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Liturgia Presbiteriana - 1

Liturgia Presbiteriana
Misael Batista do Nascimento

14. Somos uma igreja litúrgica, ou seja, prezamos pela ordem de culto. Cremos que
a liturgia é um precioso instrumento para levar os cultuantes a uma disposição
espiritual adequada para a comunhão, adoração e alimentação com a Palavra de
nosso Senhor (1Co 14:33). Em cada culto deve haver ordem e decência. Além disso
as reuniões devem ser compreensíveis e agradáveis para os nossos visitantes (1Co
14:16-17; Rm 12:1; Mc 12:29-30).
15. A liturgia não é rígida ou imutável. Pelo contrário, poderá ser adaptada
conforme a direção sempre viva do Espírito Santo, dentro dos padrões do bom
senso e adequação, e quando tais mudanças forem alicerçadas numa interpretação
equilibrada da Bíblia. A liberdade do Espírito Santo, o louvor com músicas
contemporâneas, o compartilhamento e a alegria são preciosos elementos litúrgicos
que estimulam-nos à santidade e devem estar presentes em nossas reuniões. Não
podemos confundir reverência com ritualismo morto (Sl 149:1-9; Sl 150; 2Co
3:17).
Filosofia Ministerial da IPCG.

O
que é liturgia? A palavra liturgia (leitourgía, no grego), é encontrada seis vezes no
Novo Testamento, sempre vinculada à idéia de um serviço prestado ao próximo ou a
Deus (Lc 1:23; 2Co 9:12; Fp 2:17, 30; Hb 8:6, 9:21). Isso porque no culto servimos a
Deus e aos irmãos. A expressão é também sinônimo de ordem do culto — o programa
que define o fluxo da adoração pública da comunidade cristã.

Bases da Liturgia
A liturgia se baseia nos ensinos bíblicos acerca do culto cristão. Este, tem seus
alicerces firmados no modelo do culto no Tabernáculo — a Tenda de adoração instituída pelo
Senhor ao povo de Israel, durante a peregrinação do Egito para a terra de Canaã. Também
encontramos importantes orientações sobre adoração no culto do Templo de Jerusalém, a
partir das iniciativas do rei Davi, e nos profetas, que lutaram para que os judeus praticassem
uma espiritualidade autêntica.

O Culto no Antigo Testamento


Para conhecer as bases do culto no Antigo Testamento, veja a apostila ―Orientações
Bíblicas Sobre Culto Cristão‖.

O Culto no Novo Testamento


Os cristãos iniciaram sua prática de adoração sob os costumes judaicos. Os judeus que
se convertiam ao cristianismo continuavam com as práticas de culto das suas antigas
sinagogas. O livro de Atos mostra a Igreja no Templo, participando das orações rituais (At
2:46; 3:1).
Os primeiros cristãos não criam que pertencessem a uma nova religião. Eles
haviam sido judeus toda sua vida, e continuavam sendo... Sua fé não consistia em
uma negação do judaísmo, mas consistia antes em uma convicção em que a idade
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messiânica, tão esperada pelo povo hebreu, havia chegado... a razão pela qual Paulo
e os demais cristãos são perseguidos não é porque se opunham ao judaísmo, mas
porque criam e pregavam que em Jesus cumpriram-se as promessas feitas a Israel.
Por esta razão, os cristãos da igreja de Jerusalém continuavam guardando o sábado
e assistindo o culto no Templo. Mas, uma vez que o primeiro dia da semana era o
dia da ressurreição do Senhor, reuniam-se nesse dia para “partir o pão” em
comemoração a essa ressurreição. Aqueles primeiros serviços de comunhão não se
centralizavam sobre a paixão do Senhor, mas sobre sua ressurreição e sobre o fato
de que ela havia inaugurado uma nova era. Foi só muito mais tarde — séculos mais
tarde, como veremos — que o culto começou a centralizar sua atenção sobre a
crucificação e não sobre a ressurreição. Gonzalez (1991), p. 34.
Ocorreu, no entanto, a ruptura entre cristianismo e judaísmo, conforme lemos em At
7:1-8:3: a liderança do Templo começou a perseguir os adeptos da ―seita do nazareno‖. A
Igreja dirigiu-se aos gentios. O povo de Deus não tinha mais como adorar num Templo.
Mesmo nas outras cidades do Império, prevalecia a perseguição pelas autoridades tanto
judaicas quanto romanas. Os cultos eram realizados às escondidas, nos lares, nos campos, nos
cemitérios, nas cavernas.
Não era mais possível, nem necessária, a ostentação cerimonial do Templo judaico.
Cumpriu-se a palavra de Jesus, registrada em Jo 4:21. O importante, a partir de então, não
seria a cerimônia nem o local de culto, mas a atitude dos adoradores (Jo 4:22-24). Sem local
fixo de adoração, os cristãos adaptaram o estilo do culto das sinagogas, que eram pequenas
congregações de judeus. O culto da sinagoga possuía uma estrutura tríplice: louvor, oração e
instrução.
Conforme o Talmude, ―o homem deve sempre proferir louvores em primeiro lugar, e
então, orar‖1. Martin (1982, p. 30) informa-nos que ―a adoção desse procedimento talvez
subjaza a ordem em 1Co 14:26 que pede que, no começo da lista de adoração coletiva cristã
em Corinto, um ‗salmo‘ de louvor seja cantado. O ‗presidente‘ convoca o ‗assistente‘ (ver
Lucas 4:20) a convidar alguém da congregação para começar o culto com esta ‗chamada ao
louvor‘. Começa com a exclamação: ‗Bendizei ao Senhor, Aquele que deve ser bendito‘, e o
povo responde com a bênção: ‗Bendito seja o Senhor... para sempre,‘ no espírito de Neemias
9:5. No começo, portanto, os adoradores são convidados a pensar em Deus e a reconhecer Sua
grandeza e bênção‖.
As orações na sinagoga eram de dois tipos, a Ahabah, que significa ―Amor‖ e se
ocupa da adoração a Deus por seus atos de benignidade, e o Shema que é uma confissão de fé
e uma bênção alegre ao mesmo tempo (Dt 6:3ss — Martin, 1982, pp. 30-31).
A instrução era a leitura e a exposição da Escritura.
A estes elementos a comunidade cristã adicionou a saudação cristã, os sacramentos
(Ceia e Batismo) e a bênção apostólica (Mt 26:26-30, 28:19; Lc 24:36, 50).
O Novo Testamento não fornece um modelo rígido de liturgia. Enfatiza, entretanto, a
comunhão e a ministração de todos, de acordo com seus dons, conforme a direção do Espírito
Santo (1Co 14:26).
A liturgia, nesse contexto, serve para ―ordenar‖ os elementos do culto, uma vez que
este deve ser prestado com decência e ordem, de modo que todos sejam edificados (vv. 26,
33, 40). A ligação entre passagem bíblica, orações e músicas entoadas (fala-se no Novo

1
Tratado ‘Abodah Zarah (Culto Estranho), na Mishna. Apud. Martin, 1982, p. 30.
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Testamento de salmos, hinos, cânticos espirituais, ações de graças e ministração da Palavra de


Cristo, numa atitude de mútua sujeição — Ef 5:18-21; Cl 3:16), é uma prática que remonta ao
culto no Templo e às reuniões nas sinagogas, o que, como vimos anteriormente, torna
possível a sua utilização no culto da Igreja Primitiva.
Há alguns exemplos de cânticos cristãos no Novo Testamento, como, por exemplo, o
cântico de Maria (Lc 1:46-55), o cântico de Zacarias (Lc 1:68-79) e o cânticos dos anjos (Lc
2:13-14), todos relacionados ao nascimento de Jesus. Encontramos trechos de hinos também
em At 4:24-30 (oração baseada no Sl 2:1-2); Ef 5:14 (hino para ser cantado, provavelmente,
nas cerimônias de batismo; 2Tm 2:11-13 e alguns cânticos no Apocalipse, que mostram o
paradigma de culto: alegria, louvor pela salvação, adoração do Deus Triúno em prostração
reverente (Ap 5:8-14; 7:10-12; 14:3).

Liturgia Presbiteriana
A Igreja Presbiteriana do Brasil possui os ―Princípios de Liturgia‖, nos quais lemos:
O Culto Público consta, ordinariamente, de leitura da Palavra de Deus, pregação,
cânticos sagrados, orações e ofertas. A ministração dos sacramentos, quando
realizada no culto público, faz parte dele.
Conforme Costa (1987, p. 34), o ―culto prestado pelas Igrejas Presbiterianas do Brasil,
normalmente engloba tudo o que foi posto acima, em cinco pontos:
1. Adoração: (Chamada à Adoração e Adoração propriamente dita).
2. Contrição: (Confissão de pecados).
3. Louvor: (Ação de graças. Aqui, pode ser colocada a consagração de Dízimos e/ou
ofertas).
4. Edificação: (Pregação: leitura e exposição da Palavra).
5. Consagração: (Dedicação. Manifestação litúrgica da Igreja com seu ―Amém‖ aos
ensinamentos bíblicos: celebração da Santa Ceia)‖.
Ainda com o objetivo de clarificar o perfil de culto reformado, o Presbitério do
Planalto publicou a seguinte resolução:
1. O culto cristão deve ser solene.
2. Os pastores devem assumir a responsabilidade plena da liturgia das igrejas
(conforme Art. 31, alínea ―d‖ da CI/IPB), analisando o conteúdo doutrinário e o
estilo das músicas a serem cantadas.
3. Deve haver em cada culto, equilíbrio numérico quanto à execução de hinos e
corinhos.
4. Os grupos, ministérios ou equipes de louvor sejam responsabilizados por conduzir
todo o cântico congregacional – hinos e corinhos.
5. Os cânticos a serem utilizados nas liturgias respeitem os seguintes critérios:
a. Não sejam selecionados cânticos de acordo com os desejos pessoais dos
dirigentes, mas que atendam à temática dos cultos.
b. a música não deve ser superficial e destituída de conteúdo, mas conter
sólida doutrina bíblico — reformada e inspirar sentimentos de verdadeira
piedade;
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c. deve haver clara diferença entre a música que é tocada para entretenimento
secular e aquela que é cantada nas igrejas, na presença de Deus e seus
anjos.
6. Os dirigentes da música nos cultos observem o seguinte:
a. Sejam evitadas as chamadas ―ministrações‖, mini-sermões, exortações ou
compartilhamento de experiências pessoais entre os cânticos.
b. sejam evitadas todas as manipulações psicológicas nos momentos dos
cânticos do tipo ―todos digam amém‖ ou afirmações afins.
c. sejam alternados momentos de cânticos em que a congregação se coloque
de pé e assentada, levando em consideração a presença de pessoas idosas,
enfermas e mesmo gestantes, que se desgastam desnecessariamente em
períodos prolongados de cânticos apenas de pé.
d. que o uso das palmas tem fim específico de ritmar os cânticos. As mesmas
não devem ser usadas como ―aplausos‖, incluindo as chamadas ―palmas
para Jesus‖, considerando que tal prática provém da cultura do
entretenimento e não da orientação bíblica sobre o Culto.
e. que a postura dos dirigentes deve ser discreta e humilde, de modo a exaltar
a pessoa do Senhor.
f. que essa postura implica no uso de roupas adequadas para o culto, dentro
dos limites de decência e moderação cristã.
7. Os instrumentos usados para adoração devem ser utilizados de modo discreto,
como elementos de acompanhamento, não devendo ser regulados de modo a
obscurecer a letra das músicas.
8. O centro do culto cristão é a proclamação fiel das Sagradas Escrituras e toda
liturgia deve ser trabalhada em torno do tema do sermão dominical.
9. O culto deve ser bíblico, observando o princípio regulador puritano, de que nada
pode ser a ele acrescido que não seja orientado pela Palavra de Deus (Confissão de
Fé, XXI e Princípios de Liturgia da IPB, Arts. 7 e 8).
10. O uso de dramatizações, coreografias e mímicas em detrimento da pregação, não
faz parte da orientação litúrgica reformada, devendo tais conteúdos ser ministrados
em outros contextos que não sejam o do culto dominical.
11. O culto deve ser racional. As experiências fenomenológicas tais como glossolalia
(falar em línguas), profecias, riso santo ou ―bênção de Toronto‖, bem como ênfase
no emocionalismo não fazem parte do culto cristão bíblico e por isso são rejeitadas
pelo PPLA.
12. O culto deve ser ordeiro. A prática dos chamados ―trenzinhos de louvor‖, a
gesticulação inadequada à solenidade e reverência, o uso de expressões de
exultação – tais como ―amém‖, ―aleluia‖ ou ―Oh, Glória‖ – fora de contexto, não
faz parte de nossa tradição litúrgica e deve ser evitado.
13. A invocação da bênção apostólica é função privativa do ministro (CI/IPB Art. 31,
alínea ―b‖). Evitamos a banalização do ato de abençoar tal como disseminada em
modelos de culto estranhos aos princípios reformados.
14. Entendemos a necessidade da retomada de alguns elementos litúrgicos que estão
sendo abandonados por nossas igrejas, tais como a confissão de pecados, a
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recitação do Credo Apostólico, a oração do Pai Nosso, o uso de prelúdio e


poslúdio instrumental, dando oportunidade para que os cultuantes orem em
particular antes e depois do culto e a direção da liturgia pelo pastor juntamente
com um ou dois oficiais da Igreja.
15. Acentuamos a necessidade de um culto empolgante, vivo, fervoroso e autêntico.
Descartamos o formalismo oco e abraçamos a visão reformada de um culto no
qual o cultuante esteja plenamente envolvido – física, racional, emocional e
espiritualmente. No entanto, entendemos que para que isso aconteça não devemos
nos abrir para os modelos litúrgicos que contrariem os princípios acima.
Foi ainda definida a necessidade de uma retomada de leituras do Velho e Novo
Testamentos e de períodos de orações intercessórias.

Tipos de Cultos
Os tipos litúrgicos podem ser classificados em: adoração, ação de graças, edificação e
evangelístico. É claro que tais designações são tentativas de simplificação, uma vez que, em
cada culto, haverá uma interligação de elementos, de modo que num culto evangelístico
ocorrer edificação, ou num culto de adoração estarem presentes as ações de graças. Os títulos
acima, no entanto, definem estilos de culto organizados de acordo com a tônica maior do
evento ou ocasião.
 Cultos de adoração são aqueles em que a ênfase maior recai sobre a
contemplação da Glória do Senhor, cujas mensagens são, em geral, devocionais ou
doutrinárias — sobre a própria pessoa de Deus. O objetivo de tais cultos é fazer
com que os fiéis transcendam suas próprias realidades pessoais e alcancem,
mesmo que de modo bastante limitado, os mistérios da pessoa divina. Tais cultos
são bastante raros hoje em dia, quando as pessoas buscam ―cultos mais
funcionais‖.
 Cultos de ação de graças estão ligados, quase sempre, a eventos especiais:
aniversários, inauguração de obras, cura de enfermidades, livramento de
catástrofes, agradecimento pelas bênçãos gerais etc.
 Cultos de edificação têm por finalidade levar os cultuantes a serem alimentados e
transformados com princípios sólidos da palavra divina, com vistas a uma maior
consagração do povo de Deus. Nesta categoria encontramos também os cultos
cujas mensagens tratem de cura espiritual e interior. O povo recebe ministração de
acordo com suas necessidades específicas. O sermão, nestes cultos, é normalmente
de cunho pastoral.
 Cultos evangelísticos são reuniões destinadas à pregação de mensagens
específicas para não crentes, e tiveram sua origem nos século XVIII,
principalmente sob o avivamento da época de Finney. Apesar de bastante
populares, não existiam, pelo menos na forma como os vemos hoje, na época da
Igreja Primitiva.
As liturgias adaptam-se ao tipo de culto que conduzem. Aquele que prepara e conduz
a adoração comunitária deve atentar para que os textos lidos, os cânticos e hinos entoados,
bem como a pregação sejam adequados ao tema geral de cada culto, sempre refletindo os
conteúdos trabalhados acima.
Liturgia, então, é a expressão viva da fé e da adoração de uma igreja. Ela não
deve ser desprezada mas, pelo contrário, compreendida, desfrutada e compartilhada por todos
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os que participam da vida do corpo de Cristo. Ao fazermos isso somos edificados,


aprofundamos nossas raízes e solidificamos a nossa identidade cristã e denominacional, bem
como crescemos na graça e no conhecimento do Senhor Jesus.

Bibliografia
Allmen, Jean Jacques Von. (1968). O culto cristão: Teologia e prática. São Paulo: ASTE.
Allmen, Jean Jacques Von. Org. (1971). Vocabulário bíblico. São Paulo: ASTE.
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Costa, Hermisten Maia P. (1987). Teologia do culto. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana.
Douglas, J. D. (1986). O novo dicionário da Bíblia. Volume I. São Paulo: Vida Nova.
Hunt, Dave. (1995). Escapando da sedução: Retorno ao cristianismo bíblico. Porto Alegre:
Chamada da Meia Noite.
Gonzalez, Justo L. (1991). A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova.
Martin, Ralph P. (1982). Adoração na Igreja primitiva. São Paulo: Vida Nova.

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