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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

HISTORIA DO DIREITO MOCAMBICANO

NOÇÕES DE DIREITO

É um conjunto de normas jurídicas que regulamentam as várias situações da vida que desenvolvem
numa determinada sociedade; regras conformadoras do comportamento dos entes sociais, cuja
infracção implica a susceptibilidade de aplicação de uma dada sanção.

Existem dois tipos de Direito

Subjectivo e Objectivo

O Subjectivo é aquele que está preocupado em estudar as manifestações desenvolvidas num


determinado Estado numa determinada época ao passo que o Objectivo relata as normas de
convivências do momento.

Os conceitos de periodização e Cronologia.

Periodização: divisão da História em grandes etapas, épocas em que se destacaram as principais


características que diferenciaram uma época da outra.

Periodizar a História de Moçambique não é tarefa muito simples. Porém, isso não impede a
colocação de uma proposta.

O nascimento de Jesus Cristo foi um acontecimento muito importante e foi posteriormente adoptado
pelo ocidente como um momento de viragem do calendário. Assim, o período anterior ao
nascimento de Jesus Cristo foi designado “antes da nossa era” e ao período posterior designado
“nossa era”. Porém, para os árabes o nascimento de Jesus Cristo já não se reveste da mesma
importância que é atribuída no ocidente. Para estes países, o acontecimento de extrema importância
foi a fuga do Profeta Maomé de Meca para Medina (Hégira) no ano 622 da N.E., dando origem à
religião Islâmica.

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Como se pode perceber do exemplo acima dado, a periodização em História não é pacífica nem
consensual. Ela baseia-se em factos históricos seleccionados e considerados mais importantes pelo
historiador.

Cronologia: ciência que tem por objectivo o estudo do tempo decorrido desde um determinado
facto ocorrido na História do mundo, tomando como referência qualquer outro acontecimento.

Diversas datas têm sido usadas, como por exemplo, o nascimento de Cristo, a Fuga do Profeta
Maomé de Meca para Medina, a penetração dos Bantu em Moçambique, a tomada de Roma pelos
bárbaros, etc.

Proposta de periodização da História de Moçambique.

1º Período: vai até aos anos 200/300 da N.E

 Caracteriza-se pela existência de modo de vida comunitária, existência de pequenos


grupos que se vão deslocando de um ponto para o outro, vivendo da caça e da recolecção
e dependendo quase exclusivamente da natureza. Esta forma de estar foi sendo
substituída com o aparecimento dos povos praticantes da agricultura e da pastorícia, e da
metalurgia de ferro - os Bantu.
2º Período: Pré-imperialista (desde a fixação Bantu, desde os anos 200/300 até 1886):

 Trata-se de um período longo que teve o seu começo no século III da N.E até ao último
quarteto do século XIX.

Neste período assistiu-se a imigração de povos praticantes de agricultura e da pastorícia,


actividades, sobretudo a primeira que ditavam a sua sedentarização, diferentemente dos
grupos de caçadores e recolectores que existiram no período anterior. Aparecimento dos
povos da Ásia Insular: os malaios, indonésios, árabes; e o surgimento e decadência do Estado
de Zimbabwe (1250-1450) e o Estado Monomutapa (1450-XX).

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Neste vasto período, assistiu-se à penetração mercantil portuguesa, às tentativas do Estado


português de povoamento no vale do Zambeze, no século XVII. Neste período, a presença
colonial portuguesa restringia-se à costa e aos cursos dos grandes rios.

3º Período: Penetração europeia – 1886/1930:

 Caracterizado pela conquista militar portuguesa em Moçambique e pelas disputas entre as


potências coloniais europeias; há predomínio do capital internacional não português, em
Moçambique, bem testemunhada pela implantação de grandes companhias que se
instalaram na região centro e Norte de Moçambique e a dependência quase total do sul do
rio Save ao Transval.
4º Período: Período colonial-1930 – 1964, ano do início da Luta Armada de Libertação
Nacional.

 Inicia com a publicação do Acto Colonial, em 1930, documento que definia o estatuto das
colónias de Portugal. Nesta fase assiste-se a uma viragem na actuação portuguesa em
relação às suas colónias. Há introdução de culturas forçadas de algodão, arroz, a
intensificação da exploração da população moçambicana, a discriminação social salarial
entre portugueses e moçambicanos. Isso despertou a consciência dos operários,
estudantes, conduzindo-os ao desenvolvimento do associativismo profissional e cultural.
Crescem a contestação e denúncias às injustiças sociais; surgiram, fora de Moçambique,
as primeiras organizações políticas que pretendiam lutar contra o colonialismo: MANU,
UDENAMO, UNAMI, que, em 1962 fundiram-se formando a FRELIMO- Frente de
Libertação de Moçambique.

5º Período: Período da Luta Armada-1964- 1975- é uma fase própria da guerra que,
tendo iniciado na Província de Cabo Delgado, com o ataque ao posto de Chai, nos dias e
meses subsequentes, a acção armada das FPLM também se fez sentir nas Províncias de
Niassa e Tete. A acção militar dos portugueses, conhecida como operação “Nó Górdio”
caracterizou este período. Esta operação foi organizada e dirigida pelo General Kaulza de

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Arriaga que iniciou-a em 1970 com o objectivo de acabar com as zonas que já tinham
sido libertas pela FRELIMO.

 Caracterizou-se também pelo golpe militar do Estado em Portugal (25 de Abril de 1974)-
acto que abriu as portas para a independência de Moçambique e outras colónias
portuguesas.
6º Período: Pós – Independência-1975-1992.

 Período marcado pela proclamação da Independência de Moçambique (25/06/1975) e


termina com a assinatura do Acordo Geral de Paz a 4 de Outubro de 1992, em Roma,
capital italiana.
 Existência de Partido único, com orientação política Marxista-Leninista;
 Moçambique operou tantos milagres no campo da saúde e educação, com estes serviços
acessíveis a toda população, independentemente do seu estatuto social.
 Guerra Civil entre a RENAMO e FRELIMO a partir de 1976;
 Em 1987, Moçambique iniciou a liberalização económica que implicou que o estado
deixasse de fixar metas de produção, o preço das mercadorias.
 Privatização das Empresas estatais e houve muitos despedimentos dos trabalhadores.
 Entrada em vigor da Constituição multipartidária em 1990 e, em 1992 terminou a Guerra
civil.
7º Período: Moçambique após o AGP- 1992 à actualidade

 O país experimenta a democracia multipartidária: em 1994, houve as primeiras


eleições multipartidárias, presidenciais. As eleições conduziram a eleição de 132
deputados para FRELIMO, 109 para a RENAMO e 9 para a União Democrática e nas
presidenciais ganhou o candidato da FRELIMO- Joaquim Alberto Chissano. Em 1999
realizaram-se as segundas eleições gerais e multipartidárias, em que foram eleitos 133
deputados da FRELIMO e 117 da RENAMO e outros dez partidos e reeleito Joaquim
Alberto Chissano como presidente da República.
 Caracterizado, igualmente, pelas catástrofes naturais de 2000;
 Manifestações populares de 05 de Fevereiro de 2008.

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MOÇAMBIQUE - DA COMUNIDADE DE CAÇADORES E RECOLECTORES AO


SURGIMENTO DAS SOCIEDADES DE EXPLORAÇÃO

As comunidades de caçadores e recolectores: os Khoisan- vida e economia.

As comunidades recolectoras remontam há cerca de 12000 anos na África Austral e


existiram em Moçambique até finais do 1º milénio da era cristã. Estas comunidades
caracterizavam-se:

 Pelo imediatismo no consumo;


 Dedicavam-se à recolecção de frutos silvestres, caça e pesca.
 Não tinham desenvolvido ainda a prática da agricultura e pecuária;
 A colecta era uma actividade que requeria um conhecimento de plantas comestíveis e o
habitat dos animais perigosos;
 Divisão do trabalho por idade e sexo: mulheres, idosos e crianças iam à apanha de ervas,
raízes, mel, insectos, entre outros alimentos; os homens e jovens iam à caça e pesca.
Estes caçavam coelhos, pássaros, lagartos, tartarugas…; para tal, usavam lanças
envenenadas, utensílios de corte fabricados na base de pedras, paus, ossos e marfim.
 Viviam em grutas e cavernas.
 Eram nómadas;
 O rendimento obtido no fim do dia era distribuído por igual, quer dizer, não havia classes
sociais;
 As pinturas rupestres eram associadas a este grupo populacional;
 Viviam a promiscuidade.

Os povos de origem Bantu:

Origem dos Bantu

A expansão Bantu iniciou no Noroeste das grandes florestas congolesas e passou para a África
Oriental e Austral. Gradualmente ocuparam o sul de Moçambique ao longo das bacias fluviais
costeiras e planaltos do interior. Este movimento progressivo é conhecido como expansão Bantu
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e deu-se a partir dos anos 1700. Com a chegada dos bantu, a vida das sociedades moçambicanas
altera-se.

Causas da expansão Bantu

As causas da migração populacional relacionam-se com a difusão da tecnologia do uso de ferro


nos Grandes Lagos e na África Austral, bem como a prática das actividades agro-pecuária.

BANTU- palavra com conotação linguística. Surgiu entre 1851-1869 com o linguista alemão
Bleek para assinalar o parentesco de cerca de 300 línguas. Não existe uma raça Bantu.

As diversas teorias sobre a expansão bantu segundo Martin Hall

Martin Hall resumiu as correntes/teorias de expansão bantu em três fundamentai, baseando-se


em sínteses das discussões dos linguistas, arqueólogos e historiadores:

i. A teoria rácica;
ii. A teoria linguística (é a que apresenta os argumentos mais consistentes sobre as razões da
expansão);
iii. A teoria da domesticação das plantas e animais e da expansão da metalurgia de ferro;
Consequências da expansão Bantu em Moçambique

Em Moçambique, o povoamento bantu resultou:

 Na sedentarização;
 Na expansão demográfica;
 No processo de fabrico de ferro; e Na domesticação de animais e plantas.

O estudo arqueológico sobre o povoamento da região avança hipótese de duas rotas de


penetração: travessia do rio Rovuma em direcção ao sul, ocupando progressivamente o Zambeze
e, contorno do lago Niassa e povoando as terras para o Norte e depois as planícies costeiras dos
vales dos rios Lúrio e Lugela.

Evidências destas populações têm sido reveladas por diversas estações arqueológicas em Matola,
Xai-Xai, Vilanculos, Save e Niassa.
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Conceitos de : bando, clã, família alargada, linhagem e, sociedades de exploração.


Bando- sociedades primitivas que viviam em pequenas comunidades.

Clã- tribo formada por um grupo de famílias de origem comum.

Família alargada/ Linhagem – vários descendentes que têm origem num antepassado comum
através de uma filiação paterna ou materna.

A linhagem é conhecida entre os Tsonga por ndangu (ndjango), entre os Ajaua por Liwele;
Macuas por Nloko; e os chonas, por Bvumbo.

Sociedades de exploração – aquelas em que a produção e a distribuição do rendimento não são


feitos de forma equitativa. Uns apoderam-se do trabalho dos outros.

Organização social e política

Cada linhagem era dirigida por chefe com poder político, social, económico, jurídico e religioso.
Quer dizer, cabia ao chefe a manutenção das relações entre os membros da linhagem, a resolução
de contendas, o controle de impostos, o controlo das alianças matrimoniais, o seu bem-estar, a
saúde dos membros, etc.

No norte, o poder passava do tio materno para o sobrinho, filho da irmã mais velha. Na
linhagem matrilinear, no norte, o tio materno dividia as parcelas pelas suas sobrinhas casadas
onde o casamento era uxorilocalidade (o casal ia residir na povoação da mulher). Nesta
linhagem o poder pertence a família da mulher. A educação dos filhos não é assegurada pelo pai,
mas sim pelo tio materno. Às mulheres dedicam-se à agricultura e os homens à caça, à pesca e à
construção de casas.

No sul, poder político era hereditário/sucessório. O mesmo era exercido pelos homens, passava
do pai para o filho mais velho da família. Na linhagem Patrilinear, no sul, o poder é exercido
pelo marido; pratica-se a virilocalidade (com o casamento a mulher transfere-se para a povoação
do marido), os descendentes de um casal pertencem à família do marido, contrariamente ao que
sucede na linhagem matrilinear em que os filhos fazem parte da família da mulher.

O dote (lobolo) pago pelo noivo aos sogros aparece como um mecanismo de estabilidade dos
casamentos e de subordinação da mulher em relação ao homem. A pastorícia é praticada pelos
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homens. O gado era o principal meio de pagamento do lobolo e simbolizava o poder económico,
o que provava a capacidade de adquirir mais esposas

A Evolução Histórica do Constitucionalismo

A “teoria  (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia de
direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade...técnica
específica de limitação do poder com fins garantísticos.”

“Canotilho; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7 ed., p. 51 “.

Para Gomes Canotilho, constitucionalismo antigo é “todo sistema e organização político-jurídica


que precedeu o constitucionalismo moderno, como os constitucionalismos grego e romano”op.
Cit. P. 52.

1. A ANTIGUIDADE CLÁSSICA

Karl Lorenstein, em Teoria da Constituição, p. 154, retrocedendo ao período anterior ao


Helenismo, identifica “entre os hebreus, o surgimento do constitucionalismo, estabelecendo-se
no Estado Teocrático limitações ao poder político ao assegurar aos profetas a legitimidade para
fiscalizar os atos governamentais que extrapolassem os limites bíblicos.
Após a era Mosaica, inicia-se o período dos Juízes, dos quais o profeta Samuel foi o último.

Tendo passado pela transição entre o período dos Juízes até a instauração da Monarquia, este
profeta fiscalizou e contestou acções “extrapolantes” por parte do primeiro Monarca (Saul).

Nas Cidades-Estados Gregas (séc. V a.C), deu-se como exemplo de democracia constitucional,
na medida em que a democracia directa, particular a elas consagrava “...o único exemplo
conhecido (discordo) de sistema político com plena identidade entre governantes e governados,
no qual o poder político está igualmente distribuído entre todos os cidadãos ativos.”

A PARTILHA DE AFRICA E A CONFERENCIA DE BERLIM

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Que razões levaram a uma tão rápida e vertiginosa ocupação do continente africano?

Para além das razões de ordem económica, comuns às potências europeias empenhadas [e de tal
modo comprometidas] no processo de industrialização, e que foram determinantes a partilha da
África, feita de uma forma tão precipitada, foi o resultado da intervenção do rei da Bélgica,
Leopoldo II, e da Alemanha que, anteriormente, não tinham demonstrado interesse pelo
continente africano.

Assim, desconhecido o Centro africano, para a penetração nela, as embocaduras do rio Congo ou
Zaire tornar-se-á o cerne das atenções e das mais puras situações litigiosas entre as grandes
potências europeias. É por meio desta que surge a ideia da criação de uma conferência, realizada
em Berlim, entre Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, uma reunião que, a pesar de
vários assuntos abordados, teve como umas agendas da resolução a região do Congo.

A partilha de África pode ser explicada segundo as seguintes teorias:

Teoria Económica: a Europa aproximou-se da África pela ambição de recursos económicos e


mercados. A Europa já tinha iniciado o processo de industrialização, o que necessitava de mão-
de-obra, matérias-primas e mercados consumidores.

Teoria Psicológica: que se subdivide em Darwinismo Social- a Europa dominou os africanos


porque eram mais fracos; Atavismo social- simples vontade de querer dominar o outro;
Cristianismo Evangélico- justifica-se pela salvação das almas africanas.

Teorias diplomáticas Para evitar o conflito generalizado entre europeus era preciso ocupar
África, segundo a Estratégia Global.

Teoria da dimensão africana: os problemas da colonização devem ser procurados em África;


eles não conseguiram superar o colonialismo pois não estiveram preparados.

O Processo de “Roedura” do Continente.

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Uma invasão consiste numa acção militar em que as forças armadas de uma entidade geopolítica1
entram em território controlado por outra entidade, geralmente com objectivos de conquista
territorial ou de alterar o governo. Uma invasão pode ser a causa de uma guerra.

O processo de roedura da África teve um começo anterior a conferência de Berlim, com a estada
dos portugueses por volta de 1430. No século XV, as nações cristãs da Europa iniciaram a Era
Moderna do colonialismo com a “Era dos descobrimentos” (ou Era das Navegações) é a
designação dada ao período da História que decorreu entre os séculos XV e início do século
XVII, durante o qual os europeus exploraram intensivamente o globo terrestre em busca de
novas rotas de comércio, visto que, os turcos otomanos haviam bloqueado o acesso às Índias via
terra de Tânger até a região de Safim, o rei de Portugal enviou viajantes exploradores à procura
de rotas marítimas.

Pode-se afirmar que, o processo de “roedura” começa a se esboçar com os portugueses, e


espanhóis, entre os séculos XV e XVI que estabeleceram relações com África, América e Ásia,
em busca de uma rota alternativa para as “Índias”, movidos pelo comércio de ouro, prata e
especiarias: produtos de origem vegetal, como, frutas, flor, sementes, casca, caule de aroma...
Estas explorações no Atlântico e Indico foram seguidas pelos países do Norte da Europa (França,
Inglaterra e Holanda).

A exploração europeia perdurou até realizar o mapeamento global do mundo, resultando numa
nova divisão e no contacto entre civilizações distintas, alcançando as fronteiras mais remotas
muito mais tarde, já no século XIX.

Como se processou a invasão e conquista do continente africano?

O processo de ocupação territorial, exploração económica e domínio político do continente


africano por potências europeias teve início no século XV e estendeu-se até metade do século XX.
Um dos aspectos mais importantes destas conquistas para a Europa foi a escravatura, com
exportação de uma grande parte das populações africanas para as Américas, com
consequências negativas, tanto para o continente africano, como para os descendentes dos
escravos que perduraram por lá.

1 Localização do território e posse de recursos naturais.


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O colonialismo em África surgiu no contexto das guerras que ocorriam na Europa durante os
séculos XV a XVII pela escassez de terras e ausência de determinados produtos. Neste caso,
os europeus foram aos poucos aproximando-se para África, tendo pela primeira vez alcançado
Ceuta, em 1415. Mais tarde, eles vão se expandindo para a Costa. No mesmo contexto, surgem
em África exploradores como: David Livingstone, Mungo Park, Morton Stanley, Sarvognan de
Brazza, Serpa Pinto, Capelo Ivens, António Maria Cardoso, entre outros.

O objectivo fundamental destas viagens de reconhecimento era descobrir o que é que existe em
África e, que seja especial para os europeus. Fora dos jornalistas e exploradores, os comerciantes
e os prisioneiros, também fizeram parte das viagens exploratórias.

Portanto, a saída dos europeus para África, deveu-se, também, aos conflitos entre religiosos
católicos e protestantes; havia perseguições no seio da Europa; outro factor é que depois da
estabilização da Europa, com poucas terras expandem-se para alargar suas esferas de influência.

Procedimentos usados para conquistar a África

Entre os séculos XV e XIX, a Europa conseguiu afirmar-se em África conquistando pessoas e


espaços, através da diplomacia, negociação com os chefes locais e no falhanço à diplomacia,
nalgumas vezes usavam a força. A conquista total dos africanos aconteceu depois da Conferência
de Berlim (1884/1885).

Alguns percursos dos exploradores

D. Livingstone (19/03/1813 – 01/05/ 1873) foi um missionário, médico escassez e explorador


europeu em África, cujo desdobramento do interior do continente contribuiu para a colonização
de África. Livingstone ficou convencido da sua missão de chegar a novos povos no interior de
África e apresentá-los ao Cristianismo, bem como libertá-los da escravidão. Em 1849 e 1851 ele
viajou por todo Kalaari. Ele chegou à foz do rio Zambeze sobre o Oceano Indico, em Maio de
1856.

Stanley, que em 1871 parte de Zanzibar em direcção ao Lago Tanganhica à procura de


Livingstone, atravessou a África equatorial, da Costa Oriental (Zanzibar) à Costa Ocidental (foz
do Zaire), entre 1875 e 1877.

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Brazza, que em 1873 empreendeu o reconhecimento da região equatorial na Costa Ocidental


africana, a norte do rio Zaire.

A certeza da existência de riquezas africanas fez nascer neste período uma série de Associações
de patrocínio a estas viagens. Teoricamente definidas como Associações Científicas e
filantrópicas organizadas com o objectivo de promover a exploração e a “civilização africana”,
elas tiveram essencialmente fins políticos e não surgiram desligadas das rivalidades entre
potências europeias. Destacou-se aqui a “Associação Internacional Africana”, criada depois da
Conferência Geográfica de 18762. Essa Conferência decorreu sob direcção do rei Leopold II da
Bélgica.

Ainda no que concerne às Associações, surgiu em Portugal (1875) a Sociedade Geográfica de


Lisboa.

Afinal o que terá sido a Partilha de África?

O período mais activo da Partilha ocorreu depois de a Alemanha ter se apoderado, no período de
1882/ 1884 de algumas zonas estratégicas na Costa de África, tais como Luderitz (hoje Namíbia)
e Tanganyica. As tensões avolumaram-se e foi nesse contexto que surgiu a Conferência de
Berlim, como se ilustra a seguir:

“A Conferência de Berlim, realizada em 1884/5 entre as grandes potências europeias, ocupou-


se da discussão da questão colonial e foi um processo para se chegar a um acordo, à mesa das
conversações, sobre o delineamento das fronteiras, com o fim de evitarem, no futuro, conflitos
armados. A partilha de África, aquela que passou a vigorar nos mapas, não se fez
verdadeiramente na Conferência de Berlim. Ela principiara já, e prosseguiu depois. O que se
tentou fazer em Berlim, foi obter um acordo de princípios entre as diversas potências
concorrentes” (Departamento de História da UEM, 2000, p. 161).

O trecho acima apresentado atesta claramente que a Partilha de África não foi algo iniciado com
a convocação da Conferência por Otto Von Bismarck. Foi antes de mais, um processo que teve
seu início muito antes da Conferência. Esta serviu apenas para a legitimação da partilha.

2 Realizou-se em Bruxelas, cujos objectivos foram, formalmente, declarados científicos e filantrópicos.


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A autoridade tradicional v régulo local

O termo autoridade tradicional tem sido considerado como uma instituição oposta às formas de
chefia do Estado moderno, portanto, o termo é tomado como antítese do moderno. Autoridade
tradicional é um sistema de chefias produzidas pela administração colonial. A autoridade
tradicional assim como o régulo são pessoas locais que assumem um poder tradicional dentro das
comunidades. A diferença que existe encontra-se na legitimidade e legalidade do poder de um
e do outro. A legitimidade do chefe tradicional é conferida pela comunidade, enquanto o régulo
era legitimado pela administração colonial.

A autoridade tradicional é um indivíduo que devido aos laços com a terra exerce um poder
simbólico de pai da comunidade. Todo o exercício do poder está descentralizado em linhagens
com diferentes tipos de ligação com a linhagem dominante. Estas ligações, são estabelecidas,
ou através de conquistas ou ainda através da escolha pessoal, onde os grupos escolhem estar
ao lado de alguém justo ou poderoso (Lundin, 1995). Autoridade tradicional não pode ser
destituída conforme o prazer ou por decisão dos membros comunitários.

Como fundamento dessa ideia, Ivala et al (1999) afirmam que quem admite a entronização de
um novo chefe são os espíritos dos antepassados com os quais ele estará em constante
comunicação ao logo de todo o período de exercício das suas funções.

CARACTERIZAÇÃO DA AUTORIDADE TRADICIONAL

O surgimento da autoridade tradicional insere-se no período da formação das primeiras unidades


políticas no país. Neste período, nas diferentes regiões do país começaram a surgir pequenos
núcleos familiares mais conhecidos por linhagens. Estes pequenos núcleos, ao andar do tempo,
foram crescendo através da própria reprodução (constituindo famílias alargadas), e por outro
através da agregação de famílias ou indivíduos vindouros. Os núcleos assim constituídos foram-
se estruturando e consolidando política e socialmente. É neste processo que surgiu autoridade
tradicional.

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Os principais elementos da estrutura política do poder tradicional são os chefes e seus


colaboradores. O acesso ao trono obedece a um conjunto de regras como, a primazia de
ocupação de terras, conquista, a sucessão e o carisma. O poder dos chefes tradicionais
considera-se ligado aos antepassados pois, crê-se que estes jogam um papel fundamental na vida
da comunidade, como elo de ligação entre os vivos e os mortos.

No período colonial, devido as dificuldades de inserção da máquina administrativa, o governo


português procurou formas de se estabelecer nas diversas regiões para por a funcionar seus
planos económicos, sociais e políticos, assim, compreenderam que só os chefes tradicionais
poderiam servir de interlocutores entre eles e a comunidade devido ao respeito que gozavam na
comunidade. Foi neste contexto que os chefes tradicionais foram integrados na administração
colonial.

A palavra régulo passou a designar todas as figuras políticas que estivessem a frente de
determinadas unidades políticas independentemente da legitimidade comunitária. Foi então que,
a figura do régulo foi sendo confundida muitas vezes com a do chefe tradicional.
Com a independência de Moçambique de 1975, tanto os chefes tradicionais como os régulos
foram conotados como servidores do governo colonial português. Este facto fez com que na
criação do novo aparelho do Estado, os chefes tradicionais passassem a uma situação marginal
e sem nenhuma função sobretudo quando se tratasse da articulação com os Órgãos do Estado.
No seu lugar, foram institucionalizados os Grupos Dinamizadores e as Assembleias populares
com intuito de assegurar as tarefas sociais, económicas e culturais de cada região tendo em conta
as suas especificidades.

Foi a partir dos anos de 1992 que apesar de ausência de uma lei que reconhece-se a autoridade
tradicional, começa-se a sentir a existência duma certa colaboração entre esta entidade e as
instituições do Governo de Moçambique.

A autoridade tradicional exerce junto às comunidades várias funções ligadas ao desenvolvimento


socioeconómico, cultural e política das respectivas comunidades. A liderança comunitária goza
de um prestígio social dentro das comunidades onde estão inseridos, de tal maneiras que

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todas as decisões importantes sobre a vida da comunidade só poderão surtir efeitos desejados se
tais decisões forem implementadas em coordenação entre a autoridade tradicional e os Órgãos
interessados.

FONTES DE LEGITIMAÇÃO DA AUTORIDADE TRADICIONAL

A autoridade tradicional apresenta formas de regulação com origem na comunidade. Para os


estudos sociológicos, identifica para além da autoridade tradicional outros dois tipos puros de
autoridade nomeadamente: autoridade legal quando o indivíduo na sua acção obedece a uma
regra estatuída e não a uma pessoa, e autoridade carismática onde a autoridade é sustentada
pela capacidade ou qualidades pessoais de responder uma situação não comum.

A autoridade tradicional assenta na crença a tradição e a sua legitimidade é garantida por aqueles
que governam segundo essas tradições. Segundo Durkheim (1983), A autoridade tradicional,
assenta-se na coesão social baseada principalmente nos valores a que todos os membros do
grupo prestam obediência.

Nestas sociedades onde domina a autoridade tradicional, as crenças comuns em relação ao


mundo servem de elementos unificadores da sociedade, pois constituem uma ideologia. Os
símbolos e rituais que expressam valores e crenças comuns dão relevo a unidade do grupo, da
mesma maneira que reforçam o consenso e a solidariedade social, reduzindo desta maneira
atitudes conflituosas.

Do ponto de vista da sua natureza, a autoridade tradicional, de forma geral, é moldada por uma
organização social linhageira assente no parentesco, tendo no culto dos antepassados uma das
características marcantes da sua religiosidade. Nestas circunstâncias, a linhagem constitui o
principal critério para legitimar o poder da autoridade tradicional.

A autoridade tradicional recorre a dois tipos de legitimidade: através de um processo formal


de reconhecimento legal dentro de parâmetros do governo e pela comunidade. Neste último caso,
a legitimidade deve ser entendida como um processo de relacionamento instituído entre o

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líder e uma dada comunidade ou grupo étnico. Este relacionamento é assente no


reconhecimento e aceitação mútua de regras e interesses de forma a garantir a harmonia social e
o desenvolvimento do grupo. Isto é, autoridade tradicional é a que se reserva o direito de
solicitar, realizar ou dirigir Cerimónias.

O poder tradicional é sagrado na medida em que busca a sua legitimidade nas raízes profundas
das comunidades, dada a sua ligação com os ancestrais [os nossos avos já falecidos]. São os
chefes tradicionais, que por simbolismo presidem ou solicitam as cerimonias que reforçam e
tornam mais legítima a sua autoridade.

FUNÇÕES DA AUTORIDADE TRADICIONAL

A importância da autoridade tradicional neste processo, deve-se a sua ligação histórica com a
comunidade onde ela é confiada a direcção dos destinos dos demais concidadãos. Para Katiavala
(2004), as promessas positivas do poder tradicional pode ser vista:

No plano executivo, em que as funções da autoridade tradicional estão relacionadas com a


gestão geral das comunidades, negociação e estabelecimento de ligações com agentes externos
(instituições do Estado, ONGs, etc), gestão de terras, incentivo a produção agrícola e controlo da
população. Há que destacar ainda na fase actual o papel da autoridade tradicional na mobilização
da população visando a participação na implementação de projectos de construção de infra-
estruturas sociais e no apoio ao processo de reinserção dos indivíduos nas comunidades;

Ao nível legislativo, em que a autoridade tradicional é responsável no estabelecimento de


normas sociais, na definição de limites do território que ocupam as comunidades sob sua
jurisdição e no estabelecimento de regras de utilização de recursos comunitários como a terra,
floresta, e outros;

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Na vertente judicial, em que a acção da autoridade tradicional está fundamentalmente


direccionada para a administração da justiça, intervindo desta forma na resolução de conflitos e
na observância do cumprimento das normas sociais pelos membros da comunidade.

RELAÇÃO AUTORIDADE TRADICIONAL V DIREITO

Autoridade tradicional encontra-se numa posição privilegiada quando se trata de questões ligadas
a tomada de decisão sobre assuntos ligados a vida da comunidade. O conhecimento pelos
indivíduos de regras e normas que norteiam o funcionamento do grupo a que fazem parte, torna
possível o consenso na tomada de decisão no processo de resolução de conflitos uma vez que os
sujeitos actores são tidos como conhecedores dessas mesmas regras e normas.

A autoridade tradicional organiza a participação dos indivíduos na solução dos seus problemas,
promover o desenvolvimento local, aprofundamento e a consolidação da unidade dos indivíduos
com vista a objectivos comuns.

A autoridade do ponto de vista de Weber (2000), é a forma mais importante e assumida pelo
poder na vida social porque este poder é gerado e controlado pela comunidade, ou seja,
pelas normas do sistema social, aceite como legítima pelos que dela participam. A
legitimidade social da autoridade, depende de a mesma ser usada de acordo com as normas que
lhe definem a esfera de acção e os mecanismos sociais através dos quais é aplicada.

O poder da autoridade tradicional é visto como aquele que procura garantir a resolução dos
problemas que os afectam, porque ele percebe como as coisas funcionam. Neste caso, a
preferência dos membros da comunidade em relação as formas tradicionais de resolução de
conflitos é movida pelo sentimento de honra, porque no seio do grupo as coisas, regra geral, são
feitas dessa maneira, e dentro dos princípios definidos pelo grupo.

A relação entre a autoridade tradicional e o direito é que a AT busca preservar as normas


costumeiras e valores, velando pela sua transmissão para as novas gerações como forma de
garantir a sua continuidade, e os mecanismos tradicionais.

A autoridade tradicional tem a tarefa de fortalecer os laços de solidariedade entre os membros e


outras funções relevantes para a integração da comunidade contribuindo deste modo para a
manutenção da ordem social. A autoridade tradicional é o factor da harmonia e estabilidade
comunitária e o meio pelo qual a cultura é transmitida através do processo de socialização. É
por intermédio da autoridade tradicional que os indivíduos aprendem as regras e normas que
norteiam o funcionamento da comunidade permitindo a sua continuidade no tempo e espaço.

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

O DIREITO MOÇAMBICANO NO PERIODO COLONIAL – O PLURALISMO


JURIDICO MOÇAMBICANO

De acordo com Serra (2013:42), a instauração do Estado moderno em Moçambique começa a


desenhar-se com o período de implantação colonial efectiva no território moçambicano, e cujo
impulso histórico pode ser definido a partir da histórica Conferência de Berlim (que teve lugar entre
os dias 19 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885), em que uma das principais decisões
assentou na premissa de “dominar e administrar os territórios efectivamente”.

Realmente, o construtor, do pluralismo jurídico no período colonial começa com a Conferência


de Berlim. Com o projecto de colonização, o estado colonial se assumiu como pólo ordenador da
diversidade, com a correspondente "missão" de fixar não apenas as regras reguladoras do
funcionamento dos sistemas jurídicos plurais, como também os estatutos jurídicos das
populações neles envolvidas, face à ordem jurídica hegemónica. (Nogueira:35)

O acto colonial constitui o documento oficial instaurado que introduz a expressão legal máxima
de a Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de colonizar as terras dos
Descobrimentos sob a sua soberania e de comunicar e difundir entre as populações ali existentes
os benefícios da sua civilização, exercendo também a influência moral aos povos colonizados.

As relações entre os governos coloniais e as instituições e os direitos africanos foram concebidas


sob duas variantes principais: o governo directo e o governo indirecto. Em regra, o primeiro é
associado às colónias francesas, o segundo às britânicas, o que nem sempre coincidiu com a
realidade.

O governo directo pressupõe a existência de uma única ordem jurídica, assente nas leis da
Europa, não reconhecendo qualquer instituição ou direitos africanos. O domínio concretizava-se
num sistema colonial centralizado e hierárquico e na sujeição da maioria da população ao regime
do indigenato (indigénat), que definia as regras para os não cidadãos. Este regime previa que os
indígenas pudesse obter o estatuto de assimilados, adquirindo, desse modo, direitos de cidadania,
mas o número dos que adquiriam esse estatuto permaneceu sempre muito reduzido. O governo
indirecto parte de uma concepção oposta à universalista, assentando na diferenciação.

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Na base desta forma de governo esteve sempre a distinção entre não nativos e nativos,
cuidadosamente separados pelas ordens normativas e pelas instituições a que estavam sujeitos:
os primeiros ao direito civil da metrópole e às instituições da mesma; os segundos aos direitos
costumeiros e às autoridades tradicionais, ambos selectivamente reconstituídos ou criados à
medida das necessidades do poder colonial.

A palavra indígena podia designar o nativo de qualquer parte de qualquer território colonizado
por europeus e, da mesma maneira, podia designar tanto o soba africano ou o príncipe indiano,
como os respectivos súbditos.

Para o sistema colonial, as populações locais foram tratadas, tal como nas demais experiências
colonizadores levadas a cabo pelos povos europeus, como bárbaras, indígenas, primitivas,
atrasadas ou aborígenes. Os povos colonizados eram, em todos os aspectos (económicos, sociais,
culturais, religiosos, políticos) considerados inferiores em relação aos europeus, e, portanto,
desprovidos das mais elementares bases civilizacionais, regidos por usos e costumes
considerados rudimentares, tornando-se necessário, para o efeito, um aturado e profundo
processo de elevação gradual da sua condição através de modelos de assimilação ou integração
na ordem considerada civilizada.

Ainda que Portugal tenha estado presente em Moçambique desde o século XVI, só nos últimos
anos do século XIX veio a ocupar e administrar efectivamente o território. Como afirma Ana
Maria Gentili, o exemplo britânico fez escola, principalmente perante os sucessos produtivos da
Nigéria e da Costa do Ouro atribuídos à capacidade de visão política de governo indirecto. O
regime do indigenato, introduzido formalmente nos anos 1920, apesar da designação,
aproximava-se mais do sistema de governo indirecto, ainda que apresentasse alguns traços
assimilacionistas. Caracterizava-se pela divisão entre cidadãos e indígenas e assentava em dois
modelos administrativos e duas formas de direito.

Organização política e judiciária no período colonial

A estrutura colonial básica que caracterizou Moçambique como colónia portuguesa foi fixada
durante o período de Freire de Andrade como Governador-Geral (1906 - 1910), através da Carta
Orgânica da Província de Moçambique, promulgada pelo Decreto de 23 de Maio de 1907, do
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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

então Ministro da Marinha e do Ultramar, Aires de Ornelas, poucos anos antes da queda da
Monarquia.

O Decreto acima referido reorganizou os Serviços Administrativos da Província de Moçambique,


dividindo a província de Moçambique em cinco distritos. Estas subdividiam-se em postos
administrativos, consoante a extensão dos territórios, a densidade e a distribuição da população
ou dos povoados indígenas, os núcleos de colonização europeia e as facilidades de comunicação.

Tais categoriais territoriais poderiam, conforme os estatutos distritos: Lourenço Marques,


Inhambane, Quelimane, Tete e Moçambique. Por seu turno, os distritos foram divididos em
concelhos, circunscrições civis ou capitanias-mores, sendo que os primeiros dois subdividiam-se
em postos administrativos e os últimos em comandos militares
As áreas dos colonos seguiam o modelo administrativo metropolitano, com concelhos e
freguesias; as áreas indígenas estavam divididas em regedorias ou chefaturas, supostamente a
reencarnação das tribos pré-coloniais, e eram administradas pelos chefes tradicionais aliados do
poder colonial – os régulos.

As circunscrições, de cariz fundamentalmente rural, eram estabelecidas “nas regiões


predominantemente habitadas por povos não integralmente adaptados à civilização ou cultura
portuguesa, em harmonia com os limites que lhes forem assinados”.

Estas subdividiam-se em postos administrativos, consoante a extensão dos territórios, a


densidade e a distribuição da população ou dos povoados indígenas, os núcleos de colonização
europeia e as facilidades de comunicação.

No espaço rural o Estado Colonial utilizou a figura da “regedoria”, que por seu turno, poderiam
ser divididas em grupos de povoações ou povoações, nas quais deveriam ser agrupada a
população indígena que habitava o respectivo território a título permanente.

Entre as funções do administrador de circunscrição civil, por exemplo, encontramos as de


“procurar conhecer as relações entre os diferentes chefes indígenas da circunscrição, e, bem
assim, entre estes e os das circunscrições vizinhas, aproveitando-os como auxiliares para a
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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

polícia e manutenção da ordem e seguranças públicas, tendo-os sempre debaixo de vista,


visitando-os amiúdas vezes e levando-os a visitar frequentemente a sede, procurando aumentar-
lhes o prestigio perante os outros indígenas sempre que lhes reconheça boa vontade de o
auxiliarem”, bem como a de “procurar conhecer o meio social indígena, suas características,
organização, agrupamentos, afinidades entre eles, predilecções, preconceitos, usos e costumes”,
“instruir as autoridades indígenas do que lhes compete fazer, e providenciar para que elas dêem
conhecimento aos seus subordinados dos mandatos da administração ou do governo”; “explicar
às mesmas autoridades o espírito das ordens da administração ou do governo, mostrando-lhes
que tais ordens são sempre baseadas num espírito de justiça, tendentes a promover um
acrescimento do bem geral e a procurar maior harmonia entre as raças indígenas e as outras, do
que resultará benefícios para todos”.

Aos chefes de posto administrativo, as seguintes competências: “aproveitar os chefes indígenas


como auxiliares da administração, seguindo estreitamente, nas suas relações com eles, a política
indígena fixada pelo administrador e observando rigorosamente todas as suas instruções”; e
“participar imediatamente ao administrador o falecimento de qualquer autoridade indígena, a sim
se o seu sucessor ser investido, intimando a comparência na repartição da sede da sua área dos
régulos, chefes, indunas e família do falecido”.

Por outro lado, “quando se conhecer que o individuo designado para regedor, chefe de grupo de
povoações ou chefe de povoação, pelos costumes ou pela população, não é idóneo para o
exercício do cargo, será escolhido outro por meio de eleição, mas o que for eleito só será
investido na sua autoridade depois de nomeado pelo administrador”

A Reforma Administrativa Ultramarina (1933) 104 previu um extenso leque de competências


dos regedores, das quais destacamos as seguintes:
 Obedecer, pronta e fielmente, às autoridades administrativas portuguesas e fazer com que os
indígenas sob a sua jurisdição lhes obedeçam também;
 Tornar públicas as determinações e avisos que lhes forem transmitidos pelos
administradores e chefes dos postos; trazer ao conhecimento destes as queixas, pedidos e
reclamações dos indígenas sujeitos à autoridade;

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

 Manter a ordem na área da sua regedoria;


 Fornecer rapidamente às autoridades os homens que para a defesa ou polícia do território
nacional lhes sejam requisitados legitimamente;
 Participar imediatamente às autoridades administrativas quaisquer ocorrências
extraordinárias que se dêem na área da regedoria, tais como crimes ou tentativas de crime,
falecimentos ou desaparecimentos suspeitos, doenças de carácter epidémico ou suspeito, quer nas
pessoas quer nos gados, a abertura de novos estabelecimentos comerciais ou industriais ou o
comércio de quaisquer artigos em palhotas ou vendas ambulantes e as demarcações de terrenos;
 Participar às administrações e fazer registar os contratos de casamento, os nascimentos e os
óbitos que se derem;
 Impedir o comércio de venenos, de bebidas alcoólicas, tóxicas ou inebriantes;
 Denunciar o fabrico de bebidas alcoólicas;
 Opor-se à prática de bruxarias e adivinhações e muito especialmente das que representem
violência contra as pessoas;
 Descobrir e vigiar os indígenas estranhos à sua gente, apresentando-os ao administrador,
sempre que não estejam munidos de passe ou salvo-conduto;
 Apresentar ao administrador ou chefe de posto todos os indivíduos que desejem ir
estabelecer residência na área da regedoria e aqueles que dela desejem sair;
 Comunicar ao administrador ou chefe de posto a passagem suspeita ou o estabelecimento de
indivíduo não indígena;
 Auxiliar a autoridade administrativa na polícia da região e prender os criminosos ou
suspeitos, entregando-os de seguida ao administrador ou chefe de posto;
 Apreender e isolar todo o gado que apareça nas zonas regedoria de proveniência
desconhecida, suspeita ou proibida, participando imediatamente o facto ao administrador ou
chefe de posto para estes providenciarem;
 Incitar os indígenas a aprenderem a língua portuguesa, a mandarem os seus filhos às escolas,
a frequentarem as granjas e a andarem vestidos com decência;
 Incitar os indígenas à prática das culturas que a administração aconselhe;
 Participar à autoridade administrativa a existência de armas ou pólvoras, entre os indígenas e
o comércio destas;
 Obrigar os indígenas a inscreverem-se no reassentamento;

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

 Isolar os indígenas que tenham doenças suspeitas.

A justiça espelhava a sociedade racial, oferecendo regimes diferenciados a indígenas, sujeitos às


leis costumeiras, administradas pelas autoridades tradicionais, e a cidadãos e assimilados,
sujeitos ao direito moderno e às instituições do Estado de direito. Ainda que o direito indígena
não tenha chegado a ser codificado, estava subordinado à legislação específica estatal que visava
compatibilizá-lo com os interesses do Estado colonial capitalista.

O código do Indigenato foi formalmente imposto em 1928, mas, de acordo com O’Laughlin,
sistematizava um conjunto de normas anteriores que definiam a cidadania em relação ao trabalho
forçado. A Lei do Trabalho de 1899 articulou, pela primeira vez, a distinção entre cidadão e
súbdito, não nativo e nativo.

A lei estabelecia que «todos os nativos das províncias ultramarinas portuguesas estão sujeitos à
obrigação, moral e legal, de tentar obter através de trabalho os meios de que necessitam para
subsistir e melhorar as suas condições sociais». Previa, ainda, que se tal não acontecesse, o
governo tinha o direito de forçar os nativos a prestar serviços quer ao governo, quer a privados.

Havia poucos empregos disponíveis com salários que atraíssem os africanos por sua livre
vontade e só os que possuíam terrenos grandes e férteis seriam considerados agricultores. Assim,
a lei afectava a maioria da população. Às autoridades tradicionais cabia o controlo da população
e o recrutamento para trabalho forçado daqueles que não tivessem a iniciativa de trabalhar ou
que não cumprissem a lei.

Estava estabelecida a divisão entre indígenas, sujeitos ao trabalho forçado, e não indígenas,
isentos daquele. O Estado Novo de Salazar intensificou e aperfeiçoou esta politica,
nomeadamente com a Constituição de 1933, que incorporava o Acto Colonial. Este é, muitas
vezes, considerado o ponto de viragem, que marca o início de um Estado colonial.

REFORMAS POLÍTICAS DE 1960

Na década de 1960, com as pressões internacionais contra o trabalho forçado e o movimento de


independência das colónias africanas, Portugal, ao mesmo tempo que transformou a designação
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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

«colónias» por «províncias ultramarinas», aboliu formalmente o regime do indigenato. Apesar de


todos passarem a ser cidadãos portugueses e a terem, em teoria, o direito de optar pela justiça
civil, o dualismo manteve-se na prática, com a continuação dos regulados e da obediência ao
régulo e ao direito costumeiro.

Os moçambicanos continuaram a possuir cartões de identidade diferentes, a ser banidos dos


centros urbanos, sujeitos a abusos policiais e a discriminação económica e social e até a trabalho
forçado (ainda que o trabalho forçado tenha sido abolido em 1961, a legislação permitia a
coerção em situações de emergência).

Como afirma André C. José a tardia e cosmética transformação dos indígenas em cidadãos e a
apropriação ideológica das teses do lusotropicalismo não foram suficientes para disfarçar o
regime de forte segregação que vigorava. E, como conclui, a metamorfose, simplesmente, tornou
os indígenas em cidadãos sem cidadania.

Naturalmente que a Administração colonial exercia, sempre que necessário, uma interferência
nas regras sucessórias para designar uma autoridade considerada subserviente ou afastar outra
que fosse considerada insubordinada ou, de certo modo, contrária aos objectivos coloniais.

A nova organização administrativa implementada pelas autoridades coloniais pressupôs,


igualmente, um processo de redimensionamento ou redefinição das fronteiras dos territórios
pertencentes aos anteriores Estados pré-coloniais, sempre para menor, dentro do espírito da
política de dividir para melhor reinar, introduzindo modificações nas estruturas e relações
societárias e de poder, à luz dos desígnios da potência ocupante, com implicações que
persistiram à evolução dos tempos.

Em certa medida, uma parte das autoridades tradicionais, representadas no sistema de regedorias,
acabou constituindo criação da administração colonial, escolhidos entre soldados negros que
tinham participado nas guerras de ocupação ou por criados dos oficiais portugueses, desde que
assegurassem a materialização dos desígnios do Estado colo

Relação Direito Estadual do Direito Costumeiro tendo como enfoque a Constituição de 1975; A
organização judiciária a partir da 8ª Secção do Comité Central da Frelimo; a hegemonia do

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

neoliberalismo e seu impacto no sistema jurídico moçambicano; o Programa de Reajustamento


Estrutural.

As rupturas que acontecem em qualquer sistema jurídico deriva dos processos políticos e das
lutas desencadeadas pelas antigas colónias na tentativa de alcançar as suas independências. A
constituição jurídica de qualquer país é determinada pela manutenção dos elementos estruturais
baseadas na antiga metrópole ou através da ruptura completa dos vínculos do passado.

No caso concreto do nosso país, houve uma tentativa de ruptura completa dos processos do
imperialismo nos processos políticos e ideológicos e ao nível jurídico a mudança foi apenas do
nível formal e não institucional.

Neste contexto, para fazer a análise da evolução dos sistemas políticos e judiciais de
Moçambique, far-se-á respeitando os seguintes períodos históricos: 1974/75 – marca o Governo
de Transição até a proclamação da independência; 1975/78 – reformas na organização judiciária;
1978/1992 – apogeu e declínio do regime socialista; e, 1992/2000 – Acordos de Paz e as 1as
eleições multipartidárias.

1974/75 – Antes deste período, o regime de indigenato constituía a base estruturante da


sociedade moçambicana. No período colonial o indígena era regido através dos usos e costumes
das respectivas sociedades e submetidos a jurisdição dos tribunais privativos e ficando os
tribunais judiciais reservados aos não indígenas.

Apesar da reforma de 1960, o indígena continuou a ser considerado povo sem cidadania, com
desigualdades de oportunidades entre os moçambicanos, com a falta de sindicatos e integração
no sistema de pensões. A justiça continuou embora se tenha tentado com a reorganização dos
julgados municipais e de paz a confundir-se com os actos administrativos, isto porque a Lei
determinava que competências deviam ao Juiz Municipal de 2ª classe em regime de inerência
pelos Conservadores do Registo Civil do respectivo Concelho ou Circunscrição, porém, várias
Circunscrições não dispunham de Conservadores e acabaram sendo os Administradores a exercer
as tais competências.

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Como forma de dar mais célebre e garantir a justiça entre cidadãos, o governo de transição
passou a confiar os magistrados estrangeiros privilégios de assumir e dirigir os processos
judiciais, todavia, devido ao momento turbulento derivado da transição, estes, começaram a
rarear e os processos tornaram-se cada vez mais morosos e podia-se dizer que devia-se encarar o
processo judicial partindo da base.

A proclamação da Independência Nacional foi favorecida com o Golpe de Estado em Portugal e


pelas sucessivas exigências da comunidade internacional na descolonização da África, este factor
contribuiu para que o Governo de transição formada pela Frelimo, conseguisse manter o controlo
dos mecanismos de transferência de poder e preparar o terreno para a extensão a todo país da
transformação revolucionária da sociedade nas chamadas zonas libertadas.

Era preciso estabelecer prioridades tendo em conta a escassez dos recursos, e isso só seria
possível através dos seguintes objectivos: o período de transição devia ser feito de forma
ordeira e pacífica e no respeito aos acordos estabelecidos; alcançar a médio e longo prazo a
criação de instrumentos adequados a adoptar de forma gradual para que o país tenha recursos
humanos indispensáveis ao seu desenvolvimento; as reformas deviam ser graduais para
garantir o funcionamento pleno das instituições herdadas.

Para garantir uma transição ordeira, foram adoptadas providências legislativas, destinadas a
reprimir todo e qualquer acto que pusesse em causa a paz social e o progresso económico de
Moçambique, como atestam os seguintes decretos:

Decreto-lei 8/74 que punia a propagação da informação falsa ou tendenciosa susceptível de


alterar a ordem ou tranquilidade pública;

decreto-lei 11/74 que considera crimes contra a descolonização todos previstos no Código Penal
e na legislação subsidiária;

decreto-lei 16/75 que permite a intervenção do Estado nas empresas singulares ou colectivas
quando deixassem de funcionar em termos de contribuir para o desenvolvimento económico e na
satisfação dos interesses colectivos;

decreto-lei 2/75 que visava a formação de especialistas diplomados nos vários ramos de direito
em ordem a colmatar o progressivo envasamento do corpo dos magistrados e juristas.
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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Tendo em conta as dificuldades e lentidão na formação de quadros qualificados, foi se chamando


quadros ou cidadãos que se identificam com a ideologia vigente a ocupar e exercer algumas
funções públicas;

o decreto-lei 14/74 determinava o provimento interino por conveniência de serviço dos lugares
do quadro do pessoal;

e o decreto-lei 27/75 que autoriza a nomeação de indivíduos com mais de 21 anos como
inspectores e subinspectores da Policia Judicial.

1975/78 – Considerado período de pós independência e da reforma de organização


judiciária.

Este, tinha como objectivos bases a revolução do aparelho de Estado como forma de garantir o
desenvolvimento das zonas rurais em todos os sectores da actividade do Estado; destruir as
estruturas do passado como condição do triunfo da revolução;

O primeiro objectivo foi possível através da criação das aldeias comunais visto que era olhado
como solução para as forças colectivas de produção e iriam melhorar as condições de vida do
próprio cidadão. Dizia-se ser a forma de garantir o fornecimento dos meios materiais, técnicos e
científicos que o partido e o governo se esforçariam por disponibilizar.

A Constituição da República Popular de Moçambique, visava a eliminação das forças


económico-sociais que favoreciam as minorias, para evitar a centralização da riqueza e instruir
um planeamento central administrativo forte.

Na área de justiça viu-se que perante o tempo colonial os tribunais eram apenas o privilégio da
minoria e a linguagem judiciária não era acessível, só seria compreensível pelos profissionais
especializados e os processos primitivos adoptados no período colonial não seriam não seriam
para a reeducação dos delinquentes e da sua integração a sociedade, assim, foi decidido que
devia se elaborar novas leis que servissem de instrumentos de unidade nacional e de defesa da
revolução, simplificando a linguagem das Leis e lançar campanhas de explicação sobre

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

conteúdos a fim de popularizar; conceder prioridade a questão da reeducação dos detidos e


colaboração entre os Ministérios do Interior e da Justiça.

Para a materialização destes objectivos, foram aprovados os seguintes decretos:

Decreto-lei 4/75 proíbe o exercício da advocacia a título de profissão liberal;

decreto-lei 5/75 onde o Estado é considerado como o único ente responsável por todas as
actividades de prevenção e tratamento de pandemias;

decreto-lei 21/75 que cria o Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP) que ordena e
realiza ou manda realizar as diligências, buscas e apreensões que entender convenientes;
decreto-lei 25/75 substitui a Polícia Judiciária pela PIC como forma de evitar a dispersão da
autoridade e garantir a coordenação e eficácia de serviços públicos.

Em 1976, o Comité Central da Frelimo na sua 8ª secção faz o balanço dos primeiros meses de
governação e aprova as seguintes resoluções:

Estrutura do Aparelho Estado (Assembleias Representativas e os seus órgãos executivos); aldeia


comunal que estabelece o conjunto de princípios a respeitar no processo de estruturação;
resolução sobre a justiça que impõe a destruição completa do direito colonial e estatui o novo
sistema judiciário que exprime o poder de aliança e reflecte a ditadura da maioria explorada
com inspirações em: experiências das lutas de libertação nacional; das lutas de classes;
experiencias dos países revolucionários (tribunal popular supremo; provincial; distrital e
localidade ou aldeia comunal).

Como resposta do acesso da justiça para todos, em 1977, o Ministério da justiça concluiu a
elaboração do anti-projecto Lei, da organização judiciária disponível a debate público, momento
este, que é marcado pela conclusão dos primeiros bacharéis da Faculdade de Direito da UEM
nos finais de 1979, decorreu as 1ªs eleições para as Assembleias de Povo.

Em 1978, os 1ºs bacharéis são organizados em brigadas e dispersos por todo o país onde, durante
4 meses recolheram as contribuições para o enriquecimento do anti-projecto Lei.

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Em Agosto do mesmo ano realizou-se o seminário nacional onde se fez a apreciação e o balanço
do anti-projecto e faz-se o aprofundamento das ideias da ruptura do sistema colonial e adequar a
administração da justiça as novas condições políticas e sociais do país.

E na base deste colóquio que se aprova a lei 12/78 de 2 de Dezembro (lei de organização
judiciaria) que edifica a justiça popular.

1978/92 – Apogeu e declínio da revolução socialista

A fase da implementação das Assembleias do povo e da adopção da lei da Organização judiciária


corresponde o apogeu do regime social que teve como pico a construção do projecto socialista
em Moçambique.

Após o III Congresso (1977) da Frelimo que deliberou sobre a Socialização do campo; definição
da agricultura como base de desenvolvimento e a indústria como factor dinamizador, onde
através do Plano Prospectivo Indicativo, com o objectivo de promover a radical transformação da
estrutura económica e social com a criação de um sector socialista dominante; promover o
aumento do nível de vida da população em geral, com vista à satisfação das suas necessidades
básicas; consolidar o poder político, fortalecendo a base social operária e baseada num
campesinato forte; conquistar o que de essencial constitui o património científico e técnico de
toda a humanidade, foram operadas profundas mudanças que ditaram a consolidação do modelo
socialista no país.

O engrandecimento do modelo socialista caracterizou-se por um agressivo e progressivo


endurecimento do regime e pelo alargamento e consolidação da rede dos tribunais populares. E
introduzido ao nível judiciário mecanismos processuais e propostas novas atitudes visando
assegurar e tornar mais ampla a participação do cidadão, com destaca:

A colegialidade dos tribunais,

Participação de juízes leigos nos tribunais populares distritais,

Composição dos tribunais em exclusivo, juízes não profissionais, eleitos pela


comunidade, julgando de acordo com o bom senso e a justiça,

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Interacção entre tribunais e comunidade através da realização de julgamentos de


natureza criminal ou social nos locais onde ocorrem os factos contravertidos,

Operação produção, ofensiva política e organizacional, etc.

Lei 5/83 – que estatui a pena de chicotada para punir os autores, cúmplices ou encobridores de
certos crimes graves, tivessem sido consumados, etc.

O sistema judiciário manteve-se caracterizado no Ministério da Justiça de acordo com as


competências fixadas no Decreto Presidencial 69/83.

Depois do IV Congresso da Frelimo, a liderança política começou a enfrentar-se com a


necessidade de imprimir outra orientação à estratégia global do desenvolvimento. A reedificação
de alianças e de alinhamentos internacionais já sendo equacionadas a partir de 1982, quando em
Agosto do mesmo ano, numa sessão do Comité Central da Frelimo, é tomada a decisão de se
adoptar uma nova política externa, baseada em princípio de “fazer mais amigos e menos
inimigos”, esta ideia surge depois da recusa da União Soviética em providenciar apoio militar e
económico de Moçambique.

Neste âmbito, em 1984, assina-se um acordo de boa vizinhança e de não agressão, este
conhecido como Acordo de Inkomati com o então regime de Apartheid.

No mesmo ano, o país decide aderir aos Acordos estabelecidos na Conferência Monetária e
Financeira das Nações Unidas realizada em Bretton Woods em 22 de Julho de 1944, e
consequentemente o cumprimento do Programa de Reabilitação Económica (PRE), lançada
em 1987, como contrapartida dos créditos necessário à recuperação de uma economia devastada
pela guerra e outros factores relevantes. O PRE representou a adesão a uma ideologia que se
tornaria dominante em todo o mundo (o neoliberalismo). O novo modelo implica um modelo
económico democrático assente numa super estrutura representativa ou multipartidária e na
tripartição de poderes do Estado. É neste espírito que se aprova vários decretos-lei com a
finalidade de facilitar a prossecução dos objectivos e ganhar-se a confiança dos países centrais e
das organizações humanitárias internacionais.

O ritmo imposto pelo processo interno de reestruturação económica capitalista e a precipitação


dos acontecimentos no Leste da Europa (a queda do muro de Berlim e a Guerra Fria; decadência
30
Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

e queda do regime socialista), conduzindo à derrocada dos regimes socialistas, influenciou


bastante nas mudanças ocorridas na super estrutura política e ideológica.

A revisão constitucional que começa nos fins dos anos 80, começou por ser uma medida de
propósitos limitados com o simples objectivos de adoptar a Lei Fundamental à realidade da
economia de mercado.

No que se refere ao sistema de administração da justiça, foi criada a Lei 10/91 que aprova o
estatuto dos magistrados judiciários e as Leis 4, 5 e 10/92 relativas ao funcionamento dos
tribunais comunitários, ao estatuto orgânico do Tribunal Administrativo e ao estatuto orgânico
dos tribunais judiciais. Estas reformas vieram trazer à organização do poder judiciárias mudanças
significativas com o destaque das seguintes: a autonomização dos tribunais e das procuradorias
relativamente ao poder executivo e a integração dos tribunais comunitários do sistema
judiciário formal. Os tribunais comunitários tinham a missão de educar os cidadãos no
cumprimento voluntário e consciente das leis, estabelecendo uma justa e harmoniosa
justiça social; penalizar as violações da legalidade e decidir os pleitos de acordo com o
estabelecido na lei; e garantir e reforçar a legalidade como instrumento da estabilidade
jurídica, garantir o respeito das leis e assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos.

Em 4 de Outubro de 1992, é assinado o Acordo de Paz entre o Governo da Frelimo e a Renamo,


pondo cobro a um conflito que durara cerca de 16 anos.

Síntese

Os vinte e sete anos já transcorridos desde que Moçambique se tornou um país independente,
foram atravessados por dois processos de transformação política, económica e social de sentido
oposto:

Um tipicamente revolucionário, ocorrido no período de guerra fria, por isso, num contexto
internacional de confrontação entre dois sistemas antagónicos, determinando a ruptura com as
estruturas de opressão e exploração coloniais tradicionais e da mentalidade que lhe está
subjacente e adoptando a planificação centralizada e administrativa da economia como estratégia
de desenvolvimento;

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Docente: Horácio Deusdado Gervásio Linaula

Manteve-se a colegialidade de todos os tribunais e a participação dos juízes leigos (eleitos) que
tinham sido violados na Lei 12/78;

Na área económica, houve a manutenção económica baseada em regime centralmente planificada


e passou a basear-se em regime de economia de mercado;

Na área judiciária houve o dilema permissão/proibição e a permissão de advocacia privada;

Mono partidarismo/multipartidarismo ou subordinação/autonomia do sistema de justiça.

O mono partidarismo era caracterizado nos dois moldes, colonização e revolucionário; as


rupturas ocorridas no sistema judiciário e judicial foram apenas institucional. Há uma
continuidade estrutural que se reflecte em outros domínios de ordem jurídica, ou seja, legislação
codificada e na divisão judicial que desde é acompanhado pela divisão administrativa territorial.

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