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© 1975 – TONY MANHATTAN

Publicado no Brasil pela Editora Monterrey


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CAPITULO PIUMEIRO
Todos ficaram boquiabertos..

O fabuloso jato particular tomou a cabeceira da pista


principal do Aeroporto Internacional de Santa Luz, um
pequeno país latino-americano que, por motivos óbvios,
será aqui chamado Santas Islas.
Assim que fez descer os freios aerodinâmicos para
reduzir a velocidade, os empregados do aeroporto
começaram a se movimentar de um lado para outro, como
formigas, e quando o gigantesco aparelho se deteve diante
das portas envidraçadas da grande saia de espera, várias
pessoas se encaminharam para junto da escada giratória,
acompanhando-a enquanto ela era empurrada para o avião.
Houve ligeira hesitação, por parte dos empregados,
quando do próprio aparelho começou a surgir uma escada
basculante, mas logo as coisas se resolveram com elegância:
os tripulantes tornaram a recolher a escada de bordo,
poupando ao pessoal do aeroporto a humilhação.
As pessoas que esperavam com impaciência puderam ler
na fuselagem do jato: Private Airplane — K.K.K. Steel Co.
— USA. Tanto as três letras “K”, em vermelho, como as
demais, em preto, estavam pintadas com tinta acrílica
cintilante.
Imediatamente a porta do jato se abriu e surgiu uma
jovem que arrancou suspiros do elemento masculino de
terra firme. Logo outra, igualmente bela. E mais outra, que
em nada ficava devendo às duas primeiras. Desceram ao
todo seis garotas sensacionais. Cada uma tinha os cabelos
de cor diferente: pretos, louros, ruivos, platinados etc.,
sendo que a última tinha os cabelos azuis. Todas
elegantíssimas e de porte aristocrático.
— M.... quem são?! — perguntou alguém.
— Não sei... Talvez artistas de cinema...
— Oh, não! Devem ser suas secretárias. Dizem que tem
mais de cem.
— Ah... Será que existem cem cores de cabelos?...
Alguns começaram a rir mas suas fisionomias se
congelaram quando viram surgir os homens. Também eram
seis, porém, contrariamente ao que se dava com as garotas,
nada tinham de exótico. Todos bem barbeados, bem
penteados e vestidos com admirável elegância, mas
simplesmente homens como quaisquer outros. Colocaram-
se junto das garotas, formando pares.
Após admirar essa manobra ordeira, os que aguardavam
na pista voltaram-se de novo para a escada.
Na primeira fila estavam dois homens e duas mulheres.
Eles eram tipos comuns, de bom aspecto mas aparentemente
muito irritados. Uma das mulheres era bem idosa, de olhar
malicioso, quase cruel, vestida com uma seriedade
intolerável para o clima bem tropical de Santas Islas. A
outra devia ter por volta de trinta e cinco anos e estava de
mini-saia branca com miniblusa azul celeste, talvez
excessivamente decotada. Era autêntica sensação, a
começar por sua altura, superior à da maioria dos homens
ali reunidos e acabando por seus cabelos de um ruivo
esfogueado, passando, naturalmente, por suas formas
convidativas.
Foi exatamente essa mulher abismal quem comentou,
com um sorriso festivo:
— Não há dúvida de que o nosso convidado sabe
chamar atenção.
— Estou ansiosa para vê-lo — disse a anciã.
— Mas querida Agatha! — exclamou a ruiva. — O
mundo inteiro o conhece! Não há dia em que a sua
fotografia não apareça numa revista mundana!
— Fotografias... — respondeu a anciã, fazendo cara de
asco. — Quero vê-lo ao natural.
Á belíssima ruiva esboçou um sorriso malicioso. Pousou
os enormes olhos verdes na porta do avião e comentou, com
aparente descaso:
— Se for somente a metade do que mostraram as
revistas, poderá enlouquecer todas as mulheres deste país.
— Esperamos que não nos enlouqueça — atalhou
seriamente um dos cavalheiros. — Um estúpido assim pode
estragar a nossa organização.
— Temos de lhe perguntar como conseguiu as ações de
La Marimba — sugeriu o outro cavalheiro, acrescentando:
— Embora eu não creia que isso solucione coisa alguma. O
que nos interessa é eliminar esse sujeito do negócio... seja
como for. Poderíamos...
— Silêncio! Aí vem ele.
Todos os olhares convergiam para o rutilante jato
particular e ao surgir, por fim, o tão esperado personagem,
houve um murmúrio de admiração e surpresa. Primeiro, de
surpresa, porque o gigante de longos cabelos louros e olhos
cor de aço teve de se inclinar para não bater com a testa no
montante da porta.
— Que enormidade! — comentou alguém, num
sussurro. — Até parece um arranha-céu.
Logo manifestou-se admiração, quando o personagem se
empertigou, olhou para baixo e sorriu, erguendo a mão para
saudar a todos de modo simpático. Usava mocassins e
calças brancas, camisa preta e um lenço vermelho ao
pescoço Estava com a barba do dois ou três dia e tinha um
cigarro pendente dos lábios. Embora o aspecto fosse de
modo geral desastroso, o gigante louro não poderia ser mais
impressionante e bem apessoado. Da pista, as máquinas
fotográficas começaram a funcionar, produzindo centenas
de fotos em segundos, durante os quais, o atlético recém-
chegado sorriu e agitou a mão para todos os lados, à
maneira dos políticos profissionais.
A ruiva se adiantou, sorrindo e lhe estendendo a mão.
— Mister Kirkpatrik, seja bem-vindo a Santas Islas.
— Muito obrigado, delícia.
Ela alargou ainda mais o sorriso, fazendo o possível para
atenuar a avidez de seus olhos, mergulhados que estavam na
figura do americano.
— Sou Leona Wilkins, encarregada de Relações
Públicas da Companhia Nacional de Petróleo de Santas
Islas. Permita-me apresentar Mistress Rutheford — voltou o
rosto para a anciã, que se adiantou e estendeu a mão para
Kirkpatrik — e os senhores Klaus von Werner e Armando
Espronceda, altos conselheiros de nossas companhias.
Horace Young Kirkpatrik meneou a cabeça e apertou as
mãos dos cavalheiros como se estivesse a mil quilômetros
dali. Depois, tirou o cigarro da boca, jogou-o ao chão e
enquanto o amassava com a mocassim perguntou:
— Terei de conhecer mais alguém, delicia?
— Não... por enquanto. Fomos designados para formar o
comitê de recepção. Confiamos em que tenha feito uma boa
viagem.
— Ótima. Cumpriram devidamente suas obrigações
como membros desse... comitê?
— Eu me incumbi de tudo pessoalmente — disse a ruiva
— e espero que fique bem instalado com seus... auxiliares.
Os automóveis estão à espera a fim de levá-los pára a
mansão. Os jornalistas desejam fazer algumas perguntas,
mas se estiver muito cansado...
— Acho que ainda resistirei por mais alguns minutos...
Leona Wilkins achou graça e, sorrindo, voltou-se para os
jornalistas, fazendo-lhes um sinal. Tanto os repórteres como
os fotógrafos se aproximaram como num estouro de boiada,
cada qual lutando para chegar mais perto do americano.
— Mister Kirkpatrik — apressou-se em perguntar um
deles: — é verdade que adquiriu setenta por cento das ações
de La Marimba?
— De fato.
— Por quê?
— Não sei. Na verdade, não fui eu quem as adquiriu,
mas alguns dos meus altos funcionários.
— Significará isso que pretende investir mais dinheiro
em Santas Islas? — indagou outro repórter.
— Ainda não pensei no assunto.
— Quanto lhe custaram as ações de La Marimba?
— Não faço a menor idéia. Sei quanto me custa um
maço de cigarros, mas ignoro o preço de tudo o mais.
— Essas doze pessoas que o acompanham... são seus
secretários e secretárias?
— São secretários, duas secretárias, uma manicura, uma
cabeleireira, minha camareira particular e... a de cabelos
azuis é minha cozinheira. Fui avisado de que a comida sul-
americana é muito apimentada...
— Não seria mais lógico que o seu pessoal auxiliar fosse
constituído por homens? — perguntou um repórter
malicioso.
— Talvez, mas acontece que gosto muito de mulher. E
você?
Essa pergunta provocou hilaridade entre os jornalistas.
Um deles se atreveu a perguntar:
— Pretende ganhar muito dinheiro em nosso pais?
— Meu caro — disse Kirkpatrik, com enfado: — só
estou aqui porque alguns dos meus homens de confiança
tiveram a idéia divertida de me comprar uma companhia
petrolífera em seu país. Então, ocorreu-me a idéia de
comprar os trinta por cento de ações restantes ou de vender
os setenta por cento que já possuo. Mas, acima de tudo, vim
conhecer o país e me divertir. Eis tudo. Para mais
informações, ataquem agora os meus secretários. É para
isso que os pago...
Novas risadas e o americano se voltou para Leona
Wilkins, pegando-a pelo braço, encaminhando-se para fora
da sala de espera do aeroporto, enquanto os homens da
Imprensa se precipitavam para junto dos secretários do
milionário. Von Werner, Espronceda e Agatha Rutheford
caminharam atrás de Kirkpatrik e Leona Wilkins. Iam muito
circunspectos, contrastando frontalmente com o americano,
que, de repente, passou o braço por cima dos ombros da
ruiva, perguntando:
— Você gosta deste lugar, delícia?
— Muito. É um país maravilhoso.
— Espero que haja algumas diversões interessantes.
— Se me disser quais as suas preferências, tentarei
satisfazê-lo, mister Kirkpatrik.
— Deveras?! — os olhos do gigante louro brilharam
maliciosamente. — Eu a manterei informada sobre as
minhas diversões favoritas. Ei! Você é bem altinha, hem?
— Não tanto quanto o senhor.
— Oh, isso é natural... Ainda não encontrei uma mulher
à minha altura.
— Quer dizer que nunca encontrou uma mulher da sua
altura, não? — corrigiu a ruiva.
— Eu quis dizer exatamente o que disse: ainda não
encontrei uma mulher à minha altura... sob aspecto algum.
Não sei se me entende, delícia.
— Acho que sim — disse ela, apontando para quatro
Mercedes Benz verde-garrafa que estavam enfileirados. —
Os seus auxiliares e a bagagem podem ir naqueles
automóveis, assim que termine a entrevista com a Imprensa.
Nós iremos neste — indicou um Rolls Royce preto,
conversível, de capota arriada.
— Ótimo! — exclamou o playboy número um do
mundo. — Gosto de apanhar sol. Que acha do meu
bronzeado?
Tinham chegado junto ao Rolls e ele tirou o braço dos
ombros da ruiva.
— Está bem... — disse ela. — Creio que ficara muito
moreno se aproveitar o sol deste país.
Um dos cavalheiros sentou-se ao volante do luxuoso
automóvel e o outro sentou-se ao seu lado. Atrás, sentaram-
se as duas mulheres e Kirkpatrik, com ele no centro. O carro
partiu, percorreu um trecho da pista de alta velocidade e
logo entrou numa secundária da direita que conduzia à
beira-mar, ladeada de palmeiras por entre as quais se viam
ao longe as silhuetas mais feias, porém mais lucrativas, de
centenas e mais centenas de torres de petróleo. O sol estava
a pino, criando uma espécie de manto sufocante. Talvez por
isso e para grande assombro do comitê de recepção, Horace
Young Kirkpatrik adormeceu entre as duas mulheres. Elas
trocaram olhares de incredulidade.
— Dormiu! — disse, por fim, Agatha Rutheford.
Leona Wilkins não respondeu. Ficou contemplando
aquele rosto muito varonil de queixo agressivo, nariz reto,
testa ampla... Os longos cabelos louros caíam na nuca do
homenzarrão como fios de ouro, adornando seu pescoço
firme, cheio de tendões, que parecia esculpido em pedra
escura. A largura dos ombros do visitante era tal que as
mulheres iam mal acomodadas, meio de lado no amplo
assento.
Em uma das curvas Kirkpatrik tombou no encosto até
ficar apoiado no ombro de Leona Wilkins, respirando em
seu pescoço. Ela sorriu, olhou para a boca ampla de lábios
finos e duros, tornando a sentir o calor íntimo de pouco
antes, de quando Horace Young Kirkpatrik surgiu na porta
do avião. Um calor intenso e novo que lhe acelerava a
respiração.
Chegaram finalmente à grande mansão junto ao mar, a
uma distância prudente das torres para que não fossem
vistas por entre as abundantes palmeiras, os maciços de
flores, as mangueiras e os abacateiros. A mansão era
branca, com telhas francesas, ostentando sacadas amplas
nos dois andares, cheias de flores e protegidas por toldos
listrados. Havia pérgulas sombreadas por gigantescas
parreiras e rodeadas de canteiros floridos. De cada lado da
casa via-se uma piscina, e, junto a uma delas, uma quadra
de tênis que tinha ao fundo uma parede lisa e marcada, sem
dúvida para o jogo de frontão.
Não havia uma só nuvem no céu e tudo parecia azul e
dourado, com o verde mar ao fundo.
Quando o motor parou, ouvia-se apenas o rumor de
diminutas ondas na praia. Os quatro componentes do comitê
de recepção ficaram olhando para Kirkpatrik... até que, por
fim, Leona o tocou de leve no ombro.
— Mister Kirkpatrik... Mister Kirkpatrik!
— Hem?!... Quê...! — sobressaltou-se o gigante. — Que
houve?!
— Chegamos.
— Onde?
— À mansão que alugamos para o senhor. Que tal?
— Oh, sim... Esplêndida... respondeu Kirkpatrik, que
olhou ao redor, bocejou e acabou sorrindo. — Puxa! Que
sono gostoso eu tirei! Havia meses que não dormia assim.
Quem são essas pessoas?
Apontou para a frente da mansão, onde se achavam três
homens e duas mulheres, eles de branco com chapéus de
palha nas mãos, e elas de azul claro.
— São seus criados, mister Kirkpatrik. Aguardam a sua
chegada para serem apresentados.
— Ah. Podem ir-se embora, porque não necessitarei
deles.
— Ignorávamos que traria seu próprio pessoal, é claro.
Nós os gratificaremos e os despediremos imediatamente.
— Excelente. Bem, senhoras e cavalheiros, eu lhes sou
muito grato pelas atenções. Adeus.
Saudou com a mão e, ante a estupefação do comitê,
desceu do Rolls Royce, aproximou-se da piscina e começou
a se despir.
— Que está pensando esse “gringo”?! — protestou
Armando Espronceda, vermelho de raiva.
— Calma, Espronceda murmurou von Werner. — Não
podemos perder a compostura.
— Ele nos está tratando como se fossemos seus
serviçais.
— É um belo homem... — murmurou Agatha Rutheford
—, porém os seus modos são desagradáveis.
— Vamos embora e ele que se dane! — rugiu
Espronceda. — Que nos procure nos escritórios quando
queira!
— Não creio que ele tenha pressa em fazê-lo disse
mansamente Leona Wilkins. Seria capaz de passar uma
semana aqui, divertindo-se com as suas... secretárias. Não
esqueçamos que somos os maiores interessados em agradar-
lhe. Devemos ter diplomacia.
— Diplomacia! Esse sujeito é um grosseiro e um fátuo
que...
— Calma, Espronceda — sorriu Leona. — Verei se
consigo arranjar as coisas como nos interessa. Aguardem
aqui.
Saiu do carro e se aproximou da piscina, onde
Kirkpatrik, com uma sunga preta brevíssima, nadava em
todos os estilos possíveis e mergulhava até ao fundo da
piscina com a facilidade de um peixe. A ruiva fez um sinal
para os criados e uma das mulheres foi buscar uma toalha.
Quando voltava com ela os outros carros estavam chegando.
E Kirkpatrik continuava nadando como se nada mais
existisse para ele.
Leona recebeu a toalha e, ignorando os recém-chegados,
que logo entraram na mansão, permaneceu na beira da
piscina contemplando aquele corpo que parecia de cobre,
com músculos enormes que davam a impressão de romper a
pele a cada movimento. O coração da ruiva batia com uma
violência que a deixava surpresa e assustada.
Por fim, quase dez minutos depois de se atirar à água,
Horace Young Kirkpatrik nadou a grande velocidade para a
beira da piscina, à qual se aferrou e, com um giro
acrobático, saltou para fora, sentando-se com os pés
mergulhados. Leona lhe estendeu a toalha.
— A água estava boa, mister Kirkpatrik?
— Estava ótima, doida. Mas... por que ainda está aqui?
— Gosto de ver as pessoas se divertem... Quer um
cigarro?
— Você parece adivinhar os meus pensamentos.
Ela sorriu, acendeu dois cigarros e lhe estendeu um, que
ele só recebeu quando acabou de enxugar os cabelos. Soltou
uma baforada e olhou-a nos olhos, comentando:
— Imagino que não tenha ficado aqui exclusivamente
para me entregar uma toalha e um cigarro...
— Em absoluto. Não percebeu que foi muito descortês
com o comitê de recepção, mister Kirkpatrik?
— Confesso que não. Eu nunca faço caso de ninguém.
Deve ser a minha má educação de playboy. Julgo que todos
estão a meu serviço e não ligo para os demais.
— Eu não estou a seu serviço — empertigou-se a ruiva.
— É lamentável — sorriu o americano. Leona Wilkins
sentiu um frisson por todo o corpo, um espasmo na boca do
estômago e um tremor nas pernas, tudo por causa do sorriso
do rapagão.
— Ficou calada?
— Para ser sincera, deixou-me sem palavras...
Mas, devido à minha função, terei de falar, mesmo
contra a minha vontade. Só me pergunto se o senhor será
suficientemente amável para me ouvir.
— Só existe uma coisa que eu não faria por uma mulher,
delícia.
— Sim?
— Casar-me com ela.
Leona empalideceu ligeiramente. Era belíssima, tostada
pelo sol dos tópicos. Kirkpatrik a contemplava de soslaio,
com um sorriso irônico.
— Mister Kirkpatrik, eu o considero uma criatura
diferente das demais, reconhecendo que seria bobagem
recorrer a subterfúgios. Porei as cartas na mesa: Quanto
quer pelos setenta por cento das ações da Compañía
Petrolera La Marimba?
— Cem milhões de dólares.
— Está louco?! — exclamou Leona, empalidecendo por
completo.
— Acho que não.
— Veja... Vejamos, mister Kirkpatrik... Conseguiu essas
ações...
— Eu, não: meus secretários. Eles são os que entendem
de negócios; eu apenas firmo documentos.
— Está bem. Seus secretários conseguiram setenta mil
ações das cem mil de que consta a emissão total de La
Marimba. E, como essas ações representam os setenta por
cento do total, o senhor é, praticamente, o dono absoluto da
direção de La Marimba, Certo?
— Até agora, certíssimo.
— Bem. Acontece que La Marimba é uma sociedade
filiada à Compañía Nacional de Petróleos de Santas Islas,
isto é, a companhia cuja direção o senhor acaba de assumir
como acionista majoritário está sujeita às diretrizes da
Compañía Nacional de Petróleos de Santas Islas. Certo?
— Sem dúvida.
— Pois em Santas Islas se está perguntando como a
KKK. Steel Co. pode ter conseguido setenta por cento das
ações de La Marimba. Deixaremos esse aspecto para
depois, a fim de esclarecer o seguinte: Santas Islas não está
satisfeita com o fato de um norte-americano ser o
proprietário de uma de suas companhias, embora essa
companhia seja filiada à Nacional. Portanto, para evitar
incidentes tanto econômicos como políticos e, inclusive, de
caráter pessoal, a Nacional se propõe comprar essas setenta
mil ações. Compreendeu?
— Naturalmente. Querem dar alguns dólares pelas
minhas ações e expulsar-me de Santas Islas.
— Ninguém deseja expulsá-lo, mister Kirkpatrik. O
senhor será sempre muito bem recebido como turista...
como hóspede, ou, digamos, como convidado, mas não
como o proprietário de uma companhia que é filiada à
Compañía Nacional de Petróleos. É como se... eu entrasse
em sua residência e comprasse a sua cama, por exemplo.
— Comprar a minha cama? Que absurdo! Eu lha ofereço
de todo o coração, delícia. Completamente grátis e comigo
incluído, se quiser.
— Estou falando sério, mister Kirkpatrik.
— Eu também. E lhe garanto que a minha cama é muito
confortável. Quanto a mim bem... Eu nunca me saí mal com
mulher alguma, por mais exigente que fosse.
— Não entende que...
— Miss Wilkins — interrompeu-a Kirkpatrik, sorrindo
com dureza —, eu entendi tudo. Compreendo perfeitamente
que não gostem do fato de eu vir a este país como acionista
majoritário, e, portanto, proprietário de uma companhia que
e nem mais nem menos que filiada à Compañía Nacional de
Petróleos. Decidiram receber-me com muita amabilidade,
por à minha disposição uma bela mansão, uma praia, alguns
automóveis europeus, vários criados... Magnífico
acolhimento. Muito obrigado. Se pretendem virar a minha
cabeça com essas coisas e me oferecer alguns centavos por
minhas ações de La Marimba, devem ser uns tolos.
— Não nos vai vender as ações?
— Ainda não sei. Quando meus empregados investidos
em cargos da mais alta responsabilidade se decidem a
investir mais de três milhões e meio de dólares, é porque há
muito dinheiro a ganhar. Eu soube escolher muito bem o
meu pessoal. Todos são cérebros de primeira, entende?
— Nós lhe pagaremos os três milhões e meio.
Compreende?
— Compreendo, porém me pergunto se o que possuo
agora não vale muito mais que isso. Portanto, vá dizer aos
que a enviaram que me poderão expulsar do país, embora
isso não me impeça de continuar sendo o dono de setenta
por cento de La Marimba. Isso significa, naturalmente, que
nessa companhia não haverá votos nem ordens que não
sejam os meus. Está claro? Não obstante, talvez eu me
decida a vendê-la, mais adiante. Mas isso quando, em vez
de me enviarem dois sujeitos estranhos, uma anciã e uma
mulher magnífica como você, me enviem meia dúzia de
senhores bigodudos que saibam falar de dinheiro em
abundância. Por acaso não há uma Junta de Acionistas na...
nossa empresa.
— É claro — quase gaguejou Leona Wilkins. — É claro
que temos.
— Então, vá dizer a esses cavalheiros estranhos que sou
o maior acionista e só ouvirei propostas de uma Junta
ordinária ou extraordinária, na qual, como é de se supor, os
meus setenta por cento me darão a palavra final em
qualquer decisão. Nesse meio tempo, você, a anciã com
olhos de serpente e os dois cavalheiros que trazem melados
de suor os colarinhos engomados nada conseguirão de mim.
Não sei se fui bem claro, delícia.
— Muito claro — murmurou a ruiva.
— Deveras? Puxa! Nem eu mesmo confiava em poder
repetir tão bem o que me aconselharam os meus secretários!
Enfim, como tudo indica que tive êxito, nada mais tenho a
dizer. Não sou um mascate para que uma jovem possa
sentar-se na beira da piscina e me dizer que me compra isto
ou aquilo. Sou Horace Young Kirkpatrik, alguém que pesa
nas finanças mundiais. Quero uma Junta ou Conselho de
Acionistas, palavras... muitas palavras... E documentos,
explicações, ofertas serias... Só exporei as minhas intenções
quando for ouvido por pessoas importantes. Acha que eu
também disse isto com clareza?
— Também — sorriu Leona.
— É fantástico! Já lhe agradeci pela toalha e pelo
cigarro?
Leona Wilkins suspirou com enfado e se levantou.
— Transmitirei os seus desejos às pessoas adequadas,
mister Kirkpatrik.
— Excelente, delícia, excelente — disse ele, também se
levantando. — Mas isso é assunto exclusivamente de
negócios. Enquanto os negócios se resolvem com a sua
lentidão habitual, não vejo por que você o eu não possamos
tratar de assuntos pessoais. Estou tentando dizer que, em
questões pessoais, sou um homem muito acessível, Leona.
— Levarei sua informação em conta.
— Todos já se foram?
— Não... Estão dentro da casa.
Horace Young Kirkpatrik olhou para a mansão, sorriu e,
de repente, abraçou Leona Wilkins pela cintura. Ela ficou
atônita, incapaz de reagir, inteiramente dominada pela olhar
do playboy, que a beijou nos lábios. Depois, afastou-a
suavemente, afirmando:
— Como eu já disse aos jornalistas, vim a este país para
me divertir, Leona. Os assuntos de centavos são apenas um
pretexto. Isso quer dizer que, enquanto eu estiver aqui, você
me terá sempre que quiser.
— Não necessito de que nenhum homem se ponha à
minha disposição.
Horace Young Kirkpatrik sorriu de modo simpático.
— Você quer dizer, delícia, que até agora nenhum
homem se pôs à sua disposição.
— Adeus, mister Kirkpatrik.
Leona Wilkins deu meia volta e se afastou, muito digna.
Havia dado alguns passos quando tomou a ouvir a voz do
americano:
— É uma tolice resistir, Leona. Logo nos veremos de
novo.

CAPITULO SEGUNDO
Não havia missão mais agradável...

Renzo Volpini, sentado à cabeceira da reluzente mesa de


conferências, arqueou as sobrancelhas.
— Veremos se conservará a indiferença por muitos dias
— disse. — Tem a soberba dos milionários e nada mais.
Não creio que possa representar um perigo para nós.
— É um sujeito extraordinariamente forte — comentou
Von Werner.
— E daí? — indagou Volpini, com desdém. —
Porventura iremos lutar com ele? Não empregamos tais
métodos. Além disso, a fortaleza física de Kirkpatrik é uma
coisa e sua coragem outra muito diferente. Não é a mesma
coisa saber esquiar ou lutar o judo, por exemplo, e ter
envergadura moral para enfrentar um perigo.
— E vamos expô-lo a perigo? — indagou Ricardo
Varela.
— Por enquanto, não. Vamos dialogar. Nós lhe podemos
dar muito dinheiro pelas ações de La Marimba e não creio
que encontremos dificuldades. Kirkpatrik veio para isso:
buscar dinheiro. Encherá os bolsos e partirá. Eis tudo.
— As coisas também poderiam ser focalizadas de outro
modo — disse James B. Donovan: — poderíamos admiti-lo
em nosso consórcio em caráter permanente.
— É um gracejo, Donovan? — indagou Volpini.
— Por quê? — protestou Donovan. — Kirkpatrik tem
centenas de milhões de dólares. Seria magnífica aquisição.
Os tipos como ele estão muito bem definidos no mundo
inteiro: vivem alegremente e o dinheiro, para eles, é mero
instrumento de prazer. Não lutam pelo dinheiro, porque têm
uma boa quantidade de milhões. Podíamos sondar
Kirkpatrik para saber se aceitaria colaborar conosco.
— Não aceitará — disse Leona Wilkins.
Todos os olhares se voltaram para ela, que ocupava um
modesto lugar à mesa, à esquerda do presidente Renzo
Volpini.
— Por quê?! — protestou Donovan.
— Deixe que ela explique, Donovan — disse Jonah
Browner, o gigantesco e bem apessoado negro do grupo. —
Todos temos o direito de expor nossas opiniões nestas
reuniões.
— Não pus em dúvida esse direito de Leona. Apenas fiz
uma pergunta.
— Prossiga, Leona — interveio Volpini.
— Sei que Kirkpatrik não aceitará a idéia de colaborar.
É demasiado independente na vida privada e essa
independência se refletirá em seus negócios. Estão
esquecidos de que Horace Young Kirkpatrik não só é o
proprietário da fabulosa KKK, que se estende pelo mundo,
como também não deve estar acostumado a receber ordens;
nem sequer sugestões. Vejamos o exemplo de La Marimba.
Não comprou, digamos, quarenta por cento das ações;
comprou os setenta por cento, garantindo-se, com isso, a
palavra final nas decisões. O mesmo ocorre em todas as
suas empresas, a começar pela de aço, da Pensilvânia,
Estados Unidos. Ele emitiu ações, não há dúvida, mas se
reservou a maioria. É amável com o seu pessoal, com os
seus acionistas... Porém ninguém além dele poderá dizer a
última palavra. Kirkpatrik não participa de sociedades ou
consórcios: ele os compra. Acham que um homem assim
concordaria com sentar-se a esta mesa se não fosse para
ocupar a cabeceira?
Renzo Volpini empalideceu discretamente.
— Se é isso o que ele pretende, deverá ter cuidado...
— Eu não disse que pretende tomar-lhe o lugar, Volpini
— respondeu Leona. — Disse apenas que se lhe
propusermos a participação, talvez ele concorde e, sem mais
preâmbulos, se encaminhará para a cabeceira, sentar-se-á
onde você se encontra e começará a dar ordens.
— Nesse caso, receio que não será possível contarmos
com a colaboração de mister Kirkpatrik — disse Volpini,
com aspereza.
— Compreendo a sua posição, Volpini — Insistiu
Donovan —, mas o que Leona disse é apenas a sua opinião.
Convém sabermos o que diz o próprio Kirkpatrik.
— Dirá o que acabo de dizer — asseverou Leona.
— E um estúpido — afirmou, de repente, Agatha
Rutheford. — Não é uma pessoa na qual poderíamos
confiar em nossos negócios.
— Mister Kirkpatrik não é um estúpido — respondeu,
ligeiro, Leona Wilkins. — O que acontece é que de não está
acostumado a dar importância aos demais. Não nos
enganemos, cavalheiros. Já lhes contei o que de me disse e
insisto em que o melhor modo de tratar com Kirkpatrik é
atendê-lo com seriedade e cortesia, fazendo-lhe propostas
diretas e claras.
— Parece que o conhece muito bem... — sorriu o obeso
Phill Douglas, que até então se mantivera calado.
— E conheço. Estive com ele alguns minutos, mas foi o
suficiente. Não esqueça, señor Douglas, que os senhores me
escolheram para chefiar o Serviço do Relações Públicas do
consórcio. Sei definir bem as criaturas. Nada mais tenho a
dizer.
— Há um ponto que ainda não foi tocado — disse
Espronceda: — mister Kirkpatrik poderia sofrer um...
acidente. Estou certo de que, então, seria muito mais fácil
recuperarmos essas setenta mil ações.
Leona Wilkins deu uma risada nervosa, mostrando-se
irônica:
— Boa idéia, Espronceda!
— Está zombando de mim?! — irritou-se Espronceda.
— Acha, porventura, que se pode matar um homem
como Kirkpatrik e depois afirmar que foi mero acidente? —
indagou a ruiva, ainda com ironia. — Em menos de doze
horas teríamos em Santa Islas centenas de policiais norte-
americanos incógnitos investigando tudo. E não me
surpreenderia que houvesse a intervenção do FBI e da CIA,
e, se não exagero, até mesmo da Marinha americana. Ora
vamos, Armando... Pense em algo melhor. Kirkpatrik não é
um desgraçado que se possa matar e enterrar no deserto do
interior, como foi feito a outros.
— As coisas podem ser bem feitas — ainda insistiu
Espronceda. — Que acha, Volpini?
O presidente do conselho alisou o lóbulo da orelha.
— Não sei... É uma idéia que fica em estudo. A verdade
é que não seria agradável se o FBI e muito menos a CIA
metesse o nariz em nossos negócios. Se a CIA chegasse a
ter a mais longínqua suspeita do que estamos tramando,
enviaria um batalhão de agentes secretos para nos destruir
antes de conseguirmos o podei que buscamos e que
surpreenderá o mundo. Felizmente tudo vai bem até agora e
nem a CIA nem qualquer mitra entidade do gênero tem a
menor suspeita do que estamos preparando... e já está quase
terminado. Assim, cavalheiros, devemos empregar muito
tato.
— Então, que vamos fazer? — perguntou Leona.
— Usaremos, a principio, a tática amistosa, Leona. Não
necessitamos mostrar-nos hostis a mister Kirkpatrik... por
enquanto. Vamos convidá-lo para uma festa na minha vila,
esta noite.
— Ele não comparecerá, Volpini.
— Ora vamos, Leona...
— Não comparecerá — interrompeu-o a ruiva.
— Mas nada perderemos convidando-o. Dirá que não e
pronto.
— E por que se negaria a aceitar um convite tão amável?
— Porque Kirkpatrik nada fará enquanto não o
recebermos formalmente, aqui, para lhe prestarmos
esclarecimentos sobre La Marimba, fornecendo-lhe dados
sobre a Nacional, e enquanto ele não vir as instalações dos
poços e escritórios. Tudo, enfim. Até então, ele será apenas
um falcão à espreita. Ou, se preferem assim, direi que seus
secretários não lhe permitirão fazer outra coisa além do que
eu já lhes disse.
— Você também disse antes que ele só faz o que quer...
— zombou Espronceda.
— Em sua vida particular. Um homem que paga
ordenados polpudos a cem secretários ou mais, não o faz
por capricho, mas para ouvi-los atentamente. O contrário
seria imbecil e não creio que Kirkpatrik pratique
imbecilidades.
— Tampouco parece que sua agilidade mental seja
excessiva... — riu-se Klaus von Werner, com rancor. —
Dorme em qualquer lugar, parecendo fatigado de repetir o
que lhe recomendam seus secretários. Aposto como não
costuma usar o seu próprio cérebro. Para que, se lhe dizem
o que tem de responder quando lhe fazem perguntas? E
quando um órgão não é usado se atrofia consideravelmente.
— Será um erro gravíssimo subestimar Kirkpatrik —
exaltou-se de novo Leona Wilkins. — Não viram os seus
olhos como eu, Von Werner.
— Ai, ai!... — suspirou Agatha Rutheford. — Tem os
olhos lindos, de um cinza cor... cor...
— Cor de aço — murmurou Leona.
Os demais ficaram olhando pari ela, sorridentes, com
expressão zombeteira, e ela enrubesceu bastante.
— Bem... — disse Volpini. — Já que você conhece tão
bem Horace Young Kirkpatrik, irá esta mesma tarde
transmitir o meu convite para uma festa em minha vila. Em
minha casa ele será mais fácil presa de nossas propostas e
de nossas perguntas do que se o recebêssemos aqui com
uma junta formal. Nada se perde tentando.
— Apenas o tempo — disse Leona. — Não me
desagradará tornar a me avistar com ele.

CAPÏTULO TERCEIRO
Uma aposta fora do comum...

Horace Young Kirkpatrik estava numa poltrona, como


um rei no trono, enquanto uma de suas secretárias lhe
ajeitava os cabelos, outra o manicurava e outra, de pé diante
dele segurando um bloco, recebia suas instruções sobre o
cardápio para o jantar. De cada lado do playboy estava um
secretário, também com um bloco, observando Leona
Wilkins com indisfarçável ironia. Porém não era a realeza
de Kirkpatrik o que surpreendera a ruiva, mas a resposta
que ele dera ao seu convite:
— Terei muito prazer em comparecer a essa festa, miss
Wilkins. Será motivo de grande satisfação conhecer os altos
personagens radicados neste país
— Então... aceita? — murmurou ela.
— Naturalmente. Porém com uma condição.
Leona olhou de soslaio para os dois secretários, que
continuavam rindo como se quisessem insinuar que não a
consideravam muito arguta, ou, talvez, que já esperavam o
convite.
— Que condição?
— A de que você seja o meu par.
— Eu?
Kirkpatrik franziu a testa, sestro que sempre deixava as
mulheres esfogueadas.
— Que houve, delícia? Não disse que foi designada
chefe de relações públicas para me atender? No meu país,
quando alguém se põe à disposição de um visitante, o faz
incondicionalmente... Na verdade, não sei por que lhe
explico isso, pois você também é americana. Não?
— Sim... sou...
— E que diz de minha única condição?
— Creio que... que me agradara muito ser o seu par.
— Quanto a isso, não tenha duvidas. Mary, termine logo
com os meus cabelos — passou a mão pelo rosto, dirigindo
um olhar de aprovação a Mary: — Muito bem escanhoada.
— Obrigada, Horace. Terminarei imediatamente.
Terminou e Kirkpatrik se levantou. Vestia um quimono
oriental azul claro, embora só lhe chegasse a os joelhos e
fosse de mangas curtas.
— A respeito do jantar, Horace... — disse a outra
secretária.
— Ah, sim... Diga o que já anotou.
— Um filé de grelha, mal passado; vinho do país; maçãs
assadas, ou, como alternativa, banana-ouro seca com açúcar
mascavo; salada russa; abacaxi em fatias com calda de
açúcar cristal queimada; café moca apiloado na hora, de
infusão em estilo árabe.
— E leite de cabra — acrescentou o playboy,
perguntando: — Você já indagou se há leite de cabra neste
pais?
— Encomendei-o de uma fazendola sitiada a vinte
quilômetros daqui. Servido ao natural?
— É claro. Você é um amor, Ophelia. Obrigado às três
— beijou Ophelia, Susan e Mary na testa, sorrindo
carinhosamente. — Voltem às suas ocupações. Que houve,
miss Wilkins?
— Pretende comer tudo isso?!
— Sou um homem muito grande, delícia.
Voltou-se para os secretários, ordenando:
— Podem retirar-se. Enviem essas mensagens a
Pittsburgh imediatamente.
— Okay, Horace — disse um deles. — Usaremos o
telefone internacional agora mesmo.
— Não, não! Nada de telefones. Usem o telex.
— Não temos telex.
— Como?!
Os dois secretários assumiram uma atitude de
impotência.
— Não existe telex na mansão, Horace.
Kirkpatrik se virou para Leona Wilkins, aterrorizado.
— Miss Wilkins! — rugiu. — Como me instalou num
lugar que não dispõe de telex internacional?! Não é
possível!
— Eu... eu... sinto muito... Deveras, mister Kirkpatrik...
— Sente muito! Está zombando de mim? Pretende fazer
com que os meus secretários percam o seu tempo precioso
presos a um telefone e sujeitos a todas as delongas desse
sistema de comunicação? Acha que não necessito manter-
me em contato com a central da KKK a todo instante? Isso
e inaudito!
— Mandarei que instalem um telex continental esta
mesma noite, mister Kirkpatrik.
— Assim o espero. Não faltava mais nada! Bem —
sorriu. — Quer jantar comigo?
— Eu gostaria, mas... mas... tenho de cuidar do telex,
avisar que aceitou o convite e trocar de roupa. São muitas
coisas pendentes.
— Vou acompanhá-la até à porta — passou um braço
pelo ombro da ruiva e começou a andar. — Estou pensando
que me seria difícil encontrar o local da festa, numa cidade
desconhecida. Que tal se passar para me apanhar? Assim
não me perderei em Santas Islas.
— Às nove está bem?
— Ótimo. Qual será o tipo de festa?
— Não sei. Normal: um pouco de champanha, um pouco
de música, muita palestra...
— Ah... A rigor, naturalmente.
— Sinto muito...
— Felizmente eu trouxe roupa adequada. Margareth se
incumbe dessas coisas e nunca falha.
— Margareth é a sua... camareira?
— De fato. Uma garota deliciosa.
— Todas as suas secretárias são... atraentes. E... o
senhor se mostra muito carinhoso com elas.
— Não compreendo.
— Refiro-me aos beijos na testa.
— Oh... Será que se escandalizou, miss Wilkins?!
— Não, mas... Bem, não é comum um homem beijar as
suas secretárias tão abertamente.
— Vejo que não entende, como acontece a muitas outras
pessoas. Se há mulheres que estão fora da minha órbita
amorosa, essas criaturas são as minhas secretárias, miss
Wilkins. Jamais tive caso amoroso com qualquer delas,
porque não merecem ser iludidas. Por outro lado, merecem
todo o afeto possível por serem leais, inteligentes, sérias e
honestas. Costumamos brincar amistosamente e vez por
outra lhes dou um beijinho estritamente afetuoso. Não
acredita?
— Se está dizendo...
Transpuseram o grande pórtico de arcadas brancas e
Kirkpatrik, com grande naturalidade e desfaçatez, pôs a
mão na nuca de Leona Wilkins, atraiu-a para si e beijou-a
nos lábios. Ela não opôs a menor resistência, mas também
não colaborou. Porém a despeito da aparente indiferença ela
sentiu um estremecimento por todo o corpo, e, em um
impulso muito natural, afastou-se dele bruscamente.
— Percebeu? — perguntou o americano, sorrindo de
modo estranho. — Não é assim que beijo as minhas
secretárias. Espero que tenha compreendido e me perdoe
por tê-la beijado de novo. Na verdade, lamento mais do que
você.
— Lamenta?! — murmurou Leona, ofegante.
— De fato. Porque estou começando a gostar de beijá-la
e talvez isso se transforme num hábito. Que lhe pareceria
esse... hábito?
— Tenho de ir-me embora, mister Kirkpatrik.
— Ora vamos, Leona! Estamos sozinhos. Podemos
continuar com o jogo iniciado junto à piscina. Conheço bem
as mulheres como você, que jamais vibrou de verdade. Já
teve tudo o mais, porém não basta para uma criatura como
você. É muito alta, vigorosa, saudável. Alguma vez esteve
com um homem?
— Com muitos.
— Oh... Bem, creio que me decepcionarei.
— Não sei o que está pensando, mas se engana, mister
Kirkpatrik.
— Pode chamar-me simplesmente Horace, querida.
Diga-me uma coisa: com que tipo de homem você...?
— Com os meus maridos.
— Seus maridos?!
— Casei-me três vezes. Em uma delas enviuvei e nas
outras duas me desquitei. Eis tudo.
— Isso não responde à minha pergunta: que tipos de
homem?
— Vou-me embora. Adeus, mister Kirkpatrik. Saltou do
pórtico ao pátio, foi até onde deixara seu carro e sentou-se
ao volante. Deu partida ao motor e, quando ia engrenar, o
playboy apoiou o cotovelo na janela do conversível,
sorrindo.
— Eu lhe direi com que tipos de homem lidou, menina.
Com os que menos lhe podiam oferecer. O primeiro deve
ter sido um velho carregado de milhões, que, com esse
aspecto, satisfez às suas ambições. Enviuvou e, cansada de
aturar um velho, casou-se com um rapaz que foi atraído
pelo seu dinheiro, ou, talvez, por você mesma, que é bem
convidativa. Porém esse jovem também não lhe deu o que
você esperava e veio o divórcio, com uma boa indenização
para ele. Seguiu-se outro rapaz bem-apessoado, igualmente
ambicioso e vazio. A essa altura você já devia ter chegado
aos trinta. Uma balzaquiana. Outro divórcio. Com tudo isso
você meteu na cabeça que nenhum homem lhe daria o que
você desejava e se fechou em sua beleza em sua atitude. de
mulher fria, inacessível. E agora, já com... trinta e cinco,
não, Leona? Bem, decidiu não mais sair da torre de gelo que
você mesma criou. Devo felicitá-la?
— Já terminou?
— Não: eu a desafio.
— Você me desafia?!
— Isso. Conseguirei fazê-la mudar de atitude. Eis as
condições da aposta: se eu não conseguir reavivar
completamente o seu fogo, farei tudo o que me pedir; caso
contrário, será você que fará tudo o que eu pedir. Trata-se
de uma aposta formal. Aceita?
— Aceito — murmurou Leona Wilkins, com voz rouca.
— Ótimo. Eu a estarei esperando às oito e meia.
CAPITULO QUARTO
Era um tigre na alcatéia...

Benzo Volpini esboçou um sorriso enigmático.


— Quer dizer que aceitou, hem? — disse, entre dentes,
logo alteando a voz: — Senhoras e senhores, valeu a pena
esperarmos aqui o regresso de Leona. Telefonarei para casa
dando instruções sobre a festa. Convidem todos os nossos
amigos. Quanto mais importantes, melhor.
— Que mais disse o americano? — indagou Agatha
Rutheford.
— Nada mais — mentiu Leona. — Aceitou o convite e
manifestou o desejo de ter um telex continental, o que já foi
atendido.
— Muito bem — aprovou sarcasticamente Ricardo
Varela: — devemos agradar o nosso convidado.
— Se não é muito esperto, é muito tolo — disse o negro
Jonah Browner. — Sem dúvida compreendeu que o estamos
pressionando.
— Se não compreendeu, á um tolo — riu Espronccda.
— Novas divagações em torno da personalidade de
Horace Young Kirkpatrik... — disse Leona, com enfado. —
Não lhes ocorreu que ele aceitou por sentir-se muito seguro
de si?
— Seguro... de quê?! — surpreendeu-se Espronceda.
— Por pouco tempo — sentenciou James B. Donovan,
sorrindo.
— Durante a festa nós o ensinaremos a tratar com
autênticos financistas — asseverou Klaus von Werner. — A
despeito dos seus milhões de suas empresas, ele apenas
finge entender de finanças. É, basicamente, um playboy e
nada mais. Não é um adversário á nossa altura.
— Talvez compareça acompanhado de seus secretários
— advertiu Douglas. — Nesse caso, o trabalho será muito
mais árduo.
Houve uma troca de olhares inquietos e o presidente do
Conselho, Benzo Volpini, tornou a puxar o lóbulo da
orelha, pensativo.
— Não havíamos contado com essa... Se aqueles seis
linces forem com ele, a coisa será difícil
— Os homens não são muito espertos quando têm
mulheres por peito — insinuou Agatha Rutheford.
— Que pretende dizei? — indagou Volpini, arqueando
as sobrancelhas.
— Conseguirei seis jovens belíssimas para manterem
ocupados os seis cavalheiros. Quando eles descobrirem,
Kirkpatrik já terá firmado o documento de venda das ações.
— Boa idéia — aprovou Volpini, cuja fisionomia se
desanuviou. — Bem, todos a trabalhar na parte que lhes
cate. Algo mais de importante, Leona?
— Nada mais.
— Então, mãos à obra. Quando mister Kirkpatrik sair da
minha vila, estou certo de que terá aprendido muito a
respeito de altas finanças
***
— Funciona bem? — perguntou o playboy.
— Perfeitamente — afirmou o secretário que estivera
usando o telex.. — Já transmiti suas decisões a Pittsburgh,
Horace. Algo mais que exija instruções?
— Sim umas eu mesmo me incumbirei delas.
— Não se dê ao trabalho. Eu posso...
— Quero fazê-lo pessoalmente.
— Como queira. Vou tomar um drinque.
— Prepare outro para mim. Okay?
O secretário saiu do quarto situado no andar térreo onde
estava instalado o telex como complemento final do
escritório volante do playboy mais famoso do mundo.
Kirkpatrik olhou para, o transmissor, sorriu secamente e
começou a transmitir sua mensagem.
***
A muitos quilômetros dali, em um gabinete decorado
com bastante seriedade e conforto, vários homens
focalizavam um tema que, evidentemente, os preocupava
demais. Na parede, a bandeira dos Estados Unidos e o
retrato do Presidente Richard Milhous Nixon.
— Outra companhia petrolífera comprada — dizia um
dos homens. — Desta vez, na Venezuela. Bem... Comprada
não é a palavra certa. Digamos que foi posta em mãos de
um novo presidente do conselho. Eu me pergunto se os
venezuelanos não estão, realmente, percebendo a jogada.
— Por que haveriam de perceber? — disse outro. —
Afinal, para eles, o novo homem que dirige essa companhia
deve ser da máxima confiança.
— E talvez seja — interveio mais outro. — Não
esqueçamos que só nos acodem suspeitas.
— Suspeitas! — protestou o que falara primeiro. —
Temos muito mais que isso! Nossos homens no continente
sul-americano nos têm informado sobre o grande
movimento de pessoal nas companhias petrolíferas. Muitas
delas foram postas em mãos de acionistas desconhecidos
que, praticamente, podem reger os destinos da firma a
qualquer momento e como bem lhes aprouver. Em outras
companhias, que não puderam ser compradas por terem sido
nacionalizadas, os diretores foram substituídos... Isto acaba
de acontecer de novo na Venezuela. Já temos uma opinião
bem formada a respeito e sabemos que, se as coisas
continuarem nesse pé, dentro em breve todas as companhias
petrolíferas sul-americanas estarão controladas por
desconhecidos, os quais as terão adquirido pela compra de
todas as ações, ou da maioria; ou, ainda, por intermédio do
pessoal que estão infiltrando nos altos postos...
— ... com o que tais desconhecidos poderiam imprimir
as diretrizes do seu interesse, certos de que seriam seguidas
por esse pessoal infiltrado... — continuou outro cavalheiro.
— Isto significa muitos milhões de dólares —
completou o primeiro.
— E daí? Há gente que não se assusta com dinheiro
algum. Quando se coligam vários financistas desse tipo,
nem vale a pena cogitar dos milhões que podem reunir.
— Um grande império econômico... — murmurou outro,
pensativo. — E todos sabemos que do poder econômico ao
poder político a distância é pequena. Se controlarem todo o
petróleo da América do Sul, ou, pelo menos, a maior parte
dele, terão ao mesmo tempo o poder econômico e o poder
político. A pressão desses financistas desconhecidos será tal
que poderá alterar por completo toda a política continental.
É um risco tão grande que não podemos permitir de modo
algum.
— Enviar apenas um homem para solucionar tudo isso
não me parece suficiente — murmurou outro dos presentes.
— É prematuro para se falar nisso. De mais a mais,
Kirkpatrik não foi enviado em plano de ação, mas
simplesmente para ver o que consegue averiguar. Há
demasiados personagens importantes reunidos em Santas
Islas. São altos financistas. Ultimamente muitos deles
compraram mansões nesse país, parecendo instalar-se por
tempo indefinido. Conseguimos as ações da Compañia
Petrolera La Marimba para introduzir Kirkpatrik nesse
círculo financeiro. Se algo cheirar mal no meio deles
nenhum outro nariz melhor que o de Kirkpatrik para farejar.
— Não duvido disso, mas... é apenas um homem. Se
perceberem que ele está farejando, sem dúvida o
eliminarão.
— Eliminar Kirkpatrik? — sorriu o chefe dos reunidos.
Os demais também sorriram e aquele que fizera objeções
acabou por também sorrir erguendo a não.
— Está bem, está bem... Conheço Kirkpatrik tão bem
quanto vocês. Porém em assuntos dessa envergadura nunca
se sabe o que pode acontecer. Suponhamos que de descubra
algo, que chegue a encontrar uma boa pista. Que poderá
fazer sozinho?
— Isso é com ele. Sempre faz coisas a contento.
— De acordo. Enfim, esperemos que tudo seja um falso
alarma e essas pistas sejam... casuais, que não tenham
sentido duplo. Até Kirkpatrik poderia ver-se em apuros
metido em tal formigueiro, porque...
A porta do gabinete se abriu e um homem entrou com
um papel nas mãos. Olhou para o homem que estava
sentado atrás da mesa e disse:
— Kirkpatrik, senhor. Acaba de enviar uma mensagem
cifrada pelo telex.
— Já foi decifrada?
— Já, senhor.
Deixou a mensagem sobre a mesa e o chefe do grupo
leu-a em voz alta:
Noventa por cento de probabilidade de ter acertado no
alvo. Continuo investigando.
Se chegar aos cem por cento passarei imediatamente à
ação decisiva.
Kirkpatrik.

Houve alguns segundos de silêncio, até que um deles


comentou:
— Isso significa que as nossas suspeitas eram certas.
— De fato.
— E metemos Kirkpatrik em verdadeira alcatéia de
lobos disfarçados com pele de cordeiro... Deveríamos
ordenar que escapasse imediatamente e aguardar para o
emprego de uma ação mais bem apoiada.
— Acho que lhe devemos conceder certa margem de
confiança — atalhou secamente o chefe do escritório. —
Quanto a esses lobos com pele de cordeiro, é provável que
aprendam algo com Kirkpatrik. Talvez sejam lobos, mas
nem sequer desconfiam que caiu no meio de sua alcatéia um
tigre com pele de cordeiro... Eu aposto no tigre. E vocês?
Houve risadas e um deles comentou:
— Aposto como esse tigre já está afiando as garras.

CAPITULO QUINTO
Simplesmente faltavam zeros...

Horace Young Kirkpatrik estacou espetacularmente e


comentou de modo afetado:
— Sensacional! Não me ocorre palavra melhor para
defini-la. Será você, mesmo, Leona?
Ela sorriu e deu uma volta à semelhança dos modelos
profissionais, perguntando:
— Que está vendo de diferente em mim?
— Como dizer? Antes, você era bela; agora, é uma
garota encantadora. Foi uma transformação sutil, talvez,
mas perceptível para mim. É como se tivesse derretido parte
do gelo. Compreende?
— Compreendo e... a aposta continua de pé — disse ela,
dando outra volta. — Acha que estou em condições de
comparecer a uma festa acompanhada do multimilionário
Kirkpatrik?
— É digna disso e de muito mais, delícia. De minha
parte, a aposta também continua de pé. Algum defeito no
meu smoking?
Ele também girou, sorrindo ironicamente, segurando as
costuras laterais das calças com as pontas dos dedos. Leona
Wilkins deu uma risada. Estava com um vestido amarelo, de
seda pura, muito curto, sem ombros e com um decote
ousadíssimo. Soltara os cabelos ruivos, o que lhe
emprestava aspecto bem jovial
— O seu smoking está impecável — disse. — Vamos?
Ela olhou ao redor, espantada, talvez imaginando que
algum dos auxiliares do playboy estivesse escondido.
— E seus secretários?
— Estão com a noite livre.
— A... noite?! Mas... não vão à festa?
— Necessito apenas de uma mulher fascinante para ir a
uma festa, querida.
— Pensei que algum deles o acompanharia. Pelo
menos...
— Não permitirei que terceiros participem da nossa
aposta. Estou disposto a fazer jogo limpo, mas também a
ganhar e cobrar sozinho.
— Suspeita de que não farei jogo limpo? — indagou
Leona, com um sorriso zombeteiro.
Ele a contemplava fixamente e baixou os olhos como se
o deslumbrasse a visão de seu conjunto.
— Essa coisa de jogar limpo ou sujo é uma questão de
hábito. A que tipo de jogo está habituada: sujo ou limpo?
— Eu nunca considerei certas coisas como um jogo —
disse ela —, mas quero frisar o meu intento de fazer o jogo
limpo que saiba.
— Já é uma boa promessa. Quer, mesmo, ir a essa festa?
— Não compreendo... Lembrou-se de algo melhor?
Kirkpatrik apagou o cigarro no cinzeiro, pegou-a pela
mão e puxou-a para o sofá, sentando-se com ela. Leona
Wilkins o contemplava com os enormes olhos verdes muito
abertos e não se mexeu nem esboçou o menor protesto
quando ele começou a lhe beijar o pescoço, depois o colo...
Porém sentiu a cabeça dar voltas e percebeu que não
conseguiria resistir se ele prosseguisse. Afastou-o e ficou
olhando para ele, sorrindo, fazendo o possível para
dissimular o tremor dos lábios.
— Chegaremos atrasados à festa... — murmurou.
— Não costumo sujeitar-me á horários. É isso que você
chama jogar limpo? Se não me deixa atacar, nunca poderei
vencer.
— Acho que você está desviando a aposta, Horace. Não
se trata de eu deixá-lo atacar, mas de que eu o deseje. E até
agora não conseguiu fazer-me desejar ser atacada.
— Não sente nada quando a beijo?
— Apenas o desejo de que termine para irmos à festa.
— Ah... Então, devo conseguir que você deseje
colaborar, bem?
— Que esperava? Que me entregasse para vermos o que
acontecia? Isso não seria jogar limpo de sua parte. Terá de
me conquistar.
— Okay — sorriu Kirkpatrik, levantando-se. — Não sou
dos que insistem em momentos inoportunos. Vamos a essa
festa, querida.
***
— Permita-me apresentar o signore Renzo Volpini,
presidente do Conselho Administrativo da Companhia
Nacional de Petróleo de Santas Islas... Signore Volpini, sem
dúvida conhece mister Kirkpatrik através de fotografias.
— É um prazer — sorriu cordialmente Volpini,
inclinando-se, muito à italiana, para estreitar a mão do
americano. — O prazer de conhecê-lo ganhou em
significado quando aceitou o meu convite, mister Kirkpatrik
— O prazer é todo meu — sorriu abertamente o playboy.
— Presumo que passarei uma noite muito agradável,
signore Volpini — acrescentou em italiano, concluindo: —
Foi muito atencioso convidando-me, pois não tinha
obrigação alguma de fazê-lo.
Volpini sorriu ao ouvi-lo falar perfeitamente o seu
idioma de origem e Kirkpatrik soube ver em seus lábios um
sorriso de hiena. Estava acostumado a descobrir o duplo
sentido dos sorrisos. Sem dúvida Volpini já estava
antegozando a vitória, considerando-o fácil presa.
— Por favor! — protestou Volpini, em puro inglês. —
Veio como convidado pessoal, mister Kirkpatrik. Eu
poderia tê-lo recebido em meu gabinete amanhã,
oficialmente, já que se tornou o proprietário de nossa filiada
La Marimba, mas me pareceu que isso seria algo... frio. Não
está de acordo?
— Completamente.
— E... os seus amigos tardarão muito para chegar?
— Que amigos? Eu vim sozinho, naturalmente.
— Deveras? — relampejaram os olhos astutos de
Volpini. — Mais um motivo para nós o atendermos à altura,
pois nos dedicaremos exclusivamente à sua pessoa. Vamos
entrar? Desejaria apresentá-lo a algumas pessoas que o
estão aguardando.
— Vamos.
Transpuseram a grande arcada que dava para o pátio
frontal, profusamente adornado com flores e árvores.
Kirkpatrik olhava para todos os lados discretamente e teve
de conter um sorriso ao entrarem no salão, pois fez-se um
silêncio sepulcral.
A iluminação era tênue, mas suficiente, adequada para
momentos de simpática intimidade. Havia também muitas
flores, bem como arbustos, podendo-se adivinhar que
existia um terraço dando para os jardins. Várias pessoas se
aproximaram, dentre elas um negro colossal, quase tão alto
quanto Kirkpatrik.
— Já conhece a senhora Rutheford, o senhor Espronceda
e o senhor von Werner. Os demais são — foi apresentando
um por um e Kirkpatrik lhes estreitou a mão: — Phil
Douglas, Jonah Browner, Ricardo Varela e James Donovan.
Todos fazem parte do Conselho Administrativo da
Companhia Nacional de Petróleo.
— Realmente? — pareceu desconcertar-se o playboy.
— Perdão? — murmurou Volpini, ele, sim, realmente
desconcertado.
— Quero dizer que estou surpreso. Eu pensava que a
Companhia Nacional estivesse sob a direção de um natural
do país e vejo que, excetuando-se apenas os senhores
Varela e Espronceda, os demais são estrangeiros. Como
permitiu o Governo de Santas Islas que isso acontecesse?
Houve ligeiro silêncio que Volpini não deixou tornar-se
embaraçoso, sorrindo amavelmente.
— Quando perceberam já era tarde demais, amigo
Kirkpatrik Foi mais ou menos o que nos ocorreu no tocante
às setenta mil ações que conseguiu de La Marimba.
Acreditávamos que estivessem em mãos de pequenos
acionistas, aos quais iríamos comprando seus direitos, e, de
repente, aparece Horace Young Kirkpatrik com essas ações
que o transformam praticamente em dono de La Marimba.
Diga: como as conseguiu?
— Não faço a menor idéia — riu-se Kirkpatrik
alegremente. — Um dos meus secretários me procurou e me
disse: “Horace, compramos uma companhia petrolífera em
Santas Islas e vamos ver como vão as coisas por lá. Quer vir
conosco?” Eu decidi vir.
— O que muito nos agradou — sorriu Jonah Browner.
— Esperamos que se demore entre nós, mister Kirkpatrik.
— Não posso garantir. Eu me canso muito depressa dos
lugares. De um momento para outro tomo um avião e
desapareço de onde me encontro. Isso já se tornou uma
espécie de vicio.
— Confiamos em que desta vez consiga dominar esse...
vicio — riu-se Volpini. — Venha, por favor. Quero
apresentá-lo aos demais convidados.
— Okay — disse Kirkpatrik, retorcendo a boca como se
estivesse mascando chicletes. — Especialmente algumas
jovens sensacionais que vejo daqui. Algum inconveniente?
— Nenhum! — desta vez Benzo Volpini sorriu até às
orelhas. — Para falar a verdade, esperávamos que viesse
com os seus secretários e, por isso providenciamos o
comparecimento de algumas senhoritas, a fina-flor da
sociedade da Capital... Todos estão ansiosos para conhecê-
lo e... devo dizer que não foi possível evitar a presença de
alguns jornalistas com os fotógrafos. Como deve supor, são
colunistas sociais, econômicos, desportistas.
— Também esportistas? — surpreendeu-se Kirkpatrik.
— Em Santa Luz, nossa formosa Capital, afirma-se que
se dedicará à pesca do tubarão enquanto os seus secretários
cuidam dos assuntos de La Marimba..
— Oh não, não, não! Isso é falso! Por que sempre
inventam coisas a meu respeito?!
— Um dos inconvenientes de ser tão popular — brincou
Leona.
— Sim, é claro. Bem, terei muito gosto em conhecer
todo o mundo e de atender a cada um segundo os seus
desejos. O ambiente é agradabilíssimo e procurarei ser
amável. Se eu disser alguma inconveniência, confio em que
saibam desculpar-me: é a minha maneira de ser, sem
qualquer má intenção.
— Estamos convencidos disso. Vou apresentá-lo, em
primeiro lugar, ao senhor cônsul do Equador e senhora...
Durante alguns minutos Horace Young Kirkpatrik esteve
apertando as mãos e inclinando-se sobre mãos femininas,
murmurando galanteios que fizeram ferver o sangue de
muitas damas, especialmente das grisalhas. As jovens não
puderam conter os risinhos ante as manifestações de humor
do playboy, cuja presença parecia encher o salão de vida.
Um conjunto interpretava baixinho alguns “paracuás”,
clássicos populares de Santas Islas, de certo modo parecidos
com a excelente bossa-nova. Vários garçons se esgueiravam
entre os convidados, substituindo seus copos vazios por
outros cheios, com uma habilidade assombrosa.
— É uma reunião encantadora — comentou finalmente
Kirkpatrik. — Os meus secretários se morderão de raiva
quando eu lhes disser o que perderam. Não seria possível
levar essas garotas para a nossa mansão?
Houve um coro de risos em torno do playboy, que sorriu,
fez um sinal para um dos garçons e, quando este se
aproximou, pegou uma taça de champanha com cada mão,
bebendo as duas de enfiada, sem respirar, para assombro de
todos. Repôs as taças na bandeja, esfregou as mãos e gritou,
alegremente:
— Vamos ver como me saio neste baile tão alegre. Com
quantas garotas posso dançar de cada vez?
Novas risadas Porém Leona Wilkins não riu.
Empalideceu ligeiramente e ficou imóvel, com uma
expressão de ausência, hermética. Aparentemente,
Kirkpatrik se esquecera por completo dela, pois começou a
dançar com a garota mais próxima, fazendo sinais para que
as outras formassem um cordão atrás dele. As jovens
gostaram da idéia e aderiram depressa. Em menos de dois
minutos o playboy havia transformado a elegante recepção
em autêntico baile de carnaval brasileiro.
***
— Está gostando, mister Kirkpatrik?
— Ah, signore Volpini, muito obrigado! Que festa! Um
pouco ingênua, não há dúvida, mas um festão! Quer tomar
uru uísque?
— Não, obrigado. Já bebi bastante... Mas terei muito
prazer em acompanhá-lo ao bar.
— Muito bem, muito bem... Não acha que estou um
pouco bêbado?
— De modo algum! — mentiu Volpini, contendo um
sorriso.
— Isso quer dizer que posso tomar outro copo! E você
terá de beber comigo, Volpini! Não faltava mais nada!...
— Se insiste... Estou satisfeitíssimo de ver que a minha
festa o está divertindo bastante. Quem parece não estar
gostando da festa é miss Wilkins...
— Quem? — indagou Kirkpatrik, já diante do bar e
fazendo sinais muito expressivos para um garçom.
— Leona Wilkins.
— Wilkins... Wilkins... Wilkins... O nome não me é
estranho, mas já conheci tantas garotas deliciosas esta noite
que não sei mais dizer quem é quem. Ah!... Sim! Como já
lhe disse, esta festa me parece um pouco ingênua, amigo
Volpini.
— Em que sentido, mister Kirkpatrik.
O americano passou o braço pelo ombro de Volpini,
fraternalmente, dizendo:
— Horace, amigo Volpini, Horace. Nada de cerimonias
entre nós. Bem, eu diria que suas belas convidadas têm um
sentido muito restrito da... da... como direi?
— Da moral?
— Exatamente! E isso as torna duplamente
interessantes! Já lhe contei a respeito de uma festa que
demos no iate do Mont-Shark? Nós costumamos chamá-lo
“Tubarão”. Você já sabe que shark significa tubarão, é
claro: fala um inglês perfeito... Foi uma festa de arromba,
em alto mar, naturalmente, porque a Polícia Marítima
francesa não a teria permitido em águas de sua judiri...
jusdiri...
— Jurisdição — ajudou-o Volpini, sorrindo
— Isso Juriscio... Bem, disso que você disse... Foi uma
festa que fez ferverem as águas do Mediterrâneo. Não sei
exatamente o que se passou, mas posso contar o final:
quando regressamos a Cannes tivemos de chamar os nossos
criados por telefone, diretamente do iate, para que nos
trouxessem roupas. Até hoje eu me pergunto onde foram
parar as nossas roupas! — tomou-se pensativo.
— Sem dúvida, no mar — sugeriu Volpini. — deve ter
sido uma festa... importante. E pouco séria, não há dúvida.
Oh, a propósito de coisas serias, Horace, quer acompanhar-
me um momento?
— Posso levar o copo? — indagou Kirkpatrik, com
ingenuidade.
— É claro!
— Então, vamos, — concordou o playboy, erguendo o
copo. — Viva!
Esvaziou o copo de uísque e arrebatou outro das mãos
de um garçom, inclinando-se com o braço estendido para
que Volpini lhe indicasse o caminho, que ele percorreu ao
compasso de um “paracuá’ depois de por o copo de uísque
na cabeça. Em se tratando de qualquer outra pessoa, isso se
teria tomado um espetáculo desagradável. Porém em
Horace Young Kirkpatrik não passava de “simpática
ingenuidade”.
Quando se deu conta, estava sentado numa poltrona
confortabilíssima, em uma dependência relativamente
pequena, tendo sentados diante dele Renzo Volpini, Agatha
Rutheford, Klaus vou Werner e Armando Espronceda.
Todos olhavam-no fixamente.
— Puxa!... Que houve?
— Nada digno de menção especial, mister .Kirkpatrik —
respondeu Volpini, muito formal. — Eu apenas o trouxe
aqui para trocarmos impressões sobre negócios.
— Não quero saber nada de... de negócios numa noite
como... como esta...
— Eu lhe rogo que nos atenda. Estivemos pensando que
lhe será um contratempo ter de cuidar dos negócios de La
Marimba. Fica longe do seu país, de seus escritórios
centrais... Por outro lado, os dividendos não são
precisamente elevados. Achamos que não fez um grande
negócio.
— É verdade — admitiu Kirkpatrik. — Nem todos os
negócios são bons.
— Vejamos, mister Kirkpatrik. O senhor angariou
facilmente a nossa simpatia e estamos convencidos de poder
demonstrar essa simpatia de um modo... tangível, prático.
Para o senhor, La Marimba não significa nada; para nós,
que já estamos metidos no negócio de petróleo em Santas
Islas, é mais um negócio que não chegam a nos dar dores de
cabeça. Estamos acostumados. E, enquanto se divertia na
festa, estivemos pensando na melhor maneira de lhe provar
nossa simpatia e amizade.
— Bravos! — exclamou Kirkpatrik, dando pancadinhas
em um dos joelhos de Volpini. — Bravos! Já sei o que farão
por mim: me servirão outro copo...
— Isso, é certo que faremos daqui a pouco tornou a
sorrir Volpini. Porém antes nos consideramos obrigados a
livrá-lo da contrariedade que significa ter de cuidar de La
Marimba
— Formidável! Não me digam mais nada porque já
adivinhei o que querem fazer por mim!
— Adivinhou? — Volpini trocou olhares com os
demais. — Bem... Que adivinhou?
— Vocês me pedirão poderes e dirigirão La Marimba
em meu nome... Cavalheiros, não sabem como lhes fico
agradecido pelo fato.
— Não, não, mister Kirkpatrik, queira perdoar — negou
Volpini, com voz grave. — O que pretendemos fazer pelo
senhor é lhe comprar as ações de La Marimba.
— Comprar as...?
— Nós lhe pagaremos o que pagou por elas, acrescido
de um lucro para compensar os aborrecimentos que já lhe
causaram. Digamos... quatro milhões de dólares. Sabemos
que as comprou praticamente ao par, isto é, por três milhões
e meio. Nós lhe daremos quatro. E como, casualmente, eu
tenho em casa documentos legais de venda, podemos
formalizar a operação aqui mesmo... desde que aceite um
cheque, naturalmente.
— Ora vamos, signore Volpini! É claro que aceito seus
cheques! Jamais me ocorreria pensar que me poderiam
ludibriar! Seria uma atrocidade de minha parte... Espero que
não se tenham esquecido de que pedi cem milhões de
dólares a miss Wilkins... Wilkins! E claro! Agora me
lembro... Que dizia você, amigo Volpini? Que ela não
estava gostando da festa?
— Foi o que lhe disse.
— Oh, com todos os diabos! Que grosseria! Cheguei
com ela à festa, não é verdade? Pois vou procurá-la agora
mesmo para lhe pedir.
— Não lhe parece que seria melhor terminarmos antes
esse assunto de La Marimba?
— Oh, sim... Naturalmente. A proposta que me fizeram
me parece muito mais razoável do que a dela... Não. Quero
dizer que sua proposta me agrada muito mais que os cem
milhões que pedi... Bem, vocês me entendem, não é
verdade? Mas terei de firmar com a minha impressão
digital, porque... Há! Há! Há! Não tenho caneta!
— Isso não constitui obstáculo — riu-se nervosamente
Volpini. — Eu lhe cederei a minha.
— Bravos! Viva La Santa Marimba...! Não... Não é
assim, hem? Eu queria dizer... Viva La Marimba de las
Islas... Não, não, não. Também não é isso. Acabou o
uísque?
— Terá todo o uísque que quiser, dentro de poucos
minutos. Queira vir à mesa, mister Kirkpatrik.
Klaus von Werner ajudou-o a chegar à poltrona que
estava devidamente colocada junto à mesa do gabinete
particular de Renzo Volpini, enquanto este retirava uma
pasta da gaveta. Extraiu dela algumas folhas, colocou-as
diante de Kirkpatrik e lhe estendeu, obsequiosamente, a sua
caneta-tinteiro.
— Quer ter a bondade de assinar?
— Com muito gosto. Oh... Cavalheiros e dama: e o
cheque?
— Aqui está — disse Volpini, separando-o dos demais
documentos.
— Formidável. Então, vamos rabiscar a nossa assinatura
em cada um desses papéis.
Recolheu a caneta de cima da mesa, apoiou a pena em
uma das folhas e os membros do Conselho Administrativo
trocaram olhares de triunfo, sem poderem ocultar seus
sorrisos literalmente arreganhados. Tudo fora tão fácil que
teriam de encontrar um meio adequado para festejar.
— Aqui faltam zeros — disse, de repente, Kirkpatrik.
— Como? — desvaneceu-se o sorriso de Volpini.
— Faltam zeros neste papel — disse Kirkpatrik,
erguendo o cheque. — E nestes também — indicou as
folhas. — Que brincadeira é esta, amigo Volpini?
— Brincadeira? Mas... Não compreendo, mister
Kirkpatrik. Tudo está correto.
— Você é que me deve perdoar, amigo Volpini, mas...
leio claramente quatro milhões de dólares...
— Sim, sim... Eu também leio quatro milhões de
dólares.
— Por isso insisto em que é uma brincadeira. Claro! —
deu uma risada. — Estão fazendo uma brincadeira
formidável comigo! Os meus secretários vão rir de cair no
chão quando eu lhes contar!
— Mas, mister Kirkpatrik, não... não é uma
brincadeira...
— Ora vamos, amigo Volpini! Não me diga que me
quiseram dar um golpe!
— Um golpe?!
— Claro. Estão faltando dois zeros. Quatrocentos
milhões de dólares se escreve com mais dois zeros do que
se vê aqui... ou não?
— Qua-qua-quatrocentos milhões de... de...?
— Não foi o que disse? Eu ouvi muito bem:
quatrocentos milhões de dólares, ou seja, uma proposta
muito melhor do que a feita por mim a miss... miss... Como
se chama?
— Mister Kirkpatrik, eu lhe ofereci quatro milhões e não
quatrocentos milhões!
— Quatro?! — exclamou Kirkpatrik, com voz
estranhamente aguda. — Eu entendi quatrocentos!
— Perdão... Nós lhe oferecemos quatro milhões de
dólares.
Horace Young Kirkpatrik ficou durante alguns segundos
olhando de um para outro como um bobo mergulhado na
maior das confusões. De repente, deixou cair a caneta-
tinteiro e disse:
— Ah... Então, não me interessa. Eu entendi
quatrocentos.
Os astutos das altas finanças olhavam fixamente para de,
com os olhos muito arregalados e pálidos como cadáveres.
— Mas isso é uma exorbitância! — murmurou, por fim,
Agatha Rutheford.
— Talvez, mistress Rutheford. Precisamente por isso eu
ia vender as ações. Quatro milhões de dólares são uma
brincadeira para mim!
— Ganharia meio milhão sem fazer nada...
— Nada? Viajei, tive de atender a repórteres, ver caras
novas, deslocar os meus secretários. Como disse que se
chama a garota que não está gostando de sua festa, amigo
Volpini?
— Wilkins — gemeu Volpini. — Leona Wilkins.
— Ah, sim... Pois vou ver se consigo diverti-la um
pouco. Ciao!
Saiu do gabinete depois de recolher o copo de uísque
vazio, deixando os seis membros do Conselho petrificados.
Por fim, Espronceda sibilou;
— E agora, Volpini? Posso incumbir-me de tudo, se
você quiser. Se esse camarada meter o nariz nos nossos
assuntos nos causara serias dores de cabeça. Não se trata
apenas das setenta mil ações, mas do que de poderá vir a
fazer. Irá indagando e se metendo em todos os nossos
assuntos...
— Que o matem — deixou escapar Volpini, ofegante. —
Que o matem ainda esta noite!
— Mas que seja bem feito, Espronceda... —
recomendou Agatha.
— Quanto a isso, não tenham o menor receio — afirmou
Espronceda.
— Seja como for — arquejou Volpini, furioso — mas
que o matem!

CAPITULO SEXTO
O castigo refletido no espelho...

Kirkpatrik fez cara de culpado e disse:


— Mereço até que me matem. Sei que está aborrecida e
que a culpa é toda minha.
Leona Wilkins ergueu a cabeça e olhou fixamente para
ele.
— Não me estou aborrecendo.
— Deveras? Se me der a certeza disso, continuarei na
festa com as outras garotas. É formidável! Como
reservaram seis jovenzinhas para os meus secretários, elas
estão sobrando e ao meu dispor. Inegavelmente, são muito
bisonhas. Posso sentar-me?
— É o convidado de honra, devendo-se supor que o
jardim seja inteiramente seu.
— Tenho jardins melhores em vários lugares — sorriu
Kirkpatrik, sentando-se no banco junto a Leona e cheirando
o ar exatamente como faria um animal em busca da presa.
— Contudo, não se passa mal aqui. É um bonito jardim.
Vejo que escolheu um banco bem afastado. Estava à minha
espera?
— Não.
Kirkpatrik acendeu dois cigarros e entregou um a Leona,
que o recebeu com gesto brusco, sem olhar para o playboy.
— Os seus amigos quiseram fazer uma brincadeira
comigo — disse ele. — Imagine que pretendiam comprar as
minhas ações de La Marimba por quatro milhões de dólares.
— Você deve ter afirmado que deseja cem milhões, não?
— Oh, não... Eu nunca me repito. Limitei-me a declarar
que elas valiam quatrocentos milhões.
— Está louco?!
— Tomei muito uísque e champanha, mas isso não é
suficiente para me enlouquecer. Já lhe contei a respeito da
aposta que fiz com um cossaco? Teríamos de...
— Não me interessam as suas histórias.
— Oh... Então, será melhor deixarmos a festa. Vou levá-
la à sua casa.
— Engraçado! Nem sabe onde moro!
— É o que você imagina. Pois escute: Avenida Alpina
288. Telefone 244-326. E um bonito chalé sem grandes
pretensões, porém muito adequado para você, tão solitária,
tão triste, tão aborrecida...
— Como sabe?!
— Da sua solidão?
— Como sabe o meu endereço?
— Tive uma idéia genial e originalíssima que a ninguém
até hoje ocorreu: consultei o catálogo de telefones. Posso
levá-la, embora seja muito mais lógico você me levar a
minha mansão. A não ser que ficássemos os dois na sua
casa...
— Já enjoou da festa?
— Consideravelmente. Na verdade, todas são iguais,
diferindo apenas em pequenos detalhes secundários.
— Não estou muito disposta a conversar.
— Bem. Eu já o imaginava. Foi por isso que propus
levá-la à sua casa., Lá chegados poderíamos passar da
conversação à ação. Tenho por certo que a aposta continua
de pé.
— Continua, mas você terá muito trabalho para me...
degelar.
— Ficará surpresa de ver como me é fácil degelar uma
mulher bonita, Leona.
— Você não passa de um presunçoso, um estúpido,
um... um... um animal, Horace.
— Creio chegado o momento mais oportuno para levá-la
daqui. Vamos?
Leona Wilkins ficou olhando para ele durante alguns
segundos e começou a se levantar no momento exato em
que se ouviu um psiu prolongado por trás deles. Ambos se
viraram e viram um dos convidados fazendo sinais para
Leona.
— Parece que a estão chamando, querida.
— Você se incomoda?
— Em absoluto. Quando cansar de conversar e dançar,
venha buscar-me aqui. Não tenho mais vontade de entrar.
Leona se afastou e Kirkpatrik acendeu outro cigano com
a guimba do primeiro, na verdade ainda inteiro. Começou a
cantarolar e se surpreendeu de ver Leona voltar apressada e
postar-se diante dele, com os olhos muito abertos.
— Se quiser pode partir, Horace. Encontrei uma
companhia que me é muito mais grata.
— Absurdo. Completamente absurdo, querida.
— Para você, talvez. Eu fico.
— Bem... Posso confiar em que passará pela minha casa
para me apanhar amanhã? Quero visitar diversos lugares.
— Está bem. Eu irei sem falta.
— Não vá muito cedo, por favor. Digamos... às onze.
Quando bebo muito, como hoje, durmo demais.
Francamente, Leona, você não está fazendo jogo muito
limpo.
— Você me deixou a noite inteira de lado, como se eu
fosse... um brinquedo velho. Que podia esperar?
— Talvez. Divirta-se. Oh, por favor: quer transmitir as
minhas despedidas a todos?
— Fique tranqüilo. Já conhece o meu carro. A chave
está no painel.
— Algum dia será roubado... — disse Kirkpatrik, com
desinteresse, espreguiçando-se. Ciao!
— Até amanhã — disse Leona, baixinho, com voz
rouca.
Afastou-se na direção do terraço, deixando-o sozinho no
jardim. Kirkpatrik se espreguiçou de novo e saiu
caminhando pelo jardim até ao pátio, indo direto para o
conversível de Leona Wilkins. Pouco depois saía da vila de
Renzo Volpini e sorria ao ver pelo retrovisor o carro que o
seguia com as luzes apagadas.
Em menos de três minutos alcançou a Auto-pista
Andina, que rodeia as montanhas próximas ao mar,
subindo-a a grande velocidade para descer logo depois a fim
de chegar à mansão que lhe fora reservada pela Companhia
Nacional de Petróleo de Santas Islas. À direita ficavam as
escarpas e, a esquerda lá embaixo, Apacicha, a pequena
cidade-satélite de Santa Luz. O playboy franzira a testa
várias vezes ao constatar que o carro perseguidor não se
aproximava, conservando-se o tempo todo mais ou menos à
mesma distância. Parecia tratar-se de gente que pretendia
intervir diretamente, como os abutres contemplando do céu
as matanças à espera do seu festim.
De repente o volante se desprendeu da árvore de direção
e ficou em suas mãos. Por mais que ele tentasse reencaixá-
lo nas estrias, nada conseguia. E o carro continuava
descendo sem governo. As curvas ainda não eram muito
fechadas, porém o veículo se aproximava cada vez mais do
precipício.
Com uma serenidade espantosa, Kirkpatrik desligou a
ignição e apertou o freio de leve. Este não respondeu. A
velocidade aumentava vertiginosamente. O playboy
lembrou-se de debrear para engrenar a segunda mas se
lembrou de que estava num hidramático.
Olhou de novo para o retrovisor, tomando a ver o carro
com as luzes apagadas. Agarrou a alavanca do freio de mão
e puxou com violência. Sentiu cheiro de lonas queimadas e
o cano diminuiu bruscamente de velocidade, para logo
aumentá-la outra vez. Dirigiu os olhos cor de aço para a
curva imediata e sua fisionomia se contraiu. A única
alternativa, que não dependia em absoluto de sua vontade,
seria o carro chocar-se com o barranco antes de se precipitar
no abismo. Ele morreria na estrada, em vez de morrer no
despenhadeiro...
Os dois indivíduos que estavam no assento dianteiro do
outro carro viram o conversível sair da faixa asfaltada e
sorriram. Era, de fato, um espetáculo emocionante: o carro
percorreu alguns metros do acostamento e se precipitou no
ar, começando imediatamente a girar como um brinquedo.
— Pare! — gritou um deles. — Vamos ver o que
acontece!
O carro parou e os dois desceram, correndo para a beira
do abismo, chegando a tempo de ver o conversível se
incendiar, logo explodindo. Ficaram contemplando o
sinistro espetáculo com os rostos avermelhados pela luz das
chamas e um deles comentou:
— Que lamentável acidente.
— Terrível... — disse o outro.
— Trágico...
— Pobre mister Patrick
— Morrer na flor da idade, cheio de milhões de
dólares...!
Os dois começaram a rir.
— O povo de Apacicha verá o fogo e muita gente vira
ver. Nada temos a fazer aqui.
— É claro: já fizemos:
— Somos peritos em preparar carros para... acidentes
lamentáveis.
— Não podemos demorar mais aqui. Pode surgir um
carro e não nos convém que nos vejam no local do acidente.
Vamos!
Correram de volta para o carro, entraram e o que se
colocou ao volante olhou pelo retrovisor por mero hábito,
ficando gelado de espanto. Deu um grito, virou-se no
assento e levou a mão ao coldre axilar. Porém um punho
negro se projetou do assento traseiro, atingindo-o na boca
com tal violência que de, depois de chocar-se com o
volante, e depois com o encosto do assento, caiu do carro,
ficando estendido de bruços no chão.
O outro também começara a se virar, porém como não
vira coisa alguma pelo retrovisor fizera-o com certa
lentidão, movido por simples curiosidade. Uma mão
enluvada de preto agarrou-o brutalmente pela garganta,
enquanto outra mão igual o segurava pelos cabelos. Quis
gritar e se lembrou de sacar da arma, porém a mão que o
segurava pelos cabelos e tinha o pulso apoiado em sua testa
realizou um movimento brusco para trás e para a direita,
ouvindo-se um seco estalido. Fratura da coluna vertebral.
Ouviu-se um gemido do lado de fora e Kirkpatrik abriu a
porta traseira, saindo tranqüilamente do carro. O indivíduo
começou a se erguer, tomando a levar a mão ao coldre.
Kirkpatrik deixou que ele sacasse da arma e lhe aplicou
violento pontapé na mão. O revólver foi parar longe e o
homem, que já estava quase de pé, caiu de joelhos,
ofegante.
— Eu lhe sugiro que fique quieto e aceite a mudança de
situação — disse o playboy. — Não se esqueça de que lhe
poderão acontecer coisas piores.
O homem deu um rugido de indignação, recolheu uma
pedra e se levantou, disposto a esmagar com ela a cabeça do
elegante americano.
Como prêmio de suas más intenções, recebeu tremendo
pontapé no ventre, caindo a fio-comprido. O golpe foi tão
brutal que o próprio Kirkpatrik temeu ter-se excedido.
Inclinou-se sobre o indivíduo e constatou que de fato
calculara mal a força do golpe: o homem estava morto.
Sem se alterar, segurou o tomem pela gola da camisa e
arrastou-o para o assento traseiro do carro. Entrelaçou os
dedos para empurrar e ajeitar melhor as luvas pretas,
sentou-se ao volante e zarpou dali.
Cinco minutos depois deixava o carro com os dois
cadáveres sob frondosos pinheiros, ao pé das montanhas.
Tirou as luvas e as ocultou em um bolso interno, secreto, do
smoking. Meteu as mãos nos bolsos e saiu caminhando pela
estrada.
Horace Young |Kirkpatrik assobiava, contentíssimo.
Finalmente lhe haviam possibilitado a certeza absoluta de
estar na pista que ele buscava.
CAPITULO SÉTIMO
O amor se alcança pela vaidade...

O homem que parecia ser o chefe dos secretários de


Horace Young Kirkpatrik escutou a Leona Wilkins sorrindo
cortesmente, mas quando ela terminou sacudiu a cabeça.
— Deve haver um erro, miss Wilkins. Eu lhe garanto.
— Não há erro algum! — quase gritou a ruiva — Será
que não consegue entender? Emprestei o meti carro a mister
Kirkpatrik e o carro despencou num abismo! Alguns
moradores de Apacicha acorreram ao lugar onde caiu o
carro, na manhã de hoje, encontrando-o completamente
queimado. E eu lhe asseguro que mister Kirkpatrik está
dentro desse carro! Tinha bebido muito e...
— Miss Wilkins, deixe-me explicar...
— Não lhe cabe explicar coisa alguma! Eu já disse e
repito que mister...
— Que houve, Mike? — indagou uma voz do alto da
escada.
Leona Wilkins ergueu a cabeça, suspirou e empalideceu,
parecendo prestes a desmaiar. Mike limitou-se a se virar,
sorridente, explicando:
— É miss Wilkins, Horace. Estava preocupadíssima por
causa do acidente com o automóvel. Tentei explicar que
você teve sorte, porém ela se negou a me ouvir. Talvez ela
lhe dê mais atenção.
Horace Young Kirkpatrik, vestindo um robe de seda,
desceu a escada e se aproximou de Leona Wilkins
mancando. Tinha o pé direito enfaixado e o braço do
mesmo lado numa tipóia colorida. Viam-se, além disso,
diversas escoriações ligeiras no rosto. Acariciou o rosto de
Leona com a mão esquerda.
— Pobrezinha — disse, com doçura. — Pensou que eu
tivesse morrido no acidente!... Venha, querida. Vamos para
a sala. Mike: quer pedir a Ophelia que nos sirva café?
— Imediatamente, Horace.
— Será melhor sentar-nos, querida. O pé dói
terrivelmente.
— Mas você... você devia estar...
— Morto? Eu sei. Foi realmente horrível. Quando me
lembro do que aconteceu ao carro meus cabelos ficam de
pé. Ainda está zangadinha?
— Não... Claro que não, Horace.
— Que alívio. Ontem bebi demais. Isso sempre acontece
quando me divirto bastante. O pior é que me torno um
estúpido. Não me portei como um estúpido com você,
ontem à noite?
— Bem...
— E o acidente... Eu sabia que não podia dirigir naquele
estado mas não quis pedir-lhe que me trouxesse. E como
você havia encontrado uma companhia mais agradável...
Escute! — mostrou-se alarmado, deixando-se cair na
poltrona — Todos acreditam que morri?
— Bem... Eu pensei... Como o carro...
— Oh, sim. É preciso desmentir isso imediatamente,
para evitar que a notícia chegue aos Estados Unidos e as
coisas se tomem desagradabilíssimas para todos. Devemos
comunicar o desmentido à Imprensa. Talvez você não
acredite, mas tenho sempre duzentos e cinqüenta detetives
particulares a meu serviço. Se lessem a notícia da minha
morte, viriam para cá imediatamente. São muito
desconfiados e... o Secretário de Justiça é muito meu amigo,
de modo que também tomaria suas providências. Eu por
acaso já lhe disse que Hoover e eu somos amicíssimos?
Como deve saber, ele é o diretor do Federal Bureau of
Investigation, o mundialmente famoso e respeitado FBI. Os
meus secretários se incumbirão do desmentido servindo-se
do telex. Já lhe contei como aconteceu?
— Não...
— Bebi demais. Eis tudo. De repente, na descida da
montanha, percebi que não mais podia controlar o carro. É
estranho, porque já dirigi em piores condições, mas, enfim...
Percebi que não conseguia dominar o seu conversível e,
quando de se aproximou do precipício, decidi fazer algo.
Saltei. Por sorte havia moitas de mato no barranco.
Amorteceram o impacto. Mas também havia pequenos
espinheiros. Veja como me deixaram o rosto!
— É... Você... saltou do carro?
— Que mais podia fazer? Saltei, caí em cima das moitas,
levantei-me e vim para cá a pé. A essa altura não sentia dor
alguma, mas logo depois de chegar... Santo Deus!
— Você devia ter... avisado...
— Nem pensei nisso. Queria apenas chegar para ser
tratado pelo meu secretário Bay. Ele é o meu médico
particular. Agora, estou disposto a tudo. Novo em folha,
como se costuma dizer. Ah, Ophelia, sempre tão amável...!
— disse à secretária que chegava com o café. — Que
cheiroso! Quer fazer-me um favor, Leona? Eu gostaria de
visitar as instalações de La Marimba e da Companhia
Nacional... Gostaria, em especial, de visitar o signore
Volpini. Não me recordo exatamente do que se passou
ontem à noite e temo que me haja portado com muita
inconveniência diante de tão amável cavalheiro.
— Não se lembra?
— De nada. Sinceramente
— Você pediu quatrocentos milhões de dólares por suas
ações de La Maninha.
— Quatroc...?! Que enormidade! E eles concordaram?
— Claro que não!
— Que alivio! Não gosto de achacar... Vou trocar de
roupa para que você me leve à casa do signore Volpini.
Passou bem a noite?
— Não.
— Não? Pois eu pensei... Enfim, isso é coisa íntima.
Vou dizer-lhe algo que não digo a qualquer uma: você está
luminosa.
— Luminosa?
— Descrevo assim as garotas que têm uma luz especial
nos olhos. A luz do amor. E uma luz que expressa ao
mesmo tempo alegria e sofrimento. A mulher que tem essa
luz nos olhos está enamorada e... sofrendo. Espero que o
seu sofrimento não seja por minha causa.
— Por quê?
— Para falar a verdade, eu lamentaria que você se
tivesse enamorado de mim. As mulheres ficam menos
tempo em minha vida que uma gravata. Não costumo
demorar para me vestir. Um momento...
***
O aparecimento de Horace Young Kirkpatrik na
Gerência da Companhia Nacional de Petróleo foi uma
bomba. Ele chegou mancando e com o braço direito
imobilizado, mas sua presença física era uma realidade. A
surpresa que sacudiu Renzo Volpini nos alicerces foi logo
substituída pela interrogativa: onde estariam os dois homens
que seguiram o americano? Como não tinham aparecido,
todos acreditaram que o atentado fora um êxito. Após as
explicações e atitudes hipócritas do caso, Volpini chamou
Espronceda à parte, murmurando:
— Verifique o que aconteceu; o que houve com Gómez
e Tejón. Quero saber o quanto antes.
Enquanto isso, Kirkpatrik olhava para todos os lados
com visível curiosidade. Aquele gabinete, como todas as
demais dependências da Companhia, não tinha janelas,
sendo o ar renovado por um sistema de ar condicionado
central e a iluminação, indireta, feita com luz fluorescente
imitando quase à perfeição a luz solar. Todas as instalações
dessa organização eram subterrâneas, sem dúvida para
estarem a salvo da canícula, pois a temperatura externa
ascendia normalmente a quarenta graus.
Kirkpatrik teve a impressão de que os corredores muito
amplos e as salas formavam um conjunto semelhante ao
aparelho circulatório humano, com o sangue substituído
pelo ar condicionado.
— Bem, mister Kirkpatrik, talvez lhe agradasse ver as
nossas instalações burocráticas — disse Volpini.
— Eu já tive o prazer de vê-las. Miss Wilkins teve a
gentileza de me proporcionar essa distração enquanto
aguardávamos a sua chegada.
— Ah.. Então, já conhece o nosso formigueiro... ótimo.
Que acha dele?
— Muito prático. Quem está de fora não pode imaginar
que exista aqui tão complexa rede de escritórios e serviços.
Mas eu não vim para ver essas coisas. A verdade é que —
sorriu de modo encantador — não me lembro, mas miss
Wilkins afirmou que lhes pedi... bem... quatrocentos
milhões de dólares por minhas ações.
— É verdade.
— Devo ter causado uma impressão lamentável e lhe
rogo que me desculpe.
— Está desculpado. Eu me pergunto se reconsiderou a
nossa proposta, mister Kirkpatrik.
— Que proposta?
— Quatro milhões de dólares.
— Quatro? Espere... Não lhe parece...?
— Tudo depende do ponto de vista. Que tal... digamos,
cinco milhões?
— A verdade é que eu esperava ganhar mais nessa
transação.
— Talvez cem milhões...
Kirkpatrik olhou para Leona, que parecia tensa,
angustiada, e começou a rir.
— Não, não... Os cem milhões também constituíram
uma brincadeira. É que... não gosto que me pressionem,
signore Volpini.
— Compreendo. Mas não tenho essa intenção. Estou
apenas fazendo uma proposta. Se vender, ganhará um
milhão e meio de dólares.
— É pouco.
— Bem Mister Kirkpatrik — Volpini se debruçou sua
mesa: — não compreendo como os seus secretários
conseguiram comprar essas ações, mas não faremos mais
comentários a respeito. Posso dar seis milhões por essas
setenta mil ações. Nem mais um centavo.
— Não sei... Posso pensar?
— Naturalmente. Se perguntar aos seus secretários, eles
dirão que será uma operação vantajosa.
— A questão é esta, signore Volpini: não quero
consultá-los.
— Não? Por quê? Segundo me consta, está rodeado de
um pessoal competentíssimo
— Demais. Porém noto que me vêm escapando assuntos
dos quais eu deveria cuidar pessoalmente. Os meus
secretários são de tal forma hábeis que começo a me sentir
um inútil. Quero tomar a iniciativa em alguns assuntos.
Neste, por exemplo.
— Compreendo. A sua atitude, tomando as rédeas do
seu império econômico, é digna dos mais altos empresários,
mister Kirkpatrik.
— Obrigado. Tem pressa da resposta?
— Bem... Não muita. Porém o quanto antes soubermos
em que pé estamos, melhor.
— De acordo. Passarei o dia de hoje pensando — disse o
playboy sorrindo como quem procura desculpar-se de sua
incapacidade para decidir com presteza. — Mas acontece
que não consigo pensar em coisa alguma quando não tenho
uma garota ao meu lado... Não lhe seria possível dispensar
os serviços de miss Wilkins por hoje?
— Perfeitamente! E creio que ela não terá nenhuma
objeção.
— Nenhuma... — murmurou a ruiva.
— É estranho — disse Kirkpatrik. — Pensei que ela
fosse uma espécie de empregada da Companhia.
— Oh, não! Absolutamente!
— Mas... miss Wilkins me foi enviada como chefe do
comitê de recepção e me declarou estar incumbida das
relações públicas.
— Deve haver um mal-entendido, mister Kirkpatrik.
Miss Wilkins é um dos mais fortes acionistas da Companhia
e membro do Conselho Administrativo. Acontece que ela é
extremamente simpática e decidimos nomeá-la para recebê-
lo de maneira adequada, tomando agradável a sim estada
em Santas Islas. Ela aceitou, encantada.
— É verdade, delícia?
— É!
— Como a vida é cheia de surpresas! Estive, até há
pouco, convencido de que ela era uma de suas escravas,
signore Volpini.
— Escravas?
— Refiro-me a estes escritórios. Parecem, dependendo
do ponto de vista, uma prisão subterrânea. Estão sempre tão
cheios de gente?
Renzo Volpini fez o possível para conservar a paciência.
— Sempre, não. Aqui, como em todos os escritórios, há
um horário de trabalho, mister Kirkpatrik. Trabalha-se das
nove às cinco e meia da tarde. Ninguém trabalha depois
desse horário, a não ser nós, os membros do Conselho
Administrativo, quando necessário. Se há escravos nesta
Companhia, esses escravos somos nós...
— De fato... Bem, ainda não vi as instalações de La
Marimba...
— Não se comparam a estas...
— Está tentando convencer-me de que La Marimba não
vale nada?
— Exato — riu-se Volpini. — Mas tem todo o direito de
visitá-la e ver tudo que ela possui. Miss Wilkins a conhece
perfeitamente.
— Não duvido. Porém acho que, mais do que ver
escritórios e torres de petróleo, eu gostaria de me refrescar e
tomar um pouco de sol. Seria formidável poder mergulhar
numa piscina. Há uma em seu chalé, miss Wilkins?
— Naturalmente.
— E não me vai convidar para conhecê-la?
— Já esqueceu que o esperam em sua mansão para se
deliciar com cardápio deliciosamente confeccionado por
Ophelia?
— Não há um telefone no seu chalé?
— É inevitável.
— Pois, então, telefonaremos dizendo que não me
esperem. A menos que não me queira convidar.
— Está claro que ela ficará encantada de tê-lo como seu
convidado! — Intercedeu Volpini. — Não é verdade, miss
Wilkins?
— Sim... É claro...
— Direi que não me esperem hoje... — declarou
Kirkpatrik. — Necessito de tempo para pensar muito. Bem,
signore Volpini, ate mais ver..
Saiu do gabinete com Leona Wilkins, apoiando-se em
seu ombro. Apenas para constar, porque se de fato deixasse
cair todo o seu peso sobre a ruiva ela talvez entrasse pelo
chão adentro...
Entraram no elevador, que logo subiu à superfície e daí a
pouco os dois saiam a sol aberto, apertando os olhos. O
novo carro de Leona Wilkins estava bem perto e os dois se
acomodaram nele, com a ruiva ao volante.
— Dê uma volta por aqui, sim? — pediu Kirkpatrik. —
Eu gostaria de ver tudo bem.
— Até parece que nunca visitou uma exploração
petrolífera...
— Já vi muitas, mas todas têm sempre algo diferente.
Durante dez minutos estiveram percorrendo o grande
campo cheio de torres, as quais Kirkpatrik observava
atentamente com os olhos semicerrados. Parecia indo
adormecido mas não perdia o menor detalhe. Os olhos cinza
do espião supersecreto da CIA faziam verdadeira
programação para o seu cérebro, que muitos costumavam
considerar eletrônico, dada sua capacidade e precisão de
cálculos. Sem duvida Leona Wilkins teria desmaiado de
espanto se pudesse vislumbrar seus pensamentos, os planos
que ele estava arquitetando. Se pudesse conhecer a sua
mente fria, implacável, matematicamente mortal,
assustadoramente exata.
Por fim, Kirkpatrik bocejou e pediu:
— Vamos para a sua piscina, querida. Nem sei por que
eu quis dar essa volta. Será que adormeci?
CAPITULO OITAVO
Era um choque de torrentes...

Horace Young Kirkpatrik virou-se para Leona Wilkins e


disse, de surpresa:
— Francamente, querida, não sei como consegue viver
aqui.
— Em Santas Islas?
— Não! Neste lugar. A mansão que vocês me
arranjaram é mais agradável; as palmeiras não deixam ver
as torres de petróleo...
— Eu gosto de vê-las e foi por isso que mandei construir
o meu chalé aqui.
Estavam estendidos na grama, à sombra, perto da
piscina. Kirkpatrik havia retirado as ataduras do pé e movia
com relativa desenvoltura o braço direito, embora fazendo,
vez por outra, uma careta de dor. Ele de sunga creme e
Leona com um reduzido biquíni azul-gendarme que fazia
sobressair a brancura de alguns trechos de suas carnes
rígidas ainda não tostados pelo sol.
— Entendo — murmurou Kirkpatrik, após alguns
segundos.
— Entende o quê?
— Quer dar-me um cigarro?
Ela acendeu dois cigarros e lhe entregou um, insistindo:
— Entende o quê?
— O seu desejo de morar em um ponto do qual se vêem
os poços.
— Oh... Pensa que seja por algum motivo especial?
— Sem dúvida. Mas antes quero certificar-me. Diga a
verdade: acertei a respeito de sua trajetória amorosa com os
seus três maridos?
— Acertou. Primeiro, casei-me com um empresário de
Hollywood que fez o possível para me transformar numa
estrela famosa, mas — sorriu com ironia .— os seus
milhões não serviram para me comunicar o menor valor
artístico. Coitadinho de Alex... Sua intenção foi boa.
— Coitadinho... — repetiu Kirkpatrik, achando muita
graça. — Quantos milhões lhe deixou?
— Os suficientes para eu me tomar de certo modo
importante.
— Ah!... E depois? Acertei quanto aos outros dois?
— Completamente. O segundo foi um belo galã
cinematográfico que além de se enamorar realmente de
mim, viu abertas as portas do êxito graças à produtora que
pertencera a Alex. Eu ainda tentava dirigi-la, porém mais
tarde compreendi que seria melhor vendê-la.
— Parece que o cinema lhe foi adverso em todas as suas
facetas.
— É o que parece. O surpreendente foi que, diferindo de
mim, meu segundo marido revelou excepcional talento
artístico, tornando-se famoso rapidamente. E com a mesma
rapidez comecei a perdê-lo. Está claro que a essa altura eu
já não o amava.
— Decepcionada?
— Por completo. Pouco tempo depois apareceu o
terceiro. Tinha seis anos menos que eu. Era um homem
jovial, simpático e muito sociável que ganhava a vida como
profissional do tênis. Tinha o olhar muito meigo parecendo
um menino necessitado de proteção.
— Ao qual você se apressou em dar...
— Cometi esse erro. Foi o casamento que menos durou.
Nessa época eu já havia chegado à conclusão de que não
podia nem devia esperar nada dos homens.
— Um momento — disse Kirkpatrik, espalmando a
mão. — Explique-se direito: nada, em que sentido?
— Em qualquer sentido, especialmente no sentido
amoroso.
— Já se perguntou se a culpa não foi sua?
— Já, e, honestamente, não creio ter sido a culpada.
Algumas pessoas me disseram que eu tinha aspecto
demasiadamente... majestoso, inacessível, e que isso influía
muito. Todos os que me disseram isso foram imediatamente
repelidos por mim.
— É natural.
— Como? Que quer dizer?
— Você percebia que eles não enxergavam um palmo
adiante do nariz, querida. O que se passa com você é que
necessita de um amor tão forte que poucos homens são
capazes de lhe proporcionar. Alguns são de opinião que,
para se fazer um vulcão entrar em erupção, deve-se lançar
uma bomba em sua cratera. É um grave erro. Deve-se
primeiro estudar o vulcão, pois talvez se chegue à conclusão
de que bastará uma pequena bengala para fazê-lo
manifestar-se plenamente.
— Muito observador...
— Diga a verdade, Leona: você não gostaria de
encontrar esse homem capaz de a reativar com um fogo-de-
bengala?
— Esse homem não existe.
— Temos uma aposta — disse ele — e ainda não tive
uma oportunidade de lutar para que se decida a meu favor.
— Não me vai dizer que consegui prendê-lo..
— Ainda não sei, mas parece que está começando a
levar a melhor. Que exigirá se me vencer?
— E você: que exigirá?
— Eu perguntei primeiro.
— Não pretendo responder.
— Então, eu também não responderei — declarou
Kirkpatrik. — Teremos de chegar ao final da aposta para
saber o que cada qual pedirá. E se nada fizermos, nunca
ficaremos sabendo.
— É verdade.
Kirkpatrik puxou-a para si, beijando-a com violência.
Desta vez ela colaborou completamente, mas logo se
assustou com o que começava a sentir e, livrando-se dos
braços do playboy com muita feminilidade, levantou-se,
deixando-o estendido na grama.
— Começo a sentir frio — disse.
— Não será... calafrio?
— Não... Vou ao meu quarto para me vestir.
Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, virou-se
e correu para o chalé. Chegou ao seu quarto e se olhou no
grande espelho do armário. Tinha os lábios trêmulos. Sentiu
um calor repentino que lhe tomou as faces rubras.
Tirou maquinalmente o biquíni e sentou-se na banqueta
da penteadeira, enquanto todo o seu passado desfilou
vertiginosamente diante de seus olhos. Porém a figura de
Horace Young Kirkpatrik se destacava de entre todas,
imponente, gigantesca, avassaladora.
Valia a pena lutar contra o que sentia? Que mais lhe
proporcionaria a vida? Alguns milhões de dólares. Só isso.
Viver sozinha, sem amor, acumulando milhões. Valia a
pena morrer mergulhada em milhões sem dar vazão àquela
torrente que só Kirkpatrik soubera desatar?
— Que devo fazer? — balbuciou, chorosa. — Que
fazer?!
Por certo não a deixariam abandonar o consórcio de
petróleo. Sabia demais que outros já tinham sido
assassinados ao tentarem fazê-lo. Se partisse com
Kirkpatrik, por certo Volpini temeria que ela soltasse a
língua de uma hora para outra e a mandaria assassinar. Não
podia deixar-se levar por aquela torrente de amor! Diria a
Kirkpatrik que havia perdido e...
Soltou um grito ao receber um beijo nas costas é se
levantou de um salto, agitada, trêmula, para se encontrar
nos braços de Horace Young Kirkpatrik.
— Vamos ver quem ganha a aposta?
— Não posso... Não posso...
A negativa foi cortada por um beijo a que Leona Wilkins
se entregou, sem forças para continuar resistindo.
***
— Já é quase noite — disse Leona.
— E? E dai?
— Nada, Horace. Estive pensando.
— Teve tempo para pensar?
— Depois... sorriu docemente a ruiva. — E agora neste
momento de lassidão.
— Que esteve pensando?
— Que posso fazer?
— Se é que entendo bem a pergunta, não quer saber o
que pode fazer agora ou nos próximos dias, mas de sua
vida. Certo?
— Isso mesmo.
— A resposta é muito simples: vivê-la.
— Vivê-la... Mas como?
— E verdade que não sabe viver? — espantou-se
Kirkpatrik, acariciando-lhe a cintura. — Pois é bem
simples: faça tudo que desejar.
— O que eu desejo é estar sempre ao seu lado.
— Não vejo dificuldade alguma. Algo a impede de
partir?
— Não sei.
— Sim.
— Não sabe?! Vou expor a coisa deste modo: ganhei a
aposta e, portanto, tenho o direito de pedir o que quiser.
Certo?
A campainha do telefone assustou os dois. Leona hesitou
um pouco mas se virou para a mesinha de cabeceira e pegou
o fone.
— Sim?
— Leona, é Espronceda. Kirkpatrik está aí?
— Tenha muito cuidado, porque encontramos Tejón e
Gómez. Já sabe quem são. Estavam dentro do carro, mortos.
Não diga coisa alguma! Gómez estava com o pescoço
quebrado como um frango e Tejón morreu de um golpe
tremendo no ventre. Tenha muito cuidado, pois tudo indica
que foram mortos por Kirkpatrik.
— Isso não é possível — murmurou Leona, com voz
abafada.
— Quem poderia ter sido?
— Não sei, mas...
— Só podo ter sido ele, Leona. Agora preste atenção:
vamos matá-lo de um modo direto e para isso você deverá
retê-lo aí durante mais uns quinze a vinte minutos...
— Tenho uma idéia melhor — disse ela.
— Melhor? Não quer entender? Esse sujeito nos estava
enganando. Não veio vender ações, mas com outra
finalidade.
— Imaginemos que não.
— Acho que sim, mas não terei o que perder escutando.
Qual é a sua idéia?
— Telefonarei dentro de quinze minutos...
Desligou e virou-se para Kirkpatrik, que notou
perfeitamente a sua palidez mas se limitou a perguntar, com
indiferença:
— Que houve, amor?
— Nada importante. Que estava dizendo?
— Eu estava dizendo que, tendo ganho a aposta.
— Ganhou? — disse ela, friamente.
— Não entendo a sua surpresa.
— Acho que você não ganhou, Horace.
— Pretende zombar de mim?
— Não seja presunçoso! — retrucou Leona.
— Eu simplesmente passei algumas noras agradáveis
com você. Daí até derreter-se o gelo vai uma distância
considerável. Foi como das outras vezes. Nada de especial.
— Mas há pouco você me dizia que...
— Tolices. Talvez um momento romântico. Você é
bonito, forte, é sábio no amor, mas... comigo fracassou.
— Entendo — disse ele, quase sem abrir os lábios. —
Isso significa que foi você quem ganhou a aposta.
— Exato. Eis o que desejo em pagamento: quero que
venda as suas ações a Benzo Volpini. Vejamos se e um
homem de palavra ou... um charlatão.
Kirkpatrik ficou olhando para ela. Depois levantou-se,
acendeu um cigarro e foi à janela Contemplou as torres de
petróleo e um sorriso duro lhe adelgaçou os lábios. Porém
estava com a fisionomia tranqüila quando se voltou par
Leona, que o contemplava da cama, anelante.
— De acordo — declarou. — Diga aos seu amigos do
Conselho Administrativo que desejo avistar-me com todos
eles aqui dentro de meia hora. Para adiantar que não
venderei as ações por menos de sete milhões de dólares.
Quero ganhar cem por cento, porque nunca opero com
menos. Creio que posso impor o meu preço, não? — sorriu
com sarcasmo.
Leona Wilkins adiantou a mão trêmula pare o fone.
— Vou dizer a Volpini — quase gaguejou.
CAPITULO NONO
Ninguém poderia imaginar...

— Muito bem — expressou Volpini. — Aqui tem o seu


cheque de sete milhões e aqui estão os documentos, já
firmados por mim. Sé falta a sua assinatura, Kirkpatrik.
— E que eu lhes entregue as ações — disse o playboy.
— Isso é um detalhe complementar. Tendo a sua
assinatura.
— Não. Eu faço questão de lhes entregar as ações.
— Trouxe-as para Santas Islas?! — indagou Varela,
incrédulo.
— Naturalmente. Agora posso dizer que vim
especialmente para vendê-las, porém à minha maneira. Não
gostei da maneira pela qual fui obrigado a fazê-lo, mas a
culpa foi minha por fazer apostas nas quais se pode jogar
sujo.
— Não compreendo — disse asperamente Agatha
Ruthefor
— Porém eu compreendo e Leona também. Mas isso já
não importa. Vou buscar as ações na mansão e, ao voltar,
receberei o cheque e firmarei os documentos de venda.
— Podemos ir todos... — começou a sugerir Volpini.
— Não — interrompeu-o Kirkpatrik. — Eu lhes peço
que, depois disso, não se aproximem da vila. Evitem aos
meus secretários e a mim o desagrado de sua presença.
Partiremos pela manhã, bem cedo.
— Como queira — disse duramente Volpini. — Não
temos nenhum interesse em vê-lo, ou aos seus secretários.
Esperaremos aqui.
Kirkpatrik assentiu com a cabeça e se voltou para Leona.
— Posso usar o seu carro?
— Eu dirigirei. Com o pé machucado você não poderá...
— Poderei. Também não a quero ver — encaminhou-se
para a porta do escritório particular de Leona e, ao chegar
ao umbral, voltou-se, encarou a ruiva e concluiu: — Eu a
felicito por seu trabalho.
Afastou-se, mancando. Os membros do Conselho
olharam interrogativamente para Leona Wilkins. Estavam
todos: Phil Douglas, Jonah Browner, Armando Espronceda,
Klaus von Werner, Ricardo Varela, James B. Donovan,
Agatha Rutheford e, naturalmente, Benzo Volpini.
— A que se referia Kirkpatrik? — indagou Donovan.
— Eu lhe armei uma cilada — sorriu Leona — e, como
sabe cumprir sua palavra, nos venderá as ações. São
coisas... pessoais. O importante é que vencemos.
— De acordo — sorriu friamente Volpini. — Isso é o
que importa.
— Resta algo — disse Espronceda. — Gómez e Tejón.
Quem, senão Kirkpatrik, os pode ter liquidado? Insisto em
que esse homem tem um jogo oculto.
— Concordo — expressou Jonah Browner.
— É — admitiu Volpini, puxando o lóbulo da orelha. —
Parece haver algo que não encaixa em tudo isso.
Logicamente, Kirkpatrik devia estar morto e Tejón e Gómez
vivos... Vamos esperar que volte com as ações e assine.
Então, buscaremos o meio de castigá-lo. Desta vez deve
atuar melhor, Espronceda.
— Não haverá falhas, porque eu me ocuparei
pessoalmente do assunto — disse friamente Espronceda. —
Não chegará a desfrutar sequer de um centavo dos sete
milhões de dólares.
***
— Sete milhões — sorriu o secretário Mike. — Nada
mal.
— Vou levar-lhes as ações agora — sorriu Kirkpatrik.
— Acha que caberão numa pasta, Mike?
— Não, porém a maioria delas é de vinte e cinco ou
cinqüenta títulos, de modo que poderemos por todo o maço
em uma de nossas valises. Vou arrumar. Quer que algum de
nós o acompanhe?
— Teme quê me achaquem?...
Mike deu uma risada.
— Oh, não? — exclamou. — Sem dúvida eles se estão
considerando espertíssimos por causa da operação que
acabam de realizar, porém não chegam aos seus pés. Às
vezes eu me pergunto por que ainda nos conserva ao seu
lado, se é o mais astuto businessman do mundo.
— Muito amável. Vamos partir amanhã pela manhã.
Não gosto de um país tão quente que os seus empresários
tem de construir escritórios subterrâneos.
Cinco minutos depois Horace Young Kirkpatrik se
afastava da mansão, levando a valise com as ações no
assento traseiro do carro. Sorria de modo estranho e, em vez
de se dirigir para o chalé de Leona Wilkins, seguiu para os
escritórios da Companhia Nacional de Petróleo. Pouco
depois parava o carro no limite da zona dos poços e descia
rapidamente. Aproximou-se de uma palmeira a as ou uns
arbustos e tirou um envoltório preto de um bolso interno do
paletó. A lua ainda não havia saído e ele não podia ser visto.
O carro estava com as luzes apagadas.
Tirou do envoltório uma pistola automática, adaptou-lhe
um silenciador. Depois, uma lanterna, um pacote também
envolto em pano preto. E uma vestimenta plástica preta
assombrosamente elástica com fecho de contato e tão leve
que devia pesar menos de cem gramas. Em poucos
segundos ficou transformado numa sombra negra. Voltou
para o carro e seguiu seu caminho até chegar ao local
escolhido, isto é, bem perto de onde estava instalada a
geradora que era o coração de todas as instalações
subterrâneas.
Ao longe, junto à instalação externa de recepção com a
entrada para o elevador, viu dois empregados da Companhia
conversando. Estavam uniformizados mas não pareciam dar
importância à sua função de guardas de vigilância noturna.
Ao chegar junto à construção que abrigava a geradora,
descobriu que a porta nem sequer estava fechada. Sem
dúvida isso se devia à necessidade de rápido acesso à
geradora para uma reparação de emergência, pois se ela
parasse de funcionar seda interrompida a renovação de ar e
ninguém poderia permanecer nas instalações subterrâneas.
Desceu a escada de ferro até junto da geradora e a
contemplou durante alguns segundos. Porém deu muito
maior importância aos enormes tubos que abasteciam de ar
renovado as dependências construídas dentro da terra. Sem
vacilar meteu-se em um deles e se felicitou por ser de
chapas de aço inoxidável tão bem soldadas umas as outras
que ele deslizou como um garoto num “escorrega” de
playground.
O único inconveniente era a largura de seus ombros,
porém ele os encolheu e se deslocou durante alguns
segundos, com os pés para a frente, até ver o resplendor do
fundo.
Para frear bastou separar os braços e distender os
ombros, indo parar em uma das grades de entrada de ar. Aí
o tubo sc alargava um pouco e lhe foi possível, com um
pouco de contorcionismo, aproximar o rosto da grade e
espiar.
Avistou um corredor no qual não havia tanta iluminação
quanto durante a sua visita. Após examinar a grade,
descobriu a maneira de removê-la e agiu rápido. Susteve a
grade com os dedos e saltou para o corredor. Virou-se e
repôs a grade em seu lugar. Pôs o capuz negro com dois
pequenos orifícios para a visão e, empunhando a
automática, percorreu aquele corredor, logo passando a
outro, depois a outro.. Lembrava-se perfeitamente da
distribuição dos escritórios, de modo que num instante
alcançou o departamento burocrático. Transpôs ligeiro
varias portas, parando finalmente diante da que tinha a
inscrição: Pessoal.
Não via ninguém, não ouvia ruído algum.
Introduziu uma gazua especial na fechadura deslocou os
vários cilindros e, depois de ouvir um estalido
característico, empurrou a porta. Observou atentamente o
portal, cm busca de um possível sistema de alarma.
Aparentemente não havia essa medida de segurança.
Fechou a porta e, ajudado pela tênue luz vinda do corredor
através da porta de espesso vidro fosco, localizou os
fichários. Valendo-se de diminuta lanterna de pilha
examinou rapidamente as pastas, convencendo-se de não
estar ali o que de buscava.
Voltou para o corredor e continuou até chegar diante da
porta do gabinete de Reino Volpini. Hesitou um pouco,
duvidando de que Volpini tivesse relaxado a segurança não
instalando um sistema de alarma.
Abriu a porta com a gazua e constatou que também ali
não havia alarma. Não obstante, quando entrou no gabinete
foi acometido de uma sensação de ter metido os pés uma
armadilha.
Era uma impressão demasiado forte para que ele a
subestimasse.
Levou três minutos para descobrir onde Volpini havia
mandado instalar seu cofre-forte particular. Atrás de um
painel da parede forrada de papel. Levantou o capuz e
encostou o ouvido à parede do cofre, começando a
manipular o disco do segredo.
Transpirava abundantemente quando conseguiu abrir o
cofre. Não havia alarma de espécie alguma. Num instante
transferiu para cima da mesa de Volpini todo o conteúdo do
cofre. Dinheiro, talões de cheque, documentos, uma pistola
que mais parecia um brinquedo... Quase deixou escapar um
grito ao abrir uma agenda de capa preta de empresas
petrolíferas de vários países. Afastou tudo o mais, acendeu a
lâmpada de mesa, abriu a agenda na primeira página e sacou
da vestimenta plástica uma máquina fotográfica menor que
uma caixa de fósforos. Foi virando as páginas e batendo
microfotografias.
O sistema de ar condicionado não devia funcionar à
noite, ficando ligado apenas o de renovação de ar, pois
quando ele terminou a diminuta máquina já estava
escorregando entre seus dedos suados. Repôs tudo no cofre-
forte, fechou a porta e girou o disco do segredo.
Foi quando o ruído da campainha de alarma pareceu soar
por todos os lados.
Subitamente pálido, Kirkpatrik soltou uma imprecação,
abaixou o capuz e saiu ao corredor de novo empunhando a
automática. Começou a correr afastando-se do gabinete de
Volpini e em direção ao último corredor, pois assim teria de
percorrer uma distância menor pelos tubos de aço
inoxidável. Ouviu vozes mas não pode precisar de onde
vinham porque a campainha de alarma continuava soando
em todas as dependências com uma intensidade que parecia
aumentar progressivamente.
Ao dobrar uma das esquinas viu um dos vigilantes
uniformizados correndo em sua direção, com um revólver
na mão. O vigilante deu um grito e ergueu o revólver,
tornando a dar um grito.
O segundo grito foi de agonia, pois Kirkpatrik havia
disparado em tempo a sua automática silenciosa.
Outro disparo silencioso e outro homem gritou, soltou o
rifle como se lhe estivesse queimando as mãos, caiu de
joelhos e depois tombou de bruços.
O terceiro vigilante deu um salto para trás ao receber o
impacto e caiu de costas, ferido no ombro esquerdo.
Quando conseguiu se erguer a sombra negra havia
desaparecido. Aproximou-se de um intercomunicador e
manipulou uma chave, gritando:
— Vi apenas um homem vestido de negro! Vigiem bem
a saída e avisem o senhor Volpini, esteja onde estiver!
Mandem mais vigilantes! É um elemento perigosíssimo!
O alarma continuava e Kirkpatrik corria
desabaladamente pelos corredores, sempre para o fundo. De
repente o alarma cessou e de ouviu a voz de um homem
junto com o ruído de muitos passos.
— Cuidado, porque de está armado...! Assim que
chegarem mais dos nossos nós o encontraremos!
Outra voz respondeu de outro ponto. Mais adiante, mais
ruídos de passos, mais vozes, gritos... Kirkpatrik empurrou
uma porta, entrou e olhou imediatamente para o teto, para a
abertura de renovação de ar. Ficou nas pontas dos pés,
introduziu os dedos nos vãos da grade e deu forte puxão,
retirando-a. Empurrou a grade para dentro do tubo, subiu
numa cadeira e saltou para dentro da abertura, espalmando
as mãos dos lados do corpo para se sustentar. Porém, tinha
as mãos tão suadas que elas escorregaram na chapa e de
deslizou, caindo ao chão.
— Vigiem a saída pela geradora! — ouviu gritarem. —
Talvez queira sair por lá!
Como um tigre acuado, Kirkpatrik se abaixou. enxugou
as mãos esfregando-as no chão e tentou de novo, desta vez
mais prevenido. Conseguiu sustentar-se dentro do tubo
circular, apoiando os pés dos lados da abertura, recolheu a
grade, introduziu os dedos entre os delgados vergalhões,
virou-a de lado, empurrou-a para fora e colocou-a no devido
lugar com um forte puxão. E empreendeu a ascensão.
Subindo e resvalando de volta várias vezes pelo tubo
muito polido que, ao entrar, lhe parecera tão divertido,
conseguiu finalmente alcançar a saída para o abrigo da
geradora. Saltou para fora do tubo e correu para a escada de
ferro, logo se afastando para um lado ao ouvir muitos
passos do lado de fora. Encolheu-se a um canto, contendo a
respiração ofegante, como um tigre prestes a dar o bote.
— Não teve tempo de sair! — gritou um homem. —
Vamos ocupar as saídas dos respiradouros! Você, fique aqui
em cima!
As silhuetas de dois homens apareceram na saída,
descendo rapidamente, dirigindo os focos de lanternas para
todos os lados. Kirkpatrik encolheu-se ainda mais, colado a
uma das vigas que sustentavam a cobertura da geradora. Os
dois homens acabaram de descer e giraram em círculo,
porém o tigre se havia encolhido ainda mais junto da coluna
escura, ficando protegido por sua negra indumentária.
A despeito disso, quando o foco de uma das lanternas se
aproximou Kirkpatrik apertou o gatilho duas vezes
seguidas. Escolhera bem o alvo para evitar que houvesse
gritos denunciadores de sua presença: a cabeça dos
vigilantes. Os dois saltaram no ar e caíram quase ao mesmo
tempo, sendo filie um deles se precipitou por um dos tubos
de respiração, indo chocar-se ruidosamente com a grade do
fundo. O outro ficou deitado de costas no chão como se
estivesse crucificado.
Horace Young Kirkpatrik precipitou-se escada acima.
Lançou-se para fora e rolou pelo chão olhando para todos os
lados com a automática em punho.
Não havia mais ninguém ali.
Por outro lado, viu ao longe um carro com os faróis
acesos e diversas pessoas na entrada principal
aparentemente recebendo informações dos vigilantes. Não
teve dificuldades em reconhecer aquelas pessoas à luz da
cabina de recepção: Volpini e seus amigos. Colado ao chão,
viu-os entrar no elevador. Sem dúvida iriam direto ao
gabinete de Volpini para ver o que poderia ter sido roubado
do cofre-forte.
Levantou-se e correu para uma zona mais escura na qual
se destacava o oleoduto. Parou arquejante junto à enorme
tubulação e, assim que recobrou o fôlego, avançou até ao
acoplamento dessa tubulação com os tubas de
abastecimento das refinarias. Sacou da carga de explosivo
plástico com formato de lingüeta que trouxera numa
cavidade especial da vestimenta negra, e, depois de fazê-la
aderir a uma tubulação secundária, saltou como um felino
para o outro lado da tubulação principal. Nem bem havia
tocado de novo o solo quando se produziu a explosão
estremecedora que levantou uma nuvem enorme de pó com
pedaços de tudo. Correu para o comando desse tubo e abriu
o registro de fornecimento de petróleo. Um jato descomunal
brotou impetuosamente pelo rombo, subindo para logo
formar uma cascata negra de cheiro intenso. A força do
escoamento era tal que, quando perceberam o acidente na
cabina de recepção, o petróleo já estava alcançando a
coberta da geradora e penetrava pela porta ruidosamente.
Kirkpatrik- correu para onde deixara o carro de Leona
Wilkins, subiu no capuz do motor, retirou o silenciador da
automática e adaptou a ela um lançador de bomba
incendiária. A essa altura o petróleo já devia ter penetrado
toda a tubulação de ar, invadindo as instalações
subterrâneas. Apontou para a horda do abrigo da geradora e
disparou a automática.
A compressão de ar produzida pela bala ao percorrer o
cano da automática forçou a ejeção da bomba incendiária,
que traçou uma parábola vermelha no ar e foi cair no
petróleo. Num instante tudo se transformou em um inferno
que rugia, com labaredas enormes e uma fumaça negra,
acre, que produziam sombras assustadoras. E o petróleo
continuava brotando, impetuosamente, com aterradora
abundância, pelo rombo do oleoduto.
Kirkpatrik saltou do capuz, sentou-se ao volante, deu
partida ao motor e arrancou. Tudo estava feito.
Cinco minutos depois parou o carro diante do chalé de
Leona Wilkins. Desceu, despiu a indumentária negra,
enrolou nela os objetos e escondeu tudo entre uns arbustos
ao pé de uma arvore. Enxugou o rosto com o lenço, penteou
os cabelos com os dedos e, com a valise na mão esquerda,
se encaminhou para o chalé.

CAPITULO DECIMO
Acabou num beco sem saída...

Leona Wilkins estava no terraço, iluminado pelo


resplendor do incêndio. Junto a ela, Agatha Rutheford e
Armando Espronceda. Os três se viraram quando o carro
surgiu no jardim. Kirkpatrik desceu e correu para eles,
muito agitado.
— Vi quando vinha para cá! — exclamou. — Que
houve?
— Nada de grande importância — disse friamente
Espronceda. — Os incêndios de poços já se tomaram
comuns.
— Ah... Bem, se vocês encaram a coisa assim, tanto
melhor. E o signore Volpini?
— Foi até lá para ver o que se passava — mentiu
Espronceda. — Vamos para o gabinete?
Abriu a marcha, contendo um sorriso. Sabia muito bem
que Volpini e os outros tinham corrido para os escritórios
ao serem informados da presença de um intruso. Mas
ignorava que tinham escolhido um mau momento para
investigar, porque o petróleo em chamas já devia ter
invadido todas as instalações.
Assim que chegaram ao gabinete Kirkpatrik colocou a
valise sobre a mesa, abrindo-a.
— Quer examinar, señor Espronceda?
Este se aproximou, retirou alguns feixes de ações,
revolveu outros e sacudiu a cabeça.
— Por mim, está bem.
— Então, só falta que eu firme os documentos de venda
e receba o cheque. De acordo?
— Por certo. Sente-se. Estará mais à vontade para
assinar.
Kirkpatrik sentou-se na poltrona junto à mesa, apalpou
os bolsos e olhou para Espronceda com expressão
desconcertada.
— Como de costume, não tenho caneta. Nem sequer
uma vulgar esferográfica!
— Eu... eu lhe arranjarei uma — disse Leona com voz
trêmula.
Abriu uma gaveta e lhe entregou uma esferográfica. Ele
nem sequer olhou para ela. Começou a firmar os papéis,
sentindo os olhares fixos dos três personagens. O mais cruel
de todos era o de Agatha Rutheford, que parecia uma
serpente hipnotizando um passarinho. Seguia-se em
virulência o de Espronceda, que continha a duras penas seu
ódio pelo homem que havia liquidado Tejón e Gómez.
Leona Wilkins estava simplesmente assustada e abatida.
Por fim, Kirkpatrik firmou o último papel, largou a
esferográfica, ergueu a cabeça e estendeu a mão com
displicência, no momento exato que soava a campainha do
telefone de cima da mesa.
Leona Wilkins atendeu.
— Sim?
Ficou ouvindo, empalideceu e, durante alguns segundos,
ficou imóvel, petrificada de espanto. Ainda ouviu mais
alguma coisa antes de repor o fone no gancho.
— O intruso — interrompeu-se, ofegante — o... que
disseram ter entrado nos escritórios...
— Sim... — urgiu Espronceda. — Que houve?
— Conseguiu escapar. Estourou um oleoduto com uma
carga explosiva e parece ter, ele próprio, incendiado o
petróleo com um fogo-de-bengala vermelho... Volpini e os
demais continuam nos subterrâneos.
— Sairão logo — rugiu Espronceda. .— Nós vamos...
— Não sairão — murmurou Leona. — Não poderão sair
com vida, Armando. Todas as dependências estão
inundadas de petróleo em chamas. A maioria dos guardas
conseguiu escapar, mas Volpini estava em seu gabinete com
os demais... Já devem estar.
— Assados? — sugeriu Kirkpatrik. — Realmente, é um
final desagradável para qualquer um. Recebam as minhas
condolências. Posso partir, ou ainda há pontos a serem
discutidos?
A automática surgiu como por encanto na mão de
Armando Espronceda, que a apontou furiosamente para o
peito do playboy.
— Não haverá mais discussões, Kirkpatrik!
— Está louco, Espronceda? Que pretende com essa
arma?
— É simples: matá-lo. Mas não aqui, nem com um tiro
ou dois. Não... Faremos a coisa bem feita, para que ninguém
nos possa culpar. Vamos levá-lo para as chamas. Irá provar
o seu próprio remédio. Quando encontrarem o seu cadáver
não será fácil identificá-lo.
— Positivamente, enlouqueceu — afirmou Kirkpatrik.
— Faça o favor de não me apontar essa arma. Isso me deixa
nervoso.
— Nervoso, um homem como você? — riu-se
nervosamente Espronceda.
— Como eu? Não entendo o que está dizendo, de modo
que...
— Embora eu não saiba como, você matou dois amigos
meus. Esta noite entrou nos escritórios e, também não sei
como, conseguiu escapar depois de provocar o incêndio,
eliminando Renzo Volpini e os demais. Que foi buscar,
Kirkpatrik? Qual o seu jogo?
Kirkpatrik ficou olhando para ele durante alguns
segundos. Depois sorriu com uma espécie de careta que fez
Armando Espronceda estremecer.
— Está bem — disse, em voz baixa, — Quer saber qual
o meu jogo? Pois é o que já fiz: ganhar dinheiro e, ao
mesmo tempo, destruí-los. Foram as ordens que recebi:
investigar e, se necessário, atuar. Primeiro, investiguei;
depois, já convencido, atuei. Não restará vestígio do seu
consorcio, Espronceda. Quiseram fazer uma jogada grande
demais, ambicionando o controle absoluto do petróleo em
todo o continente americano. Quando não conseguiram
comprar uma companhia por ter sido nacionalizada,
conseguiram infiltrar homens de confiança nos postos de
direção. Sei quais são todos esses elementos infiltrados,
— Como pode saber?
— Simplesmente batendo microfotografias das páginas
da agenda particular de Benzo Volpini. Compreendeu? Vou
dizer o que farei agora: sairei daqui, enviarei o microfilme
aos que estão esperando pelo resultado final do meu
trabalho, e, a partir desse momento, todos os sócios e os que
participam do assunto serão muito discretamente... digamos,
retirados de circulação. Conseguido isso e uma vez morto
Volpini e companhias tudo terá terminado. Acabaram-se o
poder econômico e as ambições políticas de âmbito
continental.
Armando Espronceda sorriu amplamente, mas, no
íntimo, estava assustado.
— Puxa!... — tentou mostrar-se zombeteiro.
— E nós pensávamos que você não entendia de altas
finanças! De maneira que pretende conseguir, sozinho, tudo
o que acaba de dizer, hem?
— Já está conseguido, Espronceda. Só me resta enviar o
microfilme aos que o estão esperando.
— Muito bem. E onde está esse microfilme?
— Escondido.
— Onde?
— Escondido — repetiu Kirkpatrik, sorrindo.
— Pois iremos buscá-lo, querido amigo. Quem é você
realmente? Quem o meteu nesse trabalho?
— É uma das distrações a que me dedico quando me
canso de ser playboy. Tome este bom conselho,
Espronceda: largue essa pistola e desapareça daqui. Você e
mistress Rutheford.
— Oh... E Leona?
— Ela virá comigo. Eu a amo e quero conservá-la para
sempre ao meu lado.
Leona Wilkins tomou a empalidecer. Parecia congelada.
Armando deu uma risadinha zombeteira.
— A sua confiança própria é formidável, Kirkpatrik.
Morreram alguns dos melhores dirigentes do consórcio,
como você prefere chamá-lo, porém eu ainda estou vivo...
Quanto a esse microfilme, não chegará a parte alguma
porque você mo entregará antes de morrer. Encaminhe-se
para a porta: iremos buscá-lo.
— Com muito gosto, embora você já esteja perdido.
Levantou-se e se encaminhou para a porta com
indiferença. Sua mão direita se apoiou casualmente nas
costas de uma cadeira, e, quando Espronceda também
começava a andar, Kirkpatrik empurrou a cadeira com toda
a sua força. O encosto atingiu os joelhos de Espronceda
com violência suficiente para desequilibrá-lo, levando-o a
fazer o primeiro disparo para o teto. E isso foi tudo o que
pode fazer Armando Espronceda, porque o tigre caiu
imediatamente sobre ele com uma fúria fria, dosada,
matemática. Nem sequer houve luta. Kirkpatrik aplicou
violento golpe de caratê com o pé no ventre de Espronceda,
que saiu disparado para trás, passou por cima do sofá e caiu
de cabeça do outro lado, ficando imóvel. O gigante
americano deu a volta ao sofá e se inclinou.
O disparo soou no escritório quando Kirkpatrik acabava
de constatar que Espronceda nem sequer havia perdido os
sentidos.
O espião saltou para o lado com agilidade felina mas
nem sequer chegou a se entrincheirar atrás de uma poltrona.
Estupefato, ficou contemplando a cena inesperada:
Agatha Rutheford estava de pé, segurando uma espátula na
altura exata em que se encontravam, segundos antes, as
costas do americano. O espião não concedera importância à
velha serpente, mas o certo é que, se Leona Wilkins não
tivesse recolhido ligeiro, do chão, a automática de
Espronceda, a terrível anciã o teria liquidado.
Por fim, com os olhos arregalados c a boca aberta,
Agatha Rutheford despencou.
Kirkpatrik desviou o olhar do cadáver da velha para o
rosto de Leona Wilkins.
— Obrigado — disse, secamente. — Não precisava se
ter incomodado, porque ela não tinta força para cravar a
espátula nem meia polegada. Será melhor você me dar essa
arma, porque poderá machucar-se.
Leona abriu muito os olhos e, de repente, tornou a
disparar. Espronceda, que se levantara brandindo um
cinzeiro de pé, pareceu receber uma descarga elétrica, tal a
violência com que estremeceu ao receber a bala no peito.
Seu rosto adquiriu uma expressão de surpresa, como se ele
não pudesse aceitar a realidade. Seus joelhos se dobraram e
ele morreu antes de cair ao chão.

(...) faltando as últimas folhas.

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