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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

INSTITUTO DE ARTES
CURSO DE COMPOSIÇÃO

A VOZ COMO O OBJETO SONORO:


REFLEXÕES SOBRE UMA TIPOMORFOLOGIA DA VOZ

André Teles Alves


André Teles Alves

A VOZ COMO O OBJETO SONORO:


REFLEXÕES TIPOMORFOLÓGICAS DA VOZ

Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de


Bacharelado em Música – Habilitação em Composição
pelo Instituto de Artes da Unesp – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como
requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel.

Orientação: Prof. Dr. Wladimir Farto Cortesini de Matto

São Paulo, 2019


A VOZ COMO O OBJETO SONORO:
REFLEXÕES TIPOMORFOLÓGICAS DA VOZ

Trabalho de Conclusão apresentado ao curso de Bacharelado em Música –


Habilitação em Composição pelo Instituto de Artes da Unesp – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel.

Aprovado em __/__/____

BANCA EXAMINADORA

___________________________________
Prof. Dr. Wladimir Farto Cortesini de Mattos

___________________________________
Prof. Dr. Achille Guido Picchi
Agradeço aos meus pais, por todo apoio, amor e carinho, aos quais terei
gratidão eterna.
Agradeço ao meu orientador Wladimir Mattos, por todo o universo sonoro
vocal que me revelou, além da autonomia e confiança para a realização desta
pesquisa.
Ao professor Flo Menezes, por todo o suporte técnico e estético aos meus
trabalhos realizados no Studio PanAroma.
Aos professores Achille Picchi, Yara Caznok e Alexandre Lunsqui,
essenciais na minha formação e desenvolvimento acadêmico.
E aos amigos e família, Vitor Almeida, Régis Alves, Marina Teles, Gabriela
Maia, Gabriel Lemos, Thommaz Kauffmann, Vitor Djun, Victor Queiroz e
Fernando Gherini, por compartilharem comigo esta caminhada ao longo da
graduação.
RESUMO

O presente trabalho é o resultado de um estudo sobre a voz e seus


elementos sonoros e musicais. Para isso utilizei as teorias de Pierre Schaeffer
sobre o Objeto Sonoro (presentes principalmente no Tratado dos Objetos
Musicais), que relacionam os aspectos da percepção sonora, os componentes
auditivos e os seus modelos pré-concebidos de objeto sonoro, com os sons
produzidos pela voz humana. Foi realizado e gravado um estudo prático sobre a
voz a partir do ponto de vista da Abordagem Articulatória proposta por Wladimir
Mattos (2014), e dos usos da voz descritos e sugeridos pelo compositor e teórico
britânico Trevor Wishart em seu livro On Sonic Art (1985) e pelo compositor e
teórico americano Edward M. Edgerton em seu livro 21st Century Voice (2008).
A partir desses materiais gravados foi construída a peça musical
intitulada “sinal/ruído I”, cujo processo composicional ao mesmo tempo motiva e
ilustra as discussões presentes neste trabalho.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

I. PIERRE SCHAEFFER E O OBJETO SONORO .......................................................... 4

A pesquisa de Pierre Schaeffer ............................................................................ 4


Os critérios tipológicos do objeto sonoro .......................................................... 14
1. Sons Equilibrados ................................................................................. 16
2. Sons Homogêneos ................................................................................ 17
3. Grande nota (W) .................................................................................. 17
4. Trama (T) ............................................................................................. 18
5.Célula (K) .............................................................................................. 18
6. Fragmento (Φ) ..................................................................................... 18
7. Pedal (P) .............................................................................................. 19
8. Échantillon (E) ...................................................................................... 19
9. Acumulação (A) .................................................................................... 20

Os critérios morfológicos do objeto sonoro ...................................................... 22


Massa ...................................................................................................... 22
Timbre Harmônico ................................................................................... 23
Dinâmica ................................................................................................. 24
Grão ........................................................................................................ 24
Allure ....................................................................................................... 25
Perfil Melódico ........................................................................................ 25
Perfil de massa ........................................................................................ 26

II. A VOZ COMO OBJETO SONORO ........................................................................... 29

O objeto sonoro e o envelope silábico .............................................................. 29


A fonoarticulação ............................................................................................. 32
As consoantes ................................................................................................... 34
Consoantes não pulmônicas ............................................................................. 36
As vogais .......................................................................................................... 37
III. UMA TIPOMORFOLOGIA DOS OBJETOS VOCAIS ................................................ 40

Objetos Artificiais ............................................................................................. 80


Breve relato sobre a construção da peça “sinal/ruído I I – Estudo para voz como
Objeto Sonoro” ................................................................................................. 81

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 84

ANEXOS ................................................................................................................... 86
INDICE DE TABELAS E FIGURAS

Tabela 1 - As quatro funções da escuta de Schaeffer ........................................ 8


Tabela 2 - As quatro funções e o circuito da comunicação ...................................
Tabela 3 - TARTYP - Tabela da Recapitulação da Tipologia ........................... 27
Tabela 4 - Tabela dos detalhes da Morfologia ..................................................29
Tabela 5 - Tabela dos detalhes da Morfologia 2 ............................................... 32
Tabela 6 - Tabela do funcionamento do aparelho fonador .............................. 35
Tabela 7 - Tabela das Consoantes do IPA ....................................................... 38

Figura 1..............................................................................................................35
Figura 2................. ............................................................................................ 37
Figura 3 ............................................................................................................. 38
INTRODUÇÃO

A voz é o mais conciso dos veículos da comunicação humana. É


possivelmente o tipo de som que mais cedo o ser humano produz, percebe e
aprende a controlar. Exerce papel fundamental em todas as instâncias gregárias
e culturais, seja na atividade lúdica, na comunicação propriamente dita ou nos
ritos e cerimoniais religiosos. A voz possui uma musicalidade em potencial, pois
lida e controla os parâmetros que a priori também são os musicais: altura,
intensidade, duração e timbre. Como diz Pierre Schaeffer: “a voz é o instrumento
comum a todas as civilizações musicais” (SCHAEFFER apud RUVIARO, 2000,
p.08).
Ao longo da história da música diversos modos de produção vocal se
desenvolveram e engendraram novas formas de criação, execução e fruição
musical expandindo os limites da percepção sonora, e da própria produção vocal
pra muito além da fala cotidiana e da necessidade de comunicação.
A partir do século XX essas práticas e especulações, alinhadas às
vanguardas artísticas, se radicalizaram ainda mais a ponto de transgredir o
papel da vocalidade nas artes plásticas, cênicas, literárias e musicais. Dentre
elas destaca-se a música eletroacústica.
Durante a história da música eletroacústica é possível ver o uso da voz
desde o seu início em obras como Symphonie pour une homme seul (1950)
Pierre Schaeffer & Pierre Henry, Gesang der Jünglinge (1955-56) - Karlheinz
Stockhausen, Thema (Ommagio a Joyce) (1958) e Visage (1961) e em obras
“instrumentais” como Sequenza III e Circles, de Luciano Berio, com um uso ainda
mais aprofundado das experiências vocais durante a produção e nos últimos 50
anos peças como Speech Songs (1973) – Charles Dodge, Requiem (1973) –
Michel Chion, Six Fantasies on a Poem by Thomas Campion (1979) – Paul
Lansky, The Blind Man (1979) – Barry Truax, Mortuos Plango, Vivos Voco (1980)
– Jonathan Harvey, PAN – Laceramento della parola (Ommagio a Trotskij)
(1988) – Flo Menezes e Tongues of Fire (1994) – Trevor Wishart, são exemplos
de peças que correlacionam elementos da voz com outros sons provenientes de
diversos tratamentos eletroacústicos na sua estruturação musical.

1
Partindo das discussões que Pierre Schaeffer traz à tona em sua obra
teórica, investigo a percepção e a criação de “objetos sonoros vocais”, para
utilizá-los na composição de uma peça de minha autoria. Com base nas tabelas
práticas de tipomorfologia presentes no Tratado dos Objetos Musicais de Pierre
Schaeffer, e em referências sobre usos não convencionais da voz como listado
e exemplificado sonoramente no livro On Sonic Art de Trevor Wishart, e no livro
21st Century Voice de Michael Edward Edgerton, proponho relações e
interações entre os sons da fala e seu conteúdo sonoro e musical. Para este
trabalho, foi escolhido um aprofundamento nas primeiras duas operações
schaefferianas, a tipologia e a morfologia, uma vez que trabalharei sobre sons
provenientes uma única voz, com o propósito de abordar especificamente
aspectos relacionados ao espectro sonoro e a relação entre a “voz-objeto” e o
envelope silábico (conforme Mattos, 2014). Por uma questao de escopo escolhi,
portanto, não me estender na transposição integral das propostas reveladas pela
teoria de Schaeffer.
Foram desenvolvidos 50 estudos vocais durante o processo deste
trabalho, que foram usados para construção da peça musical “sinal/ruído I”.
Realizados e gravados no Estúdio Mitra – SP, estes estudos utilizam-se apenas
da minha própria voz, com pouca edição, apenas limpeza básica de ruídos.
Utilizei o software Izotope RX Noise, para edição e análise espectral do material,
e o software Reaper, para a montagem e mixagem da peça.
A primeira parte do trabalho resume a pesquisa de Pierre Schaeffer
contida no Tratado dos Objetos Musicais, sua obra seminal publicada em 1966,
e materiais de apoio teórico, entre eles o Guide des Objets Sonores, de Michel
Chion. Estes, tratam das discussões práticas sobre a escuta, da generalização
dos elementos sonoros presentes em diversas práticas musicais, o
entendimento schaefferiano de objeto sonoro.
A segunda parte aborda a tipologia schaefferiana dos sons e faz um
paralelo entre a percepção silábica e uma percepção sonora mais geral, com
base nas reflexões a partir da Abordagem Articulatória proposta por Wladimir
Mattos (2014). Aqui é tratada com detalhes a tipologia do objeto sonoro, um
primeiro nível de diferenciação dos sons, e os modelos propostos na tabela
recapitulativa da tipologia (TARTYP), conforme proposto por Pierre Schaeffer.
A terceira parte do trabalho aborda um segundo nível da teoria

2
schaefferiana, os aspectos morfológicos dos sons, suas características internas,
em comparação com a fonética articulatória e sons detalhados da fala humana,
partindo de um ponto de vista intrassilábico.
A ultima parte do trabalho traz a generalização destes conceitos e busca
encaixar os materiais vocais gerados nos estudos composicionais, e da própria
composicao da peca “sinal/ruído I”, a uma tipomorfologia da voz. Segue-se um
breve relato da construção da peça. Em anexo, ao final do trabalho, apresenta-
se completo e em sequencia o registro dos estudos para voz realizados durante
a pesquisa.

3
I. PIERRE SCHAEFFER E O OBJETO SONORO

A pesquisa de Pierre Schaeffer

Na introdução do Tratado dos Objetos Musicais, Pierre Schaeffer expõe


três fatos que a música da primeira metade do século XX vinha encarando: novos
modos de estruturação de seu material; novas tecnologias como a gravação e
reprodução; e o contato com músicas de civilizações não ocidentais. Num
período de apenas 50 anos emergiram diversas estéticas que rompiam cada
uma à sua maneira com a tradição: desde Debussy (escala de tons inteiros),
passando por Schöenberg (música dodecafônica), Webern
(Klangfarbenmelodie), Cage (música aleatória), viu-se cada vez mais um
interesse maior nas maneiras de organizar as formas musicais que fossem
distintas das tradicionais. O que antes era apenas calcado no sistema tonal, se
voltava mais para uma abordagem mais ampla dos parâmetros musicais.
As novas tecnologias de gravação, reprodução e criação sonora
permitiam, por um lado, a captação e registro de materiais sonoros e sua
manipulação e, por outro, sua síntese a partir de equipamentos eletrônicos, ou
novos “instrumentos”. Essas possibilidades permitiram o desenvolvimento de
duas correntes estéticas que se contrapunham: a Música Concreta e a Música
Eletrônica. A corrente Concreta pretendia compor música com sons de qualquer
procedência, inclusive os tidos como ruídos, e através do uso da tecnologia
manipulá-los e misturá-los. Já a corrente Eletrônica pretendia criar todo e
qualquer tipo de som a partir do controle absoluto dos seus parâmetros,
apoiando-se na crença que eram apenas três os parâmetros sonoros físicos:
altura, duração e intensidade).
Sobre a etnologia e as músicas de outras civilizações, Schaeffer chama a
atenção para o fato de que a musicologia ocidental não dava conta de abarcar
outras formas de se fazer e ouvir música, e de que os musicólogos por ”estarem
muito confiantes no próprio sistema” acabavam por reduzir “as linguagens
primitivas e exóticas aos termos da música ocidental” (SCHAEFFER, 1993, p.
29).

4
Esses três fatos observados gerariam impasses: o das noções musicais,
das fontes instrumentais, e dos comentários estéticos.
Já não eram apenas as escalas e a tonalidade que vinham se
transformando e expandindo na estruturação da música clássica ocidental, a
própria noção de nota musical, “arquétipo do objeto musical e fundamento de
toda a notação” segundo Schaeffer, “não dava conta da generalidade de certos
objetos musicais utilizados pela maior parte da música africana ou asiática” (
SCHAEFFER, 1993, p.31). Este fato se agrava com os novos meios
tecnológicos: as fontes instrumentais parecem ser agora inesgotáveis, tanto pela
manipulação da performance gravada, como pela criação de novos sons. A
própria presença do músico não sendo mais necessária para audição, ou antes
disso a própria execução de uma peça musical, punha em questão, à época, a
necessidade da existência das orquestras, como Schaeffer mesmo comenta.
Após o contato com outras escutas e culturas, outros modos de se estruturar a
música, fica latente a necessidade de um novo saber teórico-musical, que não
fosse restrito as noções ocidentais tradicionais e que abarcasse todas essas
experiências de uma maneira não centrada na escrita e limitada aos antigos
parâmetros musicais.
Schaeffer, que era também politécnico de formação, havia visto de perto
os grandes avanços tecnológicos e inovações científicias de seu tempo e
compreendia bem o fascínio dos compositores pela utilizacao de métodos
matemáticos e outros métodos científicos na composicao musical. Schaeffer
àquela altura tinha em mente, além do serialismo integral, a Música Eletrônica
(decorrente do serialismo), e a Música Estocástica, abordages que o autor
chama de “músicas a priori”, pelo fato de seus processos composicionais se
centrarem na notação e por disporem de estruturações rigorosamente
calculadas. Para Schaeffer estas abordagens acabariam por “eliminar” o
compositor, e criariam uma música inintelígivel, enfadonha e muito difícil de ser
executada.
Uma das ideias centrais do Tratado dos Objetos Musicais parte daqui: a
não correspondência entre a acústica e a música. A experiência musical não é
redutível a parâmetros físicos medidos por dispositivos. Isso, porém, não quer
dizer que Schaeffer recusa a abordagem científica, mas que entende que
“quando se aborda o som na música é necessário se levar em conta como esse

5
som é escutado e a capacidade do ouvido de estabelecer relações entre esse
material” (ZANGHERI, 2013, p.25).

O termo Música Concreta surge em 1948 para operar uma inversão no


sentido do trabalho musical, ao invés de anotar as ideias musicais pelos
símbolos do solfejo tradicional deveria-se confiar na materialidade do som, na
realização concreta dos instrumentos conhecidos. Não a toa o termo opõe-se à
noção de abstração da linguagem musical tradicional, que teria partido da
evolução da sua notação, como a corrente da Música Eletrônica. Como observa
Carlos Palombini: “[enquanto] a [corrente] eletrônica, para a qual a tecnologia
era, por assim dizer, neutra, uma mera ferramenta para aperfeiçoar a tradição
da música Ocidental, para [a música de] Schaeffer a tecnologia implicava um
novo pensamento.”1.
Posteriormente esse raciocínio levaria os adeptos da música concreta a
extrapolar o material a ser utilizado, expandindo o campo para qualquer som e
efetivando um procedimento composicional próprio, mediante a possibilidade da
gravação, manipulação e reprodução sonora.
Durante os quase vinte anos entre a criação do termo e a publicação do
Tratado dos Objetos Musicais, a música concreta se consolida mais como um
método de pesquisa do que como um compromisso estético, e a evolução dos
conceitos desenvolvidos, principalmente por Schaeffer, culmina na sua ideia de
um novo solfejo, global e totalizante, que abarcaria todo e qualquer som.
Para Schaeffer era necessário realizar uma pesquisa musical
fundamental de maneira interdisciplinar que correlacionasse diferentes áreas do
pensamento e não tomasse nenhum ponto de partida como absoluto, nem as
ciências exatas, nem a música tradicional.

Trata-se, para além das terminologias, das próprias noções e,


para além das noções, das atitudes para com o musical. Assim,
quando se passa dos primeiros enunciados às duas
abordagens: aquela da arte musical e aquela das ciências que
tocam a música (acústica, fisiologia, psicologia experimental,
eletrônica, cibernética, etc.) descobre-se um problema de puro
método, de definição dos objetos do pensamento, de elucidação
dos processos de reflexão, que é [um problema] propriamente

1
“(...) the electronic's, to whom technology was, so to speak, neutral, a mere tool for the
perfecting of Western musical tradition, and Schaeffer's, to whom new technology implied new
thinking” (p. 28, PALOMBINI, 1993).

6
filosófico. (SCHAEFFER, 2002, p. 30 apud ZANGHERI, 2013 p.
28)

Portanto esses objetos do pensamentos necessitariam de um método


próprio para serem alcançados, uma atitude ante ao fenômeno sonoro, descritiva
e sintética. Ou seja, o autor aqui defende uma postura fenomenológica: voltar-
se para o som em si e como ele é percebido. A gravação e reprodução repetida
permite fixar a atenção para seus elementos constituintes, como “colocar o som
sob um microscópio” (SCHAEFFER, 1993, p.39).
Complementar a esse escrutínio dos sons, há a necessidade de se voltar
para a música e entender esse objeto em seu contexto musical, como ele se
articula com outros objetos, em estruturas e linguagens próprias. Todas essas
discussões culminam na busca pelo Objeto Musical: o objeto sonoro dentro de
contextos musicais.
Para a compreensão desse conceito é preciso relacionar algumas ideias
que para Schaeffer são interdependentes e complementares: a escuta
acusmática, as quatro funções da escuta e objeto sonoro.
Acusmático é um conceito que tem origem na escola pitagórica, em que
filósofo se colocava atrás de uma cortina e os discípulos escutavam as lições do
mestre sem se distraírem com sua imagem, afim de se concentrar
prioritariamente nas informações recebidas pela escuta. Logo, a escuta
acusmática é aquela escuta de um som apartado da sua fonte sonora2. À época,
com o advento da gravação e da reprodução de qualquer som por alto falantes,
a lógica é transferida para situação do ouvinte que não mais visualiza a origem
dos sons e com essa dissociação dos sentidos propõe-se uma nova foram de se
ouvir música. Essa noção aponta em direção à ideia de “escuta reduzida”, outro
conceito utilizado por Schaeffer, central na compreensão do “objeto sonoro”, que
será tratado adiante.

No segundo livro do Tratado dos Objetos Musicais, Schaeffer apresenta


as quatro funções da escuta, que são tendências perceptivas presentes no ato
de ouvir e dizem respeito ao grau e qualidade da audição de um som. Schaeffer

2
Esse conceito faria Schaeffer posteriormente denominar Música Acúsmática toda música que
fosse tocada por meios mecânicos, nome corrente até os dias atuiais.

7
apresenta essa proposta da seguinte forma: 1) Escutar; 2) Ouvir; 3) Entender; e
4) Compreender.

1) Escutar – prestar os ouvidos a algo, por intermédio do som chegar ao


emissor, o som como índice;
2) Ouvir – ser atingido pelo som, o nível mais bruto da audição, nunca
deixamos de ouvir;
3) Entender – manifestar a intenção da escuta, selecionar o que se ouve,
qualificar;
4) Compreender – extrair um sentido, um valor, em função de um código
ou linguagem;

4 1
Compreender Escutar

3 2
Entender Ouvir

Tabela 1

Ele as dispõe numa tabela esquemática a fim de evidenciar o que chama


de “circuito da comunicação”, que servirá de base para outras tabelas e
itinerários do método schaefferiano. A numeração aqui tem caráter
classificatório, mas não necessariamente acontece de maneira cronológica, pois
as escutas são interdependentes. Schaeffer expõe na tabela abaixo outros
conceitos complementares ao quadro de funcões da escuta, que aparecem em
pares: abstrato/concreto e objetivo/subjetivo.
E como ressalta Fabrício de Melo:

O termo concreto, neste caso, é utilizado por Schaeffer para se


referir às percepções das potencialidades do próprio som (ouvir)
ou às referências causais contidas no evento sonoro (escutar).
No segundo caso, o som é tratado como índice, quer dizer, é
ligado à fonte sonora, por exemplo quando “escutamos” um
piano. O termo abstrato se refere à escuta pela qual abstraímos
certos aspectos do som (entender) ou às abstrações de uma

8
linguagem qualquer na qual o som é um signo (compreender). O
signo vai além do som em si, dá um sentido ao som, por
exemplo, quando “compreendemos” uma terça menor. (MELO,
2007 p.53)

4. Compreender 1. Escutar

- para mim: signos - para mim: índices


- diante de mim: valores - diante de mim: eventos 1e4
(sentido/linguagem) exteriores (agente-
Objetivos
instrumento)
Emergência de um
conteúdo do som e Emissão do som
referência a comparação
com, noções extra-sonoras

2. Entender 3. Ouvir

- para mim: percepções - para mim: percepções


qualificadas - diante de mim: objeto 2e3
- diante de mim: objeto sonoro bruto Subjetivos
sonoro qualificado

Seleção de certos aspectos Recepção do som


particulares do som

3 e 4: abstratos 1 e 2: concretos

Tabela 2

A atitude metódica necessária para a percepção do objeto sonoro é


decorrente da possibilidade de captação e registro material dos sons. A gravação
e reprodução permite que o mesmo fenômeno sonoro seja percebido diversas
vezes, esgotando-se a curiosidade inicial de suas causas e impondo-se pouco a
pouco à nossa percepção como objeto. À essa escuta específica, em que as
causas físicas do som são irrelevantes, dá-se o nome de escuta reduzida3,.

3
Esta ideia é complementar as noções de redução fenomenológia e da epoché husserliana,
ambas citadas no Tratado dos Objetos Musicais. A epoché, cunhada por Edmund Husserl, é a
suspensão momentânea dos juízos tidos como naturais, para se buscar uma atitude de

9
De acordo com MELO&PALOMBINI (2006, p.03) “Por analogia com a
redução fenomenológica, ele [Schaeffer] chama de escuta reduzida a atitude
através da qual percebemos um som por ele mesmo, como objeto sonoro”,
portanto, sem relacioná-lo com sua proveniência real ou suposta, nem com o
sentido que este sim pode ter em determinados contextos. “Através da escuta
reduzida podemos chegar às qualidades próprias da percepção transcendente e
intersubjetiva do fenômeno sonoro”. (MELO&PALOMBINI, 2006 p.03)
Sobre os tipos de escuta, Schaeffer utiliza-se de pares de conceitos que
se opõe e complementam, para relacioná-los aos quadrantes de sua tabela:

a) Natural e cultural - respectivamente, representam os


quadrantes 1 e 2, 3 e 4. A escuta natural é a ‘tendência prioritária
e primitiva a servir-se do som como informativo do evento [...]. A
tendência aqui é visivelmente para o setor 1 como finalidade, e
pode-se supor um ‘ouvido’ particularmente apurado no setor 2’.
Encontra-se na parte concreta do esquema. A cultural, ao
contrário, é uma escuta ‘menos universal que a precedente – no
sentido de que ela varia de uma coletividade a outra’, e encontra-
se na parte abstrata do esquema. Lembrando que estes signos,
não são necessariamente musicais.

b) Banal e prática - respectivamente, quadrantes 1 e 4, 2 e 3. A


escuta banal é o contrário da escuta prática (especializada),
pouco se ‘utilizando’ dos quadrantes 2 e 3, ou seja, de uma
análise do objeto sonoro em si mesmo. Se prende, sobretudo,
aos signos, aos referenciais exteriores. A escuta prática se atém
mais profundamente às características do objeto sonoro, porém,
este exame é, em grande parte, subjetivo por se valer das
experiências específicas de cada indivíduo. Se de um lado, a
escuta prática é mais direcionada, a banal é mais geral e não
perde o ‘caráter de universalidade e de intuição global’.
(MOREIRA, 2010 p.05)

Para se aprofundar nas definições de objeto sonoro, Schaeffer parte de


definições negativas, afirmando o que o objeto sonoro não é: [a] o objeto sonoro
não é o instrumento que tocou; [b] não é a fita magnética - ou seja, não é o meio
material de armazenamento (fonograma); [c] os mesmos poucos centímetros de
fita magnética podem conter uma quantidade de objetos sonoros diferentes; [d]
o objeto sonoro não é um estado de alma - ou seja, não é subjetivo, particular,
incomunicável e sim objetivo, descritivo, analisável.

investigação ante os fenômenos. Já a redução, do latim reducere (retrair, conduzir de volta),


propõe um retraimento, a “abstenção geral das teses vinculadas à orientação natural” (KANE
apud ZANGHERI, 2013, p.55)

10
O objeto que é percebido através desta intenção, transcende o fluxo
contínuo de infinitos momentos na experiência do fenômeno sonoro, e graças à
nossa capacidade de síntese temos consciência de um objeto uno e idêntico.
Esse objeto transcende também a experiência individual e subjetiva,
percebemos intersubjetivamente o mesmo objeto, a partir da possibilidade de
reconhecer uma unidade em dado recorte da experiencia do fenomeno,
diferentes ouvintes ouviriam o mesmo objeto e o identificariam como o mesmo.

O objecto sonoro define-se como o correlato da escuta reduzida:


não existe em si, mas sim através de uma intenção constitutiva
especifica. É uma unidade sonora percebida na sua matéria,
textura, qualidades e dimensões próprias. Por outro lado,
representa uma percepção global que se mantêm idêntica
através de diferentes escutas; um conjunto organizado que
podemos assimilar a uma “Gestalt” no sentido da psicologia da
forma. (SCHAEFFER, 2007, p.62)

Segundo a Gestalttheorie, a forma é um conjunto que tende a manter


coerentes suas partes, que possui leis próprias, onde a maneira de ser de cada
elemento depende da estrutura do conjunto e o elemento não preexiste do todo,
ou “uma parte num todo é algo diferente dessa mesma parte isolada ou num
outro todo” (SCHAEFFER, 1993, p.249).
Dentro de um contexto musical ou em “cadeias sonoras” o objeto deixaria
de se fazer ouvir em sua individualidade e integraria um valor de conjunto.
Schaeffer chama atenção para o paradoxo de se investigar apenas o objeto
sonoro, que foi o intento inicial dos músicos concretos e talvez revele a maior
dificuldade para eles: criar uma nova linguagem sonora que fosse tão
consistente como a música tradicional ocidental.

Quanto a nós, se pensarmos dever generalizar as normas do


musical, é na condição de limitar a nossa escolha do sonoro
àquilo que chamaremos de objectos convenientes — objectos
mais aptos que os outros para o emprego como objectos
musicais: simples, originais e «memorizáveis», com uma
duração média, logo equilibrados em sentido tipológico, mas não
necessariamente (...) (SCHAEFFER, 2007 p.62)

Schaeffer assume, portanto, que há um certo tipo de Objeto conveniente


ao uso, que possua uma certa coerência e que seja otimizado para ser
combinado. Aqui evocando os critérios psicoacústicos e perceptivos e os

11
relacionando à pesquisa dos físicos acústicos sobre os limiares fisiológicos da
audição, Schaeffer defende que a escuta do objeto sonoro ideal se dá num
campo temporal limitado.
Os sons equilibrados não devem ser “nem demasiadamente elementares,
nem demasiadamente estruturados. Demasiado elementares, eles teriam
tendência de se integrar, por si mesmos, a estruturas mais dignas de
memorização” (SCHAEFFER 1993, p.346). Se demasiado estruturados, estes
objetos estariam a ponto de se decompor em objetos mais elementares. A esse
critério de boa forma se acrescenta um critério de duração: “subentende também
uma duração conveniente: nem muito curta nem muito longa, da ordem da
duração ideal de audição dos objetos” (SCHAEFFER, 1993, p. 347).
O autor mais uma vez se vale de um par de conceitos-guia:
musicalidade/sonoridade para tratar dos aspectos objetivos presentes no objeto
sonoro e sua capacidade de ser posto em relação a outros objetos. A música
tradicional possui um repertório de objetos musicais pré-estabelecidos, e esses
objetos já possuem um jeito de serem utilizados, portanto a musicalidade se
refere aos níveis que o objeto sonoro assume em uma certa estrutura, sua
adaptabilidade, sua pertinência, seu valor.
Schaeffer evoca a relação com o par saussureano4 langue/parole. Para o
linguista langue (língua) seria a dimensão social coletiva e convencional,
enquanto que parole (fala) seria a dimensão individual e subjetiva da língua, que
“viabiliza a língua através da fonação e da articulação vocal” (MELO, 2003, p.80).
A sonoridade, portanto, diz respeito aos elementos mais materiais e individuais
de cada som, sua forma estrutural.

Para arregimentar as percepções do objeto sonoro, classificar os objetos


sonoros e chegar-se aos objetos musicais, o Tratado dos Objetos Musicais
propõe um caminho que se organiza em quatro operações: a tipologia, a
morfologia, a análise e a síntese.
Schaeffer relaciona cada uma das operações com um par de conceitos-
guia. A primeira operação é a tipologia, que se relaciona ao par
articulação/apoio, e separa as cadeias sonoras através da identificação e

4
Ferdinand de Saussure, linguísta e semioticista suiço, é considerado um dos fundadores da
linguística moderna.

12
classificação de unidades menores em tipos (já selecionando objetos
convenientes).
A segunda operação é a morfologia que se aprofunda nos critérios de
percepção sonora e os qualifica, de maneira mais específica, ela aprofunda os
critérios tipológicos para o contexto mais formal do objeto, como ele se
desenvolve no tempo, evocando o par forma/matéria. A forma sendo a estrutura
intrínseca do objeto sonoro, ou seja, sua evolução no tempo. Matéria se refere a
seu conteúdo espectral, a percepção a cada instante dos elementos sonoros.
Aqui o autor separa os Objetos em classes.
Schaeffer também expõe a caracterologia como atividade sintética das
duas primeiras operações: a atribuição de características gerais, combinando os
critérios anteriores e separando os objetos em gêneros.
A terceira operação é a análise, e se relaciona ao par critério/dimensão, e
estabelece valores musicais para os critérios morfológicos, afim de encontrar
paralelos com os antigos parâmetros musicais e estabelecer relações entre os
planos. Estabelece-se aqui a ideia de critério-dimensão, a avaliação dos
parâmetros que levaram a identifica-los e relacioná-los no sentido de localização
e calibre, estruturas do campo perceptivo que podem corresponder a escalas
cardinais ou ordinais com referência nos parâmetros musicais tradicionais de
altura, intensidade e duração. Nesse estágio os sons são divididos em espécies.
A quarta operação é a síntese de estruturas a partir dos objetos
(relacionando-se ao par valor/caráter) que passaram pelas outras operações,
conectar uma teoria das estruturas musicais por meio dos timbres e dos
registros, desta “luteria experimental”, que tenderia a uma música generalizada
e polimorfa.

O presente trabalho se restringe às duas primeiras operações, pois está


focado na tipomorfologia.

13
Os critérios tipológicos do objeto sonoro

Para partir de critérios objetivos que não sejam nem baseados na


causalidade, nem em medidas físicas e que dêem conta de uma generalização
do musical, Schaeffer parte do par “Articulação/Apoio”, para estipular um
primeiro nível de identificação e decupagem de qualquer cadeia sonora em
objetos menores, inspirando-se no nível fonológico da sílaba.
Apoio se refere ao contínuo: elementos do fenômeno sonoro que mantém
uma certa permanência e criam a sensação de unidade. É relativo as frequências
constituintes do objeto sonoro, como na entoação5 das vogais. A articulação diz
respeito ao componente relacionado as consoantes que causam rupturas
sucessivas no apoio das vogais, e se refere ao modo de ataque característico
do som e como ele imprime uma maneira específica de comunicação da energia
sonora.
A “articulação”, ao ser orientada para a linguagem, esforça-se
por caracterizar as consonantes. Negligenciaremos as
consonantes para conferir importância àquilo que chamaremos
a manutenção, a saber: se a energia fornecida no momento da
articulação é comunicada instantaneamente, ou de forma mais
prolongada. Quanto ao “apoio”, a linguagem preocupa-se pouco
em qualificar a entoação; ele liga-se à cor das vogais. Mas nós
negligenciaremos este aspecto do apoio, para estudar apenas a
sua estabilidade em tessitura. (SCHAEFFER, 2007, p.67)

Num nível mais elaborado para a classificação dos tipos, Schaeffer se


aprofunda já em critérios morfológicos (referentes a forma/matéria) e se utiliza
de mais três pares: Massa/Fatura, Duração/Variação e Equilíbrio e Originalidade.

O primeiro par se refere respectivamente a uma capacidade do objeto ter


uma altura reconhecida e a maneira de como a energia sonora se manifesta
dentro de uma duração, ou seja sua matéria e forma.

O timbre altera-se, é certo, mas há qualquer coisa que não


muda, que não evolui em tessitura. A regra linguística aplica-se
então, o que nos permite definir o termo de um código: aquilo
que não muda, essa estrutura harmónica do objecto, é a sua
“massa”.
(...) Seja ele tónico ou complexo, pontual ou difuso, em
correlação com um espectro harmónico ou inarmónico, formado

5
Schaeffer também se refere ao par como Entoação-Articulação.

14
por apenas uma ou uma infinidade de frequências, a massa é
uma percepção musical que tem em conta a
contextura[estrutura] harmónica de um objecto [sonoro].
(SCHAEFFER, 2007, p.21)

Massa é uma generalização do conteúdo harmônico dos objetos, e,


portanto, abarca a noção de alturas musicais, mas desprende-se de seu caráter
de valor ordinal e cardinal a priori, referindo-se também a objetos de altura não-
definida. De maneira geral os sons podem ter massa fixa (tônica ou complexa),
massa uniformemente variável e massa de variação imprevisível, que será
detalhado na tabela de tipomorfologia.
Já o conceito de Fatura diz respeito percepção qualitativa da manutenção
da energia sonora durante o tempo. Ela pressupõe um certo equilíbrio do objeto,
seria presente apenas em objetos convenientes e dá margem para a não
presença da fatura quando o som é longo demais (macro-objetos) ou curto
demais (micro-objetos). Diz respeito também a sua realização, a uma criação
ativa do objeto, sendo ele instrumental, concreto ou eletrônico, podendo-se
distinguir da noção neutra e genérica de manutenção. Schaeffer separa em três
tipos: fatura contínua, pontual ou iterativa.

O segundo par introduz o fator temporal na tipologia e é complementar ao


par anterior: Duração em conexão com a Fatura, e Variação com a Massa. Aqui
se valendo dos critérios psicoacústicos e perceptivos, Schaeffer defende que a
escuta se efetiva num campo temporal limitado, estipulando uma duração média
ideal do objeto. A duração sonora não é um conceito absoluto, redutível a sua
medida cronológica. No Tratado dos Objetos Musicais o autor, ao estudar as
anamorfoses temporais6, relaciona a percepção de duração também à
densidade de informação, um som que possua muitas variações internas será
percebido como mais longo, por exemplo. Estas noções já estão implícitas no
conceito de Fatura e objeto equilibrado.

O terceiro par introduz critérios de valor no que tange a estruturação


interna do objeto, sua simplicidade ou excesso, sua previsibilidade ou

6
Anamorfoses, na teoria de Schaeffer se referem a deformações psicológicas da realidade física,
onde as percepções auditivas não condizem com as medidas físicas obtidas de determinado
fenômeno sonoro. (CHION, 1993 p.24).

15
capacidade de surpreender. Trata-se de uma noção de equilíbrio e corresponde
não necessariamente à duração, mas, mais uma vez, à densidade de informação
e sua variabilidade interna. Esse raciocínio conduz aos sons equilibrados, aos
sons redundantes ou homogêneos (simples demais), ou excêntricos (originais
demais).
Esses elementos específicos podem estar em todos os sons em maior ou
menor grau e Schaeffer generaliza suas presenças em tipos de objetos
específicos a fim de exemplificá-los:

1. Sons Equilibrados

Os sons equilibrados são chamados de notas, com referência à música


tradicional. Eles ocupam as nove casas centrais na TARTYP. As letras N, X e Y
correspondem a tipos de massa respectivamente tônica, complexa e
“razoavelmente” variável. A letra N, X ou Y sem sinal particular corresponde a
uma fatura equilibrada contínua; o sinal ' corresponde a uma fatura muito breve
do tipo impulso; o sinal “, a uma fatura equilibrada iterativa.
Os impulsos figuram entre os objetos equilibrados, ainda que eles não
respondam ao critério enunciado pelo autor de tempo ideal de memorização do
ouvido, pois são de uso corrente nas músicas tradicionais.
Recapitulação dos sons equilibrados adaptado do Guide des Objets
Sonores de Michel Chion (1983):

1) N: som formado tônico contínuo, uma nota comum sustentada, ou


sustentação formada tônica;
2) N’: impulso tônico ou nota comum do tipo “impulso” (ex. nota de
xilofone, percussão com pouca ressonância);
3) N”: som formado tônico iterativo, nota comum iterativa ou iteração
formada tônica;
4) X: som formado complexo contínuo, nota complexa sustentada ou
sustentação formada de massa complexa
5) X': impulso complexo (ou de “massa complexa”), ou nota complexa do

16
tipo “impulso”;
6) X”: som formado complexo iterativo, nota complexa iterativa ou iteração
formada complexa (ex. trêmulo não muito rápido de percussão);
7) Y: som formado variado contínuo, nota variada contínua ou sustentação
formada de massa pouco variável (ex. glissando de violino);
8) Y': impulso variado (de “massa pouco variável”) ou nota variada do tipo
“impulso” (ex. breve glissando);
9) Y”: som formado variado iterativo, nota variada iterativa ou iteração
formada de massa pouco variável (ex. trêmulo-glissando de tímpano com
pedal);

Para especificar as notas Y, grafa-se Yn (ou Y'n, ou Y”n) os sons de


massa tônica variada, ou Yx (Y'x, ou Y”x) os de massa complexa variada.

2. Sons Homogêneos

Os sons homogêneos são os sons que pertencem à família dos sons


redundantes, ou seja, se mantêm idênticos a si mesmos no decorrer da sua
duração sem nenhuma variação, de matéria ou intensidade. Exemplo: um ruído
branco, uma sustentação fixa de órgão. Pode-se dizer que eles têm uma forma
inexistente e uma matéria fixa. Sua origem é, mais frequentemente, mecânica e
artificial. Os sons homogêneos são grafados H ou Z, conforme sejam contínuos
ou iterativos respectivamente. Podemos, conforme suas massas, dividi-los entre
sons homogêneos contínuos tônicos (H) e os sons contínuos complexos (Hx) e,
por outro lado, os homogêneos iterativos tônicos (Zn) e os iterativos complexos
(Zx).

3. Grande nota (W)

Tipo de som excêntrico que apresenta uma variação em uma duração


média, variação “ao mesmo tempo múltipla, mas ligada”, ou seja, fundida por
uma unidade de fatura coerente e pela percepção de uma permanência da
causalidade, que associa os instantes sucessivos uns aos outros. Exemplo de

17
grande nota: um som de sino com seus harmônicos sucessivos. A grande nota
grafa-se W. Ela se inscreve no interior da TARTYP (disposta abaixo), na coluna
dos “sons formados”, abaixo da nota variada equilibrada Y, da qual ela é uma
“extrapolação”, uma “variedade gigante” e excêntrica.

4. Trama (T)

Tipo de som excêntrico de duração prolongada, criado por superposições


de sons prolongados, feixes, “fusões de sons evoluindo lentamente”, que se
fazem escutar como conjuntos, macro-objetos, evoluções lentas de estruturas
pouco diferenciadas. A trama é designada pelo símbolo T. Pode-se distinguir,
igualmente, ao lado do caso geral da trama dita “mista” T, na qual as variações
de detalhes são bastante complexas e imprevisíveis, casos particulares de
tramas redundantes com massas pouco variáveis, grafadas Tn (à base de sons
tônicos) ou Tx (trama de sons complexos).

5.Célula (K)

Tipo de som excêntrico, que é criado artificialmente pela extração de um


trecho contendo a gravação de microssons em desordem. Obtém-se, assim, um
objeto original de duração bastante breve, formado de impulsos heterogêneos e
descontínuos. Ela se grafa pela letra K e se localiza na coluna dos sons formados
iterativos, na linha dos sons de variações imprevisíveis de massa. A repetição
artificial, ou loop, de uma célula, cria o macro-objeto cíclico que a tipologia
denomina “pedal de células” e grafa P ou Zk.

6. Fragmento (Φ)

Tipo de som artificial obtido por edição, ao extrair um fragmento bastante


breve de uma nota formada X, N ou Y. O fragmento não deve ser confundido
com o impulso, pois não obedece a uma lógica energética natural e revela seu
caráter artificial. O símbolo do fragmento é a letra grega Φ. Como objeto breve,

18
ele ocupa um lugar na coluna dos impulsos e na linha dos sons de massa muito
variável. Ele forma com a Célula e o Pedal o grupo dos 3 sons artificiais
distinguidos pela tipologia.

7. Pedal (P)

Tipo de som excêntrico artificial, criado pela repetição mecânica em loop


de uma célula (um micro-objeto relativamente complicado). O pedal é, então, um
tipo de som iterativo prolongado e cíclico. Exemplo de pedal: um sulco fechado
(sillon fermé), processo de loop em discos de acetato do início das experiências
da música concreta, e sons eletrônicos repetidos. É grafado com a letra P.
Um caso particular de pedal, que faz parte dos sons redundantes e não
dos sons excêntricos, é representado pelos pedais nos quais o elemento
repetido de maneira cíclica é mais curto que uma célula. Esse caso particular de
iterativo cíclico (que pode ser devido à repetição de uma causalidade natural)
chama-se “pedal redundante” e grafa-se Zy (Z, como som redundante iterativo,
e y, para caracterizar as variações cíclicas que se escutam em seu interior).

8. Échantillon (E)

Caso limite de som excêntrico contínuo, mas desordenado, que se


percebe como uma unidade, porque se reconhece nele, através da imaginação,
a permanência de uma causa, a persistência de um mesmo agente responsável.
Exemplo de échantillon citado por Schaeffer: o som prolongado e incoerente
produzido em um violino pela arcada inábil de um iniciante. O símbolo do
échantillon é a letra E, e ele se inscreve, no interior da tabela TARTYP, na coluna
da extrema-esquerda dos sons contínuos de fatura imprevisível, na linha inferior
dos sons de variação imprevisível de massa. Pode-se aprimorar a notação E em
três outros casos nos quais a massa é medianamente fixa e tônica (En), ou
medianamente fixa e complexa (Ex), ou ainda, um pouco variável (Ey).
O échantillon é, na tipologia, um caso simétrico da acumulação A. Esses
dois casos se encontram no limite, em certos objetos que pertencem a um ou
outro, de acordo com a intenção de escuta.

19
9. Acumulação (A)

Tipo de som excêntrico descontínuo (iterativo) e de duração prolongada


(sinalizado macro-objeto), caracterizado pelo amontoamento desordenado de
microssons, os quais o parentesco de fatura os funde em um único objeto
característico. Isso, por oposição ao échantillon E, objeto excêntrico simétrico da
acumulação, uma vez que faz reconhecer, através de uma fatura contínua, a
“permanência de uma mesma causa”, enquanto a acumulação é o produto de
“causas múltiplas, mas parecidas”. Em certos casos, a distinção entre a
classificação de um objeto sonoro como échantillon ou como acumulação pode
ser questão de contexto e apreciação pessoal.
O símbolo da acumulação é a letra A, e ela se localiza, na tabela
recapitulativa da tipologia, na coluna da extrema-direita, dos sons prolongados
descontínuos de fatura imprevisível, na linha dos sons de variação imprevisível
de massa, numa casa simétrica àquela reservada ao échantillon.
Pode-se detalhar na grafia de A os três casos particulares nos quais a
massa é: globalmente fixa e tônica (An); globalmente fixa e complexa (Ax);
medianamente variável.

Os casos acima mencionados são dispostos numa tabela explicativa que


organiza estes sons com base em sua duração. No eixo central os sons de
duração média ideal. A tabela é conhecida como TARTYP, tabela da
recapitulação tipológica.

20
Duração desmedida Duração moderada Duração desmedida
(macro-objetos) unidade temporal (macro-objetos)
sem unidade temporal sem unidade temporal
Duração reduzida
Fatura Fatura micro-objetos Fatura Fatura
imprevisível nula nula imprevisível
Sustentação Iteração
impulso
formada formada
altura

massa
(En) Hn N N’ N” Zn (An)
definida

ACUMULAÇÕES
ÉCHANTILLONS

fixa

altura
complexa
(Ex) Hx X X’ X” Zx (Ax)

massa
pouco (Ey) Tx Y Y’ Y” (Ay)
variável Tn Zy
tramas pedais
particulares particulares
unidade causas múltiplas
causal mas semelhantes
variação
imprevisível
de massa E T W Φ K P A
caso geral caso geral caso geral caso geral

sons sustentados sons iterativos

Tabela 3

21
Os critérios morfológicos do objeto sonoro

Esboçada uma tipologia, seguem-se os critérios morfológicos, que


mantém o caráter classificatório, mas expõe noções mais arrojadas do ponto de
vista do par forma/matéria. Schaeffer aqui defende uma descrição mais
elementar das propriedades do objeto sonoro, a fim de revelar seus traços
distintivos. São sete critérios, dispostos por Chion (1986):

1) Massa – modo geral de ocupação no campo das alturas;


2) Timbre harmônico – qualidades relativas a massa de caráter mais
específico;
3) Grão – microestrutura da matéria sonora, aspectos mínimos da
manutenção do som;
4) Allure7 – oscilações mais ou menos periódicas, vibrato característico
de determinada manutenção de um som;
5) Dinâmica – evolução do som no campo das intensidades, incluindo
seu envelope, modo de ataque, corpo e queda;
6) Perfil Melódico – perfil geral desenhado pelo som no campo da
tessitura;
7) Perfil de Massa – perfil geral de um som onde a massa é “esculpida”
por variações internas.

Os critérios podem ser separados em quatro grupos, a fim de organizar


setorialmente os parâmetros sonoros, e esclarecer a abordagem elementar da
teoria morfológica. 1 e 2 são critérios de Matéria, 3 e 4, critérios de Manutenção,
5, critério de Forma, 6 e 7, critérios de Variação.

Massa

Para exemplificar o conceito de massa, Schaeffer dispõe dois extremos


de sons: o som puro, senoidal, somente possível através de síntese eletrônica e

7
Allure é traduzido por vezes como andamento ou andadura, e aqui mantém-se o sentido de
marcha, um modo contínuo de variação. Flo Menezes adapta o conceito pra “flutuação” em seus
trabalhos, mas no texto de Schaeffer flutuação aparece como um dos tipos de perfil melódico.

22
o ruído branco, distribuição estatística de inúmeras frequências que tendem a
preencher todo o espectro sonoro (realizado também de forma eletrônica, mas
que possui sons correlatos na natureza, como o som do mar). Entre esses dois
extremos, o autor se propõe abordar os sons a partir das noções
complementares de massa, a distribuição espectral no campo das alturas de
maneira mais geral, e o timbre harmônico, que permite a a qualificação em nível
mais específico desta distribuição (relacionado ao aspecto de articulação).
A partir dos dois extremos escalonam-se 7 classes, que variam entre a
mais pura, que tende a percepção de graus musicais, à mais ruidosa, que
tenderia a percepção de coloração. As classes intermediárias compreendem as
duas percepções simultâneas, elas são independentes. Schaeffer dispõe numa
tabela:
Da perspectiva da textura de massa os sons de altura definida dos
instrumentos tradicionais se encontram na classe 2, sons tônicos. Os grupos
tônicos (3) compreendem a noção tradicional de acorde, sons de altura definida
soando juntos. Som nodal, ou nó, (6) seria um som que tendem ao ruído branco
ou colorido, como o som de pratos. Grupo nodal (5) se refere aos sons nodais
aglomerados soando juntos, relacionado aos acordes. Por fim os sons canelados
centrais (4) seriam sons ambíguos, que possuem uma percepção de altura mais
ou menos definida, mas dependendo do contexto podem soar como tônicos ou
grupos tônicos, porém com uma aura complexa. É o caso dos gongos, sinos e
sons de metal em geral.

Timbre Harmônico

O timbre harmônico, nos sons tônicos se refere a percepção do espectro


harmônico de um som, pela facilidade de se separar uma ou mais alturas
definidas de seu timbre. Em contrapartida, em sons não-tônicos, o timbre
harmônico se refere a todo resto além do que foi considerado massa. Logo, é
possível separar em dois tipos: Um timbre contínuo, quando a massa é percebida
de maneira mais global ou separada em mais camadas, como em sons
complexos. Portanto, a textura de timbre harmônico é complementar a textura
das massas.

23
Nos casos extremos de som puro e ruídos a textura é nula, para as
massas tônicas do grupo 2, é uma textura tônica. Para os sons de grupos
tônicos, são texturas tônicas, caneladas ou contínuas. Para os sons canelados,
nós ou grupos nodais (5 e 6) é complexa ou contínua.

Dinâmica

As questões relativas à dinâmica dos sons são mais simples, por serem
relativas ao tempo e a amplitude dos objetos, grandezas facilmente
mensuráveis. À época da pesquisa de Schaeffer, o suporte da fita magnética e
o batigrama, um medidor de amplitude pelo tempo, foram utilizados para
descrever os comportamentos dinâmicos dos sons.
Por se tratar de uma relação direta com o tempo do objeto, a tipologia do
ataque mantém a nomenclatura da tipologia (N, X, Y etc.). Segue-se à divisão
em classes, e o primeiro fato a se considerar é a importância do ataque para sua
história energética, e se há uma predeterminação direta pelo ataque (caso de
percussão-ressonância por ex.) ou não. O autor divide os casos em sete perfis:
percussão-ressonância, crescendo, decrescendo, delta, cavo, mordente e chato.

Grão

A noção de manutenção é o modo específico que a energia se manifesta


no contínuo sonoro do objeto. Um som homogêneo pode comportar uma
microestrutura devido, em geral, a sustentação de um arco, palheta, um trêmolo
de baquetas, a própria fonação vocal (as pregas vocais funcionam como uma
palheta) ou os pratos. Estes objetos possuem componentes de vibração
aperiódica que tendem a ser percebidas como um formigamento característico.
Essas microestruturas são comparáveis aos grãos minerais ou de tecidos
coloridos, em livre analogia.
A tipologia dos grãos se divide em três: manutenção nula, manutenção
sustentada e manutenção iterada. A primeira diz respeito a apenas uma
ressonância após um ataque. A segunda a uma fricção, que como de um arco

24
de violino imprime dinâmicas aleatórias e não periódicas. Já a terceira é uma
iteração como uma palheta de sopro, onde existe uma sensação de ruptura e
admissões de ar.
A classificação subdivide cada uma das três anteriores em mais três:
grãos de ressonância: tremido, formigamento e límpido; grãos de fricção:
rugosos, foscos e lisos; e grãos de iteração: grossos, nítidos e finos.

Allure

A percepção do andamento ou andadura (allure), ou seja, um trêmolo ou


oscilação de massa característico podem ser compreendidos em andamento do
agente, ou andamento da forma. No primeiro caso ele é realizado por um agente
vivo, o músico, no segundo ele é intrínseco ao objeto, por uma irregularidade
imprevisível. Para a classificação, Schaeffer define o agente sendo mecânico,
vivo ou natural, e já complementa esse conceito com o critério morfológico do
objeto: nos extremos, a ordem (mecânica) e a desordem (natural) e no centro a
flutuação causada por um agente vivo.

Perfil Melódico

Este critério se aplica aos sons que possuem uma variação de toda a sua
massa, que desenham um tipo de trajeto na tessitura. É um deslocamento no
campo das alturas, e não de maneira interna como o perfil de massa. Pode ser
de maneira contínua, como um glissando, ou de maneira descontínua, escalar.
A tipologia dos perfis melódicos constitui uma tabela anexa, que relaciona
as faturas de variação e a velocidade destas variações. Por fatura de variação
compreendem-se três formas: Flutuação (uma instabilidade rápida), Evolução
(progressiva e contínua) e Modulação (degraus ou salto). Esta tipologia é
semelhante a tabela de tipologia geral dos objetos sonoros, e dispõe de sinais
semelhantes: N, X, Y, etc., mas se acrescenta as noções de Grupo (G) 8 e Motivo
(M). Grupo refere-se a variações contínuas, escalares, que se encontra na
música tradicional. Motivo aqui se refere a objetos gerais que variam de forma

8
G se refere a um grupo formado pelos sons presentes na tabela.

25
contínua e sugerem variações naturais dentro de um objeto. Para a notação da
velocidade de variação: utiliza-se uma barra horizontal posicionada em cima do
sinal referente ao tipo para se referir a um percurso lento de variação. Quando o
objeto não possui nenhum sinal diacrítico ele é um perfil propriamente dito.
Quando é rápido é considerado uma anamorfose e se coloca uma apóstrofe
após o sinal.
O autor recorre aos neumas gregorianos para expor que eles já seriam
um “ensaio à tipologia de perfis melódicos”, para definir as classes da morfologia
de perfis melódicos. Eles se referem apenas as notas Y e se se dividem em:
podatus, torculus, clivis e porrectus (ver tabela).

Perfil de massa

Perfil de Massa seria a variação interna do objeto sonoro que se esculpe


durante seu desenrolar, quando seu perfil se transforma de um tipo de massa
para outro. Por exemplo um objeto de massa fixa que aos poucos se torna de
massa complexa. Este perfil geralmente está ligado a variações em outros
setores. Aqui mantém-se a ideia de fatura de variação que compreende três
formas: Flutuação (N/X e X/N), Evolução (X/W e W/X) e Modulação (G/W e
W/G).
As classes baseadas na morfologia retomam um princípio dos neumas,
representam quatro sentidos de desenvolvimento da espessura do objeto:
dilatado, delta, diminuído e côncavo.

Seguem-se as tabelas contendo estes dois níveis das operações,


adaptadas da tradução brasileira do Tratado dos Objetos Musicais (EDUNB,
1993):

26
1 2
Qualificação
TIPOS CLASSES

CRITÉRIOS toque morfologia


da percepção musical tipo-morfológico musical

TÔNICO tipo N 1. SOM PURO


2. TÔNICO
COMPLEXO X 3. GRUPO TÔNICO
1 4. CANELADO
VARiÁVEL Y 5. GRUPO NODAL
MASSA 6. NÓ
QUALQUER W, K, T 7. RUÍDO

CHOQUES s

homogêneo: H nulo Anamorf:

iterativo: Z resson. U
fraco: trama N, X, T cresc.
2
formado: nota decresc.

DINÂMICA N, X, N”, X” delta

impulsão N’, X’ cavo

cíclico ZK mordente

reiterado E Amorf.

acumulado A chato

seja: (ligado as massas)


TIMBRE GLOBAL
(Contínuo)
seja:
NULO 1-7
3 massas timbre
TÔNICO 2
secundári de
TIMBRE HAMÔNICO as massas
COMPLEXO
CONTÍNUO
6
3-4
M1 th1
M2 CANELADO 4-5
th2
M3 th3
… …

Tabela 4

27
1 2
Qualificação
TIPOS CLASSES
toque morfologia musical
Critérios da tipo-morfológico
Percepção Musical

(Apenas notas Y)

Annamorf.
PERFIL

Percurso
podatus
4 torculus
MELÓDICO

Perfil
clivis
porrectus
Flut. N,X N,X N’X’

Evol. Y,W Y,W Y’

Mod. G,P G,M K

(Apenas espessura)
Evolução tipológica
5
PERFIL Flut. N/X ou X/N dilatado
DE MASSA Evol. Y/W ou W/Y delta
Modul. G/W ou W/G diminuído
côncavo

Trem. Formig.
ressonância Límpido
Puro ou
fricção rugoso fosco liso
misto de
iteração
6 GRÃO grosso nítido fino

ordem flutuação
desord.
mecanico
Puro ou misto 1 2 3
vivo
7 ALLURE de
natural 4 5 6
7 8 9

Tabela 5

28
II. A VOZ COMO OBJETO SONORO

Para se buscar um objeto sonoro vocal, portanto, correlato a uma intenção


de escuta atenta aos elementos sonoros nele presentes, é necessário
estabelecer um ponto de partida, que seja o pilar para uma possível
generalização destes elementos.
A partir do par “Articulação/Apoio”, a percepção global a que se refere
Schaeffer ao definir o seu objeto sonoro, pode ser associada, no caso da voz, a
uma intenção de audição especializada. Portanto recorro à percepção do nível
fonético da voz, ou seja, os sons que podem ser produzidos pela voz para além
da palavra verbal, independente do idioma falado, ou mesmo da relação com
algum idioma.

O objeto sonoro e o envelope silábico

Podemos partir do ponto de vista da música tradicional para visualizar as


relações intrínsecas dos elementos sonoros no contexto da voz musical.
No âmbito da canção de câmara e das reflexões sobre uma boa
performance e dicção no canto, a “sílaba melódica”, como sustentado por Mattos
(2014), é uma conjunção entre a nota musical e a sílaba verbal referente a ela.
O autor defende a ideia da compreensão de “ponto” e “linha” na boa construção
da performance vocal, já propondo uma visão completa, paradigmática da sílaba
melódica, aliada a uma visão sintagmática mais ampla da linha a ser cantada,
como ferramenta de aperfeiçoamento técnico do intérprete ou analista. Esta
união se justifica pela perspectiva da Fonologia Prosódica9, onde a sílaba verbal
constitui o nível mais inferior em uma hierarquia dos componentes prosódicos
de um enunciado verbal, sendo, portanto, uma unidade de base geradora dos
níveis seguintes10, conjunta ao mínimo componente de uma melodia, a nota.

9
Como apresentado no livro Prosodic Phonology (NESPOR&VOGEL, 1986).
10
Sendo o componente mínimo sobre o qual se “aplicam as regras relacionadas às organizações
e transformações sonoras que ocorrem no processo de articulação de um enunciado verbal”
(MATTOS, 2014), a sílaba complementa os níveis seguintes: Pé métrico, Palavra fonológica,
Grupo clítico, Frase Fonológica, Sentença.

29
A sílaba possui, no nível auditivo, um caráter de coesão perceptiva, pois
seus componentes podem ser generalizados como os estágios da percepção
presentes no envelope dinâmico trifásico dos sons, como proposto por
Helmholtz11: o ataque, o regime de sustentação e a sua extinção.
O transiente de ataque é o momento inicial do som onde, geralmente, há
o maior número de vibrações complexas antes do som entrar em sustentação
periódica ou harmônica. Após a parte de sustentação, o som tende a se extinguir
quando a energia de manutenção se esgota. No caso de sons de caráter
percussão-ressonância, a partir de uma excitação inicial do ataque, o corpo
sonoro entra em estado de ressonância e, quando deixa de vibrar, se encontra
em repouso mecânico, causando a extinção do som.
No caso da voz, que possui um processo de manutenção da vibração do
ar advindo de processos respiratórios, existe um certo contínuo entre esses
estágios, sendo a articulação vocal determinante para o desenvolvimento do
discurso da fala, da diferença entre os sons e da segmentação destes sons a fim
de compreendê-los como unidades.
Para um modelo silábico para a voz musical utilizada no canto, Mattos
expõe o seguinte diagrama, baseado na forma estrutural referida em Hulst e
Ritter12 (MATTOS, 2014, p.122):

(O) (R)

(N) (Cd)

(C) (V) (C)

11
Hermann von Helmholtz foi um físico alemão que estudou e sistematizou a percepção auditiva
e a sensação da tonalidade na escuta.
12
HULST, H. van der; RITTER, N. Theories of the syllable, 1999.

30
Onde, σ é a sílaba, como modelo baseado no binômio O, onset (ataque)
e R, rhyme (rima), onde a rima, se divide nos subcomponentes N, nucleus
(núcleo), Cd (coda), um apoio e uma certa extinção.
Esta proposta também considera a relação de formação silábica do
português, que é essencialmente formada por um núcleo formado por uma vogal
(V) seguido ou não por uma coda formada por até duas consoantes (C) para a
formação de rhyme, sendo que rhyme pode ou não ser precedido por um onset
formado por até duas consoantes (C). Portanto, identificamos as configurações
silábicas básicas (V, CV, VC, CVC) e as configurações complexas (CCV, VCC,
CCVC, CVCC, CCVCC).

A partir destes conceitos proponho associar o envelope silábico com o


objeto sonoro equilibrado de Schaeffer13. Para isso transponho a lógica
segmental da sílaba verbal, seus componentes fonéticos e articulações internas
para generalizar qualquer vocalização como objeto sonoro, partindo da fonética
articulatória. Mantenho o critério temporal de equilíbrio de Schaeffer apenas pelo
caráter metodológico, mas sustento o ponto de vista de Wishart, de que “não
existe algo como objeto sonoro não-musical” (WISHART,1985 p.08, tradução
livre).
Tendo em vista esta abordagem, aprofundo agora os conceitos da
fonoarticulação, conforme as referências de Mattos (2014), a fim de
compreender as relações intrassilábicas dos objetos sonoros vocais e seus usos
nos estudos.

13
Generalizando a morfologia interna dos objetos, tem-se uma transposição da lógica trifásica
do envelope sonoro: “No estudo da morfologia interna são chamadas “notas equilibradas” os
sons nos quais aparecem nítida e distintamente as três fases temporais: ataque, corpo, queda”
(MELO, 2003).

31
A fonoarticulação

Mattos (2014) apresenta como a Abordagem Articulatória do canto, uma


série de propostas que fundamentam uma nova forma de compreender a
produção, a performance e a análise da vocalidade com base em teorias e
modelos da física acústica, da linguística, da ciencia da voz e da pedagogia do
canto. Dentre as propostas, destaca-se a compreensao da articulacao dos sons
vocais como fonoarticulacoes.
A produção de um som vocal corresponde objetivamente ao
funcionamento de um conjunto de órgãos do corpo, que compõe o aparelho
fonador. Eles não desempenham apenas funções específicas da fonação, e
fazem parte de outros conjuntos e aparelhos do corpo, que se completam na
função da produção vocal. Aqui levamos em conta a teoria fonte-filtro14 de um
ponto de vista linear da produção vocal. Os processos anatômicos e fisiológicos
interagem e resultam em parâmetros específicos da voz que podem ser
separados da seguinte forma:

Função Compressor → Oscilador → Ressonador

Orgão Pulmões → Pregas Vocais → Trato Vocal

Atividade Respiração → Fonação → Articulação

Tabela 2

O processo de produção vocal se dá pelo fluxo de ar, iniciado nos


processos respiratórios, que chega ao meio externo passando através da laringe
(pregas vocais) e pelo trato vocal, onde realizam as etapas de fonação e
articulação.

14
Fonte-filtro, onde a glote é a fonte sonora, e o restante do “aparelho fonador” faz a filtragem
do som emitido na glote.

32
Não me aprofundarei aqui a detalhes dos processos respiratórios, mas a
primeira etapa funciona como um compressor que e é responsável pelo controle
acurado do fluxo de ar necessário à produção da fonte glótica, onde os músculos
laríngeos funcionam como um oscilador que vibram em pulsos, gerando sinais
acústicos que correspondem a fonte glótica, ou fonte sonora da voz (fonação).
Este sons se projetam pelo trato vocal (faringe e cavidade oral), e resultam na
formação de um espectro harmônico, ou seja, uma série de harmônicos
sobrepostos15.
O formato momentâneo do trato vocal pode ser configurado de diferentes
maneiras a partir dos órgãos articuladores: o palato, a mandíbula, língua, lábios
e do movimento dinâmico da laringe. Este formato momentâneo é responsável
por imprimir características no som, permitindo que algumas frequências
específicas sejam transmitidas com maior ou menor amplitude. Este é o princípio
de geração dos sons vogais da fala, sendo as frequências reforçadas neste
processo chamadas de formantes. A língua, a mandíbula e os lábios são os
principais órgãos que atuam nesta dinâmica de configurações dos formantes.
O fluxo aerodinâmico também se estabelece como fonte de energia para
a formação dos sons vocais cuja fonte seja produzida pela ação dos órgãos do
trato vocal, que interrompe e articula os sons das ressonâncias internas, gerando
as consoantes vozeadas. As consoantes produzidas exclusivamente pela ação
dos articuladores do trato vocal são chamadas de não-vozeadas ou mudas. A
língua, a mandíbula, o véu palatino e os lábios são os principais órgãos que
atuam nestas articulações e caracterizam os tipos de consoantes.
O processo de articulação, portanto, possui dois aspectos que são
interdependentes: o de ressonância e o de dicção. Estes dois aspectos se
relacionam, respectivamente aos processos de modificação do sinal acústico
gerado nas etapas de fonação, e aos componentes responsáveis pelas
articulações presentes nos sistemas fonológicos das línguas. Ou seja, o aspecto
da ressonância diz respeito a produção sonora vocal de maneira mais geral, e a
dicção possui o caráter mais específico e expressivo. Schaeffer também
relaciona os dois termos com o seu par articulação-apoio.

15
Sendo que “quanto maior a frequência destes harmônicos menor a sua amplitude, quanto mais
agudos menor a sua intensidade. “ (MATTOS, 2014, p.40).

33
O conceito de fonema abarca esses dois aspectos de sons e passa a ser
a mínima unidade de segmentação da fala. Num contexto musical, porém, faz-
se o uso de todos os recursos vocais disponíveis, independente de fazerem parte
do inventário fonético de uma língua específica, portanto, aqui será usado o
ponto de vista do modo de produção e articulação dos fonemas, como a
abordagem da fonética articulatória.
O alfabeto fonético internacional (IPA – International Phonetic Alphabet),
o resultado de estudos linguisticos que desde o final do séc. XIX buscam
identificar e representar graficamente os sons presentes em todas as línguas
naturais de que se tem conhecimento. A tabela do IPA é uma tabela de sinais
gráficos baseada nos alfabeto romanos, grego, entre outros símbolos, que foi
constituida principalmente com base em recursos da fonética acústica e
articulatória. É uma ferramenta muito útil para a compreensão das possibilidades
vocais e seus modos de execução. Não a toa muitos compositores, a partir dos
anos 50 do séc XX, tenderam a utilizá-a para auxiliar na notação dos sons
musicais e recursos expressivos que suas músicas que usavam16.
O IPA se organiza a partir do ponto de vista articulatório dos fonemas, e
procura relacionar as diversas possibilidades de produção acústica dos sons
pelo aparelho fonador, de um ponto de vista anatomo-fisiológico e também
performativo.

As consoantes pulmônicas

De acordo com a lógica do IPA, as consoantes são divididas entre


pulmônicas e não pulmônicas, sendo que as primeiras ficam dispostas em uma
tabela que possui dois eixos: o horizontal, referente ao ponto de articulação, e o
vertical, ao modo de produção. O ponto de articulação é a região do trato vocal
que recebe a maior quantidade de ar que vem do sistema respiratório. O modo
de produção é como este fluxo de ar é interrompido ou restrito. A tabela, portanto,

16
Luciano Berio – Sequenza III, Karlheinz Stockhausen – Stimmung, George Crumb – Book of
Madrigals, etc.

34
descreve os agentes articuladores, entre eles a língua, os lábios e o véu palatal,
e como são utilizados para a obstrução do ar e realização dos fonemas.
THE INTERNATIONAL PHONETIC ALPHABET (revised to 2015)
CONSONANTS (PULMONIC) © 2015 IPA

Bilabial Labiodental Dental Alveolar Postalveolar Retroflex Palatal Velar Uvular Pharyngeal Glottal

Plosive

Nasal

Trill

Tap or Flap

Fricative
Lateral
fricative
Approximant
Lateral
approximant
Symbols to the right in a cell are voiced, to the left are voiceless. Shaded areas denote articulations judged impossible.
Tabela 3
CONSONANTS (NON-PULMONIC) VOWELS

Clicks Voiced implosives Ejectives Front Central Back


Close
Bilabial Bilabial Examples:
Se existirem dois símbolos no interior da célula, o da esquerda é uma
Dental Dental/alveolar Bilabial
consoante
(Post)alveolar vozeada
Palatal e o da direita é não vozeada,
Dental/alveolar
Close-mid que se refere a necessidade
ou não da fonação
Palatoalveolar Velar
para serem produzidos.
Velar
Open-mid
Alveolar lateral Uvular Alveolar fricative
Portanto, podemos distinguir os modos plosivo, nasal, vibrante, tepe,
OTHER SYMBOLS
Open
fricativo, lateral fricativo, aproximante,
Voiceless labial-velar fricative Alveolo-palatal fricatives
e lateral aproximante; e os pontos: bilabial,
Where symbols appear in pairs, the one
to the right represents a rounded vowel.
labiodental,
Voiced labial-velar dental,
approximant alveolar, pós-alveolar,
Voiced alveolar lateral flap retroflexo, palatal, velar, uvular,
Voiced labial-palatal approximant Simultaneous and SUPRASEGMENTALS
faringeal e glotal.
Voiceless epiglottal fricative Primary stress
Affricates and double articulations
Seguem-se os modos de articulação das consoantesSecondary
Voiced epiglottal fricative stress
pulmônicas:
can be represented by two symbols
joined by a tie bar if necessary.
Epiglottal plosive Long
Half-long
DIACRITICS Some diacritics may be placed above a symbol with a descender, e.g.
Extra-short
Voiceless
• Plosivo – aBreathy
passagemvoiced
do ar éDental
bloqueada completamente para ser solta
Minor (foot) group
Voiced de uma vez. Ex. [p], [b], [t], [d], [k] e [g];
Creaky voiced Apical
Major (intonation) group
Aspirated Linguolabial Laminal
Syllable break
More rounded
• Nasal – o fluxo do ar sai pelo nariz, causando
Labialized Nasalizeduma
Linking (absence oclusão
of a break)
Less rounded momentânea das cavidades Nasal
Palatalized orais.release Ex. [m], [n] e [ŋ];
TONES AND WORD ACCENTS
Advanced Velarized Lateral release LEVEL CONTOUR
Extra
Retracted
• Vibrante –Pharyngealized
a ponta da língua ou release
No audible a úvula realizam
or oclusões
high or breves,
Rising

Centralized causando uma iteração característica. Ex. [ʙ], [r] e [ʀ];


Velarized or pharyngealized High Falling
High
Mid rising
Mid-centralized Raised ( = voiced alveolar fricative)
Low
Low rising
Syllabic• Tepe – uma oclusão rápida
Lowered ( da
= voiced cavidade
bilabial approximant) oral. Ex. [ɾ], Extra
[ⱱ] e [ɽ]; Rising-
low falling
Non-syllabic Advanced Tongue Root
Downstep Global rise


Rhoticity Fricativo – Retracted
estreitamento
Tongue Root das cavidades orais, fazendo Upstep com que
Globalo
fallfluxo

de ar gere um ruído de fricção. Ex. [ɸ], [β], [f], [v], [θ],[ð], [s], [z], [ʃ], [ʒ],
Typefaces: DejaVu Sans (symbols), Doulos SIL (metatext)
[ʂ], [ç], [ʝ], [x], [ɣ], [χ], [ʁ], [ħ], [ʕ], [h] e [ɦ];

• Laterais – o ar sai pelos lados da língua. Ex. [l], [ɭ], [ʎ] e [ʟ];

• Africadas – é a junção de duas consoantes rápidas e é grafada pela


junção delas. Ex. [tʃ], [ts], [dʒ], [dz] etc;

35
• Aproximante – mais fechada que uma vogal, mas não configura
totalmente uma consoante (caso das semivogais). Ex. [w], [j] e [ɹ];

E os pontos de articulação das consoantes pulmônicas:

• Bilabial – Os dois lábios. Ex. [t], [d], [m] e [w];

• Labiodental – o lábio inferior e os dentes superiores. Ex. [f] e [v];


• Dental – os dentes superiores e inferiores e a ponta da língua. Ex [t] e
[d]17;

• Alveolar – entre a ponta da lingua e o alvéolo. Ex. [t], [d], [n] e [l]. Entre
lâmina da língua e o alvéolo. Ex [s] e [z];

• Pós Alveolar – A ponta da língua toca o início do céu da boca. Ex. [s],
[z], [tʃ], [dʒ];

• Palatal – a lâmina da língua toca o palato. Ex. [j];

• Retroflexo – a língua se recolhe e toca todo o palato. Ex. [ɹ];

• Velar – a parte de trás da língua toca o véu palatal (palato mole). Ex.[k]
e [g];

• Uvular - a parte de trás da língua enconsta na úvula. Ex. [q] e [ɢ];

• Faringeal – a faringe se comprime para fazer a contrição do ar. Ex. [ħ]


e [ʕ];

• Glotal – golpes da glote articulam o fonema. Ex. [h].

As consoantes não pulmônicas

Conjunto de sons que não usam o fluxo de ar dos pulmões para a parte
da fonação, sendo eles cliques ou estalos dos articuladores: bilabial [ʘ], dental
[ǀ], pós-alveolar [ǃ], palato-alveolar [ǂ], alveolar-latareal [ǁ]; sons implosivos
vozeados, onde o ar de fora vibra as pregas vocais: bilabial [ɓ], dental [ɗ], pós-

17
Alguns fonemas possuem modos de articulação próximos e podem estar em mais de uma
categoria, geralmente são chamados de arquifonemas e são grafados com uma letra ortografica
maiúscula. Ex. /D/ /T/ /R/

36
alveolar [ʄ], velar [ɠ], uvular [ʛ]; ou ejetivos desvozeados semelhantes as
consoantes pulmônicas [p’], [t’], [k’], [s’].

As vogais

As vogais necessitam de maior espaço na cavidade oral e por isso elas


não conseguem ser descritas objetivamente apenas pelo seu ponto de
articulação. A classificação do IPA das vogais se baseia no quadrilátero vocálico
e busca colocar em diagrama uma aproximação da posição da língua e da
THE INTERNATIONAL PHONETIC ALPHABET (revised to 2015)
CONSONANTS (PULMONIC) abertura ou fechamento da boca. O eixo horizontal é a posição frontal,
© 2015 IPA central
Bilabial Labiodental
Dental Alveolar Postalveolar Retroflex Palatal Velar Uvular Pharyngeal Glottal
ou posterior. O eixo vertical é referente a abertura: fechada, meio fechada, meio
Plosive

Nasal
aberta e aberta.
Trill Nas imagens abaixo podemos ver, à esquerda, a posição geral da língua
Tap or Flap
e abertura da cavidade oral para das vogais das extremidades do quadrilátero,
Fricative
Lateral
fricative
e, à direita, o diagrama preenchido com as vogais intermediárias que preenchem
Approximant
os espaços entre os quatro pontos.
Lateral
approximant
Symbols to the right in a cell are voiced, to the left are voiceless. Shaded areas denote articulations judged impossible.

CONSONANTS (NON-PULMONIC) VOWELS

Clicks Voiced implosives Ejectives Front Central Back


Close
Bilabial Bilabial Examples:

Dental Dental/alveolar Bilabial


Close-mid
(Post)alveolar Palatal Dental/alveolar

Palatoalveolar Velar Velar


Open-mid
Alveolar lateral Uvular Alveolar fricative

OTHER SYMBOLS
Open
Voiceless labial-velar fricative Alveolo-palatal fricatives Where symbols appear in pairs, the one
Figura 1 to the right represents
Figura a2rounded vowel.
Voiced labial-velar approximant Voiced alveolar lateral flap

Voiced labial-palatal approximant Simultaneous and SUPRASEGMENTALS

Voiceless epiglottal fricative Primary stress


Affricates and double articulations
Voiced epiglottal fricative can be represented by two symbols Secondary stress
joined by a tie bar if necessary.
Epiglottal plosive Long
Half-long
O que diferencia sonoramente uma vogal da outra é seu conteúdo
DIACRITICS Some diacritics may be placed above a symbol with a descender, e.g.
Extra-short
Voiceless Breathy voiced Dental
formântico presentes no espectro sonoro. As formantes são
Minor (foot) as frequências que
group
Voiced Creaky voiced Apical
Major (intonation) group
Aspirated
são reforçadas
Linguolabial
dentro de um ressonador através de
Laminal
suas características físicas,
Syllable break
More rounded como tamanho e formato. Geralmente as vogais possuem
Labialized
Linking (absencetrês
Nasalized formantes (F1,
of a break)
Less rounded Palatalized Nasal release
F2, F3) que se sobrepõe a frequência fundamental (F0),
TONES ANDgerada no processo de
WORD ACCENTS
Advanced Velarized Lateral release LEVEL CONTOUR

Retracted fonaçãoPharyngealized
das pregas vocais. Para
No audible releasecada vogal or
a configuração
Extra
high or relativa das
Rising

Centralized Velarized or pharyngealized High Falling


High
Mid rising
Mid-centralized Raised ( = voiced alveolar fricative)
Low
Low
rising
37
Syllabic Lowered ( = voiced bilabial approximant) Extra Rising-
low falling
Non-syllabic Advanced Tongue Root
Downstep Global rise
formantes se mantém praticamente a mesma, mesmo variando-se a
fundamental (MATTOS, 2014, p.52). Para a identificação das vogais as duas
primeiras formantes, F1 e F2, são as mais determinantes. No português
brasileiro, por exemplo, as vogais seguem como exposto no estudo comparativo
realizado por Sousa (apud SANTOS, 2013, p.39):

Tabela 4

Estas formantes podem ser observadas e analisadas através de um


espectrograma obtido, por exemplo, pelo software PRAAT, utilizado para
estudos de fonética. A cor mais escura é onde se concentra o conteúdo
energético sonoro, dividido por frequência no eixo vertical, ao longo do tempo,
eixo horizontal. O exemplo abaixo foi realizado entoando-se as vogais da tabela
acima de maneira contínua.

Figura 3

38
Essas configurações formânticas são o que possibilita o reconhecimento
de uma vogal, mesmo quando ela não possui fonação, no caso de sussurros,
som fricativo rótico, fry ou outros ruídos vocais desvozeados.

Todos esses conteúdos se mostram muito pertinentes para a


compreensão das possibilidades sonoras referentes a voz. Assumo aqui o termo
“objeto vocal”, para tratar dos sons realizados nos estudos que motivaram a
realizacao deste trabalho. Logo, compreendo que é possível associar a
perspectiva intrassilábica ao apuramento dos critérios morfológicos
schaefferianos, como tratarei no capítulo a seguir.

39
III. UMA TIPOMORFOLOGIA DOS OBJETOS VOCAIS

A tipomorfologia schaefferiana é generalizada e sugerida aqui para uma


descrição dos objetos vocais realizados nos estudos que contribuíram para a
realização deste trabalho.
Os tipos de sons presentes na tabela serão comparados fora da ordem
que se apresentam no Tratado, pois partiu-se de vocalizações produzidas por
uma única fonte vocal, sem a introdução de processos de edição e manipulação.
São eles: N, X, Y, H, Z, E. Os sons T, P, K, Φ e A e W são apenas possíveis de
serem encontrados nas relações construídas na peça posteriormente, por
sobreposição e mixagem.
Segue-se uma generalização dos objetos vocais, partindo dos tipos
presentes na TARTYP:

N: sons com preponderância vogal, com apoios sustentados, num uso


vocal mais convencional;
N’: sons monossilábicos, mas que possuam a formação de uma vogal;
N”: sons iterados vogais, rearticulados por consoantes ou aproximantes;
X: sons com as características de ruído preponderantes: ar na voz,
sussurros, ruídos fricativos, etc.
X': impulsos dos sons como item 4;
X”: iteração dos sons como item 4;
Y: sons com preponderância vogal, que possuem a variação característica
(glissandos de altura);
Y': breve som com altura definida que possui glissando rápido;
Y”: sons iterados com repetição do elemento articulatório e variação de
massa independente do componente vogal;
H: seriam qualquer som vocal produzido como os sons equilibrados, mas
que possuam suas durações mais longas.
Z: seriam sons longos, mas de caráter iterativo.
E: objeto complexo causado por uso de difícil controle vocal semelhante

40
a acidente sonoro18;
Vale ressaltar que essas nomenclaturas na prática podem se desenvolver
ao longo de um objeto sonoro, seguindo uma relatividade da tipologia como
comenta Schaeffer no SOS: “Um objecto sonoro pode saltar de uma casa para
a outra [1] segundo a atenção que lhe concedemos e [2] o nível de complexidade
que lhe confere o contexto” (SCHAEFFER, 1997), portanto serão descritos aqui
os itinerários dos gestos vocais, no seu caráter de desenvolvimento como
exemplo abaixo:

N » N’’ » X – Nota se torna nota iterada e, posteriormente,


ganha proeminência de seu conteúdo de ruído complexo

A um itinerário semelhante, se repetido internamente no objeto vocal será


acrescentado sinal de barra vertical “|” como exemplo a seguir, independente do
número de repetições:

| N » N’’ | » X – Nota se torna nota iterada repetida,


posteriormente, ganha proeminência de seu conteúdo de ruído
complexo

Segue a proposta de associação dos conceitos schaefferianos que


baseiam a morfologia, com os aspectos da fonação e articulação:

Para o conceito de massa, é necessário excluir aqui as extremidades da


tabela de 7 possibilidades pois a voz não é capaz de produzir nem o som puro
nem o ruído branco completo. Exclui-se também os grupos (3 e 5), por se tratar
de uma única fonte, logo, a voz comporta as categorias: 1) som tônico (onde há
uma percepção clara do parâmetro altura; 4) som canelado (som ambíguo que
tende a soar como grupo, porém com uma aura complexa), e 6) som nodal (som
que possui mais componentes complexos ou que tende ao ruído branco,

18
Mesmo no limite dos objectos musicais, uma casa modesta abriga este ser inestético sob
a etiqueta de “echantillon” [E]: tal é a disparidade dos efeitos devidos a uma execução única [e
coerente] mas deplorável, neste caso uma arcada desastrosa ou, talvez, perversa.
(SCHAEFFER, 1997, p.73).

41
geralmente filtrado pela boca). Estas classes de sons servem para especificar
as categorias tipológicas, mas no caso as vezes fica implícito que no caso de
uma nota N, seria um som tônico. Para sons X, Yx, Hx e outros sons produzidos
artificialmente, se faz necessário a descrição da classe. Portanto quando a nota
N não sofrer transformações de categoria, a classe será omitida.

Como o timbre harmônico é complementar a textura de massas, segue os


conceitos apresentados anteriormente. Denomina-se tônico, para os sons
tônicos, contínuo ou complexo para sons canelados, e, contínuo ou complexo
para sons nodais. Contínuo aqui se refere a concisão ou percepção mais global
do timbre, e complexo quando ele é ouvido em camadas.

Os conceitos de dinâmica, que se referem principalmente aos modos de


ataque dos sons, se associam diretamente a parcela inicial da articulação das
consoantes ou modo geral com o qual se articula uma vogal. Portanto excluindo-
se aqui o modo de percussão-ressonância e o chato, temos os outros modos:
crescendo, decrescendo, delta, cavo e mordente, possíveis de serem
observados como possibilidade vocal. Cada modo de articulação de consoante
já possui uma maneira esperada de conteúdo energética não se pensando na
dinâmica de execução. Por exemplo, as consoantes plosivas (e africadas com
início plosivo) tendem a possuir um ataque muito acentuado (associado a classe
mordente, por exemplo). No caso das nasais, vibrantes, e fricativas, o ataque é
muito mais leve, tendendo-se a classe crescendo.

Allure no caso de sons da voz apenas se refere a categoria vivo, causado


por um agente, o performer. Logo, apenas a flutuação é aspecto morfológico
possível no caso da voz. Neste caso é desnecessário especificar-se o conteúdo,
e será considerada apenas a presença ou não de de allure.

Para o conceito de grão na voz não existe manutenção nula, portanto


apenas sustentada ou iterada, que se associam diretamente a tipologia geral do
objeto, portanto, a morfologia dos grãos de sons sustentados pode ser associada
com a presença ou não de ruídos, sejam eles de caráter iterativo (plosivo,

42
oclusivo), vibrante ou fricativo. Logo, entende-se aqui os grãos de fricção19:
rugosos, com pequenas iterações; foscos, com a presença de ar na voz; e lisos
onde há uma vocalização mais tradicional. Para sons iterados da voz, é evidente
uma comparação direta aos modos de ataque, e a dinâmica, portanto pode-se
generalizar os grãos de iteração schaefferianos: grossos, onde o envelope
dinâmico é mais conciso; nítidos, onde o modo de ataque fica mais acentuado;
e finos, onde o ataque é quase imperceptível.

O conceito de perfil de massa associa-se a evolução conteúdo formântico


das vogais e as transformações formânticas análogas às vogais durante a
manutenção de sons consonantais constantes. No caso dos sons presentes
nestes estudos, apresentam conteúdo do tipo flutuação, pois as outras classes
se referem a sons obtidos apenas com edição e sobreposição. Como
exemplificado na tabela morfológica, essas evoluções seguem as categorias de
classe: dilatado, delta, diminuído e côncavo.

Manterei o entendimento de Schaeffer sobre perfil melódico, estabelece a


mudança de alturas em: flutuação,uma instabilidade rápida; evolução, contínua
(glissandos); e modulação, saltos. Os perfis de direcionalidade inspirados nos
neumas: podatus, torculus, clivis e porrectus, serão utilizados também.

Ao aprofundar-se na reflexão tipo-morfológica dos gestos vocais, faz-se


necessário expandir os usos vocais para além da perspectiva normal de
vocalização e aprofundar-se nos elementos de produção e articulação. No livro
On Sonic Art, Trevor Wishart compila vários sons vocais em que utilizou em suas
obras20, como Red Bird, Vox I, entre outras. Com o auxílio de algumas
nomenclaturas e explicações contidas no livro 21st Century Voice, de Michael
Edward Edgerton, estes usos foram descritos e utilizados nos estudos.
Seguem-se os exemplos dos usos utilizados nos estudos, gravados com
minha própria voz, com grafia proposta e adaptada da seguinte forma:

19
“(…) a laringe, então é comparável a uma palheta que vibra” (SCHAEFFER, 1993, p.423).
20
No capítulo ‘Human Repertoire” Wishart compila estes sons acompanhado de registro
fonográfico realizado com sua própria voz em 40 faixas sonoras;

43
• Ingressivos – inversão do fluxo de ar gerando vibrações glotais e assobios
glotais residuais, de difícil controle de conteúdo de altura. Há um um

aumento significativo na tessitura vocal. É grafado com o símbolo: ;

• Fry vocal – vibração glotal característica, percebido como uma série de


impulsos, com aumento do registro grave da voz. É grafada na indicação
“fry”;

• Presença de ar na voz – preponderância de mais ar durante a realização,


gerando ruído constante fricativo, pode se sobrepor a qualquer fonema. É
grafado com o símbolo: , e especificação do fonema entre colchetes;

• Filtragem – mudança do formato do trato vocal, cavidade oral e língua


para mudança de timbre valorização de formantes específicas. O
conteúdo consonantal de ruídos se mantém sinalizado entre colchetes e
o formato da boca é grafado entre chaves exemplificando a vogal
característica. Ex.:
[x ]
{a > o}

• Ruídos vibrantes – vibração de fonemas que utilizem a língua, úvula


glote, e lábios. Grafa-se usando sinal de trêmolo com o conteúdo

consonantal assinalado. Exemplo: (trêmolo de vibração) com o


conteúdo consonantal uvular entre colchetes [R];

• Multifônicos – presença de mútiplas fundamentais por vibrações


simultânea a fonação (glotal ou uvular). Som gerado por fonação
ingressiva.

• Ruídos fricativos – constantes vozeados ou desvozeados em diversos


fonemas, por exemplo: [f] [v] [s] [z] [x] [β] [ʃ] etc.;

• Saliva – a presença de pequenas porções de saliva causa pequenas


iterações e ruídos desordenados, em consoantes vibrantes e fricativas,
ou combinações;

• Combinações de consoantes – combinação da parcela inicial de ataque


e de manutenção da sonoridade de uma consoante, com ataque nasal,
plosivo e manutenção fricativa ou vibrante. Ex. [k+x], p[r] – a consoante
menor se apresenta apenas como articulação inicial.

44
• Boca fechada, semi aberta e aberta – para sinalizar abertura ou
fechamento da boca, utilizo os seguintes símbolos: fechada;
aberta; semi aberta;

Portanto, à uma tipomorfologia geral dos objetos da voz, segue-se à


notação da tipologia, a descrição dos seguintes critérios: Massa, Timbre
Harmônico, Modo de Ataque (abreviado para modo), Allure, Grão e Perfil de
Massa, Perfl Melódico da seguinte forma:

| Y | – Nota tônica variável, modo decresc., grão liso, com variação de


perfil de massa delta, perfil melódico de evolução: podatus;

Quando houver variação no objeto segue-se uma descrição semelhante


do objeto subsequente. Na ausência de variação de allure ou perfil de massa
será omitido. Se a mudança de perfil de massa for repetida acrescenta-se dupla
apóstrofe (”). A descrição de ruídos é detalhada quanto ao conteúdo consonantal
para deixar clara as escolhas de nomenclatura.

Para a notação dos estudos, procurei ressaltar as informações


concernentes ao conteúdo espectral e fonoarticulatório. As informações rítmicas
são apenas aproximadas, tratando de notas mais longas, notas curtas e
iterações.

45
Seguem-se os exemplos nos estudos, listados abaixo:

1)
N – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação de perfil de
massa delta”;

1b)
N » N’’ – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna de
perfil de massa delta » nota iterada, modo cresc., grão grosso.

1c)
N – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação de perfil de
massa delta”;

46
2a)
N » N’’ – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna
de perfil de massa delta » nota iterada, modo cresc., grão nítido;

2b)
N » N’’ – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna
de perfil de massa delta » nota iterada, modo cresc., grão grosso;

3a)
| N » N | – nota sustentada » nota com pequenos impulsos, modo
mordente, variação de perfil de massa delta;

47
3b)
N » Yn – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna
de perfil de massa em delta » nota iterada, modo cresc., grão grosso; com
variações de perfil de massa delta, com perfil melódico de evolução: clivis;

4)
N – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna de perfil
de massa em delta”;

5)
N » N’’ – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna de
perfil de massa delta » nota iterada, modo , grão fino (iteração consonantal
[β]);

48
6)
N – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação de perfil de
massa em delta”;

7a)
| Y e X’ | – nota variada tônica, modo crec., grão liso, com variação de
perfil de massa delta / interrompido por ruído X ingressivo, modo cresc,
canelado, grão rugoso, com variação de perfil de massa diminuido;

7b)
| N e Y | – nota variada tônica, modo crec., grão liso, allure, com variação
de perfil de massa delta e perfil melódico de evolução clivis / nota variável
tônica idem a anterior;

49
7c)
Y » Y’’ – nota tônica constantemente variável, modo cresc., grão fosco,
allure » nota tônica iterada por fonema [b], de grão grosso; com variação de
perfl de massa dimin.;

8a)
| N | » N’’ – | nota tônica, modo mordente, grão liso, allure, com variação
de perfil de massa delta; | » nota idem a anterior iterada (as variações de perfil se
tornam mais rápidas);

50
8b)
| N’ | – nota tônica, modo mordente, grão liso, allure, apresentado em
alturas diferentes, onde o ataque se torna mais proeminente com variação
de perfil de massa geral dilatado; perfil melódico de modulação geral
torculus”;

8c)
X’’ » N’’ – impulsos iterados complexos, modo mordente, de grão nítido
(componente consonantal [g] e [k]) » nota tônica iterada, modo
mordente, com variação de perfil de massa dilatado;

9a)
N » N’’ » X’’ – nota tônica sustentada, modo cresc., grão liso, com
variação de perfil de massa dilatado » nota iterada, modo mordente,

grão nítido » iteração complexa ([g] e [k]) idem ao anterior;

51
9b)
N » N’’ » X’’ – nota tônica sustentada, modo cresc., grão liso, com
variação de perfil de massa dilatado » nota iterada, modo mordente, grão
nítido (iteração articulada por consoante [g]) » iteração complexa ([g’] e
[k’]) idem ao anterior;

9c)
N » N’’ » N’’ – nota tônica sustentada, modo cresc., grão liso, com
variação de perfil de massa dilatado » nota iterada, modo mordente, grão

nítido » iteração complexa, modo mordente, com variação de perfil de


massa (iteração articulada por consoante [g] e [k]);

52
9d)
N » N’’ » N’’ – nota tônica sustentada, modo cresc., grão liso, com
variação de perfil de massa delta » nota iterada, modo mordente, grão
nítido » iteração complexa ([g’] e [k’]) idem ao anterior;

Y » N’’ » N’’ – nota tônica variada, modo cresc., grão liso, com variação
de perfil de massa delta » nota iterada, modo mordente, grão nítido »
iteração complexa ([g’] e [k’]) idem ao anterior;

9e)
Y – nota de variação constante, modo cresc, grão fosco, allure, com
variação de perfil de massa delta, perfil melódico de evoulção: clivis;

53
10a)
| Yx’ » Y’ | – ; notas variadas muda, modo mordente, grão grosso »
nota variada, modo mordente, com variação de perfil de massa interna
delta;

10b)
| X’’ » N’ | – impulsos iterados complexos, modo mordente, de grão
grosso (componente consonantal [ ɠ]) » impulso tônico, modo mordente,
grão nítido, (fonema [i]);

54
11)
H – som homgêneo tônico, modo cresc., grão liso, com variação de perfil
de massa delta”;

12)
N » N’’» N – nota tônica sustentada, modo cresc., grão fosco, com
variação de perfil de massa dilatado » nota iterada, modo cavo, grão

grosso, (iteração por consoante [β] » nota tônica sustentada, modo


decresc., grão fosco, com variação de perfil de massa dimin.;

13)
N » X – nota tônica sustentada, modo delta., grão fosco, com variação
de perfil de massa delta” » ruído complexo sustentado, modo cresc.,
grão fosco (ruído fricativo bilabial [v]);

55
14a)
N | (N’) | – nota tônica sustentada, modo cresc., grão liso » impulsos
de variação de perfil de massa brusco que soa como acidente, modo
mordente, grão nítido, variação de perfil de massa interna delta (fonema
[g]);

14b)

N – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação de perfil de


massa em delta”;

15a)

N » N’’ – nota sustentada, modo cresc., grão liso, com variação interna
de perfil de massa delta » nota iterada, modo, grão grosso (iteração
consonantal [n]), perfil melódico de evolução geral: clivis;

56
15b)
Y » N’’ – nota variável tônca, modo cresc., grão liso, perfil melódico de
evolução: clivis » nota tônica iiterada, modo cresc., grão grosso (iterada
por consoante [ŋ])

15c)
Y’’ » N”– nota variável tônca iterada, modo cresc., grão grosso, perfil
melódico de evolução: clivis (iterada por consoante [ŋ]) » nota tônica
iiterada, modo cresc., grão fino (iterada por consoante [x]);

57
15d)
N’’– nota tônica iterada, modo mordente, de grão grosso (componente
consonantal [ŋ]) com variação de perfil de massa dimin.;

15e)
N’’ » X’’» N’’ – nota tônica iterada, modo mordente, de grão grosso
(componente consonantal [ŋ]) com variação de perfil de massa dimin. »
ruído iterado, modo mordente, grão nítido (fonema [k]) » nota tônica
iterada, modo mordente, de grão nítido – perfil de massa geral dimin.;

16)
N’ » N’’ – impulsos tônicos, modo cresc., grão rugoso (iteração por
consoante [d]) » nota tônica iterada, modo mordente, grão nítido
(iteração por consoante [t]);

58
17)
| Y’ | – nota variável tônica, modo mordente, grão grosso, variaçao de
perfil de massa dimin., perfil melódico de evolução: clivis (iteração por
consoante glotal [ɠ]);

18)
Yx” – ruídos consonantais iterados, modo mordente, grão nítido, com
variação de altura relativa, de perfil de massa côncavo (iteração por
consoante velar [g’] [k’]);

59
19)
| X’ | – impulsos de ruído consonantal, modo mordente, grão nítido, com
variação de perfil de massa dimin, variação de altura relativa como perfil
melódico de modulação: clivis;

20)
| X” | – ruídos iterados, modo mordente, grão nítido com variação de
perfil de massa (iteração por consoante [g’] e [k’] e leve ruído de fluxo
de ar);

60
21)
N » | N” | » Y” – nota tônica, modo cresc., grão fosco » nota iterada,
modo cavo, com grão rugoso ([β] e [ʀ]) » nota variável, grão rugoso,
allure, com variação de perfil de massa dimin., perfil melódico de
evolução geral: clivis;

22)
N’ » Yn’ – impulsos tônicos, modo cresc., grão liso » notas variáveis,
com troca de modo (mordente fonema [ɠ]) e perfil de massa cavo brusco
que soa como acidente; perfil melódico de evolução: clivis;

23a)
N” – nota iterada, modo cresc., grão grosso (iteração consonantal [n]),
variação de perfil de massa delta”;

61
23b)
N” » X’’ – notas iteradas, modo cresc., grão grosso, com variação de
perfil de massa delta” » ruidos terados, modo mordente, grão nítido,
(iteração por consoantes não pulmônicas [!]);

24a)
| N » N’’ » N | – nota tônica, modo cersc., grão liso » nota iterada,
modo mordente, grão grosso » nota tônica, modo cersc., grão liso, com
variação de perfil de massa geral delta”;

24b)

62
| X | » X’’ | » | X | – ruido contínuo, modo cresc., grão fosco (consoante
fricativa [x]) com variação de perfil de massa delta” » ruído iterado, grão
nítido, (iteração por consoante vibrante [ʀ] com variações de perfil de
massa » ruido contínuo, modo cresc., grão fosco (consoante fricativa [x])
com variação de perfil de massa delta”;

25a)
X’’ – ruído iterado, modo cresc., grão grosso, (iteração por consoante
[n] com presensça de ar na voz, gerando fonema [x] residual);

25b)
X – ruído contínuo, modo cresc., grão grosso, (iteração por consoante
[n] com presensça de ar na voz, gerando fonema [x] residual), com
variação de perfil de massa cavo;

63
25c)
X’’ – ruído iterado, modo cresc., grão grosso, (iteração por consoante
uvular [ʀ] com presença de ar na voz, gerando fonema [x] residual),
com variação de perfil de massa cavo;

26)
X » X’’ » | X | : ruído contínuo, modo cresc., grão fosco([n] com
25 presença de ar na voz, gerando fonema13''[x] residual) » ruido
8'' iterado ([ʀ] 5''
&

uvular), modo mordente, grão grosso » ruído contínuo, modo cresc.,
[ ]
grão
[ ] [ ]R R R

fosco
¿¿ (fricativo [n]); Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y ¿
[n] [n] {a} {o}{ɘ} {ɛ}{ʊ} [n] {o}
{æ}

64
‹ [R] [R] [R]

¿¿ Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y ¿
[n] [n] {a} {o}{ɘ} {ɛ}{ʊ} [n] {o}
{æ}

27a)
| | N | » N’’ | – nota tônica, modo cersc., grão liso » nota iterada, modo
25 13'' 8'' 5''

&
mordente, grão grosso (iteração por [ʀ] com modo de ataque plosivo [t]);
‹ [R] [R] [R]

¿¿ Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y ¿
[n] [n] {a} {o}{ɘ} {ɛ}{ʊ} [n] {o}
{æ}

27b)
N » N’’– nota tônica, modo cersc., grão liso » nota iterada, modo
mordente, grão grosso (iteração por [ʀ] com modo de ataque plosivo [t]);

28)
N » X » X’’ – nota tônica, modo cersc., grão liso » ruído contínuo,
modo cresc., grão fosco ([m] com presença de ar na voz, gerando
fonema [x] residual) » ruido iterado ([ʀ] uvular), modo mordente, grão
grosso, variação de perfil de massa geral delta”;

65
29)
Yn’’ » N’’ – nota variável iterada, modo mordente, grão grosso (iterada
por [r]), perfil melódico de evolução: clivis » nota iterada, modo
mordente, grão grosso (iterada por [r] vibrante);

30)
| N’’/ X | » Y” – nota iterada, modo mordente, grão grosso, com
variaçnao de perfil de massa dilatado, (iterada por [r] vibrante)
interrompida por ruído [ ʃ ] » nota iterada variável, modo mordente, grão
grosso, perfil melódico de evolução clivis;

31a)
| X” » N” | – ruído iterado, modo mordente, grão grosso, (iterado por
consoante [r]) » nota iterada, modo cresc., grão grosso (com mudança
de modo de ataque, [p] se torna [f]), perfil de massa geral delta”;

66
31b)
X” | N » N’’ | » Yx – ruído iterado, modo mordente, grão grosso,
(iterado por consoante [r]) » nota tônica, modo cersc., grão liso » ruído
contínuo, modo cresc., grão fosco » nota iterada, modo cresc., grão

grosso, (com mudança de modo de ataque, [p] se torna [f]), » ruído


variável ([f] com ar e fonema residula [x]), perfil de massa geral delta”;

31c)
| X’’ » N’’ | – ruído iterado, modo mordente, grão grosso, (iterado por
consoante [r]) » nota iterada, modo cresc., grão grosso, (com mudança
de modo de ataque [m] [p] [b] [v] [f] [β]), perfil de massa geral delta”;

67
32a)
| N’’ | » | X | – nota iterada, modo mordente, grão nítido (iterado por
consoante [t] ganha coda silábica consonantal fricativo [f] ) » ruido,
modo cresc., grão fosco, variação geral de perfil de massa dilatado;

32b)
N’’ » X’’ – nota iterada, modo mordente, grão nítido (iterado por
consoante [t], com ar na voz gerando fonema [x] residual) » ruido iterado,
modo mordente, grão nítido (iteração por consoante africada [t∫]),
variação geral de perfil de massa dilatado;

33a)
N » X’ e X’’ – nota tônica, modo cersc., grão liso » impulso de ruído,
modo mordente., grão fosco » ruído iterado, modo mordente, grão nítido
com variação do perfil de massa (soando como perfil melódico
porrectus”);

68
33b)
X’ » X » X’’– impulsos de ruído, modo mordente, grão fosco, com
variação de altura relativa, perfil melódico de modulação torculus” »
ruído contínuo, modo cresc., grão fosco, com variação de altura relativa,
perfil melódico de modulação: torculus” » ruído iterado, modo
mordente, grão nítido, variação de perfil de massa geral delta”;

34a)

| N’ | – nota tônica, modo mordente, grão fosco, repete-se com mudança


de consoante ([f] [tʃ] [β]), variação de perfil de massa geral dilatado;

69
34b)
X’’ » | X’ | – ruídos iterados, modo mordente, grão fosco (consoante
africada [tʃ] » impulsos ruídos, modo mordente, grão fosco, com variação
de perfil geral dimin.;

35a)
X’ » X » X’’– ruídos iterados, modo mordente, grão fosco (consoantes
africadas [ts] e [tʃ] » impulsos ruídos, modo mordente, grão fosco » ruido
iterado, modo mordente, grão nítido, com variação de perfil geral
dilatado;.

35b)
X’’ » X – ruídos iterados, modo mordente, grão nítido ([tʃ]) » ruídos
sustentados (consoantes [tʃ] [x] [ʃ]), com variação de perfil de massa geral
delta”;

70
36a)
N » Xn’’ – nota tônica, modo cresc., grão fosco (componente
consonantal fricativo constante [v]) » ruído iterado, modo mordente,
grão fino, com variação perfil de massa geral delta”;

36b)
Y’’ – nota variavel constante iterada, canelada, modo cresc., grão
grosso perfil melódico de evolução: clivis;

37a)
N – nota tônica, modo cresc., grão fosco ([v] com presença de ar na voz,
gerando fonema [x] residual);

37b)

71
N » Yn”– nota tônica, modo cresc., grão fosco, repete-se com mudança
de consoante ([v] e [z]), » nota variada iterada, modo cresc, grão fino,
perfil mleódico clivis, com variação de perfil de massa geral dilatado;

38)
X » | N’ |» X – ruído continuo, modo cresc., grão fosco (consonantal
fricativo [h]) » com notas pontuais, modo mordente, grão fosco, de

altura variável no perfil melódico de modulação: clivis » ruído continuo,


modo cresc., grão fosco (consonantal fricativo [h]);

39a)
X – ruído contínuo, modo cresc., grão fosco, (consoante velar [x]), com
variação de perfil de massa dimin.;

72
39b)
X » X’’ » X – ruído contínuo, modo cresc., grão fosco, (consoante velar
[x]) » ruídos iterados, modo mordente, grão grosso, ([ʀ] uvular) » ruído
contínuo, modo cresc., grão fosco, (consoante velar [x]), com variação
de perfil de massa delta”;

40)
Y’’ – nota variavel constante iterada, modo cresc., grão grosso ([r]
vibrante) perfil melódico de evolução geral clivis, com variação de perfil
de massa geral dimin.;

41a)
X” » Yn » X” – ruído iterado, modo mordente, grão grosso
(consoante [ʀ] uvular) » nota tônica variável, perfil melódico de
evolução: podatus » ruído iterado, modo mordente, grão grosso
(consoante [ʀ] uvular), com variação de perfil de massa geral delta”;

73
41b)
X » N » X – ruído iterado, modo mordente, grão grosso (consoante [ʀ]
uvular) » nota tônica, modo cresc., grão rugoso » ruído iterado, modo
mordente, grão grosso (consoante [ʀ] uvular), com variação de perfil de
massa geral delta”;

42)
E » Yn – echantillon de ruídos ingressivos glotais possui se torna notas
variávels;

43)

74
X’’ – ruído glotal (fry) com variação de perfil de massa articulado por
consoantes diferentes;

44a)
E » Yn – echantillon de ruídos ingressivos glotais possui se torna
notas variávels, com iterações glotais geram notas residuais agudas;

44b)
E » Yn – echantillon de ruídos ingressivos glotais, modo mordente,
grão rugoso, possui se torna notas variávels, com iterações glotais
geram notas residuais agudas;

75
45)
X’ » | X | » X’’ – impulsos de ruídos, modo mordente, grão fosco
(consoante plosiva [k] + ruído velar [x]) » ruído contínuo, ruído contínuo,

modo cresc., grão fosco, (consoante velar [x] toma proeminência) »


ruídos iterados, com variação de perfil de massa geral delta”;

46a)
| X’ » X | – impulsos de ruídos, modo cresc., grão fosco (consoante
fricativa [f]) » ruído contínuo, modo cresc., grão fosco ([f] + [x]) com
variação interna de perfil de massa delta”;

46b)
| X’ | – impulsos de ruídos, modo mordente, grão fosco (fricativos [ʃ] com
variação interna de perfil de massa em delta”;

76
47a)
X – ruído contínuo modo mordente, grão fosco (fricativos [ʃ] com
pequenas oclusões e posteriormente [f]+[x]) com variação interna de
perfil de massa em delta”;

47b)
X » X” – ruído contínuo modo mordente, grão fosco (fricativos [ʃ] » ruído
iterado com pequenas oclusões glotais e posteriormente [f] + [x]), com
variação interna de perfil de massa em delta”;

48a)
| X’ | – impulsos de ruídos, modo mordente, grão fosco (consoantes
plosivas [k+h] e africadas [tʃ]) com variação interna de perfil de massa
geral delta”;

77
48b)
X’ » X » X”– impulsos de ruído, modo mordente, grão fosco
(consoantes plosivas [t + x]) » ruído contínuo, modo mordente, grão

fosco » com variação de altura relativa e perfil de massa;

49a)
X » X’’ – ruído contínuo, modo cresc., grão fosco (consoante fricativa
velar [x]) » ruído iterado, modo cresc., grão grosso (consoante [ʀ]
uvular), com variação interna de perfil de massa delta;

49b)
| X » X” |– ruído contínuo, modo cresc., grão fosco (consoante fricativa
[f]) » ruído iterado, modo cresc., grão grosso (consoante [ʀ] uvular), com
variação interna de perfil de massa delta;

78
50a)
E » Yn – echantillon de ruídos ingressivos glotais, canelado, modo
mordente, grão rugoso » notas residuais variávels agudas, com variação
de perfil de massa geral dimin.;

50b)
E » Yn – echantillon de ruídos ingressivos glotais, canelado, modo
mordente, grão rugoso » notas residuais variávels agudas, com variação
de perfil de massa geral dimin.;

79
Objetos Artificiais

Para a construção de objetos artificiais, são necessárias a edição, a


sobreposição e a mixagem destes sons. Portanto, proponho aqui a
generalização de cada um deles como utilizado na peça:

3. Grande nota (W) – No caso da voz, grupo de sons que possuem mesma
proveniência seriam todos, portanto foram utilizadas sobreposições. Utilizei sons
de que possuem conteúdo de ruído de ar como estudo 13 sobreposto ao 14, e
ruídos de caráter iterativo como ruídos glotais (fry).

4. Trama (T) – trama sonora feita da sobreposição objetos N, X ou Y.


Utilizei os objetos N presentes nos estudos 1, 2, 4, 5.

5. Célula (K) – trecho sonoro em que se realizam sons desordenados de


mesma procedência. Utilizei um trecho de de sons de ruído consonantal do
estudo 19 e ruído uvular, dos estudos 25, 26, 39 e 41.

6. Fragmento (Φ) – fragmento curto, retirado de uma nota N, X ou Y,


tratado para não se ouvir problemas de corte, com fade in e fade out. Utilizei
retirando fragmentos dos estudos 2, 4, 5, 9.

7. Pedal (P) – repetição em loop de uma célula (K). Utilizei, as células dos
estudos 25 e 26.

80
Breve relato sobre a construção da peça “sinal/ruído I –
Estudo para voz como Objeto Sonoro”

As vocalizações foram gravadas no estúdio Mitra, utilizando um microfone


AKG C414 com padrão polar cardióide, e um pré amplificador Focusrite ONE, e
Conversor PRESONUS Firestudio.
Foram utilizadas ferramentas de edição do software Izotope RX7 e
sequenciamento e mixagem do software REAPER, com pouca manipulação e
efeitos, apenas uso de espacialidade estereofônica e uma pequena
reverberação digital, nativo do próprio software.
A peça se desenvolve partindo de sons que seriam consideradas notas
sustentadas e constrói um itinerário de ganho de componentes complexos para
cuminar num final onde só se perceba o ruído consonantal de ar da voz (o mais
próximo que se chega do ruído branco).
Para esta construção, os estudos para a voz realizados previamente,
buscaram apoiar-se sempre em algum tipo de sonoridade, seja ele
genericamente vogal e sustentado, ou a partir de consoantes específicas,
iteradas ou exploradas de maneira expandida.
Em seu decorrer, a peça explora os estágios de transformação gradual
dos materiais. Os sons sustentados iniciais tendem a ser ouvidos como trama
sonora, ou acordes constantes, e suas variações internas constróem as
variações desejadas destes sons. Num segundo momento, estes sons são
sobrepostos a sons mais destacados ou iterados, que saltam aos ouvidos e
ganham primeiro plano.
Há um acúmulo de informação no terceiro momento, mais extenso da
peça, para culminar na última parte, com apenas ruídos de ar mais sustentados.
Segue um esquema que simplifica a estrutura formal da peça:

81
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As teorias e nomenclaturas desenvolvidas por Pierre Schaeffer


formalizam um estudo completo e contundente, que desbravaram os caminhos
das pesquisas sonoras e musicais das gerações posteriores. Mas são, antes de
mais nada, produto do seu tempo histórico. As inovações técnológicas, que à
época eram custosas e apenas possíveis nos grandes estúdios, como o próprio
estudio da RTF de onde surgiram os trabalhos de especulação de Schaeffer,
hoje são possíveis de serem feitas com o mais simples dos computadores atuais.
Dado o caráter intrincado e específico do método e dos conceitos
desenvolvidos por Schaeffer, seus estudos foram revisitados, sempre
parcialmente e recontextualizados diversas vezes ao longo do século passado21.
Estes outros caminhos, porém, serviriam sempre a uma prática e poética
específica em sua época. Portanto, as teorias de Schaeffer, paradoxalmente,
são de certa maneira abertas, mesmo em toda sua especificidade e hermetismo.
Nesse ínterim, o esforço por adentrar-se nessas teorias é revelador, não
só para atualização dos seus conceitos às novas discussões estéticas e
técnicas, como para se buscar uma abordagem única para o uso de novos
materiais vocais como elemento sonoro principal.
No meu processo de pesquisa, o vislumbre de um viés prático para todos
estes conceitos, que muitas vezes são tidos como superados ou anacrônicos, foi
muito enriquecedor. A teoria de Schaeffer não é para ser estudada apenas
enciclopedicamente, fato que pode ser observado na bibliografia básica para se
adentrar em seu universo: o “Tratado dos Objetos Musicais”, que por ser muito
densa e teórica demais, necessita do seu livro complementar, “Solfejo do
Objetco Sonoro”, este sim, com material sonoro de apoio, mas não menos denso
e labiríntico. Por fim o “Guide des Objet Sonores”, de Michel Chion, serviria como
glossário e índice onomástico do tratado, além de concentrar todas as tabelas e
material visual de uma maneira mais organizada.
No entanto, não me interessou seguir a risca todos os passos da teoria
schaefferiana, pois o meu foco era a compreensão dos conceitos elementares

21
Como a proposta da espectro-morfologia de Dennis Smalley, ou a pesquisa de Curtis Roads,
com micro-sons, ou a própria pesquisa de Trevor Wishart sobre a morfologia sonora.

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da tipologia e da morfologia. As incursões sobre estrutura, análise e sintaxe
musical, não se efetivaram como um método composicional, e não se
estabeleceram para além da lógica e universo fechado do Tratado dos Objetos
Musicais.
Mas, vale ressaltar mais uma vez, estes conceitos se fazem relevantes
como itinerários de especulação sonora e aprimoramento da escuta, buscando
um apoio téorico para além do solfejo tradicional. Esta discussão parece ainda
fazer sentido, mesmo que tenha se passado mais de 50 anos desde a publicação
do Tratado dos Objetos Musicais. Para o ouvido contemporâneo, que já passou
por diversas estéticas musicais recentes, ainda é uma questão a insuficiência do
solfejo musical tradicional para a compreensão e internalização de conceitos
complexos sonoros.
Buscar na Abordagem Articulatória (Mattos, 2014) e mais especificamente
na sua ideia de fonoarticulacao, o suporte para compreensão e realização das
vocalizacoes a serem compreendidas como objetos sonoros, foi o caminho mais
natural para mim, já que o par articulação-apoio, oriundo da fonologia, é sugerido
como generalização dos estágios sonoro-auditivos no texto de Schaeffer.
Logo, o que se propõe aqui pode ser entendido como um método
específico de meta-solfejo do objeto sonoro, com o objetivo de trazer de volta à
voz as características e componentes da escuta complexa, que são produzidos
apenas com gravação, processamento e manipulação de sons. Considero
também a possibilidade deste trabalho contribuir com a atualizacão para a
música experimental, e para este repertório de sons específicos, um ponto de
partida teórico, embasado e consistente.

83
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ANEXOS

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