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Formação de

Mediadores de Educação
para Patrimônio

Turismo
e patrimônio
Carla Vieira
SUMÁRIO
1. Apresentação.........................................................................................147
2. Para começo de conversa: o que é Turismo?..................................148
3. Políticas públicas para o Turismo no Brasil...................................... 151
4. Turismo cultural: questões relativas
à preservação e desenvolvimento....................................................155

Referências.................................................................................................159
Em nosso módulo, veremos como a
atividade turística apropria-se do patri-
mônio cultural como espaço e suporte

1.
para o seu desenvolvimento. Observa-
remos também a complexidade das ma-
neiras como essa apropriação acontece.
Que ela pode ser nociva e predatória,
por meio de um “turismo de massa”, que
APRESENTAÇÃO tende a degradar e transformar, segundo
gora que aprendemos so- seus interesses, os espaços culturais. Mas
bre o que é patrimônio cul- que ela pode, sim, mais importante, ser
tural, sua caracterização de maneira sustentável e positiva, opor-
e sua importância para as tunizando, por meio do desenvolvimen-
sociedades, estudamos so- to da atividade econômica, o reconhe-
bre as principais políticas cimento e a preservação do patrimônio
públicas e os instrumentos cultural, seja ele material ou imaterial.
de proteção ao patrimônio Ao final, apresentamos a bibliografia
cultural brasileiro, eu lhes que fundamentou as reflexões realizadas
convido a refletir sobre as em nosso conteúdo e que também servi-
ligações entre o patrimônio cultural, a me- rá como um pequeno roteiro àqueles que
mória social, as identidades culturais e pretenderem se ater mais às questões
uma das atividades econômicas cujo poten- aqui propostas, que inter-relacionam os
cial de impacto sobre o patrimônio cultural campos do turismo e do patrimônio. Espe-
é bastante relevante: a atividade turística. ramos que apreciem o nosso passeio.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 147


2.
PARA COMEÇO
DE CONVERSA: O
QUE É TURISMO?
s estudos sobre a Teoria
do Turismo, enquanto
atividade econômica, são
bastante recentes, o que
faz com que não tenha-
mos uma conceituação
mais rígida sobre o que
é turismo. Ainda assim,
para o propósito desse
fascículo, vamos eleger
alguns entendimentos do que é o turismo,
que podem ser vistos como consensuais.
O primeiro deles compreende o tu-
rismo como um sistema de atividades e
serviços que envolvem o planejamento, a
promoção e a execução de uma viagem,
seja ela especificamente atrelada ao lazer
ou não (MOESCH, 2002).

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Quando se pensa em uma viagem a um
destino fora daquele onde residimos, não
apenas o destino em si importa – país, esta-
do, cidade –, mas todas as questões relacio-
nadas ao atendimento dos nossos objetivos
como viajantes, a exemplo da hospedagem,
do receptivo, da infraestrutura de demais
serviços e dos pontos a serem visitados no
destino escolhido. É ao atendimento de
todas essas necessidades que se propõe a
atividade turística que, como atividade eco-
nômica – não percamos de vista – visa prin-
cipalmente à produção de riquezas.
Outro conceito que podemos tomar é Historicamente, foi em meados do sé-
o expresso pela Organização Mundial de culo XX, sobremaneira após a Segunda
Turismo (OMT), órgão internacional de Guerra Mundial, que uma onda otimista
caráter intergovernamental, hoje agên- cercou os grandes centros urbanos, re-
cia especializada da Organização das Na- construindo suas economias e oportuni-
ções Unidas (ONU), que visa à promoção zando o cultivo da ideia do direito ao lazer
e ao desenvolvimento da atividade turís- pago e a de que as férias representam um
tica através de políticas e instrumentos de período importante dentro do calendário
apoio à área. Ela apresenta o turismo como laboral, servindo como forma de renova-
“um fenômeno social, cultural e econômi- ção do trabalhador (URRY, 2001).
co, que envolve o movimento de pessoas É justamente esse tempo livre possibilita-
para lugares fora do seu local de residência do ao lazer, como finais de semana, feriados
habitual, geralmente por prazer (NACIO- ou férias, o principal incentivador da busca
NES UNIDAS/ UNWTO, s/d, apud TROCCO- pelo Turismo como necessário ao bem-es-
LI, 2014). Esse entendimento dá ênfase às tar, importante para a qualidade de vida de
relações sociais, culturais e econômicas todas as pessoas, sem que esqueçamos sua
da atividade turística, ligando-a principal- importância no desenvolvimento econômi-
mente ao tempo livre e à cultura do lazer. co e sua influência política e cultural.

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Em muitas cidades, a atividade turís-
tica passou a ter enorme destaque, movi-
mentando vultosas somas e impactando a SE SAIBA
vida de milhares de pessoas. LIGA! MAIS
Devemos avaliar esse impacto de
duas formas:

1. uma que incide sobre a economia, As palavras inglesas tourism e A OMT tem, na verdade, uma
que envolve todas as cadeias de tourist aparecem em documentos história bem mais longeva que a
serviços ligados direta ou indire- britânicos desde o ano de 1760. É iniciada na década de 1970. A Orga-
tamente – como empresas de tu- também da Inglaterra aquele que é nização tem origem no I Congresso
rismo, guias, hotéis, restaurantes considerado “o pai das agências de Internacional de Associações Ofi-
etc. – aos processos que compre- viagens”, Thomas Cook, que teria ciais de Tráfego Turístico, aconteci-
endem a chegada, a permanência organizado, em 1841, a primeira do em Haia, em 1925.
e a partida do turista; e excursão “turística” da história, O evento objetivava tratar
2. a que impacta sobre o usuário quando elaborou os preparativos e dos desafios até então
desses processos, o turista, que a viagem de 578 pessoas da cidade apresentados pelo crescente
é modificado em sua forma de de Loughborough a Leicester, para desenvolvimento do turismo.
compreender o mundo, uma vez participarem de um congresso Ao longo das décadas, muitas
que suas viagens lhe proporcio- antialcoolismo. Foi ele o criador organizações sucederam-se até a
nam o conhecer não apenas de da primeira agência de viagens formação da OMT e sua posterior
outros espaços, alheios aos seus (OLIVEIRA, 2001). vinculação à ONU, em 2003.
rotineiros, mas outros “olhares” a
outras culturas, um conhecer nas-
cido ante à diferença de outras for-
mas de organização do mundo.
Todas essas questões nos fazem pen-
sar sobre a importância do turismo para
as sociedades.

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Nas últimas décadas, o governo brasilei-
ro tem demonstrado uma maior disposição
para implementar políticas de regulação e
desenvolvimento do setor. Em 2003 – atra-
vés de um Decreto, posteriormente con-
vertido na Lei nº 10.683, de 28 de maio do
referido ano – a pasta do Turismo ganhou

3.
autonomia dentro do governo federal,
saindo do antigo Ministério do Esporte e do
Turismo, ganhando um Ministério próprio.
Atualmente, é de competência do Mis-
POLÍTICAS tério do Turismo (Portaria nº 36, de 29 de
janeiro de 2019):
PÚBLICAS PARA I. a política nacional de desenvolvi-
O TURISMO mento do turismo;
II. a promoção e a divulgação do turis-
NO BRASIL mo nacional, no país e no exterior;
turismo no Brasil é carac- III. o estímulo às iniciativas públicas
terizado pela oferta de e privadas de incentivo às ativida-
inúmeros atrativos natu- des turísticas;
rais espalhados por todo
o seu território e pautados IV. o planejamento, a coordenação,
na exuberante beleza de a supervisão e a avaliação dos
seus biomas, mas tam- planos e dos programas de incen-
bém por um diverso re- tivo ao turismo;
pertório de bens culturais, V. a criação de diretrizes para a inte-
materiais e imateriais, que gração das ações e dos programas
contam sobre a história e a cultura brasi- para o desenvolvimento do turismo
leiras a todos que visitam nosso território. nacional entre os governos federal,
Essas características tornam o país um estaduais, distrital e municipais;
destacado lugar de atratividade turística, VI. a formulação, em coordenação
que ao longo dos anos vem demandando com os demais ministérios, de po-
a elaboração de políticas públicas para re- líticas e ações integradas destina-
grar e regulamentar, bem como estabele- das à melhoria da infraestrutura e
cer objetivos, diretrizes e estratégias para à geração de emprego e renda nos
a sua promoção e o seu desenvolvimento destinos turísticos;
em território brasileiro, uma tarefa que
não tem sido necessariamente fácil. VII. a gestão do Fundo Geral de Turis-
Data da década de 1950 a elaboração mo (Fungetur); e
dos primeiros instrumentos de regu- VIII. a regulação, a fiscalização, e o
lação do turismo no Brasil, quando da estímulo à formalização, à certi-
criação do Conselho Nacional de Tu- ficação e à classificação das ati-
rismo (CNT), da Empresa Brasileira de vidades, dos empreendimentos e
Turismo (Embratur) e do Fundo Geral de dos equipamentos dos prestado-
Turismo (Fungetur). res de serviços turísticos.

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Quando pensamos na busca do patri-
mônio cultural como atrativo turístico,
importa-nos observar que muitas das PARA OS
discussões que aconteceram nas últimas CURIOSOS
décadas falam da urgência da realização
de um turismo sustentável como forma
de realização de atividades que atendam,
com o mesmo grau de importância, às O seu estado ou cidade
necessidades econômicas e sociais dos possuem Planos Estaduais
agentes promotores do turismo e das po- ou Municipais de Turismo?
pulações das regiões receptoras. Caso positivo, que tratamento
No entanto, conforme anunciado, esse documento oferece à
essa não tem sido tarefa fácil, uma vez necessidade de sustentabilidade
que muitas das formas de turismo, so- sociocultural?
bremaneira aquelas entendidas como O que se diz, se garante
“turismo de massa”, trazem um número ou recomenda sobre a preservação
descontrolado de visitantes que usu- do patrimônio cultural?
fruem de maneira irresponsável dos es-
paços visitados e de seus recursos, tra-
zendo, às vezes, mais prejuízos do que
desenvolvimento às populações locais.
Pode-se, inclusive, gerar o esgotamento
dos recursos naturais ou o esvaziamen-
to de significados dos espaços culturais,
que são desfigurados para o atendimen-
to imediato das expectativas da ativida-
de turística ou ainda problemas de natu-
reza social, como o desenvolvimento de
polos de turismo sexual, o aumento da
venda e consumo de drogas ilícitas, entre
outros fatores nocivos.

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Há que se realizar um planejamento
baseado em pontos de partida que visem
PARA OS à sustentabilidade das áreas receptoras
CURIOSOS (RUSCHMANN, 2001). Os Planos Nacionais
de Turismo, expressos em metas, diretrizes
e programas, trazem tal preocupação. O
mais recente deles, o Plano Nacional de
Como se realizam as políticas Turismo 2018-2022, estabelece, em sua Di-
públicas de proteção ao patrimônio retriz 3.4, a promoção da sustentabilidade,
em sua cidade ou estado e entendida como a “preservação não ape-
como elas podem favorecer o nas dos recursos naturais, mas da cultura e
desenvolvimento do turismo? da integridade das comunidades visitadas”.
Caso não existam, que projetos O documento, que deve servir de “car-
ou ações você pode sugerir ta de navegação” ao desenvolvimento das
aos poderes públicos locais ou políticas públicas para o turismo no Bra-
organizações da sociedade civil? sil, bem como estabelece compromissos
a serem cumpridos pelo governo federal,
destaca a importância da sustentabili-
dade sociocultural, que deve assegurar
a preservação das culturas locais e dos
valores morais das populações, da mes-
ma forma que deve fortalecer as iden-
tidades das comunidades e contribuir
para o seu desenvolvimento.
O Plano 2018-2022 traz também, como
uma de suas iniciativas principais, a de apri-
moramento da oferta turística nacional, ten-
do como primeira estratégia a promoção da
valorização do patrimônio cultural e natural,
entendendo-se que, para que os destinos
turísticos do país sejam mais atrativos, eles

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devem destacar-se não somente pela qua- las comunidades, que devem assimilá-lo e
lidade de infraestrutura, equipamentos e apropriar-se dele de maneira mais consis-
serviços, mas, fundamentalmente, por sua tente, contribuindo para o entendimento
capacidade de inovação e criatividade. e o fortalecimento de suas identidades,
Como exemplo dessa capacidade, po- como também tornando mais eficientes os
demos citar os recentes títulos de Cidades elos da cadeia econômica do turismo.
Criativas atribuídos pela Unesco às cidades Nesse processo, a atuação conjunta
de Fortaleza (CE) e Belo Horizonte (MG). As dos órgãos responsáveis pelos bens cultu-
capitais foram reconhecidas por promove- rais, como aqueles relacionados ao meio
rem o desenvolvimento sustentável através, ambiente e à cultura, apresenta-se como
respectivamente, do design e da culinária. fundamental para a criação e a efetivação
Com o título, as capitais têm a opor- de programas, projetos e ações de gestão
tunidade, entre outras, de participar de das áreas onde está assentado o patrimô-
projetos internacionais de fomento à nio cultural que se quer evidenciar.
indústria criativa de forma sustentável
e inclusiva (O POVO, 31 de dezembro de
2019), contribuindo não apenas para seu
desenvolvimento, mas para a valorização
PARA OS
de seu patrimônio cultural. CURIOSOS
Essa valorização, para que seja apro-
veitada como atrativo turístico, depende
das comunidades onde os referidos bens
culturais estão inseridos. Exige envolvi- O Brasil é formado por seis
mento e a capacitação de seus membros, diferentes biomas de aspectos
além da construção de sólidas relações de bastantes distintos, sendo esses
pertencimento, impedindo a elaboração a Amazônia, a Caatinga, o Cerrado,
de cenários e experiências artificiais que a Mata Atlântica, os Pampas e o
visem tão somente a destacar elementos Pantanal, todos eles abrigando
exóticos de atração para os turistas, preju- uma incontável riqueza de
dicando o reconhecimento e a valorização biodiversidade, de flora e fauna.
dos patrimônios culturais locais. Conheça mais sobre esses
Nesse sentido, a educação patrimonial biomas em: www.mma.gov.br/
precisa assumir seu papel nas elaboração biomas.html.
e execução das políticas públicas – não so-
mente voltadas ao turismo, mas para várias
áreas possíveis – promovendo e difundindo
a importância do patrimônio cultural pe-

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4.
TURISMO CULTURAL:
QUESTÕES RELATIVAS
À PRESERVAÇÃO
E AO DESENVOLVIMENTO
odemos afirmar que “toda
viagem turística é uma expe-
riência cultural”, afinal, ao ex-
perimentar espaços diferen-
tes do seu habitual, o turista
experimenta também outros SE
olhares, sabores e visões de
mundo. Para que consigamos
LIGA!
diferenciar um turista comum
do turista cultural, precisamos
observar suas motivações.
O turismo cultural é realizado por A origem do turismo cultural
meio da busca por destinos turísticos que antecede às outras formas
se constituem previamente como atrativos de turismo, podendo ser
culturais, sejam de natureza material ou encontrada no Grand Tour,
imaterial, chancelados ou não por órgãos viagem realizada mormente
oficiais, excluindo-se aqueles locais que, pelos filhos da aristocracia
embora de alguma maneira estabeleçam inglesa de finais do século XVII,
relações com cultura de um povo, tenham em busca de conhecimentos
suas características naturais como o princi- através de viagens a lugares
pal incentivo à visitação (BRASIL, 2010). como Paris e algumas das cidades
Dessa forma, o turismo cultural desen- italianas. Durante as viagens, os
volve-se em espaços onde não é a natureza, estudantes ocupavam-se com
mas os aspectos relacionados à atividade a identificação e a descrição de
humana, às relações de um universo cultu- grandes monumentos europeus,
ral diferente daquele experimentado pelo relacionando-os à história das
turista em seu cotidiano habitual, que se civilizações (URRY, 2001). Ainda
apresentam como foco principal. Ou seja, que bastante seletivas, uma vez
a motivação do turista cultural é a busca que bastante caras e muito mais
pela diferença, que lhe é apresentada por ligadas à educação dos jovens que
lugares de memória e manifestações de as experimentavam, tais viagens
caráter único, carregados de simbologia são o princípio do que hoje
expressa através da história, da arte, da ar- chamamos de turismo cultural.
quitetura ou de manifestações religiosas e
festivas de caráter popular, onde a música,
a dança e inúmeras outras linguagens com-
põem um todo diferenciado.

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Ao longo do território brasileiro, como
vimos nos módulos deste curso, são inú-
meras as cidades, os espaços e as mani-
festações culturais que dão conta da plu-
ralidade de características do nosso povo
e da força das muitas identidades que o
compõem. Não por acaso, cada vez mais
a busca por destinos turísticos culturais
ganha força e movimenta atores e capi-
tais para a sua realização. Em decorrên-
cia, são muitos os problemas que desse
movimento podem surgir.
Vimos também, em fascículos anterio-
res, que há um repertório de leis e progra-
mas de proteção ao patrimônio cultural
brasileiro, replicado, com algumas nuan-
ces, por muitos estados e municípios. Mes-
mo com esses instrumentos de proteção,
é importante pensarmos que o tratamen-
to desse patrimônio como “produto” a ser
comercializado pela atividade turística,
sem o devido planejamento, tende a be-
neficiar apenas os sujeitos promotores
do turismo (LEITE, 2004).
Como atividade relacionada ao fluxo
de pessoas, o turismo estabelece o in-
tercâmbio de diferentes culturas. Sua
interferência nos lugares visitados pode
ir desde a degradação física de monu-
mentos e outros patrimônios materiais,
devido a uma visitação em massa sem
regramentos ou fiscalização devidos
(como o caso de turistas que gravam suas
iniciais em sítios arqueológicos ou remo-
vem fragmentos de fachadas e edifícios
históricos para levarem como suveni-
res), à desfiguração e consequente esva-
ziamento de sentidos ocasionados pela
transformação de tradições e espaços de
manifestações culturais em “mercado-
ria” estilizada ao gosto de turistas ansio-
sos pelo exotismo da “cultura do outro”
(como a espetacularização exacerbada
de folguedos e festas populares).

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A medida que um bem cultural assu-
me um valor comercial, o risco da perda
de sua autenticidade aumenta expo-
nencialmente, pois sobre ele passam
a atuar outros atores e interesses que
não aqueles que originalmente os cons-
tituíram (OMT, 2001).
Os governos, aliados à iniciativa priva-
da, sempre tiveram clara a necessidade O turismo de base comunitária, ou
de investimento em infraestrutura turís- simplesmente turismo comunitário, é
tica, como hotéis, restaurantes, bares e um modelo de gestão da atividade turís-
atrações culturais, objetivando a dina- tica protagonizado pela comunidade, no
mização da oferta e procura turística em qual as decisões e os benefícios auferidos
um dado espaço. Porém, cada vez mais se são coletivos, “promovendo a vivência in-
impõe a necessidade de investimento em tercultural, a qualidade de vida, a valoriza-
planejamento para a exploração do tu- ção da história e da cultura dessas popu-
rismo cultural de forma sustentável, de lações, bem como a utilização sustentável
modo que sejam respeitados os modos dos recursos para fins recreativos e educa-
de vida, as tradições e as identidades tivos” (ICMBIO, 2018).
das regiões receptoras, principalmente Tal modalidade de turismo objetiva não
potencializando a inserção das comuni- apenas a oferta do espaço e das manifesta-
dades nessa cadeia produtiva. ções ao usufruto do visitante, mas oportu-
Muitos museus e sítios arqueológicos niza a troca de experiências entre dife-
estabelecem políticas rígidas de visita- rentes grupos, com diferentes culturas
ção, como horários e número limitado e modos de vida. Para tanto, as atividades
de pessoas para determinadas ativida- do turismo comunitário devem surgir como
des ou a proibição do consumo de ali- complemento às atividades tradicionalmen-
mentos ou bebidas durante as visitas, te realizadas pelas comunidades, gerando
entre outros. Mas os exemplos positivos emprego e renda, sem que isso modifique
mais significativos vêm do que se con- de forma profunda a dinâmica local. Deve
vencionou chamar de turismo de base ser uma troca em várias direções, oportuni-
comunitária, que surge em oposição ao zando a reflexão e o aprendizado para mo-
turismo de massa e contribui para que radores e visitantes, sem perder de vista as
empreendedores externos não dominem características identitárias dos nativos,
as tomadas de decisão sobre o espaço e onde as mudanças e as permanências de-
o cotidiano das comunidades. vem ser problematizadas coletivamente.

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cafés, uma lojinha e o Teatro Violeta Arraes:
engenho de Artes Cênicas. Suas atividades
são dirigidas por crianças e geridas por
elas, de forma coletiva e sob a supervisão
de alunos mais velhos da instituição.
Além dessas ações, foi criada a Coope-
rativa de Amigos da Casa Grande (Coopa-
gran). Por meio dela, os turistas que visitam
a região podem hospedar-se nas pousadas
domiciliares que ficam nas casas dos co-
operados, famílias das crianças da Casa
Um interessante exemplo vem da ci- Grande. Lá, os visitantes convivem e fazem
dade de Nova Olinda, situada no Cariri as refeições preparadas pelos moradores,
cearense, morada de muitas referências oportunizando trocas culturais de imenso
dos saberes tradicionais, conhecidos valor. Podem ainda conhecer muitos luga-
Tesouros Vivos como Tesouros Vivos. A região constitui res da região e os Tesouros Vivos, tendo os
São parte da política um verdadeiro caldeirão efervescente de cooperados como guias turísticos.
do Governo do Estado inúmeras manifestações culturais, como A ação tem como foco o fortalecimen-
do Ceará para o
reisados, grupos de coco e de maneiro- to das mulheres, donas das casas, e dos
reconhecimento, a
valorização e a proteção -pau, rabequeiros, ceramistas, cabacei- jovens, que se atualizam constantemente
do patrimônio cultural ros, xilógrafos, poetas populares, mestres em cursos de formação e realizam o recep-
imaterial cearense. do couro e muitos mais. Além de agregar tivo turístico. Como resultado, o trabalho
Anualmente, através de tesouros do patrimônio natural, especial- da OSC estimulou o turismo na cidade
edital público, indivíduos mente ligados à Geologia e Paleontolo- de Nova Olinda e a tornou referência de
e grupos detentores de
saberes tradicionais são
gia, no âmbito do Geopark Araripe, pri- turismo comunitário no estado do Ceará,
diplomados e recebem da meiro parque geológico das Américas rendendo-lhe diversas condecorações: o
Universidade Estadual do reconhecido pela Unesco, como vimos Prêmio Unicef de Criatividade Patativa do
Ceará o título de Doutor em nosso terceiro módulo. Assaré, em 2002; o Prêmio Fellow Empre-
Honoris Saber, além Diante de tamanha profusão cultural, endedor Social Ashoka, 2002; a Ordem do
de uma remuneração
a procura pela região como atração turís- Mérito Cultural, dada pelo Ministério da
vitalícia do estado,
passando a integrar as tica vem-se impondo, acompanhada da Cultura, em 2004; o título de Casa do Patri-
programações de diversos necessidade de preservação do patrimô- mônio da Chapada do Araripe, Iphan 2009;
equipamentos culturais nio ali verificado. e o Prêmio Economia Criativa 2012, do Mi-
públicos, nos quais Por essa razão, a Fundação Casa Gran- nistério da Cultura.
divulgam seu saber para de: memorial do Homem do Kariri, or- As iniciativas da Fundação, que se so-
as futuras gerações.
ganização não-governamental localizada mam às de outras instituições espalhadas
em Nova Olinda, vem desenvolvendo há pelo país, são um bom exemplo de inter-
mais de 25 anos uma série de atividades face possível entre o reconhecimento, a
de fomento à cultura da região, ao empre- valorização, a preservação cultural e o de-
endedorismo juvenil e à geração de renda senvolvimento da atividade turística.
voltada ao turismo. Dada a sua inegável importância,
Situada em uma casa de arquitetura urge a necessidade de encontrar-se um
tradicional do sertão cearense, a Fundação equilíbrio para o seu desenvolvimento
possui museu, biblioteca, Gibiteca (talvez a ordenado, sendo o bom planejamento,
de maior acervo no Ceará), videoteca, esta- fundamentado nas prerrogativas da sus-
ção de rádio, estúdio de música e vídeo, la- tentabilidade e da educação patrimo-
boratório de Arqueologia, restaurante, dois nial, ferramentas fundamentais.

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REFERÊNCIAS AUTORA
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É autora dos livros 
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São Paulo: Nobel/ SESC, 2001.

Formação de Mediadores de Educação para Patrimônio 159


Este fascículo é parte integrante do projeto
Formação de Mediadores de Educação
Patrimonial, em decorrência do Termo de
Fomento celebrado entre a Fundação Demócrito
Rocha e a Secretaria Municipal de Cultura de
Fortaleza, sob o nº 02/2019.

Todos os direitos desta edição reservados à:

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