a negação de uma só ver­
dade, viesse a ruir tôda a construção, e de que a
economia da salvação se tornasse uma irremediável
ilusão ?
Encontram-se sempre alguns espíritos fortes
que condenam e rejeitam estas declarações precisas
e exatas, frutos de longa e madura consideração
diante de Deus; e menoscabando o que o próprio di­
vino Espírito Santo inspirou, apelidam-nas impia-
mente de formulação conceituai e “inteletualista”.
Mas deveríam esses espíritos refletir seriamen­
te, uma vez siquer, sobre os nefandos resultados que
traria consigo um texto dogmático, vago e indeter­
minado, sem palavras claras e precisas, sem a distin­
ção exata e minuciosa do verdadeiro e do falso; do
verdadeiro para se crer, e do falso para se rejeitar.
Porque senão, uma interpretação errônea, um.
mal entendido voluntário ou involuntário, uma falsi­
ficação enfim de um dogma, seria a ruína da ver­
dade e uma perpétua fonte de ânsias, temores, du­
vidas e incertezas sôbre a integridade de sua fe, para
as almas ávidas e bem dispostas de inumeráveis
fiéis. Por isso é imprescindível, é absolutamente.
38
necessária uma exatidão e precisão escuipulosa no
formular e definir verdades de fé.
Vejamos alguns exemplos:
' Foi por acaso supérfluo apresentar como dog­
ma a união da natureza divina e humana em Cristo .J
Mas não depende por acaso todo o merecimento da
sua Paixão e com ela tôda a obra da salvação, por­
tanto o Cristianismo mesmo, de que Cristo possua
tanto a natureza divina, como também a humana in­
tegral e verdadeira? Pois, se tivessem razão aque­
les mestres do êrro que afirmam ter Cristo uma só
vontade, a divina, como teria Êle podido oferecer
por nós satisfação digna, mediante sua Paixão e
Morte, uma vez que, onde não há verdadeira e livre
. vontade no homem, não há também merecimento
moral ?
Ou foi acaso supérfluo, definir a infalibilidade
do Papa? Mas nao clama bem alto, ein nossos dias,
a irremediável decomposição de tôdas as crenças re­
ligiosas, pela necessidade de uma suprema' autori­
dade em matéria de fé, completamente digna de con­
fiança?
Ou foi talvez supérfluo declarar, como artigo
de fé, a presença real de Cristo na Hóstia consagra­
da e a Transubstanciação (a íntima mudança subs­
tancial), isto é, a mudança do pão e do vinho na Car-,
ne e no Sangue de Jesús ? Durante a Santa Missa
dirige-se o Sacerdote aos fiéis com estas palavras:
Eis o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do
mundo . Os fiéis batem no peito, em adoração,.
convencidos de que Cristo mesmo lhes é apresentado
sob as • espécies eucarísticas. Como o sabem êles ?
Pelo dogma da Igreja! E sem esse dogma, que
confusão de idéias!
Basta olhar o campo protestante. Uma opinião
diz: “Na Santa Comunhão recebo só uma recorda­
ção da última ceia, um símbolo apenas do Corpo de
Cristo”. Uma outra afirma: “No momento da re­
cepção, e só nesse momento, Cristo está verdadeira­
mente presente”. Uma terceira: “Adoração da
hóstia, recepção da comunhão, é pura idolatria”.
Pelo que, vemos bem claro : os dogmas são ne­
cessários, porque são a única segurança contra a de­
molição, falsificação e destruição de todo o ensina­
mento cristão e portanto do Cristianismo.
II — Porque tornam possíveis os atos da
Religião.
Para poder realizar atos religiosos como atos
racionais, devo aceitar determinados ensinamentos.
Um convertido recebia lições de um Sacerdote so­
bre a. doutrina católica. Ao acabar uma lição faz esta
pergunta:
Seria mesmo necessário determinar exatamente des­
ta forma tôdas as perguntas e respostas? A mim me pa-
rece, que à vida religiosa nâo consiste propriamente em
dogmas; não precisa deles, porque o importante é levan­
tar meu coração a Deus, rezar, e amá-lo. Cnsto indicou
o amor como o principal e mais'nobre de todos os nossos
40
deveres para com Deus. Agora já estou saciado de tanto
catecismo, e Vo6sa Reverencia não quer batizar-me, an­
tes que eu possa responder a todas as perguntas. Não é
isso “intelectualismo”, isto é, predomínio exagerado da
razão com menosprezo dos sentimentos do coração?
O Sacerdote ouviu atento e respondeu rindo: Bem,
outra vez falaremos disto. Agora já é tempo de ir para
casa. Peço transmita minhas saudações.
A quem?
Não importa a quem.
Não importa?
Não im porta..., o mais importante é que V. expri­
ma as minhas saudações.
Mas, como posso fazê-lo, não sabendo, se a meu pai,
à mamãe ou a minha irmã?
Parece, respondeu o Padre sorrindo, que V. é ainda
muito intelectualista.
Como?
Se V. reza, quer certamente saudar a uma pessoa,
quer falar com ela, não é assim? Ora, parece lógico que
deve saber ccm quem fala, a quem saúda, quem é êsse
Deus, quem é Jesus e Maria, se gostam da minha sauda­
ção, se a esperam, se podem ouvir-me, etc.... Não é
assim?
Naturalmente, mas que tem isto com ser “intele­
ctualista” ?
Oh! muito. Porque são precisamente estas as per­
guntas a que responde o dogma ou o Catecismo, dizendo-
nos quem é Deus e Jesus Cristo, e assim as demais ver­
dades da doutrina católica, que V. acha supérfluas, cara­
cterizando-as de “intelectualismo”. Saber o Catecismo,
não é tôda a religião: ninguém afirmou jamais isto. E’
mistér toriiar contato com Deus, adorá-lo, amá-lo e fazer
a sua vontade. Mas sem dogmas, sem perguntas de ca­
tecismo — como será isto possível para um homem do­
tado de razão? Pois é preciso saber, qual é a vontade
de Deus, e de que maneira quer Êle ser , venerado. E sa­
bemo-lo, graças a Deus, por meio dos dogmas. Forne­
cem eles de fato o fundamento indispensável de todos ós
atos de religiãç, de tôdas as elevações do coração, de
todo o amor.
41
III — Porque de fato toda Religião supõe
dogmas.
Sem princípios claros, sem convicções bem de­
terminadas, é tão impossível implantar uma religião
como uma ideologia qualquer.
Suponhamos que certo membro de uma Igreja
protestante que rejeita os dogmas, faça sua oração a
Cristo; que o adore, que lhe peça perdão dos peca­
dos, ou que enfim lhe peça auxílio em qualquer ne­
cessidade. Esta oração pressupõe já a crença em
muitos dogmas. Enumeremos alguns: que Cristo
seja Deus, -porque em caso contrário, não podería
ouvir-lhe a oração; que Cristo tenha ressuscitado
dentre os mortos; porque se dêle restam apenas cin­
zas na Palestina, não teria sentido o dirigir-lhe ora­
ção; que seja Salvador; que tenha satisfeito pelos
nossos pecados, e que não só seja Deus, mas ainda
verdadeiro homem; porque senão, não teria podido
sofrer e m orrer...
Todos estes ensinamentos ou “dogmas”,' certa­
mente o referido protestante os aceitou completa­
mente, porque senão, seria uma incoerência.
Todas as religiões e crenças do mundo, mesmo
as que fazem alarde de serem religiões puramente
dinâmicas, “anti-dogmáticas” ou “anti-intelectuais”,
são orientadas por idéias bem delimitadas e conhe­
cimentos religiosos.
E mesmo aqueles grupos ou seitas religiosas,
que condenam a Igreja em vista de seus dogmas e se
vangloriam da sua livre interpretação, possuem do-
gmas implícitos e disfarçados, ao menos o seguinte:
a “livre interpretação” da Sagrada Escritura não
deve conduzir à aceitação da fé católica.
Nos últimos tempos, se contrapõe ao cristianis­
mo “dogmático” o cristianismo “prático”.
Várias seitas protestantes, bem como certas
crenças modernas, fazem consistir a essência da Re­
ligião unicamente na atividade social da caridade.
Alimentar os famintos, consolar os doentes, cons­
truir para os pobres moradias decentes, e assim por
diánte, isto denominam êles de “cristianismo práti­
co, de ação”, em contraposição ao Cristianismo
“acorrentado aos dogmas” ou Cristianismo “acervo
de fórmulas”. “Basta, dizia um representante dês-
se “Cristianismo prático”, basta crer num Ser su­
perior, que habita além das estréias, e que dá a todos
os acontecimentos o último e o mais profundo sen­
tido. Não necessitamos hoje de lutas dogmáticas,
niàs'de cristianismo prático de ação”.
Em primeiro lugar, é claro que o “ Ser além das
estréias” representa já uma espécie de dogma. Ou é
o verdadeiro Deus, a quem nós, os cristãos, adora­
mos, e temos então o dogma católico como funda­
mento dêste cristianismo “prático”, ou a palavra
“ Ser” toma-se como o Deus da “ religião natural”,
no sentido de Locke, Voltaire o u vLessing, o Deus
contraposto ao Deus da revelação do cristianismo, e
assim temos diante de nós o dogma do “livré-pensa-
43
mento" religioso. Certamente é oposto ao dogma
do cristianismo, mas nem por isso, deixa de ser
dogma.
A
Que significa logo, querer realizar o cristianis­
mo “prático" sem o cristianismo “dogmático"?
Simplesmente: querer flores e frutos sem tronco e
raízes; querer edifício sem fundamento. Como já
demonstramos, qualquer religião ativa só pode ter
origem em conhecimentos e convicções, isto é, em
dogmas.
Aliás, a religião “adogmática”, a “religião da
natureza" apregoada por Voltaire, já deu seus fru­
tos, como vimos no aterrador exemplo da Revolução
francesa.
Um Deus que só domine “além das estrelas”,
deixando todo o espaço sublunar à disposição dos
homens, que se embevecem em fazer-se deuses, —
é de fato um Deus muito cômodo, mas é também um
Deus supérfluo.
Capítulo IV.
Limites dos dogmas
O convertido, mencionado acima, aduz ainda
mais umá dificuldade.
“N3o é afinal impossível, diz êle, exprimir em pala­
vras, as realidades sobrenaturais? Como isto não nos
ensina a Igreja a faltar à reverência? Não suscita nos
fiéis a impressão de que os conceitos e as descrições hu­
manas podem retratar a Deus e as coisas divinas — o
que conduziría logicamente a uma irreverente familia­
ridade?”
Que dizer a esta objeção?
Não lhe podemos denegár um grãozinho de ver­
dade. Pois:
I — Os dogmas designam mistérios em fórmulas
analógicas.
fl) — Os dogmas têm o seu valor, mas valor
simplesmente analógico
Os vocabulários de todos os povos não çontêem
uma única palavra, que tenha o mesmó sénti-
dó, quando se refere a Deus e quando se: refere a
qualquer outro ser.
Deus é, por essência, o “inconfundível". Sim,
sabemos o que seja personalidade, poder, majestade,
sabedoria, e as admiramos nas criaturas. Contudo
45
todos êstes conceitos são imensamente mais ricos de
sentido quando aplicados ao Ser que “habita a luz
inacessível . Tôdas as nossas expressões sôbre
Deus e as coisas divinas só têm valor analógico, isto
é, conteem sempre uma dose de insuficiência e re­
dução da realidade total.
<

b) — Os dogmas designam mistérios profundos


Voltemos à narração do Capítulo primeiro: é
ela uma pálida parábola sôbre a obra divina da sal­
vação.
Como é difícil a tentativa de aptar tais aconteci­
mentos à fraqueza de nossa compreensão! O mis­
tério de tal amor, de tal longanimidade, de um amor
que cresce com os desenganos, o mistério da encar­
nação de Deus, de uma reconciliação por meio de
uma morte tão cruel, de uma tal Igreja, medianeira
da salvação, de tal felicidade de todos os justos!
Onde se encontraria um conceito, uma palavra ou
mesmo uma comparação, que exprimisse condigna-
tnente êstes abismos do amor divino?..Não, nenhu­
ma fórmula dogmática pode abarcar, tptâlmente tais
mistérios.
Assim o compreendeu sempre a Igreja.
Não é verdade, que ela se tenha contentado com
fórmulas “intekctualísticas”, negligenciando e des­
conhecendo assim à profundeza inexgotável das rea-
\
46
lidades sobrenaturais. Nâo, pelo contrário, esteve
sempre convencida de que tôda expressão linguística
sôbre a essência e as obras de Deus, é simplesmen­
te uma tentativa tímida de exprimir em palavras o
inefável. Tentativas necessárias, sim, mas nunca
suficientes ou satisfatórias.
“ Cascas de nozes” em comparação do oceano,
— foi dito acertadamente — são nossos dogmas em
comparação com Deus.
II — Contudo exprimem verdades e são grande­
mente preciosos.
A ) — Exprimem verdades
“ Cascas de nozes” são nossas expressões huma­
nas sôbre as coisas divinas.
Mas não é capaz a casca de nóz de conter algu­
ma coisa ao menos do oceano, embora, infinitamen­
te pouco ? Por' isso não são os dogmas puras fi-
cções ou quiméras. “Êles são”, como diz um escri­
tor moderno, “nossos mensageiros tímidos que ane­
lam por se aproximar, de Deus e que contudo só po­
dem saúdá-lo de longe... Porém, os momes com
que designamos a Deus, mostram em que direção
devemos buscá-lo; que expressões ou conceitos ache-
gam-se mais à sua Essência, embora todos êles fi­
quem imensamente aquém. Contudo é mais verda­
deiro chamar a Deus de sábio, do que negar-lhe a
sabedoria, embora sabedoria tenha sempre em nosr
47
sos lábios, urn sentido apagado, quasi insípido.
Nós, em verdade, atribuímos a Deus os nomes das
belezas que Êle mesmo criou, nas quais portanto en­
contramos pelo menos um refléxo de sua formo­
sura, uma sombra do seu Ser irradiante”. (P. Lip- •
pert S. I., Coleção Credo, Vol. I p. 62-64).
B) — Os dogmas são preciosos
Pois, os dogmas, apesar de serem limitados, são
fundamento e fonte do amor.
Mais importante do que o conhecimento, é o
amor.
Se duvidas de que seja esta a doutrina do cris­
tianismo, lê o capítulo 13 da Epístola aos Coríntios,-
onde São Paulo diz:
“Ainda que eu fale a língua
Dos homens e dos anjos,
Se não tiver caridade,
Sou como o bronze que soa,
Ou como o címbalo que retine.
E mesmo que eu tenha o dom de profecia
E conheça todos ós mistérios
E toda a ciência
Mesmo que tenhá toda a fé,
A ponto de transportar montes,
Se não tiver caridade, .
Não sou nada.
48
E ainda que eu distribua todos os meus bens
Em sustento dos pobres,
E entregue o meu corpo
Para ser queimado,
Se hão tiver caridade,
Isto nada me aproveita.>>
Ora, êste amor se baseia sôbre o conhecimen­
to; dêle tem necessidade como de alicerce. E isto
vale tanto do conhecimento natural, como também
da nossa fé._ Que fôra do amor sem a fé? Sem
a inabalável certeza da realidade de Deus e do mun-
Mo sobrenatural?
Por isso mesmo que sei, que estou certo pela
fé, de que Deus me ama, de que Êle criou o mundo
por amor, de que o Filho Unigênito de Deus mor­
reu por meu amor na Cruz, de que Ele pelos sacra­
mentos da Igreja me perdoa os pecados e me dá
abundantes graças, — porque estou seguro pela fé,
de que Maria é minha verdadeira Mãe espiritual;
de que, como membro, estou unido ao Corpo Místi­
co de Jesus Cristo; de que como herdeiro tenho
direito a esperar a glorificação celeste, o banquete
da vida eterna, — porque sei tudo isto pela fé, por
isso atno a Deus, pór isso me esforço, fortificado
pela sua graça, a observar os seus mandamentos,
por isso luto em tornar semelhante meu caráter ao
de Jesús Cristo, por isso, numa palavra, pratico o
amor de Deus e do próximo.
49
E quanto mais profundam ente o sei, quanto
• mais vivamente palpita em mim esta convicção, com
tanto maior zêlo traduzirei em obras o amor.
E’ da fé, que o amor, príncipe de tôdas as vir­
tudes, vai haurir a fôrça e os motivos.
As consequências são manifestas.
1 — Os dogmas não são cristalizações frias e
sem vida. São, sim, um tesouro de verdade e uma
garantia de fidelidade à revelação divina.
2 — OS dogmas não acusam um entorpecimen­
to do organismo místico de Cristo. Pois, não está
em contínuo progresso nosso conhecimento das rea­
lidades salvíficas de Deus? Embora o conteúdo da
revelação divina não se possa alterar, aumenta con­
tudo a inteligência, a compreensão1dò povo cristão a
respeito dessas profundas verdades.
Imaginemos um peregrino' que viaja *por uma
região desconhecida. No horizonte, depara com os
contornos de uma casa; à medida que se aproxima,
ela se lhe avulta ante os olhos; vê então sempre
mais distintamente òs pormenores, o formato do teto,
o número e a disposição das janelas, da porta, etc. —*
O mesmo se dá com os dogmas. Ao princípio, a
Igreja nos mostrou uma realidade divina numa forma
simples, por ex.: Jesus Cristo nos remiu dos peca­
dos. Depois, no decurso dos séculos, a cristandade,
iluminada por novos dogmas e em resposta a novos
ataques, distingue semprev melhor as circunstâncias
50
desta obra redentora, precisando por exemplo, que o
Salvador foi verdadeiro homem, dotado de uma von-,
tade humana, que nos remiu por um verdadeiro sa­
crifício ...
Portanto na Igreja o conhecimento das verdades
é vivo, progride, é um processo orgânico de evolução.
3 — Os dogmas não são uma paralisia da vida
religiosa. Pelo contrário são o seu fundamento só­
lido. Ou talvez se pretende construir uma vida re­
ligiosa sobre sentimentos e opiniões humanas? Não
se pode desenvolver uma frutuosa vida religiosa se­
não sôbre o fundamento firme e duradouro dos dog­
mas garantidos pelo Magistério infalível da Igreja.
Capítulo V
Por que mistérios?
Nos Capítulos precedentes contemplamos em
conjunto a grandiosa unidade dos dogmas. Pode­
rosas verdades se apresentàram aos nossos olhos, do-
minadoras pela sua beleza, incutindo respeito pela sua
profundidade! A maioria das realidades que nos en­
sina a Revelação, são arcanos divinos,
ii •
A nossa religião nos cerca de uma multidão de
mistérios. Quando nos curvamos ante a hóstia branca,
que é que adoramos? O-mistério da Eucaristia! Quan­
do, na confissão, recebemos a absolvição do Sacerdote,
que se passa em nossa alma? O mistério do perdão! E,
quando ao sairmos da Igreja, nos persignamos com água
benta, que pretendemos com isto confessar? O mistério
da SS. Trindade, o mistério da Redenção! Mistérios,
sempre mistérios! São eles o objéto principal da nossa
fé, as pedras angulares do edifício da doutrina católica.
E qual deve ser nossa atitude a seu respeito ?
Podemos aceitá-los? Mas não significa isto admi­
tir contradições ? Não têm razão os representantes
do positivismo e racionalismo, quando asseveram
que os dogmas encerram afirmações contrárias à rea­
lidade e à razão? Aceitá-los não seria abdicar a in­
teligência? Não é indigno para nós, homens de ra­
zão, admitir verdades que, sabemos, nunca entende
reinos inteiramente?
52
Nãol Estas objeções não resistem à crítica.
Pois, é errôneo.
X — Que os mistérios da fé contradigam à razão.

Quem fala assim, confunde mistérios com con­
tradições. Os mistérios de nossa fé não são de
modo algum contradições, nem mesmo o maior de
todos êles, o da SSma. Trindade, tantas vêzes aduzido
como prova.
Eis o que dizem os adversários: A Igreja ensi­
na que um é igual a três. Não é isto manifestamen­
te uma loucura?
Sem dúvida! Quando porém se exigiu de um
católico crer em tal? A Igreja não ensina que um
seja o mesmo que três, não diz que em Deus haja,
ao mesmo tempo, uma e três pessoas, uma e três na­
turezas. Ensina apenas que, em Deus, numa natu­
reza, há três pessoas. E ’ essencialmente diverso.
E porque seria contra a razão ? Aqui, esta emudece,
e não pode demonstrar nem a possibilidade nem a im­
possibilidade de tal mistério.
O mistério portanto não repugna a razão, trans­
cende-a.
II — Que seja indigno do homem admiti-los.
Não é difícil rebater tal objeção. Não têm os
maiores filósofos e cientistas, como Leibnitz, Descar­
tes, etc... chamado a explicação da matéria, da ex-
53
tensão, a “cruz dos filósofos"? A própria matéria,
o que há de mais conhecido, é um mistério! E po­
derá jamais alguém explicar o que seja a vida, a pro-
creação, o ver, o ouvir, um ato da inteligência? Mis­
térios nas cousas mais corriqueiras!
Cada herva do caminho que pisas com teu pé; a
semente pequenina que passa o inverno no seio da terra
para irromper ao sol primaveril; o talozinho delicado e
verde que se desenvolve do germen, cresce e se fortifica,
ergue-se à procura da luz, e triunfante contempla o sol;
não é tudo um mistério inexplicável? Pergunta ao «w»
eminente sábio: que força estranha é essa, causa'de tais
maravilhas no pequeno colmo? Êle te dirá, se for since­
ro: Ignoramos; não podemos explicar sua essência, não
nos é dado prescrutar-lhe os últimos elementos, não po­
demos muito menos criá-lo.
E como £ insondável no homem o ato do conheci­
mento, mais, um simples ato de visão!
Vemo-nos, nas coisas e ações mais comuns, dian­
te de um mundo de mistérios, de fatos inexplicáveis.
O mistério, portanto, se impõe a todos nós. Nem o
médico, diante do corpo humano, êste microcosmo de
maravilhas, nem o engenheiro, que luta por subjugar
as forças ocultas da matéria, nem o educador, que
cotidianamente .se vê ante os segredos da alma huma­
na, nem o prático mais experimentado, nem o cien­
tista mais profundo, pode fugir ao mistério. Êle nos
cerca de todos os lados. Mistérios no mundo^ exte
rior, mistérios em nós mesmos. A natureza é tôda
urdida de mistérios.
Não pode, portanto, ser indigno do homem, acei­
tá-los no campo religioso.
54
Já o Antigo Testamento nos apresenta Deus hu­
milhando a ousadia dos mortais que pretendiam de­
vassar os seus desígnios divinos, lembrando-lhes a li­
mitação de seus conhecimentos.
Assim p. ex. no Livro Job aparece descrito com
as cores mais vivas um colóquio entre Deus e o gran­
de paciente, em que o Altíssimo intima a êste último,
que lhe responda sobre os mistérios da natureza:
-O Senhor falou a Job do-meio de um turbilhão, e disse:

Quem é êste que mistura sentenças


Gom discursos ignorantes?
Cinge as tuas ilhargas como homem;
Interrogar-te-ei e responderás!

Onde estavas-tu, quando eu lançava


Os fundamentos da terra?
Sabes quem deu as medidas para ela,
E quem estendeu sôbre ela a régua?
Sôbre que foram firmadas suas bases,
Ou quem assentou a sua pedra angular?
Quando os astros da manhã me louvaram juntos,
E quando todos os filhos de Deus (os anjos)
Estavam transportados de júbilo?

Quem pôs diques ao mar,


Quando transbordava, como que saindo do seio materno?
Quando é que eu pús as nuvens por sua roupagem,
E o envolví em obscuridade,
Como a um menino entre faixas?
Eu o encerrei nos limites que lhe prescreví, •
E lhe pús ferrolhos e portas?
E disse-lhe: Chegarás atá aqui
E não passarás além,
E aqui quebrarás as tuas empoladas ondas?

Porventura foste tu que, depois do teu nascimento,


Deste lei á luz da manhã,
E marcaste á aurora o seu lugar?, , ,
55
Quem marcou o curso à tempestade Impetuosa,
E a passagem ao estampido do trovão,
Para fazer chover sôbre uma terra sem habitantes,
Sôbre um deserto, onde nenhum mortal mora?. . .
Quem me deu a mim alguma coisa,
Para que eu tenha de retribuir-lhe?
Tudo o que há debaixo do céu, é meu

E respondendo Job ao Senhor, disse:


Sei que podes tudo,
E que nenhum pensamento te é oculto.
Por isso falei nesciamente,
E sôbre coisas que ultrapassam a minha ciência.

Realmente, todo o homem que pensa, deve res­


ponder como Job, ao Altíssimo.
Se já a contemplação da natureza nos impõe si­
lêncio e reverência, que ousadia não será desejar pe­
netrar, com a nossa inteligência, a revelação sobrena­
tural de Deus ?
Ouçamos o que nos ensina Leão XIII na sua
Encíclica “Tametsi futura” : “No domínio da na­
tureza sè encontram mil arcanos, que nenhuma agu­
deza humana é capaz de deslindar, e no entanto ne­
nhum homem razoável dêles duvida. Por isso é
certamente uma pretenção desavisada, não querer
aceitar uma verdade só pelo motivo de não compreen­
dê-la perfeitamente”.
Não, se já o mundo que nos cerca, se a nature­
za oferece a nossos olhos segredos tão profundos,
uma só consequência se\impõe: o mundo sobrenatu­
ral deve esconder segredos muito mais profundos
ainda;
56
Todos conhecemos a singela narração de S. Agosti­
nho. Passeava êle à beira mar, refletindo sôbre o misté­
rio da SS. Trindade, quando percebeu um, jovem que, com
uma concha, enchia um buraquinho com a água do mar.
Que estás fazendo?, perguntou-lhe o Santo.
O jovem respondeu: Tento transportar para aqui
todo êste oceano.
Mas não vês que isto é uma loucura?
Primeiro chegarei eu a contê-lo aqui, do que tua in­
teligência a conter em si o oceano da sabedoria divina.
Sim, é assim mesmo: um Deus a quem nossa
limitada razão compreendesse perfeitamente, não se­
ria um Deus infinito. E se êste Deus infinito nos
revela a sua própria vida, servindo-se para isto de
conceitos, tirados da experiência humana, necessaria­
mente esta revelação .deve conter mistérios; doutra
maneira não poderia ela corresponder à realidade.
E’ afinal errôneo dizer:
III — Que aceitar os mistérios da Fé, violente
a razão.
Eis como raciocinam os adversários:
A inteligência do homem tem a tendência irre­
sistível de descerrar o véu do enigmático. Nem po­
dia ser de outro modo. Esta liberdade da investiga­
ção constitue a nobreza e a dignidade do homem.
Ora, sem exceção, todos os campos profanos da,
ciência cedem a êste esforço; em tôdas as ativida­
des pode o homem satisfazer livremente sua ânsia de
saber. Só na religião católica isto lhe é vedado.
57
Aqui deve aceitar mistérios passiva e inconsiderada-
mente. Nao é isto algemar o espírito? Não é isto
violência à razão?
Que responderemos?
Em primeiro lugar, de nenhum modo é verdade
que no terreno das ciências o espírito humano não
encontre barreiras nas suas investigações. Pelo con­
trário, como dizíamos, também aqui um sem número
de mistérios lhe são impostos.
Aléiti disso, é um êrro pensar que nossa inteli­
gência deva aceitar pura e passivamente os mistérios
divinos da fé. Muito ao contrário, compete-lhe de­
senvolver a mais intensa atividade, no sentido de pe­
netrar o mais possível no seu conteúdo e procurar
entender-lhe o sentido. Contudo, nisto há limites,
pois a última razão de ser e a intima essência da rea­
lidade misteriosa, nunca poderá compreendê-la com­
pletamente; deve aceitá-la, confiado na palavra di­
vina.
Mais i podemos e devemos compreender perfei-
tamente o fundamento dos mistérios da fe, a saber,
sua realidade histórica, e os motivos de credibilidade.
Assim, por exemplo, não podemos perserutar. o mis
tério da Sagrada Eucaristia, mesmo depois de no-lo
revelar Nosso Senhor Jesús Cristo; mas podemos
compreender o fato de que êle o tenha revelado, no
sermão dramático de Cafarnaúm, na última eia e
através da tradiçéo
N. Fr.burgo • Est. do R.o
Biblioteca
58..
máxima segurança e com as luzes de nossa inteli­
gência as garantias incondicionais da palavra de
Cristo.
Vemos, pois, que a nossa fé neste sentido é ra­
zoável, é mesmo altamente conforme à razão. En­
tre a pura razão e a Fé medeiam, portanto, seguras
vias que nos importa vencer. Como é errôneo, por
conseguinte pensar, que o espírito do homem, dian­
te dos mistérios da Fé, deva manter-se meramente
passivo!
Entretanto o que mais sobresái na objeção su-
pramencionada, é a absoluta falsidade do pressupos­
to em que se funda. De fato, coloca no mesmo pla­
no os mistérios da natureza e os mistérios da fé, como
objetos do conhecimento natural do homem. E ’ uma
falsidade fundamental 1 Os mistérios da fé não fo­
ram oferecidos à curiosidade do homem para terreno
de suas investigações. Acham-se num nível infini­
tamente superior; pertencem a um mundo comple­
tamente diversp. São realidades divinas. A seu
respeito, falece completamente à razão todo direito de
crítica.
Seria insensatez querer por própria conta com­
preender e explicar a SS. Trindade ou a elevação su­
blime do homem pela graça, ou queixar-se de que
êsses arcanos lhe permaneçam vedados.
Forque alem da luz da nossa razão outorgou-nos
uma outra luz: a luz dá Fé.
Pela fé, nasceu-nos ura novo sol, que abre aos
nossos olhos horizontes insuspeitáveis. A ela com­
parada, nossa razão é a tênue chama de um círio; e
como podería doer-se esta luzinha de que não possa
atingir as longínquas regiões que os fulgores do sol
alumiam ?
Não, participar a razão dos-mistérios do além,
não é sofrer violência, não é deixar-se amordaçar nas
suas forças naturais; aò envés, a razão recebe, me­
diante a fé, um complemento imerecido, é elevada,
é enriquecida pela mais grandiosa ventura.
Capítulo VI
Riqueza dos mistérios
Qual é o sentido profundo dos mistérios da nos­
sa fé? Porque os católicos devem acreditar neles?
Porque têm direito a isso. — E o que lucram,
em crer?
Lucram:
I — Ciência divina.
Com que orgulho o Apóstolo das Gentes pro­
clama aos Coríntios: “ Nós pregamos a Sabedoria, a
Sabedoria divina, misteriosa, oculta. Sabedoria...
que nenhum grande do mundo conheceu... A nós
porém no-la revelou Deus por meio do seu Espírito ”
(1 Cor. 2,6-10). Assim como só o próprio homem
conhece os seus pensamentos mais íntimos e ocultos,
assim são insondáveis os segredos de Deus. Mas
pela Fé, mediante o Espírito Santo, participamos de
algum modo dessa profundíssima consciência que
Deus tem de si mesmo. Exclama São João, o discí­
pulo do amor: “Nunca ninguém viu a Deus; foi o
Unigênito Filho que repousa no seio do Pai, que no-
lo deu a conhecer” (Joh. 1,18).
61
Que maior riqueza podería enobrecer a nossa in­
teligência? Poderá haver uma felicidade maior e
dignidade mais sublime para a mente humana do que
a ciência daqueles mistérios, tão profundamente
ocultos em Deus, e que só a SS. Trindade conhece
e no-los pode revelar?

II — Princípio da visão beatífica.


Os mistérios da fé são o maior tesouro da nossa
inteligência, porque são o vestíbulo da glória. E’
o grande teólogo, S. Tomás de Aquino, que com sua
costumada concisão focaliza esta idéia: “Deus per­
mite que participemos do seu conhecimento: ilumi­
nados por tríplice luz, a luz da razão, a luz da fé e
a luz da visão beatífica. A luz da fé é o princípio
da luz da glória”. A luz da fé é começo da visão
beatífica.
Não depreciemos a luz da nossa razão. Ainda
que ela necessite para agir, de objetos sensíveis do­
tados de forma, cor e movimento, no entanto nas
coisas creadas compreende o reflexo de Deus. Pelas
creaturas sobe até ao Creador. Sob â beleza dos
seres creados descobre a eterna e increada beleza.
Da magnificência da creação deduz a majestade do
Creador. No decurso dá história do mundo reco­
nhece o Pai, solícito e justo que guia os aconteci­
mentos.
62
E ’ magnífica a luz da razão; o que é, porém,
comparada com a da fé?
A luz da fé não só ilumina o Infinito, mas pe­
netra na essência do próprio Deus. Ela preliba as
delícias do céu, os recessos mais íntimos da vida di­
vina, patenteia-nos o coração de Deus. A luz da fé
é uma faísca de amor que Deus ateou no nosso cora­
ção ; é um potencial de visão realmente divino, que
nos desvenda uni mundo totalmente novo, o mundo
interior de Deus.
Realmente é a luz da fé infinitamente superior
à da razão.
E isso não é tudo. Esta luz transforma-se em
visão, depois da morte. A luz da fé é imperfeita,
porque somos fracos e-pequenos. Sua linguagem é
como o balbuciar da criança; todavia já fala de as­
suntos que só Deus pode falar, fala-nos da vida ín­
tima da SS. Trindade. A luz da fé não esbate com­
pletamente a escuridão, por causa de nossa fraqueza,
mas já vislumbramos com ela o rosto divino, por cuja
visão anhélam ps Anjos.
Que riqueza de luz! Esta pequenina flama bri­
lhará um dia após nossa morte, com a claridade ra­
diante e ofuscante do sol, na visão celeste. Sim,
estamos destinados a contemplar, a Deus.
Isto nos descobre o sentido mais profundo dos
mistérios divinos.
63
III Um legado do amor de Deus.
Foi nos impenetráveis abismos da eternidade,
quando nada existia além de Deus, que a SS. Trin­
dade planejou a Redenção. O Filho de Deus desce­
ría à terra, salvaria os homens, fa-los-ia filhos do. Al­
tíssimo.
Naquele momento, a todos nós tinha Deus pre­
sentes, esse Deus para o qual o tempo é um eterno
hoje. O Creador viu milhões de homens, que seriam .
seus filhos, viu-os ornados com o graça santificante,
vivificados pelo sangue de Jesús Cristo, do seu Filho
humanado. Irmãos de Jesús, contemplou-os gozan­
do das suas riquezas e reunidos na mesa da Comu­
nhão, num banquete de família.
Disse consigo Deus: Não deverão meus filhos
ter uma idéia da casa paterna? Não deverão saber
que aqui os espera um Pai com seus extremos de
amor? Não hão de esperar a vida feliz que se des­
fruta em seu seio? Inteligências debeis e limitadas,
pouco entenderão^ mas êste pouco o devem saber.
Assim falou o Pai. E o Filho desceu à terra;
instituiu o “lavacrum regenerationis”, o santo batis­
mo, que nos faz" filhos de Deus, e ainda que dificil­
mente possamos compreender, comunicou-nos em
Testamento a sua vida. Falou-nos da casa paterna do
céu e da vida no seio de Deus.
64
E porque fez isto? Porque somos filhos da fa­
mília de Deus, porque não quis deixar-nos órfãos,
porque toma a peito a nossa filiação divina!
Sim, amado leitor, êste é o profundíssimo sen­
tido da nossa fé: é o grande amor de Deus pelos
homens que, quasi diria, o forçou a não mais esperar,
e, por meio da fé, revelar a seus filhos aqui na terra,
os mistérios da família do céu, os segredos do seu
coração.
Católicos, a nós compete, cheios de alegria e or­
gulho, exclamar: Mestre, nós Te agradecemos pe­
netrados de profundo respeito, o presente que nos
deste com os mistérios da fé. Sim, vem e ensina-
nos teus mistérios! Não nos queixaremos do sacri­
fício da nossa inteligência. Não, nós queremos re­
cebê-los tais quais são, como a participação de teu
saber divino, como princípio da nossa visão beatífi­
ca, como o legado do teu santo amor.
Capítulo VII
Fecundidade dos dogmas
E’ comum ouvir esta censura: os dogmas'sap
verdades cristalizadas e mortas, sem produtividade
para a vida do cristão.
Já falamos dos dogmas na sua correlação reci­
proca. Uma narração despretenciosa nos introdu­
ziu a contemplação de uma imagem. Que dizíamos
nessa narração?
Um patrão rico adota como filhos dois pobres ope­
rários e os torna seus4 herdeiros.
O filho adotivo porta-se com ingrata arrogância. O
homem rico aproveita-se dela pára maniféstar sua bon­
dade é humanidade por uma forma inaudita.
Todas as suas novas demonstrações de benevolên­
cia são recebidas por seus protegidos com ingratidão.
Apesar disso, certo dia envia-lhes seu próprio filho. E
quando este cai vitimado pela incompreensão e ódio da­
quela gente, declara o industrial'rico que a morte de seu
filho, êle a considera como reparação de todas as injúrias
até então recebidas.
Quem invocar o sangue de seu filho, há de expe­
rimentar sempre seu beneplácito, e todos os que ncarem
na sua amizade, entrarão um dia na feliz comunhão oo
■ ua mesma família.
Não foi trabalho difícil, aplicar cada uma destas
circunstâncias aos nossos dogmas católicos.
66
Nossa conciência não recebeu então algo de
grandioso? Eis o que aprendemos: os dogmas
estão concaienados. São elos de umà corrente. São
peças lavradas de uma arquitetura portentosa, de
qma majestosa Catedral. Cada uma das pessoas e
açõçs sôbre que os dogmas nos falam, representa aos
nossos olhos um drama arrebatador. O conjunto é
uma açãò entrelaçada entre Deus, o homem e o Ho-
mem-Deus, Jesús Cristo.
Descobrimos os dogmas na sua riqueza, beleza
e variedade. Sob qualquer face que os encaremos,
de Deus, do homem ou do mediador Jesús Cristo,
são sempre inefáveis realidades que vemos despon­
tar.
Reconhecemos os dogmas como indispensáveis.
Não cabe dúvida, que sem êles, tôda aquela constru- ]:
ção majestática se estilhaça e desmorona, porque
são os suportes.
Resta ainda uma pergunta: Que significação
têm os dogmas para a vida?
Que sentido encerram para os conceitos religio­
sos e anseios da humanidade?
Afinal de contas são êstes anseios atingidos por
aqueles dogmas?' Talvez mesmo fecundados? Dão
os dogmas uma resposta às grandes interrogações de
humanidade?
Ou pelo contrário— como querem os adversá­
rios — será verdade que os dogmas não p assam de
fórmulas rígidas, pobres de seiva — bizantinismos de
teólogos — e nada mais?
Mais: que importam os dogmas para a religião
vmda concretamente dia a dia? Revelam-se acaso
valores petrificados e extranhos à vida? Belas
idéias, sem duvida — mas: que me importam tais
idéias? Em que me tocam ou que me dão?
Eis nossa resposta:
Os dogmas são fecundos para a vida religiosa.
I — Porque significam a. realização dos mais
altos ideais da humanidade.
1 • E ’ uma pergunta que a humanidade faz a si
íhesma desde os seus albores: Quem é Deus?
Os dogmas de nossa Santa Igreja trazem-lhe a
resposta: Deus é o Amor. O cristianismo é justa­
mente a história de um incompreensível Amor.
Gesto liberal do divino Amor é a creação, é a eleva­
ção do casal primitivo; Amor é o decreto de re­
denção ; Amor, a longanimidade para com a contu-
mácia do povo hebraico; Amor, a entrega do filho
de Deus.
A Igreja é. uma aliança de amor, uma comuni-
’ dade de verdadeiros irmãos; Amor e a eterna bem-
aventurança na posse de Deus.
Mas ainda, os dogmas nos falam de uma inefá­
vel m a rch a ascendente dêsse Amor divino que se
eleva ao mesmo passo- que cr.escem as dificuldades.
68
2. Desde os tempos imemoriais ressoa um su­
premo anseio da humanidade: divinisação. Preci­
samente é o que vêm cumprir os dogmas de nossa
Igreja Católica.
O Cristianismo outra coisa não é senão a his­
tória da divinização do homem.
O homem na justiça original é elevado até Deus;
pela Encarnação do Filho de Deus êle é associado a
Deus; saturado de divinas energias com a Reden­
ção e sua efetivação na Igreja; unido a Deus de
maneira indescriptível na posse venturosa da eter­
nidade.
3. Ambição perene de homens nobres: amais
excelsa. perfeição moral.
Êsse escopo é atingido pelas realizações dos do­
gmas de nossa Igreja Católica. O cristianismo mes­
mo não é senão a vida e a obra do Filho de Deus
que, ao mesmo tempo; é o homem ideal Jesús Cristo.
Tudo o que se pode excogitar de perfeição hu­
mana, tudo o que imaginaram e anelaram os mais
sublimes espíritos de todos os séculos, tudo o que
sonharam as mais variadas nações em seus cantos e
lendas como fastígio de uma nobre humanidade —
tudo isso está realizado ante nossos olhos na figura
de Jesús Cristo, file é “o mais formoso dos filhos
dos homens”. $ôbre sua cabeça rasgaram-se os céus
o o Deus três vezes santo manifestou nêle suas com*
69
placências. Desde que Êle pisou esta terra, nunca
se cansam de imitá-lo as mais nobres figuras da hu­
manidade.
II — Porque os dogmas exercem influência
sôbre a vida religiosa.
A ) — NO T E R R E N O DOS P R IN C ÍP IO S

A própria Igreja não admite resolutamente que


seus dogmas sejam tomados apenas como exposições
teóricas e poéticas.
A Igreja não visa tão somente umà tomada de
posse inteletual, uma emoção estética ou uma aquies­
cência de juizo; ela põe a mira numa realização
fecunda.
Na convicção e na ação. . Sôbre a fé está o
Amor. Jamais se cansará a Igreja, de pregar com
. o Apóstolo São Tiago: a fé sem obras é morta.
B ) — NO T E R R E N O PR A TICO

Os dogmas se patentearam sempre como fontes


borbúlhantes de vida. Que nos dão êles pàra nossa
vida religiosa?
I . A çonciência de certeza e clareza.
Não viveu acaso essa convicção nas gerações da
Igreja primitiva, por exemplo?
70
Tôclas as circunstâncias da época não seriam,
ao invés, de molde a gerar incerteza? A atitude
fundamental do paganismo não se reduzia a uma in­
quisição subtil e uma dúvida céptica?
Dominadas pelo calafrio do espanto e pelo espetro
da divindade — não é assim que nos aparecem as con­
cepções religiosas de antanho? Cáos de idéias, aberra­
ções morais até os mais vergonhosos vícios, eis o que
imperava nas centenas de seitas estilhaçadas e conventí-
culos religiosos.
No Panteão de Roma todos os numes do Oriente e
do Ocidente lançavam seus esgares caricaturescos sobre
os visitantes.
Quanto aos homens cultos, sacudiam os ombros
como Pilatos: Que é a verdade?
No campo da política, a insegurança apertava os
cristãos. Pois não é certo que foram estigmatizados co­
mo inimigos da Pátria, e só com perigo de vida é que
podiam praticar o seu credo?
• E sua situação social e econômica: que incerteza
constante! Na maioria, como diz S. Paulo, eram gente
pobre, muito deles eram até escravos!

Entretanto, que serena clareza e segurança pal­


pita nós cristãos daquelas eras! Que maneiras de
ver simples e inequívocas as de sua religião! Com
que naturalidade singela falam de Deus e. de seus
atributos; dos mais íntimos desígnios do Altíssimo,
da arrebatadora obra da Redenção; falam do bem
que devem fazer e do mal que devem evitar.
Com que calma e firmeza avançam no seu ca­
minhar — olhos fixos no seu ideal sublime sem titu-
beio. Que afirmações decididas ante os juizes pa-
gãos! Que persuasão arraigada emerge de todos os
documentos escritos ou monumentais que até nós
chegaram!
Donde esta segurança? Dos dogmas da Igre­
ja ! Foi sôbre os enunciados lapidares do Credo, que
edificaram sua vida, e mais de um derramou o seu
sangue, em fé da tradição apostólica. Para êles as
veidades da fe não representavam belas idéias; ti­
nham vida neles; uma vida que hoje diriamos;
existencial. Que podería abalar aqueles homens que
tinham consciência de ter um Pai nos céus, de terem
sido salvos por Jesus Cristo, de que a coroa eterna
da vitória lhes estava reservada!
Será que ainda hoje vive essa conciênda da se­
gurança e clareza no seio da Cristandade?
O cristão vê hoje sua Igreja em vários países
debilitada, impugnada e despojada em grande parte
do seu influxo.
Isto não é para transtorná-lo e deixá-lo perple­
xo? Porque? Olhemos ao redor de nós: em mi­
lhares de famílias cristãs Deus é ainda implorado e
sua santa Lei observada; nossos sacerdotes, hoje
como sempre, celebram diariamente o S, Sacrifício.
Que tranquila firmeza a de um sem número que, hu­
manamente falando, talvez há muito poderíam estar
desnorteados a respeito da Igreja e do Cristianismo.
Donde nos vem a nós cristãos essa fortaleza?
72
Sabemos donde: nós nos baseamos sobre o fun­
damento da Verdade. As magníficas lições da Igre­
ja nos apontam o destino de nossas vidas. O cristão
fiel não pode desesperar, porque êle sabe que Cristo
vive na Igreja e que sua causa apesar de tudo lo­
grará a vitória final.
2. Os dogmas nos geram a convicção das nos­
sas riquezas espirituais e da felicidade eterna.
Essa convicção não era a que invadia os primei­
ros mensageiros da fé?
Pedro, pobre romeiro da Palestina, pisa a terra
pagã da Roma cosmopolita. Não se sente êle ameaça­
do de esfacelamento pela potência dos recursos que o
Império tinha à sua disposição?
E êsse mesmo Pedro escreve a seus perseguidos ir­
mãos na fé: “ Vós sois uma estirpe real, um sacerdócio,
um povo santo”.
E Paulo escreve aos cristãos de Roma aquelas su­
blimes palavras: “ Vós vos tornastes sob todos os aspe-
tos ricos em C risto ... Vós sois filhos de Deus, e, como
filhos, herdeiros de Deus e coherdeiros de Cristo” .
Pois não escreveu um cristão durante a tormenta da
perseguição aquela atrevida afirmação da Epístola a Dio-
gneto: “Afinal é por nossa causa que o mundo ainda está
de pé. .. nós, cristãos, somos para o mundo o que a alma
é para o corpo” ?

Donde dimanava essa persuasão profunda de sua


supremacia e eleição? Certamente do' dogma da sal­
vação, do dogma da filiação divina!
Não é êsse mesmo sentimento de Opulência es­
piritual que ainda hoje brota sempre renovado da •
mesma fonte da nossa fé? Não é isso que desco-
brem quantos levàm a sério as doutrinas dogmáticas
da Igreja?
Contemple-se a sublime beleza de uma missa
solene!
Contemple-se a obra d’arte de nossa liturgia, o
simbolismo maravilhoso, o dramatismo subjugador
do ano eclesiástico! Como entram aqui os crentes
na posse da riqueza e beleza de sua religião!
Donde fluíram essas belezas ? Não foi por ven­
tura das realidades sobrenaturais?
Está nisso exatamente o empolgante da liturgia
católica; ela não é apenas obra humana, ou um tea­
tro ôco de sentido real, ou um espetáculo terreno,
não! A liturgia é a moldura de um acontecimento
divino! Os dogmas nos garantem Cristo presente na
aparência breve de um pão; são êles que nos asse-,
gúram na liturgia a verdadeira ação imoladora do
Salvador na santa Consagração.
3 . Força e ânimo para a vida cristã derivam
da fonte dos dogmas.
Não basta um olhar para a vida sém igual dos
nossos Santos, para averiguar a existência de tais
fluidos de.energia?
Onde encontrou um S. Francisco audácia para
empreender aquela vida de pobreza e abnegação inau
ditas? De onde retirou S. Luiz aquela decisão para
seus incríveis exercícios de penitência? E Dom
Bosco, onde foi êle haurir aquele impulso para seu
infatigável zêlo apostólico?
74
A explicação de tudo isto não está nos grandes
pensamentos do dogma católico que pairavam na
mente dos Santos? Ãs vezes é Deus Padre com sua
bondade e sua amorosa Providência; ás vezes é o
divino Salvador descido a um presépio, ou a vida di­
vina enxertada em nós, ou o pensamento da eterni­
dade. Pode-se mudar a acentuação num ou noutro
ponto, mas são sempre as excelsas lições de nossa
Igreja Católica, são os dogmas, que fertilizam o he­
roísmo moral de nossos Santos.
Uma das maiores dádivas da Igreja ao mundo é
sem dúvida a Caridade.
“Vede como se amam e estão dispostos a morrer
uns pelos outros”, — assim exclamavam os pagãos
admirados, segundo testemunha Tertuliano, ante o
espetáculo da caridade cristã.
E quem pudera debuxar o quadro de seus bene­
fícios? Não se podería comparar essa caridade con-
soladora e auxiliadora a uma torrente de ouro a ba­
nhar a história, e ainda hoje não seria mergulhada de -
novo na barbárie a terra que não fôsse irrigada com
as águas férteis da caridade?
Onde rebenta o manancial dessa torrente ? No
sentimento exaltado de algum coração humano ? Na
determinação eventual de uma vontade humana?
Não — as nascentes desse caudal rumorejam em
grutas mais recônditas — nó conhecimento profundo
de uma estreita fraternidadt de todos os homens:
filhos de um pai, membros de um corpo! Da con-
75
vicção, da persuasão, do entendimento é que procede
esse majestoso rio. Com outras palavras: origi­
na-se no dogma católico!
E quantos cristãos sorvem nos ensinamentos da
Igreja a fôrça para uma vida moralmente pura; para
o exercício da paciência, da bondade, da fortaleza,
do amor desinteressado, e até do sacrifício heróico!
Não existe outra origem para tôda a bondade e no­
breza, oculta ou manifesta, que medram nos corações
dos nossos fiéis, senão as doutrinas da nossa fé re­
ligiosa.
Não há negar que hoje em dia o heroísmo mo­
ral de nossos cristãos fica em geral escondido, não
se mostra na praça pública aos olhos do mundo, mas
existe e vive.
Verdadeiramente tem razão o Apóstolo das Na­
ções quando exclama: “A Mensagem de Cristo e
uma fôrça. para a salvação de todos os que crêem”.
Capitulo VIII
O drama da humanidade
~ Reunimos os mais importantes capítulos da dou­
trina da Igreja num só quadro, em forma de narra­
ção. Analisemos agora a estrutura dessa narração.
Veremos logo o seguinte:
I — Os dogmas compõem no seu encadeamento
um drama soberbo.
Acaso não contêm tudo o que entra num drama ?
Recordemos nossa narrativa do. começo. Lá havia
três- grupos de pessoas, cuja ação se entremesclava:
Deus, os homens, o mediador Jesús Cristo. Havia
um prelúdio : Deus que cria o primeiro casal hu­
mano. As relações harmoniosas entre ó Creador e
os homens são desfeitas pelo pecado de Adão.
Aqui se insere o drama- da Redenção propria­
mente dita. Podemos nele distinguir • igualmente
quatro atos:
Primeiro ato: o Antigo Testamento — o Salva­
dor é prenunciado e preparada a sua vinda.
Segundo ato; a vida de Jesús — o Salvador
leva a termo a emprêsa da redenção.
77

'EN TECO STES. A IgrcJ.


animada do Eip . Sinto,
çomtça o sua obra.

JUÍZO
COM EÇO
do DRAMA
n\u

/
78
Terceiro ato — a Redenção se aplica a cada ho­
mem na Igreja.
Quarto ato: os resgatados entram no júbilo
eterno.
A quem poderia escapar essa estrutura dramá­
tica! Que dinamismo lateja na base dos nossos
dogmas na sua plena significação! Estudemos um
pouco o nosso quadro. esquemático!
Êste drama constituirá a matéria de todos os
nossos livros de formação. Em cada um deles acom­
panharemos o grandioso desenrolar desse enrêdo.
II — Trata-se do drama de tôda a história da
humanidade.
Não é a todos nós que interessa esse drama?
Êle se desenvolve como o fadário mesmo do
inundo e como a sorte de cada um dos bomens.
O primeiro ato se representou outrora, quando
Deus enviou profetas aos homens, e a imagem do
Redentor emergiu cada vez mais nítida pos horizon­
tes do futuro.
Também o segundo ato já passou, a saber, quan- ■
do o Filho de Deus envergou a libré de escravo e,
crucificado pelos homens, ofereceu ao seu Pai a
grande reparação.
E quando se levou à cena o terceiro ato? Nóss
todos o representamos. Olhemos ao derredor: o
mundo pela morte de Cristo foi reconciliado com
79
Deus. Suas graças de salvação são oferecidas a
todos e a cada um dos homens. A Igreja convida
os povos ao manancial das graças. E que acontece?
Sao milhares os que se recusam, mas são também
milhares os que acedem a seu brado e se precipitam
para ela com ânsia. As graças salvadoras inundam
a humanidade através da Igreja.
Também o quarto ato será representado. E’ o
desenlace forçoso dêste drama. A creação inteira
suspira e anela por essa hora’ na esperança de che­
gar também ela á liberdade e soberania dos filhos de
Deus. •
III — Quem podería subtrair-se a êsse drama
decisivo?
Sua extensão é universal, é cósmica. Nele
actuam juntamente os maiores contrastes do univer­
so : Deus e o mundo, bons e maus espíritos, tudo
entra em cena.
Tudo o que existe, é introduzido nesse drama.
Toda a humanidade está pendente dêle. Nin­
guém é espectador. Todos sao atores. Nao ha en-
treatos: a cada momento recomeça a ação. Cada
minuto tem seu valor, pode decidir de um destino
perpétuo.
Êsse drama fornece-nos a concepção mais exata
e penetrante do mundo, de cada homem e de nosso
tempo. Por isso encerra o problema do destino de
nossa época.
80
Visitemos num domingo algum dos nossos está­
dios. Milhares de pessoas se'aglomeram para as
competições esportivas. São espetadores de um jôgo
dramático. Quem vencerá? Entretanto, no fundo,
como são secundárias as consequências! E ha outro
torneio, de cujo êxito depende tudo, também a tua
eternidade. Pois, “todos os homens correm no es­
tádio”, brada S. Paulo, “ faz com que tua corrida
seja perfeita, para que ganhes a coroa da vitória!”
Trata-se de um prêmio mais excelente, de uma coroa
eterna.
IV — Êste drama encerra o problema de meu
destino.
Seu enrêdo é empolgante. Pois:
A) — Q U E D E C IS Õ E S IM P O R T A ?

As últimas e definitivas. Importam a minha


existência para todo o sempre. Ou serei conviva
perene do banquete divino na vida eterna, ou des­
graçado, expulso da presença de Deus, para a eterna
condenação.
Que fatos encerra? Á amizade ou inimizade de
Deus.
Que dons inclue? À divina semelhança na glória
ou a desventurada separação da presença divina.
De que sociedade se trata? Da dos escravos ou
da dos iilhos de Deus.
81
De que promessas ou sanções? Morte eterna
ou vida eterna.
/ De que atitudes ? Da obstinação ou de aliança,
de ódio eterno ou de amor eterno.
Efetivamente, o que se nos apresenta à escolha,
é de uma tremenda responsabilidade: trago inces-
santemente entre maos uma eternidade. A cada mo­
mento dou um passo para Deus ou dele me distancio.
Que se pode comparar afinal a resoluções, desta
ordem ? Sem dúvida há momentos na vida que po­
dem ser de grande repercussão e vasta influência:
um exame, uma sorte grande, a escolha do estado ma­
trimonial ou sacerdotal, a sorte do soldado na guerra.
Mas que comparação pode haver entre tudo isso e
o meu papel no drama da Redenção?
Lá são interesses temporais, quando muito uma
nova. orientação na minha vida terrena; aqui trata-
se nada menos que de meu próprio destino.
B ) — D E Q U E M O TIVO S E TR A TA ?

1. Contemplemos gerações e gerações de cris­


tãos primitivos ante os juizes e carrascos. Gloriam-
se de sua pátria, onde reina Deus.
Vemos o bispo ancião Policarpo falar ato o
sangue mais frio ante um montão de lenha: “Oiten­
ta anos há que sirvo o meu Deus; porque havia de
ser infiel ^na decrepitude?” Ergue para o ceu
olhar: lá o aguarda a coroa dá glória.
82
Milhares de mártires marcham serenos para a
morte: Para êles a vida é Cristo, e morrer, é lucro.
Até hoje lemos nos lóculòs das catacumbas estas
palavras riscadas pelas mãos daquela linhagem de
mártires*. “Vive com Deus”.
Vemos Tomás More em frente à espÔ6a: Quan­
tos anos ainda me prometes? Por causa de 20, 30
anos vou eu renunciar a uma eternidade?
Todos esses homens entenderam de que coisa se
trata no drama da salvação.
Nesses instantes todas as outras considerações e
motivos tombaram no solo como folhas murchas.
Já não havia lugar para outras esperanças, nem para
intimidações.
Tudo se tornava secundário ante essa magnífica
realidade da Redenção^
2. Êsses motivos possuem uma força irresis­
tível. Se tu renegas a Cristo, se tu renegas à sua
Igreja, renimcias com isto a todos os dogmas da fé.
Porque tu renegas o sentido mesmo da Creaçao. Pois
inutilizas todos os esforços de Deus em bem da hu­
manidade. Fracassa em ti o plano redentor do Oni*
potente. Tornam-se vãs todas as renúncias abraça­
das'pelo Salvador desde o seio de Maria. Inúteis os
seus suplícios, as suas dôres. Banhado em sangue,
eis que Êle se te apresenta: A obra divina da sal­
vação exige de ti uma alternativa: por Deus ou con­
tra Deus.
Capítulo IX
Os dogmas © o homem
Tiremos neste Capítulo algumas consequências
das explicações que acabamos de dar.
(
I — Devemos conhecer nossa Religião.
Êsse conhecimento não é competência exclusiva
dos padres. Não há na Igreja segredos esotéricos
para uma determinada casta. A doutrina da Igreja
deve introduzir-nos a todos nós nos vastos desígnios
de Deus e na realidade do mundo sobrenatural, deve
inocular em nossas almas entusiasmo, santa altivez e
coragem.
O mesmo que disse outrora Jesús à Samaritana
na fonte de Jacó, repete-o igualmente a nós: “Oh!
se conhecesses o dom de Deus” (Jo, 4, 10).
E ’ teu dever de honra interessar-te pelos ensina­
mentos da Igreja e progredir no seu conhecimento.
Ha já quantos anos que és católico? Não viveste
experimentalmente em ti mesmo os misteriosos ritos
da Igreja? Não foste admitido através do batismo,
crisma, penitência até o Santo dos Santos, até a co-
munhão eucarística na intimidade amorosa de Cristo.
84
Como perfeito membro da Igreja deves saber o
que é o cristianismo e o que êle ensina.
Quanto tempo e dinheiro te custa tua formação
profissional! Não te esqueças entretanto de que, ao
lado da tua vocação profana, tens ainda uma outra
vocação: a de cristão!
Será exigir muito, que dediques uma fração
mínima desse tempo ao aprofundamento de tuas no­
ções religiosas? És o herdeiro de uma fortuna gi­
gantesca (“Sois herdeiros de Deus, co-herdeiros de
Cristo”, Rom. 8,17) ; e não te decides ao menos a
examinar detidamente essa fortuna?
<
Hoje é peculiarmente importante a ciência da
doutrina católica; é com veemência que se disputa'
no tempo em que vivemos acêrca das supremas ques­
tões da religião!
Com quanta ignorância, confusão e antipatia
contra a religião, não esbarramos, ainda mesmo em
nosso meio.
Ponto de honra de um bom cristão, máxime c
um congregado mariano, é proporcionar dados exa­
tos, desfazer equívocos.

II — Perigosíssima é a ignorância de nossa fé. _


Pensemos sómente nos católicos que cada ano
caem no espiritismo ou aderem a uma seita protes­
tante. Que número espantoso! Porque desertam
85
da Igreja esses homens, já que nela foram batizados ?
Porque arrojam de si o mais valioso tesouro que
possuem ?
A resposta é uma só: porque êles não apren-
deram bem a conhecer sua fé.
E quantas, quantas vezes a ignorância religiosa
leva a uma- concepção errônea da religião católica!
S. Paulo bradava aos cristãos da primitiva Igreja:
"Vós vos tornastes de todo ricos em Cristo”; e o
próprio Jesus Cristo comparou o homem que encon­
trou na Igreja ao que busca tesouros, e no meio do
campo descobriu uma fortuna enorme; ou com o
negociante de pérolas que dá com uma gema preciosa,
há muito desejada e procurada.
No entanto, que significa a religião para muitos
cristãos de hoje? Um acervo monótono de manda­
mentos; uma carga que é forçoso arrastar ao longo
da vida, sobrepêso acrescentado aos demais fardos
e penas.
Como explicar isso?
Jduitos cristãos desconhecem o ouro que a Igre­
ja nos prodigaliza, jamais entreviram a intenção ar­
rebatadora da obra da Redenção, tal como nós a ter
támos revelar no primeiro capítulo.
Nunca lhes veiu á mente o que significa tomar-
se filho de Deus e irmão de Cristo pelo batismo, ar-
ticulado, como membro, aò misterioso corpo do Se­
nhor. trazer o mesmo Espírito Santo de Deus como
hóspede e arquiteto dentro da própria alma: uunca
86
compreenderam intimamente o que representa poder
colaborar com Cristo Rei na sua grandiosa empresa
de conquistar o mundo, nem finalmente desentranha­
ram o que contém em si de ventura, expansão vital,
de alegria pura e puro júbilo a idéia de vida eterna,
de coroa triunfal na outra vida.
III — A ignorância no terreno da fé conduz
facilmente a uma caricatura da vida religiosa.
Como serralheiro conheces dentro da tua oficina
a ordem; como comerciante conheces o teu ramo e a
toda a hora estás pronto para dar uma informação;
como funcionário é coisa evidente que deves conhe­
cer com precisão tôdas as questões de tua alçada e
ser-capaz de levar a cabo irrepreensivelmente tôdas
as tarefas que o cargo reclama.
E como cristão ? Cristão tu o és há muito mais
tempo que comerciante, estudante õu trabalhador.
Como cristão queres permanecer um ignorante, um
- desajeitado, um principiante ?
Isso é que é uma caricatura!
IV — Tu precisas de um conhecimento profundo
de tua religião no meio das tormentas da
existência.
Ou pensas acaso que elas te serão poupadas?
Também tu provarás o cálice da dor, sentirás a dure­
za e amargura do combate, antes de .mais nada, de
87
combate contigo mesmo, contra a própria fraqueza;
experimentarás também as agruras e melancolias da
desilusão. Como poderás resistir a tudo isto?
Quiçá se torne a provação ainda mais dura.
Há centenas de milhares, há milhões de irmãos
dos quais se exige hoje um verdàdeiro heroismo. Es­
tamos vivendo uma quadra que nada apresenta de
idílico.
Como poderás superar a prova?
Tanto a Escritura como o Sagrado Magistério
vivem a exortar-nos: O fundamento único e exclu­
sivo da vida é a fé.
“ Meu justo vive da fé”, diz a Escritura.
Lê o cap. 11 da epístola aos Hebreus, em que S.
Paulo pinta os gestos heróicos dos varões santos da
Antiga Aliança e seus espantosos martírios, para
mostrar que tôda essa lealdade e constância emana
da fé viva.
A i! se esse fundamento não estiver inconcusso!
Quantas vezes se pode averiguar esse fato: Sobre­
vêm uma desilusão, uma moléstia grave, um caso de
morte, uma oração desatendida na aparência, ou. algo
de semelhante, e na mesma hora todo o edifício da
vida religiosa entra a vacilar! Porque? Porque
falece a base de uma fé viva e iluminada!
88
V — Trabalha pois por consolidar essa base com
o arraigamento profundo de tuas convicções
religiosas.
Para isso envida todos os meios que te possam
ajudar. Trata de aproveitar ao menos alguma coisa
de cada sermão, de cada conferência! Faze um pe­
queno sacrifício de dinheiro para adquirir alguns
bons livros -religiosos. Lê atentamente as revistas
católicas, que tens à mão.
Lê e reflete a miúdo sôbre os dogmas da fé,
servindo-te das. considerações aqui propostas nesta
série de livros de iniciação; espalha estas idéias en­
tre os companheiros, explica-as a teus filhos ou ir­
mãos mais novos! Não nos deixemos avassalar por
palavras altissonantes!
Àqueles que falam desfavorável ou odiosamente
de nossa religião, retruquemos oportunamente: co­
nhece afinal a doutrina da Igreja ? E ’ capaz de re-
' citar o Credo e explicar o que a Igreja quer dizer
com cada artigo? Não? Pois então não tem o di­
reito de ultrajar aquilo que não conhece!
Porém aos que têm boa vontade, demos amiga­
velmente . informações e esclarecimentos. A maio­
ria dos que. declamam contra nossa religião, fazem-
no por desconhecimento do assunto.
Devemos ser gratos a Deus e à Igreja pelo te­
souro de seus dogmas. Nénhüma religião é capaz
de apresentar um tal conjunto de majestosas doütri-
89
nas, verdades de uma tal profundidade e de tal ele­
vação, de tamanha gravidade e atualidade 1 "De­
veras é digno e justo, conveniente e salutar, dar-vos
graças em toda a parte, o Deus Todo poderoso", as­
sim ora diariamente o Padre no Prefácio da Missa.
VI — Contudo em primeiro lugar: Vivamos
os dogmas!
Quem sabe, se nós cristãos não temos nossa cul­
pa nos mal-entendidos de nossos adversários? Tra­
duzimos nós em obras o que nos ensina a Igreja? Já
nos deixamos impregnar pelos dogmas, transforma­
mos espirito e coração? Será que essas excelsas
verdades brilhando aos nossos olhos, tornaram puros
nossos corações e abnegados, nobres nossas ações?
Soberbas energias vitais latejam nos dogmas da Igre­
ja, potencial capaz de reestruturar o universo. Cabe •
a nós cristãos, a nós congregados marianos, tomar
visíveis essas energias!

CO LÉG O *• :CHIETA
N. Friburgo - do ^,0
Biblioteca
t
ÍNDICE

Prefácio do P. Leonel Franca S. J....................... 9


Introdução ......................................................... . 12
Capítulo 1: Unidade dos dogmas ....................... 17

” 2 : Beleza dos dogmas . . . ; ................... 28

” 3: Necessidade dos dogmas ................. 36

” 4: Limites dos dogmas ................ — 44

” 5: Porque mistérios? . . . . ------------- 51

” 6 : Riqueza dos mistérios ..................... 60

” 7: Fécundidade dos dogmas 65

” 8: O drama da humanidade .................. 76

M 9 : Os dogmas e o homem ........... 83

Você também pode gostar