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GESTÃO BOLSONARO ŀ/š25,(-v"(.".-351! #.Ċ.&.6$1-.


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A cantora Anitta:
135 shows e
nove palestras
sobre negócios
em 2018

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" 1(." -(33 Ċ-."., -#.ħ$,5+3(/+(" , 2./.135-(# #$2
SUMÁRIO

20
JOSEPH OKPAKO/WIREIMAGE/GETTY IMAGES

Anitta: sua empresa


tem 50 pessoas e gerencia
também outros artistas

CAPA GESTÃO FINANÇAS


20 Música As redes sociais e o streaming 40 Cidadania A contratação de jovens 62 Bolsa Três empresas estrearam
colocam os artistas, como a cantora aprendizes é oportunidade para na bolsa brasileira em 2018. A lista
Anitta, no comando e multiplicam aumentar a diversidade na empresa para este ano tem 30 candidatos
as oportunidades no setor
MARKETING IDEIAS
NEGÓCIOS 44 Cinema Clássicos da animação 66 Tendências Uma pesquisa global
32 Varejo Os shopping centers ganham refilmagens com atores reais aponta os movimentos sociais
brasileiros investem em serviços significativos nos próximos três anos
e em tecnologia para sobreviver NEGÓCIOS GLOBAIS
às mudanças do comércio 48 Estados Unidos A perspectiva de uma ESPECIAL GOVERNO BOLSONARO
36 Energia O presidente da Eletrobras desaceleração da economia é uma 68 Política Para emplacar a reforma
está confiante na capitalização da questão para o mundo. E para Trump da Previdência, Bolsonaro terá de
empresa, que deverá triplicar sua 52 Geopolítica Com o crescimento da convencer a população e o Congresso
capacidade de investimentos China, o mundo está se dividindo 74 Economia O secretário especial de
em dois sistemas de governança Produtividade e Competitividade,
PME Carlos da Costa, defende a redução
38 Tecnologia O mercado de TECNOLOGIA da burocracia na economia
reconhecimento facial atrai gigantes 58 Gestão pública A coleta de dados dos 76 Análise Um terço do ministério
como Amazon e Alibaba, mas abre cidadãos e a tecnologia ajudam os vem das Forças Armadas. Como isso
espaço também para as startups governos a melhorar os serviços pode influenciar o novo governo
EXAME VIP
80 TECNOLOGIA A feira International
Consumer Electronics Show, em Las Vegas,
é como um exercício da evolução da espécie

85 CULTURA Personagens à margem


da lei nas telas e nas páginas — e de quebra
a cinebiografia de Dick Cheney

86 BELEZA Os consumidores estão


começando a identificar os diferentes
tipos de fragrância em perfumes

88 ESTILO Como o tênis virou um esporte


fashionista — e, ao mesmo tempo, um
dos mais opressores para as mulheres

SEÇÕES
Carta de EXAME 10

44
Cartas & E-mails 12
Primeiro Lugar 15
Vida Real J.R. Guzzo 31
Visão Global 56
Turma da Sete Perguntas 90
Mônica: pela
primeira vez
no cinema REVISTA QUINZENAL | ANO 53 | Nº 1 | EDIÇÃO 1177
DIVULGAÇÃO

com atores em 23 DE JANEIRO DE 2019


carne e osso CAPA: GERMANO LÜDERS
COMO CONTATAR
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CARTA
DE EXAME

ALBERY SANTINI/FUTURAPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO


Jair Bolsonaro desfila com a mulher, Michelle, durante a cerimônia de posse em Brasília:
o país precisa virar a página da campanha eleitoral

Um novo ciclo
Em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, o cientista político posta de reforma da Previdência que seu ministro da Economia
Marcus André Melo trouxe ao grande público uma questão sur- está prestes a apresentar ao país. O tropeço parece superado e a
gida recentemente no debate acadêmico: por que alguns presi- expectativa em torno da reforma segue alta. Mas sabemos quão
dentes parecem viver em “campanhas perpétuas” muito tempo difícil é o trajeto de uma proposta impopular no Congresso, e
após a vitória eleitoral? O caso mais notório é o de Donald Trump: quão importante será ao governo — e ao presidente Bolsonaro
o presidente americano continua com uma retórica de guerra e — mostrar convicção férrea em torno do projeto.
uma atitude que fogem do tradicional figurino da política em Mas os primeiros dias também mostraram uma disposição
Washington. No script normal, o candidato derrotado deseja para o embate de várias autoridades recém-empossadas, num
sorte ao vencedor e o novo presidente assume a tarefa de gover- movimento que parece guardar semelhanças com a noção de
nar para todos, e não apenas para seus eleitores. Oposição e si- “campanha perpétua” descrita por Melo. Um exemplo é a “des-
tuação terão enfrentamentos, por óbvio, pois isso faz parte da petização” da máquina pública promovida pelo ministro da
democracia. Mas até há pouco tempo o presidente tentava se Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Um dia depois de tomar posse, ele
distanciar da disputa para figurar como o líder nacional. Não no demitiu de uma tacada os 320 ocupantes de cargos de confiança.
caso de Trump. Segundo Melo, há dois argumentos que tentam A medida acabou prejudicando o funcionamento da pasta, e o
explicar o fenômeno. O primeiro diz que o presidente Trump e ministro recebeu um puxão de orelha do vice-presidente Hamil-
outros líderes que seguem esse modelo estão apenas refletindo ton Mourão — ele disse que as exonerações de servidores de
a polarização da própria sociedade. O segundo centra atenção governos anteriores devem ser analisadas caso a caso.
na polarização não do grosso dos eleitores, que continuariam Podem ser apenas os primeiros movimentos de uma equipe
moderados, mas dos partidos e suas bases relativamente restri- que vai achando seu rumo. Mas pode ser que haja a percepção
tas. Difícil dizer, neste momento, quem tem razão. de que o melhor para o governo é manter o clima de guerra que
Essa conversa ecoa diretamente no Brasil, com o novo gover- perdurou durante as eleições. Seria uma pena. Neste momen-
no dando seus primeiros passos. Foram várias batidas de cabe- to, precisamos desesperadamente de paz para reencontrar os
ça dos novos ministros e do presidente Jair Bolsonaro, até certo caminhos do crescimento que perdemos após o desvario da
ponto normais para um governo em formação. Na mais notória, Nova Matriz Econômica que tanta destruição nos legou. A elei-
Bolsonaro deu declarações em que parecia se contrapor à pro- ção acabou — agora é governar.

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CARTAS
& E-MAILS
CAPA tomotivo e qualquer outro que faça uso
O otimismo com o novo governo brasilei- do capitalismo pró-empresário, e não
NEGÓCIOS:0+-,1!$-/!0%017-$-"/!,$- JUSTIÇA:(,0%&2/!,8!)2/9$(#!#/%0#%
(,3%01(+%,1-0!('!3%/+%/#!$-.!/!1!,1- ,-/!0(*0/%0.-,063%(0 -0)294%0
ro deve ser tratado com o devido cuidado pró-competição.
(A realidade vai se impor, 26 de dezem- Sales Rocha
bro). Afinal, quais projetos serão imple- Via Facebook
mentados? Por certo, temos de ser otimis-
tas, mas sem excessos. E não podemos O preço dos veículos básicos no Brasil é o
ficar esperando: precisamos participar. mesmo de um modelo premium nos Es-
Uriel Villas Boas tados Unidos. As pessoas têm percebido
Santos, SP que não é vantajoso ter um bem que des-
valoriza anualmente. E, com o transporte
JUSTIÇA por aplicativos, ficou mais vantajoso usar
Excepcional o artigo de Eduardo Oine- o automóvel apenas sob demanda. Carro,
EDIÇÃO 1176 :
 : :-
9 770102 288002

<= gue sobre a insegurança jurídica impos- hoje em dia, parece ser um bom negócio
0 1 1 7 6>
R$ 22,00

> 5; 

ta pelo Poder Judiciário (O país não me- só para quem ganha dinheiro com ele.
rece isso, 26 de dezembro). É como ele Matheus Araujo
disse: “Seria bom olhar em 2019 para Via Facebook

A hora de bons projetos arrojados, como o que mo-


derniza as agências reguladoras e o que Se não houver acordo entre o governo e
juntar esforços controla os abusos do Ministério Público as montadoras para reduzir a alta taxação,
e do Judiciário, discussões que as corpo- não acredito que os investimentos darão
O texto assinado por Joel rações públicas querem evitar”. certo. Hoje, não vejo necessidade nem
Pinheiro da Fonseca na Guilherme Pinheiro estímulo para comprar um carro.
última edição (Como unir Via Facebook Alex Mariani
o Brasil, 26 de dezembro) Via Facebook
é tão confortador que DESENVOLVIMENTO
decidi escrever para Sobre a reportagem Uma aposta no futuro ECONOMIA CRIATIVA
EXAME. Acho que, com (26 de dezembro), não apoio nenhum des- Entendo que a cultura é importante e mo-
tantas mudanças na matamento, principalmente sem avalia- vimenta a indústria criativa (O bom negó-
política, que têm emanado ção ambiental e replantio. Se não cuidar- cio de criar, 26 de dezembro), mas seria
do povo, é hora de mos de nosso planeta como um todo, não bom que o ingresso de grandes eventos
a imprensa trabalhar com teremos outro e sofreremos as conse- fosse mais barato para facilitar o acesso.
o máximo de isenção quências. É uma mudança grande, e pro- Walmir Arraes Junior
possível. Este é o momento curo fazer a minha parte. Via Facebook
de juntarmos os esforços Giane Stuart
para ajudar o Brasil a seguir Via Facebook CORREÇÃO
um rumo que seja bom O fundo Fator Debêntures Incentivadas
para todos. Precisamos AUTOMÓVEIS é um fundo de renda fixa. O fundo Fator
A abertura da economia, somada à redu- Max Corporativo tem investimento ini-
apaziguar os ânimos
ção de subsídios para o setor automotivo, cial de 1 000 reais (Onde Investir 2019, 12
e mostrar como o resultado,
seria uma medida mais eficiente para de dezembro).
seja qual for, ajudará
fortalecer o setor do que o aumento dos
ou prejudicará a todos.
investimentos (80 bilhões para sair da
É hora de torcer e dizer: lama, 26 de dezembro). É para deixar no
“Para frente, Brasil!” Comentários sobre o conteúdo editorial de
mercado as empresas eficientes e compe- EXAME, sugestões e críticas a reportagens
titivas, engajadas nas cadeias produtivas redacao.exame@abril.com.br
Antonio Rodrigues globais, vendendo internamente produ- Fax (11) 3037-2027, Caixa Postal 11079,
Niterói, RJ tos melhores e com preços competitivos. CEP 05422-970, São Paulo, SP
Chega de almoço grátis para o setor au-

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FÓRUM
2019

Empresas que valorizam as diferenças


mostram por que são diferentes.
(VSHFLDOLVWDVHOÊGHUHVTXHGHƮQHPRVUXPRVGHVXDVFRPSDQKLDVHVWDUÀR
UHXQLGRVSDUDDQDOLVDUDVPHOKRUHVSU¾WLFDVGHGLYHUVLGDGHHLQFOXVÀRWUD]HULGHLDV
WURFDUH[SHULÇQFLDVHIDODUVREUHDLPSRUW¿QFLDGDVLQLFLDWLYDVSDUDRVQHJÐFLRV
9DPRVMXQWRVDFRPSDQKDULPSRUWDQWHVGLVFXVVÒHVHFRQKHFHUDVHPSUHVDV
TXHPDLVVHGHVWDFDPQRODQÄDPHQWRGR*XLD(;$0('LYHUVLGDGH

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Parceria Realização
PRIMEIRO
LUGAR
LUCAS AMORIM | lucas.amorim@abril.com.br
COM REPORTAGEM DE DENYSE GODOY, FILIPE SERRANO, MARIANA DESIDÉRIO E MARIANA FONSECA

FABIO TEIXEIRA/NURPHOTO/GETTY IMAGES


Intervenção Federal no Rio de Janeiro: a compra de 27 360 pistolas .40 para forças de segurança foi parar na Justiça

NEGÓCIOS

Um mercado em pé de guerra
Com a possível abertura do mercado de armas brasileiro, como se mercado. O contrato do Rio de Janeiro ganha importância por
prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, a disputa entre as gran- causa de um dispositivo da lei de licitações que incentiva a padro-
des fabricantes globais já esquentou no país. A austríaca Glock nização dos produtos adquiridos pelo Poder P úblico. Isso abre a
venceu no fim de 2018 um edital do Gabinete de Intervenção Fe- possibilidade de a Glock se tornar a pistola-padrão no estado. O
deral e vai fornecer 27 360 pistolas .40 às forças de segurança do Gabinete de Intervenção Federal aceitou os argumentos da fabri-
Rio de Janeiro, num contrato de 40 milhões de reais. A Glock ofe- cante austríaca e encerrou o caso, ratificando o resultado. Mas a
receu seu armamento por 395 dólares a unidade, 29 dólares a me- história não acabou. A Glock entrou com uma representação crimi-
nos que a segunda melhor proposta, da americana Sig Sauer. Depois nal contra a Sig Sauer em que questiona as acusações e o caso
da divulgação do resultado, tanto a Sig Sauer quanto a terceira pode evoluir para um processo por difamação. A Sig Sauer, por sua
participante, a também americana CTU, entraram com recursos vez, entrou com um processo contra o Gabinete de Intervenção
questionando o preço baixo oferecido pela Glock. Em sua defesa, a Federal para parar o processo de compra. A Glock já vendeu cerca
Glock afirma que vendeu as armas no Rio a um preço competitivo de 70 000 armas para órgãos públicos brasileiros, entre eles a Po-
dada a importância do edital, uma prática usada mundo afora nes- lícia Federal. Procuradas, as empresas não comentaram.

23 de janeiro de 2019 | 15
PRIMEIRO LUGAR

PME

EMPRESÁRIOS
SEM MARCA
As pequenas empresas brasilei-
ras ainda não enxergam o regis-
tro de marcas e patentes como
prioridade para os negócios. Uma
pesquisa com 4 000 micro e pe-
quenos empresários encomen-
dada pelo Sebrae indica que só
19% deles registraram a marca
da empresa no Instituto Nacional
da Propriedade Industrial, órgão
responsável pela certidão. O do-
cumento é necessário para ga-
PEDRO LADEIRA/FOLHAPRESS

rantir a exclusividade do nome e


da marca. Entre os empresários
que não fizeram o registro, a
maioria diz que nunca precisou
(52%), nunca pensou na questão
Fábrica da JBS: a empresa treinou 99% de seus 110 000 funcionários em conduta e ética (37%), não sabia que precisava
registrar (25%) ou não sabia co-
mo fazer (24%). Já para 14% o
COMPLIANCE problema são os custos.

CANAL DE DENÚNCIAS EM EXPANSÃO


A JBS, processadora de carne controlada to, a linha de denúncias anônimas recebeu
pela família de Joesley e Wesley Batista, 1860 relatos, dos quais 25% foram con-
completou em dezembro o treinamento de siderados procedentes e encaminhados
99% de seus 110000 funcionários sobre para investigação, resultando em 59 me-

PAULO PINTO/FOTOS PÚBLICAS


o código de conduta e ética da companhia. didas disciplinares: demissões, advertên-
O programa foi lançado em 2017, depois cias e suspensões. Para o treinamento nos
que altos executivos da empresa e da hol- demais países em que a JBS opera, o canal
ding J&F Investimentos assinaram acor- confidencial agora está disponível em
dos de delação premiada com o Ministério 11 idiomas. Enquanto isso, os irmãos Ba-
Público confessando participação em atos tista respondem a processo que pode levar Comércio: só 19% das PMEs
de corrupção. Em um ano de funcionamen- à revisão da delação premiada. registraram sua marca no Inpi

EDUCAÇÃO

A TREVISAN VAI PARA A BRIGA


A escola de negócios Trevisan, uma tomar os cursos in company e expan-
das mais tradicionais do país, criada dir internacionalmente. A empresa
há 35 anos, ganhou um novo sócio também planeja recriar a Trevisan
para dar início a um plano de expan- Consulting, focada em estratégia e
são. Trata-se de VanDyck Silveira, transformação organizacional. A Tre-
ex-presidente do concorrente Ibmec, visan tem atualmente 1 800 alunos
que chega para assumir também a no Rio de Janeiro, em São Paulo e em
Antoninho
presidência da Trevisan. Antoninho Ribeirão Preto e fatura 21 milhões de
Trevisan: ele
ganhou um Marmo Trevisan será o presidente do reais por ano. Entre os principais
DIVULGAÇÃO

sócio para conselho de administração. O plano concorrentes estão a FGV, o Insper,


a expansão é crescer em ensino a distância, re- a Dom Cabral e o próprio Ibmec.

16 | www.exame.com
LOGÍSTICA

OTIMISMO NAS
ENTREGAS
A FedEx, maior empresa de entregas
expressas do mundo, acabou de com-
prar 327 veículos para modernizar sua
frota no Brasil. A chegada dos novos
caminhões, cavalos mecânicos e carre-
MARCELO ALMEIDA

tas deve ser finalizada até maio. “O ob-


Durski, do Madero: seu negócio jetivo é aumentar a eficiência do servi-
pode valer 3 bilhões de reais
ço”, diz Luiz Vasconcelos, vice-presi-
dente de operações da FedEx Express,
RESTAURANTES subsidiária do grupo no país. A multina-
cional americana já tem 2 800 veículos
MADERO E CARLYLE QUASE LÁ para atender 5 300 cidades brasileiras.
A companhia afirma que o investimen-
Falta um importante detalhe para o acor- a fatia do Carlyle no negócio poderia variar to faz parte de sua estratégia de longo
do negociado entre o fundo de private — de 23% para até 36%, segundo as pro- prazo, mas torce para que os negócios
equity Carlyle e a rede de restaurantes postas em estudo. Inicialmente, o Carlyle sejam beneficiados pela aceleração da
Madero, do empresário Luiz Renato Durski ofereceu 700 milhões de reais por 23% economia em 2019. A aquisição é mais
Junior. EXAME apurou que executivos do do Madero, o que avaliaria a empresa, com uma boa notícia para a indústria auto-
Carlyle estão preocupados com possíveis 150 restaurantes, em até 3 bilhões de mobilística brasileira, que tem crescido
passivos fiscais do Madero. Segundo reais. Procurado, Durski diz que a negocia- nos últimos anos impulsionada pelo
Durski, eles somam no máximo 120 mi- ção com o fundo está concluída e no pro- mercado corporativo. Em 2018, foram
lhões de reais, mas executivos próximos cesso de revisão do contrato de 600 pá- vendidos 467 000 veículos comerciais,
ao negócio dizem que a conta pode supe- ginas. O prazo, segundo ele, é 23 de janei- alta de 22% em relação a 2017.
rar os 500 milhões. A depender da conta, ro. O Carlyle não comentou.

Quem finalmente vai ter a coragem


de dizer qual é a única solução positiva?
ZHAO JIANPENG/AFP PHOTO

Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, sobre


a dificuldade do governo britânico em aprovar o Brexit

A chinesa Megvii: chegando ao Brasil

FINANÇAS TECNOLOGIA
VEM PRA BOLSA UM ROSTO CHINÊS
(BRASILEIRA) Companhias chinesas devem manter
Em seu esforço para convencer as empresas lo- o ritmo de investimento em inovação
cais a abrir o capital no país, e não em Nova York, no Brasil em 2019. Em 2017, a Didi
como fizeram três companhias de tecnologia em comprou o aplicativo 99; no ano pas-
2018 (entre elas a PagSeguro), a B3 encomendou sado, a Tencent investiu na fintech
à consultoria PwC um estudo para mostrar que Nubank. A Megvii, um gigante do re-
a bolsa brasileira é mais barata. Segundo o levan- conhecimento facial, venderá seus
tamento, para ofertas iniciais de até 250 milhões serviços no Brasil em uma parceria
de dólares, o custo total no Brasil pode variar de com a agência de promoção Chinno-
DIVULGAÇÃO

4,5% a 6% do valor captado, ante 8% a 12% nos vation. Avaliada em 2 bilhões de dóla-
Estados Unidos. Na faixa de 500 milhões a 1 bi- res, a Megvii tem clientes como o go-
Bolsa de Nova York: lhão de dólares, as despesas ficariam em torno verno chinês, que usa o reconheci-
a PagSeguro foi abrir lá de 4% aqui e 6% no mercado americano. mento para monitorar criminosos.

23 de janeiro de 2019 | 17
DADOS Clientes de banco

& IDEIAS
no Brasil: 53% estão
satisfeitos com
os serviços

NATÁLIA FLACH | natalia.flach@abril.com.br

BANCOS

Muito aquém da Apple


Mesmo tendo investido globalmente 9,7 bi- 53%. Um dos motivos é que somente 34%
lhões de dólares no desenvolvimento de so- dos brasileiros acham que as instituições
luções digitais no ano passado, os bancos financeiras conseguem superar suas expec-
ainda não conseguem oferecer experiências tativas no que se refere a preços competiti-
tão boas quanto as das grandes empresas vos e taxas baixas, tema caro para 84% dos
de tecnologia. Um estudo da consultoria De- entrevistados. “No mundo, a experiência com
loitte, com 17000 pessoas de 17 países, produtos e serviços de empresas de tecno-
mostra que 70% se dizem encantadas com logia supera em 12 pontos percentuais a in-
produtos e serviços de companhias como teração oferecida pelos bancos, enquanto no
Apple e Google, ante apenas 46% das que Brasil a diferença chega a 16 pontos”, diz
têm a mesma opinião sobre as instituições Sergio Biagini, sócio-líder da indústria de
financeiras. Mesmo assim, 63% dos entre- serviços financeiros da Deloitte. A conclusão:
vistados estão satisfeitos com seus bancos. os bancos precisam conhecer melhor os
No Brasil, no entanto, a aprovação cai para clientes e investir mais na interação.

Uma pesquisa da consultoria Deloitte com 17 000 pessoas em 17 países mostra que,
apesar do alto investimento em tecnologia, os bancos não são percebidos como inovadores

Correntistas satisfeitos Percepção dos clientes sobre os bancos no Brasil (em %)


com seus bancos (em %) Atendem ou superam expectativas Não atendem

Preços competitivos / taxas baixas 34% 66%


Identidade e informações de 51% 49%
correntistas são confidenciais
63% 53%
Boa experiência na agência, no aplicativo, 51% 49%
Média mundial Brasil no site e nos caixas eletrônicos

Percepção sobre empresas de tecnologia e bancos no Brasil (em %)


Marca favorita de tecnologia Banco
9,7 BILHÕES
Oferecem 82% Facilitam 78% Procuram formas DE DÓLARES
produtos e o uso dos 62% de aprimorar
serviços que 48% produtos a experiência foi quanto os
surpreendem e serviços do consumidor bancos investiram
globalmente na
75% digitalização
Têm custos Conhecem 51% de atividades em 2018
e termos 69% o cliente e 63%
de uso 50% sabem o 48%
transparentes que ele quer Fonte: Deloitte

18 | www.exame.com
MEIOS DE PAGAMENTO

QUER RECEBER COMO?


O avanço tecnológico tem possibilitado a criação de novas
formas de prestação de serviços, mas os meios utilizados
para pagar pelo trabalho realizado ainda são basicamente
os mesmos. Segundo um estudo do ADP Research Insti-
tute com mais de 6000 pessoas, 55% dos empregados
abririam mão de ter conta em banco se houvesse a possi-
bilidade de receber por outros meios. No Brasil, 60% dos
entrevistados aceitariam receber por cartão pré-pago,
carteira digital (como Apple Pay) ou conta digital (como
PayPal). Além disso, 48% dos brasileiros compartilhariam
seus dados financeiros com as empresas em troca de
orientação sobre o que fazer com o dinheiro.

De longe, o depósito em conta-corrente é a forma mais


comum de receber salário no mundo. Mas as novas contas
digitais estão ganhando espaço

Os meios usados pelas empresas para pagar os funcionários (em %)(1)


Estados Unidos China Brasil

84 82
72
55
42
32 30
28
18 21 17 26 26 7 14

Depósito Cartão Carteira Conta digital Cheque


em conta- pré-pago digital (exemplo:
corrente (não ligado (exemplo: PayPal)
a banco) Apple Pay)

Expectativa dos funcionários (em %)

40% 55% 77%

acham que receberão trocariam a compartilhariam sua


em criptomoedas conta bancária situação financeira
em até dez anos por outros meios com a empresa
(1) Pode ser escolhida mais de uma opção Fonte: ADP

Celulares: 20% no
Brasil receberiam
por esse meio
MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL

FLAVIO SUCESSO/FOTOARENA

23 de janeiro de 2019 | 19
CAPA | MÚSICA
PEDRO FIÚZA/NURPHOTO/GETTY IMAGES

Anitta: sua empresa tem


50 pessoas e gerencia
também outros artistas

20 | www.exame.com
A S TA R T U P
A N I T TA
Os aplicativos revolucionam os transportes. As fintechs
transformam as finanças. Na música, as redes sociais
e o streaming colocam os artistas, como a cantora carioca
Anitta, no comando — e multiplicam as oportunidades
NAIARA BERTÃO

U
M DIA NORMAL NA contar os inúmeros áudios, mensa-
AGENDA da can- gens e e-mails que troca nos interva-
tora pop Anitta los dos compromissos com amigos e
pode começar alguns de seus 50 funcionários. A
às 7 horas com cantora ainda dedica alguns minu-
reuniões sobre tos para checar a audiência e os co-
seu programa mentários de suas redes sociais e
infantil ou do- gravar vídeos para mostrar os basti-
cumentário, dores de seu trabalho aos fãs. Aos 25
passar por con- anos, a carioca Larissa de Macedo
versas com seu empresário america- Machado (Anitta é um nome artísti-
no para discutir a próxima parceria co inspirado em uma minissérie) é
internacional, chegar a uma palestra a maior referência nacional de um
em um evento de profissionais de momento de transformação na in-
marketing e terminar com um show dústria da música. Os grandes no-
para uma marca patrocinadora. Essa mes do pop, do rap, do sertanejo e de
foi de fato a agenda da cantora no dia outros ritmos passaram a ser os pro-
em que falou a EXAME. Isso sem tagonistas não só de sua música, mas

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CAPA | MÚSICA

de sua marca, de seus produtos. São, mais do que Apresentação


artistas, CEOs de suas próprias startups. O objeti- no Grammy: a
vo é ganhar os maiores nacos de um mercado por tecnologia levou
hologramas e mais
décadas dominado por grandes gravadoras e pro- experiência para
dutores. Qualquer semelhança com o que fazem os shows de
as fintechs e os aplicativos de transporte em seus grandes artistas
próprios terrenos não é mera coincidência. O
mundo da música também virou do avesso e, pa-
ra Anitta e uma ambiciosa geração de músicos,
não há espaço proibido. “A internet mudou a re-
lação das gravadoras com os artistas. Hoje, não
existe mais fórmula única”, diz Anitta. “Eu faço
negócio em qualquer ocasião. E penso em todas
as plataformas e meios de distribuição.”
Se até uns anos atrás a referência do sucesso era
o número de álbuns vendidos — ou de músicas
compradas em lojas virtuais —, agora os artistas
têm uma enxurrada de indicadores para ser avalia-
dos. Em sua página no canal de vídeos YouTube,
Anitta conta com mais de 10,6 milhões de fãs. Na
rede social Instagram, ela tem 32,6 milhões de se-
guidores. Em 2018, fez 135 shows, incluindo dez
deles fora do Brasil. Já há 86 apresentações agen-
dadas para 2019. Um de seus maiores sucessos, Vai
Malandra, conseguiu 1 milhão de execuções na
plataforma de música Spotify em 24 horas, um re-
corde no Brasil. Outra música, Downtown, entrou
para a lista das mais tocadas nos Estados Unidos.
No ano passado, a cantora foi convidada para ser
jurada no La Voz, reality show musical mexicano.
No segundo semestre, lançou dois projetos em ví-
deo: uma série sobre sua carreira na plataforma de
streaming Netflix e um desenho infantil, o Anitti-
nha — o direito de exibição foi vendido aos canais

EM 2018, ANITTA COMEÇOU A DAR


Gloob e Gloobinho. Em 2018, Anitta começou ainda
a dar palestras sobre inovação na gestão dos negó-
cios e de carreira em eventos corporativos. Foram
nove palestras em 2018 e já há seis agendadas para PALESTRAS SOBRE INOVAÇÃO E
2019. Sua estreia foi no evento Brazil Conference,
na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em
GESTÃO. FALOU ATÉ EM HARVARD
abril. O empresário Jorge Paulo Lemann, sócio da
cervejaria ABInBev, estava entre os convidados.
Anitta começou a estruturar seu negócio em EXAME acompanhou as gravações de um novo
2014, quando demitiu sua empresária, Kamilla comercial da montadora Renault. A cantora não
Fialho. De lá para cá, é a cantora quem dá a pala- revela seu faturamento anual, mas afirma que há
vra final desde a coreografia das bailarinas até os uma preocupação constante em equilibrar as di-
contratos publicitários. “Percebi que estava fican- ferentes fontes de receita. Os cachês para shows,
do famosa quando eu passava pelos shoppings segundo executivos do setor, estão na casa dos
populares e via os vendedores anunciando o brin- 200 000 reais. “Ganho muito bem com publici-
co da Anitta, o short da Anitta. Constatei que as dade, mas não extrapolo para não cansar minha
pessoas queriam consumir também o que eu es- imagem. Ganho bem em shows, mas também não
tava usando, e não só minha música”, afirma ela. faço milhares, para o público não cansar de olhar
Atualmente, Anitta tem contrato com 11 marcas. para a minha cara”, diz.

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EM VÁRIAS FRENTES
Os números da cantora Anitta evidenciam
a variedade de frentes abertas com as redes sociais
e a quebra do poderio das grandes gravadoras

A ARTISTA
Larissa Machado, a Anitta, tem 25 anos e é a primeira cantora
brasileira a chegar ao topo da lista das mais ouvidas na
plataforma Spotify. É ela quem administra pessoalmente
sua empresa, a Rodamoinho, que tem 50 funcionários e cuida
também de outros projetos, como um documentário
para o Netflix, e ainda agencia outros artistas

OS NÚMEROS

2,6 ONZE
é o número
de vezes que
seus vídeos
foram vistos MARCAS
BILHÕES no YouTube
patrocinam a
cantora, entre elas
135 shows em 2018 a montadora Renault
e a fabricante
(200000 reais é quanto cobra, de cosméticos
em média, por show) O Boticário

10,6 9 palestras em eventos


de gestão em 2018
MARIO ANZUONI/REUTERS

milhões de
inscritos em seu 32,6 MILHÕES
canal no YouTube de seguidores no Instagram

1 milhão de execuções
A empresa de Anitta, batizada de Rodamoinho, em 24 horas
não tem sede fixa. “Meu escritório é meu celular. no Spotify com o hit Vai Malandra (um recorde)
Como o produto da minha empresa sou eu mesma,
tenho de estar em campo fisicamente, executando
Fontes: Spotify, YouTube, Instagram, documentário Vai Anitta na plataforma Netflix
o que combinamos na venda”, diz. Para isso, viaja
muito: foram 12 países em 2018. Ela tem vários gru-
pos de WhatsApp para gerenciar as diversas unida-
des de negócio de sua empresa: o grupo de styling é o CEO e amigo Daniel Trovejani, produtor musical
cuida de figurinos dela e dos bailarinos; o técnico contratado para organizar a gestão. O irmão Renan
trata de instrumentos, luzes, ferramentas; o da ban- Machado, que está a seu lado desde o início, é o
da, do repertório de cada show. Há ainda os grupos responsável por colocar as ideias da cantora em
de contratos, de produção de música, de assessoria prática. “Quando eu chamo qualquer pessoa para
de comunicação, de marcas... A gestão de pessoas trabalhar comigo, eu não ligo se ela não tem expe-
é uma questão sempre presente em suas palestras. riência no ramo, prefiro que seja alguém em quem
Anitta estudou administração de empresas e che- eu aposte, confie e que aprenda minha forma de
gou a estagiar na mineradora Vale antes de se de- trabalhar”, afirma. “Mas não pode ter medo de pen-
dicar à carreira artística, mas tem visões particula- sar diferente. Em minha empresa eu deixo todo
res sobre o tema. Seu negócio é cercado de amigos, mundo livre para cuidar do que quiserem, fazer
parentes e amigos de amigos. O principal executivo sugestões para outras áreas, estimulo todos a pen-

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CAPA | MÚSICA

sar fora da caixa.” Isso pressupõe, também, ter de atuar O porto-


em mais de uma função. Uma história ficou famosa: na riquenho
Luis Fonsi: a
gravação do clipe para a música Vai Malandra, no Mor- geografia
ro do Vidigal, no Rio de Janeiro, a cantora, incomoda- da música
da com o ritmo lento dos trabalhos, dispensou a equipe mudou e abriu
contratada e ordenou que seus funcionários assumis- espaço para
os latinos
sem a produção e a gravação mesmo sem nunca terem
trabalhado em produção de vídeo.

NO RITMO DA TECNOLOGIA
A indústria da música vive uma fase de renascimento,
impulsionada pelos smartphones. Depois de 15 anos
de queda nas receitas com o fim do império dos CDs e
dos DVDs, os executivos do setor voltam a olhar o fu-
turo com otimismo. As gravadoras tiveram em 2017 o
terceiro ano de crescimento, de 8%, para 17,3 bilhões de
dólares em faturamento global, segundo relatório da
Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI,
na sigla em inglês). Os dados de 2018 ainda não estão
fechados, mas apontam na mesma direção. O valor
ainda é 68% do alcançado no auge do setor, em 1999,
quando faturou 25 bilhões de dólares, impulsionado
pelas vendas de álbuns. Após um longo período de in-
certezas, agora o caminho está dado: em 2017, pela pri-
meira vez, a combinação de download de músicas e
streaming representou mais da metade (54%) das re-
ceitas das gravadoras. Só os serviços de streaming, co-
mo Deezer e Spotify, faturaram 6,6 bilhões de dólares,
41% mais do que em 2016. Dos 176 milhões de pessoas
que pagavam no fim de 2017 pelo serviço de reprodução
ANDRÉ HORTA/FOTOARENA

digital (incluindo streaming e download), 64 milhões


haviam criado suas contas no próprio ano. Em 2017, a
indústria fonográfica brasileira teve seu melhor ano em
muito tempo: cresceu 17,7%. O Brasil é o nono maior

O RENASCIMENTO DA MÚSICA Após 15 anos de queda nas receitas, a indústria da música voltou a crescer nos últimos

MUNDO BRASIL
Faturamento global da indústria de música (em bilhões de dólares) Físico Digital Streaming Streaming de música (em milhões de dólares)
2013 27
0,4 2014 40
1,0 0,2 2015 79
2,0 0,2 0,3 2016 134
2,7 0,4 6,6
0,4 0,6 1,0 4,7 2017 208
3,4 1,4 1,9 2,8
3,7 2018 288(1)
3,9 4,2 2019 365(1)
4,4 4,3
4,0 3,8 3,2 2020 425(1)
2,8
2021 463(1)
25 23 24 22 20 19 18 16 14 12 10 9 8,2 7,6 6,7 6 5,7 5,5 5,2 2022 483(1)

1999 2008 2017 Crescimento anual: 18,3%

(1) Previsão Fontes: IFPI Global Music Report 2018, PwC Global Entertainment & Media Outlook 2018-2022

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Smartphones
no Rio de Janeiro:
o mercado de
música no Brasil
voltou a crescer
em 2017

YASUYOSHI CHIBA/AFP PHOTO


mercado do planeta — Estados Unidos e Japão estão 2017, segundo a consultoria PwC, para um faturamen-
na liderança. Segundo uma pesquisa da consultoria to de quase 900 milhões de dólares. A previsão é que,
PwC, 43% dos gastos dos brasileiros com música em em 2022, a receita chegue a 1,2 bilhão.
2017 foram com assinaturas de streaming, ante 26% em A crise na indústria musical começou em 1999,
bilheteria de shows, 20% em direitos autorais e 7% na quando uma empresa americana chamada Napster,
compra de CDs e DVDs. A estimativa é que, em 2022, o criada pelos empreendedores Shawn Fanning e Sean
streaming chegue a 63% de participação, com cresci- Parker, revolucionou a forma como as pessoas consu-
mento anual de 18%. O avanço do streaming permitiu miam música. Sua tecnologia possibilitava o compar-
que a indústria musical no Brasil voltasse a crescer em tilhamento de faixas no formato MP3 de maneira
ilegal na rede. A sacada foi permitir aos usuários que
baixassem uma infinidade de músicas e escutassem
em seus computadores. Foi a primeira briga entre a
indústria fonográfica e a internet. Mais tarde, a própria
três anos, impulsionada pelo streaming e pelas redes sociais Apple lançou o iTunes, serviço que permite baixar
músicas por um preço inferior ao cobrado nos álbuns
tradicionais. Depois, as plataformas de streaming ter-
CDs e DVDs (em milhões de dólares) Mercado de música (em milhões de dólares)
minaram por enterrar a audição de música tal como
129 109 88 50 33 24(1) 17(1) 13(1) 10(1) 7(1) 2013 828 a conhecíamos no século 20. Não era mais preciso
2014 840 comprar um álbum ou uma música, mas ouvir tudo
2015 842 em tempo real pagando uma assinatura. Ano após ano,
2016 839 as gravadoras foram perdendo vendas com álbuns, as
2017 898 lojas físicas foram fechando, os artistas precisaram
2018 975(1)
encontrar novas fontes de renda. As vendas de CDs,
2019 1 059(1)
2020 1 135(1) que em 2000 chegavam a 13,2 bilhões de dólares só
2021 1 194(1) nos Estados Unidos, em 2016 não passavam de 1,2 bi-
2013 2022 2022 1 236(1) lhão, segundo a associação americana das gravadoras.
No Brasil, as vendas anuais hoje são de apenas 24 mi-
Variação anual: -26,3% Crescimento anual: 6,6% lhões de dólares, segundo a PwC.

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Se antes grandes gravadoras, como Warner, EMI, cido pelo nome artístico KondZilla. Ele apostou num
Universal e Sony, davam as cartas, negociando a pre- ritmo pouco explorado pelas grandes gravadoras, o
sença dos cantores nas rádios, na televisão, agora os funk, e criou o terceiro maior canal no YouTube em
artistas têm uma autonomia inédita. “As plataformas todo o mundo, com 45 milhões de seguidores acompa-
conectaram diretamente a oferta de entretenimento nhando os clipes dos artistas agenciados por ele. Com
à demanda e alteraram a forma como as pessoas con- apenas 30 anos, KondZilla cresceu na periferia do Gua-
somem”, diz Luis Bonilauri, diretor de Mídia e En- rujá, cidade no litoral paulista, e sempre sonhou em ser
tretenimento da consultoria Accenture. Uma pesqui- cineasta. Começou a produzir videoclipes em casa em
sa do YouTube mostra que a quantidade média de 2012. Hoje é um fenômeno da rede.
horas semanais de vídeos online vistas no Brasil é de Para sobreviver, as gravadoras deixaram de focar o
15,4, representando um crescimento de mais de 90% CD e o DVD e transformaram-se em consultoria es-
nos últimos três anos. “Quem souber se diferenciar, tratégica. Cuidam da divulgação, da distribuição de
fazer uma boa estratégia de marketing e divulgação conteúdo e do marketing dos artistas, incluindo a
pode se dar muito bem, e muito rápido”, diz Sandra criação de festivais e a busca de patrocinadores. São
Jimenez, diretora do YouTube Music para a América elas também as principais intermediadoras entre os
Latina. Nunca antes o artista conseguiu tão facilmen- cantores e as plataformas de streaming de música,
te (e a custos tão baixos) produzir e distribuir seu como Spotify e Deezer. “Mesmo ganhando menos de
próprio conteúdo, falar diretamente com o público e 1 centavo por clique, um artista pode ser ouvido inú-
meras vezes por milhões de pessoas no mundo intei-
ro 24 horas por dia. Antigamente, ninguém comprava
um CD mais de uma vez. A digitalização é uma van-
PARA SOBREVIVER, AS GRAVADORAS tagem competitiva”, diz Paulo Lima, presidente da
Universal Music no Brasil, gravadora que teve cresci-
TRANSFORMARAM-SE EM mento de 15% nos negócios em 2018. Nos últimos

CONSULTORIAS ESTRATÉGICAS
cinco anos, a Universal expandiu em 450% a receita
no Brasil. “A antiga gravadora, que só gravava e vendia

embasar decisões estratégicas em dados de audiência


e preferência popular. O risco é se perder nessa ava-
lanche de oportunidades, com um vídeo fora do tom,
um post polêmico, uma música lançada às pressas.
A própria Anitta se envolveu numa polêmica duran-
te as eleições presidenciais quando foi cobrada por
seguidores a se posicionar contra declarações do
então candidato Jair Bolsonaro, algo que fez às vés-
peras do primeiro turno. Se alcançar o estrelato está
mais fácil, a vida está mais complexa. “Qualquer um
com um celular na mão e acesso à internet pode mos-
trar aos outros seu trabalho. Isso põe em xeque os
modelos de negócios tradicionais”, diz Miguel Geno-
vese, diretor de criação e inovação da PwC.
O avanço do streaming também mudou a geografia
da música. Nos últimos anos, as plataformas permiti-
ram a popularização de astros da música coreana K-pop
e alçaram o porto-riquenho Luis Fonsi e seu pegajoso
Despacito ao topo das listas das mais tocadas nos Esta-
dos Unidos. Anitta busca agora trilhar o mesmo cami- Sorocaba:
nho com uma dedicação cada vez maior a canções em pioneiro em
inglês e espanhol. Mesmo dentro do Brasil, o streaming perceber o
e as redes sociais trouxeram para a luz uma leva impro- potencial
libertador das
vável de empreendedores. O mais notório deles é o redes sociais
roteirista e diretor Konrad Cunha Dantas, mais conhe- para o artista

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CD, não era mais necessária. A nova, que trabalha
estrategicamente a marca do artista, passa a ser um
parceiro importante nesse novo mercado digital”, diz
Fernando Fakri de Assis, conhecido como Sorocaba,
da dupla sertaneja Fernando e Sorocaba. Há um ano
e meio, ele voltou a fechar contrato com uma grava-
dora, a Sony Music. “Os artistas têm as ferramentas,
mas sozinhos não conseguem tudo”, diz Rick Bona-
dio, produtor musical que revelou bandas como Ma-
monas Assassinas e Charlie Brown Jr.
A estimativa do banco Goldman Sachs é que a in-
dústria da música global chegue a 41 bilhões de dóla-
res de receita até 2030. Mas essa cifra não reflete as
oportunidades à disposição dos artistas. O rapper
americano Jay-Z, por exemplo, criou em 2014 a pró-
pria plataforma de streaming, a Tidal, já disponível
no Brasil. Também é conhecido por ter seu selo inde-
pendente e agenciar outros artistas por meio de sua
empresa Roc Nation. Além disso, tem participação em
empreendimentos variados, como bares, e de marca
de charutos a agenciamento de esportistas. No Brasil,
OLGA LYSLOFF/FOLHAPRESS

além de cantor e compositor, Sorocaba é um dos prin-


cipais empresários musicais e já lançou 12 nomes de
sucesso, como Luan Santana e a dupla Thaeme e Thia-
go, por meio da FS Produções Artísticas, sua produto-
ra. Ele é de uma geração anterior à de Anitta, a primei-
ra que começou a vislumbrar o potencial libertador
KondZilla:
dono do das redes sociais. “Já em 2006, com as ferramentas
terceiro maior disponíveis, eu sabia que conseguiria levar minha
canal do música mais longe, mesmo sem gravadora”, diz Soro-
YouTube no
mundo, ele caba. Outras estrelas abriram produtoras para agen-
começou em ciar artistas e produzir eventos, como Ivete Sangalo.
casa em 2012 A própria Anitta é ao mesmo tempo empresária de
novos cantores e cliente de empresários que tratam
de sua carreira internacional. Atualmente, ela cuida
da estratégia de marca da cantora pop gaúcha Clau
junto com a gravadora Warner Music, que atende as
duas cantoras. “Ter o controle é essencial, mas é pre-
ciso entender até onde seu pé alcança e onde ele não
alcança”, diz Ivete Sangalo.

O PODER ESTÁ NAS REDES


Os tempos mudaram, mas o objetivo principal do
artista continua o mesmo: que as pessoas escutem,
e amem, suas músicas. A estratégia para conseguir
isso é que mudou radicalmente. Para si mesma e pa-
ra os clientes, Anitta traça uma estratégia de posicio-
namento e de marketing semelhante à de grandes
companhias. Suas músicas tratam de temas social-
mente relevantes, como o empoderamento feminino
LUIZ MAXIMIANO

e a preservação da Amazônia. Mira diferentes públi-


cos com apresentações no Carnaval, em bailes funk,
em festas LGBT+ ou com um espetáculo voltado pa-

23 de janeiro de 2019 | 27
CAPA | MÚSICA

ra crianças e adolescentes. Tudo reforçando sua ori-


gem humilde nos bailes funk da comunidade carioca
de Honório Gurgel. “Anitta não quer ser a Rihanna, “FAÇO NEGÓCIO EM
a Madonna ou a Beyoncé. Quer ser ela mesma, man-
ter a identidade e construir sua marca”, diz Rob Mar- QUALQUER OCASIÃO”
kus, agenciador na William Morris Endeavor, empre-
Anitta é símbolo de uma geração
sa americana que cuida da carreira internacional de
Anitta e também do DJ brasileiro Alok. Anitta tem de artistas que tomou o poder
uma estratégia de marketing sob medida para as re- no mercado da música. Ela falou
des sociais. Em 2017, anunciou o projeto Xeque Mate, a EXAME sobre gestão
em que apresentou uma música por mês, durante
quatro meses — em parceria com cantores interna- NAIARA BERTÃO
cionais, como o colombiano Maluma, os americanos
Poo Bear e Maejor e o sueco Alesso. Juntas, as quatro Aos 25 anos, a cantora Anitta é um símbolo do
já foram ouvidas quase 720 milhões de vezes no canal artista contemporâneo: divide a agenda entre uma
da cantora no YouTube. “A recorrência de lançamen- média de três shows semanais e a gestão de um
tos e aparições é muito importante para trazer fluxo negócio com 50 funcionários, a produtora Roda-
constante para a plataforma. Muitos artistas já não moinho. Ela define da iluminação dos shows às
se preocupam em desenvolver um álbum inteiro pa- marcas com as quais fechará parcerias. A gestão
ra só depois divulgar e optam por soltar três ou qua- peculiar de seu negócio a levou a dar palestras em
tro faixas com frequência”, diz Bruno Vieira, diretor- eventos de empreendedorismo. Entre um com-
-geral do streaming Deezer no Brasil. promisso e outro, alimenta suas redes sociais: só
Os shows também mudaram. O sertanejo Gusttavo no Instagram tem 32,6 milhões de seguidores.
Lima surpreendeu os fãs na tradicional Festa do Peão “Temos de inovar para manter a curiosidade e o
de Barretos, no interior paulista, em agosto. No show, interesse das pessoas”, disse a EXAME enquanto
de gravação de seu novo DVD, cantou por quase 6 ho- era maquiada para uma sessão de filmagens para
ras e até churrasco fez no palco. “Os grandes artistas uma empresa patrocinadora.

Como as redes sociais mudaram a relação


dos artistas com as gravadoras?
A forma de fazer negócio mudou. Eles estavam
acostumados com um caminho só e hoje não há
mais fórmula única. Muitas vezes, o próprio artis-
ta tem de incentivar a gravadora a pensar fora da
caixa. Elas estão mais flexíveis, senão não sobre-
vivem. Tem artista, assim como eu, que já faz todas
as áreas do negócio. Outros, não. Eu faço negócio
em qualquer ocasião, tudo pra mim é um negócio.

Por que você decidiu gerenciar a própria carreira?


Eu quis ser minha própria empresária quando
senti que as coisas não estavam saindo do jeito
que eu acreditava. Percebi que estava ficando
famosa quando eu passava pelos shoppings po-
pulares e via os vendedores anunciando o brinco
da Anitta, o short da Anitta. Vi que as pessoas
queriam consumir não só minha música, mas o
que eu estava usando.
BRITTA PEDERSEN/GETTY IMAGES

Sede do
Spotify: o
streaming Você se formou em administração e fez
faturou estágio na mineradora Vale. Isso a ajudou
6,6 bilhões
de dólares a se tornar uma empreendedora?
em 2017 Eu tinha noções boas, mas a maioria das coisas

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Você tem muitos compromissos e projetos
novos. Como dá conta de gerenciar tudo?
Meu escritório é meu celular. Como o produto
da minha empresa sou eu mesma, tenho de es-
tar lá em campo fisicamente, executando o que
combinamos na venda. Faço tudo por telefone.
Cuido desde a parte burocrática de contratos
até a montagem de uma coreografia. Tenho vá-
rios grupos no WhatsApp pelos quais falo com
minha equipe. São quase 50 pessoas trabalhan-
do diretamente comigo.

Como você contrata pessoas


para trabalhar em seu time?
Quando eu chamo qualquer pessoa para traba-
lhar comigo, eu não ligo se ela não tem expe-
riência no ramo. Prefiro que seja alguém em
quem eu aposte, confie e que aprenda minha
forma de trabalhar. Assim, a relação fica mais
alinhada; e a pessoa, mais comprometida e uni-
da. Não gosto de alguém que já chegue achando
que sabe tudo. Essa pessoa raramente vai que-
GERMANO LÜDERS

rer escutar os outros.

E o que é imprescindível que a pessoa


tenha para trabalhar com você?
Anitta: “Uma Não ter medo de pensar diferente. Não parar
fui aprendendo na prática, no erro. Uma coisa de coisa de que diante de um obstáculo, mas procurar maneiras
que eu não gosto é correr risco financeiro. Eu não gosto é criativas de fazer dar certo. Quando eu comecei
correr risco
gosto de ter na minha mão o poder de investir e financeiro sozinha com meu irmão, há quatro anos, apren-
fazer meus projetos. Quando eu quero fazer um em projetos” demos sozinhos com os erros e fazendo. A em-
projeto ousado, eu me planejo financeiramente presa era pequena e eu sempre falei que não era
até ter capital. Foi o que fiz com o desenho para nos compararmos com as outras pessoas.
Anittinha [lançado em 2018]. Nossa realidade é diferente, nosso público é di-
ferente, nosso momento da vida é diferente, eu
Nas reuniões de negócios, você se sou uma pessoa diferente, então iríamos encon-
apresenta como Anitta ou como Larissa, trar nossa maneira. Se a porta está fechada, eu
seu verdadeiro nome? vou pelo teto ou cavo um buraco. Na minha em-
Anitta. Mas sempre falo de Anitta como um pro- presa eu deixo todo mundo livre para cuidar do
duto, para que as pessoas não misturem as coi- que quiser, fazer sugestões para outras áreas,
sas. Já coloquei até óculos para fingir que sou estimulo todos a pensar fora da caixa.
mais intelectual.
Quais suas principais fontes de receita hoje?
Como você lidera sua equipe? Está bem dividido. Não quero ficar dependente
Tenho 25 anos, sou nova. Se eu chegar lá e nada de uma fonte só. Ganho muito bem com publici-
acontecer como o planejado, as pessoas não vão dade, mas não extrapolo para não cansar minha
querer embarcar comigo. As coisas que eu faço imagem. Ganho bem em shows, mas também não
envolvem arriscar, então normalmente eu chego faço milhares de shows para o público não cansar
para minha equipe e falo “fecha os olhos e vai”, e de olhar a minha cara. Tenho feito muitas pales-
eles precisam confiar em mim. tras e já são uma fonte importante de receita.

23 de janeiro de 2019 | 29
CAPA | MÚSICA

K-pop
coreano:
estratégia sob
medida para
os novos
tempos

KIM HONG-JI/REUTERS
já entenderam que não basta mais só música. Para se
destacar, é preciso criar uma experiência incrível pa- HOLOGRAMAS, CRIPTOMOEDAS,
ra os fãs”, diz Luis Justo, presidente do Rock in Rio.
Em dezembro, a cantora Ivete Sangalo divulgou o pri-
COMANDOS DE VOZ: A FORMA DE CONSUMIR
meiro clipe de seu novo DVD, em comemoração aos
25 anos de carreira, uma hora depois do fim de um
MÚSICA VAI CONTINUAR MUDANDO
show em São Paulo. A estratégia começou meses an-
tes, com posts em redes sociais sobre as participações gir com a cantora — indo a um show ou nas redes
especiais no show e, dias antes, uma palhinha das sociais — pode receber recompensas na moeda digital
novas músicas em seu canal do YouTube. A próxima audiocon. Björk, conhecida por testar novas tecnolo-
fronteira a ser explorada é a da inteligência artificial. gias na música, já havia lançado um ano antes um
Nos Estados Unidos, o uso de hologramas, represen- videoclipe em realidade virtual. O cantor e produtor
tações visuais e animadas de artistas já mortos, está musical americano Akon também anunciou a criação
se popularizando. O cantor Roy Orbison, de Pretty da própria criptomoeda, a akoin. Sua ideia é equipar
Woman, morto há 30 anos de ataque cardíaco, está em uma cidade no Senegal, seu país de origem, para ser
turnê pela Europa. Com a guitarra Gibson vermelha a primeira a utilizar o meio de troca.
nas mãos e vestindo terno cinza e óculos escuros, ele Uma das próximas mudanças deve vir com a po-
canta e toca por um show inteiro. Orbison foi repro- pularização dos serviços de comando por voz, como
duzido pela empresa de tecnologia Base Hologram. os assistentes domésticos de empresas como Google
Também já foram digitalmente ressuscitados o rapper e Amazon. Eles devem mudar a forma como as pes-
Tupac Shakur, a cantora de blues Billie Holiday e o rei soas interagem com as músicas. Poderão completar
do pop, Michael Jackson. A inovação extrapola a ima- uma canção que você comece a cantarolar ou pre-
gem. A cantora islandesa Björk lançou em 2018 uma parar uma playlist sob medida para uma conversa
plataforma com base na tecnologia blockchain que que você estiver tendo com seus amigos. Para artis-
permite aos fãs comprar seu álbum pagando com crip- tas como Anitta ou Luis Fonsi, quanto mais eclética
tomoedas, como o bitcoin e o litecoin, e quem intera- for a playlist, melhor.

30 | www.exame.com
VIDA
REAL
J.R. GUZZO

MARCELO CAMARGO/AG. BRASIL


Duas semanas
é muito pouco Jair Bolsonaro com Michel Temer: mudar o Brasil vai exigir quatro anos
do novo governo e sabe-se lá quanto mais tempo ainda

O Brasil anda muito nervoso. Mas pense, por 45 nos últimos dias, e o dólar, eterno refúgio nas horas de medo,
segundos, em como estaria a situação se o presidente recuou para sua menor cotação em dois meses. O recado aí é o
empossado no dia 1o de janeiro tivesse sido Fernando seguinte: o país vai mudar, sim, na verdade já está mudando e
parece estar engrenado para mudar mais do que em qualquer
Haddad em vez de Jair Bolsonaro. Pronto. Não é preciso outra época de sua história econômica recente. Essa percepção
perder seu tempo com mais nada se baseia num fato essencial. Seja lá o que o governo fizer, seja
qual for seu grau de competência na administração da máqui-
na pública, ou seja lá quanto sucesso efetivo tiver na execução
Já foi dito, mas vale a pena dizer de novo: o Brasil anda muito de seus projetos, uma coisa é 100% certa: Bolsonaro, desde já e
nervoso. Uma das manifestações mais comuns dessa ansiedade ao longo dos próximos quatro anos, vai fazer basicamente o
é a cobrança de resultados concretos do governo de Jair Bolso- exato contrário do que foi feito nos 16 anos de lula-dilmismo,
naro. E então: onde está a reforma da Previdência? Por que ain- incluindo o arremate dado por seu vice-presidente e aliado his-
da não fecharam o Incra, o Ibama e a Funai? Quantos funcioná- tórico Michel Temer. Não é muito complicado. Mesmo um go-
rios enfiados na máquina pública pelo PT (tudo peixe graúdo, verno presidido pelo centroavante Deyverson inspiraria mais
ganhando de 50 000 reais por mês para cima) já foram demiti- confiança, aqui e no exterior, do que qualquer gestão do PT.
dos? Por que o Brasil, até agora, não rompeu com a Venezuela? Pense, por 45 segundos, em como estaria a situação se o presi-
Onde estão os números de queda no índice de homicídios? E as dente empossado no dia 1o de janeiro tivesse sido Fernando
privatizações: alguém já viu alguma privatização sendo feita? Haddad em vez de Jair Bolsonaro. Pronto. Não é preciso perder
Fecharam a empresa do “trem bala”? Por que tanta gente fala e seu tempo com mais nada.
tão pouca coisa acontece? Enfim: por que esse governo não faz Os ministros escolhidos, em geral, parecem realmente os mais
nada? Uma possível resposta para isso talvez esteja no calendá- indicados para executar o trabalho que o governo se propõe a
rio: quando as contas são feitas, o novo governo mal terá com- fazer. Sempre é possível que haja um bobo entre eles — mas até
pletado dez dias úteis quando o leitor estiver lendo este artigo. agora ainda não se descobriu quem é. A dúzia de generais, ou
É verdade que já deu tempo para a ministra Demares pegar no algo assim, que foram para o ministério ou primeiro escalão, até
pulo uma espetacular marmelada da era anterior — um contra- agora, só incomodaram os jornalistas; para o governo, deram
to pelo qual você pagaria 45 milhões de reais, isso mesmo, para prestígio moral, autoridade e a imagem de que o Brasil está sen-
instruir as populações indígenas sobre o uso de criptomoedas, do dirigido por gente séria. Os ministros mais atacados, como
ideia que realmente só poderia ocorrer a alguém depois dos 16 os do Meio Ambiente, de Relações Exteriores e da Justiça, pas-
anos de roubalheira alucinada dos governos Lula-Dilma. Mas sam a impressão de que sabem perfeitamente o que estão fazen-
pouca gente parece disposta a considerar que duas semanas são do — e de que estão muito seguros quanto a seus objetivos prá-
um prazo muito curto para mudar o Brasil, trabalho que vai exi- ticos. A “impossibilidade” de lidar com o Congresso, apresenta-
gir os quatro anos inteiros do governo Bolsonaro e sabe-se lá da como fato científico durante a campanha, não impressiona
quanto mais tempo ainda. ninguém, a começar pelo Congresso. As reformas mais compli-
O mercado, mais do que ninguém, dá sinais de que está en- cadas na organização do país têm boas chances de ser aprovadas
tendendo a situação com muito mais realismo, objetividade e — e isso, por si só, promete uma virada vigorosa na economia.
bom senso — falando com dinheiro, e não com ideias, os inves- O que está faltando, mesmo, é mais tempo para o governo acon-
tidores fizeram a bolsa de valores bater todos os seus recordes tecer. Duas semanas é muito pouco.

23 de janeiro de 2019 | 31
NEGÓCIOS | VAREJO

CORRA QUE O
FUTURO CHEGOU
Após uma onda de aberturas nos últimos anos, os shopping centers brasileiros
investem em serviços, e em tecnologia, para sobreviver às mudanças do varejo
MARIANA DESIDÉRIO

32 | www.exame.com
Thiago Alonso de line por lá passaram de 106 bilhões de setor também têm uma vantagem com-
Oliveira, da JHSF: dólares em 2013 para 588 bilhões em 2018 parativa em relação às americanas: pu-
novo shopping em
São Paulo não terá —, as grandes cidades estão quaradas de deram ver antes o declínio do setor lá
estoque, e entregará centros de compras que adotam as mais fora. E resolveram se mexer.
as compras na casa modernas tecnologias de integração do Para começar, trataram de reformular
dos consumidores
varejo físico com o online. Em 2017, os 190 o que conhecem melhor: os estabeleci-
maiores shoppings chineses venderam mentos físicos. É uma das saídas buscadas
11% mais que em 2016. No Brasil, o mer- pela maior companhia de shoppings do
cado de shoppings passa por um período Brasil, a brMalls, que faturou 1,3 bilhão de
de ressaca pós-festa. De 2011 a 2014 foram reais em 2017 e tem 40 empreendimentos
abertos 90 novos centros de compra no pelo país. Após números fracos em 2016,
país, totalizando 520 endereços. No inter- com queda de 2,8% na receita líquida, um
valo de 2014 a 2017, mesmo com a crise novo presidente, Ruy Kameyama, assu-
econômica, foram mais 50 inaugurações. miu o comando da brMalls em 2017. De lá
A euforia dos construtores e varejistas, para cá, tem investido em iniciativas para
porém, aos poucos encontrou barreiras se aproximar do que chama de “shopping
no Brasil real. O aumento no faturamento do futuro”. Isso significa principalmente
anual, que em 2010 chegou a 23%, caiu mais opções de lazer. O recém-inaugura-
para a casa dos 5%. Com as perspectivas do Shopping Estação Cuiabá, em Mato
de retomada do crescimento econômico, Grosso, conta com espaço gourmet, par-
uma pergunta ronda a cabeça de varejis- que infantil ao ar livre e uma área para

A FEBRE PASSOU
Após um período de forte expansão, o mercado de shopping centers
estancou no Brasil nos últimos anos
Faturamento anual Número de shoppings (em quantidade)
Faturamento (em bilhões de reais) Crescimento (em %) 600 571
200 25% 520
150 20% 500
430
15%
100 392
10% 400
LEANDRO FONSECA

351
50
5%
0 0% 300
2006 2008 2010 2012 2014 2017 2006 2009 2011 2014 2017
Fonte: Abrasce

O
S SHOPPING CENTERS CONVIVEM HÁ tas, incorporadores e clientes: há merca- pets. “O novo consumidor tem uma ex-
ANOS COM UMA PREVISÃO apocalíp- do para mais shoppings? pectativa maior por experiências. Isso
tica no radar: serão aniquilados Especialistas ouvidos por EXAME afir- gera mais demanda por restaurantes e
pelo comércio eletrônico. Será mam que a resposta deve levar em conta serviços”, afirma Kameyama. O grupo vai
mesmo? O avanço das vendas online é a realidade brasileira. Por aqui, estamos investir 400 milhões de reais nos próxi-
sem dúvida inexorável. O volume de ven- longe de ter um comércio eletrônico de mos cinco anos para adequar seus princi-
das na internet nos Estados Unidos, o magnitude chinesa (o volume de vendas pais shoppings a esse modelo.
maior mercado varejista do mundo, foi de online no Brasil em 2018 foi de 68 bilhões Uma pesquisa do ano passado feita pe-
212 bilhões de dólares em 2013 para 444 de reais, equivalentes a 18 bilhões de dó- la Abrasce, a associação do setor, com a
bilhões em 2018, alta de 110%, segundo lares) e o mercado também é outro. En- empresa de pesquisa de mercado GFK
dados da consultoria Euromonitor. Efeito quanto nos Estados Unidos muitos shop- mostrou que somente 32% dos frequenta-
direto do avanço, até 25% dos shoppings ping centers estão nos subúrbios, seus dores vão ao shopping exclusivamente
nos Estados Unidos devem fechar as por- primos brasileiros são mais integrados para fazer compras. Eles também vão ao
tas até 2022. Mas na China, onde o avanço ao centro das cidades e funcionam como cinema, à academia, ao banco e até ao la-
do comércio eletrônico é ainda mais feroz opção de lazer segura num país com al- boratório médico. Dono dos laboratórios
— segundo a Euromonitor, as vendas on- tos índices de violência. As empresas do Lavoisier, Delboni, Alta e CDPI, o grupo

23 de janeiro de 2019 | 33
NEGÓCIOS | VAREJO

de medicina diagnóstica Dasa tem 710


unidades em todo o país, das quais 45 são
em shopping centers. Segundo a compa-
nhia, as unidades nesses centros comer-
ciais são campeãs em satisfação do cliente.
Outro apelo dos shoppings que não pode
ser substituído pelo digital é o da experi-
ência. Esse movimento tem feito com que
o próprio nome “shopping center” come-
ce a ser revisto. Estudo recente da consul-
toria imobiliária JLL elenca pelo menos 17
shoppings nos Estados Unidos que se re-
novaram e deixaram a palavra mall, usada
por lá, pelo caminho. No lugar entraram
substitutas como village e town center. O
estudo, que analisou as mudanças ocorri-
das em 90 centros americanos, destaca
ainda que boa parte deles criou hotéis,
escritórios, escolas, centros de saúde. Na
China, os restaurantes se tornaram os pro-
tagonistas, reforçando uma frase comum
entre quem acompanha o setor: “Food is
the new fashion” (a comida é a nova moda).
Por lá, os centros comerciais também têm
investido em espaços de coworking, lazer
infantil e exposições. A arquitetura tam-
LEANDRO FONSECA

bém está mudando. “Quando o shopping


center surgiu, sua arquitetura era como
uma armadilha para consumir mais. Não
havia janelas, então o cliente perdia a no-
ção do dia e da noite. Hoje, os espaços se
integram às cidades”, afirma Luiz Alberto
Marinho, sócio-diretor da GS&Malls, con- brMalls subiu 12%; da Iguatemi, 26%; da
sultoria especializada no segmento. Ou General Shopping, 30%; e da Sonae Sier-
seja: o consumidor vai continuar a sair de ra, 38%. O índice Ibovespa, por sua vez,
casa, mas não apenas para comprar. São teve valorização de 52% no período. Um
justamente espaços como esses que estão caminho buscado por essas empresas pa-
fechando nos Estados Unidos. No Brasil, ra voltar a atrair consumidores (e investi-
os shoppings que mais sofreram com a dores) é investir em tecnologia. A brMalls
crise em geral ficam em cidades menores, comprou, em maio de 2018, 45% da star-
sem poder de fogo para oferecer contratos tup Delivery Center, que atua na interli-
vantajosos aos grandes varejistas e restau- gação entre shoppings e comércio eletrô-
rantes. Muitas vezes, ainda têm outros nico. A promessa da startup é a entrega
empreendimentos concorrentes. de produtos em até uma hora. Para isso,
As grandes empresas do setor, que prio- ela usa shopping centers como platafor-
rizam as maiores cidades, são menos mas de distribuição, entregando de refei-
questionadas sobre a viabilidade de seus ções a roupas e itens de conveniência.
empreendimentos. Mas isso não significa Assim, conta com uma das grandes van-
que não tenham passado por um sufoco tagens dos shoppings brasileiros, a loca-
recente. As administradoras de shopping lização, para resolver um dos principais
centers de capital aberto sofreram com a gargalos da venda online no país: a logís-
VIEWSTOCK/GETTY IMAGES

crise do varejo nos últimos anos e, recen- tica. A aquisição, estimada em apenas
temente, ficaram abaixo da alta da bolsa, 1 milhão de reais, pode incrementar a
afetadas pelo aumento tímido das vendas. receita da brMalls em 10% nos próximos
De julho de 2018 até agora, o valor da quatro anos, segundo a empresa. O Deli-

34 | www.exame.com
very Center atua hoje em 13 shoppings, de um shopping é fazer com que compra-
cinco deles da brMalls. Desde agosto de dor e vendedor se encontrem”, afirma
2018, a brMalls também é a patrocinado- Thiago Alonso de Oliveira. Também foca-
ra da vertical de varejo Cubo, espaço de do na alta renda, o grupo Iguatemi, com
coworking do Itaú, onde sete startups pes- 17 shoppings, lançará ainda neste ano o
quisam inovações no setor. Iguatemi 365, site que vai funcionar como
Dona de quatro shoppings voltados ao marketplace das marcas presentes nas
público de alta renda, como o paulistano unidades da rede. Inicialmente serão 60
Cidade Jardim, a JHSF também trocou de marcas. Com 31 shoppings, a administra-
comando recentemente. O executivo dora Aliansce investiu em monitorar o
Thiago Alonso de Oliveira assumiu em consumidor dentro dos estabelecimen-
fevereiro do ano passado com a missão de tos, via rede Wi-Fi. A companhia tem ma-
melhorar os números da empresa, que pas de calor com o desempenho de ven-
teve prejuízo de 250 milhões de reais em das de cada corredor e uma plataforma de
2016 e de 27 milhões de reais em 2017. A vendas integrada com dados de todas as
companhia inaugurou uma loja online lojas. Dona do BarraShopping, no Rio de
própria em setembro do ano passado e vai Janeiro, e de mais 18 empreendimentos,
abrir até o final de 2019 o Cidade Jardim a Multiplan criou um núcleo de inovação
Shops, um novo shopping em São Paulo para desenvolver tecnologias que possam
cuja proposta é integrar totalmente os integrar seus shoppings com o mundo
mundos físico e digital. Com investimen- digital, inclusive com projetos voltados
to de 35 milhões de reais e um espaço fí- para as compras online.
sico de 5 000 metros quadrados (6% do O abraço no online é bem-vindo, mas é
ocupado pelo Cidade Jardim atual), a um movimento que, segundo analistas de
ideia é que o novo centro não tenha esto- varejo, demorou mais do que deveria. A
que e as lojas funcionem como showroom. primeira companhia do setor a criar uma
Ruy Kameyama, da
brMalls: investimento em O cliente vê a peça na loja, compra o que loja virtual foi a CCP, braço da incorpora-
startups de varejo gostar, mas sai de lá sem sacola. O item dora Cyrela focado em shopping centers
será entregue em sua casa. “O propósito e dona de sete estabelecimentos, entre
eles o Shopping D, em São Paulo. A loja
online On Stores foi lançada em 2017. O
site tem 340 lojas e vendeu para 25 000
usuários em 2018. A meta é multiplicar o
Shopping na China: a número de clientes por dez nos próximos
comida é a nova moda quatro anos. No modelo da CCP, o objetivo
dos centros de compra
é usar o site para atrair o cliente por meio
do click and collect , modalidade em que
o consumidor compra pela internet e bus-
ca o produto na loja, economizando no
frete. Uma vez que o consumidor foi até o
shopping buscar o produto, a meta é fazer
ofertas personalizadas pelo celular. A ini-
ciativa surgiu da necessidade de melhorar
a rentabilidade das lojas. “Antes a gente
fornecia o espaço e os lojistas pagavam o
aluguel. Agora somos um parceiro para
ajudar a vender mais”, diz Pedro Daltro,
presidente da CCP. “A crise fez os shoppin-
gs reverem uma certa arrogância adotada
historicamente em relação aos lojistas. O
jogo agora está mais equilibrado”, diz Adir
Ribeiro, fundador da consultoria especia-
lizada em varejo Praxis Business. Os shop-
pings estão chegando aonde o consumi-
dor já estava: no século 21.

23 de janeiro de 2019 | 35
NEGÓCIOS | ENERGIA

CAPITALIZAR
PARA INVESTIR
Mantido no cargo de presidente da Eletrobras, Como essa capitalização vai ocorrer?
Em princípio, estamos falando de uma
Wilson Ferreira Júnior está confiante na capitalização via mercado. Dessa manei-

capitalização da empresa, que deverá triplicar sua ra, nos beneficiaremos da valorização das
ações nos últimos dois anos. A Eletrobras
capacidade de investimentos. E defende que o valia em junho de 2016 algo na casa dos

governo deixe de ser o controlador da companhia 18 bilhões de reais. Agora, o valor está em
torno de 42 bilhões de reais. Isso reflete
ANDRÉ JANKAVSKI as melhoras operacionais e de governan-
ça da companhia. As distribuidoras foram
vendidas, assim como diversas socieda-

O
des de propósito específico. Também
PRESIDENTE DA ELEBROBRAS, WIL- distribuição e participações em empresas houve redução de pessoal e de outras des-
SON FERREIRA JÚNIOR, foi o único de geração eólica e de transmissão. Tam- pesas. Hoje, a situação é bem melhor.
líder de uma estatal mantido bém foram feitos cortes profundos: cerca
pelo governo de Jair Bolsonaro. de 44% dos empregados da estatal, mais Como foram as conversas para o senhor
Sua missão agora é abrir o caminho para de 11 000 pessoas, foram demitidos. Em continuar no comando da Eletrobras?
a atração de novos sócios privados na sua primeira entrevista depois de ser con- O novo governo enxergou em mim uma
companhia de energia por meio de uma firmado no cargo, Ferreira defende que a forma de contribuir para o trabalho de
capitalização no mercado de capitais. Por capitalização vai restaurar a capacidade recuperação da empresa, até mesmo pela
isso mesmo, Ferreira não usa o termo de investimento da estatal e a retomada continuidade do trabalho que vinha sen-
“privatização”, mas diz que o governo po- das obras da usina nuclear de Angra 3. do feito. Tivemos a primeira conversa na
derá deixar de ser o controlador da em- Confira, a seguir, a entrevista. semana passada. Ao longo das próximas
presa, mantendo uma fatia expressiva de semanas conseguiremos dar mais forma
seu capital. Desde julho de 2016 no cargo, A Eletrobras será privatizada à proposta de capitalização.
o executivo é responsável por comandar no governo Bolsonaro?
a recuperação da Eletrobras, que sofria O almirante Bento Albuquerque Júnior, O novo governo já fez declarações
com investigações da Operação Lava- novo ministro de Minas e Energia, teve a contra a participação da China
-Jato, prejuízos nas distribuidoras de compreensão da importância da capita- nas privatizações e nas concessões.
energia e até ameaças de ser retirada da lização da empresa. No próprio discurso Nos últimos anos, os chineses foram
Bolsa de Valores de Nova York. De lá para de posse, ele ressaltou que era necessária investidores importantes no setor
cá, o valor de mercado da empresa subiu a distribuição de energia a um preço justo. de energia. Isso pode ser um problema
de 18,3 bilhões de reais para cerca de 42 Também comentou que interessava a ca- para a Eletrobras?
bilhões. Para chegar a esses números, a pitalização da Eletrobras para retomar Nossa proposta foi sempre a criação de
Eletrobras vendeu subsidiárias na área de sua capacidade de investimento. uma corporação, com o capital pulveri-

36 | www.exame.com
Wilson Ferreira Júnior, 10 bilhões e 14 bilhões de reais por ano. O
presidente da Eletrobras: problema é que a empresa não tem caixa
“Se a usina de Angra 3
estivesse funcionando, para mais do que 4 bilhões de reais por
a tarifa de energia ano. O governo, que é o controlador, tam-
seria mais barata para bém não tem capacidade de aportar re-
todos os brasileiros”
cursos. Quando o governo Bolsonaro as-
sumiu, expliquei essa situação. A partir
da capitalização e entregando as obras
que estão paralisadas, em menos de dois
anos é possível retomar a capacidade de
investimento da companhia.

O senhor está otimista que a privatiza-


ção ocorra ainda em 2019?
Estou, sim. O governo precisará focar o
conjunto de reformas que assumiu pu-
blicamente. E há um espaço grande de
crescimento da infraestrutura. Existem
obras em energia, rodovias, ferrovias,
portos e afins. Isso demanda investimen-
to, que cria emprego. Exemplos como o
da Eletrobras vão trazer investimentos e
dinamizar nossa economia. O que falta
é a capacidade de atrair capitais. Preci-
samos aproveitar essa percepção de con-
fiança, que está nítida nos indicadores
do mercado do país.
GERMANO LÜDERS

Qual é sua avaliação das privatizações


das distribuidoras?
Do ponto de vista contábil, congelamos
todas as perdas, que chegavam a 4 bilhões
de reais em 2017. Além disso, não oferecía-
zado. Não se trata de um processo de capitalização. Depende de quanto ingres- mos um bom serviço. Todos perdiam: o
venda para uma companhia estrangeira. sar de recursos na companhia. O ideal é acionista, a empresa e o consumidor. Gos-
Queremos fazer o que é feito pelas maio- que fique abaixo dos 50%. to do exemplo da Cepisa, no Piauí, priva-
res e melhores empresas do mundo, co- tizada em julho de 2018, que seis meses
mo a italiana Enel e a portuguesa EDP. O Quanto a capitalização pode aumentar depois já tinha uma redução de tarifa de
governo pode ter — e terá — uma par- a capacidade de investimento? 8,5%. Como parte do processo de venda,
ticipação importante, além dos poderes Esse processo de capitalização permitirá houve uma capitalização de todas essas
da golden share [classe de ações em esta- à empresa ter uma capacidade de inves- companhias e serão investidos 2,5 bilhões
tais que dá direitos especiais de caráter timento muito maior do que tem hoje. de reais nas operações.
estratégico aos governos]. Além disso, não Antes da minha chegada, o plano de in-
haverá investidores com concentração de vestimento de cinco anos era de 50 bi- As obras da usina nuclear Angra 3
participação. No máximo, um investidor lhões de reais. O que está em curso desde serão retomadas?
deverá ter 10% das ações da companhia. o ano passado prevê um investimento de A intenção é essa. Se a usina estivesse fun-
Os investidores para esse tipo de ope- 19,7 bilhões entre 2018 e 2022. Não é a nos- cionando, a tarifa de todos os consumido-
ração devem ser os institucionais, como sa vontade, mas é a realidade. res seria 1,5% mais barata. Angra 3 é estra-
os fundos de pensão e os especializados tégica e já tem 63% das obras concluídas.
em países emergentes. E qual seria o patamar ideal A usina ficará pronta em cinco anos e cus-
de investimento? tará 14 bilhões de reais. Com isso, o sistema
Qual seria o percentual de participação A Eletrobras tem hoje 31% da geração e elétrico de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
razoável para o governo na Eletrobras? 48% da transmissão em todo o país. Pre- Horizonte, que é o mais complexo que te-
Isso vai depender muito do processo de cisaríamos, então, estar investindo entre mos no Brasil, ficará mais estável.

23 de janeiro de 2019 | 37
PME | TECNOLOGIA

O PODER DE
UMA SELFIE O mercado de reconhecimento
facial atrai gigantes como
Amazon e Alibaba, mas abre

“V ER É MELHOR QUE OUVIR 100 VEZES.”


espaço também para as
ESSA EXPRESSÃO popular chinesa, startups — inclusive no Brasil
nos últimos tempos, ganhou no- MARIANA FONSECA
vos significados graças à tecno-
logia. Para um morador de metrópoles
como Pequim e Xangai, basta deixar o
rosto à mostra para receber dicas de ma-
quiagem, comprar comida ou acabar ex- do Brasil nesse campo atacou um pro- de transporte, como 99, Loggi e Rappi,
posto como infrator em algum telão pú- blema bem brasileiro: fraudes de iden- que precisam confirmar a identidade
blico. O mercado de reconhecimento fa- tidade, que geram mais de 11 bilhões de motoristas e entregadores; a com-
cial deverá faturar 882 milhões de dólares de reais de prejuízo anual a empresas, panhia de aluguel de carros Movida;
em 2024, quase seis vezes a receita de segundo dados do Ministério da Jus- e o próprio Banco Original. A IDWall
2015, de acordo com a consultoria de tec- tiça e da Universidade de Brasília. Os passou pela 500 Startups e recebeu 9
nologia Tractica. A identificação de faces analistas de sistemas Lincoln Ando, milhões de reais dos fundos brasilei-
é mais conhecida em aplicações feitas por de 27 anos, e Raphael Melo, de 29, per- ros Canary e Monashees e de empre-
grandes empresas de tecnologia, das ceberam o tamanho do problema sas como o varejista Mercado Livre. O
sugestões de fotos “marcáveis” na rede quando trabalharam juntos no Banco negócio se monetiza por mensalida-
social Facebook ao login por selfie no Original, focado em cadastros digitais. des, que partem de 1 000 reais. A
iPhone X. Mas o mercado abre oportuni- Em julho de 2016, a dupla criou a star- IDWall afirma ter triplicado o fatura-
dades também para startups da China, tup paulistana IDWall. A tecnologia mento em 2018 e projeta repetir a es-
dos Estados Unidos, de Israel — e, por que Face Match, da empresa, compara calada neste ano.
não?, do Brasil. Uma das histórias de su- uma selfie tirada na hora com a foto A paulistana FullFace usa o reco-
cesso é a da israelense RealFace, compra- de um documento da mesma pessoa nhecimento facial para fidelizar con-
da em 2017 pela Apple. “As startups con- que está num arquivo. O software faz sumidores. Um de seus 30 clientes
seguem testar soluções em um ritmo mais isso dividindo a imagem facial em fixos é a companhia aérea Gol, que
rápido do que as grandes empresas. De- centenas de pontos. Do outro lado, há faz check-ins com um aplicativo que
pois, viram alvos naturais para aquisi- 220 bancos de dados para confirmar pede selfies. “No futuro, queremos
ções”, diz Itali Collini, diretora da acele- se os usuários que se cadastram digi- acompanhar o cliente desde a com-
radora 500 Startups no Brasil. talmente são quem dizer ser. Entre os pra da passagem até o embarque pe-
Uma das empresas mais promissoras 100 clientes da IDWall estão empresas lo reconhecimento facial”, dizem os

38 | www.exame.com
Lincoln Ando, da IDWall:

GERMANO LÜDERS
foco na redução das
fraudes de identidade

fundadores Danny Kabiljo, de 40 planos do presidente Xi Jinping de


SORRIA PARA A CÂMERA anos, e José Guerrero, de 54 anos. O tornar o país líder em inteligência ar-
O número de aparelhos com reconhecimento sistema de reconhecimento facial tificial até 2030. Mas a China é tam-
facial deve mais do que quadruplicar em nove
próprio da FullFace analisa 1 024 bém campo de testes para o lado negro
anos. A receita deve aumentar seis vezes
pontos da face em 0,05 segundo num do reconhecimento. O sistema de vi-
Tamanho do mercado de reconhecimento facial, software que pode ser instalado em gilância social lá implementado, com
em receita anual (em milhões de dólares) celulares, webcams e sistemas com 170 milhões de câmeras, já identificou
câmeras de segurança. A força co- erroneamente cidadãos como infrato-

22%
149 882 mercial e a estrutura enxuta são van- res. Nos Estados Unidos, um sistema
tagens competitivas. A empresa co- de reconhecimento da Amazon usado
bra alguns centavos por face analisa- por policiais apontou congressistas
foi a taxa
da. O negócio recebeu um aporte de negros erroneamente como crimino-
de crescimento
anual média 5 milhões de reais do fundo de inves- sos. A tecnologia, claro, tende a me-
2015 2024(1) timentos Primatec. Para este ano, a lhorar com o tempo. Mas as discussões
meta da FullFace é conquistar empre- sobre seus limites, e vieses, estão em
sas de educação online e varejistas. aberto. No Brasil, uma Lei Geral de
Número global
de aparelhos Na China, duas startups de reconhe- Proteção de Dados entrará em vigor
com reconhecimento cimento facial já valem bilhões: a Sen- em 2020. Usuários e governos têm
facial (em milhões) 123 seTime, avaliada em 4,5 bilhões de uma preocupação crescente com a
28 dólares, e a concorrente Megvii, na privacidade, mas o potencial de negó-
casa dos 2 bilhões. Ambas receberam cio em torno das selfies vai continuar
(1) Previsão 2015 2024(1) investimentos da varejista Alibaba e crescendo. Para as grandes, e também
Fonte: Tractica apoio do governo chinês, seguindo os para as pequenas empresas.

23 de janeiro de 2019 | 39
GESTÃO | CIDADANIA

BOM PARA
O PRESENTE.
E PARA O
FUTURO
Como algumas empresas têm conseguido transformar
a obrigação legal de contratar jovens aprendizes
em uma oportunidade para aumentar a diversidade
de seu próprio quadro de funcionários
ALINE SCHERER

U
OMAR PAIXÃO

MA NOVA TAREFA FAZ PARTE DA ROTI- em ser dentista, mas agora está decidida
NA DO ENGENHEIRO Luciano Corsini a ingressar na faculdade de análise de sis-
desde março de 2018. Presidente temas. Danielle e as demais jovens apren-
para o sul da América Latina da dizes da DXC frequentam, uma vez por
DXC Technology (empresa resultante da semana, aulas teóricas e práticas de um
fusão da área de serviços da HP com a total de 30 temas como conceitos básicos
Computer Science Corporation), Corsini de hardware e lógica de programação. E
e 19 executivos de sua equipe brasileira se trabalham seis horas por dia como assis- a mulheres, com o objetivo de aumentar
tornaram mentores de 20 funcionárias, tentes, revezando entre duas áreas da em- a diversidade na companhia. Antes, sem
contratadas como aprendizes. Por telefo- presa — uma por semestre. Ao término de essa regra e a busca ativa por candidatas,
ne, e-mail ou pessoalmente, eles ouvem e 12 meses, serão contratadas como estagiá- 70% das vagas eram preenchidas natural-
esclarecem dúvidas sobre carreira e esti- rias ou analistas, ou então indicadas para mente por rapazes. “O conflito saudável
mulam as estudantes de escolas públicas trabalhar em empresas parceiras. de ideias gerado no contato com pessoas
a refletir. “Eles nos ajudam a lidar com a O programa de jovens aprendizes, im- de idades, perfis e histórias de vida dife-
timidez e nos incentivam a sair de nossa plantado na DXC há quase duas décadas rentes ajuda a ampliar a visão dos execu-
zona de conforto para buscar mais conhe- por exigência da legislação trabalhista, tivos e favorece a tomada de decisões”,
cimento”, diz Danielle Paiva, de 18 anos. tornou-se estratégico em 2016, quando a afirma Corsini. “Queremos estimular que
Aprendiz na DXC, ela conta que pensava empresa passou a destinar 80% das vagas o setor como um todo tenha mais mulhe-

40 | www.exame.com
Legenda: aqui vai o PRIMEIRO EMPREGO
texto da legenda, aqui
vai o texto da legenda Um levantamento realizado pelo Instituto
Ethos com 100 empresas mostra que a
maioria promove ações de inclusão de jovens

têm os jovens como um


dos focos das ações
65% de conscientização
sobre a diversidade no
local de trabalho

O perfil dos jovens que as empresas


pretendem contratar como aprendizes
para ampliar a diversidade de funcionários

30% 27%

JOVENS JOVENS COM


MULHERES DEFICIÊNCIA

18% 7%

JOVENS JOVENS TRANS


NEGROS OU TRAVESTIS

Fonte: Instituto Ethos

qualificação profissional, mas não supe-


Padrinhos: na DXC Technology, executivos como Claudia Braga (à esquerda) e o presidente rior nem de diretoria. A iniciativa é vo-
Luciano Corsini aconselham jovens aprendizes, como Danielle Paiva (em pé) luntária para as micro e pequenas empre-
e Larissa Miranda (sentada), sobre carreira
sas. Em tese, o número de jovens dispo-
níveis para preencher essas vagas não é
um entrave — cerca de 33 milhões de
res, oferecendo oportunidades desde ce- funcionário à cultura da empresa desde brasileiros, ou 17% da população, têm de
do”, diz Claudia Braga, diretora de indús- cedo”, diz Ana Lúcia Mello Custódio, dire- 15 a 24 anos. O problema está na qualifi-
tria da DXC e uma das mentoras do pro- tora adjunta do Instituto Ethos. cação dos candidatos. Ao contratar apren-
grama. Um levantamento do Instituto Atualmente, há 440 000 aprendizes no dizes, as empresas se responsabilizam por
Ethos, encomendado por EXAME e reali- Brasil. Se todas as empresas de médio e matriculá-los numa das nove instituições
zado com 100 empresas interessadas em grande portes cumprissem a Lei da do Sistema S, como o Senac e o Senai, pa-
ampliar a diversidade do quadro de fun- Aprendizagem, até 2,7 milhões de jovens ra participar de, no mínimo, 400 horas de
cionários, aponta que pelo menos 30 delas poderiam garantir o primeiro emprego. aulas teóricas. O custo dessa qualificação
têm metas de contratação de minorias A lei determina a contratação de funcio- profissional está incluído na alíquota do
para vagas de jovens aprendizes (veja qua- nários de 14 a 24 anos para ocupar de 5% imposto descontado nas folhas de paga-
dro acima). “É uma forma de moldar o a 15% do total de vagas que demandem mentos dos salários. Mas, atualmente, o

23 de janeiro de 2019 | 41
GESTÃO | CIDADANIA

tribuição. Na fabricante de bebidas Coca-


-Cola, além da capacitação obrigatória,
os aprendizes recebem uma lista de links
de cursos online gratuitos e uma espécie
de passaporte. Os gestores da companhia,
que tem 350 funcionários em sua sede
corporativa no Rio de Janeiro, explicam
como funciona cada área da empresa em
palestras. Comparecer a essas atividades
extras vale carimbos no passaporte. A
maioria acaba participando de mais do
que o mínimo exigido. A Coca-Cola apli-
ca uma prova para identificar quais
aprendizes precisam melhorar o portu-
guês e patrocina aulas presenciais de
reforço. Dos 15 aprendizes contratados
em 2017, seis foram absorvidos em 2018
como estagiários. Todos os 30 aprendizes
dos dois últimos anos são de famílias de
baixa renda, sendo 80% deles negros.
Uma pesquisa inédita do Centro de Inte-
gração Empresa-Escola (Ciee), realizada
DIVULGAÇÃO
no segundo semestre de 2018 com 1 809
egressos de programas de aprendizes dos
Coca-Cola: o foco é contratar jovens que vivem em comunidades de baixa renda dois anos anteriores, revela que o salário

HOJE, HÁ 440000 APRENDIZES NO


Sistema S não dá conta sozinho da tarefa.
No Rio de Janeiro, metade dos aprendizes
contratados é treinada pelo Sistema S.
Não há dados sobre a situação no Brasil BRASIL. SE TODAS AS EMPRESAS
como um todo, mas as estimativas do go-
verno são de que o percentual de cober- CUMPRISSEM A LEI, O NÚMERO
tura seja semelhante. Com o corte de até
50% do orçamento do Sistema S preten-
PODERIA CHEGAR A 2,7 MILHÕES
dido pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes, a oferta de vagas deve diminuir.
Na falta de vagas para treinamentos no
Sistema S, as empresas devem contratar português. Em matemática são 4,5%. Isso dos jovens é de, em média, 650 reais. A
escolas técnicas ou instituições sem fins significa que a grande maioria dos jovens quantia quase dobra quando eles perma-
lucrativos, homologadas pelo governo. É é incapaz de identificar a ideia central de necem no mercado de trabalho — 53%
um custo extra com que a maioria não artigos e livros. Entre os que não estudam continuam empregados e 71% querem
quer arcar. “Entre as empresas que não nem trabalham — os chamados “nem- concluir os estudos. Segundo o Ciee, res-
cumprem a lei, é comum o argumento de nem”, que somam 7,5 milhões de brasilei- ponsável pelo treinamento de um quarto
que a qualificação profissional é respon- ros —, a maioria é de mulheres de baixa do total de aprendizes no Brasil, 83% de-
sabilidade do Estado”, diz Antônio Men- renda. Elas afirmam passar a maior parte les afirmam viver em bairros de baixa
donça, chefe da divisão de fiscalização do tempo cuidando da família ou em afa- renda ou de classe média baixa. Os de-
para erradicação do trabalho infantil da zeres domésticos. De acordo com o Insti- mais moram em favelas. “Temos produ-
Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, tuto de Pesquisa Econômica Aplicada, tos acessíveis a toda a população e que-
vinculada ao Ministério da Economia. responsável pelo estudo, os próprios nem- remos que nosso quadro de funcionários
Mesmo entre as que cumprem a lei, os -nem identificam as drogas como uma represente a diversidade de nossos con-
treinamentos tendem a não ser suficien- constante ameaça pela promessa de ob- sumidores”, diz Simone Grossmann, vi-
tes. Apenas 1,6% dos estudantes da última tenção de dinheiro fácil. Do total de jo- ce-presidente de RH da Coca-Cola Brasil.
série do ensino médio no país alcança vens, 36% estão procurando emprego. É uma oportunidade que está ao alcance
níveis de aprendizagem adequados em A iniciativa privada pode dar sua con- de muitas outras empresas.

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MARKETING | ENTRETENIMENTO

A VIDA IMITA
A ARTE
2019 será o ano do live-action — a refilmagem de
clássicos da animação com atores reais. A Disney
lançará Dumbo, Aladdin e O Rei Leão até julho. No Brasil,
a Mauricio de Sousa Produções vai lançar o primeiro
filme da Turma da Mônica com atores em carne e osso.
O que está por trás dessa onda de releituras?
MARINA FILIPPE

N
O DIA 27 DE JUNHO, ESTREIA EM TODO Em 2017, a companhia americana de en-
O BRASIL o primeiro longa-metra- tretenimento Walt Disney lançou uma
gem da Turma da Mônica com nova versão de A Bela e a Fera, estrelada
personagens em carne e osso. A pela jovem atriz Emma Watson. O longa
história é uma adaptação do livro Laços, bateu o recorde de bilheteria na estreia
um romance gráfico (narrativa em qua- nos Estados Unidos: foi o segundo filme
drinhos) de 2013 inspirado nos persona- mais visto no ano, atrás apenas de Star
gens criados pelo cartunista e empresário Wars: O Último Jedi, também da Disney,
Mauricio de Sousa. O lançamento faz e o 14o na história do cinema, arrecadan-
parte da estratégia da Mauricio de Sousa do cerca de 1,2 bilhão de dólares global-
Produções de diversificar seu conteúdo mente. Esse resultado motivou a Disney
com novos formatos, a exemplo do que a preparar uma enxurrada de lançamen-
faz com vídeos animados para a internet, tos de live-actions, como são chamados
que já somam cerca de 10 bilhões de os filmes que usam atores reais em vez
visualizações. “Percebemos a importân- de imagens animadas. Até julho, chega-
cia de levar os personagens do papel para rão ao Brasil os filmes Dumbo, Aladdin e
outras plataformas, mas esta é a primeira O Rei Leão — e outros 14 títulos devem
vez que eles serão representados por hu- aparecer nos cinemas nesse formato,
manos”, diz Marcos Saraiva, diretor da ainda sem data definida.
área digital da Mauricio de Sousa Produ- Não é de hoje que os produtores cine-
ções. A produção brasileira segue os pas- matográficos fazem adaptação dos qua-
sos de grandes sucessos internacionais. drinhos e releituras de obras famosas. Os

44 | www.exame.com
super-heróis, como Batman e Homem-
-Aranha, já ganharam dezenas de filmes.
Mas então por que esses novos lançamen-
tos estão sendo chamados de live-action?
Para Marco Vale, professor do curso de
rádio, TV e internet na Faculdade Cásper
Líbero, em São Paulo, o termo resume
uma nova tendência. “O live-action ajuda
a categorizar clássicos que até então exis-
tiam apenas em outros formatos ou tec-
nologias, além de carregar um apelo de
marketing”, diz Vale. Mais do que se pren-
der ao tipo da produção, é preciso enten-
der o que essas novidades representam.

RECICLAGEM DE VELHOS SUCESSOS


Empresas de entretenimento dão nova roupagem
às suas histórias com personagens encenados
por humanos nos cinemas

QUEM FAZ: A empresa brasileira Mauricio de Sousa


Produções, pela primeira vez, dá vida em carne osso
para a Turma da Mônica
EXEMPLO: Com estreia prevista para junho, o filme
Laços traz os personagens numa aventura já contada
em livro. O longa-metragem deve ser o primeiro de vários
a ser lançados pela companhia nesse formato

QUEM FAZ: A companhia americana Walt Disney


pretende lançar 17 releituras com animais
e humanos em seus filmes clássicos
EXEMPLO: Após A Bela e a Fera arrecadar mais
de 1,2 bilhão de dólares em bilheterias no mundo todo,
a Disney pretende repetir a fórmula com o lançamento de
Dumbo, Aladdin e O Rei Leão no primeiro semestre de 2019

Os animais de O Rei Leão, por exemplo,


ganharão os movimentos e as expressões
com o uso de tecnologia, efeitos de ani-
mação e gravações com seres humanos.
“É uma forma de inovar e dar novos pas-
sos para além dos clássicos em 2D ou 3D.
E, consequentemente, conquistar o pú-
blico e gerar receita.”
Apesar de inovadores, os filmes da Dis-
ney e da Turma da Mônica se aproveitam
de suas características já queridas pelo
público. A ideia básica é apresentar em
uma nova roupagem velhos sucessos ou
personagens já consagrados. “A Disney
conta histórias que ultrapassam gerações.
Turma da Mônica: personagens
dos quadrinhos vão para o Por isso, queremos trazer ao espectador
DIVULGAÇÃO

cinema em carne e osso atual os contos que ficaram no imaginário


ao longo do tempo com toda a tecnologia

23 de janeiro de 2019 | 45
MARKETING | ENTRETENIMENTO

e efeitos visuais que podemos oferecer


nos dias de hoje”, disse a companhia O Rei Leão: o filme
americana por meio de nota. Na Mauricio mescla gravações
de Sousa Produções, a ideia do filme sur- com humanos
e animação gráfica
giu com a constatação de que as pessoas
que cresceram lendo os quadrinhos ain-
da se interessam pelos personagens. “O
público mais maduro continua nos acom-
panhando e apresenta nossas histórias
para as crianças. Essa é uma oportunida-
de de fazer uma única criação para todas
as idades”, diz Saraiva.
Um termômetro de audiência para as
companhias é o evento de cultura pop
CCXP, que acontece há quatro anos em
São Paulo. Na edição realizada em dezem-
bro de 2018, a Mauricio de Sousa Produ-
ções apresentou pela primeira vez o trai-
ler de Laços em um auditório para 3 500
pessoas. “Ali vimos as reações de um pú-
blico crítico e fã, o que só aumentou nos-
sas expectativas”, diz Saraiva. A Disney
também aproveitou seus 800 metros qua-
drados de estande no evento para promo-
ver suas estreias. O espaço teve grande
circulação de público, especialmente nas
áreas de Dumbo e a Lâmpada, cujas répli-
cas foram exibidas pela primeira vez. As
262 000 pessoas que visitaram o evento

DIVULGAÇÃO
de quatro dias puderam tirar fotos com
uma estátua do elefante que dá nome ao

O TRAILER DE O REI LEÃO TEVE 224 MILHÕES DE


VISUALIZAÇÕES NO MUNDO. EM APENAS 24 HORAS
filme e com a réplica do objeto mágico de Como acontece de modo geral nos cine- terior. “O investimento não pode subesti-
Aladdin. “As empresas conseguem medir mas, os brasileiros devem ser mais impac- mar o fã, especialmente quando ele já
pessoalmente o impacto dos produtos tados pelos live-actions produzidos fora imagina um personagem conhecido”, diz
para diferentes gerações e, posteriormen- do país. Isso porque a produção e o con- Rezende, que em 2003 recebeu uma indi-
te, acompanhar as publicações dos fãs nas sumo de animação nacional ainda se en- cação ao Oscar na categoria de melhor
redes sociais”, diz Otávio Juliato, diretor contram em fase de amadurecimento, edição, por Cidade de Deus. Para ele, o se-
de comunicação da Omelete, companhia sem muitos exemplos consagrados para gredo é emocionar e educar. “O público
responsável pela organização da CCXP. ser utilizados como referência. “Anterior- ainda está entendendo que o live-action é
Graças às redes sociais, a Disney tem em mente, as animações por aqui eram muito uma inspiração e que, por exemplo, se o
O Rei Leão a maior expectativa de sucesso voltadas para a publicidade”, diz Vale, da Cebolinha fosse um menino real, não teria
entre os três lançamentos previstos até Cásper Líbero. A expectativa é que Laços, apenas cinco fios de cabelo. Por isso, o
julho. A empresa lançou o primeiro trailer da Turma da Mônica, dê um pontapé na importante é gerar uma emoção que valo-
em novembro e obteve 224 milhões de mudança desse cenário. Daniel Rezende, rize a cultura pop nacional.” Se os fãs se
visualizações em todo o mundo em ape- o diretor do filme, afirma que fazer cinema convencerem disso, o filme brasileiro terá
nas 24 horas. Já o trailer da Turma da no Brasil é caro e enfrenta entraves desde os bons resultados que a equipe espera
Mônica recebeu pelo menos 3,3 milhões financeiros até de logística, mas que a qua- mesmo com a concorrência de grandes
de visualizações no YouTube. lidade pode ser compatível com a do ex- lançamentos internacionais.

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NEGÓCIOS GLOBAIS | ESTADOS UNIDOS

O SEGUNDO
GOVERNO
TRUMP
A segunda metade do mandato de Donald Trump
começa com a perspectiva de uma desaceleração da
economia americana. Isso prejudica o crescimento
no mundo — e eleva a pressão sobre o presidente
FILIPE SERRANO

É
PRECISO RECONHECER. EM SEUS DOIS peita de participação da família Trump e
PRIMEIROS ANOS NA CASA BRANCA, de pessoas ligadas à sua campanha, con-
Donald Trump foi um presidente tinua a assombrar o presidente.
bem mais fiel às suas promessas O que surpreende é que, apesar de a
de campanha do que a maioria dos polí- maior economia do mundo estar sendo
ticos costuma ser. As críticas ao estilo governada por uma pessoa de tempera-
impulsivo e à retórica agressiva, baseada mento impetuoso, os últimos dois anos
em mentiras deslavadas, de nada adian- foram, na verdade, bastante calmos.
taram para que ele adotasse uma postura Trump não teve de enfrentar nenhuma
mais moderada no governo. Trump pas- crise econômica global, nem entrou em
sou por cima dos opositores e, para o bem nenhuma guerra, como Barack Obama,
ou para o mal, colecionou mais vitórias George Bush filho e Bill Clinton. Para semprego dos últimos 50 anos, de ape-
do que derrotas. A reforma tributária, a completar, a economia dos Estados Uni- nas 3,9%. Um resultado de dar inveja a
saída do Acordo de Paris, a renegociação dos cresceu num ritmo bem mais acele- qualquer líder mundial.
do tratado comercial Nafta (agora chama- rado do que os americanos estão acos- Agora, se Trump conseguiu aproveitar
do de USMCA) e a nomeação de juízes tumados, anabolizada pelo corte de o bom momento da economia na primei-
conservadores para a Suprema Corte são impostos promovido pelo governo e ra metade do mandato, os próximos dois
algumas de suas conquistas mais conhe- pelo mercado consumidor aquecido. As anos serão um teste de fogo para ele. Além
cidas. Houve resistência, é claro. A insis- empresas do país vêm contratando em de enfrentar uma oposição democrata
tência de Trump em construir um muro número maior. Cerca de 200 000 empre- fortalecida no Congresso, o presidente
na fronteira com o México, ao custo de 5,7 gos são criados todo mês e 66% das vagas americano já não poderá contar com uma
bilhões de dólares, levou à mais longa são preenchidas por jovens que acabam economia tão favorável quanto a dos últi-
paralisação do governo americano na his- de entrar no mercado de trabalho. Isso mos anos. A maioria dos economistas
tória. E a investigação sobre a interferên- faz com que os Estados Unidos tenham prevê que o crescimento deve perder o
cia russa nas eleições de 2016, com a sus- hoje uma de suas menores taxas de de- fôlego neste ano e, com o tempo, deve vol-

48 | www.exame.com
mais recursos financeiros para gastar ou
investir — vem perdendo a força. O se-
gundo motivo é um problema criado pelo
próprio governo Trump: a guerra comer-
cial com a China. A retaliação chinesa ao
aumento de tarifas tornou os produtos
americanos mais caros, prejudicando o
setor exportador. Além desses fatores, a
própria paralisação do governo neste iní-
cio de ano deve ter um custo para a eco-
nomia, uma vez que 800 000 funcioná-
rios públicos deixaram de receber os sa-
lários. A estimativa é de um prejuízo de
1 bilhão a 2 bilhões de dólares por semana,
o suficiente para reduzir alguns décimos
do produto interno bruto americano.
Se nos últimos anos Trump se gabou
que o mercado de ações e a economia es-
tavam “bombando” desde sua eleição, a
dúvida é como o presidente vai reagir
num momento de desaceleração. Nos úl-
timos meses, Trump tem aumentado as
críticas ao Fed — o banco central ameri-
cano — por causa do aumento da taxa de
juro do país para manter a inflação con-
trolada. “O único problema de nossa eco-
nomia é o Fed”, escreveu o presidente em
uma mensagem pelo Twitter no dia 24 de
dezembro. Embora as decisões sejam téc-
nicas, a autoridade monetária dos Esta-
dos Unidos se mostrou preocupada com
a queda brusca no mercado de ações no
fim do ano, em linha com as críticas de
Trump. A ata da última reunião de políti-
BRYAN R. SMITH/AFP PHOTO

Imagem de Trump na Bolsa de Nova York: ca monetária sinalizou que o Fed pode
a desaceleração da economia americana interromper a elevação nas taxas de juro
será um teste para seu governo nos próximos meses para avaliar em que
direção a economia está caminhando.

tar a um nível mais modesto, como o visto RUMO À DESACELERAÇÃO?


até 2016. Em seu último relatório sobre as
Depois de uma aceleração em 2018, a economia americana deve reduzir o ritmo
perspectivas da economia global, publica- de crescimento neste ano e no próximo. A China e a zona do euro devem seguir
do em janeiro, o Banco Mundial estima a mesma tendência. Já o Brasil pode seguir na contramão
que o produto interno bruto dos Estados
Unidos deverá subir 2,5% em 2019, abaixo Variação do PIB (em %) 2016 2017 2018(1) 2019(1) 2020(1)
do ritmo de 2,9% do ano passado. Já para
o ano que vem, a expectativa é de um cres-
1,6 2,2 2,9 2,5 1,7 1,9 2,4 1,9 1,6 1,5 6,7 6,9 6,5 6,2 6,2 -3,3 1,1 1,2 2,2 2,4
cimento bem menor, de 1,7%.
O esfriamento da economia americana
tem duas razões principais. A primeira é
que o estímulo fiscal provocado pelo cor-
te de impostos — que, na prática, faz com
Estados Unidos Zona do euro China Brasil
que consumidores e empresas tenham
(1) Estimativa Fonte: Banco Mundial

23 de janeiro de 2019 | 49
NEGÓCIOS GLOBAIS | ESTADOS UNIDOS

O EFEITO DA GUERRA COMERCIAL


Porto de Xangai: a guerra Os dados sobre a produção industrial
comercial prejudicou as e a exportação na China mostram
exportações chinesas um desaquecimento nos últimos meses,
e isso vem afetando as bolsas

Produção industrial (variação em %)


Novos pedidos de exportação (índice)(1)
8% 52

6%
50
4%
48
2%
0% 46
fev/16 nov/16 ago/17 maio/18 nov/18

Variação das ações nos Estados Unidos e na China


(em %) Índice S&P500 Índice da Bolsa de Xangai

5%

-5%

-15%
JOHANNES EISELE/AFP PHOTO

-25%

mar/18 maio/18 set/18 jan/19


(1) Índice acima de 50 indica crescimento
Fontes: Banco Mundial e Bloomberg

Por enquanto, ninguém ousa falar que cipação maior no PIB chinês do que hoje, menor em 15 anos, de 8%. O número de
há uma recessão à vista, mas o fato é que mas, ainda assim, é responsável por cerca turistas chineses que viajam ao exterior
o melhor momento da economia ameri- de 40% da economia do país. “Essa desa- parou de crescer. Na tentativa de evitar
cana e mundial parece ter ficado em 2018. celeração não parece ser o fim do mundo, uma desaceleração maior e aumentar o
Um risco em especial que pode provocar mas os preços das commodities caíram crédito na economia, o Banco Central da
uma desaceleração maior é a China. As nos últimos meses, porque o mercado já China reduziu pela quinta vez em 12 me-
tarifas impostas pelos Estados Unidos começou a precificar um crescimento ses a taxa do depósito compulsório — di-
tiveram um impacto maior do que o es- mais modesto da China”, diz o economis- nheiro que os bancos são obrigados a
perado e foram uma das razões para a ta Louis Kuijs, da consultoria britânica manter no Banco Central.
queda anual de 4,4% nas exportações Oxford Economics, responsável pela aná- Um dos efeitos positivos da desacele-
chinesas em dezembro. Sozinhas, as ex- lise das economias asiáticas. ração das duas maiores economias mun-
portações representam 20% da economia Uma das primeiras empresas a soar o diais é que os líderes dos dois países ago-
do país. Outros sinais são preocupantes. alarme em relação à economia chinesa foi ra têm um motivo a mais para cooperar
Pela primeira vez em 28 anos, a China a Apple, que cortou suas estimativas de e reduzir as barreiras comerciais impos-
registrou uma queda nas vendas de auto- receitas para o último trimestre de 2018 tas no último ano. A primeira reunião
móveis de passeio. Em 2018, elas ficaram por causa de vendas mais fracas na China. entre China e Estados Unidos foi positiva
4% abaixo do ano anterior. Só a monta- Embora a queda também tenha a ver com e deixou os mercados mais confiantes de
dora americana Ford registrou queda de a maior concorrência no país e com os que, pelo menos, novas barreiras não de-
30% nas vendas de carros na China nos altos preços do iPhone, os consumidores vem ser adotadas. Se Trump conseguir
primeiros 11 meses de 2018. O tombo re- chineses parecem estar menos dispostos fechar um acordo favorável aos dois paí-
flete uma desaceleração da produção a gastar. Em novembro, o crescimento ses, será um alívio para o mundo — e
industrial chinesa. O setor já teve parti- anual das vendas no varejo na China foi o para seu futuro na Casa Branca. Q

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NEGÓCIOS GLOBAIS | GEOPOLÍTICA
JONATHAN ERNST/REUTERS

A GLOBALIZACÃO
NA ENCRUZILHADA
Com o deslocamento do centro de gravidade da economia para a Ásia
e a criação de instituições internacionais pela China, prenuncia-se um mundo
dividido entre dois sistemas de governança global que competem entre si
GORDON BROWN

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Donald Trump em Londres, no ápice da crise financeira ginal europeia —, além da União Euro-
e Xi Jinping: o global, a América do Norte e a Europa peia. Mas nem mesmo esse G24 refletia
conflito entre os tinham 15% da população mundial, mas plenamente a rapidez das transformações
Estados Unidos e
a China vai muito representavam 57% da economia global, que ocorriam no mundo. Hoje, as econo-
além do comércio 61% dos investimentos, 50% da produção mias de Nigéria, Tailândia, Irã ou Emira-
industrial e 61% dos gastos globais com dos Árabes Unidos são individualmente
o consumo. De lá para cá, houve um des- maiores do que a menor economia do G20
locamento do centro de gravidade da (África do Sul), mas nenhum desses países
economia mundial. Enquanto em 2008 está representado.
cerca de 40% da produção, da indústria, Da mesma forma, os próprios alicerces
do comércio e dos investimentos ocor- do Fundo Monetário Internacional estão
riam fora do Ocidente, hoje já são mais mudando. Quando os estatutos do FMI
de 60%. Alguns analistas preveem que, original foram negociados, em 1944, hou-
em 2050, a Ásia responderá por 50% do ve certa divergência quanto à localização
PIB global. Na verdade, em 2050, a renda da sede do novo organismo, se na Europa
per capita da China talvez ainda seja 50% ou nos Estados Unidos. Por fim, ficou de-
inferior à dos Estados Unidos, mas as cidido que ele deveria permanecer na
dimensões totais da economia chinesa capital do país detentor da maior parte
suscitarão novas questões sobre a gover- dos direitos de voto (o que indica a parti-
nança e a geopolítica global. cipação do país na economia mundial).
Durante décadas, após sua constituição Isso significa que, no prazo de uma ou
nos anos 70, o Grupo dos Sete — Canadá, duas décadas, a China poderá exigir que
França, Alemanha, Itália, Japão, Reino o FMI transfira sua sede para Pequim.
Unido e Estados Unidos — liderou essen- É claro que, muito provavelmente, o
cialmente toda a economia mundial. Mas, FMI nunca sairá de Washington (os Esta-
em 2008, eu e outros começamos a cons- dos Unidos deixariam o órgão antes dis-

ALGUNS ANALISTAS PREVEEM QUE,


EM 2050, A ÁSIA SERÁ RESPONSÁVEL
POR METADE DA GERAÇÃO
DE RIQUEZA GLOBAL

T
ALVEZ NÃO NOS TENHAMOS DADO CON- tatar uma troca de guarda. Nos bastido- so). Mesmo assim, a questão continua: o
TA, MAS O ANO DE 2018 foi provavel- res, os líderes da América do Norte e da mundo vive um reequilíbrio histórico não
mente um marco histórico. A glo- Europa debatiam se não seria hora de apenas econômico mas também geopo-
balização mal conduzida produ- criar um novo fórum para a cooperação lítico. A menos que o Ocidente consiga
ziu movimentos nacionalistas de “retoma- econômica dos principais países que in- encontrar uma forma de preservar o mul-
da do controle”, e uma onda crescente de cluísse as economias emergentes. tilateralismo em um mundo cada vez
protecionismo está solapando a ordem Tais debates eram frequentemente aca- mais multipolar, a China continuará
internacional liderada há 70 anos pelos lorados. De um lado, alinhavam-se os que criando instituições alternativas no âm-
Estados Unidos. É um quadro propício queriam manter o grupo reduzido; de bito das finanças e da governança, como
para a China criar instituições internacio- outro, os que queriam que o grupo fosse ocorreu com a criação do Banco Asiático
nais paralelas, prenunciando um mundo o mais abrangente possível. Até hoje, os de Investimentos em Infraestrutura
dividido entre dois sistemas de governan- resultados dessas negociações iniciais (AIIB, na sigla em inglês) e da Organiza-
ça global que competem entre si. não foram completamente compreendi- ção para a Cooperação de Shangai.
O que quer que aconteça nos próximos dos. Quando o G20 se reuniu em Londres, O atual conflito comercial entre os Es-
anos, já está claro que a década 2008-2018 em abril de 2009, na realidade incluiu 23 tados Unidos e a China é sintomático de
assinalou uma mudança histórica de países — a Etiópia representava a África, uma transição mais ampla do poder fi-
equilíbrio do poder econômico. Quando a Tailândia o Sudeste Asiático, e a Holan- nanceiro global. Superficialmente, o con-
presidi a cúpula do Grupo dos 20 (G20) da e a Espanha faziam parte da lista ori- fronto do governo Trump com a China

23 de janeiro de 2019 | 53
NEGÓCIOS GLOBAIS | GEOPOLÍTICA

diz respeito ao comércio. Mas, nos dis- crise econômica global. Em 2008, os go-
cursos de Trump, percebe-se que a ver- vernos do mundo todo conseguiram
dadeira batalha envolve algo maior: o baixar as taxas de juro, adotar políticas
futuro do domínio tecnológico e do po- monetárias pouco convencionais e bus-
der econômico global. car estímulos fiscais. Esses esforços fo-
Embora Trump detecte a crescente ram coordenados globalmente para ma-
ameaça à supremacia americana, ele ig- ximizar seus efeitos. Os bancos centrais
nora a estratégia mais óbvia para combatê- agiram em estreita colaboração e, graças
-la: uma frente unida com seus parceiros à cúpula dos líderes do G20, houve uma
no mundo todo. Ao contrário, Trump in- cooperação sem paralelo entre os chefes
siste na prerrogativa de agir unilateral- de Estado e os ministérios das finanças
mente, como se os Estados Unidos ainda do mundo todo.
governassem um mundo unipolar. Conse- Agora, pensemos em 2020, quando o
quentemente, está deixando atrás um espaço de manobra em termos monetá-
rastro de destruição geopolítica. Entre rios e fiscais será muito menor. Os juros
outras coisas, ele abandonou o pacto nu- quase certamente estarão em um pata-
clear com o Irã e o acordo do clima de Pa- mar baixo demais para proporcionar um
ris, e anunciou que os Estados Unidos se estímulo eficiente, e balanços maciços
retirarão do Tratado sobre Forças Nuclea- herdados da última crise obrigarão os
res de Alcance Intermediário, assinado há presidentes dos bancos centrais a encarar
31 anos com a Rússia. Além disso, seu go- com cautela um novo abrandamento mo-
verno bloqueia a nomeação de juízes para netário quantitativo.
o organismo de solução de disputas da A política fiscal será igualmente restri- Programa russo-

YURI KOCHETKOV/REUTERS
americano: o fiasco do
Organização Mundial do Comércio; redu- tiva. Em 2018, a relação dívida pública/ lançamento de foguete
ziu o G7 e o G20 à irrelevância; e abando- PIB média da União Europeia deve ter é uma metáfora das
nou a Parceria Transpacífico, abrindo as superado os 80%, o déficit federal ameri- relações atuais
portas para a China afirmar seu predomí- cano está prestes a ultrapassar os 5% do

UMA IRONIA: AGORA QUE O Protesto na Alemanha:


MUNDO ESTÁ SE TORNANDO MAIS nenhum país resolve
sozinho problemas como

MULTIPOLAR, O GOVERNO TRUMP instabilidade financeira


e mudança climática

DECIDIU AGIR SOZINHO


nio econômico na região da Ásia-Pacífico. PIB e a China está enfrentando um cres-
Tudo isso é profundamente irônico. cente endividamento público e privado.
Quando os Estados Unidos dominavam Em tais condições, proporcionar algum
de fato um mundo unipolar, costuma- estímulo fiscal será ainda mais difícil do
vam agir por meio de instituições multi- que nos anos que se seguiram à última
laterais. Mas agora que o mundo está se crise, e a coordenação internacional se
tornando mais multipolar, o governo tornará ainda mais necessária. Infeliz-
Trump decidiu agir sozinho. A questão mente, as tendências atuais sugerem que
é: esse esforço para reivindicar uma for- os governos tenderão a culpar-se recipro-
ma pura de soberania típica do século 19 camente em lugar de cooperar para cor-
poderá funcionar? rigir os problemas.
Portanto, estamos diante de um para-
ALEX KRAUS/LAIF/GLOW IMAGES

NUVENS NEGRAS NO HORIZONTE doxo. O descontentamento em relação à


Em um quadro sombrio dos perigos do globalização trouxe uma nova onda de
protecionismo e das políticas fiscais ex- protecionismo e de unilateralismo, mas
pansionistas americanas, imaginemos o só será possível combater as causas do
que aconteceria no caso de uma nova descontentamento mediante a coopera-

54 | www.exame.com
ção. Nenhum país pode resolver indivi- da Ásia-Pacífico e para o mundo, nós, em
dualmente problemas como o aumento grande parte, ainda não demos a devida
da desigualdade, a estagnação dos salá- atenção a essas consequências.
rios, a instabilidade financeira, a evasão O fracasso do lançamento de um fogue-
e a fraude fiscal, a mudança climática, as te que levava um astronauta americano e
crises dos refugiados e da migração. O um cosmonauta russo para a Estação Es-
retrocesso para a política das grandes po- pacial Internacional (ISS), em outubro, é
tências do século 19, sem dúvida, afetará uma metáfora perfeita para a situação das
a prosperidade alcançada no século 21. atuais relações geopolíticas. Ao todo, 18
Entretanto, longe de representar uma países participaram das viagens até a Es-
clara visão estratégica do futuro, o con- tação Espacial Internacional, onde atual-
ceito “Os Estados Unidos em primeiro mente trabalha uma equipe de astronau-
lugar” é mais um ato de autoflagelação tas americanos, russos e alemães. Se a
de uma potência outrora hegemônica que corrida ao espaço começou como uma
se agarra ao passado. Remontar ao nacio- competição de soma zero no auge da
nalismo expresso no Tratado de Versa- Guerra Fria, tornou-se um campo de in-
lhes equivale a ignorar a diferença que o tensa colaboração internacional. Hoje, os
aprimoramento de ações intergoverna- programas espaciais russo e americano
mentais pode representar. são tão dependentes mutuamente que os
Enquanto os Estados Unidos dão as astronautas americanos não podem voar
costas ao multilateralismo, a China está até a ISS sem os lançadores de foguetes
reformulando a geopolítica global por russos, e os russos não podem sobreviver
conta própria, mediante o AIIB, o Novo na estação sem a tecnologia americana.
Banco de Desenvolvimento, a iniciativa Mas é preciso ter esperança. A Guerra
“Novo Caminho da Seda” e outros meios. Fria durou quatro terríveis décadas, prin-
Mas embora suas atuais políticas tenham cipalmente porque a União Soviética se
implicações no longo prazo para a região recusava a admitir o valor dos mercados
e da propriedade privada, evitando o con-
tato com o Ocidente. Não se pode dizer o
mesmo sobre a China. Todos os anos,
mais de 600 000 chineses estudam no
exterior, 450 000 deles nos Estados Uni-
dos e na Europa, onde estabelecem dura-
douras redes sociais e profissionais.
A globalização se encontra em uma en-
cruzilhada. De uma maneira ou de outra,
as organizações internacionais e os orga-
nismos multilaterais terão de incluir os
novos “polos” de poder geopolítico que
estão surgindo. As decisões que hoje con-
templamos terão implicações significati-
vas e de grande alcance para o futuro do
nosso planeta. A questão é saber se serão
tomadas de maneira unilateral ou levan-
do em conta a colaboração. Devemos in-
vocar a vontade de nossos antecessores
do pós-guerra para poder também teste-
munhar a criação de uma ordem adequa-
da a nosso momento histórico. Q

Gordon Brown, ex-primeiro-ministro


do Reino Unido, é enviado especial das
Nações Unidas para a educação global
(Project Syndicate)

23 de janeiro de 2019 | 55
VISÃO
GLOBAL
FILIPE SERRANO | filipe.serrano@abril.com.br

PHILIPPE WOJAZER/REUTERS
Manifestantes do movimento dos “coletes amarelos”, na França: o protesto contra Macron simboliza a insatisfação com a carga tributária

FRANÇA

O custo dos altos impostos


Em meio à onda de protestos dos gilets jau- a líder desde 2002. O estopim para os pro- A França se tornou o país com a maior carga
nes (“coletes amarelos”), que continua testos violentos que tomaram as ruas de tributária entre as nações da OCDE
sendo uma pedra no sapato do governo do Paris foi justamente a tentativa do governo Países com a maior arrecadação
presidente Emmanuel Macron em 2019, a de aumentar os impostos sobre combustí- de impostos em 2017 (em % do PIB)
França se tornou o país com a mais alta veis. O fato de Macron ter reduzido as taxas
46,2 46 44,6 44 43,3
carga tributária entre os países ricos. Re- sobre grandes fortunas só reforçou as crí-
centemente, a Organização para a Coope- ticas da oposição de que o presidente fa-
ração e o Desenvolvimento Econômico re- vorece os mais ricos. Depois dos protestos,
visou o nível da carga tributária dos mem- ficará ainda mais difícil para o governo
bros da entidade, e o resultado é que, em francês implementar as reformas necessá-
2017, a arrecadação com impostos na rias para melhorar as finanças públicas da
França subiu para 46,2% do produto inter- França, como uma reforma da Previdência,
no bruto, superando a Dinamarca, que era que estava na agenda para este ano. França Dinamarca Bélgica Suécia Finlândia
Fonte: OCDE

56 | www.exame.com
PAÍSES BAIXOS
ONDE A APOSENTADORIA PAGA BEM Idosa em Amsterdã:
aposentadoria perto
Uma das maneiras de avaliar a rio médio. Já no México, ela é de da média salarial
qualidade do sistema previden- apenas 26%. O Brasil tem um
ciário de um país é por meio da índice bom, de 76%. Os dados
taxa de reposição das aposen- são de um extenso estudo re-
tadorias. Ela indica quanto o cente da OCDE sobre a Previ-
valor recebido pelos aposenta- dência Social. No caso da Ho-
dos equivale, em média, ao an- landa — que mantém um siste-
tigo salário deles antes de dei- ma misto público-privado como
xar o mercado de trabalho — le- o que o Brasil estuda adotar —,
vando em conta uma contribui- chama a atenção que mais da
ção à Previdência durante a vida metade da aposentadoria é co-
toda. Na Holanda, a taxa de re- berta pelas contribuições ao
posição equivale a 97% do salá- sistema privado.

Na Holanda (ou Países Baixos), o valor da aposentadoria equivale


a 97% do rendimento que a pessoa tinha antes de se aposentar.
Já no México, a proporção é de 26%
Taxa de reposição das aposentadorias em relação ao rendimento médio (em %)
Previdência obrigatória pública Previdência obrigatória privada
Contribuições voluntárias
100
80
60

UNIVERSAL IMAGES GROUP/GETTY IMAGES


40
20
0
o ile ul ha do o a s a il lia os
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C o R ta d a íse
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Fontes: OCDE e Ministério da Economia do Brasil

ESTADOS UNIDOS
BOA HORA PARA OS MENOS ESCOLARIZADOS
Poucos momentos foram tão bons na his- O desemprego entre os americanos com
tória recente dos Estados Unidos para os baixa escolaridade está num dos menores
trabalhadores menos escolarizados quan- níveis das últimas décadas
to agora. O mercado de trabalho se man-
Taxa de desemprego nos Estados Unidos (em %)
teve aquecido em 2018 e as contratações
aumentaram. Isso fez com que a taxa de Trabalhadores com ensino médio incompleto
desemprego entre as pessoas que não Total
completaram o ensino médio chegasse a 16
5,8% em dezembro. É uma das menores
taxas em quase 30 anos. Os trabalhadores 12
menos escolarizados são os que costumam
DAVID LAWDER/REUTERS

sofrer mais com o desemprego nas crises


8
econômicas e os que têm mais dificuldade
4
para se recolocar no mercado. Enquanto a
economia se mantiver em crescimento, 0
Trabalhador americano: mercado favorável essa parte da população pode comemorar. 1992 1996 2000 2004 2008 2012 2018
Fonte: Departamento de Trabalho dos Estados Unidos

23 de janeiro de 2019 | 57
TECNOLOGIA | GESTÃO PÚBLICA

UM “BIG
BROTHER”
PARA O
BEM
Quando bem
À
BEIRA DO MAR BÁLTICO E COM APE-
NAS 1,3 MILHÃO DE HABITANTES, a
utilizadas, a coleta Estônia fez uma aposta ousada

de dados dos no começo da década passada:


usar a tecnologia para acabar com a bu-
cidadãos e a rocracia. O primeiro passo foi dado em
2002, quando o governo criou a identida-
tecnologia digital de digital, um documento que funciona
podem ajudar os como registro único e pode ser usado pa-
ra os processos burocráticos no país. Ho-
governos a prestar je, o cadastro digital serve para quase porte, segurança pública e o Judiciário,

serviços públicos tudo: declarar imposto de renda, identi-


ficar-se numa eleição, usar o serviço pú-
levando a pequena nação báltica a tornar-
-se um gigante no uso da tecnologia no
com mais blico de saúde, entre vários outros empre- setor público. “A digitalização aumenta a

inteligência — gos. O documento digital facilita a vida.


Quem se muda para uma casa nova, por
confiança do cidadão no país, e isso faz
muita diferença”, diz Toomas Hendrik
uma área em que exemplo, não precisa perder tempo atua- Ilves, que foi presidente da Estônia de
lizando o endereço na Receita Federal, na 2006 a 2016 (leia entrevista na página 61).
o Brasil ainda está prefeitura, no Detran e nos mais diferen- O governo atual estima que cada pessoa
engatinhando tes órgãos públicos. Basta comunicar ape-
nas uma vez qual é o novo local de resi-
gaste hoje cinco dias a menos por ano li-
dando com processos burocráticos graças
LUCAS AGRELA dência. Com o passar dos anos, a digitali- à digitalização, o que gera uma economia
zação dos serviços públicos se expandiu equivalente a 2% do produto interno bru-
para outras áreas, como educação, trans- to. É um ganho que beneficia, principal-

58 | www.exame.com
proposta era discutida desde o governo
Smartphone com a bandeira da Fernando Henrique Cardoso, mas nunca
Estônia: o país se tornou uma havia saído do papel. A nova lei cria o Do-
referência no uso de tecnologia cumento Nacional de Identificação, e ele
para atender os cidadãos
deverá começar a ser emitido em 2022.
O prazo é longo porque a identificação
biométrica do novo documento usa a ba-
se de dados do Tribunal Superior Eleito-
ral, que só deve terminar de cadastrar a
impressão digital dos 142 milhões de elei-
tores brasileiros em três anos.
Enquanto não se vê uma integração
completa do governo federal, a digitaliza-
ção do setor público se restringe a inicia-
tivas pontuais. Um caso em que a tecno-
logia vem ajudando está no programa
Bolsa Família. Com o uso de softwares de
análise de big data — nome dado a gran-
des volumes de dados —, o então Minis-
tério do Desenvolvimento Social (reno-
meado Ministério da Cidadania no gover-
no do presidente Jair Bolsonaro) agilizou
o procedimento de checagem de fraudes
do programa, poupando cerca de 1 bilhão
de reais aos cofres federais. Hoje, 14 mi-
lhões de famílias recebem o auxílio finan-
ceiro, beneficiando um total de 50 mi-
lhões de pessoas. “Pegamos a base do
Cadastro Único e a do Bolsa Família e
adicionamos informações de outras bases
administrativas de vários ministérios pa-
ra verificar se as pessoas não têm salários
acima dos que foram declarados”, diz
RAIGO PAJULA/AFP PHOTO

Ereny Senna, coordenadora-geral de ban-


co de dados do Ministério da Cidadania.
Para solucionar os problemas mais co-
muns — como renda incompatível com o
programa ou CPFs e endereços inconsis-
tentes ou inválidos —, o cruzamento de
dados exige a colaboração entre diferen-
tes esferas do governo e também um gran-
mente, o setor produtivo. Enquanto no sistema nacional. Juntas, as informações de poder de processamento computacio-
Brasil são necessários 79 dias para abrir geram grandes bases de dados sobre a nal. Apenas na esfera federal, são mais de
uma empresa, na Estônia basta um dia, população que ajudam os gestores públi- 1 bilhão de registros no banco de dados do
segundo os dados do relatório Doing Bu- cos a desenhar programas para prestar os programa. Como resultado do investi-
siness, do Banco Mundial. serviços com mais inteligência. mento em tecnologia, a fila do Bolsa Fa-
O registro digital foi a base do sucesso O Brasil ainda está longe de atingir o mília, que chegou a ter mais de 50 000
da Estônia. Mas, de lá para cá, o avanço nível de excelência da Estônia e caminha aplicações, foi zerada quatro vezes em
só foi possível porque o país passou a as- a passos lentos para ter um governo mais 2018. “O Bolsa Família tem significativos
sociar os serviços públicos ao sistema de digitalizado. Um dos pilares, o cadastro desafios tecnológicos. Nossas soluções
identificação. Isso permite, por exemplo, da população, está apenas no início. Em apoiaram a redução da fila e reduziram o
que todos os hospitais públicos acessem 2017, o Congresso aprovou um projeto de tempo de processamento de 28 dias para
o histórico médico de cada paciente. Ou lei que permite a criação de um documen- menos de um dia, garantindo a maior efe-
que as notas escolares dos estudantes es- to único, para substituir RG, CPF e título tividade ao programa”, diz Roberto Hill,
tonianos fiquem todas registradas num de eleitor, entre outros registros civis. A diretor para o Brasil da Teradata, empre-

23 de janeiro de 2019 | 59
TECNOLOGIA | GESTÃO PÚBLICA

sa de tecnologia americana que forneceu


a solução para o governo brasileiro.
Outro exemplo de como a tecnologia
de big data tem ajudado o setor público é
o da empresa de análises de dados Neo-
way, de Florianópolis. Com a prefeitura
de Itajaí, em Santa Catarina, sua solução
de análise de dados identificou 678 em-
presas sem alvará e 9 412 sem cadastro no
município. Com essas informações, a
prefeitura espera aumentar a arrecada-
ção de impostos em 34 milhões de reais.

SETOR PÚBLICO DIGITAL


Os gastos dos governos com tecnologia da
informação no mundo devem subir à medida
que os serviços públicos são digitalizados

Gastos do setor público em tecnologia


da informação no mundo (em bilhões de dólares)

265(1)
255(1)
246(1)
239
233
226

EDI VASCONVELLOS
2016 2017 2018 2019 2020 2021
(1) Estimativa Fonte: Ovum TMT Intelligence Escola Didácio Silva, em Teresina: a digitalização reduziu a evasão escolar no Piauí

O software faz o cruzamento de dados, Ninguém”, diz Ronaldo Lemos, especia- Essas startups que trabalham com gover-
com base em mais de 3 000 fontes. Ana- lista em direito digital, diretor do Institu- nos já têm até um apelido. São chamadas
lisando também informações sobre irre- to de Tecnologia e Sociedade do Rio de de “govtechs”, porque usam a tecnologia
gularidades em isenções de imposto pre- Janeiro e professor visitante na Universi- para melhorar processos burocráticos e
dial e territorial, cobranças indevidas e dade Columbia, nos Estados Unidos. Ele agilizar o atendimento ao cidadão. A con-
dívidas prescritas, há um potencial de acrescenta que o Brasil vive uma espécie sultoria Ovum TMT Intelligence, especia-
aumentar ainda mais a arrecadação e de “multiplicação das identidades digi- lizada no setor de tecnologia da informa-
economizar com os custos de processos tais”, porque cada órgão do governo vem ção, estima que os investimentos públicos
judiciais, o que ao todo pode chegar a 100 criando uma versão digital dos documen- em TI no mundo deverão crescer e atingir
milhões de reais em Itajaí. tos já existentes — título de eleitor digital, 265 bilhões de dólares até 2021, benefi-
Embora a tecnologia esteja sendo usada carteira de motorista digital, e-CPF, car- ciando as startups que atuam no setor.
com sucesso em ações de fiscalização, as teira de trabalho digital e assim por dian- Uma das empresas brasileiras que fazem
soluções digitais para os cidadãos ainda te. “Somos tão criativos que conseguimos parte dessa tendência é a Mobieduca.me.
são rudimentares. A maioria dos especia- usar a tecnologia para reproduzir no Ela desenvolveu um aplicativo para con-
listas critica principalmente a falta de mundo virtual a burocracia do mundo trolar a frequência dos estudantes nas es-
centralização dos serviços públicos para real”, afirma Lemos. colas públicas. Cada aluno recebe uma
que a população seja mais bem atendida. Enquanto nenhuma solução centraliza- carteirinha, com um código de barras, que
“Só o governo federal tem 48 aplicativos, da é criada, são as pequenas empresas de é retida quando ele entra na escola e de-
um para cada serviço. Quem em sã cons- tecnologia — as startups — que vêm de- volvida na hora da saída. A informação é
ciência baixa 48 aplicativos e fica alter- senvolvendo ferramentas para digitalizar registrada num sistema online, e os pais e
nando entre eles para fazer o que precisa? parte dos serviços municipais e estaduais. as mães dos estudantes podem checar,

60 | www.exame.com
num aplicativo, se os filhos estão na escola.
O Piauí foi o primeiro estado a implemen-
tar o sistema em 2014. Hoje, 200 000 alu-

UMA FORMA DE IMPEDIR nos de 339 escolas estaduais, entre as 674


existentes no Piauí, são monitorados com

O SUBORNO NO GOVERNO o sistema. O maior benefício é que, com o


controle digital e a supervisão dos pais, os
alunos são estimulados a estudar. Desde
Para o ex-presidente da Estônia, a digitalização dos que o sistema foi implementado, a taxa de
serviços públicos pode ajudar a acabar com as propinas abandono escolar no estado caiu 75%.
pagas para acelerar processos burocráticos Para Letícia Piccolotto, especialista em
gestão pública pela Harvard Kennedy
School e fundadora do BrazilLAB, uma
Toomas Hendrik Ilves foi o presi- Qual é o melhor argumento para aceleradora que ajuda startups a empre-
dente da Estônia de 2006 a 2016 convencer as diferentes esferas ender no setor público, um dos riscos que
pelo Partido Social-Democrata do políticas da importância da a digitalização corre no Brasil é o de re-
país. Hoje, o ex-político é professor digitalização no setor público? petir erros do passado. “Os governos ain-
visitante na Universidade Stanford, É dizer que isso é bom para o país. da entendem a tecnologia como um meio,
na Califórnia, onde pesquisa como Se não funcionar, há o argumento algo que faz parte de uma infraestrutura
a tecnologia afeta as democracias de que os demais estados ou países de apoio. Não a veem como uma oportu-
em diferentes países. Para Ilves, o passarão à frente. Falando como um nidade importante do século 21. Ela não
uso da tecnologia é uma solução ex-político, se eu fosse visto como é um meio, é uma grande aliada para atin-
contra a corrupção. o responsável por esse atraso, gir resultados mais eficientes”, diz Letí-
provavelmente não seria reeleito. cia. Como a experiência vem mostrando,
Qual é o primeiro passo para o investimento em tecnologia pode ser
digitalizar o serviço ao cidadão? A tecnologia pode ajudar os uma boa medida para reduzir a burocra-
Acima de tudo, o pilar mais impor- governos a poupar dinheiro? cia e ajudar na prestação de serviços de
tante é a vontade política. Em termos Ajuda a poupar o tempo das pes- forma mais eficiente e menos custosa.
técnicos, a primeira condição é criar soas, e isso economiza cerca de 2% Mas, para isso, é preciso que ela seja bem
um sistema muito forte e seguro de do produto interno bruto de um aplicada. Caso contrário, será mais um
identidade digital. Depois é preciso país. Outro efeito, mais importante, gasto público desperdiçado.
ter um registro virtual que seja imu- é o potencial de redução da corrup-
tável. A identificação precisa ser ção, especialmente nas esferas
Toomas Hendrik Ilves, ex-presidente
obrigatória, e é preciso, ao menos, ter mais baixas do serviço público, co-
da Estônia: o governo digital
uma criptografia de ponta a ponta mo a propina paga poupa o tempo das pessoas
para proteger os dados. Há países da para acelerar os pro-
Europa nos quais o sistema é volun- cessos burocráticos.
tário e a adesão é baixa. Depois, com
esse sistema implementado, ele pre- Qual é o impacto
cisa ter força legal. da digitalização na
reputação de um
Países de grande porte, como governo?
o Brasil ou os Estados Unidos, A percepção das pes-
têm mais dificuldade para aderir soas em relação ao
a um sistema digitalizado? país melhora. Muita
Não. O mais difícil é chegar a um gente ainda conti-
consenso político. Mas as compe- nuará pensando que
ONJA MARZONER/DPA/AP IMAGES/GLOW IMAGES

tências podem ser distribuídas. A os políticos são uns


maioria dos serviços que usamos é incompetentes, mas a
na esfera estadual, como emissão digitalização aumen-
de carteira de motorista. Se um es- ta a confiança do ci-
tado resolver fazer isso, ele estará dadão no país, e isso
muito à frente dos demais. faz muita diferença.

23 de janeiro de 2019 | 61
FINANÇAS | BOLSA

A VOLTA
DOS BONS
TEMPOS?
Apenas três empresas estrearam na bolsa brasileira
no ano passado. O otimismo com a economia elevou
a lista para 30 candidatas em 2019. Seria um recorde
de aberturas de capital em 12 anos. Falta se concretizar
DENYSE GODOY

A
NO NOVO, GOVERNO NOVO E VIDA NO- 2007, quando 76 companhias foram à bol- com o fim da hiperinflação. Depois, teve
VA NA BOLSA. Pelo menos é isso sa, levantando 70 bilhões de reais. Esse novo salto durante o superciclo das com-
que esperam empresários, inves- entusiasmo começou a tomar forma já em modities, de 2001 a 2008, coroado pelo
tidores, consultores e banqueiros novembro, quando o Ibovespa, principal grau de investimento recebido pelo Bra-
de investimento. Entre IPOs (ofertas ini- índice acionário local, passou a engatar sil. Neste início de 2019, investidores vis-
ciais públicas de ações, na sigla em inglês) sucessivos recordes diante da expectativa lumbram um alinhamento de fatores
e follow-ons (ofertas subsequentes), a B3 de que a equipe econômica do governo macroeconômicos, culturais e regulató-
espera abrigar até 30 operações neste ano. Jair Bolsonaro, liderada pelo economista rios. As condições para a transformação
Na lista estão companhias dos mais varia- Paulo Guedes, seja capaz de implementar começaram a ser construídas com o mais
dos perfis: da rede de academias Smart reformas liberais. “Existe uma confluên- recente ciclo de redução dos juros, inicia-
Fit à unidade de cartões da Caixa Eco- cia de fatores positivos”, diz Felipe Paiva, do em outubro de 2016 durante o governo
nômica Federal, da cadeia de lojas de diretor de relacionamento com clientes Michel Temer. A nova realidade passou a
brinquedos Ri Happy à distribuidora da B3. A questão é sair da teoria para o exigir que os investidores saíssem um
Neoenergia. O volume pode chegar a 40 pantanoso mundo real. pouco da renda fixa e considerassem al-
bilhões de reais, pelas contas de agentes O mercado de capitais brasileiro costu- ternativas mais arriscadas, como as ações.
envolvidos na preparação dessas compa- ma avançar em ondas. Experimentou A mudança impulsionou uma nova onda
nhias. São números não vistos desde uma arrancada na época do Plano Real, de plataformas online de investimentos

62 | www.exame.com
OS ALTOS E BAIXOS DA BOLSA
Em meio à crise, empresas deixaram
de captar recursos com as vendas de ações
Aberturas de capital e follow-ons no Brasil
Número de operações
Valor total (em bilhões de reais)

149

22 26
22
12 17
2 5 6 3
41,7
18 23 14,4 18,1
13 10,7 6,8
2010 2014 2018

Algumas transações esperadas para 2019


VAREJO: Centauro, Ri Happy
FINANÇAS: BB DTVM, Caixa Cartões, BMG
TECNOLOGIA: Tivit, Movile
ENERGIA: Neoenergia

Aberturas de capital em outros países (2018)


Estados Unidos 207
Canadá 38
México 6
Chile 2
China 105
Oferta inicial de ações da
NotreDame Intermédica: o
Japão 97
setor de saúde deve se
DIVULGAÇÃO

Austrália 85
manter em alta neste ano
Europa 231
Fontes: B3, EY e mercado

e levou corretoras a aumentar os esforços piente retomada da economia. Quem se esperando para ver. O saldo de investi-
de educação financeira. O número de pes- atreveu a lançar operações de captação mento estrangeiro na B3 começou 2019
soas físicas investindo na bolsa deixou o depois acabou voltando atrás. Foi o caso como terminou 2018: com déficit, de 869
patamar de 500 000 em que estava esta- da empresa de serviços de tecnologia Ti- milhões de dólares. A alta de 18% no Ibo-
cionado desde 2008, subindo 10% em vit, da Smart Fit e do banco BMG. EXAME vespa em 2018 deixou as empresas do
2017 e 31% em 2018, para 813 000. apurou que os IPOs frustrados em 2018 Ibovespa caras: estão sendo negociadas,
A esperada onda de aberturas era para não conseguiram atrair o volume de re- em média, a 21 vezes os lucros estimados
ter ocorrido já em 2018. Na maior parte do cursos nem o preço desejado — as empre- para os próximos 12 meses, enquanto pa-
ano passado, entretanto, o clima foi de sas não deram entrevista. ra as companhias do índice Dow Jones,
cautela por causa das turbulências eco- Se 2019 será diferente é uma conclusão da bolsa de Nova York esse múltiplo é de
nômicas e políticas. Os únicos IPOs de que deve vir logo. A renovada esperança 16. A previsão do mercado é que os novos
2018 no Brasil — da operadora de planos se baseia, essencialmente, na promessa IPOs e follow-ons sejam efetivamente
de saúde cearense Hapvida, de sua con- de Guedes de reformar o sistema de Pre- abertos a partir do segundo trimestre. “É
corrente paulista NotreDame Intermédi- vidência Social. A proposta deve ser en- apenas uma questão de tempo para en-
ca e do banco mineiro Inter — foram le- viada para votação no Congresso em fe- grenar. No começo, devemos ver um nú-
vados a cabo em abril, antes de a greve de vereiro, segundo as estimativas do gover- mero maior de follow-ons do que de ofer-
caminhoneiros de maio atrasar a inci- no. Os investidores estrangeiros estão tas iniciais, porque é mais fácil o investi-

23 de janeiro de 2019 | 63
FINANÇAS | BOLSA

dor comprar ações de uma empresa que


ele já conhece do que apostar em novas
histórias”, diz Fabio Nazari, chefe de mer-
cado de capitais de renda variável do BTG
Pactual, líder entre os bancos de investi-
mento brasileiros em aberturas de capital
em 2018, segundo dados da consultoria
britânica Dealogic.

A VOLTA DE QUEM NÃO FOI


A fila para levantar capital na B3 neste ano
deve ser puxada pelas empresas que tive-
ram os planos interrompidos em 2018. É
uma lista que inclui, ainda, a rede de lojas
de artigos esportivos Centauro, a Dass
Calçados (representante, no Brasil, da
marca inglesa Umbro) e a Blau Farmacêu-
tica, fabricante de medicamentos e das
camisinhas Preserv. A cadeia de lojas de
brinquedos Ri Happy também aguarda o
céu desanuviar para dar saída ao fundo
de investimento americano Carlyle, que
comprou a varejista em 2012. Outras em-
presas, como a IMC, dona dos restauran-
tes Viena e Frango Assado, e a Movile, do
aplicativo de restaurantes iFood, que re-
ceberam aportes de fundos de investi-
GUILLERMO ARIAS/AFP PHOTO

mento em participação acionária nos úl-


timos anos, podem engrossar a safra de
IPOs e ofertas subsequentes. As estatais
também estão na fila, com a prometida
leva de privatizações da União e de esta-
dos. O Banco do Brasil deve vender ações Fronteira entre o México e os Estados Unidos: o impasse no governo Trump levou
de sua gestora de investimentos, a BB à suspensão de várias atividades da SEC, órgão regulador do mercado americano
DTVM, que administra mais de 900 mi-
lhões de reais. A Caixa tem planos de co-
locar em oferta neste ano, além da subsi- aberto as portas da bolsa para o setor. “O
diária de cartões, a de seguridade. Depois, envelhecimento vai demandar cada vez Caixa: planos de abrir o
viriam as unidades de loterias e de gestão mais de medicamentos e serviços de saú- capital de subsidiárias
de cartões e seguridade
de investimentos. O recém-empossado de. É um mercado que só vai crescer, ain-
governador do Rio de Janeiro, Wilson Wit- da mais que, com a economia organizada,
zel, afirmou que uma oferta pública de o PIB pode chegar a subir 4% ou 5% no
ações da Cedae, companhia de água e médio prazo”, diz Rodolfo Riechert, pre-
esgoto do estado, pode ser uma opção à sidente do grupo Brasil Plural, que asses-
ideia de privatização, da qual ele discorda. sora companhias em operações na B3.
“A procura de interessados em entender Assim como acontece com o setor de saú-
como o processo de ir à bolsa funciona de, a área de tecnologia está entre as pre-
multiplicou por 10 desde o segundo turno feridas do investidor estrangeiro e é pou-
das eleições”, diz Hans Lin, diretor do co presente na B3 ainda. Em 2018, as três
banco de investimento do Bank of Ame- empresas brasileiras desse ramo que abri-
rica Merril Lynch no Brasil. ram o capital preferiram acessar a bolsa
Também devem se destacar na próxima americana especializada Nasdaq. As pro-
onda setores ainda com pouca participa- cessadoras de pagamento PagSeguro e
ção na B3. Exemplo: as empresas de saú- Stone, além da plataforma de ensino cea-
de, depois de Hapvida e NotreDame terem rense Arco Educação, arrecadaram, jun-

64 | www.exame.com
tas, 4 bilhões de dólares com suas ofertas. que beneficiem o mercado local. “Fazer
“Há um otimismo bastante grande em um IPO no exterior também é uma ma-
relação a esses novos modelos de negó- neira de internacionalizar a economia
cios, principalmente na área de meios de brasileira. A companhia que começa a
pagamento”, diz Thais de Gobbi, sócia do ser negociada em outros países precisa
escritório de advocacia Machado Meyer. assimilar padrões diferentes de gover-
O exemplo da PagSeguro mostra que, nança, que são colocados em prática pe-
mesmo que a onda de aberturas venha, los funcionários que atuam em suas uni-
ninguém garante que chegará às praias dades em território brasileiro”, diz Rena-
brasileiras. Além de mais maduro, o mer- to Ochman, sócio do escritório Ochman
cado americano seduziu as empresas bra- Real Amadeo Advogados. A bolsa está
sileiras ao viver, em 2018, um ano histórico, estudando permitir a dupla listagem,
quando recebeu 207 aberturas iniciais, que é a negociação de ações de uma em-
maior número desde 2014, de acordo com presa em mercados de nações distintas.
levantamento da consultoria EY. Agora, a Negocia com a Comissão de Valores Mo-
recessão econômica que se configura no biliários, também, autorização para que
horizonte e a paralisação da administração qualquer investidor brasileiro — e não só
federal na virada do ano com um impasse os que têm patrimônio em investimentos
na votação do Orçamento podem atrapa- de pelo menos 1 milhão de reais — com-
lhar as transações. Enquanto o presidente pre na bolsa local BDRs (Brazilian Depo-
Donald Trump se digladia com o Partido sitary Receipts, ações de empresas es-
Democrata, exigindo a liberação de 5 bi- trangeiras negociados na B3). Atualmen-
lhões de dólares para a construção de um te, companhias como Amazon, General

A CONCORRÊNCIA DAS BOLSAS


AMERICANAS FEZ A B3 ESTUDAR
MUDANÇAS REGULATÓRIAS PARA
TURBINAR O MERCADO EM 2019

muro na fronteira com o México, várias Motors e Microsoft têm BDRs. Uma me-
atividades da SEC, órgão regulador do dida vista como fundamental pelos agen-
mercado de capitais americano, foram sus- tes é a confidencialidade das ofertas.
pensas. Em consequência, o esperado lan- Pelas regras atuais, assim que uma em-
çamento de ações de gigantes como os presa registra na bolsa e na CVM sua in-
aplicativos de transportes Uber e Lyft fica tenção de fazer um IPO ou follow-on,
empacado. O mau humor externo também esse projeto é anunciado ao mercado. Se
pode limitar a elevação do Ibovespa nos o cenário azeda e a companhia decide
próximos meses. “Os investidores estarão esperar mais para finalizar a transação,
atentos ao desenrolar das negociações co- acaba estigmatizada. Todas essas modi-
merciais entre a China e os Estados Uni- ficações devem sair ainda em 2019, em
dos. Aqui, a questão é saber se o governo um esforço da B3 para se renovar. “O IPO
Bolsonaro realmente conseguirá emplacar não é o objetivo final da empre a, é o co-
as medidas prometidas. Este primeiro tri- meço de seu relacionamento com os in-
ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

mestre será uma prova de fogo”, diz Gui- vestidores”, diz Levindo Coelho Santos,
lherme Sampaio, diretor de transações sócio sênior da G5 Partners, maior em-
corporativas e líder de IPOs da EY. presa independente de serviços financei-
A concorrência das bolsas americanas ros do Brasil. Não faltam candidatos a
fez a B3 estudar mudanças regulatórias começar um relacionamento em 2019.

23 de janeiro de 2019 | 65
IDEIAS | TENDÊNCIAS

SETE
CAMINHOS
PARA OS
NEGOCIOS
Uma pesquisa feita em 87 países aponta
os movimentos sociais mais significativos no
mundo para os próximos três anos — e o que
eles representam para as empresas
DAVID COHEN

N
ÃO, O MUNDO DO TRABALHO NÃO CA- sobre nossos dados pessoais; a bioenge-
MINHA PARA UMA rotina mais pra- nharia; o aumento da importância das
zerosa. Em vez disso, o que está tradições locais; a substituição de estru-
no horizonte são “pílulas de la- turas verticais por redes de colaboração
zer”, o aproveitamento de pequenas pau- horizontais; e uma busca mais enfática
sas no dia a dia para criar momentos de pela expressão pessoal.
felicidade. Também não vamos passear Identificar esse tipo de tendência ajuda por exemplo.” Esse trabalho acontece em
mais; ao contrário, o hábito de pedir co- a definir investimentos de médio prazo, 87 países, feito por equipes multidiscipli-
mida em domicílio deverá extrapolar para especialmente num mundo em que as nares. Começa com a captura de expres-
aulas de ginástica e reuniões de trabalho, transformações têm se dado em ritmo sões na internet e evolui para entrevistas
além, é claro, de jogos e namoros online, frenético. A própria busca de tendências em profundidade. “Há seis anos, a gente
que já fazem a geração mais jovem nos mudou. “Até pouco tempo atrás, nosso identificou o crescimento do feminismo
Estados Unidos ficar em casa 70% mais trabalho era mapear algumas pessoas- em bolsões de jovens e artistas”, diz Da-
tempo do que a média da população. chave, identificadas como inovadoras ou niela. Partindo dos grandes movimentos,
Esses são dois dos movimentos que de- influenciadoras”, diz Daniela Dantas, di- a consultoria estabeleceu sete vetores de
vem transformar os negócios e a cultura retora regional da WGSN na América La- transformação para o futuro próximo.
nos próximos três anos, de acordo com a tina. Hoje, a empresa mapeia comunida-
companhia inglesa de previsão de ten- des e tribos diretamente. “Não dá para os 1. A GRANDE CISÃO ECONÔMICA
dências WGSN. Outros movimentos in- pesquisadores do Brasil não acompanha- Não chega a ser uma novidade o aumento
cluem o esforço para ganhar controle rem o que está acontecendo nas favelas, da desigualdade, mas ela virá acompa-

66 | www.exame.com
pressão de investidores e consumidores 5. O AVANÇO DO “DATANOMICS”
pela responsabilidade ambiental. No Bra- Nos últimos meses tivemos o susto, com
sil, com uma ampla fatia da população a divulgação de diversos casos de mau uso
ainda à margem do mercado de consumo, dos dados de usuários de serviços. Segun-
é pouco provável que isso ocorra. De qual- do a consultoria, “a crescente percepção
quer modo, as empresas precisam ficar de de que os dados digitais que criamos são
olho nas consequências das mudanças uma commodity a ser comprada e vendi-
climáticas. A cadeia de café Starbucks, da vai levar à formação de um mercado
por exemplo, deve investir meio bilhão de de dados”. Um exemplo é a empresa ame-
dólares em dez anos para pesquisar grãos ricana Datawallet, uma plataforma em
resistentes à mudança de clima. que consumidores vendem suas informa-
ções às empresas.
4. O COMBATE AO EXCESSO
Se o ritmo de aproveitamento dos recursos 6. A SPLINTERNET
naturais do planeta continuar o mesmo, A explosão de microcomunidades e as

Apresentação no Rio
Parada Funk: a busca por
tendências precisa ser
feita em todas as tribos
FABIANO ACCORSI

MARIO TAMA/GETTY IMAGES


Reciclagem de lixo em Santana de
Parnaíba (SP), parte de projeto
da Unilever e do Pão de Açúcar:
as empresas devem protagonizar
o combate ao desperdício

nhada de um freio no crescimento global. em 2050 precisaremos de 70% mais maté- regulações e restrições de autoridades em
Isso favorece a automação, como forma ria-prima do que existe na Terra. De um vários países estão minando a noção de
de cortar custos e baratear os produtos. jeito ou de outro, portanto, a contenção do uma internet global e unificada. Num am-
consumo terá de ocorrer. As ações contra biente de várias redes, a oportunidade é
2. A POLARIZAÇÃO DEMOGRÁFICA o desperdício ainda parecem ser muito in- de construção de comunidades, até mes-
Também não é segredo que a população cipientes. Mas a consultoria prevê que elas mo ecossistemas próprios de comércio.
mundial está envelhecendo. Mas são ido- ganharão força. “Talvez não aconteça no
sos diferentes. O termo “gerontolescên- próximo ano, como a gente precisa, mas 7. O NOVO PODER DA CHINA
cia” vem ganhando força porque os ses- nos próximos cinco, sim”, diz Daniela. O Quem pensa na China como a indústria
sentões e setentões se mantêm ativos e movimento será mais das empresas do que do mundo está defasado. Em inúmeros
cheios de projetos pessoais. dos consumidores, com ações como a for- campos, o país se colocou à frente no jogo
mação de cadeias de parceiros para apro- da inovação. Por isso, quem quiser enten-
3. ADAPTAÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS veitar as sobras de produção e a conversão der para onde o mundo caminha precisa
Em tese, a tendência é que haja maior para energias reaproveitáveis. ter um olhar especial para a China.

23 de janeiro de 2019 | 67
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO
DIDA SAMPAIO/ESTADÃO CONTEÚDO

CONVICÇÃO,
Posse do
presidente Jair
Bolsonaro: os
primeiros dias
do governo foram
marcados por
cabeçadas entre
as equipes

68 | www.exame.com
PRESIDENTE
C
ONFUSÕES, DESENCONTROS, TROPEÇOS,
CABEÇADAS, TRAPALHADAS. Não faltam
termos para descrever as ocorrências
dos primeiros dias que se sucederam
à posse do presidente Jair Bolsonaro,
marcados por idas e vindas. Alguns
tropeços enriquecem a literatura das
bobagens de início de mandato no país, como o ace-
no de ceder espaço a uma base militar americana
em território brasileiro sem que nem sequer os Es-
tados Unidos tenham pedido isso. Já as cabeçadas
que entraram na seara da equipe econômica inco-
modaram bem mais. O episódio mais ruidoso foi
aquele em que Bolsonaro, em entrevista ao SBT,
disse que a idade mínima para aposentadoria, pon-
to crucial da reforma da Previdência, seria de 62 anos
para homens e 57 para mulheres, requisito que fica-
ria aquém da proposta que está hoje no Congresso,
herdada do governo Michel Temer. A declaração
pegou de surpresa nomes do primeiro escalão do
governo, que vieram a público dizer que não era bem
assim e tentar amenizar a repercussão negativa. Afi-
nal, Bolsonaro não saberia de pontos tão elementa-
res do principal projeto da área econômica após um
período de 54 dias do chamado governo de transi-
ção? Até agora permanece a dúvida: a escorregada
seria fruto da inexperiência de quem chega ao Palá-
cio do Planalto ou revelaria uma falta de convicção
sobre a medida mais importante para a economia?
Cientistas políticos e observadores do cenário
político não se surpreenderam com a confusão. Afi-
nal, Bolsonaro ganhou a eleição com uma estrutu-
ra amadora de campanha e seu partido, o PSL, era
nada mais do que um nanico na legislatura que se
encerra no final de janeiro. Faltariam, portanto,
gente experimentada e traquejo nas primeiras ações
da nova administração. Mudar a chave mental de
que campanha é campanha, governo é governo,
também ajudaria a evitar erros considerados cras-
sos. Mas prevalece, por ora, a versão de que as ca-
beçadas são fruto do ajuste de sintonia. “É normal
que ocorram trapalhadas de largada. Se numa em-
presa acontece isso em uma mudança de gestão,
O governo Bolsonaro começa com tropeços, imagine quando ocorre uma troca de governo”, diz

por enquanto sem mais consequências. o empresário Luiz Renato Durski Junior, dono da
rede de 141 restaurantes Madero. “O que importa é
Mas, para emplacar a aprovação da a disposição para fazer as mudanças na economia
e ter a equipe técnica para isso.” Em outras palavras,
reforma da Previdência — a medida mais é a confiança no superministro da Economia, Pau-
importante para a economia —, o novo lo Guedes, que tem sustentado o otimismo reinan-
te. Uma pesquisa inédita da Câmara Americana de
presidente terá de se empenhar Comércio com 58 presidentes de grandes empresas

pessoalmente para convencer a população mostra que mais da metade dos executivos acredi-
ta que a economia brasileira deverá crescer acima
e o Congresso ANDRÉ JANKAVSKI E FABIANE STEFANO de 2% já em 2019 — o restante espera um desempe-

23 de janeiro de 2019 | 69
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO

Paulo Guedes,
ministro da
Economia: sua
O CRIME NA MIRA equipe prepara
a versão da reforma
da Previdência que
Bolsonaro cumpre uma promessa: facilita será enviada
a Bolsonaro
a posse de arma. Mas o mais esperado
é o pacote que virá de Sergio Moro

Passados os desencontros iniciais, o presidente Bolsonaro


se apressou em cumprir uma promessa de campanha. Na
terça-feira 15, ele assinou o decreto que facilita a posse de
armas de fogo. Foi um aceno aos parlamentares da chama-
da bancada da bala e aos eleitores que votaram no capitão
da reserva na esperança de ver uma redução na criminali-
dade. Pelas novas regras, pessoas que moram em cidades
com mais de dez homicídios a cada 100000 habitantes
podem guardar armamento em casa ou no local de trabalho,
Isso torna três em cada quatro brasileiros aptos a ter uma
arma. A medida representa apenas uma resposta rápida e,
provavelmente, ineficiente para o grave problema da segu-
rança pública. O ano começou com uma onda de ataques
promovida pelo crime organizado no Ceará (a exemplo do
que ocorreu em verões passados no Rio Grande do Norte,

EDUARDO ANIZELLI/FOLHAPRESS
Espírito Santo e Maranhão, crises quase sempre associadas
às saídas de presidiários autorizadas no fim de ano). Em
sua posse, o ministro Sergio Moro, da Justiça, prometeu
um pacote duro de segurança. “É preciso enfrentar os gru-
pos com leis mais eficazes, inteligência e operações coor-
denadas entre as diversas agências policiais, federais e
estaduais. O remédio é universal, embora nem sempre de
fácil implementação, mas passa pela prisão dos membros, nho que varia de zero a 2%. A maioria também projeta
isolamento carcerário das lideranças, identificação da es- que o faturamento de suas empresas deva crescer acima
trutura e confisco de seus bens.” As medidas ainda não de 10%. Otimismo é o que não falta no mercado finan-
foram anunciadas, mas já estão claras as linhas de ação de ceiro. Na segunda-feira 14, o índice Ibovespa superou
Moro. Entre elas está o investimento nas polícias estaduais pela primeira vez na história os 94 000 pontos. “Os
com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e a primeiros sinais dados pelo governo Bolsonaro são po-
padronização de procedimentos e estrutura. Outra é me- sitivos. O que se percebe é que há um alinhamento
lhorar a qualidade das penitenciárias federais, estaduais e entre o ministro da Economia, o mercado financeiro e
do Distrito Federal, oferecendo projetos e modelos de pre- o setor produtivo, algo que gera um cenário mais favo-
sídios. “Precisamos recuperar o controle do Estado sobre rável para fazer negócios”, diz Shelly Shetty, analista-
as prisões brasileiras com investimentos e inteligência”, chefe de rating da agência de classificação de risco
disse Moro. Esse é um ponto crucial. A onda de ataques que Fitch para a América Latina.
tem assolado o Brasil é coordenada de dentro das peniten- As relações entre governo, empresários e mercado
ciárias, onde vivem 726000 encarcerados, aumento de financeiro devem se manter cordiais se o projeto da
706% em relação ao número de 1990. “O crime organizado reforma da Previdência avançar. O próprio Guedes vem
nasce dentro das prisões”, diz Melina Risso, conselheira do falando o que o mercado quer ouvir sobre o tema. No
Instituto Igarapé. “Esta é a primeira vez que podemos ter discurso de posse no ministério, ele foi duro e disse que
no Brasil um enfrentamento organizado com a ajuda da o atual sistema de aposentadoria é “uma fábrica de
inteligência e chegar até os mandantes dos crimes.” É o que desigualdades”. Nos próximos dias, a primeira versão
o país espera que aconteça. do projeto de reforma gestado pela equipe econômica
deve chegar às mãos de Bolsonaro. A ideia é apresentar
uma reforma com idade mínima elevada e regras de
transição mais aceleradas do que a proposta do ex-

70 | www.exame.com
-presidente Michel Temer. Um dos motivos para o en-
durecimento é o rombo fiscal. Outro é dar abertura a
modificações no texto que não alterem tanto o valor
que o governo pretende economizar nos próximos anos.
Nos corredores do Ministério da Economia fala-se que
a economia com a reforma chegaria a 1 trilhão de reais
em dez anos. A previsão de despesas com a Previdência
é de 768 bilhões em 2019. “O mercado está apostando
que tudo vai dar certo no novo governo, mas não vai
aceitar qualquer reforma”, afirma Sérgio Vale, econo-
mista-chefe da consultoria MB Associados. Ou seja,
uma reforma fraca pode afetar diretamente o cresci-
mento econômico do Brasil no longo prazo.
É possível que a configuração final da proposta de
reforma só seja conhecida no início de fevereiro, quan-
do o novo Congresso iniciar a legislatura. Até lá, conti-
nuarão o debate e a disputa sobre pontos como maiores
ou menores concessões a grupos como militares e ser-
vidores públicos. O que importa, porém, é o que virá
depois. “A fase crucial para o governo Bolsonaro é a da
defesa da proposta de reforma da Previdência”, diz
Christopher Garman, diretor para as Américas da con-
sultoria de risco político Eurasia. “A estratégia de co-
municação política que o presidente adotará é funda-
mental. Se ele perder nisso, ele perde quase tudo.” Isso
quer dizer que será decisivo o engajamento do presi-
dente junto ao Congresso e nas redes sociais, tão caras
a ele, na defesa de um projeto que é impopular. É uma
tarefa difícil, mas não impossível. Uma pesquisa da
corretora XP Investimentos sugere que a população
entendeu a importância da reforma: 71% das pessoas
ouvidas acreditam que as mudanças no sistema de apo-
sentadoria são necessárias. Ao mesmo tempo, muitos
OTIMISMO NO AR querem o fim dos privilégios. Cerca de 50% dos ouvidos
Uma pesquisa exclusiva realizada pela Câmara Americana são a favor da inclusão dos militares nas mesmas regras
de Comércio mostra que presidentes de empresas esperam dos trabalhadores — 16% dizem que eles precisam dar
que a economia brasileira retome o crescimento em 2019 sua contribuição, mas com regras especiais. Para com-
pletar, 41% das pessoas são a favor do aumento da con-
Em relação à economia brasileira, como você classificaria o atual cenário? tribuição dos servidores públicos para o INSS.
Além de se comunicar com a população, Bolsonaro
32% Manutenção dos indicadores
Retomada precisará assumir o protagonismo na área política. Lí-
econômicos, com melhora
econômica em do otimismo e evolução dos deres partidários ouvidos por EXAME afirmaram que
2019, com 66% indicadores a partir de 2020 nenhuma reforma será aprovada no Congresso sem um
melhoras nos esforço pessoal do presidente — colocando em risco,
indicadores de
especialmente, sua popularidade. “O presidente terá
consumo e 2% Incerteza econômica
produção já no em virtude das dúvidas de colocar seu capital político para aproveitar projetos
mesmo ano em relação ao novo governo que deixarão o Brasil em boa situação financeira”, diz
Nilson Leitão, deputado federal e líder do PSDB na Câ-
mara e derrotado na disputa pelo Senado em Mato
Qual é sua expectativa em relação ao cenário econômico do país em 2019? Grosso. “Se ele usar essa popularidade para vaidade ou
para aplausos fáceis, não chegará a lugar nenhum.”
51% 49% A despeito do desprezo de Bolsonaro pelo ex-pre-
BOA, o PIB crescerá acima de 2% REGULAR, até 2% sidente Luiz Inácio Lula da Silva, seria prudente que
o novo presidente avaliasse o que é considerada uma
das grandes vitórias da era Lula. Em 2003, em apenas

23 de janeiro de 2019 | 71
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO
Congresso Nacional: o partido do presidente,
o PSL, apoia a reeleição de Rodrigo Maia à
Câmara na tentativa de facilitar a aprovação
oito meses, o ex-presidente conseguiu tirar uma reforma da reforma da Previdência
da Previdência do papel e aprová-la no Congresso. Mes-
mo sendo uma reforma mais fraca do que a esperada
para este ano, o principal mérito de Lula foi ter obtido
o apoio da oposição ao texto: reuniu quase 70% dos vo-
tos dos partidos contrários ao dele. Apesar de Bolsona-
ro manter um discurso bélico contra seus opositores,
especialmente os ligados ao PT, uma ala à esquerda
pode trazer votos importantes para a aprovação da re-
forma da Previdência. O bloco formado por PSB, PDT e
PCdoB, que conta com 69 deputados, está acenando que
aceita discutir a possibilidade de votar a favor da pro-
posta do governo. “Não faremos a oposição de quanto
pior, melhor”, afirma o deputado federal Tadeu Alencar,
líder do PSB na Câmara dos Deputados. “Temos proble-
mas monumentais no Brasil para agir com imaturida-
de.” O discurso é acompanhado pelo congressista André
Figueiredo, líder do PDT. “Vamos discutir a reforma da
Previdência, mas somos contra outras pautas, como
MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO
privatização em setores estratégicos.” Já o PT, que pos-
sui a maior bancada, com 56 deputados, deve continu-
ar sendo contra qualquer projeto de responsabilidade
fiscal que o governo tente mandar ao Congresso. “A
única coisa que se ouve falar é a reforma da Previdência,
como se o ajuste fiscal fosse a única solução”, afirma o
deputado federal José Guimarães, líder do PT.

As lideranças partidárias estão superados e o apoio ao Maia teve a anuência do


próprio presidente Bolsonaro, que quer deixar claro que
serão essencias para a não é autoritário como a oposição diz”, afirma Bivar.
Antes do grande teste da Previdência, o governo Bol-
aprovação da reforma da sonaro deve levar uma pauta correlata para testar as alian-

Previdência no Congresso
ças que estão sendo costuradas no momento. O novo
secretário de Previdência e Trabalho do ministro da Eco-
nomia, Rogério Marinho, afirmou ao assumir a pasta que
o governo editará uma medida provisória em breve para
coibir fraudes no sistema previdenciário. Nas contas do
Não ajuda a ganhar pontos entre os partidos a atual novo governo, haveria mais de 2 milhões de benefícios
estratégia do governo Bolsonaro no Congresso. Egresso previdenciários com indícios de fraude que precisam ser
do chamado baixo clero, composto de deputados de bai- auditados pelo serviço federal. A medida provisória pre-
xa estatura política, o presidente tem afagado os repre- cisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias e depois
sentantes desse bloco. As negociações com as bancadas ser sancionada pelo presidente. “É uma oportunidade de
temáticas — sobretudo a do agronegócio e a dos evan- mapear o número de votos com que o novo governo pode
gélicos — parecem que também não devem ter vida contar”, diz o analista Garman. Se funcionar, haverá ga-
longa. “A bancada temática ajudou a compor o governo, nho de força para emplacar uma reforma mais dura. Ou-
mas quem vai encaminhar os votos são os partidos. O tra possibilidade é aproveitar a reforma do governo Te-
sistema dentro da Câmara não mudou e não vai mudar”, mer, a PEC 287, que já está no Congresso. “O governo não
diz Leitão, do PSDB. A movimentação do PSL, partido tem tempo a perder. Se votar e vencer no primeiro trimes-
do presidente, para apoiar a reeleição de Rodrigo Maia tre, aproveitando a PEC 287, será uma vitória estupenda.
à presidência da Câmara mostra que o governo reconhe- O governo se livra do desgaste logo no início”, afirma
ce esses desafios. Essa é a opinião de Luciano Bivar, Fernando Schüler, cientista político e professor na esco-
deputado federal eleito e presidente do PSL. Segundo o la de negócios Insper. Tudo depende da convicção e do
futuro congressista, até as brigas do partido ficaram pa- empenho pessoal de Bolsonaro em transformar o princi-
ra trás. “As discussões públicas foram arrufos que já pal projeto econômico de seu governo em realidade. Q

72 | www.exame.com
em 2018 foi de 29 bilhões de dólares.
Para completar, nos últimos dez anos
as empresas chinesas investiram 55
bilhões de dólares por aqui, segundo
levantamento do Conselho Empresa-
rial Brasil-China. “A China tem grande
responsabilidade por não ter sido pior
a crise no Brasil”, diz Charles Tang,
presidente da Câmara de Comércio
Brasil-China. Para ele, se o presidente
Abate de frango em Londrina: Bolsonaro não se retratar e deixar cla-
GERMANO LÜDERS

se a embaixada em Israel ra a confiança que tem nos chineses,


mudar, as vendas podem cair é provável que os asiáticos procurem
outros países para investir.
Na outra ponta, Estados Unidos e
Israel comemoram a guinada à direita
O RISCO NO COMÉRCIO EXTERIOR do governo brasileiro. Curiosamente,
ambos representam déficits comer-
A política adotada pelo Itamaraty nos primeiros dias ciais para o país: 848 milhões de dó-
lares com os israelenses e 194 milhões
do governo incomoda parceiros que geram grande com os americanos. “Vemos essa
parte do superávit comercial ANDRÉ JANKAVSKI E LETÍCIA NAÍSA aproximação de forma muito positiva”,
diz Deborah Vieitas, presidente da
Amcham, a Câmara de Comércio Bra-
Se a equipe econômica goza da para o Brasil. Para tentar amenizar a sil-Estados Unidos. Há três temas
total confiança dos agentes do mer- situação, a Câmara de Comércio prioritários para a melhoria da relação
cado, o mesmo não pode ser dito da- Árabe-Brasileira reuniu-se com inte- bilateral: facilitação de comércio; um
queles que serão responsáveis pelas grantes do governo e mostrou o que acordo de imigração para agilizar idas
relações internacionais e pelo comér- está em jogo. Em 2018, o Oriente e vindas de empresários; e mecanis-
cio exterior. A começar pelas decla- Médio recebeu 4% das exportações mos de cooperação em áreas estraté-
rações antiglobalistas do presidente brasileiras, cerca de 10 bilhões de dó- gicas, como saúde, tecnologia, infraes-
Jair Bolsonaro e do chanceler Ernes- lares. De acordo com estimativas da trutura e segurança. A aproximação
to Araújo, passando pela nomeação Câmara, as vendas do Brasil a esses ajudaria o Brasil num eventual cenário
e demissão atabalhoada do ex-presi- países têm potencial de alcançar 20 de desaceleração mundial, segundo
dente da Agência Brasileira de Pro- bilhões de dólares daqui a quatro Deborah. “Uma redução na velocidade
moção de Exportações e Investimen- anos, especialmente em produtos do crescimento tem um impacto eco-
tos (Apex), Alecxandro Carreiro, es- agropecuários. “Se a mudança ocor- nômico relevante, mas os Estados
pecialistas estão preocupados com a rer, não haverá uma ruptura instan- Unidos continuarão a ser o maior mer-
defesa de pautas que afetam a rela- tânea, mas é provável que as relações cado do mundo”, diz ela. “É o país para
ção com alguns dos principais par- fiquem estremecidas no longo prazo, o qual o Brasil mais vende manufatu-
ceiros do país. Os mais ressabiados prejudicando o comércio”, afirma Ru- rados e semimanufaturados, que é
são os árabes e os chineses. bens Hannun, presidente da Câmara uma exportação de valor agregado.”
A decisão que parece estar mais de Comércio Árabe-Brasileira. O Brasil, por tradição diplomática,
próxima de ocorrer incomoda os ára- Bolsonaro terá um problema ainda sempre soube se equilibrar entre os
bes: a mudança da embaixada brasi- maior se endurecer com a China. O diferentes polos de poder no mundo.
leira em Israel de Tel Aviv para Jeru- país asiático é o maior importador do Por isso, mantém relação com prati-
salém. A Liga Árabe, formada por 22 Brasil. De nossas exportações, 27% camente todos os países e ganha co-
países da região, avisou Araújo que, têm como destino os portos chineses mercialmente com isso. É um legado
caso se confirme, a decisão pode tra- — 82% da soja exportada vai para lá. e tanto, a ser devidamente ponderado
zer impactos políticos e econômicos O superávit comercial com a China pelo governo Bolsonaro.

23 de janeiro de 2019 | 73
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO

CRESCIMENTO
SEM SUBSÍDIO
O secretário especial de Produtividade e americano? Por três razões. A primeira é que o governo
começou a atrapalhar cada vez mais. O ambiente para
Competitividade, Carlos da Costa, defende fazer negócios e produzir piorou muito no Brasil. Fo-

a redução da burocracia na economia mos na direção contrária e deixamos o ambiente mais


difícil para as empresas. O segundo motivo foi o enve-
no lugar da criação de mais incentivos lhecimento de nosso parque industrial. Por último, foi
o desequilíbrio das contas públicas. Isso elevou drama-
ANDRÉ JANKAVSKI E FABIANE STEFANO ticamente os juros e trouxe uma grande instabilidade
à economia. As empresas pararam de investir em mo-
dernização. Ficou muito mais fácil ganhar dinheiro

A
investindo em título público. Acreditamos que pode-
mos voltar ao patamar anterior em até dez anos. Ou até
antes, dependendo das reformas.
EQUIPE DE PAULO GUEDES, CONSIDERADO UM
“SUPERMINISTRO DA ECONOMIA”, também Alguma das microrreformas propostas pela gestão
conta com seus “supersecretários”. Um anterior, como a Lei de Falências e o Cadastro
deles é o economista Carlos da Costa, Positivo, terá uma atenção especial de sua pasta?
que comanda a Secretaria Especial de É necessário fazer com que aquelas microrreformas
Competitividade e Produtividade. O ór- andem. Pouquíssimas foram para a frente. Por causa
gão, segundo o próprio Costa, abarca das dificuldades políticas do governo anterior, elas
praticamente 80% das funções do antigo Ministério pararam. Não existe uma prioritária, pois estamos reor-
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e 40% do ganizando tudo. Temos de analisar o impacto e a via-
Ministério do Trabalho e do Emprego. A missão do bilidade política de cada uma. Mas a agenda de produ-
secretário é diminuir a burocracia estatal para trazer tividade está em todas as secretarias, justamente por-
mais produtividade à iniciativa privada e estimular a que temos uma estrutura muito maior e concentramos
criação de empregos. A meta? Gerar cerca de 10 mi- esforços de quatro antigos ministérios. Dessa maneira,
lhões de novas vagas nos próximos quatro anos. O se- conseguiremos avançar ainda mais.
cretário, que já foi diretor de Planejamento, Crédito e
Tecnologia no BNDES, deixa um recado claro: a era de Quais são as prioridades dos primeiros 100 dias?
subsídios para setores específicos acabou. Temos prioridades na secretaria que não são necessa-
riamente as mesmas do governo e do Ministério da
Qual é seu diagnóstico sobre a situação do país? Economia. As três prioridades na área econômica são
Existe um diagnóstico relativamente simples. Como a Previdência, Previdência e Previdência, e estamos
produtividade do trabalhador no Brasil caiu de 40%, bem alinhados nisso. Mas, em nossa secretaria, as
que já era baixo, para 23% da média de um equivalente prioridades estão no nome: produtividade, emprego

74 | www.exame.com
mais intensivos em mão de obra, como construção
civil e serviços. Estamos trabalhando para identificar
os principais gargalos desses setores e rapidamente
resolvê-los. Mas é importante ressaltar que não que-
remos que o governo seja a mola mestra de nada. Quem
cria emprego é a iniciativa privada.

Quais são os obstáculos que estão atrapalhando


a criação de novos empregos?
No caso da construção civil, é o distrato, que paralisou
o lançamento de imóveis nas grandes cidades. O dis-
trato traz incerteza para o incorporador, e o risco se
tornou desproporcional com o que ele ganha com os
imóveis. A nova lei passou na Câmara, está perto dos
finalmentes. Mas também temos outros fatores que
atrapalham as grandes obras de infraestrutura. Há
processos de licenciamento que precisam ser agiliza-
dos. Você vê muita empresa querendo investir, apesar
dos problemas, e o próprio governo cria barreiras.

O senhor declarou há alguns dias que o governo


Jair Bolsonaro vai revisar todos os programas
de subsídios a setores específicos da economia.
A ideia é acabar com os subsídios às empresas?
Não queremos acabar com eles. O que não quero, pelo
menos por um bom tempo, é falar de novos subsídios.
TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA BRASIL

Isso está proibido. Mas, se existirem casos que tenham


Carlos da Costa: sentido econômico, eles precisam ser mantidos. O pro-
“A prioridade número 1
deste ano será blema é que a vasta maioria são subsídios compensa-
a retomada do emprego” tórios. É uma maneira de compensar os problemas do
governo. Vamos diminuir os subsídios simultanea-
mente com a redução do custo Brasil.

e competitividade. A ordem temporal não é necessa- É possível diminuir os subsídios sem prejudicar as
riamente essa. A prioridade número 1 deste ano será empresas? Como o senhor vai enfrentar os lobbies?
a retomada do emprego. Estamos vivendo uma tragé- Não estamos lutando com as empresas nem contra o
dia com 26 milhões de pessoas no país sofrendo com lobby. Só que existe o lobby ruim e o lobby bom. Aque-
a falta de emprego diretamente. le lobista que faz um bom trabalho fala das dificulda-
des e mostra soluções. Já o lobby ruim é aquele que
Já há alguma medida mais prática em vista? utiliza ferramentas pouco republicanas. Queremos
Existem alguns projetos. Um exemplo é a utilização da trocar o lobby por um diálogo que seja produtivo e que
ferramenta do Sistema Nacional de Emprego, que per- torne o Brasil competitivo. Para completar, todo liberal
mite fazer a recolocação de desempregados. Hoje, ele é um evolucionário, e não um revolucionário. Não so-
tem uma efetividade baixa. Estamos realizando um mos os donos da verdade. Por isso, não mudaremos
estudo profundo e emergencial para torná-lo muito nada da noite para o dia. Vamos mudando aos poucos.
mais efetivo nessa combinação entre trabalhador e
empresa, como um aplicativo. Fazer com que a empre- Especialistas têm criticado a linha adotada pelo
sa saiba quem é a pessoa mais qualificada para a vaga setor de relações exteriores do governo. A equipe
e o trabalhador saiba onde ele é necessário. econômica tem o mesmo pensamento do Itamaraty?
Temos um presidente que foi eleito e está no comando
Falta tecnologia para esse sistema ser mais efetivo? de todos nós. Ou seja, seguimos a orientação do presi-
Também falta efetividade. Já existe um sistema digital dente em todas as áreas. Agora, não é por falta de in-
desenvolvido, mas ele não tem uma usabilidade boa. vestimento estrangeiro que teremos problema. O mun-
Queremos torná-lo muito mais efetivo. Também esta- do inteiro está de olho no Brasil. Não será por falta de
mos desenvolvendo trabalhos para setores que são investidores que vamos sofrer.

23 de janeiro de 2019 | 75
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO
DIVULGAÇÃO

N
A CABEÇA
ÃO HÁ ENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL DAS
FORÇAS ARMADAS, portanto não se pode
caracterizar a nova administração do

MILITAR
país como um governo militar. Mas,
com um terço do ministério, um presi-
dente e um vice-presidente de origem
militar, também não pode haver dúvida
de que o bloco da farda vai definir partes importantes
da agenda nacional. Ele é mais influente do que o dos
evangélicos, mais abrangente do que o bloco da bala,
mais contundente do que o agrobloco, e de certa for-
ma fiador do bloco dos liberais. E, o mais curioso de
tudo, não se considera um bloco.
Um terço do ministério, além A rigor, não é mesmo. O mito de que os militares têm
um pensamento tão uniforme quanto as manobras que
do presidente e seu vice, vem das fazem em campo é apenas um mito. Basta observar os
Forças Armadas. Como seus exemplos dos dois primeiros presidentes da República.
Os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto
valores e visão de mundo podem eram opostos em personalidade e pensamento políti-

influenciar o novo governo co. Floriano foi vice-presidente de Deodoro concorren-


do por uma chapa rival, da mesma forma que João
DAVID COHEN Goulart foi vice de Jânio Quadros tendo uma platafor-

76 | www.exame.com
Escola de nigna, a convicção amplamente majoritária de que não
sargentos: devem se arrogar a administrar o país. Pelo menos não
ética do
coletivo como instituição. Mas, depois de passar anos retraídos,
acima do muitos militares acreditam que devem prestar serviços
individual fora de suas bases. Como disse o general Augusto He-
leno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional
(GSI), em entrevista à Globonews: “O regime militar
fez o Brasil esquecer o que se investe em nossa forma-
ção. Eu, por exemplo, passei 20 dos meus 45 anos de
serviço estudando o país. Não usar isso é um desper-
dício”. Ainda mais considerando que as universidades
militares são polos de excelência.
Em linhas gerais, portanto, os militares que ocupam
postos no governo Bolsonaro estão lá como indivíduos,
não como representantes das Forças Armadas. O ge-
neral Heleno vai mais longe: “Não acredito nessa his-
tória de sociedade civil e sociedade militar; existe só
uma sociedade, que é a brasileira”. Aí já é um exagero.
As Forças Armadas brasileiras alimentam-se de recru-
tas provenientes principalmente da classe média bai-
xa. Mais do que isso, o índice de endogenia é alto: um
elevado número de oficiais tem parentes militares. A
partir dessa base mais homogênea do que o universo
da sociedade em geral, acrescenta-se a doutrinação de
uma ética que o cientista político americano Samuel
Huntington, no livro O Soldado e o Estado, de 1957, cha-
mou de “realismo conservador”.
Segundo Huntington, o militar vai sempre colocar
o bem comum acima dos interesses do indivíduo. Ele
acredita que o ser humano é essencialmente mau e por
isso há sempre ameaças à nação, mesmo se não forem
imediatamente visíveis. O profissional militar deve
estar sempre pronto para o inevitável conflito — em-
ma antagônica à dele. Também no regime militar im- bora nunca se sinta devidamente preparado. E, apesar
posto em 1964 os dois primeiros presidentes coman- de reconhecer a inevitabilidade da guerra, prefere
davam campos opostos: Castello Branco pretendia evitá-la, porque conhece seus horrores. “A ética militar
devolver o poder aos civis, Costa e Silva abriu o cami- é então pessimista, coletivista, orientada ao poder,
nho para o endurecimento do regime. Na oficialidade nacionalista, militarista, pacifista e instrumentalista
como um todo, havia divisões profundas. “Basta dizer em sua visão da própria profissão.”
que o setor proporcionalmente mais atingido por cas- Isso é impresso nos militares pela convivência e por
sações a partir de 1964 foi o das Forças Armadas”, diz uma formação continuada. “Quando um médico faz
o historiador Boris Fausto. Nas três armas, mais de 400 seu juramento de Hipócrates, o compromisso fica mais
oficiais foram passados à reserva, incluindo 24 dos 91 a cargo de cada um”, diz o general Bassoli. “O grupo
generais na época, segundo o jornalista Elio Gaspari não está cobrando dele o tempo todo. Nas Forças Ar-
no livro A Ditadura Envergonhada. madas, sim. No dia a dia, no contato permanente com
Quem acredita que os militares pensam em bloco a tropa, nós reforçamos a coesão, o espírito de corpo.”
esquece de uma óbvia realidade. “O Exército não vem Os dois pilares da vida militar são hierarquia e disci-
de Marte, vem da sociedade brasileira”, diz o general plina. Sobre eles se erguem amor à pátria, honra, ho-
Douglas Bassoli, um disseminador dos valores do Exér- nestidade, lealdade, espírito de sacrifício, preservação
cito, lotado neste novo governo no Ministério da Defe- da natureza… Com esse conjunto de valores, é quase
sa. Dito isso, também é verdade que ninguém passa natural que os militares olhem a sociedade civil como
incólume pela experiência do serviço militar, que in- uma estrutura aquém do desejado, uma “bagunça”.
cute percepções e valores muito particulares em seus Como escreveu o cientista político americano Alfred
integrantes. E a própria experiência de 21 anos no poder Stepan em Os Militares na Política, de 1975, apesar de
deixou sequelas nas Forças Armadas. Uma delas, be- pertencerem à classe média, os oficiais brasileiros

23 de janeiro de 2019 | 77
ESPECIAL | GOVERNO BOLSONARO

atribuem a si mesmos a característica de “estrato des-


vinculado, relativamente sem classe, que resume em si
todos os interesses sociais”. Vários autores enfatizam
que os militares veem a si próprios como uma organiza-
ção com valores melhores e comportamento social mais
adequado do que a sociedade civil.
“Nós, brasileiros, fomos deixando de lado alguns valo-
res importantes”, diz o general Bassoli. “Alguma coisa
aconteceu que fomos perdendo as características de as-
sumir e cumprir compromissos, de submeter a vontade
individual à vontade coletiva.” Por isso, há uma tentação
de atuar, se não como organização, como indivíduo. Para
além de seu preparo técnico, eles trazem para a vida civil
uma certa forma de pensar e agir. Ela é baseada na meri-
tocracia, mas num tipo especial de meritocracia — imó-
vel. Na vida civil, o aluno mais brilhante de uma classe
terá uma boa lembrança desse fato em seu boletim, e
pouco mais. Para os militares, a classificação na turma é
escrita em pedra, vale para a vida toda. Dita as promoções,
equivale a uma “antiguidade” em relação aos companhei-
ros. E antiguidade significa ascendência.
Uma das críticas em relação à atuação dos militares é
que a disciplina seria contrária à arte de negociar, tão
crucial na política. Não é bem assim. No campo de bata-
DIVULGAÇÃO

lha, o soldado tem de cumprir ordens sem questiona-


mento, porque o tempo gasto em dúvidas pode ser fatal.

As Forças Armadas aproximaram-se do credo liberal.


Mas há ruídos. Os liberais creem no individualismo e pregam
que o progresso só é atingido com certo grau de desordem

Mas, na formação dos oficiais, a discussão é estimulada. conta da complexidade. Leirner também enxerga a bata-
“Nos níveis mais altos, trazemos mais gente para anali- lha pela mente dos cidadãos, o que valeu a Bolsonaro a
sar a situação, mais dados”, diz Bassoli. “Nossos métodos Presidência, como uma extensão das operações psicoló-
de análise são inclusive usados em empresas, porque gicas que as Forças Armadas passaram a considerar des-
ritualizam as negociações.” O caminho inverso também de os anos 60. “É o que hoje está se chamando de guerra
é trilhado. “Nós trazemos muitas novidades do meio híbrida, o uso de movimentos e pautas, especialmente
empresarial para o militar. O Exército se considera uma identitárias”, para conquistar posições.
organização que aprende.” Essas posições tendem a ser conservadoras. “Hoje, as
Há, porém, algumas limitações. Primeiro, de ordem ideias que a gente prega, para manter a tradição, estão mais
moral. O militar que se rende a negociatas é considerado no campo da direita. Por causa do interesse do conjunto,
indigno da farda que veste. Mas também de postura. “A da liberdade… Isso não quer dizer que ideias de esquerda
visão militar se funda em dicotomias”, diz o antropólogo sejam tolhidas. De jeito nenhum”, diz o general Bassoli.
Piero Leirner, professor assistente na Universidade Fede- Não são tolhidas, mas, como diz Boris Fausto, “as diferen-
ral de São Carlos, estudioso de hierarquias militares. “O ças políticas são muito menores do que no passado”.
universo se funda numa dicotomia entre valores militares A própria conversão do presidente Jair Bolsonaro ao
e valores paisanos, organização militar e desorganização credo liberal, há quem a atribua a uma mudança de pos-
paisana.” O mundo, segundo ele, é tratado como uma tura dos militares. A Academia Militar das Agulhas Ne-
“hierarquia de dicotomias”. A visão dualista, dividida gras já teve um viés nacional-desenvolvimentista. Mas
entre certo e errado, bom e ruim, é insuficiente para dar a doutrina vem mudando. Houve uma revisão da orien-

78 | www.exame.com
Treinamento na Academia Militar
das Agulhas Negras: uma doutrina
“mais no campo da direita”

Laboratório do Instituto
GERMANO LÜDERS

Tecnológico de Aeronáutica:
excelência na formação

tação estatista, que aos poucos passou a ser identificada que a sociedade esteja mais bem servida quando cada um
como a agenda do Partido dos Trabalhadores. Tanto que, persegue seus interesses individuais, e não quando todos
em abril do ano passado, o general Maynard Marques agem pensando no bem coletivo. Não são valores com-
de Santa Rosa, exonerado no governo Lula por ter escri- pletamente opostos. “O interesse individual honesto,
to uma carta contra a Comissão da Verdade (que inves- visando ao crescimento, é ótimo”, diz o general Bassoli.
tigou abusos durante a ditadura) e recentemente nomea- “Mas são visões diferentes, sem dúvida.”
do para a Secretaria de Assuntos Estratégicos, proferiu Do bloco militar pode-se esperar, portanto, que cada
uma palestra enumerando as prioridades para o Brasil medida liberalizante tenha de passar pelo crivo dos in-
— muito semelhantes à pauta que Bolsonaro está ado- teresses nacionais — da privatização da Embraer à de-
tando: redução do Estado, tornar mais flexíveis as leis marcação de terras indígenas. Esses “interesses nacio-
trabalhistas, ênfase no ensino técnico e “desideologiza- nais” não podem ser determinados a não ser por alguma
do”, mais poder de repressão à violência, desenvolvi- ideologia — tão enraizada que se considera “desideolo-
mento da Amazônia e, mais para a frente, uma revisão gizada”. As Forças Armadas, enquanto instituições, es-
constitucional. Para esta última prioridade, Santa Rosa tão alheias a esse processo. A disposição dos militares
admite não haver clima agora, portanto prega uma — enquanto indivíduos — em participar da vida políti-
“campanha psicológica de longo curso”. ca é saudável, pelo nível técnico e pela inspiração. “Ima-
Se é verdade que as Forças Armadas deram uma gui- gine o que nós poderíamos realizar se seguíssemos o
nada rumo ao liberalismo (na economia), torna-se menos exemplo de desprendimento e eficiência de nossas tro-
provável que o presidente recolha o apoio que tem dado pas”, disse o ex-presidente americano Barack Obama,
ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Porém, isso não em discurso sobre o estado da nação em 2012. Mas há
significa que a conversão não tenha ruídos. A começar algum risco. De acordo com a Teoria da Concordância,
pelo lema da pátria, tão caro aos militares. “Ordem e pro- da cientista política Rebecca Schiff, professora na Uni-
gresso” é um credo positivista, ainda caro às Forças Ar- versidade de Michigan, um dos principais requisitos
madas, mas hoje se supõe que o progresso só é atingido para a manutenção das boas relações entre civis e mili-
com certo grau de desordem — a bagunça produzida tares é que o papel das Forças Armadas não se expanda
pelo dinamismo criativo, a quebra de regras promovida para áreas de responsabilidade previamente ocupadas
pela inovação. O liberalismo clássico também pressupõe por civis. Nisso o Brasil está mudando. Q

23 de janeiro de 2019 | 79
EXAME VIP
EDIÇÃO IVAN PADILLA
ivan.padilla@abril.com.br
LIU JIE XINHUA/EYEVINE/GLOW IMAGES

TECNOLOGIA

UM SER ANALÓGICO
PERDIDO ENTRE OS BYTES
A feira CES como exercício de evolução da espécie CHICO BARBOSA, DE LAS VEGAS
80 | www.exame.com
A nova TV da ra tal empreitada. Voltei a lembrá-lo de gar errado — e não por causa do local,
LG: com até que minha praia eram carros, diversão claro, mas dos habitantes. Crachás pen-
65 polegadas, ao volante, estradas, estilo de vida mes- durados no pescoço de executivos dos
pode ser
enrolada mo, tendo a máquina como companhia. quatro cantos do mundo balançavam de
como um Que achava que meu melhor estava em um lado para o outro, indicando que se
pôster descrever experiências, coisa e tal. Que tratava, mesmo, de uma feira de negó-
não era um sujeito tecnológico. E emen- cios internacional, e não de uma mostra
dei com o argumento que eu acreditava concebida na medida para encantar os
ser realmente imbatível: geeks. Onde estavam os painéis, as luzes,
— Pô, sou um ser analógico, professor. as invencionices, as disrupturas, a tão
Ao que ele respondeu: comentada futurologia que a mídia se
— Pronto, já temos a pauta. Boa viagem! delicia em divulgar? Ansiedade de ama-
O bom cabrito não berra. Dias depois, dor. Precisaria andar mais para ser aten-
estava eu lá, me sentindo um marinhei- dido. Até que encontrei um estande
ro de primeira viagem, vejam só, depois alinhado com minhas expectativas, di-

A tecnologia
I2V, da Nissan:
o motorista
DIVULGAÇÃO

antecipa o que
vai acontecer

de inúmeros salões do automóvel cober- gamos, clichê: engenhoso, reluzente,


tos mundo afora. Já incorporando o no- enigmático, emitia ineditismo no ar. Ok,
vo papel, pensava com meus botões ok, não chegava a ser uma Las Vegas
como era inegável a expectativa crescen- Strip, o emblemático trecho da Las Vegas
te de atravessar o portão que dá acesso à Boulevard onde se concentra a maioria
Consumer Eletronic Show, mais conhe- dos colossais hotéis e casinos da cidade.
cida como CES, aquela que, se não for a Mas tinha lá seu brilho.
mais importante, certamente é a mais Olhei para o alto, o logo da Nissan
— TEM CERTEZA DE QUE EU SOU A PESSOA midiática mostra de tecnologia do mun- anunciava quem era o dono do pedaço.
MAIS INDICADA? — assim respondi a meu do. Sediada em Las Vegas, a espetaculo- Uma voz anunciava que, em instantes,
editor, tentando demovê-lo de uma pro- sa cidade americana onde (quase) tudo seria apresentada a grande novidade,
posta que ele acabara de receber e me é permitido, grandiosa e visualmente que, pelos cenários e pela tela de 360
repassava por telefone: inebriante, a exposição, por associação graus, ganharia ares de show. Esperei,
— Temos uma oportunidade de cobrir de ideias e de sentidos, já é cercada de claro, feliz como um Mr. Bean quando
a CES. O que você acha de ir? sedução antes mesmo de acontecer. Co- se dá bem em alguma traquinagem. A
Claro que eu sabia que, naquela per- mecei a me animar mais. grande atração era um tal de Invisible-
gunta, havia a afirmação “eu gostaria de Não por outro motivo, tão logo che- -to-Visible (I2V, ou “Invisível para Visí-
que você fosse”. Daí minha preocupação guei, por coincidência diretamente ao vel”), acessível por meio de óculos 3D.
em avaliar se ele tinha segurança de que setor dedicado aos carros (Freud expli- Não precisei ser nenhum expert em
eu, Chi-co Bar-bo-sa, estava talhado pa- ca…), pensei que tivesse entrado no lu- bytes para decifrar o enigma. Em uma

23 de janeiro de 2019 | 81
EXAME VIP

deixar claro que sabia o que representa-


va estar naquela meca da tecnologia, o
modelo, cujo destaque é o estilo, tam-
bém se gabou de oferecer uma solução
real, que, evidentemente, nasceu em um
dia qualquer como sendo coisa do futu-
ro: um sistema de inteligência artificial
que não só interage com o motorista por
meio de voz como também é capaz de
reconhecer gestos. Imagino uma manei-
ROBERT HANASHIRO/SIPA USA/FOTOARENA

ra de pifar o equipamento: o condutor


A lavadora fazer o famoso gestual italiano.
ecológica Tetra Eu sei, eu sei: a CES tem graça quando
e o alimentador assume a radicalização. E, nesse quesito,
de gatos a mostra encantou mais quem circulou
Mookkie, que
reconhece a face: entre os pavilhões de eletroeletrônicos,
futurismos computadores, acessórios, gadgets em

frase de efeito, a proposta da montadora


japonesa era fazer o motorista “enxergar
o invisível”, mesclando, para isso, o
mundo real e o virtual.
É tão fácil de entender que até eu me
sinto à vontade para explicar. Grosso
modo, o sistema se vale de sensores do
carro e dos dados armazenados na nu-
vem para rastrear o entorno e antecipar
o que ocorre longe dos olhos do condu-
tor ou antes mesmo de acontecer. As-
sim, é possível saber se, ao virar a esqui-
na, o veículo vai deparar com um pedes-

ROBYN BECK/AFP PHOTO


tre atravessando a rua ou mesmo checar
se existe uma vaga em um estaciona-
mento sem precisar entrar.
A ideia era original. Dando mais vida
e interação à experiência, essas orienta-
ções são transmitidas por um avatar
dentro do automóvel. Atento, esse “ser” presas poderiam ser reveladas em meio geral e afins. Ali, atendentes mostra-
também monitora o motorista, identi- àqueles estandes pouco atraentes visual- vam aparelhos como máquinas de lavar
ficando padrões de comportamento mente. Notei ser significativo o número que funcionam com meio galão de água
para antecipar se ele precisa de ajuda ou de montadoras na CES, apresentando, e podem ser comandadas pela Siri ou
mesmo de um convite para tomar um basicamente, como é de esperar, aplica- pela Alexa e outras traquitanas diverti-
café para continuar atento. Está achan- tivos para os carros do futuro. Ao lado da das e não exatamente de primeira ne-
do tudo muito impessoal? É só recorrer Nissan, foi o caso de Audi, Hyundai, cessidade, como uma TV de até 65 po-
ao recurso para solicitar que alguém BMW, Kia, Ford, Mercedes-Benz… ops, legadas que pode ser enrolada como um
familiar apareça como avatar tridimen- com a Mercedes não foi bem assim… pôster, cápsulas de cerveja, alimenta-
sional e em realidade aumentada. Está A montadora estrelada alemã marcou dores de gatos com detector facial (são
achando o tempo chuvoso lá fora depri- presença da maneira analógica que co- exemplos reais, sim). Aí, sim, foi possí-
mente? É só projetar internamente o nhecemos. Ufa! Lançou a nova geração vel sentir a presença do futuro, como se
cenário de um dia ensolarado e se ima- do mezzo cupê, mezzo sedã CLA, numa a noite de Las Vegas invadisse o recinto
ginar indo para uma idílica praia. demonstração de que a CES foi mais e o show tivesse de continuar.
Aprendi direitinho, envaideci-me. estratégica para seu lançamento do que Voltei me sentindo não mais um ho-
Saí dali mais receptivo ao mundo tec- o desprestigiado Salão de Detroit, que mem pré-tecnológico, mas um ser em
nológico, rastreando quais outras sur- ocorreria na semana seguinte. E, para evolução da espécie analógica. Q

82 | www.exame.com
CULTURA

O crime compensa
Personagens à margem da lei nas telas e nas páginas —
e de quebra a cinebiografia do ex-vice-presidente americano Dick Cheney
MARCELO OROZCO
DIVULGAÇÃO

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DIVULGAÇÃO

DIVULGAÇÃO
FILME FILME SÉRIE LIVRO

Coadjuvante Cotidiano Retorno Aula de


do poder sensível à forma entretenimento
Em tempos de polarização, Como em seu trabalho an- O seriado True Detective foi Se existe um marco zero
o filme Vice — cinebiogra- terior, Moonlight: Sob a Luz muito celebrado em sua para o atual prestígio dos
fia de Dick Cheney, vice- do Luar (vencedor de três primeira temporada, em seriados de TV é A Família
-presidente dos Estados Oscar em 2017, incluindo o 2014, e destruído pela crí- Soprano, sobre mafiosos de
Unidos nos mandatos de de melhor filme), o diretor tica e por fãs na segunda, Nova Jersey. Desde sua es-
George W. Bush — foi alvo Barry Jenkins apresenta em 2015. A produção en- treia, em janeiro de 1999, na
de fogo cruzado. A mídia um drama sensível da co- trou em pausa para se HBO americana, abriu es-
americana teve reações de munidade afro-americana reor ganizar. Foi bom. A paço para tramas mais inte-
amor e ódio. De um lado, em Se a Rua Beale Falasse. terceira temporada chega ligentes e fotografias cine-
aplausos por humanizar É cotado para o Oscar e já avaliada como um retorno matográficas. E estimulou
alguém que teve influência venceu um Golden Globe à boa forma inicial. Um no- a mania por séries, que
em três governos republi- (de melhor atriz coadju- vo par de detetives assume evoluiu até as atuais mara-
canos (Nixon, Ford e W. vante para Regina King). O a trama, com Mahershala tonas no streaming. Em
Bush). De outro, acusações roteiro é baseado em uma Ali (Oscar de melhor ator comemoração ao 20o ani-
de que o longa suaviza um obra de um gigante da lite- coadjuvante em 2017 por versário, sai nos Estados
crápula. Christian Bale está ratura do século 20, James Moonlight) como protago- Unidos o livro The Sopranos
irretocável como Cheney e Baldwin, um batalhador nista e Stephen Dorff como Sessions, dos críticos Matt
venceu o Golden Globe de pelos direitos civis. A his- parceiro de investigações. Zoller Seitz e Alan Sepin-
melhor ator, curiosamente tória fala de dois amigos de Serão oito episódios sema- wall. Eles dissecam episó-
na categoria musical ou infância que começam a nais. A estreia no Brasil, dios e entrevistam o cria-
comédia, enquanto o prê- namorar na vida adulta, com a exibição dos dois dor, David Chase — que,
mio de drama ficou com até que o homem é acusa- primeiros, foi no dia 14 de num ato falho, revela o des-
Rami Malek, o Freddie do de um crime. O livro janeiro, no canal por assi- tino que deu ao persona-
Mercury em Bohemian homônimo foi publicado natura HBO e na platafor- gem Tony Soprano, que o
Rhapsody. No Oscar, se em 1974. Agora a Compa- ma de streaming HBO Go. episódio final deixou no ar.
confirmadas as indicações, nhia das Letras lança a edi-
os dois devem competir. ção brasileira (R$ 49,90). TRUE DETECTIVE THE SOPRANOS
(3a TEMPORADA) SESSIONS
VICE SE A RUA BEALE FALASSE HBO (TV) e HBO Go (streaming) De Matt Zoller Seitz
Direção de Adam McKay Direção de Barry Jenkins 8 episódios em e Alan Sepinwall
Estreia em 31/1 Estreia em 24/1 janeiro e fevereiro US$ 30 (Amazon.com)

23 de janeiro de 2019 | 85
EXAME VIP

BELEZA

O PERFUME É O
NOVO VINHO
Aprendemos, com o tempo,
a diferenciar um cabernet sauvignon
de um tannat. Agora os consumidores
estão começando a identificar
os diferentes tipos de fragrância
CLÁUDIA DE CASTRO LIMA

HOUVE UMA ÉPOCA, E NÃO ESTAMOS FA-


LANDO DE MUITO TEMPO atrás, em que
escolhíamos vinho como compramos
água: bastava estar em um garrafão de
5 litros ou em uma garrafa azul que já os dias. Isso impulsiona uma busca autódromo, da casa da bisavó no inte-
ia para nossa mesa. Essa história mu- constante por autenticidade, qualidade, rior, de uma doceria à moda antiga. Para
dou muito de cerca de 30 anos para cá. desempenho, o que eleva o nível para a isso, os pesquisadores usam um apare-
Hoje, não só aprendemos a diferenciar maioria dos perfumistas. Os bons e ve- lho dotado de uma técnica chamada
um cabernet sauvignon de um tannat lhos tempos em que apenas se lançava headspace, capaz de captar o odor de
como sabemos a procedência, temos uma nova fragrância com um produto determinado ambiente. Ele tem espécies
nossas preferências e usamos palavras médio e muito marketing acabaram.” de cotonetes que “absorvem” as molé-
como terroir sem parecer (muito) pe- A criação de um perfume é quase uma culas responsáveis pela produção de
dantes. O mercado agora sinaliza que alquimia. “O perfumista trabalha com odores do local, as quais depois são de-
outro produto está seguindo o mesmo uma paleta com cerca de 3 000 ingre- cifradas por máquinas — assim, o cheiro
caminho: o perfume. dientes, uma parte natural e outra sin- pode ser reproduzido artificialmente.
“A indústria de fragrâncias passou por tética”, afirma Jean Bueno, gerente de O processo de entendimento da com-
uma revolução, impulsionada por um perfumaria de O Boticário. “O processo plexidade de um perfume e o refina-
cliente mais curioso, bem-educado e de desenvolvimento de uma fragrância mento do consumidor têm, segundo
criterioso”, diz o venezuelano Luis Mi- começa como uma tela em branco, em Bueno, aumentado de alguns anos para
guel Gonzalez Sebastiani, gerente global que o artista vai misturando as cores. cá. “Passamos agora por um momento
de perfumes da marca Bulgari. “A abun- Um só produto tem de 50 a 400 ingre- de sofisticação do mercado. Antes, usa-
dância de informações, agora disponí- dientes.” Alguns perfumes são tão espe- vam-se muito splash, água de colônia,
veis nas pontas dos dedos, permite que cíficos que, para sua formulação, é pre- lavanda — era tudo muito básico. O que
nossos clientes aprendam, troquem, ciso criar um aroma totalmente etéreo: o consumidor procurava era o cheiro de
compartilhem e classifiquem o tipo de cheiro de uma tarde de verão no Medi- pós-banho. Hoje é diferente. Existe uma
perfumaria a que estão expostos todos terrâneo, de combustível queimado no preocupação maior com a qualidade. Os

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DIVULGAÇÃO

O bê-á-bá
da perfumaria
As principais famílias
olfativas para você
virar um connoisseur
Cítrica/aromática: composta de fra-
grâncias leves, refrescantes e energéti-
cas, com notas cítricas (limão, tangeri-
na, laranja, lima) ou ervas aromáticas
(tomilho, sálvia, menta, alecrim, anis).
Lavanda: combina notas de flores de
lavanda, gerânio e musk. É mais fresca,
alegre e vibrante.
Floral: é a mais importante das famílias
olfativas femininas. As fragrâncias são
envolventes e transmitem feminilidade
e delicadeza. Essa família pode se dividir
DIVULGAÇÃO

em subtipos — fresco, bouquet, frutal


ou ambarado, por exemplo.
Oriental: tem notas intensas que lem-
Flor de jasmim, ingrediente do perfume Goldea
The Roman Night Absolute, da Bulgari, e o gerente
bram os cheiros do Oriente (como resi-
da marca, Luis Miguel Sebastiani: cuidados nas adocicadas, bálsamos da Arábia e
com um público final cada vez mais exigente especiarias da Índia) ou notas animáli-
cas (como âmbar, almíscar e civete),
associadas ao sândalo e à baunilha.

ingredientes e os processos tornam-se do”, diz o perfumista Isaac Sinclair, da Floriental: combina o bouquet floral
únicos em cada produto.” casa de perfumaria Symrise. Uma prá- com a sensualidade das fragrâncias
O mercado global de perfumes movi- tica da empresa brasileira bastante re- orientais. Pode se dividir em subtipos,
mentou 49,4 bilhões de dólares em 2017, conhecida foi o reflorestamento da zona
como frutal, amadeirado ou gourmand.
segundo a consultoria Euromonitor. rural de Abaetetuba, no nordeste do Chypre: marcantes, suas fragrâncias
Em 2013, foram 41 bilhões. E, para 2020, Pará. Antes tomada por pastagens de- resultam de uma combinação de madei-
a projeção é de 53,7 bilhões. Segundo gradadas, resultado das queimadas en- ras e musgos.
Bueno, o crescimento se deve ao maior tre as safras de cana-de-açúcar, a região
Fougère: nasceu de uma mistura de la-
conhecimento por parte do consumi- agora concentra plantações de espécies
vanda, gerânio e cumarina (do perfume
dor. “Há alguns anos o consumidor pro- como andiroba, murumuru e ucuuba, Fougère Royale, de 1882) e evoluiu com
curava um perfume suave, doce ou cultivadas pela população local e usadas notas frescas, cítricas, herbais, florais e
amadeirado. Hoje, existe cliente que como matéria-prima de cosméticos. frutais. É a mais expressiva das famílias
pede determinado ingrediente. Ele sabe A Bulgari lançou recentemente sua masculinas. Pode se dividir em fresco,
a diferença entre eau de toilette e eau de fragrância mais ecologicamente corre- aromático, amadeirado e ambarado.
parfum e questiona a dosagem.” ta, a Man Wood Essence, com fornece-
Uma questão que ganha cada vez mais dores de matéria-prima sustentável.
Amadeirada: inicialmente considerada
uma subfamília, ganhou espaço com o
peso no mercado de consumo em geral “Selecionamos com critério nossos
crescimento do mercado. Suas fragrân-
diz respeito à sustentabilidade. “As mar- parceiros, colocando o ecodesign, a sus-
cias, baseadas em madeiras clássicas,
cas de cosméticos estão, como conse- tentabilidade e a responsabilidade so-
como vetiver, sândalo e cedro, viraram
quência, cada vez mais preocupadas com cial como prioridades”, diz Sebastiani.
clássicos do mercado masculino.
isso. A Natura, por exemplo, está entre É uma evidência de que fragrância boa
as empresas mais sustentáveis do mun- não se reconhece apenas pelo nariz. Q

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EXAME VIP

ROBERT DEUTSCH/REUTERS

ESTILO

BOLA FORA
Como o tênis virou um esporte fashionista — e, ao mesmo tempo,
um dos mais opressores para as mulheres PEDRO DINIZ

NO UNIVERSO DE POSSIBILIDADES DA MO- topher Bailey, ex-Burberry, e Virgil va, suas escolhas parecem ser feitas
DA ESPORTIVA, de onde parte a maioria Abloh — que criou para ela uma roupa para desafiar os padrões engessados
das inovações de tecidos tecnológicos, de um ombro só combinada a um tutu dos campeonatos.
o tênis é uma das modalidades com de bailarina, usada no último Aberto O controverso macacão que a Nike
viés de estilo mais aflorado. Saias cur- dos Estados Unidos, em agosto —, Sere- criou para Serena é apenas a ponta de
tas, tops, listras, cintos coloridos e fai- na coleciona tanto looks quanto títulos. lança de uma discussão sobre os códi-
xas de cabeça vêm e vão ao sabor das Lavanda, vermelho, preto e, claro, gos do esporte glamoroso, que encontra
tendências — e não é de agora. branco estão na cartela cromática da agora no Aberto da Austrália, iniciado
Nesse lado da quadra, a americana tenista. Neste início de temporada, ela em 14 de janeiro com duração até o dia
Serena Williams, de 37 anos, recordista tem repetido o tutu preto de Abloh e 27, sua maior passarela. Concebido co-
em títulos de Grand Slam com 23 con- usou um conjunto rosa de sua patroci- mo um acessório terapêutico para me-
quistas, é também uma campeã. Hoje a nadora, a Nike, com uma tela vazada lhorar a circulação da tenista prejudi-
tenista mais próxima da indústria da do tronco às coxas. Mais do que levar cada por problemas adquiridos no pós-
moda, amiga de estilistas como Chris- outro senso de moda à prática esporti- -parto, o conjunto, batizado de “roupa

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Serena Williams no Aberto
dos Esta dos Unidos, no ano
passado: uniforme criado
por Virgil Abloh

de Wakanda” em referência ao filme


Pantera Negra, foi proibido pela Fede-
ração Francesa de Tênis por suposta-
mente desrespeitar a cartilha de vesti-
mentas do torneio.
Não é a primeira vez que isso acon-
tece. No auge da luta feminina por
igualdade de salários nas quadras em
1970, um grupo batizado Virginia Slims,
formado por nove tenistas de ponta,
entre elas Billie Jean King, Judy Dalton
e Kristy Pigeon, contratou o estilista
Ted Tinling para vesti-las nos campeo-
natos. Entre os mais de 1 000 looks de-
senhados por ele, um short de renda
SYDNEY O’MEARA/EVENING STANDARD/GETTY IMAGES

colocado por baixo de uma saia curta


escandalizou o mundo restritivo dos
Slams, que permitia até então apenas
saias longas para elas. Wimbledon, na
Inglaterra, já havia chiado com a ousa-
dia na vestimenta em 1949, quando A brasleira Maria
baniu a tesoura do estilista e passou a Esther Bueno, no
início dos anos 60,
instituir uma política de punho de fer-
e Ted Tinling: ousadia
ro no armário feminino. e quebra de padrões
Nenhum circuito conseguiu, porém,
fazer sombra à genialidade do designer,
que chegou a criar um vestido de plás-
tico para a paulistana Maria Esther empresa com o atleta propiciou uma
Bueno, considerada a maior atleta bra- revolução no uniforme do tênis com-
sileira da história, com 19 Grand Slams parável ao lançamento da camiseta
conquistados e algumas dezenas de polo de René Lacoste em 1933.
looks de Tinling no currículo. Aí reside a contradição do esporte. A
Avesso ao monocromatismo, Tinling eles é permitida a evolução dos costu-
instituiu cores, recortes transversais e mes. A elas, o conformismo e, em al-
comprimentos desconcertantes para a guns casos, até mesmo punições.
época. A bem da verdade, o feito do es- No Aberto dos Estados Unidos em
tilista foi ter transposto para o guarda- agosto do ano passado, a tenista fran-
-roupa das mulheres o que já acontecia cesa Alize Cornet foi advertida pelo juiz
no reservado aos homens do esporte. na volta do intervalo porque trocou na
O sueco Bjorn Borg, por exemplo, foi quadra a camisa que estava ao avesso.
o maior fashionista do tênis quando O pedido de desculpas da Federação
TONY DUFFY/ALLSPORT/GETTY IMAGES

passou a usar as combinações de listras Americana de Tênis não diminuiu o


vermelhas nos minishorts com blusas mal-estar geral entre os críticos, que,
azuis criados pela marca italiana Fila, com razão, lembraram ao mundo que
a primeira a se aventurar nas quadras torsos desnudados de Rafael Nadal e
com uma paleta de cores diversa e pa- Novak Djokovic nunca sentiram o api-
drões de moda casuais. A relação da to inquisidor de um juiz. Q

23 de janeiro de 2019 | 89
SETE
PERGUNTAS
PARA MOZART NEVES RAMOS

Os reais desafios
da educação

SILVIA COSTANTI/VALOR/FOLHAPRESS
Rejeitado pela bancada evangélica para o Ministério
da Educação, Mozart Neves Ramos diz que o governo
Bolsonaro pode equacionar o problema do ensino
e garantir que toda criança seja alfabetizada LETÍCIA NAÍSA Mozart Ramos: “Crianças não têm partido e precisam de educação boa”

Na campanha eleitoral, a principal promessa do presidente Jair Uma das promessas de Bolsonaro é o projeto Escola Sem
Bolsonaro para a educação girou em torno da influência ideoló- Partido, que foi arquivado. A ideia perdeu força?
gica nas escolas. A realidade e os números mostram que há pro- Havia a expectativa de que o projeto de lei passasse pela comis-
blemas mais urgentes. Para Mozart Neves Ramos, diretor do são da Câmara no fim de 2018 e fosse votado em plenário neste
Instituto Ayrton Senna, a prioridade deveria ser pôr em prática ano. Mas, como nem sequer saiu da comissão, a princípio perdeu
a base comum curricular, além de ampliar a alfabetização. Co- força. Como o Congresso agora contará com muitos deputados
tado para o Ministério da Educação antes da escolha de Ricardo do PSL, pode ser que o tema volte a ganhar terreno.
Vélez, Ramos falou a EXAME sobre o panorama da educação.
Acredita que o governo mudará a base nacional curricular?
Quais medidas devem ser prioridade na área de educação? Certos pontos da base curricular se chocam com valores de in-
É preciso formar bons professores e elaborar materiais didáticos tegrantes do governo. O que a equipe pode fazer é influenciar
de acordo com a base nacional comum curricular. Também te- na formulação do material didático. No entanto, é importante
mos de melhorar indicadores, com a educação integral e a ado- lembrar que o Estado brasileiro é laico e não pode haver ideolo-
ção de tecnologias adequadas ao mercado de trabalho 4.0. Se o gia política nem religiosa nas escolas. Isso está na Constituição
país quiser ser um protagonista, não pode ter 55% dos alunos do e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
3o ano do ensino fundamental sem saber ler, contar nem escre-
ver. Este governo tem condições de equacionar o problema em O senhor chegou a ser cotado para assumir o Ministério
quatro anos, principalmente se mobilizar o país. Pode fazer o da Educação. Por que não deu certo?
que Lula fez com o Fome Zero e criar o Analfabetismo Zero. Em geral, existe mais de um fator a ser levado em conta na hora
de escolher um ministro. Além da competência técnica, precisa
Como fazer que toda criança de até 7 anos seja alfabetizada? haver apoio dos aliados e ficou claro que a bancada evangélica
É essencial melhorar a gestão em termos de metas, resultados buscava outro perfil. Isso é natural. Mas estou motivado a ajudar
e financiamento. Em 2000, o Brasil investia anualmente 2 100 o ministro Ricardo Vélez e sua equipe, porque crianças e jovens
reais por aluno. Agora, investe 6 300 reais. Triplicamos o inves- não têm partido e precisam de educação boa.
timento e continuamos num patamar baixo de aprendizado.
Nesse sentido, qual é o papel do corpo técnico do Ministério?
Algum projeto serve de modelo para mudar essa situação? Quem opera o dia a dia no Ministério são os funcionários de se-
Existem escolas no interior do Piauí com resultados fabulosos. gundo e terceiro escalão. Esses servidores podem ajudar parte
Já o Ceará avançou porque lá a redistribuição do ICMS não tem da equipe que não tem tanta experiência na área pública. Bolso-
como base só o número de crianças matriculadas, mas, sim, o naro e o ministro Vélez escolheram a educação básica como prio-
total de alunos alfabetizados. Desse modo, o prefeito cobra do ridade, o que eu concordo, mas não podem deixar de reconhecer
secretário de Educação que as crianças sejam alfabetizadas. que as universidades federais precisam de cuidado.

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