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TOXICOLOGIA OCUPACIONAL 25
Toxicologia ocupacional
Ana Paula Marreilha dos Santos
— Toxicidade dos Solventes Orgânicos a
Toxicologia Ocupacional
gações toxicológicas executadas em animais de experiência. têm de ser melhorados ou completados com dispositivos de
No entanto, algumas condições básicas devem ser seguidas protecção individual. Um objectivo importante das investi-
para se calcular com determinado grau de segurança o nível gações experimentais e clínicas, é o estabelecimento para o
de exposição para o qual o risco para a saúde dos trabalhado- ar ambiental dos Níveis Admissíveis de Exposição para os
res pode ser desprezado. Devem ser executados uma série de agentes tóxicos, abaixo dos quais a saúde do trabalhador não
testes tais como testes de toxicidade aguda local e sistémica, sofre qualquer dano. Várias instituições oficiais e privadas,
testes de toxicidade subcrónica e crónica, e estudos de efeitos analisam regularmente a informação toxicológica corres-
a nível da função reprodutora e actividade teratogénica; pondente aos agentes químicos, com a finalidade de propor
Investigação da absorção, distribuição, biotransformação e Níveis Admissíveis de Exposição. E evidente que, com a
excreção, mecanismo de acção e estudos de interacção, são acumulação de nova informação acerca da toxicidade dos
também do maior interesse. Uma vigilância biológica racio- químicos industriais, os níveis admissíveis propostos devem
nal da exposição, e a detecção precoce de efeitos nocivos ser reavaliados regularmente. Deve também ficar esclareci-
sobre a saúde dos trabalhadores, só é possível quando tiver do, que estes níveis devem funcionar como valores orienta-
sido reunida suficiente informação toxicológica sobre o dores, e não substituirem uma estreita vigilância médica dos
mecanismo de acção e/ou biotransformação dos xenobióticos trabalhadores.
aos quais os trabalhadores podem estar expostos. Estes
estudos são previamente efectuados em animais. Vigilância Biológica de Exposição a Compostos Químicos
na Indústria
Observação nos Trabalhadores
A Vigilância Biológica de Exposição a compostos químicos
Quando um novo produto químico é lançado para utilização na indústria, significa, a avaliação da exposição interna do
em grande escala, deve ser planeada uma cuidadosa vigilân- organismo a um agente químico, através de um método
cia clínica dos trabalhadores e uma monitorização dos locais biológico. Dependendo do agente químico e do parâmetro
de trabalho. Para além de se pretender verificar eventuais biológico analisado, a expressão «exposição interna» pode
acções específicas decorrentes de qualquer efeito nefasto a apresentar diferentes significados: pode significar a quanti-
nível da saúde dos trabalhadores, uma vigilância clínica tem dade de agente químico recentemente absorvido, a quanti-
dois objectivos fundamentais: confirmar ou não a validade dade armazenada no organismo, ou a quantidade do metabo-
do valor limite proposto com base em experiências realiza- lito activo ligado ao local de acção.
das em animais, e testar a validade dos métodos para a Três tipos de determinações são normalmente utilizadas para
vigilância biológica. avaliar a exposição interna: A concentração da própria
A avaliação da validade do nível proposto com base em substância em diversos meios biológicos; A concentração
experiências em animais é um objectivo fundamental, mas dos produtos de biotransformação (metabolitos) nos mesmos
serão sempre os estudos e observações no homem que meios biológicos; A determinação de alterações biológicas,
decidirão se o valor do MAC proposto, é ou não aceitável. resultantes da reacção do organismo à exposição.
Isto significa que testes comportamentais, clínicos, bio- Novos métodos biológicos de exposição são sugeridos pela
químicos, fisiológicos ou morfológicos, que são hoje consi- experimentação animal, mas a sua aplicação requer uma
derados como sendo os mais sensíveis para detectar efeitos detalhada investigação clínica dos trabalhadores.
adversos ao produto químico, devem ser regularmente apli-
cados aos trabalhadores, ao mesmo tempo que a exposição Detecção Precoce de Efeitos a Nível da Saúde
ambiental é avaliada através de uma monitorização pessoal Um programa de Vigilância Biológica designado para ava-
dos tóxicos ambientais. liar a intensidade da exposição de trabalhadores a produtos
químicos na indústria, deve ser sempre completado com um
Aplicações Práticas programa de vigilância da saúde dos mesmos. O objectivo
deste programa é detectar tão cedo quanto possível, quais-
As três aplicações fundamentais das investigações toxi- quer efeitos biológicos ou funcionais adversos, nos indivíduos
cológicas, são: Proposta de níveis admissíveis de exposição; expostos. A proposta de testes capazes de detectar estes
Desenvolvimento de métodos para avaliação biológica da efeitos precoces adversos a químicos industriais, exige um
intensidade de exposição; Detecção precoce dos efeitos a conhecimento detalhado do seu mecanismo de acção. Infe-
nível da saúde. lizmente, para muitos produtos químicos essa informação
Níveis Admissíveis de Exposição para Compostos Químicos não existe ainda. É portanto necessário, muita investigação
fundamental do mecanismo de acção dos agentes químicos
no Ar Ambiental
industriais, para se poderem desenvolver mais programas
habitual dizer-se que a melhor prática em Higiene Ocupa- válidos de vigilância da saúde dos trabalhadores.
cional é manter as concentrações de todos os contaminantes
atmosféricos tão baixa quanto a prática o permite; este Solventes Orgânicos
procedimento, no entanto, não impede que alguns agentes
químicos atinjam níveis tóxicos. O médico de trabalho, tem Dos diversos grupos de produtos, a que os trabalhadores
de ter normas orientadoras para poder avaliar os potenciais estão expostos na indústria, há um importante grupo de
riscos dos agentes químicos para a saúde, e, se os métodos de substâncias que estão englobadas nos «Solventes Orgâ-
prevenção geral utilizados na fábrica são adequados, ou se nicos».
BOLETIM SPQ, 42, 1990 TOXICOLOGIA OCUPACIONAL 27
Todos nós estamos expostos aos solventes; a sua utilização conjunto de sintomas que podem ser caracterizados através
como dissolventes, dispersantes ou diluentes, leva a que de uma bateria de testes comportamentais, revelando possíveis
sejam produzidos e utilizados largamente. alterações a nível sensorial, cognitivo, afectivo e motor.
Os efeitos devido a exposições a solventes orgânicos são
desde há muito conhecidos. Desde o final do séc. XIX, que Toxicidade Específica
estão descritos casos de trabalhadores expostos com sinto-
mas crónicos mais ou menos persistentes, a nível do sistema Diferente das acções agudas depressoras do SNC causa-
nervoso central. das pelos solventes orgânicos, as acções específicas, podem
A exposição ocupacional aos solventes, pode envolver uma ser associadas a cada um deles. De entre os efeitos es-
série de actividades que vão desde a utilização do fluido de pecíficos dos solventes, podemos salientar a toxicidade
correcção num escritório, até ao indivíduo que trabalha numa hematopoiética do benzeno, a hepatotoxicidade de alguns
bomba de gasolina, numa garagem de reparação de auto- hidrocarbonetos clorados, a toxicidade ocular do metanol,
móveis, numa fábrica de sapatos, etc. No entanto, o facto de a neurotoxicidade do n-hexano e algumas cetonas, a acção
haver exposição não significa que haja toxicidade, embora carcinogénica do dioxano, etc.
o potencial desta aumente sempre que a exposição aumenta; Ao contrário dos efeitos gerais dos solventes, a toxicidade
quando estamos em presença de exposições a misturas (o específica resulta normalmente de uma exposição repetida a
mais frequente!) poderão surgir efeitos imprevisíveis como níveis admissíveis do solvente. A situação normal, e a do
sinergismo ou potenciação de efeitos. indivíduo exposto no dia a dia de trabalho a determinado
solvente (ou solventes); Assim, o solvente, um metabolito
Vias de Exposição tóxico do solvente ou uma alteração nos tecidos devido a
qualquer um deles, pode ir-se acumulando ate o trabalhador
Muitos solventes apresentam apreciável volatilidade, em- desenvolver uma doença que seja clinicamente reconhecida.
bora esta dependa das condições de utilização; assim o tra- A toxicidade específica dos solventes, contrariamente aos
balhador está normalmente exposto aos vapores do solvente. efeitos gerais atrás referidos, está directamente relacio-
A volatilidade dos solventes, indica que a principal via de nada com a biotransformação do solvente. Assim, a toxici-
exposição é a via inalatória. A 2. principal via de exposição dade hematopoiética do benzeno, e a neurotoxicidade do
é a pele. O contacto frequente da pele com os solventes n-hexano, são atribuídas a metabolitos tóxicos destes solven-
(lipossolúveis), pode originar o desengorduramento ou irrita- tes; Este fenómeno geral é chamado Bioactivação, e é
ção da pele. mediado por uma família de enzinas — Oxidases de função
mista, dependentes do citocromo P450.
Toxicidade Claro que nem toda a biotransformação dos solventes origina
uma bioactivação; Na maior parte dos casos, uma ou mais
Os efeitos tóxicos dos solventes orgânicos, podem ser classi- oxidases de função mista, são responsáveis pela conversão de
ficados em gerais e específicos. Em estudos feitos em ani- uma elevada percentagem da dose do solvente num meta-
mais e em trabalhadores expostos, os efeitos observados bolito menos tóxico e mais facilmente excretável — a este
dependem de vários factores: estrutura da molécula do sol- processo dá-se o nome de Destoxicação.
vente, grau e frequência da exposição e sensibilidade do
indivíduo. n-Hexano
Toxicidade Geral
no âmbito da toxicidade dos solventes orgânicos que se
Muitos solventes orgânicos, incluindo hidrocarbonetos, hi- inclui o nosso projecto de investigação, concretamente o
drocarbonetos clorados, alcoóis, éteres, ésteres e cetonas, estudo da neurotoxicidade do n-Hexano, que a seguir abor-
têm a capacidade de causar narcose e morte, em concentra- daremos.
ções elevadas; Trabalhadores expostos a estes solventes Ate recentemente pensava-se que a utilização extensiva na
mostrarão sinais de distúrbios a nível do Sistema Nervoso Indústria de solventes como o n-hexano comportava poucos
Central (SNC). Os efeitos observados aquando de exposições riscos para a saúde; Hoje, reconhece-se que as neuropatias
a elevadas concentrações de solventes com diferentes estru- periféricas podem resultar de uma exposição prolongada a
turas, são muito semelhantes: desorientação, euforia, verti- este solvente. A utilização do n-hexano está espalhada pelas
gens, confusão, tendência para um estado inconsciente, mais diversas indústrias, sendo este hidrocarboneto um
paralisia, convulsões e morte, por paragem respiratória ou constituinte de numerosos produtos comerciais. O n-hexano
cardíaca. A rapidez do desenvolvimento destes sintomas, é um excelente e barato solvente que faz parte da composição
quase que assegura que os efeitos agudos dos solventes, são de colas, vernizes, tintas, para só mencionar alguns produtos.
devido à própria molécula do solvente e não a metabolitos. A Comercialmente, o n-hexano é utilizado na extracção de
semelhança da narcose produzida por solventes com estrutu- óleos vegetais de sementes como as de soja e algodão;
ras diversas, sugere que estes efeitos resultam de uma inter- também um componente menor da gasolina.
acção física do solvente com as células do SNC. Sendo assim, Não é surpreendente, que antes da descoberta da potencial
o efeito narcótico do solvente, dependerá unicamente da acção neurotóxica deste solvente, ele fosse visto como pouco
concentração molar do solvente no SNC. tóxico uma vez que a sua toxicidade aguda é baixa.
Outros efeitos dos solventes, que podem estar relacionados Frequentemente, a neuropatia periférica causada pelo
com acções não específicas a nível do SNC, apresentam um n-hexano é devido à inalação deliberada de vapores de
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colas (lacas ou solventes) que contêm n-hexano, por in- ligação de cabono mais fraca: o 1-hexanol é o menos prová-
divíduos cuja finalidade é atingir um determinado estado de vel destes produtos de oxidação do n-hexano; o 2-hexanol
euforia. e o 3-hexanol deveriam ter iguais probabilidades de se
Calcula-se que, diariamente, há cerca de 2,5 milhões de formarem, no entanto, devido possivelmente à estereoquí-
indivíduos expostos aos vapores de n-hexano, no local de mica da molécula, o 2-hexanol é o produto de oxidação pre-
trabalho. dominante. Da oxidação do 2-hexanol, resulta a formação
O valor recomendado como limite no ar ambiental, para o de metil-m-butilcetona ou 2,5-hexanodiol seguido de 5-hi-
n-hexano é de 50 ppm durante 8 h de trabalho diário. droxi-2-hexanona, 2,5-hexanodiona e outros metabolitos
(Figura 1).
Neurotoxicidade no Homem CH3CH2CH2CH2CH2CH3
n-Hexano
Os primeiros casos de polineuropatia provocada pelo I oxidapão
n-hexano, foram descritos em 1964 em trabalhadores envol-
CH3CHCH,CH2CH,0H3
vidos no fabrico de produtos de polietileno laminado. Em - -
1969, o caso mais grave sucedeu no Japão, numa pequena OH
2-Hexanol
indústria artesanal de calçado, cujos trabalhadores estavam
expostos a colas que continham n-hexano; as concentrações oxidação
resultados semelhantes: a neurotoxicidade do n-hexano e zir uma axonopatia. Várias dicetonas incluindo a 2,4-pen-
metabolitos aumenta com a oxidação e é directamente pro- tanodiona, 2,3-hexanodiona, 2,4-hexanodiona, 2,5-hexa-
porcional à quantidade de 2,5-HD resultante. Um outro nodiona, 3,3-dimetil-2,5-hexanodiona, 3,4-dimetil-2,5-hexa-
aspecto a considerar, é a permanência prolongada e a excre- nodiona, 2,6-heptanodiona, 3,5-heptanodiona e 3,6-octa-
ção lenta da 2,5-HD no organismo. nodiona, têm sido estudadas em relação ao seus efeitos
Angelo verificou que a 2,5-HD é em grande parte metaboli- neurotóxicos (Figura 2). Esta série de compostos difere
zada a CO2 (ate 45%), mas a sua incorporação em macromo- quanto ao comprimento da cadeia carbonada, distância
léculas e elementos celulares dos tecidos, é responsável pela entre os dois grupos carbonilo e simetria da molécula.
persistência da mesma nos tecidos; O cérebro e músculo, Só os compostos que têm 2 grupos carbonilo em posição 7
apresentam as semividas mais longas, 33 e 32 dias respecti- são capazes de produzir uma patologia axonal semelhante
vamente, após 21 dias de exposição i.p. (intra-peritoneal). A. do n-hexano. Do aumento do comprimento da cadeia
de hexanodiona para octanodiona, resulta uma diminui-
Neurotoxicidade das Dicetonas cão da actividade; Também, a adição de 2 grupos metilo na
posição 3 da 2,5-HD diminui substancialmente a neuro-
A verificação da importância da 2,5-HD na origem da toxicidade, enquanto a adição de 1 único grupo metilo na
neurotoxicidade, levou à execução de estudos a nível de posição 3 ou 4 da mesma molécula, aumenta muito a neuro-
características da estrutura da molécula capazes de indu- toxicidade.
Dicetona Estrutura Espaço entre Neuropatia
grupos carbo- axonal
nilo
2,4-Pentanodiona No
II II
CH CCH2CCH3
2.3-Hexanodiona 00 Não
11
CH 3 CCC H 2C H 2CH 3
2,4-Hexanodiona 0 O B Não
2.5-Hexanodiona Sim
H H
CH3C0H7C H 2CCH7
2.5-Heptanoolona o O Sim
II I
CH3CCH2CH2CCH2CH3
2.6-Heptanodiona d' No
3,5-Heptanodiona O O No
II II
CH3CH2 C CH2CCH 2 CH3
3,6-Octanodiona o o Sim
II
CH3 C H200H 2 CH2CCH2CH3
CH3
FIGURA 2
Estrutura das dicetonas susceptíveis de causar uma axonopatia periférica distal com tumefacção dos axónios
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LISBOA
QUÍMICA E SOCIEDADE
A PRESENÇA DA QUÍMICA NA ACTIVIDADE HUMANA
ÍNDICE
Moléculas da Vida
Ana Lobo
Química e Saúde
Eduarda Rosa e Fatima Norberto
A Química e a Alimentação:
E A Química na Cozinha
DA Vera F. Sá da Costa
EDITORES
NOME
MORADA
Sou sócio da SPQ e desejo receber um exemplar do livro QUÍMICA E SOCIEDADE para o que envio o cheque
N 2 do Banco , no Valor de 1000$00, em nome da Sociedade Portuguesa de Química,
Av. da República, 37 - 4•Q — 1000 LISBOA
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