Você está na página 1de 7

Impacto da Prática Habitual de Atividade Física no

Perfil Lipídico de Adultos

artigo original RESUMO

O objetivo do estudo foi analisar o impacto da prática habitual de atividade


física, mediante informações reunidas por intermédio do International
DARTAGNAN PINTO GUEDES Physical Activity Questionnaire (IPAQ), no perfil lipídico em amostra re-
LEANDRO A.V. VERDE GONÇALVES presentativa de sujeitos adultos. A amostra foi constituída por 361 sujeitos
(196 mulheres e 165 homens) com idades entre 20 e 60 anos. As concen-
trações de lipídeos plasmáticos foram estabelecidas mediante procedi-
Universidade Estadual de mentos laboratoriais. Os achados revelaram que, em ambos os sexos, os
Londrina, PR. níveis plasmáticos de HDL-colesterol e VLDL-colesterol não apresentaram
diferenças significativas entre os grupos de prática habitual de atividade
física. Os valores de triglicerídeos, colesterol sérico total e LDL-colesterol
foram significativamente diferentes em mulheres e homens, porém o
comportamento de variação foi diferente nos dois sexos. As informações
da análise de regressão logística indicaram que as odds ratios para
menores valores de lipídeos plasmáticos foram significativas somente nos
sujeitos classificados como muito-ativos em comparação com os seden-
tários. Como conclusão, os resultados sugerem que mais elevada prática
habitual de atividade física determinada pelo IPAQ apresenta significativo
impacto no perfil lipídico em adultos de ambos os sexos, independente-
mente da idade e das variações do peso corporal. (Arq Bras Endocrinol
Metab 2007;51/1:72-78)

Descritores: IPAQ; Estilo de vida; Sedentarismo; Exercício físico; Colesterol;


Triglicerídeos

ABSTRACT

Impact of the Habitual Physical Activity on Lipid Profile in Adults.


The present study was designed to analyze the impact of the habitual
physical activity determined by International Physical Activity Question-
naire (IPAQ) on lipid profile in representative sample of adults. A sample
of 361 subjects (196 women and 165 men) aged 20–60 years old was
included in the study. Plasma lipid concentrations were measured by stan-
dard procedures. The results showed that HDL-cholesterol and VLDL-cho-
lesterol levels were not significantly different across physical activity
groups in both sexes. Total cholesterol, LDL-cholesterol and triglycerides
were significantly different across physical activity groups in women and
men, but the pattern of variation was different between genders. The
results from logistic regression analysis indicated that the odds ratios for
low plasma lipid levels was significant only in subjects classified as very
active compared with sedentary. In conclusion, the results suggest that
increased habitual physical activity determined by IPAQ present significant
impact in the plasma lipid profile in adults of both sexes, independently of
the age and of the variations of the body weight. (Arq Bras Endocrinol
Metab 2007;51/1:72-78)

Recebido em 06/04/06 Keywords: IPAQ; Lifestyle; Sedentarism; Physical exercise; Cholesterol; Triglyc-
Aceito em 14/08/06 erides

72 Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

de doenças cardiovasculares ou metabólicas. Em assim


E M ESTUDOS ENVOLVENDO sujeitos adultos, com-
prova-se que o estilo de vida sedentário é um com-
portamento claramente identificado com perfil lipídico
sendo, a amostra definitiva do estudo foi constituída por 361
sujeitos (196 mulheres e 165 homens).
desfavorável (1-4). Em tese, assume-se que a associ- Os procedimentos empregados no estudo foram
aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universi-
ação observada entre a prática insuficiente de atividade
dade Estadual de Londrina e acompanharam normas da Res-
física e as dislipidemias possa explicar parcialmente o olução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde sobre
menor risco predisponente ao aparecimento e ao pesquisa envolvendo seres humanos. Após leitura individual
desenvolvimento de doenças cardiovasculares em indi- e receberem eventuais esclarecimentos quanto aos objetivos
víduos mais fisicamente ativos (5-7). e aos procedimentos do estudo, os sujeitos assinaram termo
Em vista disso, a monitoração quanto à prática de consentimento informado previamente aprovado pelo
habitual de atividade física tem recebido grande noto- Comitê de Ética.
riedade no campo da saúde, não apenas por sua ação No campo antropométrico foram realizadas medidas
isolada na prevenção e no controle das doenças car- de estatura e de peso corporal, a partir de padronizações su-
diovasculares (8-11), mas também por induzir a alte- geridas por Gordon e cols. (19). Estabeleceu-se, também,
rações desejáveis nos níveis de lipídeos plasmáticos cálculo do índice de massa corporal (IMC) considerando a
razão entre as medidas do peso corporal e do quadrado da
(12-15). Diante desta perspectiva, o impacto da práti-
estatura (kg/m2).
ca habitual de atividade física no perfil lipídico pode As dosagens dos lipídeos plasmáticos foram realizadas
não se confirmar com o mesmo potencial dependendo mediante coleta de amostras de 10 ml de sangue venoso na
da natureza e das especificações do método emprega- prega do cotovelo, após período de 10–12 h em jejum, entre
do na coleta das informações equivalentes à prática 07:00 e 08:00h da manhã. O soro foi imediatamente separa-
habitual de atividade física. do por centrifugação, sendo determinados os teores de
Neste particular, apesar da disponibilidade de triglicerídeos (TG), colesterol sérico total (CT) e frações,
vários métodos direcionados ao acompanhamento de lipoproteínas de alta densidade (HDL-C), de baixa densidade
indicadores relacionados à prática habitual de atividade (LDL-C) e de muito-baixa densidade (VLDL-C). Determi-
física (16), em razão das facilidades de aplicação e de nou-se o CT pelo método enzimático colesterol oxidase/per-
sua inocuidade, os questionários auto-administrados oxidase em aparelho espectofotômetro. O HDL-C foi medido
pelo método reativo precipitante, e o LDL-C e o VLDL-C
acerca das atividades desempenhadas no cotidiano
foram calculados pela fórmula de Friedewald (20). Os TG
têm-se definido como uma opção freqüentemente foram determinados pelo método enzimático glicerol. Além
recomendada para esse tipo de análise (17,18). dos valores absolutos de cada componente plasmático, consi-
Com relação às opções de questionários dispo- deraram-se as relações CT/HDL-C e LDL-C/HDL-C. Os
níveis, apoiado em evidências quanto ao atendimento valores de referência empregados para definir um perfil lipídi-
dos critérios de validação e de reprodutibilidade, mais co-lipoprotêico de risco aterogênico acompanharam proposta
recentemente o Questionário Internacional de Ativi- apresentada mediante as III Diretrizes Brasileiras sobre Dis-
dade Física (International Physical Activity Question- lipidemias (21): CT ≥ 240 mg/dl, LDL-C ≥ 160 mg/dl,
naire — IPAQ) tem recebido atenção especial. Em HDL-C ≤ 40 mg/dl e TG ≥ 200 mg/dl.
sendo assim, o objetivo do presente estudo foi analisar Informações equivalentes à prática habitual de ativi-
o impacto da prática habitual de atividade física, medi- dade física foram obtidas mediante o IPAQ, proposto pelo
Grupo Internacional para Consenso em Medidas da Ativi-
ante informações reunidas por intermédio do IPAQ,
dade Física, constituído sob a chancela da Organização
no perfil lipídico de adultos de ambos os sexos. Mundial da Saúde, com representantes de 25 países, inclu-
sive do Brasil (22). Originalmente, o IPAQ é apresentado
em diferentes idiomas, inclusive em língua portuguesa, o que
CASUÍSTICA E MÉTODOS dispensou a necessidade de sua tradução. Optou-se por ana-
lisar o questionário de auto-administração em seu formato
Para a elaboração do estudo foram selecionados sujeitos de curto, versão 8, tendo como referência a última semana. As
ambos os sexos que procuraram os programas de exercícios questões indagam quanto à freqüência (dias/semana) e ao
físicos oferecidos pela CEN — Clínica de Endocrinologia e tempo (minutos/dia) despendido na execução de cami-
Nutrição, localizado na cidade de Londrina, Paraná, durante nhadas e de atividades envolvendo esforços físicos de inten-
o período de junho a dezembro de 2004. A inclusão dos sidades moderada e vigorosa. A aplicação do IPAQ foi rea-
sujeitos na amostra ocorreu por desejo de participar do estu- lizada individualmente. Para tanto, os participantes do estu-
do e que atendia aos cinco critérios básicos: (a) ter entre 20 do recebiam o questionário com instruções e recomendações
e 60 anos de idade; (b) ser não-fumante nos últimos 5 anos; para o seu preenchimento, não sendo estabelecido limite de
(c) não estar sendo submetido a dietas especiais; (d) não uti- tempo para o seu preenchimento e as eventuais dúvidas ma-
lizar medicamentos de uso contínuo; e (d) não ser portador nifestadas pelos sujeitos eram prontamente esclarecidas pelo

Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1 73


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

profissional que acompanhava a coleta de dados. Para cate- RESULTADOS


gorização da prática habitual de atividade física recorreu-se
ao consenso proposto pelo Centro de Estudos do Labo- Informações estatísticas com relação às variáveis ana-
ratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (23), con- lisadas encontram-se na tabela 1. Quanto ao IMC, os
siderando quatro estratos: valores médios encontrados apontam diferenças
Muito-Ativo: ≥ 30 minutos/sessão de atividades vi- estatísticas favoráveis aos homens. Aproximadamente
gorosas ≥ 5 dias/semana; e/ou ≥ 20 minutos/sessão de 38% da amostra analisada apresentaram IMC ≥ 28
atividades vigorosas ≥ 3 dias/semana somadas a ≥ 30 minu-
kg/m2, o que oferece indícios de sobrepeso. No que
tos/sessão de atividades moderadas ou caminhadas ≥ 5
se refere ao perfil lipídico, os teores de CT, a fração
dias/semana;
Ativo: ≥ 20 minutos/sessão de atividades vigorosas ≥ HDL-C e a relação CT/HDL-C mostram seme-
3 dias/semana; e/ou ≥ 30 minutos/sessão de atividades lhanças entre os sexos. Porém, homens demonstram
moderadas ou caminhadas ≥ 5 dias/semana; e/ou ≥ 150 valores médios equivalentes às concentrações séricas de
minutos/semana de qualquer das atividades somadas (vi- LDL-C, VLDL-C, TG e a relação LDL-C/HDL-C
gorosa + moderada + caminhada); estatisticamente mais elevados. Ao recorrer aos valores
Irregularmente Ativo: < 150 e > 10 minutos/semana de referência sugeridos mediante as III Diretrizes Bra-
de qualquer das atividades somadas (vigorosa + moderada + sileiras sobre Dislipidemias (21), verifica-se que o per-
caminhada); e fil lipídico, associado ao aumento do risco de doenças
Sedentário: ≤ 10 minutos/semana de qualquer das cardiovasculares, foi comum em aproximadamente
atividades somadas (vigorosa + moderada + caminhada).
21% da amostra estudada: 21,8% apresentaram
O tratamento estatístico das informações foi realiza-
dosagem de CT ≥ 240 mg/dl; 17,7% LDL-C ≥ 160
do mediante o pacote computadorizado Statistical Package
for the Social Sciences (SPSS), versão 13.0. Para análise das mg/dl; 22,7% HDL-C ≤ 40 mg/dl e 22,3% concen-
variáveis contínuas recorreu-se aos procedimentos da estatís- trações de TG ≥ 200 mg/dl.
tica descritiva e, posteriormente, para identificação de even- Resultados equivalentes à análise de co-variân-
tuais diferenças entre os sexos, ao teste “t” de Student. cia, controlando estatisticamente as informações asso-
Comparações entre os valores equivalentes aos lipídeos plas- ciadas à idade e ao IMC, são mostrados na tabela 2. O
máticos dos sujeitos classificados em cada um dos quatro perfil lipídico dos sujeitos analisados no estudo apre-
estratos de prática habitual de atividade física foram rea- senta diferenças de acordo com os estratos de prática
lizadas mediante análise de co-variância. Na tentativa de con- habitual de atividade física sugeridos pelo IPAQ.
trolar os efeitos adicionais quanto ao envelhecimento e ao Aqueles sujeitos de ambos os sexos que relataram ser
sobrepeso no impacto da atividade física sobre o perfil lipídi-
mais ativos fisicamente demonstram teores de TG, CT
co, as informações associadas à idade e ao IMC foram con-
e da fração LDL-C, além das relações CT/HDL-C e
sideradas como co-variáveis na análise estatística. Valores de
odds ratio (OR), estabelecidos por intermédio da análise de LDL-C/HDL-C, mais favoráveis. Verifica-se também
regressão logística binária, também controlando informações que o comportamento de variação dos valores obser-
associadas à idade e ao IMC, foram utilizados para estabele- vados é diferente nos dois sexos. Enquanto nos ho-
cer estimativas quanto ao risco relativo de apresentar perfil mens as diferenças mais acentuadas são constatadas
lipídico de risco aterogênico em função da categorização em entre o estrato dos muito-ativos em comparação com
estratos decrescentes de prática habitual de atividade física. seus pares irregularmente ativos e sedentários, nas
Adotou-se intervalo de confiança de 95%. mulheres esse fenômeno é observado entre o estrato

Tabela 1. Comparação dos dados clínicos e laboratoriais entre os sujeitos de


ambos os sexos analisados no estudo.

Mulheres Homens
(n= 196) (n= 165) p

Idade (anos) 40,41 ± 10,43 39,13 ± 9,37 ns


IMC (kg/m2) 29,89 ± 5,51 31,37 ± 5,21 0,009
CT (mg/dl) 208,87 ± 39,80 203,02 ± 34,97 ns
HDL-C (mg/dl) 46,67 ± 14,42 44,43 ± 9,33 ns
LDL-C (mg/dl) 116,50 ± 37,78 127,08 ± 39,10 0,010
VLDL-C (mg/dl) 26,71 ± 8,80 39,40 ± 14,89 0,000
TG (mg/dl) 131,51 ± 31,36 163,30 ± 42,91 0,000
CT/HDL-C 4,68 ± 1,02 4,53 ± 1,13 ns
LDL-C/HDL-C 2,62 ± 0,86 2,88 ± 0,71 0,002

74 Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

Tabela 2. Perfil lipídico de acordo com a prática habitual de atividade física ajustado para idade e IMC.

Prática Habitual de Atividade Física


Muito Ativo Ativo Irregularmente Ativo Sedentário p

Mulheres
n 23 29 77 67
CT (mg/dl) 181,00 ± 32,66 186,33 ± 39,23 221,06 ± 39,89 227,44 ± 26,74 0,001
HDL-C (mg/dl) 53,25 ± 17,22 53,82 ± 12,58 45,85 ± 17,41 47,94 ± 9,01 ns
LDL-C (mg/dl) 99,75 ± 37,63 121,73 ± 35,75 143,40 ± 35,87 148,68 ± 21,81 0,000
VLDL-C (mg/dl) 25,63 ± 9,91 23,83 ± 9,40 25,39 ± 9,86 30,83 ± 9,23 ns
TG (mg/dl) 115,64 ± 41,90 127,00 ± 49,26 123,13 ± 68,71 154,19 ± 71,12 0,020
CT/HDL-C 3,67 ± 0,81 3,47 ± 1,10 5,52 ± 1,85 4,92 ± 1,17 0,038
LDL-C/HDL-C 2,02 ± 0,87 2,06 ± 1,03 3,71 ± 1,04 3,24 ± 0,91 0,001

Homens
n 26 31 55 53
CT (mg/dl) 158,86 ± 14,25 195,50 ± 39,68 203,12 ± 34,67 211,08 ± 28,59 0,001
HDL-C (mg/dl) 41,00 ± 11,93 38,50 ± 6,93 40,59 ± 10,34 37,50 ± 8,27 ns
LDL-C (mg/dl) 88,57 ± 16,57 106,78 ± 31,28 128,32 ± 40,79 138,68 ± 33,42 0,004
VLDL-C (mg/dl) 35,17 ± 14,70 37,20 ± 16,05 34,90 ± 13,54 40,06 ± 13,12 ns
TG (mg/dl) 146,14 ± 35,06 144,38 ± 29,08 171,00 ± 37,20 175,00 ± 37,93 0,043
CT/HDL-C 4,14 ± 1,16 5,32 ± 2,11 4,98 ± 1,38 5,93 ± 1,61 0,017
LDL-C/HDL-C 2,26 ± 0,49 3,50 ± 1,48 2,75 ± 1,24 3,95 ± 1,39 0,007

das ativas em relação às irregularmente ativas e seden- caso das mulheres, aquelas que relataram ser sedentárias
tárias. Em ambos os sexos as diferenças observadas demonstram possuir de 38% (LDL-C – OR= 1,38; 95%
entre os estratos dos muito-ativos e dos ativos não são IC 1,02–1,84) a 59% (TG – OR= 1,59; 95% IC
apontadas em linguagem estatística. 1,15–2,08) mais chances de apresentarem perfil
Quanto às proporções de sujeitos categorizados aterogênico de lipídeos plasmáticos se comparadas com
nos quatro estratos de prática habitual de atividade física aquelas que relataram ser muito-ativas.
preconizados pelo IPAQ, verifica-se que a distribuição
dos valores é bastante similar em ambos os sexos; no
entanto, a proporção de sujeitos categorizados conjunta- DISCUSSÃO
mente como sedentário e irregularmente ativo (73,5%
das mulheres e 65,4% dos homens) é acentuadamente Em razão da facilidade de aplicação em grandes gru-
mais elevada que a proporção de sujeitos que atendem as pos, do menor custo e por permitir coletar infor-
recomendações propostas para os ativos e os muito- mações com relação ao tipo e ao contexto em que são
ativos (26,5% das mulheres e 34,6% dos homens). realizados, o que não ocorre com os demais recursos
A tabela 3 mostra as dimensões de OR acom- de medida, os questionários representam o instrumen-
panhados dos intervalos de confiança equivalentes ao to mais acessível para a avaliação da prática habitual de
risco relativo de os sujeitos analisados no estudo apre- atividade física, sobretudo em estudos de natureza epi-
sentarem perfil lipídico de risco aterogênico em função demiológica. Em sendo assim, encontra-se disponível
da categorização em estratos de prática habitual de na literatura uma grande variedade de opções de ques-
atividade física. Os resultados da análise de regressão tionários que procuram contemplar diferentes do-
logística indicam que as dimensões das ORs para dis- mínios da atividade física. Os primeiros questionários
lipidemias são mais elevadas entre os sujeitos de menor sugeridos procuravam enfocar as atividades físicas ocu-
prática habitual de atividade física. Na presente casuís- pacionais (24,25). Na seqüência, a ênfase dos ques-
tica, homens categorizados como sedentários, medi- tionários se dirigiu para as atividades físicas no tempo
ante os critérios propostos pelo IPAQ, demonstram livre (9,10). Recentemente, tem-se reconhecido a
risco relativo significativamente mais elevado de apre- importância de outros tipos de atividades físicas que os
sentarem teores de CT (OR= 1,52; 95% IC 1,14–1,98) sujeitos realizam como parte de seu cotidiano, como
e de TG (OR= 1,37; 95% IC 1,03–1,78) compromete- trabalho doméstico, caminhar e andar de bicicleta
dores em comparação com seus pares muito-ativos. No como meio de transporte (17).

Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1 75


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

As múltiplas abordagens quanto aos domínios sujeitos aqui analisados apontam uma proporção mais
associados à prática habitual de atividade física têm elevada de sedentarismo em comparação com estudos
contribuído para que os critérios de avaliação possam europeus (27); porém, proporções similares, se com-
se diferenciar consideravelmente entre as diferentes parados com estudos envolvendo segmentos da popu-
opções de questionários disponibilizadas. Esta situação lação brasileira (23) e de países sul-americanos (28). As
tem limitado, na maioria dos casos, comparações mais razões para essas diferenças não são totalmente com-
seguras entre segmentos de uma mesma população ou preendidas. Em parte, variações demográficas sazonais
entre sujeitos pertencentes a diferentes populações nos níveis habituais de prática de atividade física po-
quanto à prevalência de diferentes estratos de prática dem contribuir para uma menor proporção de sujeitos
habitual de atividade física. Como resposta a este ativos no presente estudo. Adicionalmente, diferenças
desafio, um grupo de especialistas iniciou em 1998 metodológicas na seleção das amostras entre os dois
intensa discussão direcionada à proposição de um estudos podem ter produzido as diferenças observadas.
questionário internacional que pudesse ser empregado O principal achado do presente estudo revelou
como instrumento comum com finalidade de levantar que níveis mais elevados de prática habitual de ativi-
dados nacionais e internacionais comparáveis da ativi- dade física estão associados aos valores de lipídeos plas-
dade física. Como produto deste esforço foi idealizado máticos de menor magnitude. Além do que, o gradi-
o IPAQ, atualmente validado em 12 países, inclusive ente entre a prática habitual de atividade física e os teo-
no Brasil (22,26). Os resultados destas validações su- res de lipídeos plasmáticos desfavoráveis apresentou
gerem que o IPAQ apresenta aceitáveis propriedades comportamento específico em cada sexo. Os valores de
de medida para ser empregado em diferentes contex- OR também indicaram risco mais elevado de se encon-
tos, e que torna-se apropriado para estudos popula- trar perfil lipídico de risco aterogênico em grupos de
cionais de prevalência quanto à prática habitual de sujeitos sedentários comparados com seus pares fisica-
atividade física. Baseando-se nessas evidências, mais re- mente mais ativos. Confirmando expectativas encon-
centemente, inúmeros pesquisadores têm procurado tradas na literatura, esses resultados são consistentes
desenvolver seus estudos envolvendo o IPAQ como com estudos realizados anteriormente envolvendo
instrumento de medida associado à prática habitual de outros instrumentos de medida direcionados à moni-
atividade física (23,27,28). toração da atividade física (1-4).
Vários estudos prévios disponibilizados na lite- Mecanismos fisiológicos baseados na prática de
ratura procuram relatar a associação entre a prática de atividade física induzem a um perfil lipídico favorável
atividade física e as concentrações plasmáticas de resultante de complexas interações envolvendo hor-
lipídeos (1-4). No entanto, para o nosso conhecimen- mônios, enzimas e receptores. Estudos sugerem que o
to, esta parece ser a primeira experiência publicada em aumento na atividade da lipoproteína lipase no múscu-
que se procurou analisar o impacto da prática habitual lo esquelético e no tecido adiposo durante a realização
de atividade física e o perfil lipídico, envolvendo o de esforços físicos de intensidades moderada-a-vi-
IPAQ como instrumento de medida. gorosa, e por algum tempo pós-esforço, associado ao
Diferenças entre ambos os sexos quanto aos possível decréscimo da síntese hepática dos TG, possa
valores médios de concentrações plasmáticas de lipí- ser ajustes metabólicos que favorecem as menores con-
deos observadas no estudo coincidem com tendências centrações de lipídeos plasmáticos entre os sujeitos
encontradas na literatura (2-4). Indicações encon- mais ativos fisicamente (29,30).
tradas em publicações anteriores apontam que o di- Por vezes, especula-se que as modificações
morfismo sexual observado nos níveis de lipídeos plas- favoráveis no perfil lipídico induzidas pela prática da
máticos pode ser explicado em razão do perfil hor- atividade física possam confundir-se com concomi-
monal de cada sexo, apontando um padrão lipídico de tantes alterações no peso corporal, por conta do maior
maior risco aterogênico entre os homens frente às dispêndio energético proveniente dos esforços físicos
mulheres (5-7). realizados (31). Neste particular, no presente estudo
Consistente com resultados de outros estudos, os valores de IMC, juntamente com a idade dos su-
também envolvendo o IPAQ como instrumento de jeitos, foram controlados estatisticamente mediante a
medida relacionado à prática habitual de atividade físi- análise de co-variância. Mesmo na ausência de partici-
ca (23,27,28), os resultados encontrados apontam os pação dos valores de IMC e da idade, e confirmando
homens como sendo discretamente mais ativos fisica- resultados de importantes estudos envolvendo delinea-
mente. Mediante idênticos critérios de interpretação mentos experimentais bem elaborados (32,33), os
dos dados coletados, os resultados apresentados pelos resultados encontrados no presente estudo mostraram

76 Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

que os sujeitos pertencentes ao estrato dos mais ativos IPAQ. Portanto, existem fortes indicações no sentido
fisicamente apresentaram perfil lipídico mais favorável. de que o IPAQ possa se definir como um adequado
Similar ao que foi observado em estudos anteri- instrumento direcionado ao acompanhamento dos
ores (2,3,5), os resultados encontrados no presente riscos aterogênicos vinculados à prática habitual ina-
estudo revelaram importantes diferenças entre ambos dequada de atividade física.
os sexos quanto ao gradiente da prática habitual de
atividade física e dos teores de lipídeos plasmáticos
desfavoráveis. Enquanto nos homens as diferenças REFERÊNCIAS
mais acentuadas foram constatadas entre o estrato dos
muito-ativos em comparação com seus pares irregular- 1. Katzmarzyk PT, Church TS, Blair SN. Cardiorespiratory fitness
mente ativos e sedentários, nas mulheres esse fenô- attenuates the effects of the metabolic syndrome on all-cause
and cardiovascular disease mortality in men. Arch Intern
meno foi observado entre o estrato das ativas em Med 2004;164:1092-7.
relação às irregularmente ativas e sedentárias. Além de 2. Forrest KY, Bunker CH, Kriska AM, Ukoli FA, Huston SL,
eventuais limitações atribuídas à composição da Markovi CN. Physical activity and cardiovascular risk factors
in a developing population. Med Sci Sports Exerc
amostra e ao não-controle de possíveis variáveis de 2001;33:1598-604.
confundimento, sobretudo aquelas vinculadas ao 3. MacAuley D, McCrum EE, Stott G, Evans AE, Duly E, Trinick
TR, et al. Physical activity, lipids, apolipoproteins, and Lp(a)
campo dietético, justificativa plausível para o fato, in the Northern Ireland Health and Activity Survey. Med Sci
talvez possa estar alicerçada em fatores hormonais Sports Exerc 1996;26:720-36.
específicos de cada sexo, que induzem aos diferentes 4. Guedes DP, Guedes JERP. Atividade física, aptidão cardior-
respiratória, composição da dieta e fatores de risco predispo-
graus de interação atividade física-perfil lipídico. nentes às doenças cardiovasculares. Arq Bras Cardiol
Os valores de OR encontrados comprovaram 2001;77:243-50.
5. Eaton CB, Lapane KL, Garber CE, Assaf AR, Lasater TM, Car-
que o comportamento e a extensão das associações leton RA. Physical activity, physical fitness, and coronary
entre a prática habitual de atividade física e o perfil heart disease risk factors. Med Sci Sports Exerc
1995;27:340-6.
lipídico apresentam magnitudes diferentes em cada 6. Berlin JA, Colditz A. A meta-analysis of physical activity in the
sexo. Enquanto entre os homens o sedentarismo se prevention of coronary heart disease. Am J Epidemiol
associou mais intensamente com o CT, entre as mu- 1990;132:612-27.
7. Bassuk SS, Manson JE. Physical activity and cardiovascular
lheres a prática insuficiente de atividade física desem- disease prevention in women: how much is good enough?
penhou papel mais importante nas maiores concen- Exerc Sport Sci Rev 2003;31:176-81.
8. Powel KE, Thompson PD, Caspersen CJ. Physical activity and
trações de TG. Esses achados coincidem com resulta- the incidence of coronary heart disease. Annu Rev Public
dos de estudos de intervenção que, ao elevar a prática Health 1987;8:253-87.
de atividade física mediante envolvimento em progra- 9. Leon AS, Connett J, Jacobs DR Jr, Rauramaa R. Leisure-time
physical activity levels and risk of coronary heart disease and
mas sistematizados de exercícios físicos, comprovaram dealt. The Multiple Risk Factor Intervention Trial. JAMA
diminuição mais acentuada nas concentrações de CT e 1987;258:2388-95.
10. Helmer U, Herman B, Shea S. Moderate and vigorous leisure-
TG entre sujeitos adultos (29). time physical activity and cardiovascular disease risk factors
As menores dimensões de OR observadas entre in West Germany, 1984-1991. Int J Epidemiol 1994;23:285-
os estratos de prática habitual de atividade física e as 92.
11. Paffenbarger RS Jr, Blair SN, Lee IM. A history of physical
concentrações desfavoráveis de HDL-C são consis- activity, cardiovascular health and longevity: the scientific
tentes com as fracas associações encontradas em outros contributions of Jeremy N Morris, DSc. DPH, FRCP. Int J Epi-
demiol 2001;30:1184-92.
estudos (2,3), e confirmam evidências no sentido de 12. Després JP, Lamarche B. Low-intensity endurance exercise
que a prática insuficiente de atividade física pode even- training, plasma lipoproteins and the risk of coronary heart
disease. J Intern Med 1994;236:7-22.
tualmente apresentar associações de menor extensão 13. Marrugat J, Elosua R, Covas MI, Molina L, Rubiés-Prat J.
com um perfil plasmático aterogênico que a ingestão Amount and intensity of physical activity, physical fitness and
excessiva de gorduras total e saturada (34,35) e o uso serum lipids in men. Am J Epidemiol 1996;143:562-9.
14. Fung TT, Hu FB, Yu J, Chu NF, Spiegelman D, Tofler GH, et al.
de tabaco (36). Leisure-time physical activity, television watching, and plas-
Em conclusão, existem similaridades entre os ma biomarkers of obesity and cardiovascular risk. Am J Epi-
demiol 2000;152:1171-8.
achados do presente estudo e os resultados prévios 15. Miller YD, Dunstan DW. The effectiveness of physical activity
provenientes de experimentos controlados, envolven- interventions for the treatment of overweight and obesity and
do informações quanto ao nível de prática habitual de type 2 diabetes. J Sci Med Sport 2004;7(suppl 1):52-9.
16. Montoye HJ, Kemper HCG, Saris WHM, Washburn RA. Mea-
atividade física e ao perfil lipídico. No entanto, atenta- suring Physical Activity and Energy Expenditure.
se para o fato de que, diferentemente dos demais, no Champaign: Human Kinetics, 1996.
17. Kriska AM, Caspersen CJ. A collection of physical activity
presente estudo optou-se por acompanhar o nível de questionnaires for health-related research. Med Sci Sports
prática habitual de atividade física por intermédio do Exerc 1997;29:S1-S205.

Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1 77


IPAQ e Perfil Lipídico
Guedes & Gonçalves

18. Sallis JF, Saelens BE. Assessment of physical activity by self- 29. Durstine JL, Grandjean PW, Davis PG, Ferguson MA, Alder-
reports: status, limitations, and future directions. Res Q son Nl, et al. Blood lipid and lipoprotein adaptations to exer-
Exerc Sport 2000;71:1-14. cise: a quantitative analysis. Sports Med 2001;31:1033-62.
19. Gordon CC, Chumlea WC, Roche AP. Stature, recumbent 30. Williams PT. Health effects resulting from exercise versus
length, and weight. In Lohman TG, Roche AP, Martorell R those from body fat loss. Med Sci Sports Exerc
(ed.). Anthropometric Standardization Reference Man- 2001;33:S611-21.
ual. Champaign: Human Kinetics, 1988. pp. 3-8. 31. Després JP, Lamarche B, Bouchard C. Exercise and the pre-
20. Friedewald WT, Levy RI, Frederickson DS. Estimation of the vention of dyslipidemia and coronary heart disease. Int J
concentration of low-density lipoprotein cholesterol in plas- Obes 1995;19(suppl 4):S45-S51.
ma, without use of preparative ultracentrifuge. Clin Chem 32. Katzel LI, Bleecker ER, Colman EG. Effects of weight loss vs.
1972;18:499-502. aerobic exercise training on risk factors for coronary disease
21. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretrizes Brasileiras in healthy, obese, middle-aged and older men. JAMA
sobre Dislipidemias e Diretrizes de Prevenção da Ateroscle- 1995;274:1915-21.
rose do Departamento de Aterosclerose da Sociedade 33. Lamarche B, Després JP, Pouliot MC. Is body fat loss a deter-
Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol 2001;77(supl. minant factor in the improvement of carbohydrate and lipid
3). metabolism following aerobic exercise training in obese
22. Craig CL, Marshall AL, Sjöström M, Bauman AE, Booth ML, women? Metabolism 1992;41:1249-56.
Ainsworth BE, et al. International Physical Activity Question- 34. Porrini M, Simonetti P, Testolin G, Roggi C, Laddomada MS,
naire: 12-Countr reliability and validity. Med Sci Sports Tenconi MT. Relation between diet composition and coro-
Exerc 2003;35:1381-95. nary heart disease risk factors. J Epidemiol Comm Health
23. Matsudo SM, Matsudo VR, Araújo T, Andrade D, Andrade E, 1991;45:148-51.
Oliveira L, et al. Nível de atividade física da população do 35. Esrey KL, Joseph L, Grover SA. Relationship between dietary
estado de São Paulo: análise de acordo com o gênero, idade, intake and coronary heart disease mortality: Lipid Research
nível socioeconômico, distribuição geográfica e de conheci- Clinics Prevalence Follow-up Study. J Clin Epidemiol
mento. Rev Bras Cien Mov 2000;10:41-50. 1996;49:211-6.
24. Morris JN, Healdy HA, Raffle PA, Roberts CG, Parks JW. Coro- 36. Price JF, Mowbray PI, Lee AJ, Rumley A, Lowe GD, Fowkes
nary heart disease and physical activity of work. Lancet FGR. Relationship between smoking and cardiovascular risk
1953;265:1053-7. factors in the development of peripheral arterial disease and
25. Paffenbarger RS, Hale WE. Work activity and coronary heart coronary artery disease. Edinburgh Artery Study. Eur Heart
mortality. N Engl J Med 1975;292:545-50. J 1999;20:344-53.
26. Matsudo SM, Araújo T, Matsudo VR. Questionário Interna-
cional de Atividade Física (IPAQ): estudo de validade e repro-
dutibilidade no Brasil. Rev Bras At Física & Saúde
2001;6:5-18. Endereço para correspondência:
27. Rütten A, Abu-Omar K. Prevalence of physical activity in the
European Union. Soz Präventivmed 2004;49:281-9. Dartagnan Pinto Guedes
28. Gómez LF, Duperly J, Lucumi DI, Gómez R, Venegas AS. Rua Ildefonso Werner 177
Nivel de actividad física global en la población adulta de Condomínio Royal Golf
Bogotá (Colombia). Prevalencia y factores asociados. Gac 86055-545 Londrina, PR
Sanit 2005;19:206-13. E-mail: darta@sercomtel.com.br

78 Arq Bras Endocrinol Metab 2007;51/1

Você também pode gostar