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ORDENS, PRÁTICAS E FLUXOS NA CONSTITUIÇÃO DAS SEMENTES

CRIOULAS: APONTAMENTOS A PARTIR DO TECIDO MUNDO DA REDE DE


INTERCÂMBIO DE SEMENTES (RIS) NA REGIÃO DE SOBRAL-CE

Orders, practices and flows in the constitution of creole seeds: notes on the world fabric of
the Seeds Exchange Network (Rede de Intercâmbio de Sementes – RIS) in the region of
Sobral-CE
Helena Rodrigues Lopes1
Claudia Job Schmitt2
José Maria Vasconcelos3
Resumo:

Este artigo procura organizar uma reflexão em torno das ordens, práticas e fluxos que
possibilitam a emergência material e discursiva das sementes crioulas, buscando captar as
disputas políticas que atravessam a ontologia destes materiais e dos mundos que eles fazem
existir. O estudo tem como referência o universo de atuação da Rede de Intercâmbio de
Sementes (RIS), estado do Ceará, particularmente na região de Sobral. A RIS constitui-se
como uma rede de organizações com presença em nível estadual e que conta com a
participação de camponeses/as, quilombolas, assentados/as da reforma agrária, técnicos/as,
entre outros atores, trabalhando de forma conjunta na preservação e multiplicação de
sementes crioulas, implantação de roçados agroecológicos e na estruturação de casas e feiras

1
Doutoranda no Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Endereço eletrônico:
helenaeco.agro@gmail.com
2
Professora Adjunta Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Endereço eletrônico:
claudia.js21@gmail.com
3
Mestre em Agroecologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Assessor Técnico da Cáritas
Diocesana de Sobral. Endereço eletrônico: zmvasconcelos@yahoo.com.br
de sementes. Tendo por base um conjunto de observações de caráter etnográfico, o trabalho
estabelece um diálogo com a teoria das práticas, a abordagem antropológica proposta por Tim
Ingold, a teoria do ator-rede e abordagens pragmatistas acerca da construção dos problemas
públicos. As análises reforçam a ideia de que as sementes crioulas são resultado, tanto do seu
enraizamento no tecido mundo da RIS, quanto de um processo político de constituição de um
ente público capaz de potencializar novos campos de experiências.
Palavras-chave: Sementes crioulas; Ordens; Práticas; Fluxos; Rede de Intercâmbio de
Sementes.
Abstract
This article aims to reflect on the orders, practices and flows that allow the material and
discursive emergence of creole seeds, capturing the political disputes that cross the ontology
of these materials and the worlds that they bring into existence. The study takes as a reference
the universe of action of the Seed Exchange Network (Rede de Intercâmbio de Sementes -
RIS), state of Ceará, particularly in the Sobral region. RIS is a network of organizations
present at the state level, counting on the participation of peasants, quilombolas, land reform
settlers, technicians, among other actors, working together in the preservation and
multiplication of creole seeds, implementation of agroecological plots and structuring of seed
houses and seed fairs. Based on a set of ethnographic observations, the work establishes a
dialogue with the theory of practices, the anthropological approach proposed by Tim Ingold,
the actor-network theory and pragmatist approaches to the construction of public problems. It
reinforces the idea that creole seeds are the result both of their rooting in the fabric of the RIS
world and of a political process of construction of creole seeds as a public entity, capable to
enhance new fields of experiences.
Keywords: creole seeds, orders, practices, flows, Seed Exchange Network

1. INTRODUÇÃO

As sementes crioulas são “sementes agricultoras por ocasião de visitas,


naturais”, “são da gente”, “da luta” realizadas em diferentes momentos no
“sementes de gerações”, “sementes da tempo, a bancos ou Casas de Sementes
paixão”4. Ouvimos estas explicações nas crioulas existentes no Semiárido
conversas estabelecidas com agricultores e brasileiro5. Aquelas sementes,

4 5
Ao longo deste trabalho utilizaremos o termo A produção deste artigo encontra-se vinculada a
semente como um modo de designar diferentes um projeto de pesquisa, em andamento, que tem
tipos de materiais propagativos de espécies vegetais como um de seus objetivos a elaboração, pela
cultivados ou simplesmente manejados pelos primeira autora, de sua tese de doutorado. As
agricultores. Não trataremos aqui, portanto, de observações etnográficas que subsidiam estas
forma mais detalhada, das diferentes espécies e reflexões estão associadas, principalmente, ao
raças de animais, embora possamos reconhecer que, contexto de experiência da Rede de Intercâmbio de
em um plano mais geral, “semente é tudo aquilo Sementes (RIS), no Ceará. A realização deste
que nasce”. Este conceito, formulado por um trabalho nos permitiu mobilizar, também, um
agricultor paraibano, foi extraído do artigo conjunto heterogêneo de informações e registros
elaborado por Petersen, Silveira, Dias et al. (2013). recolhidos pelos/as autores/as em suas interações

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armazenadas em prateleiras no interior de conjunto diferenciado de características e
garrafas pet, em sacos de diferentes tipos, de finalidades; multiplicar a diversidade
bombonas, ou silos de fabricação caseira intercambiando materiais propagativos
eram, na visão de nossos interlocutores, com parentes e vizinhos ou através de
muito diferentes daquelas fornecidas pelos circuitos mais amplos de comercialização e
programas governamentais, vendidas pelas de troca. Essas práticas, como bem
empresas ou desenvolvidas pelas observaram os agricultores e agricultoras
instituições de pesquisa. Incorporavam com quem dialogamos nas visitas de
histórias envolvendo parentes e vizinhos, a campo, em alguma medida, “sempre
lembrança das comidas servidas em existiram”. Mas a emergência das
tempos de festa ou no dia a dia, sementes crioulas como “entidades
adaptavam-se bem tanto nas áreas públicas e legais” (DELGADO e
utilizadas pelos agricultores e agricultoras RODRIGUEZ-GIRALT, 2014), pode ser
na formação dos roçados, como nos reconstituída historicamente, em conexões
espaços de uso múltiplo disponíveis no que se estabelecem em diferentes tempos e
“arredor de casa”. Alguns daqueles espaços, através de dinâmicas complexas
materiais haviam sido obtidos nas viagens de problematização e publicização
de intercâmbio promovidas pelo sindicato (CEFAI, 2017).
ou outras organizações locais, outros Em artigo publicado em 1998,
evocavam a presença de visitantes “que Zeven6 apresenta uma retrospectiva dos
vieram conhecer nosso trabalho e debates científicos relacionados à definição
trouxeram esse feijão”, havia também e classificação das chamadas variedades
sementes que carregavam sentimentos de autóctones ou locais7 (em inglês,
gratidão, pois lembravam pessoas “que nos
6
deram uma ajuda naquele período de seca Pesquisador vinculado ao Departamento de
Melhoramento de Plantas da Universidade de
em que a gente quase perdeu tudo”. Wageningen, Holanda.
7
Como veremos ao longo do texto, a palavra
Reservar sementes e mudas para “variedade” remete a uma definição polissêmica,
tanto do ponto de vista científico quanto em sua
plantio na próxima safra; selecionar, ainda utilização pelos agricultores/as. Os critérios
na lavoura, as melhores espigas ou as utilizados pelos geneticistas para a identificação de
uma variedade são diferentes daqueles empregados
melhores vagens, levando em conta um pelos grupos sociais que manejam estes recursos.
Segundo Emperaire (2002), para os agricultores/as
uma variedade corresponde “a um conjunto de
indivíduos com características morfológicas
com diferentes iniciativas voltadas à conservação e suficientemente próximas e suficientemente
manejo das sementes crioulas, tanto no Semiárido diferentes de outros conjuntos para que constitua
como em outras regiões do Brasil. uma unidade de manejo e seja reconhecida por um

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landraces), em uma trajetória que se inicia (KNORR CETINA, 2001). Antes de mais
no final do século XIX (ZEVEN, 1998). nada, como destaca o autor, as variedades
Na genealogia elaborada pelo autor, as autóctones não podem ser confundidas
variedades locais teriam sido mencionadas com as cultivares desenvolvidas pela
pela primeira vez no meio científico, como pesquisa, na medida em que estas últimas
recurso a ser preservado pela humanidade, representam uma unidade taxonômica
em um congresso de agricultura e delimitada por um atributo particular ou
silvicultura realizado em Viena em 1890. por uma combinação de atributos,
Em 1927, a conservação das variedades “claramente distinta, uniforme e estável”,
crioulas foi extensamente debatida em um sendo que “quando propagadas por meios
encontro organizado pelo Instituto apropriados, retém suas características”
Internacional de Agricultura8. (ZEVEN, 1998, p. 129). As variedades
Recomendou-se aos congressistas, nesta locais, no entanto, são consideradas
ocasião, que organizassem em seus países instáveis, apresentando características e
atividades voltadas à conservação destas comportamentos distintos, ao longo do
variedades, tanto em nível das unidades tempo e de lugar para lugar.
produtivas (conservação in situ), como nas As conceituações elaboradas pelos
escolas. especialistas e mencionadas no texto de
As controvérsias científicas Zeven (1998) procuram, de modo geral,
estabelecidas ao longo de quase um século reforçar as conexões existentes entre as
de discussões em torno da definição das variedades autóctones e sua região de
variedades locais e de suas distintas origem, destacando sua adaptabilidade às
classificações, recuperadas por Zeven condições naturais e técnico-econômicas
(1998), permitem-nos vislumbrar as existentes em nível local. Os pesquisadores
tensões que perpassam a construção deste mencionados salientam, ao mesmo tempo,
objeto epistêmico, na sua incompletude que estas variedades circulam entre
diferentes regiões, podendo ser antigas –

nome que lhe seja próprio” (EMPERAIRE, 2002: ou seja, reproduzidas desde “tempos
191). imemoriais” ou “ao longo das gerações” –
8
O Instituto Internacional de Agricultura foi criado
em Roma, em 1905. No período posterior à o que não significa que sejam
Segunda Guerra Mundial, as funções e os arquivos
da Instituição foram absorvidos pela Food and necessariamente locais. Vários autores
Agriculture Organization of the United Nations
(FAO). Ver Luzzatti (1906) e FAO, disponível em destacam a capacidade das variedades
http://www.fao.org/faolex/background/es/. Acesso:
20/04/2019 locais de se adaptar a condições adversas

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de solo e clima, mantendo níveis estáveis série de resistências ao trabalho
de produtividade. Já as cultivares desenvolvido pelos cientistas que buscam
comerciais teriam como característica a estabilizar este ente móvel e mutável,
manutenção de altos índices de através de uma única conceituação,
produtividade sempre que cultivadas em rompendo nesse processo o emaranhado de
“condições ótimas”, como as vigentes nos fios vitais que possibilita o devir das
campos experimentais das estações de variedades crioulas nos diferentes lugares
pesquisa. (INGOLD, 2012). E como veremos mais
Nesse exercício de definição adiante, a ciência não é a única entidade
protagonizado por diferentes especialistas, que busca estabilizar a existência das
intensificam-se as controvérsias em torno sementes crioulas. Essa tarefa também tem
da natureza das variedades locais, sido assumida por diferentes dispositivos
expandindo as condições de existência do jurídicos, que buscam controlar a
objeto analisado. Assim, novos fenômenos qualidade das sementes, suas formas de
são identificados, como a existência de utilização e seus espaços de circulação.
“novas variedades crioulas” resultantes de Este texto tem como motivação
mutações ou cruzamentos espontâneos de original nossa disposição em compreender,
variedades locais tradicionalmente ainda que de forma tentativa, algo que
cultivadas e o melhoramento de variedades passamos a identificar como sendo “a
autóctones por meio de técnicas vitalidade das sementes crioulas”. Em
desenvolvidas pelos/as agricultores/as, termos práticos, esta vitalidade se
assim como a “reversão” de cultivares, manifesta na capacidade destas sementes
originalmente obtidas pela pesquisa e que de fomentar práticas e mobilizar afetos; de
passam, sob determinadas condições, a se conectar pessoas, coisas e lugares, criando
comportar como variedades localmente raízes e ampliando, ao mesmo tempo, seu
adaptadas. espaço de circulação; de materializar
Para fins deste trabalho, mais memórias e histórias produzindo,
importantes do que o conceito proposto simultaneamente, novas narrativas e
pelo autor no final do artigo, são os performances. A vitalidade das variedades
impasses por ele enfrentados em seu crioulas está presente nas feiras de trocas
esforço por caracterizar as chamadas de sementes, nos depoimentos carregados
variedades locais. A natureza vital das de emoção dos agricultores e agricultoras
sementes (BENNETT, 2010) oferece uma envolvidos em práticas comunitárias de

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resgate e armazenamento de variedades, na inanimado, simbólico e material. Mesmo
diversidade de plantas manejadas nos adotando perspectivas um pouco distintas,
quintais, nos roçados e outros espaços de esses autores partilham da ideia de que a
vida. Mas a força das variedades crioulas narrativa da modernidade, ancorada na
emerge também na relação, muitas vezes imagem de um mundo externo ao
conflitiva, com outros ordenamentos, que observador e capaz de ser conhecido “tal
buscam canalizar os fluxos destas sementes como ele é” através da razão, acaba por
e delimitar suas condições de existência, anular outras realidades possíveis, que
restringindo sua circulação, enquadrando emergem a partir de arranjos diferenciados
seus significados ou estabelecendo pontos entre sujeitos, objetos e mundos. Não se
de passagem obrigatórios. trata, simplesmente, de reconhecer a
O artigo aqui apresentado busca possibilidade de que uma mesma realidade
refletir acerca das ordens, práticas e dos possa ser percebida desde diferentes pontos
fluxos que sustentam a existência material de vista, mas de romper, conforme
e discursiva das sementes crioulas, em um sugerido por Steil e Carvalho (2013), com
contexto social e ecológico específico, uma visão representacional, que tende a
tomando como referência o espaço de isolar “os significados, os conceitos e as
atuação da Rede de Intercâmbio de abstrações que resultam do processo de
Sementes (RIS). No caso desta pesquisa, conhecimento”, da sua relação com as
acompanhamos mais de perto as práticas matérias e as coisas (STEIL e
desenvolvidas pela Rede na região de CARVALHO, 2013, p. 164).
Sobral, no norte do estado do Ceará, As perspectivas de análise
caracterizada por um clima Semiárido e acionadas neste trabalho procuram
pela forte presença de uma agricultura de estabelecer uma estreita conexão entre as
base familiar. Procuramos mobilizar neste práticas sociais e a emergência de sujeitos
exercício etnográfico um conjunto e mundos, qualificando a coexistência e o
diversificado de abordagens, que têm como conflito em torno dessas múltiplas
elemento comum o questionamento a uma realidades como um conflito ontológico.
série de dicotomias há muito enraizadas No desenvolvimento desta pesquisa,
nos modos de produção do conhecimento encontramos elementos que nos ajudaram a
nas ciências sociais, como por exemplo: refletir sobre as dinâmicas associadas às
natureza e cultura, sujeito e objeto, sementes crioulas nos estudos sociais da
humano e não humano, animado e ciência e da tecnologia, particularmente na

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teoria do ator-rede (LAW, 1994; compõem um determinado mundo se
LATOUR, 1994, 2005; MOL, 2002), em tornam facilmente acessíveis (BLASER,
abordagens de caráter antropológico 2010, p. 2-3).
(INGOLD, 2000, 2012; BLASER, 2010, No desenvolvimento desta
2012, 2013) e em diferentes autores que, a pesquisa, os feixes de práticas e arranjos
partir de enfoques variados, buscam materiais associados às sementes
recuperar os nexos existentes entre práticas assumiram um lugar central em todo o
humanas e arranjos materiais (SCHATZKI, processo de investigação. Foi através desse
2002, 2005, 2015; KNORR CETINA, fio condutor que buscamos compreender a
2001). Longe de reivindicar algum tipo de emergência das sementes, suas múltiplas
unicidade entre esses esforços de existências, contextos e formas de
teorização, sinalizamos a presença de um coordenação (MOL, 2002). As práticas
campo de debates de topografia por vezes foram abordadas no contexto deste
acidentada, em que é possível identificar trabalho como “conjuntos abertos de
territórios compartilhados, mas, também, fazeres e dizeres, organizados por
descontinuidades. compreensões, regras e teleoafetividades”
Explorando as possíveis (SCHATZKI, 2015, p. 1). Esse autor
implicações de uma abordagem centrada (SCHATZKI, 2002, 2015) chama atenção
nas ontologias, Blaser (2010) propõe uma para a estreita relação existente entre
definição que busca articular três práticas e materialidades. As práticas
dimensões: (i) o princípio de que todas as “produzem, utilizam, dão sentido e são
formas de “entendimento do mundo” inseparáveis dos arranjos” que, por sua
contêm pressupostos implícitos ou vez, “canalizam, prefiguram, facilitam e
explícitos sobre as realidades que podem são essenciais às práticas”. (SCHATZKI,
ou não existir; (ii) a ideia de que as 2015, p. 2)9. Para Schatzki (2002; 2015), o
ontologias não são anteriores às práticas,
9
Não é nossa intenção apresentar neste trabalho
ou seja, emergem a partir das práticas e das
uma discussão detalhada sobre as distintas formas
interações que se estabelecem entre como os autores aqui referenciados enfrentam o
problema da simetria entre humanos e não
humanos e não humanos; e (iii) a
humanos. Parece-nos suficiente reconhecer as
constatação de que as ontologias também diferenças existentes entre a teoria do ator-rede,
particularmente na visão de Latour, que considera
se manifestam como estórias, histórias ou como um actante qualquer coisa capaz de fazer a
mitos – através deles, os princípios diferença e modificar o estado de coisas (LATOUR,
2005, p. 71), e as posições adotadas por outros
ordenadores e as coisas e relações que autores. Para Schatzki (2002), a agência dos objetos

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sentido, a finalidade e os projetos agricultores e agricultoras e suas sementes,
subjacentes a estas práticas não podem ser visitando casas, roçados e quintais,
compreendidos, unicamente, sob uma circulando pelos municípios e também
perspectiva racional, envolvendo também participando em reuniões nas Casas de
emoções, afetos e humores. Sementes e nos Sindicatos dos
O trabalho de campo que subsidiou Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais
esta pesquisa envolveu um esforço de (STTRs). Nessa imersão na região de
aproximação etnográfica com os atores da Sobral, procuramos não perder de vista as
RIS da região de Sobral, também conexões estabelecidas pela RIS com redes
denominada RIS Sobral. O termo nacionais e internacionais. Nossa reflexão
aproximação nos parece adequado na sobre a natureza multiescalar dos mundos
medida em que a permanência no campo das sementes, nos permitiu agregar a esse
envolveu uma pluralidade de formas de processo de reflexão, observações de
interação com os atores vinculados à RIS, caráter etnográfico que haviam sido
organizadas em torno de diferentes registradas em outros contextos de
necessidades e estratégias de investigação.
investigação. Apesar disso, procuramos Nas páginas a seguir, buscamos
estar atentos ao constante vai e vem do acompanhar o devir das sementes e dos
trabalho etnográfico, que envolve uma mundos que elas fazem existir.
função crítica e epistêmica moral entre a Apresentamos, inicialmente (Seção 2),
experiência do mundo que se propõe a uma breve retrospectiva dos processos que
conhecer e aquela de quem realiza a possibilitaram o surgimento, ainda na
pesquisa (DESCOLA E SCARSO, 2016). primeira metade do século XX, de uma
Durante dez dias, em outubro de 2017, foi nova ordem das sementes, tendo como
possível acompanhar o dia a dia dos elemento central as variedades comerciais
desenvolvidas pela pesquisa. Registramos,
estaria mais diretamente ligada ao domínio das também, o surgimento, sobretudo a partir
ordens e não das práticas propriamente ditas,
existindo uma especificidade da ação humana. da década de 1970, de um movimento
Ingold (2011), por sua vez, questiona a própria contra-tendente, abarcando diferentes
ideia de objeto, compreendendo que os organismos
(humanos ou não humanos) não devem ser formas de ativismo em torno das sementes
compreendidos como uma entidade delimitada por
crioulas, não apenas no Brasil, mas em
fronteiras e situada em um ambiente, mas como
“um entrelaçamento de linhas em um espaço diferentes partes do mundo. A Seção 3
fluido” (INGOLD, 2011, p. 64).
resgata um conjunto de elementos

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relacionados à trajetória de organização aqui, as conexões estabelecidas pelas
das populações rurais do Semiárido sementes com o território. Na seção final
brasileiro em torno das sementes, do artigo, buscamos sistematizar reflexões
agregando também alguns elementos sobre relativas tanto ao enraizamento das
o histórico da RIS. Lançamos, a seguir, um sementes no tecido mundo da RIS, quanto
olhar etnográfico sobre as práticas de ao processo político de constituição das
manejo da agrobiodiversidade na região sementes crioulas como um ente público e
pesquisada, considerando, também, as como um bem compartilhado, capaz de
Casas de Sementes, como um locus potencializar novos campos de
importante de observação. Ganham força, experiências.

2. A “NOVA ORDEM DAS SEMENTES” EM DIFERENTES ESCALAS:


DINÂMICAS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO E ESPAÇOS DE
CONTESTAÇÃO

O processo através do qual processos, em que cabe destacar: a


diferentes práticas associadas à reprodução progressiva institucionalização da pesquisa
e à livre circulação das sementes agrícola; os avanços ocorridos no campo
manejadas historicamente pelos da genética vegetal, com a incorporação de
agricultores passaram a ser percebidas novas técnicas de melhoramento de plantas
como um problema a ser equacionado pelo e o desenvolvimento de cultivares híbridas;
Estado, pelos cientistas e pelas empresas a ação decisiva do poder público na
com atuação no setor agroalimentar, já foi regulação dos processos de produção e
detalhadamente abordado por diferentes comercialização de sementes; a
autores (KLOPPENBURG JR., [1988] progressiva estruturação da produção
2004; CERVANTES, 2012; PERKINS, sementeira como uma atividade mercantil.
1997; PATEL, 2012; BONNEUIL, 2011). Como observam Bonneuil et al.
De acordo com essa literatura, situada (2011) em seu estudo referente ao caso
principalmente no campo da economia e da francês, nesse novo regime de inovação na
ecologia política, uma “nova ordem das agricultura, as sementes se deslocam para o
sementes” se estabelece, sobretudo, a partir espaço-tempo dos laboratórios e das
das primeiras décadas do século XX, estações agronômicas, que vinham sendo
através da convergência entre diferentes implantados não apenas na França, mas

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também em outros países, desde o século agricultores e agricultoras impostas por
XIX (BONNEUIL et al., 2011; uma série de dispositivos jurídicos que
KLOPPENBURG Jr., [1988] 2004). Nesse tinham por objetivo proteger os direitos
ambiente protegido, “a semente dos melhoristas e possibilitar o
monovarietal, geneticamente homogênea e patenteamento de materiais propagativos.
pura se tornará a norma” (BONNEUIL et No Brasil, o surgimento de
al., 2011, p. 179). O surgimento dessa diferentes formas de ativismo associadas às
nova ontologia política das sementes sementes crioulas guarda uma forte relação
permitiu que suas características fossem com o movimento por uma agricultura
isoladas, manipuladas e estandardizadas, alternativa, que emerge no país no final
ampliando-se com isso seu valor dos anos 1970, ganhando maior expressão
agronômico e industrial. A organização do nos anos 1980, em um cenário marcado
“progresso genético” assume, assim, uma pelo processo de redemocratização do país.
arquitetura política, normativa e Merece destaque, nesse período, a
institucional centralizada. Um grupo estruturação de uma série de iniciativas de
reduzido de agricultores e agricultoras base comunitária envolvendo o resgate e o
passa a atuar na multiplicação das melhoramento de variedades locais ou,
sementes desenvolvidas pela pesquisa, mas simplesmente, a produção e disseminação
a grande maioria se integra a essa nova de sementes crioulas (GRÍGOLO, 2016).
configuração, não sem resistências, como Essas ações eram desenvolvidas, na grande
consumidores/as ou usuários/as destas maioria dos casos, por grupos de ação
“variedades melhoradas”. pastoral ligados à Igreja Católica10, em
A emergência de um movimento de articulação com centros de tecnologias
crítica aos modos de organização impostos alternativas que estavam sendo
pela modernização da agricultura e seus implantados, naquele momento, em
efeitos sobre a diversidade genética na diferentes regiões do país. Chegaram a
agricultura só irá alcançar uma maior contar, também, em alguns contextos
expressão, no plano internacional, a partir específicos, com o apoio de cientistas
da década de 1970. Ganha visibilidade vinculados a instituições públicas de
nesse período a denúncia pública dos pesquisa.
riscos associados aos processos de erosão
genética na agricultura, bem como das 10
Com participação, também, em alguns estados,
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
duras restrições aos direitos dos Brasil (IECLB).

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A formação, a partir de 1983, da intelectual referendados por diferentes
Rede Projeto de Tecnologias Alternativas tratados internacionais que buscavam
(Rede PTA) como uma rede de proteger não apenas os direitos dos
organizações não governamentais voltada melhoristas, engajados na produção de
ao resgate e à disseminação de práticas novas cultivares através de técnicas de
agrícolas alternativas, contribuiu para que melhoramento convencional, mas um
uma série de grupos comunitários amplo conjunto de inovações mais recentes
engajados nessas diferentes práticas de desenvolvidas no campo da
(re)vitalização das sementes crioulas biotecnologia11. De acordo com a narrativa
pudessem compartilhar suas experiências e que sustenta sua implantação, as leis de
somar esforços na construção de sementes teriam por objetivo proteger
estratégias locais de conservação, agricultores e agricultoras dos riscos
valorização e melhoramento das associados à utilização de sementes
variedades locais. A partir da safra 1990- “piratas” e “de baixa qualidade”,
1991, essa mesma rede de organizações reproduzidas por eles/as mesmos/as ou
engajar-se-ia em uma iniciativa de comercializadas através de sistemas
pesquisa inovadora, que recebeu o nome de informais de disseminação de materiais
“Ensaio Nacional de Milho Crioulo”, propagativos. De modo geral, a visão que
desenvolvida com a participação de orienta esses marcos regulatórios é a de
pesquisadores da Empresa Brasileira de que “os direitos dos agricultores
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), constituem exceções aos direitos dos
associações de agricultores, sindicatos de melhoristas” (PACKER, 2009, p.171).
trabalhadores rurais, centros de tecnologias É possível observar, ao mesmo
alternativas, entre outras organizações não tempo, a partir da década de 1990, por
governamentais. meio de alguns tratados internacionais –
As dinâmicas de ação coletiva em particularmente no âmbito da Convenção
torno das sementes, em sua multiplicidade, sobre a Diversidade Biológica (CDB) e do
ampliaram-se no decorrer da década de Tratado sobre Recursos Fitogenéticos para
1990 e nos anos 2000, em um cenário Alimentação e Agricultura da Organização
marcado por um forte alinhamento dos das Nações Unidas para a Alimentação e
marcos regulatórios relacionados às
sementes em âmbito nacional, aos
11
Sobre esse tema, ver: Packer (2009); Santilli
dispositivos de proteção da propriedade (2009); Araújo (2010); Schmitt e Almeida (2011).

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Agricultura12 – um reconhecimento das No caso brasileiro, a nova Lei de
práticas e inovações desenvolvidas pelos Sementes e Mudas aprovada em 200314,
agricultores e povos e comunidades que substituiu uma lei anterior, datada de
tradicionais no manejo da diversidade 1977, embora tenha imposto uma série de
biológica de uso agrícola e alimentar restrições ao direito dos agricultores e
(PACKER, 2009; SANTILLI, 2009)13. agricultoras de reservar sementes para
A legitimação do direito dos utilização nas safras subsequentes,
agricultores e agricultoras ao livre uso da reconhece a existência das cultivares
diversidade agrícola e alimentar irá locais, tradicionais ou crioulas,
enfrentar, no entanto, uma série de dispensando, no caso dessas sementes, seu
impasses em um ambiente marcado por registro junto ao Ministério da Agricultura,
intensas disputas de poder envolvendo as Pecuária e Abastecimento (MAPA). Ou
empresas transnacionais de sementes, os seja, a lei permite que essas sementes
governos dos diferentes países, as sejam utilizadas e possam circular com
instituições internacionais e nacionais relativa liberdade, podendo ser
dedicadas à pesquisa agrícola, identificadas como “sementes”, ao
organizações não governamentais de contrário da legislação anterior, que as
diferentes matizes, entidades enquadrava como grãos, restringindo sua
representativas dos grandes produtores distribuição através de programas de
rurais, representantes das cadeias políticas públicas e criando obstáculos à
produtivas do agronegócio, entre outros sua comercialização. O novo regulamento
atores. autoriza, também, que agricultores/as
familiares, assentados/as da reforma
agrária e indígenas multipliquem sementes
ou mudas para distribuição, troca ou
comercialização entre si, vetando, também,
12
Em inglês: International Treaty on Plant Genetic a imposição de restrições às sementes
Resources for Food and Agriculture – TIRFAA,
promovido pela Food and Agriculture Organization crioulas em programas de financiamento
of the United Nations – FAO (FAO, 2009). ou programas públicos de distribuição e
13
Não abordaremos, aqui, as distinções existentes
entre os regulamentos internacionais acima troca de sementes (LONDRES, 2013).
mencionados no que diz respeito ao enquadramento
jurídico e conceitual da diversidade biológica e de
suas relações com a agricultura. Uma análise mais
14
detalhada das diferenças existentes entre a CDB e o Lei nº. 10.711/2003. Ver:
TIRFAA pode ser encontrada em Packer (2009) e http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-
Santilli (2009). 1979/L6507.htm. Acesso: 24/04/2019.

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Contudo, a comercialização dessas relacionados à biodiversidade, em suas
sementes através de associações ou múltiplas traduções, irão gerar efeitos
cooperativas vinculadas à agricultura importantes sobre os sujeitos e mundos
familiar15 manteve-se como um foco de associados às sementes, repercutindo, no
controvérsias no processo de entanto, de forma muito diferenciada nos
regulamentação da lei16. distintos contextos.
Buscamos, através desta breve
retrospectiva, destacar a complexidade dos
arranjos envolvidos na constituição
material e simbólica das sementes,
considerando tanto as variedades
comerciais quanto as sementes crioulas. As
fronteiras que separam as sementes
homogêneas, estáveis e “de qualidade”
produzidas pela pesquisa, das sementes
crioulas – percebidas como instáveis,
heterogêneas e, no limite imprevisíveis –
são constantemente estabelecidas,
contestadas e recriadas, em meio a uma
série de disputas de poder envolvendo
instituições científicas, dispositivos
jurídicos e agentes de mercado. A partir
dos anos 1970 e, sobretudo, da década de
1990, os arranjos materiais e discursivos

15
Referimo-nos, aqui, à agricultura familiar em seu
sentido amplo, nos termos estabelecidos pela Lei da
Agricultura Familiar (Lei 11.326/2006), que
consolida uma definição abrangente, abarcando
distintas identidades incluindo povos indígenas,
pescadores artesanais, extrativistas, remanescentes
de quilombos, entre outras categorias.
16
Como observa Londres, o Artigo 12 do Decreto
7.794/2012 alterou a Lei de Sementes e Mudas,
possibilitando que as cooperativas e associações de
agricultores familiares pudessem comercializar
sementes com agricultores familiares não
cooperados, explicitando, também a possibilidade
de comercialização dessas sementes entre as
diferentes unidades da federação (Londres, 2013).

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3. DINÂMICAS COLETIVAS DE MANEJO DAS SEMENTES NO
SEMIÁRIDO BRASILEIRO

O Nordeste brasileiro ocupa cerca biodiversidade cerca de um terço das


de 18% de todo o território nacional. plantas e 15% dos animais são espécies
Aproximadamente 60% da superfície exclusivas da Caatinga18.
territorial existente nesta região foi Segundo o Censo Agropecuário de
enquadrada pelas políticas públicas como 2006 elaborado pelo Instituto Brasileiro de
pertencendo ao Semiárido17. No caso do Geografia e Estatística (IBGE), a
Ceará, esta delimitação abrange agricultura familiar do Semiárido,
praticamente todo o território estadual. abarcando cerca de 1,5 milhões de
De forma genérica, as regiões famílias, representa 28,82% da agricultura
semiáridas são caracterizadas por aridez do familiar brasileira, ocupando somente
clima, deficiência hídrica e pela 4,2%, das terras agricultáveis, enquanto
imprevisibilidade pluvial, baixa presença apenas 1,3% dos estabelecimentos rurais,
de matéria orgânica nos solos e por com mais de 1.000 ha ocupam quase 40%
temperaturas elevadas durante o período do território19. Em 2017, 44,8% da
seco anual, de dezembro a março (SILVA, população do Nordeste estava em situação
2007). Apesar desta generalização, busca- de pobreza20, sendo que uma parcela
se formular neste artigo, também em significativa dos pobres residia em áreas
consonância com o que discute Silva rurais.
(2007), como a vida no Semiárido está Os desafios historicamente
mais além das descrições que cabem em enfrentados pelas populações do
aridez ou em déficit hídrico. Semiárido, resultantes não de um
A Caatinga é um dos biomas do “imperativo climático”, mas de toda uma
Semiárido. Embora seja um domínio configuração simbólica e material marcada
endêmico do Brasil, possui menos de 1% por profundas assimetrias de poder
de sua área protegida por unidades de (SILVA, 2007), tornam compreensível a
conservação, sendo que 45% de sua 18
Ver:
superfície está desmatada. Em termos de http://www.asabrasil.org.br/semiarido#biomas-
semiarido Acesso: 09/03/2019.
19
Ver:
17
Sobre os critérios de delimitação do Semiárido http://www.asabrasil.org.br/semiarido#biomas-
brasileiro, ver SUDENE, disponível em: semiarido Acesso: 09/03/2019
20
http://www.sudene.gov.br /delimitacao-do- Ver: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/
semiarido. Acesso: 05/05/2019. Acesso: 09/03/2019

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observação feita por um dos agricultores com o Padre Bernardo Holmes, vigário à
da RIS Sobral: “a gente armazena a época em Tauá, Ceará. Padre Bernardo
semente para plantar, mas se a fome explica que o movimento de
apertar a gente come”. As sementes estão armazenamento coletivo de sementes no
relacionadas às possibilidades de estar Nordeste foi estimulado por duas grandes
vivo, na condição orgânica mais elementar necessidades: “as condições de vida do
– alimentar-se. Todavia, nos termos Sertão: plantar quando a chuva vem para
propostos por Ingold (2012), a vitalidade não perder uma safra e, principalmente,
da semente não se limita à sua existência para escapar da dependência do patrão”
enquanto um objeto, estando associada às (ALMEIDA E CORDEIRO, 2002, p. 32).
suas múltiplas linhas de transformação: A relação entre essas duas
gerando grãos, alimento, nutrição, dinâmicas foi explicada por um agricultor
subjetividades, formas de organização. cearense no I Encontro da Rede de
Para as populações do Semiárido, a Intercâmbio de Sementes, em 1992:
emergência das sementes como um “quando chovia, ao invés do trabalhador ir
problema público encontra-se para a sua própria roça, ia trabalhar
estreitamente associada à necessidade de primeiro na roça do patrão e, nessa agonia,
garantir acesso às sementes no tempo vinham quase totalmente perdendo a safra”
certo, de forma a assegurar o seu plantio. (Relatório do I Encontro RIS)21. A
Almeida e Cordeiro (2002) resgatam que condição de arrendatários ou parceiros
as primeiras iniciativas coletivas de impunha aos agricultores e agricultoras a
armazenamento de sementes, os chamados obrigação de trabalhar primeiro para o
Bancos de Sementes Comunitários (BSCs), patrão para receber o salário – dependiam
iniciam-se no Nordeste ainda na década de desse dinheiro para comprar as sementes
1970, como resultado da atuação da Igreja no mercado ou, ainda, recebiam as
Católica, por meio das Comunidades sementes como forma de pagamento.
Eclesiais de Base (CEBs) e da Comissão Depois disso, poderiam dar início aos seus
Pastoral da Terra (CPT). Essas ações eram próprios cultivos, mas a chuva nem sempre
financiadas, em muitos casos, com esperava. Um dos depoimentos registrado
recursos das agências católicas de no Relatório do I Encontro RIS foi o
cooperação internacional. seguinte: “naquele tempo, não tinha
Em seu trabalho de pesquisa,
Almeida e Cordeiro (2002) conversaram 21
Ver: https://esplar.com.br Acesso: 09/03/2019

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semente nenhuma para plantar. O educação, saúde e informação, sobretudo,
agricultor tinha que correr para qualquer por parte do Estado. Esses autores
lado para conseguir, na hora da chuva, destacam que as condições socioecológicas
plantar sua roça e daí vinha a exploração. nordestinas contribuíram para a
Quem não tinha semente era obrigado a estruturação de determinadas
pagar [com dinheiro ou trabalho], ou não institucionalidades que abarcam
plantava”. organizações profissionais de agricultores
As CEBs e a CPT foram também e agricultoras, formas coletivas de gestão
fundamentais ainda para a consolidação dos bens naturais e sociais (grupo formais
dos STTRs na Região Nordeste do Brasil. e informais, escolas rurais, entre outros),
A organização sindical, juntamente com os grupos de comercialização (feiras,
BSC, gerou certo dinamismo social e pequenos mercados) e também fóruns
político mesmo durante o período da mistos, como é o caso da Articulação do
ditadura civil-militar (1964-1985). Como Semiárido Brasileiro, a ASA (SABOURIN
explica o Padre Bernardo: et al., 2006).

[...] “com o Banco de Sementes, Breve história sobre as sementes do


começou a se conquistar espaço para
se reunir, conversar, debater sempre e a constituição da Rede
problemas e se organizar. Em toda a
Diocese, esse espaço dos Intercâmbio de Sementes (RIS) da região
trabalhadores foi sendo
reconquistado. Houve aumento da
de Sobral-CE
consciência, nunca se falou só em
sementes, se falava na terra, na renda,
em quem manda no município, na Durante o trabalho de campo, em
política, no sindicato” (Relatório do I
Encontro RIS). uma conversa com um agricultor familiar
de aproximadamente 40 anos, surgiu a
Sabourin et al. (2006) interpretam
pergunta: “Desde quando vocês
que a atuação progressiva assumida pelos
armazenam sementes?” A resposta foi
movimentos eclesiais e, posteriormente,
quase imediata: “desde sempre”. Se é
pelos STTRs na região Nordeste, deveu-se,
possível datar um início para a história do
especialmente, a duas características
armazenamento coletivo, o mesmo não
regionais: a tradição de sistemas de gestão
acontece com a conservação e
comunitária dos bens naturais e as
armazenamento das sementes em âmbito
restrições enfrentadas no que diz respeito à
doméstico.
oferta de serviços e bens públicos como

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Embora o trabalho etnográfico caracterizada como uma das secas mais
tenha sido realizado na RIS da região de prolongadas da região nordeste23. Esse
Sobral, é importante reforçar que a RIS é, cenário, somado às primeiras experiências
também, uma organização estadual. As de BSC em Crateús e Inhamuns, fomentou
primeiras tentativas de armazenamento a criação de uma série de novos bancos.
coletivo de sementes no Ceará datam da Esse conjunto de BSC beneficiados,
década de 1970 e aconteceram na região do sobretudo, pela cooperação internacional
sertão de Crateús e Inhamuns, estimuladas levou à criação pelo Esplar, juntamente a
pelo Bispo Dom Fragoso da Diocese de outros parceiros como a Cáritas24 e os
Crateús. O já citado religioso Bernardo STTRs, da RIS Ceará, em 1991, que
Holmes acompanhou esses primeiros chegou a envolver mais de 14 mil pessoas
esforços comunitários de armazenamento e em 15 municípios do estado25.
observa: “os bancos de sementes aliviaram Almeida e Cordeiro (2002)
a situação de muitos trabalhadores. Os que identificam que, na composição dos BSC,
souberam pegar cinco litros de feijão bom, houve dois momentos marcantes. O
plantar e ter uma boa safra devolveram dez primeiro, entre 1970 e 1990, assumiu um
litros, e com isso iam vivendo” (Relatório caráter eminentemente prático, buscando
do I Encontro RIS). garantir a disponibilidade de sementes no
A Organização Não Governamental período adequado. A segunda fase, a partir
(ONG) Centro de Pesquisa e Assessoria da década de noventa, fortemente
ESPLAR22 desempenhou um papel central associada à atuação da Rede PTA-NE,
na constituição da RIS estadual. A ONG buscou articular os agricultores e
executava no município de Quixeramobim, agriculturas, incentivando o intercâmbio de
no Ceará, em 1987, um projeto experiências no trato com as sementes e
participativo de formação de agricultores e passando a valorizar, de forma crescente,
agricultoras que passaram a relatar de as variedades crioulas ou localmente
forma sistemática a gravidade do problema adaptadas. As conexões estabelecidas entre
da falta de sementes, associado redes locais, estaduais, nacionais e
especialmente às relações de submissão 23
Ver: http://www.ceped.ufsc.br/historico-de-
“aos patrões” e à seca ocorrida na década secas-no-nordeste-do-brasil/ Acesso: 11/03/2019
24 24
Para maiores informações sobre a Cáritas, ver:
de 1980, que durou sete anos e foi http://caritas.org.br/. Acesso: 16/04/2019.
25
Ver: https://esplar.com.br/imprensa/memorias-
do-esplar/item/292-memorias-do-esplar-o-
22
Para maiores informações sobre o Esplar ver: surgimento -da-rede-de-intercambio-de-sementes
https://esplar.com.br/ Acesso: 16/04/2019 Acesso: 14/03/2019

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internacionais, visavam, também, município de Sobral uma cidade média26 e
aprimorar as condições técnicas de que funciona como uma referência
produção e armazenamento, assim como a regional. Em seus estudos, Medeiros (s/d)
gestão dos Bancos. observa que o Índice de Gini da
Em 1996, a RIS participou das lutas microrregião de Sobral relativo à
contra o patenteamento e o monopólio da concentração fundiária é de 0,899, sendo
diversidade genética pelas grandes superior à média do Ceará e ocupando a
empresas transnacionais, estratégia que se quarta posição em um conjunto de 33
desenhava no plano nacional. A RIS, em microrregiões existentes no estado.
articulação com outras organizações da Os agricultores e agricultoras da
sociedade civil, defendia que as sementes RIS Sobral participaram dos primeiros
são um patrimônio cultural e genético arranjos dos Bancos de Sementes
pertencente aos camponeses e povos e Comunitários. O primeiro BSC da região
comunidades tradicionais e, no limite, à foi fundado em 1983, na comunidade da
humanidade em geral, e que o resgate e a Bulandeira, no município de Santana do
preservação são formas de conferir Acaraú. D. Suzete, agricultora e residente
autonomia a esses atores, o que se torna da comunidade, hoje com
inviável se a diversidade genética for aproximadamente 80 anos, entrevistada
controlada pelas empresas. durante a pesquisa, atuava como líder
As lutas e os encontros entre comunitária nessa época e lembra da
sementes, agricultores/as, ONGs, situação das famílias naquele tempo:
instituições católicas, sindicatos e agências “muita fome”, “miséria”, “não tinha acesso
de cooperação internacional, levaram à à saúde ou educação”. Reitera, todavia, que
oficialização, em 2017, da Rede de “eram essas dificuldades todas que
Sementes da Vida. Foi nessa ocasião que juntavam a comunidade”.
as sementes crioulas do estado do Ceará D. Suzete, rememora que na década
foram batizadas como “sementes da vida” de 1980, num período prolongado de seca,
e a RIS cearense, por sua vez, passou a se começaram a chegar grupos para trabalhar
chamar Rede de Sementes da Vida. com as famílias residentes do campo. Um
A RIS da região de Sobral é
constituída por 11 municípios, sendo o 26
A população de Sobral foi estimada pelo IBGE
para 2018 em 206.644 habitantes. Ver:
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populac
ao/9662-censo-demografico-
2010.html?=&t=resultados. Acesso: 04/05/2019.

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dos movimentos importantes, nesse desta forma durante um período; depois,
período, foi o Movimento de Educação de com a permanência da seca e a dificuldade
Base (MEB)27, que em parceria com a de reposição de estoque, acabou sendo
Cáritas e o Esplar, realizava trabalhos desativado.
comunitários nas áreas de educação e Nessa mesma época, outros bancos
saúde básica. Como D. Suzete já era foram sendo criados na região de Sobral e
letrada na época, participou ativamente o próprio banco da comunidade Bulandeira
dessas ações, ministrando aulas, foi reativado no ano de 2000, desta vez
frequentando cursos de formação e como Casa de Semente Cultura da Gente
compartilhando conhecimentos com a da Bulandeira. Financiamentos recebidos
comunidade. Ainda que os agricultores e através de agências públicas, privadas,
agricultoras armazenassem sementes em nacionais e internacionais contribuíram
suas casas, a seca havia reduzido quase para fortalecer o trabalho desenvolvido por
todo o estoque, o que fragilizava a agricultores e agricultoras com recursos
produção de alimentos e, próprios. Esses, em mutirão, trabalharam
consequentemente, a própria vida das na construção e implantação de diversas
pessoas. A organização dos agricultores/as Casas de Sementes. Na falta de uma
e os elos estabelecidos com pessoas e estrutura física maior organizaram, em
instituições para além da comunidade suas próprias casas, espaços coletivos de
propiciaram a criação do BSC da armazenamento. Em 2003 foi criada,
comunidade Bulandeira e que contou com oficialmente, a Rede de Intercâmbio de
o apoio financeiro da Oxfam28. Na época, o Sementes (RIS) da região de Sobral.
BSC não contava com estrutura física e as Atualmente, a RIS congrega 81 Casas de
sementes ficavam armazenadas na casa de Sementes, integrando mais de 2.500
D. Suzete, sendo acessadas pelas pessoas sócios/as entre agricultores/as familiares,
na época do plantio. O banco funcionou camponeses/as, quilombolas e
assentados/as da Reforma Agrária. As
27
Para detalhamento do que foi o Movimento, ver: Casas armazenam uma variedade de
http://forumeja.org.br/book/export/html/1435
Acesso: 16/04/2019 sementes, como leguminosas, frutíferas,
28
A Oxfam é uma organização internacional que
tem como eixo de atuação a luta contra a pobreza e hortaliças, nativas, medicinais e
as injustiças, proporcionando apoio técnico e
forrageiras. Os STTRs, que historicamente
financeiro a organizações locais em diferentes
partes do mundo.Ver: https://www.oxfam.org.br/ atuam em prol da qualidade de vida das
Acesso: 13/05/2019.
populações do campo, continuam

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constituindo-se como parceiros patrões”. Todavia, como será apresentado
importantes em todo o trabalho. ao longo do texto, as sementes crioulas têm
A condição de arrendatários/as produzido historicamente uma espécie de
continua presente, de forma bastante liberdade, trazendo uma “autonomia” ou
expressiva, entre os/as sócios/as da RIS “independência” em relação às sementes
Sobral. Nossos entrevistados do patrão, o que permite, por sua vez, a
mencionaram, durante o trabalho de experimentação de novos mundos e formas
campo, que aproximadamente 90% dos de estar vivo, tanto no caso das pessoas
integrantes da Rede vivem em “terras dos quanto das próprias sementes.

4. OLHARES ETNOGRÁFICOS: O MANEJO DA AGROBIODIVERSIDADE


DA CAATINGA, AS CASAS DE SEMENTES E A CIRCULAÇÃO DE
SEMENTES NA RIS

A agrobiodiversidade na Caatinga é repetidas pelos atores quando mirávamos a


caracterizada, sobretudo, pela variação paisagem era: “você nem acredita quando
hídrica ao longo das estações: o verão é vê isso aqui tudo verdinho nas chuvas”.
seco e o inverno, chuvoso. Nosso trabalho Apesar da predominância da cor cinza,
de campo foi realizado durante o verão, essa era rompida por manchas verdes
momento em que a cor cinza das cercas, formadas pelos cajueiros – e, vale destacar,
feitas da madeira da árvore Sabiá e que em todos os quintais visitados havia
contornam casas e quintais, confundia-se, cajueiros. Na narrativa de muitos/as
muitas vezes, com as cores da própria agricultores/as familiares, o caju é um fruto
Caatinga. Em qualquer varanda em que nos fundamental da época da seca, servindo
encostássemos para uma pequena como fonte de alimento para pessoas e
conversa, a primeira coisa a ser servida era animais e também como uma alternativa de
água gelada, em contraposição ao sol renda através da venda da semente in
quente, que chega mesmo a rachar a terra e natura.
a secar os açudes. Uma das frases muito

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Figura 1. Quintal no verão com detalhes da horta, dos cajueiros verdes e das cercas ao fundo

Fonte: Arquivos da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA

Os quintais são áreas próximas chuvas. Nesses termos, uma das


agrobiodiversas que funcionam mesmo tecnologias fundamentais de convivência
como extensão da casa. São, de maneira com o Semiárido29 são as cisternas, que
geral, manejados pelas mulheres. Neles, é permitem tanto a alimentação humana,
possível encontrar muitas árvores quanto o cuidado das plantas e dos
frutíferas, plantas medicinais e pequenas animais, como as criações de galinhas e
hortas combinadas com culturas de roça, cabras, importantes fontes alimentares e de
como é o caso da mandioca. A mandioca renda durante a estiagem.
ou macaxeira, embora com menor O verão envolve uma acurada
produtividade do que no inverno, é uma parcimônia no uso dos bens naturais, uma
das culturas alimentares importantes espécie de travessia até as próximas
durante o verão. Nessa, estação, as plantas chuvas. Nesse sentido, verifica-se uma
anuais como limão, laranja, acerola e forte conexão dos agricultores/as com as
pitanga, precisam alcançar máxima práticas de armazenamento, que não se
resiliência. São cotidianamente regadas limitam às sementes e envolvem, também,
com pequenas quantidades de água, 29
Para maiores informações:
armazenada durante o inverno, suficiente http://www.asabrasil.org.br/117-
acervo/publicacoes/278-caminhos-pra-convivencia-
para que se mantenham até a chegada das com-o-semiarido Acesso:16/04/2019

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a água. Essas dinâmicas não são especial para as crianças, milhos mais
determinadas, simplesmente, por condições doces e macios, e outras pensadas para a
“naturais”, externas às pessoas. Estão alimentação animal. O uso do fogo para
associadas, na verdade, às formas de estar abertura dos roçados, apesar de ser
vivo na Caatinga ou aos “sistemas de reconhecido como uma prática tradicional,
relações configuradas através da colocação é também um tema de controvérsias.
do organismo humano dentro de um De acordo com uma agricultora da
contexto ambiental ricamente texturizado” RIS Sobral, o problema das queimadas
(INGOLD, 2015, p. 93). deve-se ao fato de que elas “matam o solo,
A chegada das primeiras chuvas, todos os bichos que vivem ali e eliminam a
entre janeiro e março, anuncia a hora de água que fica acumulada no solo,
plantar. As sementes armazenadas favorecendo que a água seque nas
retornam à terra e o preparo dos cultivos é nascentes e nos olhos d'água”. A
feito por meios dos roçados. A área de explicitação desses problemas e a
Caatinga escolhida é “limpa” com fogo e aproximação das famílias agricultoras com
as cinzas incorporadas ao solo funcionam a RIS Sobral têm favorecido o abandono
como adubos, enquanto as madeiras mais do uso do fogo, uma vez que a participação
grossas são utilizadas como cercas, na Rede prevê que essa prática seja
servindo também de materiais para outros processualmente substituída pela poda
tipos de construções, como paióis e seletiva.
cercados. Após a queima, são formadas as A poda seletiva no preparo do
leiras, fileiras nas quais serão distribuídas roçado é organizada por meio da seleção
as sementes. O roçado é uma combinação de espécies que provocam, por exemplo,
de muitas variedades de plantas sombra excessiva nos cultivos ou que são
alimentícias, tais como feijão, milho, competidoras por determinado recurso,
jerimum (abóbora), batata-doce e como a disponibilidade de nutrientes no
melancia. Algumas espécies são cultivadas solo. A madeira continua sendo retirada
exclusivamente para a adubação do solo, a para diversos usos; os galhos mais finos,
exemplo de alguns tipos de leguminosas. porém, são colocados nas leiras, para que
Há agricultores/as que gostam de plantar as lentamente sejam incorporados ao solo
mesmas sementes todos os anos, enquanto pelo processo de decomposição. O roçado
outros preferem experimentar novas de poda seletiva é também identificado por
variedades. Há plantas cultivadas em alguns agricultores e agricultoras como

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agroecológico. De acordo com um de
nossos interlocutores, um dos maiores
desafios dos roçados sem fogo é que “eles
exigem paciência”. Na sequência, explica
que no roçado convencional a primeira
safra é a mais produtiva, devido à grande
presença de cinzas. A produtividade vai
diminuindo nas safras que se seguem, até
que um novo roçado tenha que ser aberto.
O roçado que não usa fogo é menos
produtivo no início, pois a matéria
orgânica está ainda nos estágios iniciais de
incorporação ao solo. Os processos de
cultivo, junto aos adubos verdes, vão ao
longo do tempo tornando o solo mais
enriquecido e assim mais produtivo a cada
safra30. Além da produção, esse tipo de
roçado é considerado pelos atores da RIS
como “melhor para a natureza”, pois
preserva a água nas nascentes, os animais e
as diversas plantas da Caatinga.

30
Trata-se de uma descrição que tem como
referência um tipo ideal, já que outras condições
influenciam na fertilidade do solo, tal como a
disponibilidade hídrica a cada safra.

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Figura 2. Roçado agroecológico no verão

Fonte: Fonte: Arquivos da Articulação Nacional de Agroecologia – ANA.

Feito o roçado e semeadas as Após todo o trabalho nos roçados,


sementes, segue-se com a manutenção da inicia-se a colheita, a chamada “época de
roça. O uso de agrotóxicos acontece, ainda fartura”. Grande parte desta atividade
que não seja recorrente. Entre os produtos acontece concomitantemente ao calendário
utilizados foram destacados os “mata- de festas católicas de junho e julho, que
matos” e “barraginha” que, na verdade, é envolvem, segundo nossos entrevistados,
um produto de uso veterinário para o além de fartura, a partilha. Da colheita vem
controle de carrapatos e mosca-do-chifre. o alimento, que em parte é armazenado
Assim como o uso do fogo, o uso de para ser consumido ao longo do tempo
agrotóxicos faz parte das práticas criticadas pelas famílias e também pelos animais.
pela RIS, que estimula seu abandono. A Outra parte das sementes colhidas retorna
prática mais comum para o controle do ao armazenamento, em um devir de
mato é a capina manual, muitas vezes próxima safra.
realizada de forma cooperativa, com a
As Casas de Semente,
vizinhança. Eventuais “pragas” são
armazenamento e a circulação das
controladas por meio de inseticidas
sementes crioulas na RIS
naturais à base de urina de vaca, pimenta,
manipueira (proveniente da mandioca), Uma das primeiras considerações
Neem e outros. sobre sementes crioulas poderia ser que
elas são muitas, tanto em termos de sua

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diversidade, incluindo espécies de como exemplo a tecelagem e observa que
variedades, quanto em suas nomeações. “enquanto a perspectiva da construção
Em conversa com um agricultor, ele define o produtor como portador de
reforçou a ideia de que as sementes intenções prévias, sobre e contra o mundo
crioulas são “aquelas de muito tempo”, material, a perspectiva da habitação situa o
mostrando uma semente de milho com tecelão no meio de um mundo de
mais de 20 anos entre o ciclo de plantio, materiais, que ele literalmente, extrai ao
colheita e armazenamento. O tempo produzir trabalho” (INGOLD, 2015, p. 35).
aparece nas narrativas dos agricultores e Nesses termos, é como se as sementes
agricultoras como uma das dimensões crioulas pudessem ser extraídas no
importantes quando se trata de sementes movimento de habitar das Casas de
crioulas, o que estabelece uma espécie de Semente.
vinculação das sementes crioulas à prática
A estrutura das Casas de Sementes
de armazenamento, pois o devido cuidado
foi planejada como uma construção de
no momento de guardar uma semente
baixo custo e de forma a garantir um
permite que ela esteja disponível para a
armazenamento de qualidade para as
próxima safra.
sementes, propiciando, também, um espaço
Ingold (2015), em suas reflexões de encontro entre os/as sócios/as. A parte
sobre o habitar e a habitação, traz alguns interna conta com prateleiras que garantem
elementos que podem ajudar-nos a pensar a alocação de garrafas pet, que são os
a dimensão casa das Casas de Sementes. O recipientes de armazenamento das
autor compreende que habitar significa sementes. Contempla, além disso, uma
envolver-se com os materiais, num mesa com gavetas para arquivamento de
processo de trabalhar com, e não em uma documentos e, também cadeiras,
visão da produção como uma atividade geralmente dispostas em círculos.
finalística. A título de ilustração, toma

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Figura 3: Agrobiodiversidade na Casa de Sementes Bulandeira, Santana do Acaraú-CE

Fonte: Arquivos da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA

Figura 4: Casa de Sementes Umbuzeiro, Marco-CE

Fonte: Arquivos da Articulação Nacional de Agroecologia - ANA

Em diversas ocasiões durante o nível doméstico fossem desenvolvidas, o


trabalho de campo, os agricultores e as estoque era bem menor e poderia até
agricultoras destacaram a importância do mesmo desaparecer em caso de secas
armazenamento coletivo nas Casas de prolongadas. Os patrões, por sua vez,
Sementes devido à “independência das adquiriam sementes do tipo convencional,
sementes do patrão”. Como explicaram, compradas no mercado. Aí se instalava a
antes dos bancos e Casas de Semente, dependência, pois sem poder comprar
embora as práticas de armazenamento em sementes, os agricultores e as agricultoras

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passavam a trabalhar para recebê-las assentamentos de reforma agrária, são
enquanto pagamento pelos serviços. instaladas em áreas comuns. Em um
Acontece que o calendário de cenário de concentração fundiária, as
plantio no Semiárido é muito bem Casas de Sementes encontram seu espaço
demarcado pelas primeiras chuvas do compartilhado.
outono, entre janeiro e março, momento As normas de funcionamento, tanto
em que os patrões exigem, também, das Casas de Sementes como da RIS
maiores jornadas de trabalho para garantia Sobral, são previstas pelo Manual de
de seus cultivos. Só após esse esforço os Gestão e Organização da RIS, o
agricultores e agricultoras podiam cuidar MANGORIS. Para tornar-se sócio/a da
de suas próprias plantações. RIS, é necessário fazer um primeiro
Ainda que as relações de investimento com 10 litros de sementes
exploração continuem, pois muitos crioulas. Na hora do plantio, 80% daquela
trabalham/moram “na terra do patrão”, quantidade pode ser retirada; os outros
com as Casas de Sementes, safra à safra as 20% ficam armazenados com o objetivo de
sementes estão garantidas, gerando um garantir a perenidade da Casa de Semente.
sentimento de autonomia manifesto Essa ação gera um recibo de empréstimo
pelos/as agricultores/as. Além disso, de sementes. Após a colheita, o
também como explicado pelos/as empréstimo deverá ser devolvido com
participantes da RIS, as sementes das adição de 20%, gerando um recibo de
Casas de Sementes “são de qualidade”, devolução. Todas essas regras são
“são adaptadas à nossa terra”, “são adaptáveis, no sentido de garantir, por
diversificadas”, “são da gente”, “há muitos exemplo, a participação de agricultores e
milhos com palhas diferentes” e “são agricultoras que não possuam um estoque
sementes da luta”, ao contrário das inicial ou de avaliar a impossibilidade de
sementes ofertadas pelos patrões que são devolução de sementes em momentos
“de um só tipo”. As áreas nas quais são críticos de seca.
implementadas as Casas de Sementes As sementes que chegam às Casas
tensionam as próprias condições de acesso de Semente são vistoriadas por um/a
à terra enfrentadas pelos agricultores e selecionador/a. Essa prática tem por
agricultoras da RIS Sobral, pois essas são objetivo identificar e avaliar as sementes
cedidas por aqueles/as que têm acesso à que serão armazenadas, evitando que
propriedade da terra ou, quando em sejam incorporadas aos bancos sementes

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com doenças. É tarefa do/a selecionador/a, prontas para um nascimento futuro.
também, etiquetar todas as garrafas pet, Aguilar (2013), em sua proposição
indicando a variedade das sementes, a data metodológica de conhecer as lutas desde as
de armazenamento e a procedência. Em lutas, sugere que a compreensão
conversa, uma agricultora selecionadora aprofundada do continuum entre pessoas,
explicou que essa é uma atividade naturezas e seus “horizontes interiores”,
delicada: “é preciso ter muita atenção e suas aspirações e proposições, permite
conhecer bem as sementes”. Ainda de reconhecer a produção de novidades
acordo com ela, as práticas foram políticas, que são inseparáveis das
transformando-se, pois “antes chegava subjetividades. As “sementes mais bonitas”
muita semente ruim, mas fomos orientando vão para as Casas de Semente porque ali se
o pessoal, explicando a importância de compartilha, além de sementes, uma
selecionar bem para garantir maior política de mundo, da independência do
qualidade nas próximas safras, e hoje é até patrão, da autonomia, da luta pela terra e
difícil pegar uma semente ruim mesmo”. da semente “da gente”.
Em outra conversa, um agricultor As sementes da RIS circulam ainda
logo explicou: “no milho, por exemplo, é nas festas, sobretudo nas Festas da
assim: você escolhe as espigas mais Colheita realizadas no período de junho e
bonitas, pega uma de cada fila e só tira as julho. Essas celebrações estão formalmente
sementes do meio da espiga, que são as incorporadas à organização da RIS. O
melhores formadas, mais saudáveis”. Além manual da RIS, o MANGORIS, prevê a
de toda a objetividade imersa nessas organização desse evento pelos sócios e
práticas, envolvendo a garantia da sócias das Casas de Sementes como parte
alimentação, as sementes “mais bonitas” e da constituição e do funcionamento das
“mais saudáveis” são para o próprias Casas e também como estratégia
armazenamento, são sementes do devir. de envolvimento de novos/as participantes.
Nesses termos, reconhece-se como a Em termos de organização, as Festas
ontologia das sementes armazenadas nas contam, ainda, com um guia próprio, uma
Casas de Sementes envolve um esforço espécie de roteiro de organização intitulado
permanente, nos termos de Ingold (2012), de Celebração da Festa da Colheita
de instalar vida às coisas e a vida como um As festas são realizadas nas Casas
nascimento contínuo. As sementes estão de Sementes e são compreendidas como
vivas e, ao serem armazenadas, estão momentos de partilha do que foi

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produzido, seja no quintal ou no roçado forragem, por exemplo. No plano religioso,
(BARBOSA et al., 2013). Para esse essas celebrações estão fortemente
momento, a diversidade da produção é alinhadas ao calendário cristão, dirigindo
transformada em receitas nordestinas como essas manifestações de agradecimento pela
o cuscuz, o mingau, a pamonha e a tapioca; colheita ao “Deus libertador”. Além da
assim como as sementes são armazenadas partilha e do agradecimento, as festas,
ao longo das gerações, as receitas também assim como as sementes crioulas, carregam
são transmitidas através do tempo. Nesse “a luta”. Por isso são compreendidas como
sentido, as festas são tidas como momentos momento de saudar - conforme descrito no
em que as receitas armazenadas são documento guia Celebração da Festa da
compartilhadas na forma de pratos típicos. Colheita – “a memória da nossa
As Festas da Colheita envolvem também caminhada, da luta pela Reforma Agrária,
agradecer, o que não se reduz, todavia, a descentralização e acesso à água para
um agradecimento apenas pelo que foi beber e produzir e por condições de vida
produzido nos roçados ou estocado como decentes para todas as pessoas que vivem e
semente; associa-se, também, à água da trabalham no campo”.
cisterna, à colheita do mel e à produção da

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizar uma pesquisa do tipo humano fora do mundo, da natureza e


percebedora envolve esforços epistêmicos independente de seus objetos de
e metodológicos específicos, no sentido de conhecimento” (p.164).
repensar as próprias possibilidades de Dentro desta perspectiva, não é
construção de conhecimentos. Steil e possível afirmar, de forma conclusiva, qual
Carvalho (2013), utilizando o conceito de é a ontologia das sementes crioulas. O que
epistemologias ecológicas, identificam um se pode afirmar, nos termos de Ingold
espaço de convergência entre diferentes (2015), é que as sementes possuem mundo.
abordagens que buscam explorar novos Na visão do autor, as linhas são os
horizontes de compreensão, rompendo com movimentos pelos quais os atores do
a divisão estabelecida pelo pensamento mundo, humanos ou não humanos, agem e
ocidental entre natureza e sociedade e com “uma vez que o corpo vivo está
a imagem “de um sujeito cognoscente primordialmente e irrevogavelmente

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costurado no tecido do mundo, nossa elemento de tensão no estado da
percepção do mundo não é nem mais nem concentração fundiária, alertas
menos do que a percepção do mundo de si fundamentais sobre como esse modelo de
mesmo – em e através de nós” (INGOLD, domínio “da terra do patrão” prevalece e
2015, p. 38). O mundo das sementes do porquê de essas sementes serem
crioulas, neste sentido, pode tornar-se entendidas como “sementes da luta”,
conhecido pelo encontro de diferentes expressão ressaltada por diversos/as
linhas que integram o movimento das integrantes da RIS Sobral.
próprias sementes, dos/as agricultores/as A proposta analítica de
familiares, da chuva e da seca na Caatinga compreender a ontologia das sementes não
e dos agenciamentos múltiplos que se limita apenas ao reconhecimento
interpelam e produzem essas sementes, material, mas às articulações subjetivas
conectando lutas pelo reconhecimento das que são produzidas no encontro entre
sementes crioulas pela legislação nacional, diferentes atores, sutilezas que demandam
conflitos em torno da implantação de esforço metodológico para serem
mecanismos de proteção da propriedade percebidas, possibilitando, ao mesmo
intelectual em nível nacional e dinâmicas tempo, que se possa conhecer as lutas
locais. desde as lutas (AGUILAR, 2013). As
A ontologia das sementes crioulas sementes crioulas são tidas pelos
ganha sentido à medida que sua existência agricultores e agricultoras como àquelas
busca outras formas de estar vivo em pelas quais “vale lutar”, à medida em que
relação àquelas que se apresentam à produzem alimento e autonomia. Reside aí
primeira mão, como é o caso das uma afetividade que mobiliza os atores a
“sementes do patrão”. Não se trata, pois, armazenar as sementes “mais bonitas” e
apenas, de um objeto inerte a ser cultivado. esperar pelo devir, a se reunir nos
São sementes capazes de gerar, em seus encontros da RIS Sobral ou a participar da
itinerários, mais autonomia e gestão das Casas de Sementes.
independência. As sementes crioulas são Na trajetória da RIS, as sementes
inflexões nas próprias condições de acesso emergem, simbólica e materialmente,
à terra na região de Sobral. Elas não cabem como um problema compartilhado em um
no mundo das “terras do patrão”, porque espaço intersubjetivo, em construção,
suas casas, as Casas de Sementes, são de organizando experiências e redefinindo o
todos/as. Essas sementes são, assim, um horizonte dos possíveis (CEFAI, 2017). A

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experiência pública em torno das sementes cognitivo e normativo com seus
forja novas capacidades, restabelecendo equipamentos materiais e de ideias”
coordenadas e quadros de referência, (CEFAI, 2017, p. 138), colocando em
potencializando afetos como elementos questão as formas de apropriação do
políticos e fazendo surgir “um ambiente território.

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