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Aplicações Matemáticas em

Engenharia de Produção
Publicações Matemáticas

Aplicações Matemáticas em
Engenharia de Produção

Leonardo J. Lustosa
PUC-Rio - Aposentado

Fernanda M. P. Raupp
LNCC

30o Colóquio Brasileiro de Matemática


Copyright  2015 by Leonardo J. Lustosa e Fernanda M. P. Raupp

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Capa: Noni Geiger / Sérgio R. Vaz

30o Colóquio Brasileiro de Matemática


 Aplicações Matemáticas em Engenharia de Produção - Leonardo J.
Lustosa e Fernanda M. P. Raupp
 Boltzmann-type Equations and their Applications - Ricardo Alonso
 Dissipative Forces in Celestial Mechanics - Sylvio Ferraz-Mello, Clodoaldo
Grotta-Ragazzo e Lucas Ruiz dos Santos
 Economic Models and Mean-Field Games Theory - Diogo A. Gomes, Levon
Nurbekyan and Edgard A. Pimentel
 Generic Linear Recurrent Sequences and Related Topics - Letterio Gatto
 Geração de Malhas por Refinamento de Delaunay - Afonso P. Neto,
Marcelo F. Siqueira e Paulo A. Pagliosa
 Global and Local Aspects of Levi-flat Hypersurfaces - Arturo Fernández
Pérez e Jiri Lebl
 Introdução às Curvas Elípticas e Aplicações - Parham Salehyan
 Métodos de Descida em Otimização Multiobjetivo - B. F. Svaiter e L. M.
Graña Drummond
 Modern Theory of Nonlinear Elliptic PDE - Boyan Slavchev Sirakov
 Novel Regularization Methods for Ill-posed Problems in Hilbert and Banach
Spaces - Ismael R. Bleyer e Antonio Leitão
 Probabilistic and Statistical Tools for Modeling Time Series - Paul Doukhan
 Tópicos da Teoria dos Jogos em Computação - O. Lee, F. K. Miyazawa, R.
C. S. Schouery e E. C. Xavier
 Topics in Spectral Theory - Carlos Tomei

Distribuição: IMPA
Estrada Dona Castorina, 110
22460-320 Rio de Janeiro, RJ
E-mail: ddic@impa.br
ISBN: 978-85-244-0400-9 http://www.impa.br
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Conteúdo

1 Introdução 3

2 Problema do tamanho do lote de reposição 5


2.1 Modelo básico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Modelo com desconto por quantidade . . . . . . . . . . 14
2.3 Modelo com aumento de preço iminente . . . . . . . . 20

3 Problema do jornaleiro 25
3.1 Modelo para o caso discreto . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.2 Modelo para o caso contı́nuo . . . . . . . . . . . . . . 33

4 Problema de planejamento da produção 37


4.1 Modelo multi-item em único perı́odo . . . . . . . . . . 39
4.2 Modelo de um item sem limitação de capacidade e
multi-perı́odo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.3 Modelo de um item com capacidade limitada e multi-
perı́odo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4.4 Modelo multi-item multi-perı́odo sem limitação de ca-
pacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
4.5 Modelo multi-item multi-perı́odo com limitação de ca-
pacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

5 Comentários adicionais e conclusão 59

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2 CONTEÚDO

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Capı́tulo 1

Introdução

Estas notas de aula servem de material básico para o curso in-


trodutório “Aplicações Matemáticas em Engenharia de Produção”.
O objetivo do curso é apresentar e discutir exemplos de aplicações
matemáticas existentes no âmbito da Engenharia de Produção, em
particular, no tocante às decisões relativas à capacidade de produção
e estoques de itens. O duplo propósito é, através de exemplos, ex-
por os alunos a um campo de aplicação da matemática ainda pouco
divulgado no Brasil e, além disso, proporcionar uma experiência na
modelagem matemática de realidades que envolvem aspectos fı́sicos
e econômicos.
Veremos durante este curso problemas especı́ficos da gerência da
produção. É importante salientar que, além da habilidade matemáti-
ca, o profundo entendimento da situação, a criatividade e o discerni-
mento do modelador são fundamentais para a elaboração de modelos
matemáticos úteis para as empresas. Portanto, ao privilegiar aspec-
tos matemáticos o curso deixa de lado importantes elementos da boa
prática que só a experiência profissional pode fornecer.
A elaboração de um bom modelo, isto é, uma boa representação
de algo que nos será útil para algum propósito, depende de nosso
bom conhecimento da realidade (contexto teórico e prático), para
que sejamos capazes de discernir quais aspectos dessa realidade são
relevantes para nosso propósito e, também, de nossa habilidade de
representar de forma útil tais aspectos. Uma decorrência disso é que

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4 [CAP. 1: INTRODUÇÃO

um bom modelo não é necessariamente o que mais fielmente retrata a


situação real, mas sim o que melhor serve ao propósito estabelecido.
A inclusão de aspectos da realidade que não são relevantes para a
tomada de decisão pode obscurecer os aspectos essenciais e tornar
o modelo menos útil para seu propósito. Já a exclusão de aspectos
fundamentais pode também tornar o modelo inútil. Podemos dizer
que um bom modelo deve incluir apenas tudo que é relevante para
seu propósito.
Vamos abordar, em particular, os clássicos problemas do tama-
nho do lote econômico e do jornaleiro, e também problemas tı́picos
de planejamento da produção. Veremos que, em grande parte dos
problemas quantitativos da Engenharia de Produção, soluções são
obtidas por otimização de seus modelos de custo. Cada problema
será introduzido através de um problema-paradigma simples e fami-
liar a leigos e seu modelo construı́do passo a passo. A utilização
do modelo como auxı́lio para decisões gerenciais será discutida, as-
sim como uma solução analı́tica será apresentada, quando possı́vel.
Problemas práticos de natureza diversa, mas matematicamente iso-
morfos ou similares, serão discutidos juntamente com extensões e,
posteriormente, resolvidos ou deixados como exercı́cio.
O público alvo são alunos de graduação em matemática ou em en-
genharias, com habilidade em cálculo diferencial e integral, sistemas
de equações lineares e noções básicas de probabilidade.
No que se segue, estas notas estão estruturadas em três capı́tulos.
O Capı́tulo 2 aborda primeiramente modelos de produção de itens
com demanda determinı́stica e constante, enquanto que, no Capı́tulo 3,
são abordados os modelos com demanda probabilı́stica. Ambos os
capı́tulos tratam de planejamento da produção de um item isolada-
mente. No Capı́tulo 4, o planejamento da produção simultânea de
uma famı́lia de itens é abordado para um horizonte de um número
finito de perı́odos.

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Capı́tulo 2

Problema do tamanho
do lote de reposição

2.1 Modelo básico


Suponha uma situação do comércio varejista, tal como um super-
mercado. Vamos estudar isoladamente um item que é rotineiramente
encomendado e vendido, digamos, sal de cozinha. O gerente do cen-
tro de distribuição do supermercado deseja saber em que quantidade
e quando um item deve ser encomendado, de forma que o custo re-
levante total seja mı́nimo e a demanda pelo item seja integralmente
satisfeita. Neste exemplo, a demanda pelo item pode ser considerada
um fluxo contı́nuo e praticamente constante. De fato, as pessoas con-
somem sal aproximadamente na mesma quantidade ao longo de todo
o ano e são muitos consumidores que compram em quantidades rela-
tivamente pequenas. Essas caracterı́sticas da demanda, assim como
a estabilidade do custo do sal ao longo do tempo, serão importantes
suposições no que veremos adiante.
O problema de interesse consiste em determinar o tamanho do
lote de um item a ser encomendado para que o custo anual de operar
esse item seja o menor possı́vel -o chamado lote econômico de compra
(mais conhecido pela expressão em Inglês, economic order quantity
- EOQ), levando em conta apenas os custos de manter o estoque e

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6 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

o de encomendar a mercadoria. Um dos mais conhecidos e clássicos


da gerência de produção, esse problema tem a virtude de ser muito
simples, o que facilita a exposição de alguns aspectos importantes do
comportamento econômico de estoques de ciclo. Estoques de ciclo
são os estoques formados quando o consumo ocorre como um fluxo
constante e os recebimentos de material ocorrem em lotes.
Como é intuitivo no exemplo, fazer uma encomenda dá um certo
trabalho, que pode ser medido pelo valor em dinheiro que o gerente
estaria disposto a pagar para economizar esse trabalho. Podemos
então considerar que, ao fazer uma encomenda, a empresa (represen-
tada pelo gerente) incorre num custo que independe da quantidade
encomendada e que chamaremos de custo de encomendar.
Se esse fosse o único custo, é claro que o custo total anual (sim,
adiante veremos que faz sentido querer minimizar o custo anual) seria
mı́nimo quando a polı́tica fosse encomendar uma única vez na vida,
o que na situação real não faz sentido; não é? Sim, fora outras razões
(como espaço para armazenar e juntar dinheiro), há o fato de que ao
usar o dinheiro para comprar mercadoria, esse mesmo dinheiro deixa
de estar disponı́vel para fazer outros negócios e, com isso, deixa-se de
ganhar mais dinheiro. Dessa forma, o que se deixa de ganhar pode
ser visto como sendo um custo que se costuma chamar de custo de
oportunidade, ou custo do capital imobilizado. Esse custo é tão im-
portante para as decisões econômicas que qualquer organização, que
busque solidez nas suas decisões, o estabelece através de análises fi-
nanceiras (vale observar que frequentemente se estabelecem diferentes
custos de capital dependendo do contexto do problema).
Nesta análise vamos supor que os únicos custos relevantes inci-
dentes são o custo de encomendar (i.e., o custo de se fazer uma enco-
menda, independente do seu tamanho) e o custo de manter estoque,
(i.e., o custo de oportunidade do dinheiro empatado no estoque acres-
cido de outros custos proporcionais à quantidade do item mantida em
estoque, como o do seguro contra roubo e incêndio, e o custo de ar-
mazenagem e movimentação no armazém). O cálculo desses custos
raramente pode ser feito com precisão, mas quase sempre pode ser
estimado de forma aceitável.
Para desenvolver o modelo básico do problema do varejista nesse
contexto são necessárias algumas considerações iniciais ou hipóteses
simplificadoras, que são listadas a seguir.

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[SEC. 2.1: MODELO BÁSICO 7

Considerações iniciais para o modelo EOQ

1. A taxa de demanda anual pelo item é constante e determinı́stica.

2. A quantidade encomendada do item (i.e., o tamanho do lote)


pode ser um número qualquer e não há restrições quanto à
quantidade.

3. Não pode haver falta do item.

4. O valor ou preço unitário de aquisição do item é constante e


independe da quantidade encomendada.

5. Os custos de encomendar e de manter estoque são os únicos


relevantes, são constantes, conhecidos e invariantes no tempo.

6. Não se considera a existência de outros itens.

7. O tempo de reposição é constante e conhecido.

8. O lote encomendado chega integralmente num mesmo instante.

9. O horizonte de planejamento é longo (virtualmente infinito) e


os parâmetros não variam.

Notação
Para construir o modelo básico iremos considerar a seguinte notação:

Q quantidade fixa a ser encomendada do item por perı́odo (uni-


dades do item)
T tempo do ciclo ou perı́odo (ano)
N número de encomendas ou de recebimentos (i.e. de ciclos)
num ano
r taxa de manter o estoque ($/$/ano)
v valor ou preço unitário do item ($)
A custo de encomendar ou fazer uma encomenda ($)
D taxa de demanda (unidades do item/ano)
H custo unitário de manter o item em estoque (H = rv) ($/ano)
I nı́vel de estoque (unidades do item)
CT A custo total anual do item ($/ano).

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8 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

Os parâmetros do modelo são r, v, A, D e H. Conforme indicado


acima, o custo de manter uma unidade do item em estoque por um
ano, o parâmetro H, pode ser decomposto no produto de uma taxa
de manutenção de valor em estoque (que é semelhante a uma taxa
de juros) pelo valor unitário do item. Isso é conveniente, porque
frequentemente essa taxa de manter em estoque é a mesma para itens
que compartilham o mesmo armazém, enquanto o valor do item é
uma caracterı́stica dele próprio. Observe que tomamos ano como a
unidade de tempo padrão. Ainda, sabendo que a taxa de demanda
anual é constante e conhecida e a quantidade a ser encomendada é
fixa, observe que N = D/Q é o número de encomendas realizadas
por ano, e o perı́odo entre encomendas, ou entre recebimentos, é a
duração do ciclo dada por T = Q/D = 1/N . Vemos portanto que,
como há relações fixas, nosso problema tem apenas uma variável de
decisão que podemos escolher entre o tamanho do lote, Q, o número
de encomendas no ano, N , ou a duração do ciclo, T .

Supondo o sistema de estoque desse item operando por muito


tempo, podemos imaginar um estado estacionário onde um ciclo ótimo
de estoque se repete indefinidamente, já que nenhum dado muda com
o tempo. Assim, faz sentido buscarmos as decisões que minimizam o
custo anual. É certo que o estoque deverá se esgotar imediatamente
antes do recebimento de uma nova encomenda. Isso porque, no nosso
caso, estamos supondo que existem apenas os custos de encomendar e
o de manter estoque e, portanto, não existe outra razão para manter
estoque que não seja a de reduzir o custo anual de encomendar. Te-
mos, então, que, no ótimo, a variação do estoque ao longo do tempo
deve ser algo como a representada na Figura 2.1.

Com as suposições acima, vemos que o ciclo se repete indefinida-


mente e, portanto, o que queremos é minimizar o custo anual total
do item. Esse custo será composto pelo custo anual de encomendar
(CE ) mais o custo anual de manter as unidades do item em estoque
(CM ) mais o custo anual de aquisição do item (CA ) (i.e., o que pa-
gamos ao fornecedor). Escolhendo o tamanho do lote, Q > 0 (não
nos interessam valores nulo ou negativos de Q), como nossa variável
de decisão, e usando a relação acima, podemos escrever que o custo
anual de encomendar (i.e., o número de encomendas num ano vezes

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[SEC. 2.1: MODELO BÁSICO 9

Q Q

T T t

Figura 2.1: Nı́vel dos estoques ao longo do tempo no modelo EOQ

o custo de uma encomenda) é

CE = AN = AD/Q, Q > 0.

A expressão do custo anual de manter o estoque é um pouco mais


complicada. O custo de manter em estoque uma unidade do item
durante um ano é H. Entretanto, a quantidade em estoque varia
com o tempo, conforme ilustrado na Figura 2.1. Portanto, o custo de
manter estoque durante um ano seria a integral durante um ano da
quantidade em estoque, I, vezes o custo de manter estoque durante
um tempo infinitesimal. Mas, pela geometria, podemos ver (você é
capaz de mostrar?) que isso nada mais é do que o custo H vezes
metade do tamanho do lote Q, i.e.,

Q Q
CM = H = vr.
2 2
A terceira parcela de custo é o custo anual de aquisição, CA , que,
como queremos atender toda a demanda, é a demanda anual vezes o
custo unitário do item
CA = Dv.

Temos, então, o custo total anual do item modelado por

AD Q
CT A(Q) = + vr + Dv. (2.1)
Q 2

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10 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

Proposição 1. CT A como definido em (2.1) é uma função estrita-


mente convexa em Q > 0 que tem seu mı́nimo em

∗ 2AD
Q = .
vr
De fato, podemos ver que, no domı́nio de interesse, a função é a soma
de um ramo positivo de hipérbole (função estritamente convexa), uma
reta (função convexa e côncava) e uma constante. Portanto, de acordo
com o teorema que nos diz que a soma de um número finito de funções
convexas é uma função convexa, concluı́mos que CT A é uma função
convexa. Por se tratar de função convexa, para mostrar que o ponto
Q∗ é de mı́nimo, basta mostrar que ele é ponto crı́tico ou estacionário
(i.e., de derivada nula). Faremos a prova de modo construtivo. A
primeira derivada da função é

dCT A AD vr
(Q) = − 2 + .
dQ Q 2

Igualando a zero e resolvendo para Q > 0, temos



dCT A ∗ ∗ 2AD
(Q ) = 0 ⇔ Q = .
dQ vr

Logo, √
2AD
EOQ = . (2.2)
vr
Note que o custo de aquisição Dv poderia ter sido ignorado sem
que o resultado se alterasse. Não por acaso! Como Dv é uma cons-
tante independente da decisão, Q, ao derivarmos em relação a Q o
termo desaparece. Neste caso, dizemos que o custo de aquisição é
um custo irrelevante, i.e., ele não tem relevância para a decisão. Sim;
porque, qualquer que seja o valor unitário do item, v, o que se pagará
para adquiri-lo durante um ano será uma constante Dv e sabemos
que um ponto que minimiza uma função permanece o mesmo se a ela
somarmos uma constante ou se a multiplicarmos por uma constante
positiva. (Você é capaz de demonstrar isso?) Por simples que seja,
na prática de modelagem, eliminar de consideração, logo de saı́da,
custos irrelevantes pode simplificar muito a construção do modelo.

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[SEC. 2.1: MODELO BÁSICO 11

Aqui lembramos que o bom modelo é aquele que considera apenas


tudo que é relevante para nosso propósito.
De acordo com essas observações, vamos denominar custo rele-
vante total (anual) a função de custo total anual sem o termo de
custo de aquisição, ou seja,
AD Q
CRT (Q) = + vr. (2.3)
Q 2
Vamos agora avaliar o custo relevante total ótimo. Para isso vamos
tomar Q = EOQ em (2.3).

2AD √ √
AD vr ADvr ADvr √
CRT (EOQ) = √ + vr = + = 2ADvr.
2AD 2 2 2
vr
(2.4)
O tempo do ciclo ótimo (em fração do ano) é dado por

TEOQ = EOQ/D.

Uma outra forma de mostrarmos a convexidade da CT A (ou de


CRT ) é através de sua segunda derivada

d2 CRT 2AD
(Q) = , Q > 0,
dQ2 Q3
que, sendo positiva, mostra que a função é convexa em todo o seu
domı́nio.

Exemplo numérico 1
Deseja-se determinar o tamanho do lote econômico de um item, usando
os dados na Tabela 2.1. Considere as unidades padrão para os dados
na tabela.

Tabela 2.1:
D A v r
100 10,00 200,00 0,2

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12 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

Solução
Substituindo os valores dos parâmetros diretamente na fórmula de
EOQ, obtemos
√ √
2AD 2(10)(100)
EOQ = = = 7, 1
vr 200(0, 2)
√ √
CRT (EOQ) = 2ADvr = 2(10)(100)(200)(0, 2) = 282, 8.

De acordo com a fórmula de custo relevante total ótimo (2.4),


verifica-se que o custo ótimo de manter estoque é igual ao custo ótimo
de encomendar. Isso não ocorre por acaso, basta substituir a fórmula
EOQ nas expressões de CE e CM para ver que, na solução ótima, eles
são iguais. Essa caracterı́stica se mantém muito próxima da verdade,
mesmo em outros modelos de estoque de ciclo mais complexos, e
pode ser tida como uma espécie de “lei natural”. Usando os dados
do exemplo, a situação é ilustrada na Figura 2.2.
1200
C
E
C
M
1000 CRT

800

600
$

400
EOQ

200

0
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Q

Figura 2.2: CRT , CE e CM em função das quantidades do item

Sensibilidade aos parâmetros

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[SEC. 2.1: MODELO BÁSICO 13

Olhando para as fórmulas de EOQ, CRT (EOQ) e TEOQ , vê-


se que os valores ótimos do lote a ser encomendado, do custo rele-
vante total e da duração do ciclo são função da raiz quadrada dos
parâmetros. Isso significa que:

a) os valores ótimos são pouco sensı́veis a variações dos parâmetros.


Portanto, o impacto em termos de custo total não é grande quando
utilizamos lotes de tamanhos diferentes de EOQ. Normalmente, diz-
se que a solução ótima com essa caracterı́stica é “robusta”. Pode-se
verificar isso com auxı́lio da Figura 2.2 e analiticamente através de
um exemplo, como segue. Suponha que em vez de EOQ seja usada
uma quantidade de acordo com a seguinte relação:

Q̃ = (1 + p)EOQ,

onde 100p é o percentual do desvio de Q̃ em relação a EOQ. O


incremento percentual do custo (IP C) ao se usar Q̃ em vez de EOQ
é dado por

CRT (Q̃) − CRT (EOQ) p2


IP C = 100 = 50 .
CRT (EOQ) 1+p

Por exemplo, para Q̃ = 480 e EOQ = 400, temos p = 0, 2 (variação


de 20% na quantidade encomendada), e IP C = 1, 66% (variação no
custo relevante total).

b) O custo ótimo aumenta sublinearmente com a demanda e com


outros parâmetros. Por exemplo, se a demanda de um item aumenta
de um fator de 4 (p = 3), o custo aproximadamente dobra. Isso
explica as vantagens de padronização de componentes em sistemas
de peças de reposição e economias de escala no comércio varejista.
Apesar de o modelo não ser muito adequado para representar o que
ocorre em uma manufatura, ele captura a essência do que ocorre
quando se deseja reduzir o estoque em processo para se aproximar de
uma situação de just-in-time (polı́tica de produção que privilegia a
redução de estoques trabalhando com lotes muito pequenos).

Exercı́cio proposto 1
(Exercı́cio 5.4 do livro da referência [8]) Uma fábrica produz um dado

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14 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

item em corridas que correspondem a um suprimento que dura três


meses em linha de produção. Sabemos que D = 4000 unidades por
ano, A = 5$, v = 4$ por 100 unidades e r = 0, 25$/$/ano. Ainda,
sabe-se que a taxa de produção é muito maior que D, a ponto de se
considerar que a produção de qualquer quantidade se dá em tempo
desprezı́vel.
a) Qual a quantidade econômica a ser encomendada (EOQ)?
b) Qual o perı́odo entre encomendas consecutivas do item quando
EOQ é usada?
c) O gerente de produção insiste em dizer que A = 5$ é um “chute”.
Consequentemente, ele decide usar a regra de suprimento de 3 meses,
ou seja, a cada 3 meses uma encomenda é feita para satisfazer a
demanda. Indique como você acharia o intervalo de valores possı́veis
de A para o qual EOQ é preferı́vel (em termos de menores custos
para repor e manter em estoque) a um suprimento de 3 meses?

2.2 Modelo com desconto por quantidade


Uma das hipóteses mais fortes feitas para o modelo EOQ é a que
considera o preço unitário v como sendo constante e independente
da quantidade encomendada. Em situações reais, é comum obter
descontos no valor unitário do item, v, quando se encomenda lotes
grandes. Isso geralmente se deve ao fato de lotes maiores proporci-
onarem economias (por exemplo, no transporte) para o fornecedor.
A fim de adequar o modelo EOQ com relação à variação do preço
unitário em função da quantidade encomendada de um item, iremos
relaxar a hipótese simplificadora número 4.
Naturalmente, é o fornecedor do item quem decide sobre tamanho
de lote de referência, a partir do qual o desconto será concedido. Dois
tipos de desconto são mais comuns: o desconto em todas as unidades
e o desconto incremental. Em ambos os casos são estabelecidas n
quantidades limites, digamos 0 < q1 < q2 < ... < qn correspondentes
a preços unitários v1 > v2 > ... > vn . No desconto incremental as
primeiras q1 unidades de uma encomenda de tamanho Q vão custar
v1 , as seguintes q2 −q1 unidades vão custar v2 , as seguintes q3 −q2 vão
custar v3 e assim por diante até completar a quantidade encomendada
Q. No caso do desconto em todas as unidades, se qk for a maior

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[SEC. 2.2: MODELO COM DESCONTO POR QUANTIDADE 15

quantidade limite menor do que Q, então será cobrado o valor vk


para todas as unidades da encomenda Q. Por questão de espaço,
a seguir veremos apenas o caso de desconto em todas as unidades,
que, apesar de não ser o caso mais corrente na prática, é o mais
simples. Considere a seguinte estrutura do preço unitário dada pelo
fornecedor: {
v0 , 0 < Q < Q̄
v= (2.5)
v1 = v0 (1 − d), Q̄ ≤ Q
onde v0 é o preço unitário básico, v1 é o preço unitário com desconto
quando a quantidade encomendada Q é maior ou igual ao tamanho
do lote de referência Q̄ e d é a fração decimal do desconto (0 < d < 1).
Para o estudo do modelo do tamanho do lote com desconto por
quantidade encomendada e de mı́nimo custo, é importante incluir
a parcela Dv na expressão do custo relevante total, pois a decisão
de quanto encomendar vai depender do preço unitário, que, por sua
vez, depende do montante a ser encomendado. Procedendo como
anteriormente, mas retendo Dv, o modelo de custo com desconto fica

Q + 2 v0 r + Dv0 , 0 < Q ≤ Q̄,
Q
 CRT0 (Q) = AD
CRT (Q) =
 CRT (Q) = AD + Q v r + Dv , Q̄ ≤ Q.
1 Q 2 1 1

A partir da definição de EOQ (2.2) e do modelo de custo com


desconto, e sabendo que v1 < v0 , temos de imediato os seguintes
resultados:
1. CRT é uma função descontı́nua em Q̄,
2. CRT1 < CRT0 para todo Q,
3. EOQ0 < EOQ1 .

Determinação de Q∗
Para determinar o tamanho do lote ótimo do item a ser encomen-
dado, teremos que analisar três situações possı́veis.
1. Se EOQ1 ≥ Q̄, então Q∗ = EOQ1 , porque CRT (Q) = CRT1 (Q)
para Q ≥ Q̄, e por definição de EOQ1 tem-se que
CRT1 (EOQ1 ) ≤ CRT1 (Q) para todo Q.

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16 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

2. Caso EOQ1 < Q̄, então precisamos comparar CRT0 (EOQ0 ) e


CRT1 (Q̄), uma vez que o custo total é definido agora sobre o
intervalo 0 < Q < Q̄. Por definição de EOQ0 e pelo resultado
2 acima, temos que

CRT0 (EOQ0 ) ≤ CRT0 (Q) para todo Q


CRT1 (Q) < CRT0 (Q) para todo Q.

Em particular, para Q = Q̄, temos CRT0 (EOQ0 ) < CRT0 (Q̄)


e CRT1 (Q̄) < CRT0 (Q̄). Porém, ainda não sabemos a relação
entre CRT0 (EOQ0 ) e CRT1 (Q̄). Vejamos:
(a) se CRT0 (EOQ0 ) < CRT1 (Q̄), então o tamanho do lote
ótimo a ser encomendado será EOQ0 . Assim, para quem
encomenda, não há vantagem em aumentar o tamanho do
lote para obter desconto.
(b) Senão, se temos CRT1 (Q̄) < CRT0 (EOQ0 ), então o ta-
manho do lote ótimo será Q̄. Nesse caso, é vantajoso en-
comendar a mais, em relação ao usual EOQ0 , para obter
o desconto.
A análise resumida sobre a determinação do tamanho do lote ótimo
é posta sob a forma do algoritmo a seguir.

Algoritmo EOQ com desconto por quantidade


Inı́cio
Calcule EOQ1
Se EOQ1 ≥ Q̄, então Q∗ = EOQ1 ;
Senão
Calcule CRT0 (EOQ0 ) e CRT1 (Q̄);
Faça Q∗ = argmin{CRT0 (EOQ0 ), CRT1 (Q̄)}
Fim
Fim

Observe que para esse modelo a solução encontrada foi uma solução
algorı́tmica, e não uma solução analı́tica simplesmente.

Exemplo numérico 2
Considere o caso em que um fornecedor oferece 5% de desconto para

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[SEC. 2.2: MODELO COM DESCONTO POR QUANTIDADE 17

lotes com 100 ou mais unidades de um item de varejo. Os dados


da empresa varejista apresentam-se na Tabela 2.2 com as unidades
usuais.

Tabela 2.2:
Item D v0 A r
1 104 3,10 1,50 0,24
2 416 14,20 1,50 0,24
3 4160 2,40 1,50 0,24

Solução
Como d = 0, 05, temos que v1 = v0 (1 − 0, 05) = 0, 95v0 . Vamos agora
estudar isoladamente cada item.
Item 1. Verificamos primeiramente que v1 = 2, 95, e assim

2(1, 50)(104)
EOQ1 = = 20, 99 < Q̄ = 100.
2, 95(0, 24)

Calculando

CRT (EOQ0 ) = 2(1, 50)(104)(3, 10)(0, 24) + 104(3, 10) = 337, 64,

1, 50(104) 100
CRT (Q̄) = + (2, 95)(0, 24) + 104(2, 95) = 343, 76,
100 2
verificamos que CRT (EOQ0 ) < CRT (Q̄). Logo, é melhor abrir mão
do desconto e encomendar o lote com tamanho

2(1, 50)(104)
EOQ0 = = 20, 48.
3, 10(0, 24)

Esse caso é ilustrado na Figura 2.3(a).


Item 2. Verifica-se inicialmente que v1 = 13, 49 e

2(1, 50)(416)
EOQ1 = = 19, 14 < Q̄ = 100.
13, 49(0, 24)

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18 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

Em seguida, verificamos que



CRT (EOQ0 ) = 2(1, 50)(416)(14, 20)(0, 24)+416(14, 20) = 5.972, 42,

1, 50(416) 100
CRT (Q̄) = + (13, 49)(0, 24) + 416(13, 49) = 5.779, 96,
100 2
Como CRT (Q̄) < CRT (EOQ0 ), é melhor encomendar o tamanho
do lote de referência Q̄ = 100, garantindo o desconto. Veja a Fi-
gura 2.3(b) que ilustra esse caso.
Item 3. Verificamos primeiramente que v1 = 2, 28 e

2(1, 50)(4160)
EOQ1 = = 151, 02 > Q̄ = 100.
2, 28(0, 24)

Logo, ao encomendar a quantidade igual a EOQ1 , o desconto fica


imediatamente garantindo. Veja a Figura 2.3(c).

Exercı́cio proposto 2
(Exercı́cio 5.9 do livro da referência [8]) Uma companhia minera-
dora rotineiramente substitui uma peça especı́fica de um certo equi-
pamento. A taxa de uso é de 40 unidades por semana. O fornecedor
da peça oferece a estrutura de preços conforme a Tabela 2.3. O

Tabela 2.3:
Quantidade Preço unitário
0 < Q < 300 10,00
300 ≤ Q 9,00

custo de reposição é estimado em 25$ e a taxa de manter estoque


0,26$/$/ano é usada pela mineradora.
a) Qual a quantidade ótima a ser encomendada?
b) Se o fornecedor está interessado em que a mineradora compre no
mı́nimo 500 unidades, qual é o maior preço unitário que o fornecedor
pode cobrar para uma encomenda de 500 unidades? (Considere o
fato de que o fornecedor seja conhecedor dos dados da mineradora.)

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[SEC. 2.2: MODELO COM DESCONTO POR QUANTIDADE 19

Figura 2.3: Casos possı́veis para desconto por quantidade

Desafio 1
Ache a solução para o problema do lote econômico com desconto
incremental no preço unitário de um item a ser encomendado. Aqui
vão duas dicas: (a) analise o caso em que existe uma única quantidade

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20 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

limite para o desconto, pois a extensão para mais de uma quantidade


limite de desconto é simples; (b) inspire-se na solução do problema
sem desconto e use a expressão do custo unitário médio para um
tamanho do lote Q genérico. A solução desse problema pode ser
encontrada em [8].

2.3 Modelo com aumento de preço imi-


nente
Quando se sabe com antecedência que o preço de um produto vai
aumentar, pode ser interessante fazer uma encomenda maior que a
usual, de forma a obter uma vantagem no preço. Mesmo supondo
que as premissas que adotamos para o modelo EOQ sejam válidas
para situações antes e depois do aumento (exceto a consideração 4
que diz respeito ao preço fixo do item), é claro que a decisão sobre a
quantidade a ser encomendada dependerá de outros aspectos. Além
dos parâmetros que vimos para o modelo EOQ, a nova encomenda do
produto dependerá de quanto existirá em estoque quando ocorrer o
aumento do preço e do tempo que esperaremos para receber o produto
(lead time).
Assim sendo, queremos determinar a quantidade ótima do item
Q∗ que devemos encomendar antes do aumento do preço. Apresenta-
remos a seguir uma solução aproximada para esse problema que foi
proposta por Naddor (1966). A ideia central dessa abordagem é con-
siderar que a mudança de preço fará com que o lote econômico fique
em outro patamar. Portanto, o que queremos saber é como fazer a
transição de EOQ antigo para o novo, ou seja, como calcular o tama-
nho do lote de transição. Ainda, para simplificar, vamos considerar
inicialmente que a decisão de encomendar e o recebimento dessa nova
encomenda ocorrem no exato instante em que o estoque se esgota e
que o novo preço unitário seja conhecido.
Seja v1 o preço unitário do item vigente, que vem sendo encomen-
dado com tamanho do lote EOQ1 . Sabe-se que v1 será aumentado
para v2 . Após a fixação do novo preço sabemos que o tamanho do
lote ótimo será dado por EOQ2 . Como v1 < v2 , verifica-se facilmente
que EOQ2 < EOQ1 , ou seja, com o aumento de preço o tamanho do
lote ótimo é menor em relação ao tamanho do lote sem aumento. O

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[SEC. 2.3: MODELO COM AUMENTO DE PREÇO IMINENTE 21

custo relevante total com v2 é dado por



CRT (EOQ2 ) = 2ADv2 r + Dv2 .

Observe mais uma vez que nesse modelo de variação de preços é


importante incluir a parcela Dv na expressão do custo relevante total.
A fim de alcançar alguma vantagem com o conhecimento de que
o preço aumentará, suponha que seja encomendada uma quantidade
Q do item com o preço unitário v1 , a qual irá suprir a demanda pelo
item por um perı́odo futuro T . Queremos saber o custo relevante
associado a Q referente ao perı́odo T , especificamente. Para isso,
calculamos o custo relevante total (anual) CRT (Q) e o multiplicamos
por T = Q/D:
( )
Q AD Q
CR(Q) = T (CRT (Q)) = + v1 r + Dv1
D Q 2
2
Q v1 r
= A + Qv1 + .
2D
Portanto, o ganho em encomendar Q no perı́odo T pode ser mo-
delado por

G(Q) = T (CRT (EOQ2 ) − CR(Q))


Q √
= ( 2ADv2 r + Dv2 ) − T (CRT (Q))
D ( )
Q √ Q2 v1 r
= ( 2ADv2 r + Dv2 ) − A + Qv1 + .
D 2D

Proposição 2. G é uma função estritamente côncava em Q > 0.


De fato, do cálculo da primeira derivada

dG 1 √ Qv1 r
(Q) = ( 2ADv2 r + Dv2 ) − v1 −
dQ D D

verifica-se que existe um único ponto crı́tico

dG ∗ CRT (EOQ2 ) − Dv1


(Q ) = 0 ⇔ Q∗ = .
dQ v1 r

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22 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

E do cálculo da segunda derivada verifica-se que seu valor é negativo


d2 G v1 r
(Q) = − < 0.
dQ2 D

Assim, o tamanho do lote de máximo ganho com aumento de


preço iminente é
CRT (EOQ2 ) − Dv1
Q∗ =
v1 r
ou, equivalentemente,
v2 v2 − v1
Q∗ = EOQ2 + D.
v1 v1 r
Observe que maximizar o ganho no perı́odo T pode ser entendido
como reduzir a perda em um perı́odo futuro quando v2 estiver em
vigor. Na Figura 2.4, observamos a transição dos ciclos de estoques a
partir do preço corrente até a aplicação do aumento. Lembre-se que,
com v1 < v2 , tem-se EOQ1 > EOQ2 e consequentemente T1 > T2 .
Vamos deixar para o leitor verificar que Q∗ > EOQ1 .

Na apresentação acima supusemos que a encomenda é feita e en-


tregue imediatamente antes do aumento e, que nesse exato instante o
estoque se esgota. Claro que essas suposições não são realistas. A su-
posição de que a encomenda chega instantaneamente não representa
uma dificuldade, desde que o tempo de reposição (lead time) seja co-
nhecido e a data do aumento seja com antecedência maior do que esse
tempo de reposição. Se assim for, basta antecipar o pedido de forma
que a encomenda chegue imediatamente antes do aumento. Caso
contrário, o problema se torna muito mais complicado e depende de
muitas considerações e, por isso, não será discutido aqui. A suposição
de que o aumento de preço coincide com o esgotamento do estoque
foi examinada por vários autores, entre eles Tersine e Schwarzkopf
(1991), mas, de novo, é uma discussão longa demais para este curso.
Uma forma aproximada examinada por Lev e Soyster (1979) é deduzir
de Q∗ o valor do estoque existente.

Exemplo numérico 3

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[SEC. 2.3: MODELO COM AUMENTO DE PREÇO IMINENTE 23

Q*

EOQ1

EOQ2

T1 T1 T T2 T2

Figura 2.4: Transição entre os ciclos de estoques com proveito do


aumento de preço

Calcule o tamanho do lote a ser encomendado, sabendo que já existe


previsão de aumento de preço do item desejado. Os valores dos
parâmetros em suas unidades usuais são: r = 0, 2, v1 = 15, v2 = 20,
A = 3 e D = 100.

Solução
Primeiramente calculamos EOQ2 e depois o tamanho do lote que
maximiza o ganho, assim:

2(3)(100) 20 20 − 15
EOQ2 = = 12, 2 ⇒ Q∗ = 12, 2+ 100 = 182, 9.
20(0, 2) 15 15(0, 2)

O tempo de ciclo correspondente ao tamanho do lote ótimo será T ∗ =


Q∗ /D = 182, 9/100 = 1, 83 ano. Veja que a decisão de máximo ganho
fará com que a quantidade encomendada permaneça em estoque por
mais de um ano, quando o tempo de ciclo tem sido menos de 2 meses;
a saber

2(3)(100) EOQ1
EOQ1 = = 14, 1 ⇒ T1 = = 0, 141 ano.
15(0, 2) D

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24 [CAP. 2: PROBLEMA DO TAMANHO DO LOTE DE REPOSIÇÃO

Com isso, o tomador de decisão deve se certificar ainda que o item


não irá perder a sua funcionalidade, quanto a aspectos constitutivos
e temporais, nesse perı́odo tão longo em que ficará estocado.

Exercı́cio proposto 3
Um novo gerente de produção se deparou com o nı́vel de estoque dos
últimos meses de um item, tal como o da Figura 2.5 com o resultado
dos cálculos de seu antecessor.

Figura 2.5: Nı́vel dos estoques nos últimos meses


I (unids)

2500

1000
900

2 4 6 11 12,8 14,6 16,4


t (meses)

Sabe-se que r = 0, 01$/$/mes. No momento, o gerente precisa


saber o percentual de aumento que foi praticado pelo fornecedor a
fim de fazer um planejamento de recursos. Qual é esse percentual?

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“notas-lustosa-e-raupp-internet” — 2015/8/3 — 11:31 — page 25 — #25


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Capı́tulo 3

Problema do jornaleiro

Quanta comida comprar para uma festa? Quantos casacos uma loja
deve encomendar no outono para vender no inverno? Quantos jornais
um jornaleiro deve comprar para vender no dia seguinte? Todos es-
ses problemas são análogos com respeito à estrutura de seus modelos
quantitativos, estrutura essa, conhecida como “problema do jorna-
leiro”(newsboy or newsvendor problem), que tratam da determinação
da quantidade a ser encomendada de um item para um perı́odo parti-
cular com demanda incerta. Esse tipo de problema é, também, muito
frequente em análise quantitativa de contratos e gestão de rendimen-
tos em companhias de transporte aéreo e hotéis, por exemplo.
O problema do jornaleiro é simples, podendo ser enunciado como
segue: “um jornaleiro quer determinar quanto deve comprar de um
determinado jornal para vender no perı́odo em que há interesse pela
compra do jornal, mas não sabe exatamente qual será a demanda
pelo jornal. Se comprar menos do que a demanda, sua margem de
lucro fica prejudicada. Se comprar a mais, no dia seguinte, terá que
devolver a sobra a um preço unitário inferior ao que ele pagou, o que
também prejudica sua margem de lucro”. Aqui, estamos supondo
que ninguém vai querer comprar jornal que não seja do dia, e conse-
quentemente o estoque remanescente perde parte de seu valor.
Talvez esse problema seja satisfatoriamente resolvido de forma
intuitiva pelo jornaleiro, que raramente sabe trabalhar com proba-
bilidades. Supondo que o custo de uma falta seja maior do que o

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26 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

custo unitário do jornal, que por sua vez é maior que o custo de uma
sobra, uma ideia é inicialmente superestimar a demanda, e ajustá-la
até chegar a um patamar satisfatório.
Outra alternativa é resolvermos o problema através de um modelo
matemático em que a demanda incerta é expressa por uma variável
aleatória com distribuição de probabilidade conhecida. Essa aborda-
gem usando estatı́stica apresenta vantagens sobre o método empı́rico
utilizado pelos jornaleiros, quando o problema envolve custos eleva-
dos e é resolvido repetitivamente com dados diferentes, como nas
companhias aéreas e em hotéis. Com esse objetivo, vamos estudar o
problema, considerando primeiramente a demanda como uma variável
aleatória discreta e depois como contı́nua.

3.1 Modelo para o caso discreto


Vamos supor que estamos tratando da reposição de um item com de-
manda incerta para um perı́odo em particular. Queremos determinar
a quantidade a ser encomendada do item de mı́nimo custo total, con-
siderando que a demanda é representada por uma variável aleatória
discreta.
Notação
Para construir o modelo de custo, vamos considerar a seguinte
notação:

cf custo incorrido por cada unidade do item que vier a faltar ($)
cs custo incorrido por cada unidade do item que vier a sobrar ($)
Q quantidade do item a ser encomendada, suposta não negativa,
para um perı́odo particular (unidades)
X variável aleatória não negativa que representa a demanda pelo
item no perı́odo particular (unidades)
p(x) probabilidade da demanda assumir o valor x, e, como não faz
sentido demanda negativa, supomos p(x) = 0 para todo x < 0
F (x) função de distribuição de probabilidade acumulada da demanda.

Vale lembrar que no caso de X ser uma variável aleatória discreta,


segue que:

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[SEC. 3.1: MODELO PARA O CASO DISCRETO 27

1. o seu espaço amostral Ω pode ser finito ou infinito.

2. A função de distribuição de probabilidade acumulada de X é


definida para xi ∈ Ω por

F (x) = p(xi ).
xi ≤x


3. O seu valor esperado é dado por E[X] = xi p(xi ), onde xi ∈
Ω.

Podemos também usar as notações P r[X = x] para p(x) e P r[X ≤ x]


para F (x).
Para o modelo de custo total, vamos considerar que os parâmetros
cf e cs sejam fixos e conhecidos, e que a função de distribuição acu-
mulada de X seja também conhecida.
Antes de apresentar o modelo probabilı́stico do custo total, vamos
primeiramente introduzir o modelo determinı́stico do custo total, que
é dado por
{
cs (Q − x), x ≤ Q
C(Q) = . (3.1)
cf (x − Q), x ≥ Q

Agora, de (3.1), desenvolvemos o modelo do custo total esperado,


dado por
∑ ∑
E[C(Q)] = cs (Q − x)p(x) + cf (x − Q)p(x)
x≤Q x≥Q
∑ ∑
= cs (Q − x)p(x) + cf (x − Q)p(x). (3.2)
x≤Q x≥Q

Em geral, é difı́cil provar que E[C(Q)] tem um mı́nimo, uma vez que
os limites dos somatórios dependem de Q. Entretanto, é intuitivo
que, na prática, o custo total esperado seja convexo e unimodal.
Supondo por hipótese que existe um ponto de mı́nimo para o custo
total esperado, sabemos que a quantidade ótima a ser encomendada,
Q∗ > 0, deve satisfazer a condição de otimalidade, i.e.,

E[C(Q∗ )] ≤ E[C(Q)] ∀Q > 0.

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“notas-lustosa-e-raupp-internet” — 2015/8/3 — 11:31 — page 28 — #28


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28 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

Vamos, portanto, fazer a análise marginal do custo total esperado,


cuja primeira diferença ascendente é dada por

∆E[C(Q)] = E[C(Q + 1)] − E[C(Q)]


∑ ∑
= cs (Q + 1 − x)p(x) + cf (x − Q − 1)p(x)
x≤Q+1 x≥Q+1
∑ ∑
−cs (Q − x)p(x) − cf (x − Q)p(x)
x≤Q x≥Q
∑ ∑
= cs (Q + 1 − x)p(x) − cs (Q − x)p(x)
x≤Q x≤Q
∑ ∑
−cf (x − Q)p(x) + cf (x − Q − 1)p(x)
x≥Q+1 x≥Q+1
∑ ∑
= cs p(x) − cf p(x)
x≤Q x≥Q+1
= cs F (Q) − cf (1 − F (Q)).

Da condição de otimalidade de E[C(Q)] em Q∗ , segue que Q∗ é o


menor valor de Q tal que E[∆C(Q∗ )] > 0, ou seja,
cf
cs F (Q∗ ) − cf (1 − F (Q∗ )) > 0 ⇔ F (Q∗ ) > . (3.3)
cs + cf

Portanto, tem-se que encontrar o menor valor de F (Q∗ ) tal que a


condição (3.3) seja satisfeita.

Exemplo numérico 4
(Aplicação em evento temporário)
Um organizador de evento cientı́fico tem que decidir sobre quantos
CDs com os trabalhos do evento deve encomendar. Ele não sabe exa-
tamente quantas pessoas irão se inscrever no evento, porém sabe que
cada CD custa R$1,00. Se encomendar menos do que o número de
inscritos, terá que fazer novos CDs e enviá-los depois por correio aos
participantes. Isso custará a mais R$1,25 em adição ao preço nor-
mal por unidade que faltar. Se ele encomendar em excesso, os CDs
que sobrarem serão descartados sem receber qualquer valor. De sua
experiência de vários anos nesse trabalho, ele consegue boas estima-
tivas para as possı́veis demandas e suas probabilidades de ocorrência,

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“notas-lustosa-e-raupp-internet” — 2015/8/3 — 11:31 — page 29 — #29


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[SEC. 3.1: MODELO PARA O CASO DISCRETO 29

organizadas na Tabela 3.1. Quantas unidades do CD o organizador


deve encomendar com vista a obter o custo total esperado mı́nimo?
Qual é o custo total esperado ótimo?

Tabela 3.1:
dem prob prob acum
100 0,15 0,15
150 0,20 0,35
200 0,30 0,65
250 0,20 0,85
300 0,15 1,00

Solução
Neste exemplo, a dificuldade está em determinar os custos de faltar
e de sobrar. Suponhamos que o organizador tenha encomendado
Q unidades do CD e que terá que entregar x unidades do CD. Se
sobrar CDs, ele perde R$1,00 por cada unidade que pagou além de
x. Caso contrário, se faltar, o organizador terá que pagar R$2,25
(R$1,00+R$1,25) por cada unidade de CD faltante. Logo, cf = 2, 25
e cs = 1, 00, e assim sabe-se que o valor ótimo Q∗ é o menor valor
de Q que satisfaz F (Q) > cf /(cs + cf ) = 2, 25/(1, 00 + 2, 25) = 0, 69.
Da Tabela 3.1 verificamos que, para a desigualdade F (Q) > 0, 69 ser
satisfeita, segue que F (Q∗ ) = 0, 85, ou seja, Q∗ = 250 CDs. Isso
significa que, se o organizador encomendar 250 CDs para esse evento,

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30 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

o seu custo total esperado será mı́nimo. Vamos ao cálculo desse custo:
∑ ∑
E[C(Q∗ )] = cs (Q∗ − x)p(x) + cf (x − Q∗ )p(x)
x≤Q∗ x≥Q∗
∑ ∑
= 1, 00 (250 − x)p(x) + 2, 25 (x − 250)p(x)
x≤250 x≥250
= 1, 00(250 − 100)p(100) + 1, 00(250 − 150)p(150)

1, 00(250 − 200)p(200) + 2, 25 (300 − 250)p(300)
x≥250
150(0, 15) + 100(0, 20) + 50(0, 30) + 2, 25(50)(0, 15)
= 22, 5 + 20 + 15 + 16, 875 = 74, 375.

Exemplo numérico 5
(Aplicação em gestão de rendimentos (revenue management))
Um determinado voo de uma pequena companhia aérea tem 10 as-
sentos disponı́veis. A tarifa plena de R$500,00 é cobrada para cada
assento. O custo marginal de ocupar um assento é R$100,00, ou seja,
a cada assento ocupado, a empresa gasta adicionalmente R$100,00.
A empresa sabe que a maioria dos seus clientes são executivos, que
são insensı́veis a descontos na tarifa. Uma alternativa para vender
todos os assentos é bloquear assentos para uma agência de turismo.
A agência de turismo garante, com uma semana de antecedência, a
compra de qualquer quantidade de assentos no voo com um desconto
de R$150,00 sobre a tarifa plena. Falta uma semana para o voo e a
empresa não sabe ao certo quantos bilhetes poderá vender à tarifa
plena, mas de dados históricos do mesmo voo em dias similares pode
estimar a distribuição da demanda conforme a Tabela 3.2.
Solução
Vamos pensar em termos de reserva de assentos para venda à tarifa
plena pela companhia aérea. Assim, se reservar mais assentos do
que a demanda de executivos, vai sobrar assentos vazios, ou seja, a
companhia vai deixar de ganhar a tarifa com desconto da agência,
deduzido o custo marginal de ocupação

cs = 350 − 100 = 250.

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[SEC. 3.1: MODELO PARA O CASO DISCRETO 31

Tabela 3.2:
demanda prob prob acum
0 0,06 0,06
1 0,09 0,15
2 0,10 0,25
3 0,15 0,40
4 0,20 0,60
5 0,15 0,75
6 0,10 0,85
7 0,06 0,91
8 0,05 0,96
9 0,03 0,99
10 0,01 1,00

Lembre-se que a agência de turismo se dispõe a comprar todos os


assentos oferecidos. Se a demanda pela tarifa cheia for maior que a
reserva de assentos, vai faltar assentos para os executivos, ou seja, a
companhia vai deixar de ganhar a tarifa cheia por assento deduzido
o custo marginal
cf = 500 − 100 = 400.
Repare que o assento não ocupado não tem custo relevante, ou seja,
seu custo é zero. Assim, temos que encontrar o menor valor de Q
que satisfaça a condição F (Q) > 400/650 = 0, 61. Logo, chegamos
à conclusão que cinco assentos devem ser reservados para executivos
e os cinco assentos restantes devem ser vendidos para a agência de
turismo, para que a companhia tenha custo total esperado mı́nimo.

Exercı́cio proposto 4
O gerente de suprimentos da Fábrica de Matrizes Leibnitz Ltda. faz
periodicamente encomendas de um item necessário à fabricação de
diversas matrizes para estampar peças automotivas. Uma vez feitas
as encomendas, demora um certo tempo (tempo de reposição, ou lead
time) até que elas estejam disponı́veis para consumo na produção. O
fornecedor se esforça para entregar dentro de um prazo combinado,
mas devido a dificuldades existentes no transporte ou na fábrica,

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32 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

Tabela 3.3:
x unids. 0-14 15-16 17-18 19-20 21-22 23-24 25-26

P r[X = x] 0,0013 0,0064 0,0248 0,0689 0,1386 0,2039 0,2202


P r[X ≤ x] 0,0013 0,0077 0,0324 0,1013 0,2399 0,4439 0,6641
x unids. 27-28 29-30 31-32 33-34 35-36 37-50

P r[X = x] 0,1748 0,1017 0,0430 0,0131 0,0028 0,0005


P r[X ≤ x] 0,8389 0,9405 0,9836 0,9967 0,9995 1,0000

nem sempre consegue. Quando há um atraso o gerente compra de


outro fornecedor que entrega imediatamente quantas unidades quiser
por um preço unitário fixo mais caro. O gerente está pensando em
usar um estoque de segurança (estoque para ser usado no caso de
atraso na entrega), mas se fizer isso terá que justificar a medida ao
diretor financeiro Sr. Newton. O Sr. Newton enfrenta problemas em
conseguir dinheiro nos bancos para financiar o capital de giro1 , pois
a empresa já está bem endividada devido a reformas recentes e aos
juros que estão “na estratosfera”.
O gerente de suprimentos fez um levantamento dos quantitativos,
tendo obtido os seguintes valores e informações adicionais.

• A demanda pelo item durante o lead time tem a distribuição


tal como a Tabela 3.3.

• Custo de manter estoque


Taxa de manutenção de investimento em estoque: 15% a.a.
Valor unitário do item: R$1000,00/unidade.

• Custo de falta estimado


Quando o fornecedor atrasa, o item é comprado de outro for-
necedor a R$1100,00/unidade.
1 Dinheiro necessário para produzir, visto que entre o momento em que se fazem

despesas para fabricar uma determinada quantidade de produto e o momento de


se ter o dinheiro de volta, na forma de receita de venda, decorre um tempo
relativamente longo (de dias a meses).

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[SEC. 3.2: MODELO PARA O CASO CONTÍNUO 33

• Número de encomendas feitas por ano


Como o consumo do item é relativamente constante e o lote
econômico de compra é utilizado, são feitas em média 50 enco-
mendas por ano e isso não deve mudar se for feito um estoque
de segurança.

Ajude o gerente a calcular o estoque de segurança “ótimo” para ele


apresentar como justificativa ao diretor financeiro. Podemos supor
que, em média, o estoque de segurança ficará sempre no valor que
determinarmos. Isso porque, não sendo a demanda perfeitamente
constante, ao fim de cada ciclo de estoque (veja Figura 2.1) ao invés
de o estoque chegar sempre a zero o ciclo termina com um pouco mais
do que zero, ou há um pequeno excesso de demanda que é absorvido
pelo estoque de segurança. Como o custo de faltar é muito maior
do que o de sobrar, raramente haverá falta e então as sobras e as
quantidades utilizadas do estoque de segurança se compensarão.

3.2 Modelo para o caso contı́nuo


Uma formulação contı́nua para o problema acima pode ser desejável
quando o item considerado tem medida contı́nua ou quando uma
aproximação contı́nua é conveniente, particularmente, devido à possi-
bilidade de usar distribuições de probabilidade contı́nuas, mais fáceis
de se manipular do que suas correspondentes discretas.
Dessa forma, queremos determinar a quantidade a ser encomen-
dada de um item com demanda incerta para um perı́odo em parti-
cular, que minimiza o custo total, considerando que a demanda pelo
item é representada por uma variável aleatória contı́nua.
Vale lembrar que quando X é uma variável aleatória contı́nua,
temos que

1. o seu espaço amostral Ω é infinito.

2. A função de distribuição de probabilidade acumulada de X é


definida para x ∈ Ω por
∫ x
F (x) = f (t)dt,
−∞

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34 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

onde f (·) é a função densidade de probabilidade de X, com


valores nulos para valores negativos de x.


3. O seu valor esperado é dado por E[X] = xf (x)dx =
∫ +∞ x∈Ω

−∞
xf (x)dx.

Vamos considerar aqui a notação e as hipóteses já apresentadas


no modelo do caso discreto. Repare que os modelos determinı́sticos
de custo total são idênticos no caso discreto e no caso contı́nuo. Por-
tanto, analogamente ao caso discreto (3.2), a expressão do custo total
esperado é dada por

∫ Q ∫ +∞
E[C(Q)] = cs (Q − x)f (x)dx + cf (x − Q)f (x)dx
−∞ Q
∫ Q ∫ +∞
= cs (Q − x)f (x)dx + cf (x − Q)f (x)dx
−∞ Q
∫ Q ∫ Q
= cs Q f (x)dx − cs xf (x)dx +
−∞ −∞
∫ +∞ ∫ +∞
cf xf (x)dx − cf Q f (x)dx
Q Q
∫ Q
= cs QF (Q) − cs xf (x)dx
−∞
∫ +∞
+cf xf (x)dx − cf Q(1 − F (Q)).
Q

Vamos agora destacar os seguintes resultados sobre derivação:

∫x
• Para F (x) = −∞
f (t)dt, segue que F ′ (x) = f (x),

∫ h(x)
• Aplicando a regra da cadeia para derivar F (x) = g(x)
f (t)dt,
tem-se que F ′ (x) = h′ (x)f (h(x)) − g ′ (x)f (g(x)).

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[SEC. 3.2: MODELO PARA O CASO CONTÍNUO 35

Logo, podemos calcular a derivada de E[C(Q)] com relação a Q:


dE[C(Q)]
= cs F (Q) + cs Qf (Q) − cs Qf (Q)
dQ
−cf Qf (Q) − cf (1 − F (Q)) + cf Qf (Q)
= cs F (Q) − cf (1 − F (Q))
= (cs + cf )F (Q) − cf .
Portanto, o valor ótimo Q∗ que minimiza o custo total esperado
deve satisfazer necessariamente a seguinte condição:
dE[C(Q∗ )] cf
= 0 ⇔ F (Q∗ ) = .
dQ cs + cf

É fácil verificar que Q∗ é um ponto de mı́nimo. Para isso, basta


verificar que a segunda derivada de E[C(Q)] é positiva para todo
Q > 0.

Exemplo numérico 6
(Aplicação em análise quantitativa de contratos)
Uma empresa quer fazer um contrato de serviço de manutenção do
tipo take-or-pay, ou seja, ela paga antecipadamente por Q horas de
serviço a um preço unitário v. Caso ela utilize menos que Q horas
contratadas, ela não terá nenhum reembolso, mas se ela utilizar mais
que Q horas, passará a pagar um preço unitário v̄ > v. Sabendo-se
que a demanda pelo serviço tem distribuição normal com média µ e
desvio-padrão σ, qual o número de horas contratadas que minimiza
o custo de manutenção?
Solução
Suponha que a empresa contratou Q horas ao custo unitário v. Para
cada hora que contratou além da demanda (ou seja, hora contratada
que irá sobrar), a empresa terá perdido cs = v por hora contratada.
Para cada hora que tiver contratado a menos da demanda (ou seja,
hora contratada que irá faltar) vai ter um custo por hora contratada
de cf = v̄. Temos então a seguinte condição para a função distri-
buição normal padronizada:
( ∗ )
∗ Q −µ
F (z ) = Φ = cf /(cs + cf ) = v̄/(v + v̄),
σ

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36 [CAP. 3: PROBLEMA DO JORNALEIRO

em que Φ é a função distribuição normal na variável Q. Portanto,


basta procurar na tabela da distribuição normal padronizada o valor
de z ∗ = (Q∗ − µ)/σ que corresponde a F (z ∗ ) = v̄/(v + v̄) e depois
obter o valor de Q∗ a partir de z ∗ .

Exercı́cio proposto 5
(Aplicação em gestão de rendimentos)
Um hoteleiro está vendendo um pacote de fim de ano. Como quase
sempre ocorrem desistências de última hora, ele deseja fazer uma “so-
brevenda” ou overbooking (prática de ofertar acima da capacidade),
ou seja, vender mais hospedagens do que pode acomodar. O número
de desistências pode ser bem representado por uma variável normal
com média 5 e desvio padrão igual a 2. O preço de um pacote é
R$1.200,00, mas cada pacote lhe custa em banquete, bebidas e ou-
tros custos, R$400,00. Se por acaso vier a faltar quartos (devido
a um eventual baixo número de desistências), ele terá que acomo-
dar o hóspede num outro hotel de melhor qualidade, o que é sempre
possı́vel, mas lhe custará R$3.200,00. Quantos pacotes ele deverá
vender além do número máximo que pode acomodar no seu próprio
hotel?

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Capı́tulo 4

Problema de
planejamento da
produção

Pense na produção de algum bem ou serviço. Algumas coisas tor-


nam a produção em escala industrial mais complicada do que quando
tratamos da construção de nossa casa ou preparamos uma festa de
aniversário da famı́lia, ainda que isso não seja trivial. Vários aspec-
tos irão determinar as necessidades de planejamento. Alguns desses
aspectos mais importantes são o produto (ou os produtos), o tipo de
processo de produção e o mercado alvo. Por exemplo, o planejamento
da produção de um prédio comercial num terreno no centro da ci-
dade tem muito pouco em comum com o planejamento da produção
de telefones celulares inteligentes, mas pode ter aspectos parecidos
com a construção de uma plataforma para exploração de petróleo, ou
mesmo com o planejamento de um grande show de música popular
ao ar livre. Tanto a construção do edifı́cio quanto a preparação do
show só começam quando já existe uma demanda. Em contraste,
a produção de telefones começa antes que a demanda ocorra. Isso
muda quase tudo em termos de planejamento; no primeiro caso, di-
zemos que a produção é “sob pedido” e no segundo, “para estoque”.
Aqui veremos apenas o caso de produção para estoque que, é claro,

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38 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

pressupõe algum conhecimento sobre o que pode ser vendido, ou seja,


alguma previsão de demanda que aqui será considerada conhecida e
sem incerteza.
Vamos abordar o problema de planejamento da produção para
estoque, ou seja, vamos tratar de decisões de encomendar (para ser
produzido ou comprado) e de estocar itens que, numa fábrica, devem
ser tomadas em conjunto. Aqui estamos considerando conhecidas
a capacidade fixa de produção (i.e., supõem-se que competências e
recursos para produção já foram providenciados anteriormente, es-
tando prontos para uso) e a demanda prevista para o horizonte de
planejamento (i.e., supõe-se que a previsão da demanda já tenha sido
realizada). Na realidade, quase sempre há significativa incerteza nes-
sas previsões, mas raramente elas são tratadas de forma explı́cita no
modelo (o planejamento da produção de energia elétrica em siste-
mas cuja capacidade de geração depende da natureza são exceções).
Na indústria (inclusive na de petróleo) as incertezas são tratadas de
forma ad hoc por meio de análises do tipo “que tal se”.
As técnicas ou métodos utilizados para encontrar um plano de
produção podem ser intuitivos ou cientı́ficos. Além da experiência
dos planejadores, as técnicas intuitivas usam, em geral, planilhas
eletrônicas e gráficos para construir um plano de produção viável
através de tentativas; não necessariamente o plano encontrado é o
melhor ou perfeitamente coerente com as suposições adotadas na for-
mulação do problema. As técnicas intuitivas são largamente utiliza-
das. Já as técnicas cientı́ficas utilizam resultados de programação ma-
temática ou otimização para encontrar, quando possı́vel, um plano de
produção ótimo sob algum ponto de vista. Curiosamente, na prática,
a grande vantagem de se utilizar a abordagem cientı́fica é a facilidade
que se tem para explorar o problema por meio de análises “que tal
se” e não propriamente o fato de as soluções que ela produz serem
ótimas.
Aqui, vamos estudar planejamento de sistemas produtivos usando
modelos para encontrar os correspondentes planos ótimos. Em geral,
a construção de um modelo matemático deve anteceder à aplicação de
um algoritmo de resolução. (Vale lembrar que algoritmos heurı́sticos
podem obter soluções sem uso de modelos.) É claro que um modelo
matemático de um problema real deve ser suficientemente simples e
refinado para que uma solução seja obtida por um algoritmo de forma

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[SEC. 4.1: MODELO MULTI-ITEM EM ÚNICO PERÍODO 39

eficaz e tenha aplicação prática.


Com o objetivo de mostrar o uso de programação matemática
no tratamento de problemas reais de decisão de produção, vamos
abordar alguns modelos de programação linear para essa classe de
problemas. Em ordem crescente de complexidade, iniciaremos com
o problema de determinação das quantidades a serem produzidas de
itens para um único perı́odo de planejamento, e progressivamente
incluiremos detalhes como determinação das quantidades estocadas,
multiplicidade de perı́odos de planejamento, tempos e custos de pre-
paração, e finalmente limitações de capacidade.

4.1 Modelo multi-item em único perı́odo


Vamos começar pela modelagem de um exemplo simples e especı́fico,
e depois explorar o modelo geral para o problema de planejamento
da produção multi-item para um único perı́odo. Estamos interessa-
dos em determinar as quantidades a serem encomendadas de itens.
Problemas de determinar as quantidades a produzir de cada item são
normalmente chamados de problemas de “determinação do mix de
produção”.

Exemplo numérico 7
Uma marcenaria produz mesas e cadeiras. Cada mesa é vendida a
1000 reais e cada cadeira a 400 reais. Os recursos principais são mão-
de-obra e madeira. Para produzir uma mesa são necessárias 4h de
mão-de-obra e 6 unidades de madeira. Já para produzir uma cadeira
necessitam-se de 7h de mão-de-obra e 3 unidades de madeira. Ao todo
estão disponı́veis 42h de mão-de-obra e 50 unidades de madeira. Tudo
que é produzido pela marcenaria é vendido. A marcenaria deseja
encontrar um plano de produção que maximize a sua receita.

Solução
Em primeiro lugar, vamos treinar o processo de modelagem de proble-
mas. Para isso, temos que categorizar conjuntos e ı́ndices de entida-
des, dados ou parâmetros, variáveis de decisão, restrições e objetivo,
nesta ordem. Para o problema da marcenaria, temos:

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40 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

Conjuntos e ı́ndices
I, i ∈ I conjunto de itens (mesa e cadeira) a serem produzidos pela marcena-
ria, |I| = n = 2;
J, j ∈ J conjunto de recursos de produção (mão-de-obra e madeira) da marce-
naria, |J| = m = 2.

Parâmetros
c1 = 1000 preço unitário da mesa;
c2 = 400 preço unitário da cadeira;
a11 = 4 horas de mão-de-obra necessárias para produzir 1 mesa;
a12 = 7 horas de mão-de-obra necessárias para produzir 1 cadeira;
a21 = 6 unidades de madeira necessárias para produzir 1 mesa;
a22 = 3 unidades de madeira necessárias para produzir 1 cadeira;
b1 = 42 disponibilidade de mão-de-obra em horas;
b2 = 50 disponibilidade de madeira em unidades.

Variáveis de decisão
x1 quantidade a ser produzida de mesas,
x2 quantidade a ser produzida de cadeiras.

Restrições
As disponibilidades dos recursos devem ser consideradas como limi-
tantes no uso desses recursos.
As quantidades de mesas e cadeiras a serem produzidas não podem
ser negativas: x1 ≥ 0, x2 ≥ 0.

Objetivo
Tem-se que maximizar a receita da marcenaria: z = 1000x1 + 400x2 .

Modelo matemático resultante:

maximizar z = 1000x1 + 400x2


sujeito a 4x1 + 7x2 ≤ 42
6x1 + 3x2 ≤ 50
x1 ≥ 0, x2 ≥ 0.

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[SEC. 4.1: MODELO MULTI-ITEM EM ÚNICO PERÍODO 41

Como esse problema tem apenas 2 variáveis, podemos usar o


método gráfico para mostrar que o plano ótimo de produção deter-
mina a produção de 8,3 mesas e nenhuma cadeira!
O método simplex é um dos métodos mais utilizados para resolver
problemas de programação linear, como o problema que acabamos de
ver. Apesar de ser fácil para quem está familiarizado com sistemas
de equações lineares, nestas notas não há espaço para apresentar o
método simplex, (para saber sobre ele, veja, por exemplo, Arenales
et al. 2006).
Por ser um método muito limitado (só é prático para problemas
com duas variáveis), mas simples e intuitivo, a seguir, vamos apre-
sentar o passo a passo da aplicação do método gráfico para encontrar
uma solução ótima do problema da marcenaria. Primeiramente, va-
mos determinar a região viável do problema. Denotando por R a
região viável e sabendo que a mesma é definida pelas restrições do
problema, temos que

R = {(x1 , x2 ) ∈ R2 : 4x1 + 7x2 ≤ 42, 6x1 + 3x2 ≤ 50, x1 ≥ 0, x2 ≥ 0}.

Cada restrição de desigualdade define um semi-espaço no R2 . O con-


junto viável é o conjunto dos pontos que satisfazem simultaneamente
todas as desigualdades, ou seja, que pertencem à interseção de todos
os semi-espaços. A Figura 4.1 ilustra o conjunto viável do exemplo.
Um ponto ótimo é um ponto da região viável R que dá o maior valor
à função objetivo, que, por sua vez, é um plano no espaço R3 .
Agora, para encontrar uma solução ótima devemos determinar a
direção de máxima subida da função objetivo z(x1 , x2 ) = 1000x1 +
400x2 , isto é, queremos determinar o seu gradiente. Por definição,
temos que o gradiente é dado por
( )
∂z(x1 , x2 ) ∂z(x1 , x2 )
∇z(x1 , x2 ) = , .
∂x1 ∂x2

Portanto, a direção de máxima subida de z é dada por ∇z(x1 , x2 ) =


(1000, 400). Note que o gradiente é constante para qualquer ponto do
domı́nio de uma função afim linear, em particular z. Como fica difı́cil
posicionar o vetor gradiente na escala da Figura 4.1, introduzimos um
vetor proporcional a esta direção, que é dado por (5, 2), conforme a
Figura 4.2.

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42 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

X2

16,7

6x 1 + 3x2 50

R 4x 1 + 7x2 42

8,3 10,5 x1

Figura 4.1: Determinação da região viável R

Do conhecimento do gradiente, podemos traçar as curvas de nı́vel


da função objetivo z. Uma curva de nı́vel de uma função no Rn é
uma curva que conecta os pontos do domı́nio que apresentam valores
idênticos da função. No caso de funções lineares no R2 , as curvas
de nı́vel são retas paralelas, sempre ortogonais ao gradiente. (Esse
resultado sai diretamente da definição de derivada direcional.) Na
Figura 4.2, introduzimos as curvas de nı́vel de z, que são dadas pelas
retas tracejadas. Desse modo, ao seguir a direção de máxima subida
de z ou avançar sobre as curvas de nı́vel com valores maiores para z,
alcançamos o valor máximo de z num ponto da fronteira de região
viável R, o ponto de máximo. Entre todas as soluções viáveis do pro-
blema da marcenaria, encontramos o ponto de máximo ou a solução
ótima do problema em (8, 3, 0). (Você pode verificar que a curva
de nı́vel sobre o ponto (8, 3, 0) é aquela que tem o maior valor de z
quando comparada a outras curvas de nı́vel que passam sobre pontos
na região viável R.) Assim, fechamos essa digressão sobre método de
solução gráfico para voltar ao exemplo.
Posteriormente, o analista de produção descobriu que o gerente
da marcenaria falhou ao descrever o problema, uma vez que o modelo

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[SEC. 4.1: MODELO MULTI-ITEM EM ÚNICO PERÍODO 43

X2

16,7

8,3 10,5 x1

Figura 4.2: Determinação da solução ótima

matemático não foi suficientemente refinado para relacionar a quan-


tidade de cadeiras a serem produzidas à quantidade de mesas a serem
produzidas. Após a exposição do resultado ao gerente, o analista de
produção soube que a marcenaria costumeiramente vende uma mesa
com quatro cadeiras.
Com a introdução dessa nova condição ao problema da marcena-
ria, apresentamos a nova formulação matemática do problema:

maximizar z = 1000x1 + 400x2


sujeito a 4x1 + 7x2 ≤ 42
6x1 + 3x2 ≤ 50
4x1 − x2 = 0
x1 ≥ 0, x2 ≥ 0.

Dessa forma, a nova região viável do problema é ilustrada na Fi-


gura 4.3, representada agora pelo segmento de reta R.
Considerando a nova região viável, a solução ótima é buscada

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44 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

X2

16,7
4x1 - x2 = 0

6x 1 + 3x2 50
6
4 R
4x 1 + 7x2 42

1 8,3 10,5 x1

Figura 4.3: Determinação da nova região viável

de modo análogo ao procedimento anterior. Lembre-se que o gradi-


ente e as curvas de nı́vel de z não foram alterados. Seguindo, então,
a direção de máxima subida do gradiente, encontramos o ponto de
máximo (também na fronteira da região viável) dado por (1,3, 5,2).
Note que não há nada de errado com essa solução, pois as variáveis
do problema foram definidas como sendo reais. Veja a Figura 4.4.
Observe que, no caso de aplicar o método gráfico para resolver
um problema de minimização, uma solução ótima é alcançada, caso
exista, quando avançamos em direção oposta ao gradiente, ou seja,
na direção de máximo declive da função objetivo. É possı́vel que
um problema de otimização não tenha solução; pense na situação em
que avançamos na direção desejada (aquela em que o valor da função
objetivo é melhorado) e não encontramos a fronteira da região viável.
Neste caso, temos um problema ilimitado.
Outra observação a ser feita é que a produção de um número fra-
cionário de mesas e de cadeiras pode não fazer sentido prático; fará
sentido se estivermos tratando de um problema que se repete continu-
amente, caso em que 1,3 mesas por semana faria sentido juntamente
com 5,2 cadeiras. Problemas com exigência de valores inteiros para

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[SEC. 4.1: MODELO MULTI-ITEM EM ÚNICO PERÍODO 45

X2

16,7

6
4 R

1 8,3 10,5 x1

Figura 4.4: Determinação da nova solução ótima

variáveis são frequentes e, normalmente, podem ser resolvidos, con-


forme veremos adiante.
De modo geral, problemas de planejamento da produção multi-
item para um único perı́odo, como o que vimos, podem ser formulados
como problemas de programação ou otimização linear no formato
padrão, tal como

minimizar c1 x1 + c2 x2 + . . . + cn xn
sujeito a a11 x1 + a12 x2 + . . . + a1n xn = b1
a21 x1 + a22 x2 + . . . + a2n xn = b2
..
.
am1 x1 + am2 x2 + . . . + amn xn = bm
x1 ≥ 0, x2 ≥ 0, . . . , xn ≥ 0,

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46 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

ou na forma matricial como

minimizar cT x
sujeito a Ax = b
x ≥ 0,

em que são dados A, uma matriz real de dimensão m por n, b, um


vetor real m-dimensional, e c, um vetor real n-dimensional. Por con-
venção, x é um vetor n-dimensional de variáveis reais, caso contrário
é necessário definir explicitamente o escopo∑ das variáveis. Denota-se
n
o produto interno de c por x por cT x = i=1 ci xi . Chamamos a
atenção para o significado dos dados: cada coeficiente da matriz A
representa a quantidade de um recurso usada para produzir uma uni-
dade de um item, os coeficientes do vetor b representam as quantida-
des disponı́veis dos recursos, e os coeficientes do vetor c representam
os custos unitários dos itens.
Vamos estudar problemas de otimização (no formato de mini-
mização ou de maximização) com um único objetivo, o qual é mo-
delado por uma função objetivo. As restrições de um problema de
otimização definem um conjunto de soluções viáveis ou factı́veis, cha-
mado de região viável. Desse modo, uma solução ótima, além de ser
necessariamente uma solução viável, é um das melhores no conjunto
viável em termos de valor da função objetivo. Para o problema de
planejamento da produção uma solução ótima é um plano ótimo de
produção para o horizonte de planejamento considerado.
Problemas de otimização linear com variáveis reais são fáceis de
serem resolvidos. A exigência de integralidade das variáveis pode
dificultar bastante a resolução do modelo. Observe que, num modelo
de otimização linear, a função objetivo e as funções de restrição são
funções afins lineares. Uma propriedade da otimização linear é que ela
é capaz de revelar importantes aspectos econômicos do problema. Um
deles é o chamado “preço interno”, “preço endógeno”, “preço dual”
ou “preço sombra” de um recurso. Conceitualmente, esse preço é a
razão incremental entre o aumento do valor ótimo da função objetivo
em relação a um aumento infinitesimal na quantidade de um recurso.
Em termos de nosso exemplo da marcenaria, o preço interno da hora
de mão-de-obra é, grosso modo, “quanto aumenta a receita máxima
por hora de mão-de-obra acrescentada à atualmente disponı́vel”. Essa

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[SEC. 4.2: MODELO DE UM ITEM SEM LIMITAÇÃO DE CAPACIDADE E MULTI-PERÍODO47

interpretação pode ser muito útil para decisões de investimento, mas


deve ser feita com muito cuidado e conhecimento, pois para ser válida
o aumento tem um limite máximo que, em alguns casos, pode até ser
zero.

4.2 Modelo de um item sem limitação de


capacidade e multi-perı́odo
Frequentemente há necessidade de se determinar quando e quanto
produzir e estocar de um item para atender à demanda durante
perı́odos (p.ex. meses) futuros. Isso pode ser importante para se
adquirir os recursos (materiais e mão-de-obra) com a necessária an-
tecedência. Uma consideração fundamental é que pode não ser inte-
ressante produzir em cada mês (ou outro perı́odo de tempo) o que é
nele demandado, pois há um custo de preparar a produção sempre
que se decide produzir num perı́odo. Entretanto, por outro lado, há
um custo de se antecipar a produção porque há, como já vimos, um
custo de se manter estoques e, assim, queremos obter um equilı́brio
ótimo entre os custos de preparar e o de estocar.
Queremos então determinar as quantidades a serem produzidas e
estocadas de um item ao longo de um horizonte de planejamento, com
um número finito de perı́odos, tendo como objetivo a minimização
de custos, de modo a satisfazer a demanda prevista dos clientes pelo
item, considerando que existe preparação para a produção de novos
lotes e que a capacidade de produção instalada é ilimitada, ou seja,
a capacidade é suficientemente grande para atender qualquer quanti-
dade que se decida produzir.
Por simplicidade, vamos considerar que os estoques no inı́cio e
no fim do horizonte de planejamento sejam nulos (essa hipótese pode
ser relaxada, o que complicaria apenas a notação). Ainda, lembramos
que a demanda pelo item não pode ser negativa ao longo do horizonte
de planejamento.
Para modelar esse problema, vamos considerar as seguintes nota-
ções e definições:

Conjunto e ı́ndice:
T = {1, 2, ..., n}, t ∈ T , o horizonte de planejamento T é composto

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48 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

por n perı́odos de tempo. Um perı́odo em T é denotado por t.

Dados ou parâmetros do problema:


pt custo unitário de produção associado ao perı́odo t ($),
qt custo fixo de preparação para produção associado ao
perı́odo t ($),
ht custo de manter estoque por unidade do item associado ao
perı́odo t ($),
dt demanda prevista pelo item para o perı́odo t (unidades),
Mt número inteiro positivo suficientemente grande
(que será melhor esclarecido mais adiante).
Variáveis de decisão:
xt quantidade do item a ser produzida no perı́odo t (unidades),
yt indica se existe produção do item no perı́odo t (yt = 1),
ou não (yt = 0),
st quantidade do item a ser estocada ao final do perı́odo t (unids.).

Restrições:
A demanda prevista a cada perı́odo deve ser satisfeita.
Estoques no inı́cio e no fim do horizonte de planejamento são nulos.
As quantidades produzidas e estocadas devem ser não negativas.

Objetivo: minimizar custos de produzir, preparar para produção e


manter estoque.

Modelo matemático
∑n
minimizar t=1 pt xt + qt yt + ht st (4.1)
sujeito a st−1 + xt = dt + st ∀t (4.2)
s0 = sn = 0 (4.3)
xt ≤ Mt yt ∀t (4.4)
xt ≥ 0, st ≥ 0 ∀t (4.5)
yt ∈ {0, 1} ∀t. (4.6)

A função objetivo a ser minimizada é definida em (4.1) como sendo


a soma dos custos de produção fixos e variáveis mais os custos de

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[SEC. 4.2: MODELO DE UM ITEM SEM LIMITAÇÃO DE CAPACIDADE E MULTI-PERÍODO49

manter estoque. O grupo de restrições (4.2) expressa a satisfação da


demanda por perı́odo, também conhecido por restrições de balanço
de estoques. As restrições em (4.3) afirmam que não existe estoque
no inı́cio nem no final do horizonte de planejamento. O grupo de
restrições (4.4), chamado de imposição de setup, associa o valor 1 a
variável yt no perı́odo t caso nele haja produção do item, e valor 0
quando não existe produção. Assim, o custo de preparação só será po-
sitivo se houver produção em algum perı́odo, sendo o total produzido
o suficiente para satisfazer a demanda prevista para o horizonte de
planejamento. De fato, como a função objetivo será minimizada, ha-
verá tendência para anular o custo de preparação a cada perı́odo. As
restrições do grupo (4.5) impõem não negatividade para as variáveis
reais, enquanto que as restrições do grupo (4.6) definem as variáveis
binárias, também conhecidas por variáveis do tipo “zero-um”, i.e.,
que assumem valores zero ou um.
Observe que Mt expressa um limite superior para a quantidade a
ser produzida∑ do item xt no perı́odo t. Uma vez que
∑nsn = 0, podemos
n
definir Mt = t dt ou mais precisamente Mt = k=t dk . Cabe aqui
observar que, na prática, a solução do problema se tornará menos
trabalhosa se a constante Mt for a menor possı́vel sem chegar a limi-
tar a produção. Para acelerar a obtenção da solução ótima, muitos
dos mais sofisticados métodos de solução de programação inteira são
capazes de realizar um pré-processamento do modelo para automa-
ticamente encontrar um valor menor (porém ainda grande) para os
Mt ’s.
Esse modelo matemático se refere a um problema de programação
linear inteira mista, ou seja, o problema de otimização apresenta
funções objetivo e de restrições afins lineares e, simultaneamente,
variáveis reais e inteiras. O problema linear resultante da substi-
tuição da exigência de valor inteiro para algumas variáveis (no caso,
yt ∈ {0, 1} ∀t) pela exigência de pertencer a um intervalo contı́nuo
fechado entre os valores inteiros extremos (no caso, yt ∈ [0, 1] ∀t) é
normalmente denominado “problema de relaxação linear”. Resulta-
dos teóricos de problemas de relaxação linear são importantes para o
desenvolvimento de métodos de solução, por exemplo.

Exemplo numérico 8
Considere o problema de dimensionamento de lotes de um item sem

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50 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

limitação da capacidade de produção. Uma instância do problema


apresenta um horizonte de planejamento correspondente a 3 perı́odos
mensais. A demanda pelo item em unidades é (90, 110, 100), o custo
unitário de produção por perı́odo é 5$, o custo de preparação é (30$,
20$, 10$), o custo unitário de estocar por perı́odo é 2$. Considere
ainda que os estoques são nulos no inı́cio e no fim do horizonte de
planejamento. Monte o modelo matemático dessa instância e avalie
o número de variáveis de decisão e de restrições funcionais.

Solução
Dos dados da instância, sabemos que o número total∑de perı́odos do
3
horizonte de planejamento é 3. Vamos adotar Mt = k=t dk . Então
o modelo fica:

minimizar 5x1 + 5x2 + 5x3 + 30y1 + 20y2 + 10y3 + 2s1 + 2s2 + 2s3
sujeito a s0 + x1 = 90 + s1
s1 + x2 = 110 + s2
s2 + x3 = 100 + s3
s0 = 0
s3 = 0
x1 ≤ 300y1
x2 ≤ 210y2
x3 ≤ 100y3
x 1 , x2 , x3 ≥ 0
s1 , s2 , s3 ≥ 0
y1 , y2 , y3 ∈ {0, 1}.

Para essa instância, o problema tem 9 variáveis de decisão e 8 res-


trições funcionais (aqui não são consideradas as restrições que definem
as variáveis).

Exercı́cio proposto 6
Considere o problema de dimensionamento de lotes de um item sem
limitação da capacidade de produção num horizonte de planejamento
multi-perı́odo. Monte o modelo matemático, sabendo que o item não
pode ser estocado.

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[SEC. 4.3: MODELO DE UM ITEM COM CAPACIDADE LIMITADA E MULTI-PERÍODO 51

Exercı́cio proposto 7
No modelo básico (4.1)-(4.6), visto acima, o que acontece com o re-
sultado do modelo se trocarmos os sinais de igualdade das restrições
(4.2) por sinais de desigualdade do tipo ≥ ?
Exercı́cio proposto 8
Prove que o modelo básico (4.1)-(4.6), com estoques e sem limitação
de capacidade de produção, é sempre viável, i.e., sempre tem ao me-
nos uma solução.
Desafio 2
Formulação com estoque cumulativo. Mostre que uma formulação
matematicamente equivalente pode ser obtida substituindo o grupo
de restrições (4.2) por outro grupo, digamos (4.2’), que impõe que a
cada perı́odo tudo o que havia como estoque inicial (zero, de acordo
com a hipótese aqui feita) mais tudo o que foi produzido até o perı́odo
tem que ser igual a soma cumulativa da demanda até o perı́odo mais
o estoque existente no final do perı́odo.

4.3 Modelo de um item com capacidade


limitada e multi-perı́odo
Vamos considerar o problema de dimensionamento de lotes seme-
lhante ao problema sem limitação de capacidade de produção da
Subseção 4.2, com as mesmas considerações iniciais, exceto que, agora,
vamos considerar que:

• a capacidade de produção seja limitada por perı́odo,

• quando se faz uma preparação para produção em um perı́odo,


não apenas se incorre num custo (p. ex. gastos com solvente
para limpar uma máquina), mas também na impossibilidade de
produzir nesse perı́odo.

À lista de parâmetros do modelo (4.1)-(4.6) vamos acrescentar:


αt tempo necessário para produzir uma unidade do item no
perı́odo t
βt tempo de preparação para a produção no perı́odo t
Ct capacidade de produção associada ao perı́odo t em termos do

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52 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

tempo em que os recursos de produção estão disponı́veis para


a produção e para a preparação.

Restrições:
A demanda prevista deve ser satisfeita a cada perı́odo.
Estoques são nulos no inı́cio e fim do horizonte de planejamento.
Existe capacidade de produção limitada a cada perı́odo.
Ainda, quantidades produzidas e estocadas não podem ser negativas.

Então, um modelo matemático para o problema de planejamento


da produção de um item com capacidade de produção limitada é dado
por

∑n
minimizar t=1 pt xt + qt yt + ht st
sujeito a st−1 + xt = dt + st ∀t
s0 = sn = 0
xt ≤ Mt yt ∀t
αt xt + βt yt ≤ Ct ∀t (4.7)
xt ≥ 0, st ≥ 0 ∀t
yt ∈ {0, 1} ∀t.

Exercı́cio proposto 9
Considere que, além da limitação máxima de tempo de produção,
também existe limite máximo de unidades produzidas de itens por
perı́odo. Adeque o modelo a essa nova condição.

Desafio 3
Em alguns casos, a preparação para a produção consiste em apenas
preaquecer um forno. A existência de produção num perı́odo, significa
que o forno termina o perı́odo ainda aquecido. Então, no perı́odo
seguinte, com o forno já aquecido, pode haver produção sem que seja
necessária uma preparação. Mantendo a linearidade do modelo com
relaxação linear, modifique o modelo para incluir esta caracterı́stica
da realidade.

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[SEC. 4.4: MODELO MULTI-ITEM MULTI-PERÍODO SEM LIMITAÇÃO DE CAPACIDADE 53

4.4 Modelo multi-item multi-perı́odo sem


limitação de capacidade
Na indústria é comum a produção não simultânea de mais de um
tipo de produto numa mesma instalação, utilizando os mesmos re-
cursos. Vamos desenvolver um modelo para determinar um plano de
produção para um sistema de produção de diversos itens ao longo de
um horizonte de planejamento. Consideraremos que, no inı́cio e no
fim do horizonte de planejamento, os estoques dos itens sejam nulos
e, ainda, supor que a capacidade de produção seja ilimitada para to-
dos os itens em todos os perı́odos.

Considere as seguintes notações e definições:

Conjuntos e ı́ndices:
T = {1, 2, ..., n}, t ∈ T , conjunto de perı́odos do horizonte de plane-
jamento,
I = {1, 2, ..., m}, i ∈ I, conjunto de itens (distintos) a serem produ-
zidos.

Dados ou parâmetros do problema:


pit custo unitário de produção do item i associado ao perı́odo t ($),
qit custo de preparação para a produção do item i associado ao
perı́odo t ($),
hit custo de manter estoque por unidade do item i associado ao
perı́odo t ($),
dit demanda pelo item i prevista para o perı́odo t (unidades),
Mit número inteiro positivo suficientemente grande para não limitar
a produção do item i no perı́odo t.

Variáveis de decisão:
xit unidades do item i a serem produzidas no perı́odo t,
yit indica se existe produção do item i no perı́odo t (yit = 1),
ou não (yit = 0),
sit unidades do item i a serem estocadas ao final do perı́odo t.

Restrições:

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54 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

A cada perı́odo de tempo a demanda prevista deve ser satisfeita.


Os estoques dos itens no inı́cio e fim do horizonte de planejamento
devem ser nulos.
As quantidades produzidas e estocadas devem ser não negativas.

Objetivo: minimizar custos de produzir, preparar para produção e


manter estoque.

Formulação matemática do problema de planejamento da produção


de mais de um item em mais de um perı́odo de tempo é
∑n ∑m
minimizar t=1 i=1pit xit + qit yit + hit sit
sujeito a si,t−1 + xit = dit + sit ∀i, ∀t
si0 = sin = 0 ∀i
xit ≤ Mit yit ∀i, ∀t
xit ≥ 0, sit ≥ 0 ∀i, ∀t
yit ∈ {0, 1} ∀i, ∀t.

Observe que o problema acima apresenta exatamente um único ob-


jetivo, 3mn variáveis de decisão e 2m(n + 1) restrições funcionais.

4.5 Modelo multi-item multi-perı́odo com


limitação de capacidade
Queremos determinar as quantidades a serem produzidas de itens
acabados, de modo a (i) satisfazer a demanda ao longo de um hori-
zonte de tempo, e (ii) minimizar os custos de produzir e de manter
estoque, sabendo que existe limitação da capacidade de produção.
Esse problema é conhecido como problema mestre de programação
da produção (master production scheduling problem). Para isso, va-
mos começar pela notação a ser usada para conjuntos, parâmetros e
variáveis.

Conjuntos:
I conjunto dos itens acabados a serem produzidos (i ∈ I),

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[SEC. 4.5: MODELO MULTI-ITEM MULTI-PERÍODO COM LIMITAÇÃO DE CAPACIDADE55

T conjunto dos perı́odos de tempo (t ∈ T ).

Parâmetros:

dit demanda pelo item acabado i no perı́odo t (unidades do item),


hit custo unitário de estocar o item i no perı́odo t ($),
pit custo unitário de produzir o item i no perı́odo t ($),
qit custo fixo de preparação para produzir o item i no perı́odo t ($),
αit tempo necessário para produzir uma unidade do item i
no perı́odo t (hora),
Ct tempo de produção disponı́vel por perı́odo (hora),
Mit número inteiro positivo suficientemente grande para não limitar
a produção do item i no perı́odo t.

Variáveis de decisão do problema:

xit quantidade do item i a ser produzida no perı́odo t (unidades),


yit indica se existe produção do item i no perı́odo t (yit = 1),
ou não (yit = 0),
sit quantidade do item i a ser estocada ao final do perı́odo t (unids.).

Restrições:
Satisfação da demanda.
Limitação de capacidade em termos do tempo disponı́vel para produção.
Não negatividade das quantidades dos itens a serem produzidos e es-
tocados.

É objetivo do problema minimizar os custos de produção e de manter


estoque, i.e., minimizar o custo total.

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56 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

Então, o modelo matemático do problema é:

∑m ∑n
minimizar i=1 t=1 pit xit + qit yit + hit sit
sujeito a si,t−1 + xit = dit + sit ∀i, ∀t
si0 = sin = 0 ∀i
xit ≤ Mit yit ∀i, ∀t
∑m
i=1 αit xit ≤ Ct ∀t
xit ≥ 0, sit ≥ 0 ∀i, ∀t
yit ∈ {0, 1} ∀i, ∀t.

Observe que esse modelo não é completamente geral, ele corresponde


a um problema de planejamento da produção particular, uma vez que
não são considerados tempos de preparação para a produção.

Exemplo numérico 9
Para o modelo que acabamos de apresentar, considere os valores dos
parâmetros que se encontram na Tabela 4.1. Ainda, considere co-
nhecida uma solução viável com os seguintes valores para xit e sit
na Tabela 4.2. Calcule o valor do custo total relativo a essa solução
viável.

Tabela 4.1:
dit t=1 t=2 t=3 t=4 hi qi αi pi
i=1 30 25 25 20 25 900 1 1
i=2 10 20 15 20 10 850 1 1
Ct 100 100 100 100

Solução
Para os valores conhecidos dos parâmetros e das variáveis (note que
os valores de yit podem ser obtidos diretamente dos valores de xit ),

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“notas-lustosa-e-raupp-internet” — 2015/8/3 — 11:31 — page 57 — #57


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[SEC. 4.5: MODELO MULTI-ITEM MULTI-PERÍODO COM LIMITAÇÃO DE CAPACIDADE57

Tabela 4.2:
xit t=1 t=2 t=3 t=4 sit t=1 t=2 t=3 t=4
i=1 55 0 45 0 i=1 25 0 20 0
i=2 45 0 0 20 i=2 35 15 0 0

o valor do custo total é calculado avaliando a seguinte expressão.



2 ∑
4
CT = pi xit + qi yit + hi sit
i=1 t=1
= p1 x11 + q1 y11 + h1 s11 + p1 x13 + q1 y13 + h1 s13 +
p2 x21 + q2 y21 + h2 s21 + +h2 s22 + p2 x24 + q2 y24
= 55 + 900 + 625 + 45 + 900 + 500 + 45 + 850 + 350 + 150
+20 + 850 = 5290.

Repare que na impossibilidade de achar o plano de produção ótimo


que nos fornecerá um custo mı́nimo, podemos usar o valor do custo
total referente a uma solução viável como um limitante superior do
custo mı́nimo, que neste caso é CT = 5290.

Exercı́cio proposto 10
O modelo desenvolvido acima considera o custo, mas não tempo de
produção perdido com preparação. Inclua no modelo esse detalhe
adicional.

Existem modelos mais complexos do que estes que aqui apresenta-


mos, como, por exemplo, os que tratam da prática de backlogging, que
consiste em atender parcialmente o cliente mediante ao compromisso
de entregar a encomenda após a produção de um novo lote. Há ainda
modelos que tratam de planejar as encomendas simultâneas de itens
acabados, semi-acabados e insumos, considerando um planejamento
em vários nı́veis ou estágios de produção. Dada a limitação do tempo
deste curso, priorizamos a apresentação de modelos introdutórios e,
por isso, mais simples.

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58 [CAP. 4: PROBLEMA DE PLANEJAMENTO DA PRODUÇÃO

Desafio 4
A partir do modelo proposto acima, faça as alterações necessárias
para que possa haver backlogging ou pendência. Inclua um custo de
“perda de imagem” constante para cada unidade do item que ficar
em atraso. Note que haverá necessidade de se criar uma variável para
representar a quantidade em atraso em cada perı́odo e que a equação
de balanço de estoques terá que incluir duas dessas variáveis, que são
como “estoques negativos”.

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Capı́tulo 5

Comentários adicionais
e conclusão

Neste minicurso, procuramos dar uma ideia de como modelos ma-


temáticos podem ser úteis para decisões ligadas à gestão da produção,
seja em manufatura ou em serviços. Tipos bem diferentes de proble-
mas e de modelos foram vistos. Vimos modelos onde a principal
dificuldade é a incerteza (modelos probabilı́sticos) e outros onde a
complexidade das relações entre as decisões e custos tornam difı́cil
tomar decisões coerentes e boas sob algum aspecto (modelos deter-
minı́sticos). Em muitos problemas de ordem prática, como o de pla-
nejamento de um sistema elétrico que inclui fontes de energia que
dependem de fatores climáticos, a composição de incerteza e a com-
plexidade (incluindo restrições não lineares) fazem com que a mode-
lagem seja difı́cil, resultando em um porte muito grade (o número de
variáveis pode ser da ordem de milhões e o de restrições da ordem
de milhares), o que traz dificuldades práticas para a preparação dos
dados para validação do modelo e para a obtenção de soluções.
Outras questões importantes na prática são o entendimento pro-
fundo do problema e a obtenção de dados. Hoje, com a disseminação
de sistemas corporativos (sistemas que reunem de forma integrada
dados de grande parte dos diversos setores da empresa) e bancos
de dados de agentes públicos e privados, a obtenção de dados se

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60 [CAP. 5: COMENTÁRIOS ADICIONAIS E CONCLUSÃO

torna muito mais barata e rápida, viabilizando um número crescente


de aplicações industriais e comerciais. O entendimento profundo do
problema é uma dificuldade menos aparente e frequente motivo de
aplicações frustradas. Não basta entender o que os usuários e deci-
sores dizem sobre o problema, é importante identificar que objetivos
estratégicos o modelo deve servir e quais as prioridades de desenvol-
vimento. Não menos importante é saber transmitir ao cliente, na sua
própria linguagem, o que se pretende com o modelo, quais suas po-
tencialidades e limitações. Sem esses cuidados, o fracasso de qualquer
aplicação é quase certo.
As aplicações de matemática na engenharia de produção é ainda
bem tı́mida, mas importantes aplicações animam pesquisadores e pro-
fissionais. Entre essas aplicações bem consolidadas e de extrema uti-
lidade estão o planejamento e gestão de sistemas elétricos, planeja-
mento de grandes sistemas produtivos integrados, particularmente o
de produção, refino e logı́stica de petróleo e derivados, planejamento
de grandes produtores de papel e celulose, planejamento urbano, ro-
teamento de veı́culos, programação de voos e de tripulação de linhas
aéreas, o cálculo de tarifas e descontos de passagens aéreas e gestão
financeira.
Propositalmente, em nossa exposição enfatizamos a interface en-
tre a realidade de sistemas produtivos e a matemática e, também,
mantivemos em primeiro plano o ponto de vista do engenheiro de
produção. Entretanto, não queremos deixar a impressão que a maior
contribuição do matemático nesse métier seja a modelagem. A re-
solução dos modelos pode ser uma tarefa longe de trivial; problemas
de instabilidade numérica, necessidade de algoritmos especializados,
aceleração de convergência e muitos outros problemas são estimulan-
tes desafios para matemáticos aplicados.
Finalmente, esperamos que as horas despendidas nesse minicurso
sirvam para ampliar o horizonte de matemáticos em formação e que os
estimulem a explorar esse campo que, com os avanços da informática
e telecomunicações, está em franca expansão.

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Bibliografia

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