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Neo-Modernistas sem Modernidade?

Camilo Vladimir de Lima Amaral (publicado no Jornal A4, UEG, maio, 2008)

O Modernismo não foi apenas um movimento artístico situado num determinado ponto
da história humana, foi também uma esperança e um sonho. Ele foi a esperança de que o
desenvolvimento da "razão" pudesse alcançar as verdades essenciais das coisas e realizá-las.
Assim, acreditaram que poderiam transformar as sociedades arcaicas, cheias de preconceitos e
limitações, em sociedades novas que, regidas pela "razão" verdadeira, permitiriam a realização
universal do homem. Esse era o sonho que movia o modernismo: a liberdade do homem pela
libertação das antigas amarras da tradição.
Para Foucault, desde a Época das Luzes, a "Modernidade" é o momento em que o homem
toma, pela razão, "as rédeas" de sua própria vida, e a transforma a partir de um projeto
consciente. Modernidade é, portanto, um projeto de mundo melhor, que se estabelece numa
atitude crítica frente às limitações do presente, que se estabelece a partir do uso consciente dos
instrumentos intelectuais disponíveis para construir um mundo melhor.
Após o período de crítica ao modernismo nos anos 60 e 70, em que ele foi "negado" por
seu reducionismo, por seu etnocentrismo e pelas supostas verdades absolutas da ciência
moderna, atualmente vivemos um "revival" da arquitetura "Modernista". Se a princípio isso
pudesse parecer o ressurgimento de um sonho, o vemos acompanhado de um cinismo sem
"esperanças".

Cénotaphe de Newton"
de Étienne-Louis Boullée.
Quando a Forma era pura e
as verdades eram absolutas.

O Modernismo, enquanto movimento em prol do moderno (do novo), perde seu sentido
se não está acompanhado da esperança de que o novo será melhor, de que um projeto de
Modernidade pode melhorar "o mundo como está". Vejamos melhor. O Modernismo travou luta
direta contra o ecletismo e o academicismo porque copiavam soluções que foram pensadas para
outras épocas, preocupavam-se com as glórias do passado e apenas as imitavam, sem produzir
algo novo com a capacidade da indústria que surgia. Assim, se copiarmos hoje a aparência das
glórias do "modernismo", não estaríamos num exercício de academicismo que esquece da
profundidade das esperanças de uma época? Podemos hoje ter esperanças de que a indústria e a
ciência vão libertar o mundo? Passados mais de um século desta utopia, que resta de
Modernidade nos Neo-Modernistas?
Se a Modernidade está atrelada à liberdade, à autonomia dos sujeitos enquanto
construtores de seu próprio destino, a arquitetura não pode mais impor uma verdade "formal" à
diversidade de "razões" que proliferam no mundo. Qual é mais verdadeiro, Cristo ou Maomé?
Quem está certo, Newton ou Einstein? Qual é a geometria verdadeira, a Euclidiana, a Fractal ou
a Simbólica?
Se a arquitetura foi várias coisas ao longo da história, definir o que é a arquitetura é uma
invenção e, por isso mesmo, é um projeto que se coloca frente à comunidade a que se refere.
Assim, definir uma arquitetura e construí-la é realizar no mundo uma "idéia", um
posicionamento diante do mundo: é uma definição de como ele deve ser e de como ele deve ser
transformado. Num mundo em que a verdade se desfaz cada vez mais em versões de um mesmo
fato, o julgamento de qual caminho tomar será sempre uma atitude ética.
A antiga crença na essência única da arquitetura é, hoje, insustentável. Impor uma
"forma" universal, clara e distinta construída historicamente nos países de centro é uma
colonização da liberdade dos outros. Misturando Marcuse com Lefebvre, a forma arquitetônica
deve, hoje, dizer menos o que ela "é" e perguntar mais o que ela "deve" ser: deve instigar as
pessoas a produzirem suas próprias verdades sobre o mundo, onde cada um constrói sua própria
alteridade enquanto "outro", enquanto diferente.
Onde está a esperança nos dias de hoje? No grandioso ou no pequeno? No estabelecido
ou no Sonho? No Universal Absoluto ou na alteridade do outro? Cada resposta possível a estas
perguntas é uma atitude ética que inventa uma nova "Modernidade", tão rica quanto mais insana
em devaneio, porém, mais real quanto mais o ethos considerar.
Trocando em miúdos, o verdadeiro modernista, hoje, não é modernista.

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