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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

LUCIANA ELIZA DOS SANTOS

A educação libertária e o extraordinário


Traços de uma pedagogia (r)evolucionária

São Paulo
2014
LUCIANA ELIZA DOS SANTOS

A educação libertária e o extraordinário


Traços de uma pedagogia (r)evolucionária

Tese apresentada à Faculdade de Educação


da Universidade de São Paulo para obtenção do
título de doutora em Educação.

Área de concentração: História da Educação e Historiografia

Orientadora:
Profa.Dra. Carmen Sylvia Vidigal Moraes

São Paulo
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

37(09) Santos, Luciana Eliza dos


S237e A educação libertária e o extraordinário: traços de uma pedagogia
(r)evolucionária / Luciana Eliza dos Santos ; orientação Carmen Sylvia
Vidigal Moraes. São Paulo: s.n., 2014.
218 p. : il.

Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Educação.


Área de Concentração : História da Educação e Historiografia) --
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo)
.
1. Ferrer y Guardia, Francisco, 1859-1909 2. História da
educação – Séculos 19-20 3. Anarquismo - Educação 4. Racionalismo
– Educação I. Moraes, Carmen Sylvia Vidigal, orient.
Nome: SANTOS, Luciana Eliza dos
Título A educação libertária e o extraordinário. Traços de uma pedagogia (r)evolucionária.

Capa: "Los pequeños naturalistas" - José Jiménez Aranda, 1893.

Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para obtenção do


título de Doutora em Educação.

Aprovada em:

Banca Examinadora

Prof. Dr. ___________________________Instituição: _________________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: ________________________________

Prof. Dr. ___________________________Instituição: ________________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________________

Prof. Dr. ___________________________Instituição: ________________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: _______________________________

Prof. Dr. ___________________________Instituição: _______________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: ______________________________

Prof. Dr. ___________________________Instituição: _______________________________


Julgamento: ________________________ Assinatura: ______________________________
Às tais mineiras: Maria Assumpção, Terezinha, Rosa Maria, Maria Helena, Marta, Yara.
Giovanni Battista Piranesi,
Via Appia and Via Ardeatina, from Le Antichita Romane, 1756.
Agradeço...

À Profa. Camen Sylvia Vidigal Moraes, pela oportunidade de viver esta trajetória tão importante para
minha formação acadêmica e humana!
À Profa. Doris Accioly e Silva, pelas infinitas lições de carinho e sabedoria para toda a vida!
Ao Prof. Pere Solá, pela gentileza de me ensinar milhares de coisas em sua adorável terra!
À Profa. Cecília pelas conversas sobre educação democrática;
A Todos da Biblioteca Terra Livre, pela divulgação e partilha da prática anarquista, especialmente Rodrigo
Rosa e Adriano Skoda, pelos materiais e livros raríssimos;
Todas e todos do Programa da Feusp, pela compreensão e bons momentos formativos, às amigas Jany,
Sandra, Glória, Pri e Tati!
Aos Colegas da Escuela Libre Paideia, pela oportunidade única de conhecer esta escola!
Fundació Ferrer i Guardia, pelo belo trabalho e apoio aos pesquisadores; em especial Eduardo;
Aos colegas do Ateneu Enciclopedic Popular, pela recepção e apoio à pesquisa;
Ao IIEP e ao Neto, pela aproximação prática ao tema trabalho;
Ao parceiro único de café e resumo!
Agradeço a minha linda e amada Yara, que está sempre do meu lado e que, sem escolher, acabou
vivendo comigo essa maratona interminável!!!
À Querida tia Helena, que sempre tem grandes lições de vida para nos dar e a quem devo este trabalho!
Ao querido Pai Sr. Anselmo, irmãos Alexandre e Claudio, cunhadas Leilane e Mariana e lindos
sobrinho(a)s bebês Moisés, Alice, Ravi, pelo apoio da vida...
À Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Educação, pelos anos que abrigou minha vida e da
vida da minha filha.
Às agências: Cnpq e Capes, que subsidiaram esta pesquisa.
SANTOS, Luciana Eliza dos. A educação libertária e o extraordinário: traços de uma pedagogia
(r)evolucionária / Tese de doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
São Paulo: 2014.

Resumo:

Esta tese busca expor e tecer ideias pedagógicas oriundas do movimento educacional
racionalista libertário europeu, ocorrido entre final do século XIX e início do XX. Este movimento
configurou uma rede social que colocou em questão padrões de educação, civilidade, infância,
modernidade e possibilitou a concretização de experiências educacionais antagônicas à escola
ordinária. Estes acontecimentos somam um rico conjunto de teorias, práticas pedagógicas e
pontos de vista sobre o sentido da educação na sociedade. O foco irradiador do trabalho está na
região da Catalunha/Espanha. A tese revisita a experiência da Escola Moderna de Barcelona e
sua extensão via atuação política de Francisco Ferrer i Guardia e do grupo social e político
internacionalista, com o qual se articulou. A base documental da pesquisa consiste em dois
periódicos relacionados diretamente ao racionalismo libertário: o Boletim de la Escuela Moderna
e a Revue L'École Rénovée; produzidos no âmbito da Escola Moderna de Barcelona e da Liga
Internacional da Educação Racional da Infância. Tais espaços educacionais, sociais e
intelectuais foram inéditos ao se fundamentarem no processo de (r)evolução da educação,
constituindo bases pedagógicas que questionaram a organização escolar e indicaram caminhos
para sua ressignificação.

Palavras-chave: Educação libertária – Infância – Educação racionalista – Anarquismo – História


da Educação.

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SANTOS, Luciana Eliza dos. Libertarian education and the extraordinary: traits of pedagogy (r)
evolutionary. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2014.

Abstract:

This thesis seeks to expose and make remarks to a few of the pedagogical ideas dating back of
the rationalist European libertarian educational movement that occurred between the late
nineteenth and early twentieth centuries. This movement has configured a social network that has
raised the issue standards of education, civility, childhood, modernity and facilitated the execution
of antagonistic educational experiences to ordinary school. These events add up to a rich set of
theories, pedagogical practices and views on the meaning of education in society. The irradiator
focus of the study is in the Catalonia / Spain region. This thesis revisits the experience of Modern
School in Barcelona and its extension via political action of Francisco Ferrer i Guardia and
internationalist political and social group, with which he articulated. The documentary evidence
base for the research consists of two journals related directly to libertarian rationalism: Bulletin de
la Escuela Moderna and Revue L'École rénovée; produced under the Modern School in
Barcelona and the International League of Rational Education of Children. Such educational,
social and intellectual spaces were unprecedented when they were to be based on the (r)
evolution of the education process, constituting pedagogical bases that placed in question the
organization of the school and indicated path to overcome it.

Keywords: Libertarian Education - Childhood - Education rationalist - Anarchism - Education


History.

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Sumário
Apresentação ........................................................................................................................................12
Capítulo I ..............................................................................................................................................20
O movimento educacional racionalista e a Escola Moderna de Barcelona: práticas modernas de
educação ..............................................................................................................................................20
O movimento educacional racionalista libertário .......................................................................................28
Elisée Reclus ........................................................................................................................................28
A Associação Internacional dos Trabalhadores e a educação ...................................................................34
A emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores: ........................................40
Racionalismo e livre pensamento ............................................................................................................44
Algumas razões do racionalismo educacional libertário: ............................................................................46
Racionalismo, anarquismo e transformação educacional ..........................................................................56
Francisco Ferrer i Guardia ......................................................................................................................67
Do Cárcel Modelo de Madrid ..................................................................................................................72
Capítulo II .............................................................................................................................................81
A Escola Moderna de Barcelona: ............................................................................................................82
Alguns aspectos teórico-práticos da Escola Moderna de Barcelona ...........................................................84
Questões educacionais e pedagógicas no Boletín de La Escuela Moderna ...............................................105
A concepção de Clemence Jacquinet e o Boletín de la Escuela Moderna ................................................. 115
Capítulo III ..........................................................................................................................................162
La Ligue Internationale pour l’Education Rationelle de L’Enfance .............................................................162
A Liga Internacional pela Educação Racional da Infância ........................................................................163
As palavras em exercício: a Revue L’École Rénovée .............................................................................167
Traços do racionalismo libertário na Revue L’école Rénovée ...................................................................189
Considerações finais ............................................................................................................................199
Referências.........................................................................................................................................201

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Indice de Imagens (anexos)

1. Boletin de La Escuela Moderna – Capa


2. Boletin de La Escuela Moderna – Comunicado aos professores
3. Boletin de La Escuela Moderna - Publicações da Escola Moderna
4. Boletin de La Escuela Moderna – Carta de Elisée Reclus à Francisco Ferrer e texto
sobre estudo do meio
5. Boletin de La Escuela Moderna – Turmas de alunos e professores da Escola Moderna
de Barcelona
6. Boletin de La Escuela Moderna – Divulgação dos livros da Biblioteca Escola Moderna
7. Aventuras de Nono, de Jean Grave – inscrição no livro: Libro Peligroso. Escuela
racionalista antirreligiosa.
8. Capa da Revista L´école rénovée – Ano I
9. Capa da Revista L´école rénovée – Ano II

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Apresentação

A educação não tem valor, nem mesmo sentido, senão sob a condição de servir na vida
após a saída da escola, e continuar-se pela manutenção e pelo progresso das forças intelectuais.

- Elisée Reclus

Este trabalho busca deslindar traços da educação racionalista libertária, no intuito de


reconhecê-la como movimento de transformação da educação e da escola, pautado em
específicos meios e fins. A escolha do termo transformação visa marcar as fronteiras entre as
escolas libertárias e as instituições calcadas no ideário liberal/democrático, de orientação
reformista. Desde logo, cumpre reforçar o caráter divergente entre as escolas racionalistas
libertárias e as escolas renovadas/liberais, pois as primeiras tomavam a escola como uma das
instâncias necessárias à transformação da sociedade inseparável das lutas emancipatórias nos
demais âmbitos da vida social. A transformação educacional refere-se aqui, portato, à ideia de
reconstrução ética e profunda das práticas sociais que povoam as escolas. Não obstante o
reconhecimento dos diferentes propósitos políticos que acompanhavam as iniciativas
educacionais, a utilização de certos termos, palavras e classificações das práticas educativas
representa, neste momento, a incursão em um universo moderno, que se propunha a repensar a
educação.
A ideia de renovação inspira o processo de desconstrução e reconstrução de práticas
escolares que caracterizam e movimentam a história da educação e da pedagogia, e,
especialmente no século XIX, está ancorada em teorias, discursos e práticas sociais
impregnados do ideal de modernidade. Poder-se-ia supor que este processo representa o
próprio movimento pendular da história da educação, em seu constante exercício de rever o
novo. Cabe aqui lembrar que as mudanças educacionais se alimentam da (re)forma de matrizes
ideológicas, epistemológicas, filosóficas e políticas, que alicerçam os discusos e práticas
pedagógicas. Mas qual novo este período concebe e qual antigo ele (re)nova? Busca-se aqui
questionar o olhar regular, linear e progressivo sobre a ideia de mudança, reforma ou
transformação educacional, considerando certo percurso histórico que se pode apreender nos
dias de hoje. É necessário considerar que a evolução de certas concepções e práticas
educacionais pode antes representar a involução da condição humana e de avanços sociais e

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políticos ocorridos ao longo da história.
Neste ir e vir, a concepção progressista e reformista das tendências pedagógicas que se
tornaram preponderantes na sociedade foi assimilada pelo discurso histórico formal por meio da
figuração de antinomias, como antigo-moderno; tradição-progresso; confessional-laico. O
constante confronto interno destes pares revela a complexidade das correntes pedagógicas e
das práticas escolares permeadas também por novas conexões e sobrevivências de referências.
O dinamismo dos processos de mudança educacional é, portanto, expresso por certas
construções semânticas, como as ideias de progresso, renovação, evolução, involução,
revolução, que trazem contradições em si mesmas, no afã de constituir o chamado novo homem
e a nova educação, entre finais do século XIX e início do XX.
O movimento educacional racionalista libertário pode ser compreendido como o conjunto
de experiências pedagógicas vinculadas às lutas sociais que compuseram o cenário europeu,
entre os anos de 1890 e 1920. Este movimento é simultaneamente causa e efeito da trajetória da
Escola Moderna de Barcelona, criada pelo educador catalão Francesc Ferrer i Guardia, em
contato com grupos sociais adeptos de orientações políticas como o anarquismo e o
republicanismo, como se verá adiante. Esse momento foi marcado pelo entrecruzamento e
conflito de correntes políticas, com destacada oposição ao clericalismo, à monarquia, ao civismo
e ao nacionalismo conservadores e ao estatismo. Abrigou a gradativa elevação de uma rede
social voltada para a transformação da educação escolar ordinária, engajada ao objetivo de
promover conquistas sociais mais abrangentes.
A educação, neste período, refletiu os avanços e recuos das formas predominantes de
organização social, assim como os antagonismos e anseios por mudança. Considerando o
objetivo de transformar a realidade social, a educação racionalista libertária é aqui entendida
como práxis educacional extraordinária, ou seja, oposta e antagônica àquela estrutura
educacional replicável e articulada à formação ideológica do consenso. Não se trata de uma
proposta educacional alternativa ou opcional, mas daquela que nega às práticas educacionais
ordinárias, pertencentes à ordem normativa dominante. A educação libertária abre um campo de
práticas educativas organicamente articuladas, efetuando o papel de recriação e (r)evolução das
práticas sociais fundadas (na) e fundadoras da educação.
Nesse sentido, o racionalismo pedagógico se originou da articulação entre educação,
escola e movimentos de luta social. Os traços éticos e políticos, bem como as concepções
educacionais da Escola Moderna de Barcelona povoam a principal fonte documental gerada pela
instituição, o Boletim de la Escuela Moderna e a Revue École Rénovée, oriunda da Liga
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Internacional da Educação Racional da Infância, que são objeto deste estudo. Estes traços
exprimem fortes afinidades com o ideário anarquista, que caracterizou de maneira substancial a
corrente racionalista libertária. A aposta teórica escolhida por esta pesquisa para compreender o
racionalismo libertário tem como ponto de partida algumas concepções do geógrafo e militante
anarquista Elisée Reclus, que tratam dos sentidos do processo de mudança e transformação da
sociedade, em seu percurso histórico. No livro A Evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista
(2002), Reclus desenvolve conceitos fundamentais a esta discussão, como a relação de
simultaneidade entre progresso-retrocesso e complementariedade entre evolução-revolução, e a
questionável atribuição da ideia de progresso a certos eventos e momentos históricos. Esta
compreensão propõe uma importante leitura de grandes marcas temporais da história:

Foi em nome da liberdade, igualdade e fraternidade que todas as infâmias se


praticaram. Era para emancipar o mundo que Napoleão guiava um milhão de
matadores; é para fazer a felicidade das respectivas pátrias queridas que os
capitalistas constituem as vastas propriedades,... organizam os poderosos
monopólios que sob nova forma restabeleceram a escravatura antiga
(2002:16).

Elisée Reclus critica a forma como a sociedade moderna promulga e legitima, por meio
de mecanismos de governo, como o Estado e as leis, as verdades que sustentam a ciência e a
história: “queremos saber; não admitamos que a ciência seja um privilégio”, defende. O
questionamento reclusiano se direciona às acepções das palavras evolução, revolução e
progresso, presentes nos discursos históricos e impregnadas de elementos positivistas e
darwinistas. Em primeiro lugar, os conceitos de evolução e revolução, que são comumente
empregados como oposição (evolução como desenvolvimento gradual de ideias e costumes, e
revolução como mudança brusca, geralmente antagônica, da e na sociedade) são tomados por
Reclus como fenômenos mutuamente relacionados e complementares:

A evolução é o movimento infinito de tudo o que existe, a transformação


incessante do Universo e de todas as suas partes desde as origens eternas e
durante o infinito dos tempos. As vias lácteas que surgem nos espaços sem
limites, que se condensam e se dissolvem durante os milhões e os bilhões de
séculos, as estrelas, os astros que nascem, que se agregam e morrem,
nosso turbilhão solar com seu astro central, seus planetas e suas luas, e nos
limites estreitos de nosso pequeno globo terráqueo as montanhas que
surgem e desaparecem de novo, os oceanos que se formam para em
seguida secar, os rios que se vê formar nos vales, depois secar como o
orvalho da manhã, as gerações das plantas, dos animais e dos homens que
se sucedem (...). Em comparação com este fato primordial da evolução e da
vida universal, o que são todos estes pequenos acontecimentos

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denominados revoluções: astronômicas, geológicas ou políticas? Vibrações
quase insensíveis, aparências, poder-se-ia dizer. É por miríades e miríades
que as revoluções se sucedem na evolução universal; mas por mínimas que
sejam, elas fazem parte deste movimento infinito (idem:23).

Ao explicitar a forma como este movimento infinito se engendra, Reclus procura


demonstrar a relação recursiva dos fenômenos de evolução e revolução, como movimentos
pertencentes às transformações da vida, da natureza e do homem. Nesta linha, ele bsuca
superar certa relação valorativa pautada em padrões hierárquicos e mediada por relações de
poder, enxergando antes a relação horizontal e simultânea que permea estes processos:

Pode-se dizer, assim, que a evolução e a revolução são dois atos sucessivos
de um mesmo fenômeno, a evolução precedendo a revolução, e esta
precedendo uma nova evolução, mãe de revoluções futuras. Pode acontecer
uma mudança sem provocar repentinos deslocamentos de equilíbrio da vida?
A Revolução não deve necessariamente suceder à evolução, assim como o
ato sucede à vontade de agir? Uma e outra só diferem pela época de seu
aparecimento. Quando um deslizamento obstrui um rio, as águas acumulam-
se pouco a pouco até o alto do obstáculo, e um lago se forma por uma lenta
evolução; em seguida, repentinamente, produz-se uma infiltração no dique, e
a queda de uma pedra provocará o cataclismo: a barragem será
violentamente arrastada e o lago esvaziado voltará a ser rio. Assim ocorrerá
uma lenta evolução terrestre (idem:25).

A mesma interpretação que confere à sociedade uma capacidade transformadora como


a força que arrebata os rios e lhes abre novos cursos, possibilita a compreensão do movimento
de mudança das instituições sociais:

A árvore genealógica dos seres é, como a própria árvore, um conjunto de


ramificações, na qual cada uma encontra sua força de vida, não na
ramificação precedente, mas na seiva originária. Para as grandes evoluções
históricas, não acontece diferentemente. Quando as antigas estruturas, as
formas demasiado limitadas do organismo, tornam-se insuficientes, a vida
desloca-se para realizar-se em uma nova formação. Ocorre uma revolução
(idem:27).

Na esteira do pensamento de Reclus, supõe-se que a educação pode ser apreendida


sob o ponto de vista da evolução, sendo também permeada de eventos revolucionários; um e
outro fenômeno como processos complementares. Reclus estabelece uma valiosa leitura
relacionada à vida em seus estágios mais diversos, naturais e sociais; e considera que “o
movimento geral da vida, em cada ser, em particular, e em cada série de seres não nos mostra
em lugar nenhum uma continuidade direta, mas sempre uma sucessão indireta, revolucionária”
15
(idem:27). Evolução e revolução representam movimentos naturais da vida, que estão presentes
no âmbito das relações sociais e suas transformações, lentas ou repentinas. Semelhante análise
é aplicada por Reclus à palavra Progresso, a qual não representa para ele uma ação reformista,
que promova a reacomodação das instituições em suas velhas estruturas, mas sim a elevação
moral da sociedade, fruto da recursividade1 natureza-cultura-sociedade.
A proposta educacional racionalista libertária cultiva uma ética oposta à lógica das
sociedades competitivas baseadas na reprodução do capital. Esta matriz desencadeia questões
conceituais e práticas que inauguram outra formação a partir da vivência escolar, plenamente
atual pois que ainda não realizada . Dentre elas, pode-se destacar a questão da igualdade de
gênero e do papel da mulher na sociedade; a releitura das relações familiares; a inovação
epistemológica e de paradigmas de ciência e racionalidade; a defesa da prática pedagógica
antiautoritária com a reavaliação da hierarquia escolar; o papel da arte como educação; o cultivo
da vitalidade, do ímpeto da alegria e da espontaneidade nas práticas educacionais e na vida em
sociedade. Estes recortes estão presentes em muitos escritos de anarquistas e seus
interlocutores como J.F. Proudhon, Mikhail Bakunin, Piort Kropotkin, Elisée Reclus, C.- A.
Laisant, Francisco Ferrer, Clemence Jacquinet, J.F. Elslander, entre outros. Percebe-se, dessa
forma, um amplo espectro de práticas e teorias em turbulência neste período, voltadas para os
meios concretos de transformação da realidade social pela ação escolar e vice-versa. O
progresso da humanidade, conforme este campo semântico e político, estaria fortemente
vinculado à vivência educacional e a extensão das práticas solidárias e autônomas à vida
escolar.
Cabe lembrar que o sentido histórico do que é compreendido aqui como movimento
educacional, enfatiza a Escola Moderna de Barcelona e o percurso do educador Francisco Ferrer
i Guardia, justamente por sua emblemática e contundente história política e inovação
pedagógica, tratados em muitos estudos, alguns aqui referidos. Esta tese se realiza em diálogo
com um campo teórico já consolidado, nele buscando situar-se. É muito desafiadora a
investigação sobre Francisco Ferrer cuja obra e vida suscitaram múltiplas e polêmicas
investigações. A pesquisa a partir das fontes primárias ao lado da pesquisa bibliográfica pode
agregar outras leituras necessárias à compreensão da visão de educação de Ferrer e do grupo
que articulou o movimento educacional racionalista libertário.

1
Termo recorrente na Teoria da complexidade, especialmente na obra de Edgar Morin.

16
A seleção das fontes primárias desta pesquisa buscou evidenciar algumas bases
teóricas e práticas presentes na Escola Moderna de Barcelona, reveladoras de sua singularidade
e da amplitude do movimento educacional racionalista libertário, dentro e fora da Espanha. O
período de análise (1890-1920) limita-se aos momentos anteriores à Escola Moderna de
Barcelona e os posteriores à morte de Ferrer, que testemunham o eco de sua obra em outros
países da Europa e das Américas. Assim, a pesquisa abrange acontecimentos que formaram
este movimento, como as discussões sobre educação ocorridas nos congressos da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) e a constituição da ideia de racionalismo. Com o intuito de
interrogar e relacionar sentidos pedagógicos das experiências das Escolas Modernas,
selecionou-se as fontes primárias seguintes: (1) série documental do Boletín de La Escuela
Moderna de Barcelona; (2) livros produzidos pelo editorial Biblioteca Escola Moderna de
Barcelona; (3) documentos pessoais de Francisco Ferrer i Guardia, como correspondências e
testamento; (4) parte da série documental da Revue Ècole Rènovèe.

Como proposta de análise e interpretação das fontes, este trabalho apresenta uma
composição de textos, oriundos principalmente do Boletín e da Revue Ècole Rènovèe, que
tratam das temáticas da educação racionalista libertária. Considerando o difícil acesso às
fontes2, sobretudo em pesquisas brasileiras, optou-se por reproduzir alguns excertos, o que
permite ao leitor acesso direto aos enunciados das fontes, e não somente considerações
secundárias. Motivada pela importância do tema e pela rara frequência com que ele é focalizado
na academia, a pesquisa apresenta esta composição de textos como base informativa e
analítica. Baseando-se em referências teórico-metodológicas de valor intransponível, como a
sempre revisitada herança de Marc Bloch, as fontes serão aqui tomadas como documentos a
serem interrogados, de modo que as perguntas dinamizam a análise do documento. Esta,
pautada no exercício de discriminação, separação e classificação os objetos sobre os quais ela
opera, já se inicia no ato mesmo de selecionar um documento:

Entre as causas que fazem o sucesso ou o fracasso da caça aos

2
Há alguns fatores que desencadeiam esta afirmação: 1 – acesso restrito às fontes: o Boletín de La Escuela
Moderna tem sua série integral na Fundació Francisco Ferrer, Barcelona, em meio impresso. A série completa da
Revue l’école rénovée está na Biblioteca Nacional da França, em micro-fichas. Através da Biblioteca Terra Livre, de
São Paulo, também é possível acessar alguns documentos, a partir da pesquisa de Rodrigo Rosa da Silva. 2- o
reconhecimento dos temas educação libertária e história do anarquismo é recente na academia. 3- eliminação das
fontes: é histórico o processo de repressão ao movimento anarquista e às suas principais fontes documentais. Na
Espanha, há grande produção acadêmica sobre o Boletim da Escola Moderna, ao passo que a Revue l’école
rénovée ainda carece de estudos mais aprofundados, conforme foi possível concluir por meio desta pesquisa. Os
trabalhos referentes a ambas as fontes serão mencionados no decorrer do texto.
17
documentos e os motivos que tornam esses documentos desejáveis, nada
há, em geral, de comum: é o elemento irracional, impossível de eliminar, que
confere a nossas pesquisas um pouco desse trágico interior em que tantas
obras do espírito veem talvez, com seus limites, uma das razões secretas de
sua sedução (idem:85). (...)

Dirão que, entre o que foi e nós, os documentos já interpõem um primeiro


filtro? Sem dúvida, eliminam, frequentemente a torto e a direito. Quase
nunca, em contrapartida, organizam de acordo com as exigências de um
entendimento que quer conhecer. Assim como todo cientista, como todo
cérebro que, simplesmente, percebe, o historiador escolhe e tria. Em uma
palavra, analisa (2001:127).

A escolha e triagem das fontes desta pesquisa foram direcionadas pelo objetivo de
explicitar as falas, discursos e práticas que expressassem o caráter teórico-prático da educação
racionalista libertária. O trabalho com periódicos, iluminador do cotidiano e possível instrumento
de consolidação das concepções pedagógicas no dinamismo da vida social, pareceu o caminho
interrogativo e analítico mais frutífero.
A obra de Marc Bloch, O Ofício do Historiador, suscita interesse não só pelas
circunstâncias em que o autor fez suas últimas reflexões sobre a história, ou seja, vivendo a
história da repressão nazista em seu país e as tragédias da 2ª Guerra Mundial, mas também
pela sua importância na renovação da teoria da história, com a Escola dos Annales. O trabalho
de Marc Bloch abraça o “método regressivo”, centrado nas temáticas contemporâneas que
refletem sobre o significado do ‘retorno ao passado’. A apreensão da história se dá com base no
que é vivo e perpétuo no contato com o presente, dando assim sentido aos estudos histórico-
comparativos:

Li muitas vezes, narrei frequentemente, relatos de guerras e de batalhas.


Conhecia eu verdadeiramente, no sentido pleno do verbo conhecer, conhecia
por dentro, antes de ter eu mesmo experimentado a atroz náusea, o que são,
para um exército, o cerco, para um povo, a derrota?(idem:66).

Considera-se que o movimento educacional racionalista propicia importantes reflexões


sobre organização escolar, com base no questionamento das práticas pedagógicas que
constituem as culturas e os sentidos escolares e formalizam seus vínculos com a sociedade.
Este questionamento emerge, entre outros aspectos, do que se busca compreender sobre a
escola contemporânea. É muito comum a observação de que as práticas pedagógicas efetuadas
pela Escola Moderna e pelas escolas racionalistas são muito atuais e inovadoras mesmo nos
dias de hoje. A crise contemporânea pela qual passa a escola suscita a busca tanto por novas

18
práticas pedagógicas quanto pela formação de indivíduos autônomos, reflexivos e
transformadores. Muitos dos imperativos sociais e econômicos que instrumentalizaram a escola,
há cem anos, hoje se encontram ou aprimorados ou obsoletos, mas continuam provocando o
desejo de transformação. Percebe-se que a concepção linear de evolução e de progresso
escolar, inerente ao pragmatismo pedagógico e à escola funcionalista, é impermeável à real
transformação da sociedade e da escola. Supõe-se que esta transformação é muito mais
sinuosa e marcada por avanços e recuos do que pode explicitar a construção discursiva sobre o
progresso de uma civilização.
Para a reflexão desenvolvida nesta pesquisa, os textos extraídos das fontes referentes
às Escolas Modernas e à Liga Internacional para Educação Racional da Infância estão
articulados, analisados e organizados com base em três eixos, que constituem os três capítulos
da tese: O movimento educacional racionalista e a Escola Moderna de Barcelona; O Boletín de
la Escuela Moderna, A Revue L’École Renovée. Estes eixos estão assim ordenados com o intuito
de apreender as questões emanadas das fontes primárias.
Ao traçar este percurso, a tese busca contribuir para a discussão sobre certos rumos
conservadores e reformistas da educação e da escolarização, trazendo à cena as lutas sociais e
educacionais opostas à construção instrumental, linear e acrítica da escola contemporânea.
Busca-se também contribuir para novas leituras sobre os percursos de transformação da escola,
percebidos sob a ótica da recursividade, trazida por Elisée Reclus, na qual se pode ouvir a
multiplicidade de vozes que se interessaram pelo sentido da escola na formação social humana.

19
Capítulo I

O movimento educacional racionalista e a Escola Moderna de Barcelona:


práticas modernas de educação

Joaquín Sorolla - Niñas en el mar (1909)

20
No esperes nada de los demás, por muy hermosas que sean las cosas que ciertas personas poderosas y sabias
puedan ofrecerte: porque si dan, también esclavizan.

Lograr la concordia entre todos los hombres, el amor y la fraternidad, sin distinción de sexo ni clase: ésa es la gran
tarea de la humanidad.

No dejéis que los dioses y explotadores sigan siendo venerados o servidos, vivamos todos como buenos camaradas
con un afecto y respeto mutuos.

- Francisco Ferrer i Guardia

Cárcel Modelo de Madrid

A educação libertária apresenta pressupostos teórico-práticos associados à construção


de uma nova sociedade na qual a exploração e a opressão do homem pelo homem e da
natureza pelo homem sejam superadas por relações altruístas e autônomas. Sem representar o
reforço de uma visão romântica ou utópica – como modelo abstrato e ideal, inexequível - de
educação, este propósito se sustenta na revisão crítica de sentidos da educação, geralmente
limitados pelo caráter utilitário e instrumental.

A indagação sobre o papel da educação e da escola na história da sociedade ocidental


faz lembrar o questionamento com o qual o historiador Marc Bloch abre a célebre obra Apologia
da História, sob a lente de um menino: “papai, então me explica para que serve a história?”,
introduzindo não só um questionamento sobre a legitimidade da história, mas também a longa
resposta que constitui o livro. Sobre a história, Marc Bloch diz:

Como germe e como estímulo, seu papel foi e permanece capital. Antes do
desejo de conhecimento, o simples gosto; antes da obra de ciência,
plenamente consciente de seus fins, o instinto que leva a ela: a evolução de
nosso comportamento intelectual abunda em filiações desse tipo. Podemos
citar inclusive a física, cujos primeiros passos devem muito aos "gabinetes de
curiosidade". Vimos, do mesmo modo, as pequenas alegrias das
quinquilharias figurarem no berço de mais de uma orientação de estudos
que, pouco a pouco, se embebeu do sério. Tal a gênese da arqueologia e,
mais próximo de nós, do folclore. Os leitores de Alexandre Dumas talvez não
sejam mais do que historiadores em potencial, aos quais falta apenas terem
sido adestrados para se proporcionar um prazer puro e, para mim, mais
agudo: o da cor verdadeira. (2001:41).

Se por um lado, Marc Bloch alerta: “resguardemo-nos de retirar de nossa ciência sua
parte de poesia”; de outro, busca, tomando como epígrafe a pergunta de um escolar, a

21
legitimidade da história e do esforço intelectual. A resposta tem por base, certamente, muitas
críticas, sobretudo à história positivista e aos procedimentos e objetivos do ofício de historiador,
que opera na cristalização dos grandes eventos da humanidade. E o sentido de servir, não se
limita ao da utilidade, mas à servidão também. Com as reflexões do autor se pode notar que a
história serve ao o tempo, caracterizado como o continuum, mas também como a “perpétua
mudança” (idem:55). O conhecimento histórico tangencia entre os padrões operatórios da
ciência e os possíveis “instintos” que levam o pesquisador a construir sua investigação. Além do
tempo, a história serve também ao homem. A ideia do homem no tempo reverbera no objeto da
história: “por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,]
por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais
desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar”. De modo que,
não efetuada tal captura, a história se resumiria à erudição.

A obra de Marc Bloch, oriunda dos momentos iniciais do movimento intitulado Escola dos
Annales, o qual partilha o papel de fundador com Lucien Febvre, efetua avanços teóricos
importantes no que diz respeito, entre outros aspectos, à forma como a história inscreve o
homem no tempo. A ideia da longa duração do tempo histórico, relacionada à apreensão das
mentalidades e dos estágios civilizatórios da humanidade e do diálogo com outras ciências,
como a geografia e as Ciências Sociais reverberou na problematização das formas de
composição dos múltiplos contextos históricos presentes no “concerto social”. Marc Bloch pontua
a noção de que este é feito de malhas, bem frouxas. Assim, considera:

O historiador nunca sai do tempo, considera nele ora as grandes ondas de


fenômenos aparentados que atravessam, longitudinalmente, a duração, ora o
momento humano em que essas correntes se apertam no poderoso nó das
consciências. (...) Quaisquer que sejam os progressos de uma unificação da
medida do tempo, o tempo da história escapa à uniformidade: O tempo
humano ... permanecerá sempre rebelde tanto à implacável uniformidade
como ao seccionamento rígido do tempo do relógio. Faltam-lhe medidas
adequadas à variabilidade de seu ritmo e que, como limites, aceitem
frequentemente, porque a realidade assim o quer, apenas zonas marginais. É
apenas ao preço dessa plasticidade que a história pode esperar adaptar,
segundo as palavras de Bergson, suas classificações às 'próprias linhas do
real': o que é, propriamente, a finalidade última de toda ciência (idem:135-
153).

As palavras de Marc Bloch expressam a forma como o tempo humano processa de


maneira assistemática seu ritmo e como, de maneira taxonômica, a ciência histórica realiza suas
22
sistematizações. A história da instituição escolar se constitui do tempo humano e se concretiza
nas práticas sociais humanas e comuns, necessárias à sobrevivência dos costumes e da cultura
entre as novas gerações. Mas a construção histórica demonstra que escola está, por séculos,
alinhada aos percursos políticos e territoriais das sociedades, que marcam suas balizas e
caracterizam a sua taxonomia. Neste conjunto, encontram-se, de um lado, os grandes
acontecimentos que marcaram a história da educação, nas sociedades ocidentais, estruturados
de forma linear na construção do sentido histórico da escola. Mas também de outro lado, se
percebe a eterna mudança como fenômeno que alavanca a relação dialógica e a recursividade,
entre lógicas que se complementam, opõem e combatem. Desse processo continuo resultam os
ciclos, repetições, descontinuidades, os conflitos e superações de paradigmas pedagógicos
constituídos historicamente pela experiência educacional. Pode-se supor que a escola
representa, historicamente, o processo de aprimoramento e evolução de práticas e paradigmas
pedagógicos. Mas, é perceptível também o movimento e o recurso entre antigo e novo, morto ou
superado e renascido não só de maneira sequencial, que pode ser captada pela diacronia, mas
também sincrônica.

A superação do antigo pelo novo é fenômeno constante à consolidação das práticas


educativas e pedagógicas, que subsidia deslocamentos teóricos, políticos e técnicos. Os pares
antigo/moderno; progresso/reação (Le Goff, 2003), são, por exemplo, categorias que explicam
alguns dos avanços e recuos da educação e suas formas institucionais. Novamente recorrendo a
Marc Bloch, a análise histórica, como atitude ativa na organização racional do tempo, requer a
compreensão das palavras a partir das construções semânticas e etimológicas, ancoradas no
momento histórico. Trata-se da preocupação com as nomenclaturas, que deve articular tanto à
compreensão dos usos das palavras na época estudada, para evitar o anacronismo, quanto sua
ressignificação no momento histórico atual. Assim, conceitos como moderno, renovação,
infância, progresso, reforma, entre muitos outros, reverberam de maneira específica no campo
da educação, nos momentos finais do século XIX. São conceitos que expressam diferentes
processos de transformação da escola, em função das conotações políticas, ideológicas e
sociais relacionadas a este período.

O par antigo/moderno, que está associado ao campo da ideologia econômica e industrial


no ocidente, possibilita tanto a periodização de certas (des)continuidades históricas, quanto o
contraste entre concepções cíclicas e lineares do tempo. A base do antigo/moderno é o confronto
entre o que é compreendido como tradicional e, no outro lado da moeda, o que é inovador. No

23
contexto educacional, a tensão deste par nasce do deslocamento e da permanência de certos
sedimentos da educação medieva, fundada na escolástica e na cultura escolar que mais correu
o mundo ocidental com imperialismo cristão-jesuítico. É consenso que a educação talhada pelo
crivo cristão-católico criou raízes com práticas pedagógicas muito difundidas como o ensino
mútuo e a sistematização de uma estrutura curricular influente na história organização escolar, o
ratio studiorum. Com a modernidade, crescem os movimentos de tomada da educação como
instituição aberta à renovação e reforma de métodos, compatíveis à sociedade em progresso,
em relação a qual a matriz escolástica se tornou cada vez mais incompatível. Tal visão, revestida
por simulacros de progresso, se confunde com a mudança de paradigmas, mas carrega em sua
gênese a memória das marcas tradicionais-cristãs. Neste caso, pode-se dizer que o sentido
educacional definido como tradicional representa a forma escolar predominante no âmbito de um
dado contexto social, detentora dos modelos educacionais hegemonicamente legitimados, mas
que são revistos pela atribuição de novos sentidos. Assim, a renovação da educação, realizada
pela mudança de práticas e modelos educacionais, foi historicamente associada ao caráter
progressista e reformador, que visava ao aprimoramento e reforma de referências e práticas
pedagógicas. Um exemplo é o caso emblemático do pastor e reformador Jan Amos Komenský, o
Comenius, cuja célebre obra Didática Magna representou uma forma progressista e renovada de
conceber a educação e os grandes problemas epistemológicos contemporâneos do início da
modernidade. Comenius dialogou e combateu o padrão educacional jesuítico, promovendo
objetivos educacionais mais aproximados à difusão da educação entre todos e à aprimoração de
formas de ensinar mais abrangentes e efetivas. Nessa perspectiva, cravou no campo da
educação reflexões fundamentais à sua teorização enquanto área de conhecimento com
características particulares, embora mantivesse o crivo religioso em suas concepções
pedagógicas.

As transformações e mutações no plano da educação, da relação com o saber e com


conhecimento transitaram entre antigo e moderno, progresso e reação à medida que o mundo
ocidental teceu seus desvios em relação à mentalidade religiosa – que por si só apresentava
profundas tensões entre a hegemonia católica e o levante protestante – e o pensamento
moderno marcado pelo humanismo, o iluminismo e o racionalismo. Este processo atravessou a
modernidade, assumindo gradativamente, a partir do século XVIII, o caráter reformista, que
concebeu a escola funcional para a sociedade industrial e democrática, “submetida a processos
de revisão, de reprogramação, de reorganização setorial e global, (...) ligada à convergência
ideológica com o poder, mas sobretudo, à eficiência em relação às necessidades produtivas e
24
portanto técnicas da sociedade-estado-nação. (Cambi, 1999:398)”. Le Goff ainda acentua que:

As mutações de mentalidade raramente são bruscas e situam-se, em


primeiro lugar, no plano das próprias mentalidades. O que muda é a estrutura
mental. A tomada de consciência da modernidade exprime-se, muitas vezes,
pela afirmação da razão – ou da racionalidade – contra a autoridade e a
tradição (idem: 201).

E ainda,

Dois obstáculos epistemológicos impedem, no entanto, que a noção de


progresso se imponha. O primeiro consiste no fato de o modelo continuar a
ser posto no passado. O humanismo está animado de um sentimento de
progresso em relação à Idade Média, termo que o próprio humanismo
inventou na segunda metade do século XV e assenta na ideia de um eclipse
dos valores da Antiguidade no presente. O progresso nada mais é do que um
retorno aos antigos, um renascimento (idem: 247).

A consideração de Le Goff confirma o que se quer evidenciar aqui como o movimento


cíclico e recursivo na formação histórica. A ideia do progresso, que apregoa à educação escolar
e às culturas escolares a roupagem evolucionista, marcada pela ascendência ou progressão dos
modelos pedagógicos que poderiam operar na reforma da sociedade não se abstém dos recuos
ao passado e resistências de concepções tradicionais. Assim se percebe a busca pela evolução
da instituição escolar à medida que as sociedades de modificam, mas mediante a manutenção
de certas estruturas antigas que não perdem finco. Como na pintura do ilustre arquiteto italiano
Giovanni Piranesi, que abre este trabalho, o tempo modifica, move, renova, revê, mas não apaga
de um espaço social e da história, as marcas das suas linhas reais (Via Appia and Via Ardeatina).
Cabe discutir, nessa perspectiva, as potencialidades de transformação radical da instituição
escolar, especialmente servil aos diferentes momentos civilizatórios e mentalidades sociais.

A noção de progresso, assim como evolução e revolução, foi muito bem trabalhada por
Elisée Reclus, na obra O homem e a Terra, publicada em Paris, em 1905. O ensaio chamado O
Progresso, corresponde ao capítulo XII, livro IV, volume VI da obra3. O artigo de Reclus é aberto
com a epígrafe: “o verdadeiro progresso é a conquista do Pão e da Instrução para todos os
homens”, e faz uma rica análise acerca da noção de progresso e suas acepções. Inicialmente,

3
A edição utilizada é oriunda do trabalho da Editora Imaginário e Expressão e Arte, que disponibilizou diversos
ensaios da obra.
25
esclarece a questão com a consideração de que “o termo progresso não tem absolutamente
significação, porquanto o mundo é infinito e, na imensidão sem limite, permanecemos sempre
igualmente afastados do começo e do fim”. Reclus demonstra que a palavra progresso deve ser
compreendida de maneira limitada, ao se considerar as variantes históricas que constituem as
transformações sociais, econômicas e morais. A noção de progresso parece constituir, ao se
refletir com Reclus, um conceito chave na superação de tendências que a sociedade busca
romper em dadas circunstâncias ou momentos históricos. Tal como a noção de civilização:

A palavra civilização, que de hábito emprega-se para indicar o estado


progressivo de tal ou qual nação, e, assim como o termo progresso, uma
dessas vagas expressões cujos diversos sentidos confundem-se. Para a
maioria dos indivíduos, ele caracteriza apenas o refinamento dos costumes e
sobretudo dos hábitos exteriores de polidez, o que não impede que homens
de comportamento rígido e modos rudes possam ter uma moral bem superior
àquela dos cortesãos que torneiam elegantes galanteios. Outros não veem
na civilização senão o conjunto de todas as melhorias materiais devidas à
ciência, à indústria moderna (...). Mas aqueles que o estudam desde suas
origens constatam que cada nação civilizada compõe-se de classes
superpostas representando neste século toda a série dos séculos anteriores,
com suas culturas intelectuais e morais correspondentes. A sociedade atual
contém em si todas as sociedades anteriores em estado de vestígios, e pelo
efeito do contato imediato, as situações extremas apresentam um desvio
arrebatador (2011:15).

Reclus cita Leopold Von Ranke: “se houvesse progresso, diz o historiador pietista, os
homens, assegurados de uma melhoria de século em século, não estariam em dependência
direta da divindade”, ao rever o percurso da ideia de progresso em relação ao antagonismo
religioso. Para demonstrar como o progresso se movimenta de maneira recursiva, Reclus evoca
também Jean Jacques Rousseau, que dizia ser necessário retornar à natureza, numa época em
que sociólogos mais otimistas pensavam a Revolução Francesa como o signo do progresso. E
segue refletindo: “Em nossos dias, um movimento análogo de ‘retorno a natureza’ faz-se sentir e,
inclusive, de uma maneira mais séria do que no tempo de Rousseau” (idem:21). Mas, por fim,
Reclus define Progresso, com a seguinte percepção, dialogando com Kropotkin:

A conquista do Pão, tal como o verdadeiro progresso exige, deve ser


realmente uma conquista. Não se trata simplesmente de comer, mas de
comer o pão devido a seu direito de homem e não à caridade de algum
grande senhor ou de um rico convento (...). Em sua essência, o progresso
humano consiste em encontrar o conjunto dos interesses e das vontades

26
comuns a todos os povos; confunde-se com a solidariedade. De início, ele
deve visar à economia, bem diferente nisso da natureza primitiva, que
prodigaliza as sementes da vida com tão extraordinária abundância.
Atualmente, a sociedade ainda se encontra bem longe de ter alcançado esse
bom emprego das forças, sobretudo das forças humanas (idem:53).

Para Reclus, a semi-civilização somente alcançará a condição de civilização, quando a


humanidade prover a todos de pão e instrução; esta é a noção de progresso que defende. O
progresso, portanto, não serve para potencializar condições de exploração e desigualdades
entre os homens, ainda que desenvolvendo o mais aprimorado estado tecnológico, civil ou
intelectual da humanidade. Nem tampouco serve para evoluir uma instituição da sociedade,
como poderia ser a escola, num caráter reformista. A percepção de que a ciência e as grandes
conquistas do homem sobre a natureza são vãs à medida que se mantem a desigualdade de
direitos diante das necessidades elementares e do conhecimento define progresso em outros
termos. Dessa forma, Reclus toma partido da palavra progresso e também da palavra civilização,
demonstrando que a humanidade poderia alcançar uma condição de vida coletiva evoluída,
desencadeada pelo progresso na proporção em que supera as marcas de opressão e
degradação cravadas pela ordem capitalista e pela organização autoritária dos governos. Esta
defesa é que traz à educação papel tão substancial na construção do progresso e da civilização
e que permite compreender os sentidos educacionais que a educação libertária busca efetivar na
sociedade.

Este breve percurso entre algumas considerações de Marc Bloch, Le Goff e Elisée
Reclus acerca do curso e do recurso da história são muito pertinentes ao tipo de leitura da
história educacional que se quer aqui efetuar. Uma vez que a educação racionalista libertária
busca a transformação da escola, vale destacar as problemáticas envolvidas nos processos de
mudança educacional ao longo da história. Esta discussão é realizada por Francisco Ferrer,
como se verá adiante, que explicita as diferenças qualitativas entre transformar a educação e a
sociedade com uma nova escola ou transformar a estrutura já existente.

27
O movimento educacional racionalista libertário

Que progresso é esse que, de uma faísca surgindo de uma pedra, apaga-se em seguida no ar frio!
Elisée Reclus

A educação racionalista libertária é antítese da educação autoritária. Representa uma


proposta educacional comprometida com um estágio futuro de sociedade, referenciado pela ética
fundada na “liberdade, na dignidade e no valor do indivíduo como consequência de leis ditadas
pela consciência e desenvolvidas em instituições libertárias e não por fontes coercitivas externas
e autoritárias” (Accioly e Silva, 2011:100). Neste ideal, está a concepção de progresso reclusiana
oposta à escola (re)produtivista e reformista. Pautada na relação educação e transformação
social, a educação anarquista propõe, antes de tudo, outra educação, nutrida de propósitos
educacionais baseados na negação da educação ordinária.

As escolas antiautoritárias mais emblemáticas foram criadas por educadores que, além
de colocar em prática uma pedagogia nova e transformadora, proporcionaram a reflexão sobre o
papel político educação na sociedade: Leon Tolstoi, com a Escola de Iasnaia Poliana (entre 1849
e 1886); Paul Robin, com o Orfanato Prévost, em Cempuis (1880-1894), Francisco Ferrer com
as escolas racionalistas (Escola Moderna de Barcelona, entre 1901 e 1906), Sebastian Faure,
com a escola La Ruche, em Rambouillet, região próxima a Paris (1904-1917). A existência
destas escolas atravessou um campo comum, não apenas em sentidos teóricos, mas nas idas e
vindas de seus sujeitos e autores e nas relações vividas por eles. Este campo comum é
apreensível pela a lente do presente, mediante a investigação dos diversos escritos que estes
educadores fizeram circular entre educadores, intelectuais, trabalhadores, homens e mulheres
motivados pela causa comum de transformar a sociedade pelo antiautoritarismo e pela
educação.

A escola de Iasnaia Poliana influenciou grande parte da vida de Tolstoi no decorrer de


seus anos de funcionamento (1849; 1858-1862; 1872-1875; 1882-1886), que foram
entrecortados por viagens pela Europa, nas quais o escritor-educador buscou conhecimentos e
experiências sobre pedagogia. Nessas viagens, quando passou por países como Alemanha,
França, Inglaterra, Tolstoi travou contato com pessoas como Proudhon, o escritor e socialista
russo Alexandre Herzen, se aprofundando e construíndo suas críticas aos teóricos da educação
nova como Pestalozzi e Froebel. Já Paul Robin, com a experiência de Cempuis, possibilitou a
formação de saberes e referências fundamentais tanto para Francisco Ferrer como para

28
Sebastien Faure, que inclusive recebeu e utilizou na escola La Ruche materiais didáticos de
Cempuis, doados por Robin. A Liga Internacional da Educação Racional da Infância, fundada em
1908, foi um espaço que agregou além de Ferrer e Robin, cientistas e educadores de grande
importância como o matemático francês Charles-Ange Laisant, o belga Jean-François Elslander,
o inglês William Heaford, o italiano Guiseppe Sergi, e o suíço Henri Roorda Van Eysinga. Todos
eles assinaram inúmeros artigos sobre educação integral, renovação educacional, educação
laica, educação e trabalho, entre outros assuntos constantes na Revue L’Ecole Rénovée,
vinculada à Liga, editada em Bruxelas e Paris.

Estas escolas foram constituídas em nítida relação com as atividades políticas de seus
fundadores, o que confirma um exercício teórico-prático de transformação educacional, no qual a
visão anarquista ou encontrou forte eco ou foi central. As escolas racionalistas, originárias da
Espanha, eram uma proposta educacional crítica e fizeram parte de um movimento político e
social. O funcionamento de mais de uma centena de escolas racionalistas, naquele país, a partir
da primeira década do século XX, advém de um processo abrangente, personificado na figura do
pedagogo-mártir Francisco Ferrer i Guardia, criador da Escola Moderna de Barcelona. Estas
escolas constituíram juntamente com os ateneus, bibliotecas populares e sindicatos um
ambiente educativo que agregou homens e mulheres trabalhadores braçais e trabalhadores do
intelecto, com condições econômicas variadas. Há um texto clássico do Boletim da Escola
Moderna, o qual convida os intelectuais interessados em contribuir com a construção do
pensamento pedagógico racionalista:

A Escola Moderna faz um chamado veemente a quantos escritores amem à


ciência e se interessem pelo futuro da humanidade para que proponham
obras de texto dirigidas à emancipar ao espírito de todos os erros de nossos
antepassados e encaminhar a juventud para o conhecimento da verdade e a
prática da justiça, livrando o mundo de dogmas autoritários, sofismas
vergonhosos e convencionalismos ridículos como os que desgraçadamente
formam o mecanismo da sociedade presente (Boletín de la Escuela Moderna,
ano I, nºI).

Este convite fez parte de um conjunto de ações voltadas à formação de uma rede de
pessoas empenhadas com a educação racionalista. Algumas formas de associação foram
fundamentais ao movimento educacional racionalista, como a criação da “Casa Editorial
Publicaciones de la Escuela Moderna”, voltada à produção de livros sobre conhecimentos gerais
adequados ao projeto. O editorial agregou obras escritas por pessoas como Clemence
29
Jacquinet, Jean Grave, Paraf-Javal, Odón de Buen, Andrés Martínez Vargas, Élisée Reclus.
Estas obras tornaram-se referência nas escolas racionalistas da Espanha e de outras partes da
Europa e América, nas quais o movimento racionalista encontrou solo firme.

Francisco Ferrer i Guardia foi articulador e responsável por muitas ações centrais ao
movimento, o que lhe conferiu destaque no contexto educacional laico e racionalista da época.
Entretanto, este reconhecimento público de Ferrer foi resultado das afinidades políticas de um
grupo e não de episódios centralizados na ação de um mentor ou líder político. Se, por um lado,
a repressão ao movimento racionalista libertário se deu com a perseguição e assassinato legal
de Francisco Ferrer, em 1909 (fato que culminou na multiplicação de Escolas Modernas por
outras regiões do mundo, vinculadas principalmente ao movimento anarquista); por outro lado é
essencial considerar que se tratava de um grupo autogestionado e que, portanto, não funcionaria
mediante a autoridade de um líder revolucionário. Ferrer foi considerado responsável pela ação
direta de Mateo Morral, que em 1906, fez um ataque à bomba a carruagem nupcial de Alfonso
XIII, em Madrid, e pela Semana Trágica de Barcelona. Principalmente o segundo acontecimento
teve por base o associativismo revolucionário e insurrecional: “o porquê desta situação cabe
buscá-lo não só na precária vida da classe operária e no ódio que sentiam à burguesia, se não
também no espírito antimilitarista que se estava gestando desde os anos precedentes à
Primeira República (Marin, 2009, p.19)” espanhola. Trata-se de um levante popular, ao qual as
Escolas Modernas poderiam estar relacionadas apenas se considerado seu potencial processual
de transformação social. É muito significativo que um educador, que difundia a paz e a justiça,
tenha sido enviado à fortaleza de Montjuic como perigosa ameaça social e oficialmente morto.

As Escolas Modernas foram criadas na região da Catalunha, no início do século XX e se


caracterizaram pela transformação dos padrões de educação escolar, pautados no monopólio da
educação pela igreja católica e pelo Estado. A crítica estabelecida pela Escola Moderna tinha o
pressuposto de que a escola tradicional, expressão dos interesses dos governos e da igreja,
havia extenuado sua pertinência social, fundada na função de perpetuar as relações sociais de
opressão por meio da manutenção da ignorância. Francisco Ferrer, no texto La renovación de la
escuela (2009) diz

As circunstâncias mudaram: os progressos da ciência e os descobrimentos


tem revolucionado as condições de trabalho e da produção; já não é possível
que o povo permaneça ignorante; se o necessita instruído para que a
30
situação econômica de um país se conserve e progresse contra a
concorrência universal. Assim reconhecido, os gobiernos querem uma
organização cada vez mais completa da escuela, não porque esperem pela
educação a renovação da sociedade, senão porque necesitam individuos
trabalhadores, instrumentos de trabalho mais aperfeiçoados para que
frutifiquem as empresas industriais e os capitais a elas dedicados (p.119).

A pedagogia racionalista libertária era anticlerical e promovia a construção da escola


laica, mas fazia uma profunda crítica ao monopólio da ciência pelo capitalismo e pela ideologia
liberal. A vinculação da transformação escolar e social à emancipação das classes populares
representou uma das principais características que diferenciava o racionalismo libertário de
outros movimentos de educação laica e racional da época. Trata-se de um projeto de educação
popular mediado por práticas culturais e em diálogo com espaços de formação presentes no
universo operário, como os sindicatos, a imprensa, as práticas de autoeducação e o
autodidatismo. Como demonstram pesquisas já consolidadas na área de educação e cultura
anarquistas,

um dos aspectos mais fecundos da educação ácrata é o desenvolvimento


intenso de criações teatrais, imprensa, literatura, centros de cultura, todos
eles veículos pedagógicos por excelência, voltados à formação dos
trabalhadores e à disseminação do ideário anarquista. (…) Para os
anarquistas, a educação, a cultura e, portanto, a apropriação do
conhecimento pelas classes trabalhadoras sempre foram questões
essenciais. Concebem a transformação social pela criação de formas
igualitárias, anti-hierárquicas e desburocratizadas de organização, em
sintonia com a mudança de sensibilidades, atitudes, valores e não como
tomada do poder do Estado pelos partidos políticos e a constituição de uma
nova classe dirigente (Accioly e Silva, 2011:91).

A educação popular se fazia em diálogo com o sindicalismo, reforçando os meios


culturais de educação e emancipação intelectual. A crítica à adaptação do trabalhador aos
avanços da ciência para o aprimoramento do capitalismo e da fragmentação do trabalho fazia da
Escola Moderna um espaço educacional aberto às mais diversas práticas educativas, não
limitadas às segmentações entre mundo infantil e mundo adulto. Ainda que houvesse uma
organização curricular e pedagógica voltada para a educação das crianças, a prática
educacional proposta visava o alcance das famílias e trabalhadores, porque almejava a
transformação da sociedade. A Escola Moderna de Barcelona voltava-se, portanto, a formação
intelectual, cultural e cientifica das classes operárias; reflexo da ausência de condições de
acesso à educação entre as classes populares espanholas da época, principais focos das

31
políticas sociais de coação cultural e econômica. Dessa forma,

O proletariado forjou, sistematicamente, sua luta contra a ordem política


espanhola, renitente ao seu ingresso e participação no universo das decisões
e interesses das classes subalternas. A situação vivida pelos trabalhadores
parecia justificar a conhecida frase de Bravo Murillo, que à “Espanha não
necessitava homens que saibam senão bois que trabalhem”. Sabedoria
consciente ou inconsciente, grande parte dos governos espanhóis, daquele
século, não colocara a questão do acesso à cultura para os operários, como
também não encaminhara a instrução publica em seus níveis clássicos, do
ponto de vista europeu. As exceções constituem-se em algumas
intervenções, esporádicas, levadas a termo pelos municípios, pela Igreja, e
por associações atreladas à burguesia liberal. No plano estatal, não é
possível encontrar uma esforço sério e continuado para a emancipação
cultural do operariado, na esteira de outras reivindicações, até a IIª República
(Valverde, 1988:52).

Por compor um conjunto amplo de transformação educacional, a escola racionalista


libertária promovia avanços tanto na formação de adultos trabalhadores quanto na construção de
um pensamento pedagógico sobre a infância em um meio social crítico. Ferrer pautou, de
maneira muito clara, que a necessidade de transformar a escola passaria pela sua reforma ou
pela criação de novas escolas, que realizassem práticas culturais e educacionais afinadas à
“educación del porvenir” e a construção de uma nova sociedade, como se vê no texto A
Renovação da Educação:

Dois meios de ação se oferecen aos que queren renovar a educação da


infância: trabalhar para a transformação da escola pelo estudo da criança, a
fim de provar cientificamente que a organização atual do ensino é defeituosa
e adotar melhoras progressivas; ou fundar escolas novas em que se
apliquem diretamente princípios encaminhados ao ideal que se formam da
sociedade e dos homens, os que reprovam aos convencionalismos, as
crueldades, os artificios e as mentiras que servem de base à sociedade
moderna.
(...) Como conseguiremos nosso objetivo? Pondo diretamente mão à obra,
favorecendo à fundação de escolas novas onde no possível se estabeleça
este espírito de libertade que pressentimos dominar toda a obra de educação
do porvir (119-126).

As considerações de Ferrer, expressas em 1908 com a publicação deste texto no


primeiro número da Revue L’École Rénovée, tornam visível o tipo de transformação educacional
que se propunham a fazer. Este objetivo passava por uma ampla mudança de paradigmas,

32
pautada no estudo da infância, com base na nascente psicologia e na vinculação direta do
desenvolvimento da criança às questões sociais. O pensamento reformista era negado pelo
racionalismo libertário. Experiências anteriores, tal como Cempuis que fora realizada em uma
escola pública, trouxeram referências teóricas fundamentais sobre educação libertária, mas a
autogestão destas escolas, como o faz Sebastian Faure, com a La Ruche, certamente é uma
questão decisiva à coerência com seus objetivos matriciais. Um fator de grande inovação nesse
sentido era a coeducação social, base do projeto de Francisco Ferrer, que propiciava a mescla
de filhos de operários e burgueses na “justa igualdade da infância” – quando ainda não
“deturpada pela perversidade da distinção de classe”. Esta mescla era uma proposta
incompatível à realidade escolar deste período, que era claramente cindida pela classe e pelo
gênero.

Assim, aspectos como educação do proletariado, novas diretrizes pedagógicas sobre a


infância e autogestão da nova escola diferenciavam profundamente a educação racionalista
libertária de outros projetos de mudança da educação desta época. Esta compreensão esclarece
determinado sentido de “escola renovada”, expressão muito frequente na época, que, neste
caso, não se referia à escola reformada, mas à nova escola racionalista libertária.

E esta “escola renovada” libertária voltada às classes populares representavam também


uma forma de democratizar o saber e a cultura, como preocupação pungente neste período:

Ferrer y Guardia não foi o primeiro, nem o único, a interessar-se pela


educação do proletariado, no contexto espanhol, como muitos historiadores
têm afirmado. Mas, de fato, ele promoveu uma síntese, extremamente sagaz
– de sageza, como preocupação filosófica de caráter eminentemente prático
– importante e definitiva, até o presente momento, de todas as discussões e
práticas educacionais no seio da tradição socialista libertária. Para alguns
historiadores da educação sua concepção educacional não é superior a de
Paul Robin, francês, criador da ‘educação integral’ apresentada,
originalmente, durante as sessões da Primeira Internacional. Outros
pensadores e instituições, anteriormente, empenharam-se por democratizar a
cultura em terras espanholas, desde o século passado (Valverde, idem).

O reconhecimento da educação como uma conquista necessária à emancipação social e


construção da sociedade livre das relações de opressão da vida e da felicidade como bem
necessário a todos, foi uma importante marca do século XIX. Um dos ambientes que abrigou
esta discussão entre as classes operárias foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, que
germinou parte das propostas concretizadas em experiências racionalistas e libertárias. Um
33
exemplo disto é a participação de Paul Robin nos congressos da Associação, como uma das
principais referências sobre educação. As discussões sobre educação presentes na AIT
representam a forte relação entre a classe operária e as experiências educacionais racionalistas
libertárias europeias.

A Associação Internacional dos Trabalhadores e a educação

Pois bem, caminhamos para a realização deste belo sonho. Enquanto


aqueles que há séculos impõem seu domínio aos povos com a falsa
promessa de fazê-los felizes (...) a minoria inteligente de trabalhadores,
totalmente desiludida, entende-se, organiza-se e reverte ativamente a
corrente da decadência em que os déspotas precipitam a humanidade. Há
quase cinco anos, deixando de lado a retrógrada nacionalidade, proletários
de todos os países vêm-se unindo na Associação Internacional.
- Paul Robin.

A criação da AIT, em Londres, a 28 de setembro de 1864, pode ser interpretada como


“uma resposta operária à universalização do sistema capitalista” (Tragtenberg, 1986:19).

Em 1º de abril de 1863, na Revue des Deux Mondes, Charles Rémusat, partidário do


reacionário Louis-Adolphe Thiers, escreveu: “o que cresce nesse momento são as classes
trabalhadoras, sem que seja fácil dizer as causas, porque as instituições fizeram pouco em seu
favor; um progresso intelectual e moral se manifesta em seu seio e chama a atenção aos
observadores mais clarividentes e menos suspeitosos” (Dolléans, 1957, p. 251). A burguesia
culta parisiense passou a presenciar o levante moral e intelectual das classes trabalhadoras, “da
multidão desconhecida”, ao avaliar o estado moral presente nos gostos e costumes que
marcaram o ambiente cultural da era de Napoleão III. Os intelectuais passaram a considerar a
capacidade política e intelectual dos trabalhadores, que se apresentavam cada vez mais
organizados em sindicatos, agremiações, sociedades de socorro mútuo e partilharam uma visão
que conjugou seus anseios de classe internacionalmente.
Não muitas fontes historiam as primeiras experiências relacionadas à organização de um
coletivo internacional de trabalhadores que visasse à discussão das questões pungentes, parte
do universo produtivo europeu, no século XIX. Problemáticas diversas estiveram nas pautas das
reuniões promovidas pela Primeira Internacional e foram fruto da necessidade de se congregar
34
as formas de organização de trabalhadores perante a lógica produtiva, sendo ponto substancial
a organização autônoma dos trabalhadores, com base na liberdade sindical e nos interesses da
classe. Muitas questões educacionais foram tratadas nos congressos da I Internacional sob a
ótica dos trabalhadores de pensamento e ação, que apresentavam pontos de vista diversos
sobre as propostas educacionais direcionadas pelos interesses das classes populares. A
educação estava associada a um ideal moderno de construção do novo homem, em acordo com
a visão de mundo partilhada pelos trabalhadores, neste momento:

Em sua fundação, a Primeira Internacional objetiva, sobretudo a emancipação


econômica das classes trabalhadoras, mas não deixa de considerar os outros
elementos que constituem uma completa visão do homem integral (…) O
conceito fundamental contido no Preâmbulo e nos Estatutos provisórios da
Associação é que a emancipação dos trabalhadores deve ser realizada pelos
próprios trabalhadores e, assim, cabe a eles construir um novo mundo sem
fronteiras, submetendo a ideia precisa de um novo modelo de humanidade. O
movimento proletário internacional encontra, dessa forma, uma identidade
precisa, não apenas organizativa, mas também no que se refere ao seu
projeto. O homem novo, que se propõe criar a partir das cinzas da sociedade
burguesa, é totalmente diferente, representa uma clara ruptura com o
passado, supera e atravessa as barreiras da opressão e da escravidão do
trabalho assalariado (Codello, 2007:162).

Este contexto trouxe questões como: a educação integral; o reconhecimento do papel da


educação na organização autônoma dos trabalhadores; a reflexão e ponderação sobre a tutela e
manutenção da oferta educacional pelo Estado e pela Igreja; a percepção de que a educação
deveria proporcionar a emancipação humana mediante os esforços, organização e livre iniciativa
das classes populares.
Entre as décadas de 1863 e 1865, Londres e França tornaram-se palco da formação de
inúmeras sociedades de trabalhadores, associações de produção, de apoio e crédito mútuo que
tiveram como pressuposto a cooperação e a organização da classe. Em julho de 1864, em
decorrência de uma assembleia ocorrida no Saint-Martin's Hall, delegados franceses, Tolain,
Perrachon, Cohadon y Limousisn, assinantes do manifesto dos sessenta 4, propuseram aos
chefes tradeunionistas a organização de uma Associação Internacional de Trabalhadores. Karl

4
Sessenta trabalhadores parisienses firmaram e publicaram o Manifesto do Sessenta: “o sufrágio universal nos fez
maiores de idade politicamente, mas não faz falta, todavia, emanciparmo-nos socialmente. A liberdade que o
terceiro estado soube conquistar com tanto vigor e perseverança deve estender-se na França, país democrático, a
todos os cidadãos. Direito político igual supõe necessariamente um direito social igual.”

35
Marx, que esteve presente em Saint-Martin's Hall, participou do comitê de organização
escrevendo um manifesto inaugural da associação, de acordo com a teoria política que já havia
apresentado em seu Manifesto Comunista. Ao agregar trabalhadores de diversos países da
Europa, vinculados à organizações como a Associação para a Educação de Trabalhadores, de
Londres, chefes das Trade-Unions, adeptos de Garibaldi, de Blanqui, de Marx e de Proudhon, a
associação “logrou-se a transformar-se na representante da quase totalidade das organizações
independentes do movimento trabalhista na Europa e a levá-las todas a se darem as mãos numa
ampla cooperação e a discutirem seus objetivos e estratégias” (Abendroth, 1977: 37).
O primeiro congresso da AIT ocorreu em Genebra, setembro de 1866, com presença de
delegados de Londres e Paris. As discussões abarcaram temas como a soma de esforços na
luta entre o capital e o trabalho; o futuro das sociedades operárias, o trabalho cooperativo, os
impostos, o crédito internacional, os exércitos permanentes, a influência das ideias religiosas, o
estabelecimento de sociedades de socorro mútuo. Foi proposto que o conselho geral fizesse
uma estatística das condições de trabalho em diversos países com publicação de um boletim
mensal. O congresso defendeu também a necessidade de que as delegações e o conselho geral
da associação fossem compostos por trabalhadores manuais e não de pensamento.
Em 1867, no congresso de Lausane, foi eleita uma segunda comissão, cujas tendências
coletivistas antiestatistas, chamadas por seus simpatizantes de comunismo antiautoritário, se fez
maioria, assim como prevaleceram no congresso de Bruxelas, em 1868, do qual participou
Elisee Reclus. Um fator que marcou a segunda comissão dizia respeito às ideias sobre a
educação; ideias já postas por Varlin e Bourbon no congresso de Genebra, em um informe
agregado à memória da delegação parisiense da primeira comissão. Nesse contexto, foram
partilhadas visões distintas sobre o acesso à educação e seu papel na sociedade, o que
adentrava discussões referentes à liberdade de ensino, gratuidade e obrigatoriedade da oferta
educacional. Houve, assim, duas visões educacionais que se difundiram entre os
internacionalistas, se dividindo entre proudhonianos e comunistas antiautoritários. Aqueles de
tendência proudhoniana condenavam a submissão da família ao Estado na formação de seus
filhos. Assim,

“a instrução e a educação são para os internacionalistas parisienses


condições essenciais de sua emancipação: como disse Héligon, 'a ausência
de instrução coloca os trabalhadores sob a dependência daqueles que a
possuem'. Sobre este princípio mutualistas e coletivistas estavan de acordo.
Em sua memória ao congresso de Genebra, salvo Bourbon e Varlin, os outros
delegados parisienses se pronunciaram contra a instrução gratuita e

36
obrigatória. Temiam que a educação pelo Estado atentasse contra a
independência da família e a autoridade paternal; compartiam da
desconfiança de Proudhon em relação ao Estado, temendo a formação de
homens em série, de 'automatas'” (Dolléans, 1957).

Os proudhonianos atribuíam a função da educação à mulher, que deveria, conforme


defendiam, se ater ao lar e se livrar da exploração do trabalho, para poder educar um ser
humano livre, na base da família e não do Estado. Os trabalhadores do Bureau de Paris
entendiam que a educação era uma tarefa da família, uma vez que o Estado apresentava-se
hostil ao proletariado (Samis, 2013). Entre os comunistas antiautoritários, a educação era
almejada como gratuita e obrigatória para todos, sendo necessário o investimento em uma
educação que proporcionasse à criança o desenvolvimento de todas as suas faculdades,
colocando-os em contato com os conhecimentos relacionados à ciência e à indústria. A
educação seria compreendida como um bem que possibilitaria a condição de igualdade e
formação completa, rompendo com a divisão capitalista entre trabalho manual e intelectual.
O congresso de Bruxelas sediou também discussões de resistência ao militarismo e à
guerra que circundava os países envolvidos. Após esse congresso, a Internacional se estendeu
por diversas regiões, sobretudo da França, em organizações operárias que visavam à ampliação
da organização social. O quarto congresso ocorreu em Basileia, em 1869, com representantes
ingleses, estadunidenses, franceses, italianos, entre outros, de organizações operárias diversas.
Entre os delegados, estava presentes, em maioria, proudhonianos, a ala mutualista e comunista
antiautoritária, e marxistas. Nesse âmbito, inicia-se o antagonismo entre Marx e Bakunin, que
havia se filiado à Internacional após o Congresso de Bruxelas5.
É notável que os congressos da AIT, não obstante o mérito de agregar operários e
intelectuais sob a ideia de uma organização internacional atuante na oposição às relações de
trabalho e produção do período apresentavam profundas divergências dentre as matizes
ideológicas presentes. A guerra francoalemã, em 1870, foi um dos acontecimentos que provocou
divergências dentre as tendências políticas da AIT, no que se refere à relação entre os países em
questão e os reflexos entre os trabalhadores. Um dos pontos de grande divergência entre as
tendências foi a proposição de um programa único para a Associação, que definia as formas de
emancipação da classe trabalhadora e poderia considerar o papel do Estado como terreno
transitório e necessário na organização da luta política da classe trabalhadora. Apesar de
5
As nomenclaturas autoritário, marxista, antiautoritário são aqui difundidas em acordo com a literatura sobre a AIT.
Entretanto, é importante considerar as problemáticas políticas que envolvem tais nomenclaturas ou qualificativos,
sendo utilizados aqui com o intuito de distinguir as correntes.
37
apresentarem concórdia entre muitos pontos, como a socialização de certos setores
econômicos, discordavam no que dizia respeito à forma de socialização, pela gerência do poder
do Estado ou de cooperativas descentralizadas. As adesões eram fundadas em princípios
essencialmente distintos, marcados pela influência das figuras como Marx, Proudhon e Bakunin.
No caso de Phoudhon, Dolléans observa que:

El encuentro entre los obreros y Proudhon fue algo natural; y por esa razón
Proudhon es grande. Ese campesino del Franc-Comté, que fue regente de
imprenta e empleado batelero de Lyon, en casa de los hermanos Gauthier,
encarna las cualidades más aleadas del pueblo campesino; obreros
sindicalistas y empleados de salario mediano se inculcan con él por la virtud
de su esfuerzo cotidiano. Proudhon comprendía a ese pueblo por instinto, no
tuvo en su vida entera más que una ambición: desembarazar de sus
sentimientos tumultuosos el pensamiento de esos “humildes” a los cuales
pertenece por su origen y por su corazón (idem, p. 256)

O autor destaca pontos de contato entre Proudhon e os trabalhadores de Paris e de


Rouen, como a concepção comum sobre educação e trabalho. Ao defender o desenvolvimento
da capacidade política da classe trabalhadora, Proudhon empregava uma moral filosófica que
tinha como fator central a transformação do homem, de modo que um ensino humanitário,
humanista e politécnico teria a função de prover essa formação. Principalmente nos congressos
de Genebra e Lausanne, foram discutidas questões referentes à relação do estado e da família
com a oferta de educação e ensino. Questões como gratuidade, obrigatoriedade, laicidade do
ensino, a ‘fonografia’ (reforma ortográfica para facilitar o aprendizado, sugerida em 1866 por um
livro de E. Raoux, professor em Lausanne), foram articuladas ao ônus que significaria o papel
tutelar do Estado na oferta de educação para todos. No congresso de Lausanne, Paul Robin,
filiado à seção bruxelense, foi encarregado de relatar um informe sobre o ensino e outro sobre o
casamento, discutindo as problemáticas que envolviam as funções sociais entre homem e
mulher.
No debate geral, revela-se uma escala de discussões que abrange desde a defesa da
liberdade das famílias operárias educarem seus filhos, frente à hostilidade do Estado com
relação aos trabalhadores, até uma ação executora do estado nos assuntos educacionais. Várias
tendências apontaram como problema para a formação do povo o Estado tutelar que
instrumentaliza o papel da instrução à conformação e manutenção da ordem pública. (idem:184-
199). Sobre a organização política da I Internacional, diz Tragtenberg:

38
A I Internacional era de composição pluralista. Havia Marx e seus adeptos.
Bakunin defendia o coletivismo, em oposição ao estatismo, como proposta de
socialização. Proudhon, crítico violento da propriedade privada e do Estado
como defensor da mesma, pregava a revolução social e não a política, e ao
mesmo tempo, procurava um compromisso entre a propriedade individual e a
coletiva; propunha, também, a criação de um ‘banco do povo’ que oferecia
empréstimos a taxa de juros ínfimas e mantinha a ideia de haver
concorrência entre as cooperativas autônomas e o pequeno comércio
privado. Os adeptos de Proudhon foram recrutados mais entre os artesãos e
no pequeno comércio do que entre o proletariado das grandes unidades
industriais (Tragtenberg, 1986:19).

Além dessas correntes, destaca-se a de Auguste Blanqui, que se opunha ao


cooperativismo de Proudhon defendendo a conquista do poder do Estado. Lembra Mauricio
Tragtenberg (idem:20) que a irrupção da Comuna de Paris, embora com grande presença
blanquista, convocou os franceses a formarem uma livre federação das comunas francesas.
Assim, pode-se perceber a existência de contradições teórico-práticas na I Internacional. Ainda
segundo Tragtenberg, talvez essas contradições tenham conduzido Marx à construção dos seus
princípios “a partir da observação do movimento real da classe trabalhadora (...) em setembro de
1864 nasceu a I Internacional e em 1867 Marx publica o primeiro volume de O Capital” (idem).
Os primeiros congressos da Associação Internacional dos Trabalhadores entraram em
declínio por uma soma de fatos. No congresso de Basileía, conforme apontado, a chegada de
Bakunin como delegado de Lyon no Conselho Geral e a aprovação da Aliança da Democracia
Socialista, fundada por ele em 1868, agregou forças ao cenário de antagonismos; em
contrapartida, houve fatores como a presença do Partido Social Democrático Alemão, que
representou a primeira aparição de um partido trabalhista de caráter nacional.
O congresso de Haia, em 1872, marcou um importante momento da Associação que foi
a cisão entre Marx e Bakunin, em termos precisos. As resoluções do congresso que justificavam
a cisão julgaram a Aliança da Democracia Socialista como órgão secreto essencialmente oposto
aos estatutos da Internacional, determinando a exclusão de Bakunin e James Guillaume. É
fundamental evocar a presença da Federação Jurassiana nos congressos, até a cisão de Haia. A
oposição Jurassiana à existência de um Conselho Geral e do uso da autoridade na Internacional
foi outro ponto que levou à cisão.
Em 1872, foi realizado um congresso antiautoritário, em Saint-Imier, por delegados das
federações e seções italianas, francesas, espanholas, americanas e jurassianas, que tomaram
como resolução, ante a cisão de Haia, a autonomia e independência das federações e seções
operárias como primeira condição da emancipação dos trabalhadores. Opondo-se ao uso do
poder e de partidos como forma de organização de política, este congresso defendeu que a
39
associação de trabalhadores deveria ocorrer em função de aspirações, necessidades e ideias
comuns ao universo proletário, visão muito presente em Bakunin. Em 1873, o Conselho Geral da
AIT expulsou a Federação Jurassiana da organização.
A conferência internacional de Londres, de 1871, havia defendido a fundação de partidos
trabalhistas legais nos diversos países como fator essencial à revolução socialista. O quadro
social e político marcado pela guerra e a repressão da Comuna de Paris culminaram no
enfraquecimento das organizações de trabalhadores e da AIT, indicando seu fim que ocorreu em
1877. A Primeira Internacional revela um importante momento de organização da classe
trabalhadora, que se reflete na eclosão da Comuna de Paris e posteriormente, nas ações futuras
relacionadas ao movimento emancipatório dos trabalhadores.

A emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios


trabalhadores:

Esta declaração clássica compõe o Programa da Associação Internacional dos


Trabalhadores. A forma de organização dos trabalhadores para o processo de emancipação
configura um conflito central ao longo da associação. Para Bakunin, em discordância com Karl
Marx, ao se submeterem a uma centralização de decisões, os trabalhadores tornar-se-iam
prontos a servir um novo despotismo. No congresso de Haia da Primeira Internacional, Bakunin
se contrapôs à proposição de um programa político uniforme para uma associação pluralista,
que continha “todas as Federações, isto é, o proletariado de todos os países”; (...) “trabalhadores
da Inglaterra, da Holanda, da Bélgica, da França, do Jura, da Itália, da Espanha, da América,
sem falar nos trabalhadores eslavos, não desejarão”, como ele, “se submeter à disciplina
marxiana” (idem:62), que, ainda segundo ele, apesar de sábia, não poderia abarcar as
necessidades de todo o proletariado. Para Bakunin, a divisão e dissolução da Associação, vista
por ele como um lado do terrível dilema - unidade ou liberdade -, poderia ser resolvido por meio
da associação espontânea, em federações e por meio da solidariedade, no âmbito da grande
unidade política da Internacional, que se encontra não na filosofia, mas “na solidariedade dos
sofrimentos, dos interesses, das necessidades e das aspirações reais do proletariado do mundo
inteiro” (idem:64). Partindo deste problema é que se pode compreender o papel da educação na
evolução política dos trabalhadores e sua consequente emancipação mediante a incorporação
40
gradativa e progressiva dos ideais de uma revolução social, na perspectiva anarquista. O debate
de ideias construído na AIT pode ser compreendido no âmbito da luta real da sociedade,
inclusive no movimento de retorno das concepções às próprias condições sociais que deram
nascimento a elas.

A cisão entre anarquistas e comunistas, ocorrida no âmbito da Associação, pode ser


entendida como a reafirmação, para os anarquistas, da perspectiva de emancipação social que
transborda da luta proletária, incluindo-a no âmbito da emancipação humana e, portanto,
universal, como aponta Bakunin:

a primeira palavra da emancipação social (...) só pode ser a grande liberdade


humana que, destruindo todas as correntes dogmáticas, metafísicas, políticas
e jurídicas pelas quais todo mundo se encontra hoje oprimido, devolverá a
todos, coletividades tanto quanto indivíduos, a plena autonomia de seus
movimentos e de seu desenvolvimento, libertos, de uma vez por todas, de
todos os inspetores, diretores e tutores. (...) a segunda palavra é a
solidariedade, (...) que tem por bases essenciais a igualdade, o trabalho
coletivo e a propriedade coletiva; por luz norteadora a experiência, isto é, a
prática da vida coletiva, e a ciência; por objetivo final a constituição da
humanidade, consequentemente, a ruína de todos os Estados” (1989: 44).

Para que isso ocorresse, era necessária a livre compreensão da educação como fator
decisivo para a libertação humana, e não consequência automática do processo da revolução
social. A educação seria a via que levaria à livre associação e solidariedade. Elisée Reclus abre
o quarto capitulo de seu livro A evolução, a revolução e o ideal anarquista com a seguinte
consideração:

‘A emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores’, diz


a declaração de princípios da ‘Internacional’. Esta frase é verdadeira em seu
sentido mais amplo. Se é certo que sempre homens ditos ‘providenciais’
pretenderam fazer a felicidade dos povos, não é menos certo que todos os
progressos humanos foram realizados graças à própria iniciativa de
insurretos ou de cidadãos livres. É portanto, a nós mesmos que incumbe
libertar-nos, todos nós que nos sentimos oprimidos, de qualquer maneira que
seja, e que permanecemos solidários a todos os homens lesados e
sofredores, em todas as regiões do mundo. Mas, para combater, é preciso
saber. Já não basta lançar-se furiosamente à batalha, como cimbros e
teutões, berrando sob seu escudo ou em um chifre de auroque; chegou o
tempo de prever, calcular as peripécias da luta, preparar cientificamente a
vitória que nos dará a paz social. A primeira condição para o triunfo é nos
livrarmos da ignorância: é preciso que conheçamos todos os preconceitos a
destruir, todos os elementos hostis a afastar, todos os obstáculos a transpor,
e, por outro lado, não ignorar nenhum dos recursos dos quais podemos
dispor, nenhum dos aliados que a evolução histórica nos dá. Queremos
saber. Não admitamos que a ciência seja um privilégio, e que homens
situados no cume de uma montanha, como Moisés, num trono, como o
estóico Marco Aurelio, num Olimpo ou num Parnaso de papelão, ou
41
simplesmente numa cadeira acadêmica, ditem-nos leis, vangloriando-se de
um conhecimento superior das leis eternas (idem:51).

A centralidade da educação no processo de transformação social como impulsora da


mudança se justifica pela inseparabilidade da relação entre meios e fins que é recorrente no
universo anarquista. As discussões da Primeira Internacional aproximavam-se e avançavam
relativamente às propostas de modernização da educação, buscando a superação de métodos e
formas de organização do ensino baseadas em concepções tradicionais e fundadas no domínio
ideológico estatal e confessional. Diante disto, houve avanços qualitativos nas discussões sobre
educação integral que são fundamentais para os próximos anos e experiências escolares no
âmbito da educação de trabalhadores e classes populares:

Apesar dos conflitos entre as diferentes correntes políticas, a concepção de


educação integral e igualitária foi assumida consensualmente como exigência
prioritária pela Primeira Internacional, por Bakunin e Marx, e pelas tendências
que ambos representavam. Segundo eles, o desenvolvimento da consciência
revolucionária faz-se também pela educação popular, pela instrução da
população. Por isso, a Comuna de Paris, mesmo durante os períodos de luta
mais sangrenta, “não deixou de fundar escolas laicas e humanitárias para a
infância parisiense” e as organizações operárias de tendência anarquista
(Moraes et al, 2012).

Este ambiente abrigou as discussões já presentes em Proudhon e em Marx sobre a


questão da politecnia como base da educação, rompendo com a divisão e fragmentação do
trabalho. Considerava-se essencial que o ensino partisse das relações concretas da vida, e que
o trabalho fosse compreendido de forma criativa, artística e integral. Para Proudhon, era
justamente a divisão do trabalho refletida na educação que acentuava e reproduzia as
desigualdades.
A ideia de educação integral foi muito refletida e posta em prática por Paul Robin, em
uma longa trajetória que iniciou seus passos mais marcantes na AIT. Sua passagem pelos
congressos foi marcada por situações polêmicas, mesmo com anarquistas, sobretudo por se
vincular a temáticas como o neo-malthusianismo, o positivismo e o darwinismo (Robin, 1981). De
qualquer maneira a Associação proporcionou a Paul Robin importantíssimas reflexões para a
sistematização de suas ideias sobre educação integral:

Por suas tendências científicas positivas, por sua investigação ativa e


honesta da verdade e da justiça, a Associação Internacional deve ser o meio
onde estas devem se apresentar em toda a sua expansão e esclarecer com a
sua luz a ciência mais difícil, inclusive no período crítico, a ciência social. Se

42
se vulgarizarem estas noções, a Associação aumentará o seu poder, até o
dia em que não tenha mais senão querer, para estabelecer, quase sem
condições, a ordem social fundada na ciência, a qual aspira ardentemente
todo o coração apaixonado pela justiça.
Neste momento a educação integral estará já completamente organizada,
mas enquanto isto qualquer tentativa séria nesse sentido é o meio de
alcançar mais rapidamente o objetivo desejado.
No congresso de Lausane (1867), a Associação Internacional de
Trabalhadores incluiu entre os seus temas o da educação integral. No
congresso de Bruxelas (1868) foram apresentados estudos muito importantes
sobre este tema, em forma de comunicações. Não houve tempo para uma
discussão profunda, o que será feito no próximo congresso de Bâle. Isto nos
permite esperar que, dentro de poucos anos, esta ideia poderá ser posta em
prática com muita seriedade (Moriyón, 1989, p.90).

Há muitos fatos interessantes sobre a vida de Paul Robin, como se vê em publicações


como o Manifiesto a los Partidarios de la Educación Integral – Un antecedente de la Escuela
Moderna (1981) que demonstra sua inadequação à reforma da escola existente, como meio de
renovação da Pedagogia. Robin iniciou a carreira de medicina, mas terminou por dedicar-se ao
magistério. Em 1861, foi nomeado professor do Liceu Napoleón-Vendé, aonde manifestou
oposição à rigidez dos programas oficiais: “suas aspirações pedagógicas e a improvização de
sua didática (passeios botânicos, visitas, excurções, cursos de tecnologia, astronomia e música)
o apartam dos caminhos do ensino público”. Filiado ao republicanismo, Robin pediu demissão e
seguiu para Lieja, onde travou contatos com líderes internacionalistas como César de Paepe e
Eugene Hins, com os quais fundou uma associação positivista na qual davam aulas populares
noturnas e através dos quais ingressou na I Internacional, filiando à seção bruxelense em 1866.
Na Internacional, Robin foi encarregado de discutir temas relacionados à problemática
educativa; em 1869 conheceu Bakunin e tornou-se secretário da Aliança. Em 1895, Robin liderou
a criação da Liga da Regeneração Humana, que associava sua simpatia ao positivismo,
trabalhando com princípios da seleção natural e da educação integral. Com o movimento neo-
malthusiano, que se ramificou em várias correntes, Robin encontrou apoio em sociedades livre-
pensadoras, maçônicas, feministas, de caráter burguês e liberal. Aspectos interessantes do
controle de natalidade, uma de suas grandes defesas, previam a ideia de amor livre, a liberdade
da mulher, a maternidade consciente e consentida. Tais posições devem ser situadas no
ambiente da época, com todas as suas limitações, principalmente no que toca à condição
feminina, a opressão religiosa, a ignorância disseminada com relação à sexualidade. O
Manifesto aos Partidários da Educação integral, escrito em 1893, sistematizou o trabalho de
Robin depois do desmoronamento da AIT e revelou o amadurecimento de suas ideias

43
educacionais e neo-malthusianas. Neste período, ele também exerceu funções importantes,
contribuindo com o Dicionário de Pedagogia, de Ferdinand Buisson; também atuou como
inspetor de ensino durante um ano na cidade de Blois, até que em 1880 ocupou o cargo de
diretor do Orfanato Prévost, em Cempuis, no qual permaneceu até 1894. Por ocasião da
convocação para uma reunião pedagógica em 1893, Robin escreveu o Manifesto, sintetizando
suas principais ideias. A experiência de Paul Robin influencia notadamente a Ferrer i Guardia,
além de representar uma primeira sistematização de ideias e experiências educacionais
libertárias e integrais.

Racionalismo e livre pensamento

Há algumas chaves teóricas que se cruzam e estabelecem disputa no contexto europeu


de renovação da escola durante o período que abrange as últimas décadas do século XIX e as
primeiras do XX. Este ambiente filtra uma nova visão de educação pautada na ideia de
liberdade, na compreensão da condição humana em termos naturais, sociais e morais e na
noção de infância e integridade da criança diante dos estágios de formação proporcionados pela
educação.

A educação racionalista, radicalmente arraigada ao campo de transformação da


educação e da escola teve por base orientações políticas convergentes no que concerne aos
meios de ação e distintas ou praticamente opostas em relação aos seus objetivos. O
anarquismo, entre fatores diversos de superação e rompimento com modelos sociais de
governo, concebeu formas de organização educacional como fator ativo no processo de
transformação social. Nos diversos usos e fundamentos de educação escolar (nas regiões
europeias em análise por este estudo), a perenidade de certos dogmas ou verdades sobre o
processo educativo passou a ser posta em disputa. Reconhece-se que a instituição escolar por
ser dogmática em suas ações pedagógicas é também um importante meio de conservação e
réplica de permanentes verdades e certezas sociais, religiosas ou espirituais. O questionamento
sobre este papel não vem acompanhado de uma suposta neutralidade da escola, mas de certas
viragens epistemológicas que lhe conferem rupturas e evidenciam necessidades de
transformações pedagógicas. Este momento é marcado por complexas discussões sociológicas
que analisam o sentido social da educação, questionando o papel conservador, reprodutor ou
libertador da escola. A negação da escola confessional por frentes que defendiam tanto a
projeção da escola laica, gratuita e estatal que socializasse padrões civis de sociedade e
44
nacionalidade, quanto a abertura de uma educação antiautoritária e libertária, representava uma
forma de luta pela educação emancipatória para todos.

Essas transformações no campo educacional apresentaram, no final do século XIX,


aspectos essencialmente voltados à sua natureza organizacional, o que implicava na formação
de novos consensos acerca da manutenção da escola pelo Estado, pela igreja ou pela
autogestão, bem como de pressupostos teóricos e processos metodológicos de ensino-
aprendizagem. Em primeiro plano, é necessário destacar que o racionalismo é antes de qualquer
coisa um movimento de educação laica, ancorado na ciência como bem coletivo. Tal inserção
ideológica lhe confere espaço para interlocução com frentes republicanas, maçônicas,
anarquistas, socialistas, liberais, ou seja, correntes antagônicas ao regime monárquico e ao
doutrinamento confessional.

A bifurcação do racionalismo pedagógico se deu, em termos gerais, entre o que


configurou um movimento social, pautado em correntes políticas como o anarquismo e que,
portanto partilhava de visões ácratas sobre a gestão da sociedade, e o que correspondia à
constituição do Estado liberal e formação de valores civis para a construção da cidadania. Em
ambos os casos, a questão dos direitos sociais e humanos é tema de grande discussão e
vinculação ao processo educativo e à escolarização. Entretanto, para cada caso a noção de
racionalismo é substancialmente distinta. Tal distinção será tratada no desenvolvimento deste
trabalho.

A intersecção racionalismo pedagógico e educação libertária aconteceu por meio das


experiências das Escolas Modernas e muitas outras escolas racionalistas, originadas na
Espanha. Esse cruzamento resultou como fator comum o laicismo, o cientificismo, a coeducação
sexual e social, a popularização da escolarização, a renovação de conceitos sobre a infância, a
apropriação de teorias do universo da psicologia e da pedagogia para o entendimento de
realidades sobre ensino e aprendizagem e o anarquismo. Compreender a experiência de
algumas escolas libertárias no âmbito do chamado movimento educacional racionalista
representa um recorte de investigação sobre a relação entre as experiências escolares libertárias
e o campo educacional europeu em ascendência. A noção de educação sob o viés racionalista
foi uma forma histórica e socialmente situada no contexto político de ressignificação e
reorientação da educação e da potencial escolarização na Espanha.

45
Algumas razões do racionalismo educacional libertário:

O percurso político traçado pelos grupos sociais relacionados à educação racionalista é


fruto de um contexto de afirmação de certas perspectivas político-sociais. Na composição de
uma rede voltada ao racionalismo educacional, marcada por heterogenias e objetivos diversos,
alguns desencadeadores como as principais inspirações e referências políticas e a oposição ao
dogmatismo religioso, direcionaram-se à constituição de um campo pedagógico voltado, em
primeira instância, à valorização da ciência e da razão. A primazia da razão e do racionalismo,
neste contexto, resguarda a função de qualificar uma concepção de pedagogia, uma vez que:

A educação é coisa que se qualifica, que requer o uso de adjetivos


qualificativos: educação nova, educação integral, educação liberal, educação
funcional, método intuitivo, método global, método ativo, ensino magistral,
ensino não diretivo, etc. Fazer a pedagogia pode ser, simplesmente, tentar
qualificar a educação (Hameline, 2003:43).

Há uma série de circunstâncias sociais que formaram a noção de racionalismo


educacional. O século XIX sediou o amadurecimento de duas importantes raízes do Iluminismo:
a emancipação do homem e o esclarecimento. A “linhagem das Luzes” (Rouannet, 1998),
associada à Antiguidade Clássica foi protagonizada por uma gama de intelectuais ilustrados que
substanciaram o pensamento ocidental; como Diderot, Rousseau, Rabelais, Bacon, Newton,
Kant, Hegel, entre outros tecelões do Iluminismo e do Humanismo. O legado do iluminismo,
profundamente caracterizado pelo esforço racional de desencantar o mundo, teve a ilustração
como importante tendência intelectual e trans-epocal, que visava combater o mito e o poder
dogmático por meio da razão. Este combate é acompanhado, ademais, da dura crítica às
instituições sociais em predominância e crise, sobretudo no mundo feudal, em derrocada,

Eles [os filósofos] consideraram a razão como a medida crítica das


instituições sociais e de sua adequação à natureza humana. O homem,
opinavam, é essencialmente racional e sua racionalidade pode levá-lo à
liberdade. Também acreditavam na perfeição do homem. O fato de ser
infinitamente aperfeiçoável significava que o fato de criticar e modificar as
instituições sociais, o permitia realizar de maneira crescente suas faculdades
criadoras potenciais (...). Se a ciência havia revelado a ação das leis naturais
no mundo físico, quiçá podiam se descobrir leis similares no mundo social e
cultural. Assim, os filósofos investigaram todos os aspectos da vida social,

46
estudaram e analizaram as instituições políticas, religiosas, sociais e morais,
as submeteram a uma crítica implacável desde o ponto de vista da razão e
reclamaram uma mudança naquelas que a contrariavam. Em geral,
descobriram que os valores e as instituições tradicionais eram irracionais.
Isto somente era outra maneira de dizer que as instituições vigentes eram
contrárias a natureza do homem, e por tanto, inibiam seu crescimento e seu
desenvolvimento (...) por isso, esses pensadores fizeram uma guerra
constante ao irracional e à crítica se converteu na arma mais importante
(Zeitlin, 1968:13).

As correntes filosóficas e políticas engendradas pelo Iluminismo assumiram o tom da


razão e do exame crítico das verdades que enrijeciam o poder nesta época: combateram o que
consideravam superstição, fanatismo, intolerância; lutaram contra a censura e exigiam a
liberdade de pensamento; atacaram os privilégios das classes feudais e suas restrições sobre as
classes industrial e comercial; buscaram secularizar a ética. O domínio da razão e da ciência
estaria, portanto, associado à conquista da liberdade, ao progresso geral do homem e ao poder
de conduzir a vida humana segundo o reconhecimento da função crítica e criadora de seu
pensamento (Zeitlin, idem). Assim, nota-se um percurso filosófico e científico que pouco a pouco
se transfigurou em razão crítica aos grandes paradigmas da racionalidade no período posterior
às grandes transformações da sociedade ocidental europeia: Renascimento, Iluminismo e
Modernidade. Estas análises e críticas das condições sociais humanas e da ciência se
fundamentaram no principio de libertação e revolução. Tais referências estão presentes no
pensamento de Rousseau, como importante questionamento sobre a legitimidade da ordem
social. Ao trazer a lógica da natureza como fator integrador das relações humanas e da
constituição da ordem social, ou seja, considerar que a sociedade deveria estar em máxima
harmonia com as leis fundamentais da natureza, Rousseau abriu possibilidades de reflexão
sobre o que caracterizava o homem natural e o diferia do social, mas que poderia constituir suas
relações de forma harmônica em uma sociedade fundada na liberdade.

A abertura da razão para uma crítica epistemológica, fundada na relação entre realidade
e conhecimento, foi efetuada em abordagens como a obra de Kant, que indagou sobre as
condições do conhecimento e da normatividade, e, por conseguinte, dos limites da razão na
constituição do saber e normatização da vida humana. A ideia de razão sofre ainda
transformações fundamentais com a contribuição de Hegel que a concebeu como “essência em
continuo desenvolvimento; (...) o processo histórico é a manifestação do progressivo
desenvolvimento da razão nas diversas instituições sociais e culturais; e este desenvolvimento
se realiza de forma semelhante ao desenvolvimento do pensamento humano” (Zeitlin, idem, p.
47
52). Assim, com o idealismo, Hegel atribuiu à ideia de razão a perspectiva total do real, do
racional como o real, e relacionou tal processo à noção do desenvolvimento dinâmico e dialético,
o que configurou uma das suas mais fortes análises. Ao trabalhar com a ideia de
desenvolvimento dialético, Hegel expôs uma esfera de conflito no âmbito social, cujo
desenvolvimento em direção à liberdade depende da consciência e da vontade individual. O
movimento dialético seria o reconhecimento de que o desenvolvimento evolutivo da sociedade
estaria passível às mudanças qualitativas fundadas na negação ao status quo em processo
(idem, p.53).

No decorrer dos tempos, os debates da perspectiva dialética vão ser contrapostos por
visões conservadoras e adeptas de uma concepção consensual e orgânica do desenvolvimento
social, como é o caso de Comte, que defendeu uma filosofia positiva, cujo objetivo era conservar
o que era a sociedade do momento: a consolidação da nova ordem burguesa industrial. Ou
ainda Saint-Simon, que estabeleceu uma crítica à sociedade com viés transformador, na esteira
do romantismo conservador. É importante frisar a influência que Saint-Simon exerceu nas ideias
de Comte. Muitas defesas do positivismo, como o industrialismo e o internacionalismo já haviam
sido elaboradas por Saint-Simon. Para este, o desenvolvimento da sociedade se daria com a
substituição de certos elementos centrais à unidade social, como a Idade Média:

A nova unidade social devia se basear em uma nova unidade no domínio do


pensamento, dos princípios intelectuais. O conhecimento humano havia
pasado por três etapas de desenvolvimento: da teológica à metafísica e
desta à científica. O estudo da conduta humana, ao qual Saint-Simon
chamava ‘fisiologia moral’ devia converter-se em uma ciência positiva, do
mesmo modo que o estudo de fenômenos físicos se havia feito científico.
Assim, o conhecimento científico ocupara o lugar do dogma religioso, e os
homens de ciência e insdustriais serão a nova elite natural que substituirá os
líderes da sociedade medieval, o clero e a nobreza (idem, p. 72).

A ideia de transformação da sociedade elaborada por Saint-Simon direcionava-se à


crítica à ordem social, mas visualizava uma sociedade de classes propulsora de um novo
equilíbrio pautado pelo controle das novas elites (cientistas e industriais). O aprofundamento do
reconhecimento da sociedade de classes como condição a ser superada e a crítica ao
capitalismo somente são fortalecidos no debate por críticos socialistas como Proudhon e Marx.
Tanto Babeuf, Saint-Simon como Fourier são citados por Proudhon como trabalhos aos quais se
proporiam a reempreender (Ansart, 1972: 14), como a ideia saint-simoniana da dicotomia entre o

48
governamental e o industrial, que representaria a decadência do Estado. Um avanço importante
em sua análise consiste no reconhecimento do papel da indústria e suas consequências nas
relações sociais estabelecidas entre produtores e na organização da sociedade em sua
totalidade. A obra de Saint-Simon vai assim ocupar o importante lugar de impulsora de um forte
deslocamento de paradigmas e princípios da organização social, direcionando-se cada vez mais
ao predomínio do conhecimento científico em detrimento do dogmatismo religioso, e da
percepção do imane peso do industrialismo nas relações sociais. Ansart assinala que

Como Proudhon, Marx será levado a propor uma interpretação da obra de


Saint-Simon e de seu lugar na história do socialismo. Desde 1845, lhe atribui
uma concepção socialista fundamental da qual as investigações de Saint-
Simon sobre as funções sociais da ciência e dos sábios seriam um
testemunho. No Manifesto do Partido Comunista, Saint-Simon se encontra
junto a Fourier e Owen, entre os socialistas utópicos e situado no primeiro
período de luta entre o proletariado e a burguesía: havia sido consciente,
segundo estas breves indicações, de defender a clase operária, mas não
havia considerado mais que sob o aspecto de uma clase que sofre (idem:
16).

A gradativa desestabilização de grandes pilares da razão burguesa passou a ter seu


sentido cada vez mais amplificado com os fatores econômicos e políticos. Proudhon estabeleceu
na obra O que é a Propriedade uma crítica aguda ao consentimento de que a propriedade fosse
fato e direito, natural e social, defendendo a necessidade de que direitos à propriedade fossem
compreendidos a partir de sua origem: como definiram tal direito sem haver antes elucidado a
questão da sua origem? (2001: 33). A crítica estabelecida por Proudhon, que nesta mesma obra
publiciza sua auto-definição como anarquista, direciona-se à desconstrução das bases que
sustentam a razão burguesa, como suas Constituições e a Declaração dos Direitos do Homem
(1793), que promulgavam lado a lado, como direitos naturais, os ideais de liberdade, segurança,
propriedade e a resistência à opressão. Defendeu, por outro lado, que o trabalho humano
resultaria de uma força profundamente arraigada à coletividade e à indivisibilidade da
propriedade; também viu na associação livre e na inviolabilidade da liberdade, fatores que
conjugam ordem e anarquia como rechaço a qualquer forma de governo sobre o homem,
mantendo em igualdade os meios de produção e equivalência de troca e defendendo assim o fim
da propriedade:

¡La propiedad es el robo!... ¡Qué inversión de ideas! Propietario y ladrón


fueron en todo tiempo expresiones contradictorias, de igual modo que sus
personas son entre sí antipáticas; todas las lenguas han consagrado esta
49
antinomia. Ahora bien: ¿con qué autoridad podréis impugnar el asentimiento
universal y dar un mentís a todo el género humano? ¿Quién sois para quitar
la razón a los pueblos y a la tradición? (idem, p.4) La nacionalidad y la
unidad, he aquí pues la fe, la ley, la razón de Estado, he aquí los dioses
actuales de la democracia. Pero para ella la nacionalidad es sólo una
palabra, puesto que en el pensamiento de los demócratas sólo representa
sombras chinescas. (2008, p.5) El orden político descansa fundamentalmente
en dos principios contrarios: la autoridad y la libertad. El primero inicia; el
segundo determina. Este tiene por corolario la razón libre; aquél, la fe que
obedece (2008, p.5-9)

Proudhon examinou o campo da ciência e da política, na sua contemporaneidade,


estabelecendo uma crítica à ilusão política e fundamentando, mediante o dialogo com correntes
do socialismo, direções fundamentais do pensamento anarquista. Karl Marx, por sua vez,
estabeleceu a crítica aos limites da razão apontando o peso das suas circunstâncias históricas e
promovendo a análise da racionalidade humana nas suas realizações sociais, reais e históricas.
Marx e Engels, na obra Ideologia Alemã (2007), ao tecerem comentários sobre o teor idealista e
universalizante (de aspectos muitas vezes nacionais) da história versus a profundidade de sua
materialidade e estrutura de classes, alertaram à proeminência de ideias da classe dominante
sobre a classe dominada, oriundas do processo de coerção material; ideias produzidas em
certas condições materiais de sociedade e economia:

Toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava anteriormente é
obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seus interesses como o
interesse comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso
de forma ideal: é obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a
apresentá-las como as únicas racionais, universalidades válidas (p.48).

O descolamento da razão burguesa do estatuto de razão universal (razão esta europeia


e ocidental) é, portanto, acompanhado pela gradativa constituição de uma consciência política
crítica e oponente. Para Marx, a união dos proletários se daria, em primeiro plano, por razões
materiais e condições de vida predestinadas, “os indivíduos singulares formam uma classe
somente na medida em que têm de promover uma luta contra outra classe; de resto, eles
mesmos se posicionam uns contra os outros, como inimigos, na concorrência (2007, 63)”. Assim,
o socialista alemão, se referindo ao movimento dialético da história, fundado no materialismo,
elaborou uma demolidora crítica à razão burguesa e instrumental e o consequente caráter
dominador de suas ideias: as ideias da classe dominante, que “não fez senão substituir novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado
50
(2011)”. O Partido Comunista teria o papel de tornar a organização proletária possível, no viés da
classe, “e despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que
existe entre a burguesia e o proletariado” (idem). No mesmo sentido dialético tem-se aí a
constituição de outra razão, que nasce como visão de história e de mundo de “homens históricos
reais”.

A abertura deste meta-racionalismo à crítica da razão instrumental é um posicionamento


engendrado pelo pensamento socialista em franca constituição, debate e ascendência no século
XIX, como se nota em espaços de grandes embates e discussões entre intelectuais de esquerda
e trabalhadores como a Associação Internacional dos Trabalhadores. Neste núcleo se reuniram
tendências divergentes de socialismo, conforme já mencionado, que, entretanto, tinham como
principal objetivo a política de luta econômica contra o capitalismo. Aqui se nota a consistência
de diversas análises e propostas de embate contra uma sociedade que cada vez mais erigia a
bandeira da razão instrumental como razão dominante. Angel Capelletti (1978) demonstra como
Kropotkin situa esta discussão, nas seguintes palavras:

Kropotkin interpretou assim a situação: a divisão entre as duas ramas do


movimento socialista se fez aparente imediatamente depois da guerra franco-
alemã. A associação, segundo tenho já manifestado, havia criado uma
espécie de governo, sob a forma de um conselho geral com residência en
Londres; e sendo os inspiradores deste os alemães, Engels y Marx, o foi a
pedra angular do novo partido; tanto que as federações latinas seguiam os
conselhos de Bakunin e sus amigos e se deixavan guiar por eles. O conflito
entre os partidários de Marx e os de Bakunin não tinham um caráter pessoal;
era o resultado inevitável do antagonismo entre os principios federalistas e os
centralizadores, o município livre e a paternal tutela do Estado, a ação
espontânea das massas e o melhoramento das condições capitalistas
existentes por meio da legislação; conflito entre o espíritu latino e o «Geist»
alemão que, despois da derrota da França no campo de batalha, reclama a
supremacia no terreno da ciencia, no da política e também no do socialismo,
qualificando de «científica» sua concepção de estas ideas e de «utópica» a
de todos os demais.

Kropotkin demonstra que o teor das discussões políticas no processo de revolução e


combate do capitalismo burguês criou tensões também entre as diferentes formas de apreensão
da razão entre as minorias, maiorias e a relação com o poder. No interior das próprias ideias de
oposição ao capitalismo, no entanto, se avolumam divergências e classificações que
determinaram cisões históricas no socialismo. A razão engendrada pelo capitalismo foi
desvelada a partir uma crítica profunda aos pilares da sociedade moderna, sendo o grande alvo
51
dos anarquistas a autoridade e o governo dos indivíduos. O seguinte excerto de Kropotkin
demonstra a organização da sociedade mediante um governo representativo, pautado em leis
criadas pelo propósito de tanger o povo e perpetuar o poder da classe dominante como artifício
necessário ao bem estar coletivo:

É depois do trunfo da burguesia – depois da grande Revolução Francesa –


que principalmente se conseguiu estabelecer esse culto (o culto às leis). Sob
o antigo regime falava-se pouco de leis, a não se Montesquieu, Rousseau,
Voltaire, para as opor ao capricho real; tinha-se de obedecer à vontade do rei
e aos lacaios, sob a pena de ser atirado para uma prisão ou enforcado. Mas
durante a revolução e depois, os advogados chegados ao poder fizeram todo
o possível para firmar este princípio, sobre o qual queriam estabelecer o seu
poderio. Toda a burguesia aceitou-a logo, como âncora da salvação. Os
padres apressaram-se a santificá-la, para salvar a sua barca que soçobrava
nas vagas da torrente. Finalmente, o povo aceitou-a como um progresso
sobre o arbítrio e a violência do passado (Kropotkhin, 1987, 70).

Kropotkin concebeu o socialismo como ideal ético. Equacionou uma obra fundada na
ciência, observação e interpretação das relações entre os seres vivos e a natureza,
fundamentando sua teoria em diversas críticas ao darwinismo. Como se sabe, o questionamento
diante da relação entre ciência e poder econômico é ascendente no socialismo desta época.
Materialismo e cientificismo são, principalmente, formas de reação não só contra a religião, mas
também contra uma filosofia idealista posta a serviço das classes dominantes e do Estado
absolutista (Capelletti, 1978). Esse posicionamento é também declarado por Bakunin ao dizer
que “toda a história intelectual e moral, política e social da humanidade é um reflexo de sua
história econômica”. A ideia de razão associa-se visceralmente aos padrões éticos e morais
dominantes nas sociedades. Do ponto de vista do anarquismo, a (r)evolução e o progresso
social prevêm a transformação dos padrões éticos, propondo uma percepção radical da forma
como a sociedade é regida e conservada por estes padrões. Cabe aos indivíduos atuar em
oposição aos grandes pilares éticos e racionais que regem a vida social, uma vez compreendida
suas raízes e inspirações teóricas e políticas. Um dos pontos de partida desta percepção, sob a
visão anarquista, é que a finalidade da moral não pode ser transcendente, que dizer,
sobrenatural, como querem alguns idealistas; deve ser real. A satisfação moral deve ser
encontrada na vida e não fora dela. A vida material e cotidiana, pautada nas relações humanas a
priori, deve, portanto, preceder construções artificializadas pelo mundo social regido pelas
necessidades do capital. Dessa forma,

52
Na primeira metade do século XIX se iniciou, sob o nome de fourierismo,
owenismo, saint-simonismo, e mais tarde, socialismo e anarquismo
internacional, um vasto movimento que ainda que estando dirigido sobretudo
por princípios econômicos, foi também, em seu sentido mais profundo, uma
direção ética. Este movimento cuja importância é cada dia maior, tende, com
a ajuda dos trabalhadores de todos os países, não somente a revisar as
bases que em que se fundam todas as concepções morais, se não também a
reconstruir a vida de tal modo que se abram para a humanidade os caminhos
de uma nova moral. (...)
O escasso êxito dos sistemas éticos elaborados durante os últimos cem anos
constitui um indício de que o homem não se dá por satisfeito somente com a
explicação científico-natural da origem do sentimento moral. Reclama
também a justificação deste sentimento. Ao que os problemas morais se
referem não se conforma com o descobrimento de fontes do sentido moral e
das causas determinantes que influem sobre seu desenvolvimento e
refinamento. Este método basta para o estudo do desenvolvimento de uma
flor, mas é insuficiente no terreno que nos ocupa. As pessoas querem
encontrar uma base que lhes permita compreender a essência do sentido
moral. Até onde nos conduze esse sentimento/ à meta desejada, ou como
alguns pretendem, a debilitar a força e o espírito criador do gênero humano
e, em ultimo termo, à degeneração (Kropotkhin,1946:16).

Nessa perspectiva, um ponto chave do anarquismo é a busca pelo sentido ético que
deve integrar a vida em sociedade, com base na assimilação pelos indivíduos; fato que justifica a
importância do processo educativo na construção do sujeito ético e moral. A educação torna-se
experiência constitutiva das mais variadas formas de relação humana e alicerce do processo
evolutivo da humanidade. Kropotkin, em sua célebre ora intitulada Ética (1926), aponta a
questão da ciência e a importância dos descobrimentos, avanços e progressos humanos no
campo da ciência, da tecnologia e da transformação da natureza em vida consumível ao homem;
e exprime o fato de que a capacidade alcançada pela humanidade para satisfazer todas as
necessidades é superior às necessidades em si. A perspectiva do bem estar geral sem a
necessidade de subjugar o ser humano a um trabalho opressor e nivelador era, naquele
momento, século XIX, possível: “a humanidade pode finalmente reconstruir toda sua vida social
sobre os princípios da justiça”, diz Kropotkin. E ainda, questiona: “terão os povos cultos
contemporâneos a capacidade criadora e a suficiente audácia para utilizar as conquistas do
espírito humano para o bem da humanidade?” Kropotkin demonstra que a ciência tem
proporcionado à humanidade tanto compreensões fundamentais ao entendimento de sua
existência modesta, como partícula infinitamente pequena no universo, deslocando-se do centro
deste tão vasto infinito. Mas também a ciência tem demonstrado o quanto as potencialidades
humanas podem, mediante sua evolução progressiva, promover uma sociedade justa
aproveitando a infinita energia da natureza. Assim,
53
No vasto campo das instituições humanas, costumes e leis, superstições,
crenças e ideais, a história, o direito, a economia política, estudadas desde o
ponto de vista antropológico projetaram uma luz tal que bem pode-se dizer
que a aspiração à felicidade do maior numero tem deixado de ser um sonho
utópico. Sua realização é possível e está por tanto demonstrado que a
felicidade de um povo ou de uma classe qualquer não pode se basear, nem
sequer provisoriamente, na opressão das demais classes, nações ou raças
(idem:11).

Kropotkin diz que a moral é o principio fundamental da evolução e critica a filosofia


definindo-a como especulativa, não científica, por não explorar a origem empírica natural do
sentido moral que define, entre outros fatores, os princípios da ajuda e da compaixão mútuas,
como forças morais naturais que promovem a conservação das espécies (percepção de
evolução antagônica à competição, força e violência como propulsores deste processo). A visão
“utópica” anarquista é aquela que defende o bem estar e a formação integral de todos os
indivíduos que compõem a humanidade, para além dos interesses capitais, voltados à
exploração da vida para o acúmulo da riqueza material e da desigualdade de distribuição desta
riqueza. Com esta abordagem, Kropotkin propõe a construção de uma nova ética, cuja tarefa
primordial é “inspirar no homem ideais capazes de despertar a exaltação entusiasta e as forças
indispensáveis para realizar a união entre a energia individual e o trabalho para o bem comum”.
Trata-se de uma ética empírica, em oposição ao idealismo que regia, nesta época, a razão
filosófica de maneira proeminente. A ética empírica funcionaria como um termômetro que regula
as condições de harmonia entre indivíduo e ambiente circundante, de forma a buscar a
constante aproximação de um tipo ideal de vida. Este ideal deve guiar a humanidade em suas
ações, não constituindo sanções ou limitando seu campo de progresso, mas as regulando com
base no bem estar coletivo e na aplicação do conhecimento humano para o benefício comum.

A ética empírica é, portanto, dimensão da formação humana que deve compor


visceralmente o direcionamento das escolas libertárias. A educação proporcionada por estas
escolas tem o princípio de suscitar nos indivíduos a formação moral e ética necessárias ao
projeto de transformação social e à evolução humana. Uma vez direcionados os princípios
morais humanos desde uma perspectiva universal, o anarquismo suprime a necessidade do
Estado como regulador da vida em sociedade, em função de limites territoriais, vinculados às
guerras geopolíticas. O Estado, concebido como grande convenção de poder e exercício de
autoridade, pode constituir umas das maiores expressões de autoridade ilegítima contra a qual o

54
anarquismo se coloca. Esta temática é constante ao anarquismo de maneira atemporal; como
observa contemporaneamente Noan Chomsky (2011), o anarquismo se baseia na compreensão
das autoridades ilegítimas, no sentido de localizá-las e superá-las através da gradativa
transformação dos indivíduos e do meio social que os abriga. Assim,

a anarquia é uma das muitas maneiras de representar o político; o Estado é o


seu oposto, pois se apropria da capacidade que o grupo humano tem de
definir e redefinir suas normas, códigos, instituições e costumes. Essa
capacidade é condição sine qua non de toda sociedade humana. A
transformação de um poder natural/social em dominação política é a negação
da humanidade. Esse movimento não necessita sempre de coerção, mas
exige, sempre, o dever da obediência e da servidão voluntária e consentida
(Silva, 2013:62).

O anarquismo, ao conceber possíveis ideais de sociedade e convivência em uma chave


que engloba ser humano-natureza-cultura, coloca em acesso questionamentos que são
atemporais e que atravessam diferentes momentos da história em busca da superação das
relações de dominação e autoridade ilegítimas:

Mas nós realmente sabemos como organizar uma sociedade sem essa
escravidão assalariada? Talvez descubramos que isso é impossível. Eu não
acredito que seja. Mas qualquer um que não esteja aberto a essa
possibilidade não está sendo muito sério. Não sabemos o suficiente sobre a
organização das sociedades. É possível que uma estrutura social complexa –
algo como o que existe hoje, com bilhões de seres humanos, algo muito
complicado – exista e funcione sob os princípios em relação aos quais os
anarquistas estão comprometidos? (Chomsky, idem:131)

55
Racionalismo, anarquismo e transformação educacional

A segunda metade do século XIX, na Espanha, foi marcada por inúmeras turbulências
políticas e territoriais, fundadas no conflito entre a hegemonia monárquica, desde o absolutismo
de Isabel II, a monarquia democrática e parlamentaria de Amadeo Saboya, e as frentes
republicanas que instauraram a I República; consequência da Revolução de 1868. O ambiente
de instabilidade, marcado pela guerra em Cuba - a Guerra dos Dez Anos - a terceira guerra
carlista, além das diversas insurreições republicanas, se faz notar com a rápida ascensão da
Primeira República, entre 1873 e 1874, e a subsequente restauração bourbônica, que manteve
esta dinastia no poder até 1931, com Alfonso XIII. O movimento de renovação educacional se
definia com base em interesses que estavam além das fronteiras espanholas, como reflexo do
processo de secularização, industrialização e modernização da sociedade europeia. A
Catalunha, local aonde nasceu o racionalismo libertário, assim como país Basco, apresentavam
maior inclinação às correntes de desenvolvimento oriundas de países como França, Grã-
Bretanha, Bélgica e países nórdicos, caracterizados pela modernização e pela industrialização.
Esta realidade distinguia estas regiões das demais da Espanha, muito mais marcadas pela
economia agrícola. Esta conexão extrapolou, portanto, os limites nacionais e adentrou um
campo de referências sociais e políticas inscritas na modernidade, reverberando de maneira
significativa no campo educacional. Além das vinculações econômicas e políticas, algumas
regiões da Espanha, como a Catalunha, abrigaram também fortes reflexos da organização
internacional de trabalhadores, que passou a delinear a amplitude das ações anarquistas,
sindicalistas e socialistas, a partir de meados do século XIX. Este período testemunhou o
nascimento de organizações de esquerda espanholas de grande expressão internacional, como
o Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE) e mais dois importantes sindicatos, a Unión
General de Trabajadores (UGT) e a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), que vão atuar de
maneira fundamental no processo de luta das classes trabalhadoras espanholas. Sobre este
momento, o estudioso Pere Solà afirma que

De todos é conhecido que a Associação Internacional dos Trabalhadores


(AIT) de Bakunin penetra na Espanha beneficiando a conjuntura favorável da
revolução liberal burguesa de 1868, e se fortalece principalmente em dois
países, Catalunha e Andaluzia, sobretudo no primeiro. Durante o último terço
do século XIX, a classe operária libertária irradia da Catalunha a Aragão e
Castela. O anarquismo é em seguida – o que é quase sempre na Catalunha
– um fenômeno essencialmente industrial e urbano (...). No início do século
XX, a classe operária ácrata conta já com uma importante experiência de luta
e de representação (1980: 16-17).
56
A cidade de Barcelona foi o local aonde Francisco Ferrer fundou sua escola, mediante
recebimento de uma herança de sua aluna francesa, Sra. Meunier. Mas é consenso que a
Escola Moderna de Barcelona concretiza-se mediante um processo político e educacional muito
amplo, em franca relação tanto com experiências escolares libertárias anteriores, como o
Orfanato de Cempuis, de Paul Robin, quanto com o contexto sociopolítico e educacional mais
amplo de países como a França.

Conforme já observado, a educação racionalista libertária foi sendo gradativamente


constituída com base em um processo político e social relacionado à organização das classes
trabalhadoras e intensamente associado a um contexto de transformação social. Monés,
estudioso do assunto, reforça que as referências educacionais incorporadas pela Escola
Moderna de Barcelona eram oriundas de um contexto internacional abrangente e relacionado a
um estado social e político fortemente progressista. Como afirma Pere Solà (1978), o ideário
político e pedagógico de Francisco Ferrer alcançou maturidade na França, entre 1886 e 1901,
momento em que viveu neste país um período de exílio político. A França, neste período,
vivenciava a fase de consolidação da república burguesa, com a Terceira República e constituía-
se num estado com forte base rural, no qual a igreja representava ainda um importante papel na
condução de instituições sociais como a educação. Apesar disso, a república passou a ser aceita
pelo poder eclesiástico como um mal menor. A partir da década de 1890, o movimento popular
sindicalista renovou-se da força anarquista, muitas vezes confundida com ações violentas e
terroristas. As chamadas Lois Scélérates de 1892 e 1894, destinadas a reprimir o movimento
anarquista, legitimavam o poder de se desarticular qualquer manifestação popular, socialista,
sindicalista, ou anarquista, qualificadas como subversivas e terroristas. Outro fator importante
para este momento foi o famoso caso Dreyfus, que remete à perseguição ao célebre capitão de
origem judaica, Alfred Dreyfus, acusado de espionagem e condenado, no começo de 1894, de
maneira arbitrária e fundamentada em documetos falsos. Esta condenação repercutiu, mediante
alta reação e movimentação nos meios intelectuais e políticos franceses, sobretudo, o
enfraquecimento no movimento monarquista deste país. O escrito de Emilie Zola, J’accuse,
publicado em 1898, direcionado ao presidente Félix Faure, corroborou o engajamento da
sociedade em favor de Dreyfus. A França, em virtude deste acontecimento, ficou dividida entre
os apoiadores de Dreyfus, da esquerda e da República, e os monarquistas. O engajamento total
da imprensa católica no campo antidreyfusista converteu a vitória dos partidários de Dreyfus em
uma vitória da esquerda republicana contra a Igreja. Fortaleceu-se neste contexto a luta
57
republicana pela separação entre Igreja e Estado, corroborada por um ala mais radical e pelos
socialistas. A política anticlerical de cisão entre Igreja e Estado, no auge da consolidação
republicano-burguesa prosseguirá nos anos seguintes, influenciando significativamente os
movimentos políticos (Solà, idem).

Assim, o educador Allela, conforme salienta Monés (1977), como outros teóricos
libertários de seu tempo, não elaborou um ideário escolar com base apenas na referência
espanhola; o fizera com base no questionamento da política educacional de países reconhecidos
como mais avançados, cuja organização educacional era concebida pelos espanhóis como um
caminho a seguir. Entretanto, para os libertários e para Ferrer, tanto o sistema de ensino francês,
laico e republicano quanto o monárquico confessional espanhol representavam um conjunto
teórico-prático a ser superado. A ideia de que a mudança educacional representava um caminho
seguro à regeneração e modernização da sociedade era um pensamento da época, que
adentrava tanto as perspectivas das classes dominantes como as populares. Ferrer, com um
caráter crítico e voltado à construção de um novo tipo de homem, tal como salienta Monés, “um
Emílio do século XX”, reforça a posição contrária à educação confessional e estatal-cívica:

Si aquí reprochamos al Estado monárquico y a la iglesia católica que nos


hayan educado e instruido con el exclusivo propósito de que acatáramos
reverentes tolos lo que, al fin y al cabo, hemos acabado por no poder
respectar por considerarlo humillante a nuestra dignidad, igual reproche
podemos hacer al Estado republicano francés, cuyos métodos de enseñanza
tienen igualmente por exclusivo objeto inspirar el respeto de la religión y de la
republica, es decir, de la autoridad divina y de la autoridad humana; justificar
su dominio, demonstrar los fetichismos y las idolatrías, arraigar prejuicios,
exaltar la fuerza brutal de las armas, en una palabra, como se ha hecho
siempre y como se hace aún en España, entorpecer las inteligencias y las
voluntades, acostumbradas a la resignación y el sacrificio con la vaga
promesa de que todo esfuerzo halla una recompensa en este mundo de
miserias (Prat, 1940 apud Monés, 1977:39).

As escolas racionalistas tiveram como base a prática transformadora das circunstâncias


sociais. O sentido da escola se funda, portanto, na experiência coletiva e consciente de alterar o
curso histórico e a realidade social. Mas, conforme apontado anteriormente, o racionalismo foi
trabalhado também no âmbito da reforma social, com a constituição da escola como bem
republicano e democrático, arcado nas origens do liberalismo. A expressão racionalismo tem
como denotação a generalização substantiva da razão em função de dado conjunto de ideias,
métodos ou doutrina, escola ou movimento. Racionalismo representa, neste contexto, um
58
paradigma educacional, ancorado em padrões educativos que buscam redefinir a realidade
escolar e social.

Assim, as utilizações na palavra racionalismo, no campo educacional, são inúmeras.


Além de sua conotação libertária, há vertentes educativas racionalistas no âmbito do liberalismo
reformista, como o advento da escola ativa e da escola nova, que buscam reordenar a escola
“verdadeiramente normal”, ordinária. O famoso “Dictionnaire de pédagogie et d’instruction
primaire” de Ferdinand Buisson designa que “a racionalidade se torna uma característica da
verdadeira educação” (Hameline, idem, p.47). A compreensão do racionalismo como movimento
social poderia, portanto, exprimir duas direções: a escola laica e republicana, paradigma do
Estado liberal; e a escola que germinou entre os socialistas, anarquistas, sindicalistas e o
movimento operário.

Alguns dos elementos que definem o racionalismo pedagógico no século XIX são o livre-
pensamento, o laicismo e o cientificismo. Ao serem concebidas neste movimento, estas práticas
sociais são interligadas por interesses comuns ao objetivo de transformar a sociedade, erguendo
bandeiras para derrubar poderes tradicionais como a monarquia e a religião católica. São
elementos que estão presentes entre republicanos e anarquistas.

A questão do livre-pensamento foi essencial para a transformação da educação escolar,


desde meados do século XIX. Era necessário que o conhecimento escolar fosse renovado por
bases livre-pensadoras, que abrissem a formação escolar para a ciência e para a totalidade da
população. As correntes de livre pensamento de maior reflexo surgiram na França, pós 1848 –
como oposição sistemática e difusa aos domínios de tradições e crenças, sobretudo religiosas.
Os livre-pensadores eram, em geral, anti-clericais ou anti-esclesiásticos, e não necessariamente
ateus; tendências que se desdobrarão nos movimentos de livre-pensamento, em países
predominantemente católicos, mas também naqueles em que o domínio protestante se
destacava; entre os quais pode-se citar Bélgica, Itália, Espanha, Grã-Bretanha, EUA, Alemanha.
A partir de 1880, com a fundação da associação “l’Internationale de la Libre Pensée", foram
sendo consolidados, pouco a pouco, alguns dos principais objetivos e defesas desta corrente de
pensamento, como o propósito de propagar ideias racionalistas, libertar a humanidade de
preconceitos religiosos e garantir a liberdade de consciência. A partir deste período, ocorreu uma
série de congressos, em cidades como Londres, Paris, Amsterdan, Bruxelas, Genebra, Madrid
Roma, Lisboa, Buenos Aires e Praga, até o momento em que eclodiu a primeira grande guerra
europeia, portanto entre 1881 e 1913 (Lalouette, 1972).

59
O período é marcado pela coexistência de livre-pensadores que conservavam, de um
lado, teses deístas ou espiritualistas e, de outro, notadamente ateus. As discussões voltadas a
esta temática foram veiculadas em alguns periódicos franceses, como La Libre Pensée, La
Pensée nouvelle, Le Démocrite, L’Excommunié, L’Athée, que sustentavam o ateísmo ou o
anticlericalismo sobre abordagens filosóficas, morais e políticas, e se opunham à escravização
humana sob estes aspectos (Lalouette, 2002). O periódico francês La Libre Pensée publicou, na
seção Programa, algumas linhas gerais do livre-pensamento, nos seguintes termos:

Nós não aceitamos a autoridade de qualquer seita, nenhuma escola, nenhum


homem, seja qual for a sua fama, uma afirmação contrária aos fatos
observados. Não admitimos outras regras que os do método experimental.
Todo homem inteligente deve poder hoje, pensamos, se associar aos
movimentos de idéias (...) Propagar o conhecimento das leis da natureza,
que só podem contribuir para fazer o homem feliz e livre serão os objetivos
de nossos esforços constantes (La Libre Pensée - n.ºI, de 21/10/1866)6.

A perspectiva anti-clerical e a legitimação do saber advindo da experiência e razão


científica configuraram umas das principais bases ideológicas e morais dos livre-pensadores.
Como corrente de pensamento - e isso decorre de momentos históricos de antagonismos e
questionamentos ao poder da Igreja, tais como a onda de valores laicos e republicanos advindos
da Revolução Francesa, das Revoluções de 1848, da Comuna de Paris - o livre-pensamento
criou ramificações em espaços cada vez mais fundamentais da sociedade. A questão do ateísmo
ou do anti-teísmo e anti-clericalismo serão, portanto, posicionamentos comuns entre livre-
pensadores, e vão marcar significativamente o século XIX, como afirma Jacqueline Lalouette
(2002):

Século cristão da renovação de algumas ordens religiosas e florecimento de


congregrações, do nascimento de novas devoções, da ação de altas
personalidades católicas ou protestantes em diferentes domínios, o século
XIX foi também um século de ateísmo7.

6
Nous n’acceptons sur l’autorité d’aucune secte, d’aucune école, d’aucun homme, quelle que soit leur renommée,
une affirmation contraire aux faits observés. Nous n’admettons d’autres règles que celles de la méthode
expérimentale. Tout homme intelligent doit pouvoir aujord’hui, pensons-nous, s’associer aux mouvements des idées
(...) Propager la connaissance des lois de la nature, qui peut seule contribuer à rendre l´homme hereux et libre será
le but de nos constants efforts.
7
Siècle chrétien par le renouveau de quelques ordres religieux et la floraison des congrégations, par la
naissance de nouvelles dévotions, par l’action de hautes personnalités catholiques ou protestantes dans
différents domaines, le XIXe siècle fut aussi un siècle d’athéisme.
60
O termo ateísmo pode designar a indiferença pela religião, como ateísmo prático, ou a
vontade, com base na inteligência e reflexão, de rejeitar qualquer crença em Deus, na condição
de ateísmo teórico. A ideia de Deus como principal fonte de subjugação e humilhação humana
conserva em seu cerne a defesa dos direitos do homem, mediante a recusa a qualquer tipo de
tirania associada ao poder divino. Consideravam fundamental a dissociação de toda autoridade e
de todo o poder absoluto entre o campo da política e da religião, uma vez que seria esforço vão
“desmonarquizar a terra sem desmonarquizar o céu” (idem:4). Tais princípios são evidentemente
compartilhados por anarquistas franceses, como Séraphine Pajaud e Sebastien Faure; e
constituem convergência entre o pensamento anarquista e as correntes de livre-pensamento em
franca ascendência. Em concordância à derrocada da ideia de Deus, ocorria a intensa ascensão
do laicismo nos mais diversos âmbitos da sociedade, entre os quais a educação, estabelecendo
inevitável intersecção ao campo do livre-pensamento e dos direitos do homem. Como visto
anteriormente, a heterodoxia característica deste período permitia, no entanto, tanto o levante
moral da fé no homem e na ciência, fundada em um ideal de dignidade, direito e fraternidade,
quanto a constituição da ideia de direito humano sobre as bases burguesas do espírito do
mercado e do sucesso material.

A região na Espanha que corresponde à Catalunha, sobretudo a cidade de Barcelona,


grande foco industrial nas décadas finais do século XIX, foi ambiente de inúmeras tensões entre
a dominação do clero em diversificados ramos da sociedade e a população trabalhadora
submetida a este poder, como via predominante de sobrevivência. Explosões populares como os
denominados Sucessos da Semana Trágica, em 1909, são reflexo do lento processo de
efervescência de interesses, necessidades e ideologias em um país marcado pela complexidade
de suas culturas.

A educação racionalista nasceu em solo de profunda negação ao clero e de superação


de seu domínio ideológico, econômico e político na Espanha. Esse processo, certamente vigente
e mais avançado na França, reverberou nas cidades espanholas, como Barcelona, uma série de
reações expressas pela revolta popular. Tratou-se do estopim da relação de dependência,
concretizada pela caridade clerical em relação àqueles que necessitavam de auxílio à
manutenção de necessidades básicas, como educação, habitação, alimentação: a classe
operária. Os operários se submetiam às ações de caridade que, em contrapartida, os impunha a
fidelidade religiosa. O clero possuía larga escala de atuação na sociedade que os promovia e
legitimava enquanto autoridade, justificando suas necessidades financeiras, sustentadas por

61
uma rede de troca de conveniências e abrindo margem para a oposição ao clero:

“En las barriadas obreras, las parroquias contaban con pocos sacerdotes y
estos solían vivir tan pobremente como sus propios feligreses. En contraste,
los miembros de las órdenes religiosas vivían por lo general en grandes
edificios abiertos sólo parcialmente al público. Esta circunstancia creaba un
hálito de misterio que la propaganda anticlerical explotaba con buenos
resultados. A estos edificios concurría el obrero para recibir la única
educación que se le ofrecía a él y a sus hijos (a excepción de unas pocas
escuelas seculares oficiales o privadas). Los ancianos y los huérfanos
recibían allí asilo, y todas las dádivas de la caridad (alimento, dinero, ropas)
procedentes de fuentes públicas o privadas, eran distribuidas por iglesias o
conventos. El clero dirigía oficinas de colocación para hombres y mujeres y
los industriales daban preferencia a la gente procedente de ellas (Marin,
idem)”

A caridade era antes uma forma de dominação e criação de dependência. O exercício da


vida religiosa em si acontecia mediante pressões psicológicas e sociológicas, encarnando em
seus fiéis uma espécie de comportamento de crente fariseu que incomodava o meio operário e
compunha o conjunto de oposições ao dogmatismo clerical. O anticlericalismo, ao negar este
domínio, estava associado tanto à necessidade de transformar o contexto pragmático de
sobrevivência da classe operária, quanto ao posicionamento ideológico laico e progressista. O
processo educativo, pela via escolar, era reconhecido como fator essencial à manutenção deste
estado de coisas, de modo que, para o clero, o domínio da educação escolar representava não
somente a manutenção de uma visão de mundo, mas também um domínio financeiro, uma vez
que recebiam muitos incentivos financeiros para a promoção deste serviço à sociedade. As
escolas racionalistas tinham, portanto, como foco principal as classes operárias,

El esfuerzo de la iglesia por dominar la enseñanza en España suscitó tanto


antagonismo entre la clase media y obrera con el de las órdenes religiosas
por hallar nuevos medios de sustento financiero. Estos dos empeños estaban
relacionados muy estrechamente entre sí, ya que la controversia sobre el
sistema escolar consistía no solo en diferencias ideológicas, sino también en
el intento del claro regular de aumentar sus rentas por medio de la
enseñanza pagada por los estudiantes o por subvenciones gubernamentales.
Tanto en España como en Francia, la cuestión educativa constituía el núcleo
del problema de las órdenes religiosas: 294 de las 597 comunidades
religiosas masculinas en España de 1900 se ocupaban de la enseñanza, lo
mismo que 910 de las 2656 comunidades femeninas, cifras que explican por
qué el sistema escolar católico pudo extenderse con tanta rapidez durante el
periodo de la restauración. Algunas de estas órdenes daban enseñanza a los
hijos de los obreros a trueque de subvenciones gubernamentales, pero la
orientación general del sistema de enseñanza católico (bajo la dirección de

62
los jesuitas, escolapios y maristas – Instituto de los hermanos maristas de las
escuelas) era promocionar escuelas que le aseguraran unos ingresos y
también un papel tutelar sobre las clases acomodadas, de las que se habían
alejado cuando estas adquirieran tierras desamortizadas de la iglesia (idem).

O racionalismo oportunizou à sociedade espanhola a defesa de um eixo central: a


defesa da laicização da sociedade. Este estado de ideias certamente encontrou no campo
educacional profunda ressonância. No que concerne à organização da educação, a ideia de
laicidade atravessou diversos discursos, associados a marcos cristalizados pela história da
educação, que tinham claro interesse na dissociação igreja-escola. Condorcet, por exemplo, ao
escrever suas Cinco Memórias sobre a Instrução Pública, e propor um plano de organização
geral de educação pública francesa em 1792, fundamentou-se na separação entre igreja e
escola, associando à função do Estado - de oferecer e propiciar igualdade e acesso à educação
pública - a construção do cidadão livre da ignorância e, portanto independente de tiranias
religiosa, doméstica, familiar ou mesmo estatal. Esta perspectiva de educação pública e laica,
portanto, se estendeu à independência das religiões, mas também dos poderes políticos
constituídos do mecanismo ideológico catequista das escolas, fossem elas confessionais ou
republicanas:

“O poder público não tem o direito de associar o ensino da moral ao ensino


da religião. A esse respeito, sua ação não deve ser arbitrária nem universal.
Já vimos que as opiniões religiosas não podem fazer parte da instrução
comum, já que, devendo ser a escolha de uma consciência independente,
nenhuma autoridade tem o direito de preferir uma à outra, e disto resulta a
necessidade de que o ensino da moral seja rigorosamente independente de
tais opiniões. O poder público não tem o direito de ensinar opiniões como se
fossem verdades” (Condorcet, 2008, 47).

A constituição do termo laicidade e seus princípios funcionais foram, portanto, recebendo


sentido e reconhecimento prático como elemento necessário à organização da escola e à
modernização da sociedade. Ainda na França, a laicização do ensino foi amplamente estimulada
pelas iniciativas de Jules Ferry (Delahaye, 2011), responsável por reformas em todos os níveis
escolares, agregando também aos programas escolares a instrução moral e cívica (1882) e
suprimido o ensino religioso dos programas de instrução primária. Entretanto, nos mesmos
programas de estudos morais, figuravam lado a lado conteúdos como “os deveres para com a
pátria, para com os pais e para com Deus”, o que cairá em desuso progressivo até o

63
desaparecimento em 1945:

Não existe definição jurídica para ‘laicidade’ que, no entanto, se tornou um


princípio constitucional. Esta palavra, formada a partir do étimo grego Laos –
ou seja, o povo enquanto distinto dos clérigos -, aparece, na França, em
meados da década de 1860 e entra no dicionário Littré depois de 1870.
Enquanto a palavra laicidade não chegou a ser utilizada pelos legisladores de
1882, que haviam estabelecido a separação entre Igrejas e Escolas, nem em
1905 que definiam a separação entre Igrejas e Estado; será necessário
esperar o ano de 1946 para que o termo ‘laica’ seja introduzido, como
atributo da república, na Constituição Francesa (Delahaye, 2011, 536).

Na prática, há experiências muito significativas já em 1830, como o caso da


Universidade Livre de Bruxelas que representou importantes apropriações na questão da
laicidade, em uma perspectiva liberal:

La Universidad libre de Bruselas apareció desde sus inicios dispuesta a no


depender ni del Estado ni de la Iglesia. Se basaba en los principios del libre
examen y de la tolerancia religiosa. El equipo de sus profesores estaba
ocupado en impartir una enseñanza racional, no sometida a dogmas, ni
autoridades externas a la razón y a la naturaleza de las cosas. La masonería
estaba presente en su espíritu, en los miembros fundadores y en sus
protectores. La Universidad vivió sus primeros diez años principalmente de
las suscripciones realizadas por todo el país, siendo a menudo intermediarias
las logias (Mateo, 1995:471).

Neste momento, o krausismo e a maçonaria encontraram fortes ressonâncias, por meio


da ação de liberais como Arhens e Tiberghien, ambos professores da Universidade Libre de
Bruxelas. Esta corrente tinha como base os princípios de liberdade civil e moral, fundando-se na
razão humana, na busca pela verdade e em um novo modelo de organização social. Em 1865,
foi fundada La ligue de l’Enseignement, por liberais belgas, movidos pelo objetivo de expandir a
escola neutra com base no principio da utilidade pública. Com pressupostos racionais, a escola
deveria garantir liberdade de consciência aos cidadãos, cooperando com a construção de uma
sociedade civil harmonizada ao Estado.

Esta perspectiva liberal e racionalista, matizada sobre o pensamento, principalmente, de


Arhens e Tiberghien, será influencia fundamental à constituição da escola laica liberal na
Espanha, cujo maior expoente foi a experiência de La Institución Libre de Enseñanza (ILE), que
teve entre seus principais representantes Francisco Giner de Los Rios, Joaquín Costa, Augusto
González de Linares, Hermenegildo Giner, Federico Rubio . Embora esta instituição tivesse
como pressuposto o laicismo e a modernização da educação em acordo com concepções

64
liberais, é possível notar o intuito de que a mesma mantivesse como perspectiva a autonomia
diante de dogmas oficiais, fossem eles religiosos, políticos ou morais. A ILE, em sua origem que
remonta a 1876, tinha um caráter institucional contrário à tutela Estatal, sendo criada como
estabelecimento de ensino privado voltado em primeiro plano ao ensino universitário e
posteriormente à educação primária e secundária. A autonomia diante do Estado demonstra a
inserção deste grupo no campo de turbulências progressistas marcadas, sobretudo, pela
Revolução de 1868, em oposição ao reinado de Isabel II, processo de confluências políticas que
culminou no posterior estabelecimento da breve I República espanhola. A ILE, conforme análise
de Mateo,

Se presentaba como completamente independiente de todas las confesiones


eclesiásticas, de todas las escuelas filosóficas, de todos los partidos políticos,
y consagraba la plena libertad del profesor (...); los objetivos de la educación
impartida no eran la instrucción en si misma sino ‘elevar, y elevar no solo la
inteligencia como generalmente se pide hoy a la escuela, sino al hombre
entero’. La aplicación de los procedimientos intuitivos: forjar y desarrollar las
facultades intelectuales de los niños, no le basta; quiere principalmente
formar al hombre al largo de toda su vida en medio de la vida y para la vida...
(idem:474).

A Institución Libre de Enseñanza era formada por um grupo aberto às diferentes


correntes progressistas do pensamento europeu, sendo, tal como a Escola Moderna, propulsora
do racionalismo. Os pontos de convergência entre ambas as experiências, ancoradas na
perspectiva racionalista, consistem em aspectos de renovação educacional do ponto de vista do
entrelaçamento entre política e metodologia, como a emancipação do homem mediante sua
formação científica e recusa aos dogmas religiosos e políticos. A principal bifurcação se dava no
campo político, entre o caráter reformador da Institución Libre de Enseñanza e o revolucionário
da Escola Moderna: Ferrer visava com seu projeto a revolução social total. Além de fatores de
divergência como a questão religiosa; Ferrer se declarava ateu ao passo que os professores
ligados a ILE mantinham uma postura mais moderada como agnósticos ou ecumênicos. Há
ainda a questão da origem social dos alunos: a ILE se voltava a famílias economicamente
abastadas e politicamente moderadas, ao passo que a Escola Moderna tinha em seu projeto as
classes operárias. Nesse sentido é que Ferrer foi concebido como personagem de “difícil
classificação, entre o anticlericalismo operário e a esquerda burguesa progressista” (idem, 479).
Fortemente afeitas à maçonaria e ao livrepensamento, as escolas laicas e livrepensadoras
possibilitavam o encontro destas correntes, ainda que muitas vezes divergentes em essência.
Neste contexto de encontros e desencontros, Giner de los Rios era admirador de anarquistas
65
como Juan Grave e Elisée Reclus, ainda que apresentasse profundas divergências ao ideário
anarquista, conforme a percepção contemporânea de que esta corrente política se sustentava
sobre os princípios da violência revolucionária e ataque direto às instituições, o que de fato
constituía postura da grande maioria dos anarquistas dos novecentos, por meio da ação direta,
salvo a minoria de adeptos de Tolstoi:

Si para neutralizar las aportaciones pedagógicas de Francisco Giner de los


Rios el apelativo ‘krausista’ era eficaz, contra Francisco Ferrer el calificativo
‘anarquista’ era fulminante. El primeiro desviaba la atención hacia la
metafísica, el idealismo, la heterodoxia, el panteísmo o el ateísmo, por
paradógico que resulte. El segundo sugería directamente la tea del
incendiario, la destrucción total de las creencias, la família, la economía, el
ejército, el Estado, la iglesia, las leyes (idem, p.477).

Confome será mencionado, Ferrer manteve contato e amizade com anarquistas como
Reclus, Grave, Robin, Kropotkin, Charles Malato, Anselmo Lorenzo, Tarrida Marmol, e muitos
destes que contribuíram direta ou indiretamente com a Escola Moderna ou com as edições de
livros, e evidente relação com a luta sindical, o sindicalismo operário, em concreto, o
“sindicalismo enseñante” (Solà, s/d:36): “Ferrer promovió diligentemente y pagó el periódico La
Huelga General. Periódico Libertário, aparecido por primera vez en Barcelona a mediados de
noviembre de 1901, que dirigía no sin dificultades Ignasi Clarià, calificado por diversas fuentes
como persona puente entre los anarquistas y Ferrer y entre este y A. Lerroux” (idem)”. Pode ser
dizer que a característica mais fundamental da vida de Ferrer é sua habilidade de transitar e
estabelecer laços políticos com o meio republicano mais radical, maçons, anarquistas,
sindicalistas, evidentemente afinado com o propósito de promover a revolução da sociedade,
tendo como um dos principais meios a educação.

66
Francisco Ferrer i Guardia

“Detesto los nombres de toda formación política, se llame anarquista o carlista.


Cualquier partido, sea cual sea, es un obstáculo a la tarea educativa emprendida por
la Escuela Moderna...
Siempre he negado ante el tribunal que fuera anarquista. Ésa fue mi respuesta,
porque aquí se cree que un anarquista es una bestia sedienta de sangre, un enemigo
de la humanidad y un secuaz del demonio y defensor de su causa. Pero resulta que
yo no soy ninguna de estas cosas.
Al contrario, condeno el derramamiento de sangre y mi único propósito es la
regeneración de la humanidad, y amo e actúo en nombre del bien.
Y sí me califican anarquista basándose en una declaración publicada en la que hablo
de ideas de demolición de la mente, he de contestar que aquí están los libros y
Boletines de la Escuela Moderna, en los que han de encontrarse, en efecto, ideas de
demolición. Pero, presten atención, ideas de demolición de la mente, es decir, la
introducción en la mente de un espíritu racional y científico que demolerá todo
prejuicio. ¿Esto es anarquismo? De serlo, confieso no haberlo sabido, pero en ese
caso sería un anarquista, en la medida en que el anarquismo parezca adoptar mis
conceptos de la educación, de la paz, del amor, y no porque yo haya adoptado sus
métodos o procesos.”

(Francesc Ferrer i Guardia, declaración publicada en 14 de noviembre de 1906, en


España Nueva apud Archer, Willian, 2010,p.68).

Ferrer i Guardia foi homem de profunda e ativa crítica à sociedade em que viveu e
arquiteto de uma concepção educacional que buscou demolir os padrões da chamada educação
escolar tradicional - e ordinária. Suas reflexões e experiências são ainda hoje muito pertinentes à
organização política e pedagógica da escola e seu papel na sociedade; mas, sobretudo seu
trajeto de vida pode ser assinalado como a grande causa do sucesso das Escolas Modernas
pelo mundo. Conforme ele mesmo constatava, quanto maior a repressão político-religiosa, mais
seu nome era levado àqueles que compartiam de ideias semelhantes. Em correspondência a
Charles Malato, de 09/11/1906 (Muñoz, 1971), Ferrer fala de forma muito confiante sobre seu
estado de saúde, enquanto estava preso em Madrid, no Cárcel Modelo, após o fechamento da
Escola Moderna, em 1906. E ainda lembra os incautos equívocos dos jesuitas em relação a sua
pessoa e seu trabalho: “Nada me asusta, nada me hace miedo. Seguro de mi inocencia no he
sufrido un segundo de abatimiento. Al contrario, doy cada instante millones de gracias a los
jesuitas porque, con mí prisión y sus inquietudes, laboran ardientemente por la Escuela Moderna
y, en consecuencia, por la enseñanza racionalista mundial”.
O principal crime de Francisco Ferrer foi promover ativamente, sem cessar, a educação
racionalista. Sustentado pelo propósito de revolucionar a sociedade em que vivia e buscando
meios de promover alterações sociais profundas e radicais, a educação racionalista, o
67
sindicalismo e a autonomia das classes operárias foram os meios aos quais Ferrer mais se
dedicou. Ao que é possível se notar por sua trajetória de vida e seu trabalho, Ferrer não
alimentava intenções explícitas de promover esta luta com ações como regicídio, apesar de ser
próximo de Mateo Moral, o jovem que atentou contra Alfonso XIII, em Madrid. O que se nota é
que Ferrer defendia antes a paz mediante a organização de uma nova sociedade por um novo
racionalismo: “en el caso de la Escuela Moderna, los niños eran futuros cuidadanos insumisos, o
muy críticos com su entorno, al estilo de los primeros desobedientes civiles americanos del siglo
XIX (Marin, 2000:169)”. O cerco à sua figura incômoda se deu de forma arbitrária, como relatam
biografias e textos historiográficos dedicados à sua história (SOLÀ; MARIN; DELGADO; SOL
FERRER; ARCHER; SILVA): era preciso sucumbir com todo o diâmetro de ação do perigoso
agitador e educador que desafiava as autoridades eclesiásticas e a monarquia espanhola:

¡Ferrer murió a los cincuenta años; sus últimas palabras fueran “Soy
inocente! Viva la Escuela Moderna”. Los responsables directos de este
lamentable asesinato fueron los diplomáticos del Vaticano e los jesuitas de
España. El obispo Casaños (jefe del clero catalán) dijo en la catedral de
Barcelona: La palabra de Dios, por mi boca, señalara, pues, sin tener
necesidad de pronunciar su nombre, en este santo lugar, al que es culpable
de la potencia del laicismo y del racionalismo, el verdadero declarados de la
catástrofe que diezma a nuestra Santa Iglesia y que pone a sangre y fuego a
España entera. No obstante, después de la ejecución, el nuncio apostólico
hizo llegar al procurador del tribunal militar, principal responsable de la
condena de Ferrer, una espada de honor con la empuñadura de oro labrado,
con las felicitaciones y la bendición de Pio X (Muñoz, ibidem).

A história de Francisco Ferrer muito debatida, discutida e divulgada, sobretudo, na


Espanha, se divide pelas vias do mártir e do incendiário. De fato, ele foi um livrepensador a seu
tempo; além de um homem muito ativo e combatente, que deixou à posteridade a história de um
assassinato oficial, que ainda hoje ressoa em monumentos, homenagens, recordações na
cidade de Barcelona, e em cidades por onde passou e criou raízes, como Bruxelas. É comum,
nos dias de hoje, encontrar entre os catalães não só o reconhecimento da história de Ferrer
como importante educador de Barcelona, mas também lembranças de familiares antigos que
estudaram em escolas livres ou racionalistas inspiradas em Ferrer, ou mesmo na Escola
Moderna. Mas, na época de Ferrer este reconhecimento não era o mesmo, como lembra Joan
Ferrer:

Francesc Ferrer i Guardia, el revolucionario catalán admirado y discutido de


todo el mundo menos de los catalanistas. Ferrer es el hombre típicamente
subversivo, el compañero de conspiración de Ruiz Zorrilla, que al final, de
68
alguna manera, llegó a comprender que los republicanos a la burguesa no
son capaces de resolver, ni de afrontar, el problema social (apud Marin,
idem: 167).

Nascido em Alella, em 1859 e morto em Barcelona em 13 de outubro de 1909, na bela


montanha de Montjuic, Francisco Ferrer teve origem humilde; família de agricultores, arraigados
ao pensamento monárquico e católico predominante na época. Em sua juventude, Ferrer
deslocou-se para Barcelona, onde travou contatos muito profícuos com republicanos e
progressistas, como seu primeiro patrão, Pablo Osório, republicano, anticlerical e livrepensador,
comemorando juntos a 1ª República espanhola em 1873. Nesta época, constituiu sua primeira
biblioteca, travou contato com a obra de Bakunin e conheceu Anselmo Lorenzo. Em 1878, e
devido a estes contatos, Ferrer iniciou um trabalho de revisor da linha de trem que corria a
Catalunha rumo Pirineus, trajeto Barcelona-Portbou-Cervera, posto no qual permaneceu por sete
anos. Este percurso o levou aos primeiros contatos com a França e ao seu posterior exílio neste
país, em função de sua relação com Ruiz Zorrilla, atuando como seu secretário, pós-perseguição
do general Villacampa. Como mencionado anteriormente, a vida política e combatente de Ferrer
foi potencializada em Paris, entre 1886 e 1901, devido a forte vivencia cultural e os inúmeros
contatos estabelecidos neste ambiente. Para França também levou sua primeira esposa, Teresa
Sanmartí, passageira frequente na linha na qual trabalhava, com quem teve três filhas e um
desfecho triste: Teresa o alvejou de tiros em Montmartre. A vida amorosa de Ferrer o colocou em
choque com os valores conservadores da época, justamente pelo fato de sua aparente
insubmissão a mais uma instituição forte desta sociedade, o casamento. Ferrer se separou de
Teresa, depois da tentativa de viverem juntos em Paris. Os contatos estabelecidos com o
universo feminino na França o concederam importantes possibilidades de vida e mais críticas de
seus opositores: entre suas alunas estavam Jeanne Ernestine Meunier, que, ao falecer, lhe
concedeu uma herança que se transformou no capital investido na abertura da Escola Moderna
de Barcelona em 1901; Leopoldine Bonnard, professora livrepensadora, com quem contraiu uma
segunda união e teve um filho chamado Riego, além de trabalhar como professora na Escola
Moderna; e Clemence Jacquinet, importante professora livrepensadora e libertária, que se tornou
diretora da Escola Moderna de Barcelona em seus dois primeiros anos de funcionamento. Esses
laços foram fruto de seu trabalho como professor de castellano no Círculo Popular de Enseñanza
Laica, vinculado a Asociación Filotecnica e ao Gran Oriente francés, em Paris, esta última, loja
maçônica a qual era filiado. Sua inserção em círculos de livrepensadores associados à
maçonaria, como a Logia La Verdad, já advinha de Barcelona. A maçonaria era inclusive outra

69
fonte de crítica dos opositores eclesiásticos: acusavam Ferrer de se beneficiar financeiramente
destas relações. Ao que se nota, no entanto, é que seu contato com a maçonaria foi oriundo de
uma onda livrepensadora e progressista, o que mesmo entre os maçons repercutia de certa
forma incompreensível, pois Ferrer, além de ser ateu, se filiava em lojas distintas (Marin). Esta
tônica foi a que o aproximou do movimento operário, do anarquismo e outras associações
livrepensadoras, como a Liga de la Regeneración Humana, fundada por Paul Robin, com quem
manteve amizade e parcerias posteriores, inclusive com a Liga Internacional da Educação
Racional da Infância. Embora não tenha conhecido pessoalmente o Orfanato de Cempuis, a obra
de Robin conferiu a Ferrer influencia decisiva. Na década de 1890, Ferrer acirrou contato com o
meio operário na França, como parte de sua tentativa de apoiar Alejandro Lerroux e o Partido
Republicano Progressista. É importante lembrar que a associação Lerroux-Zorrilla-Ferrer tinha
como grande alvo o clero e a força política da religião, que impedia o progresso do país. Mas
para além de um ideal republicano radical, Ferrer era um ácrata e sustentava fortes críticas a
certas estruturas e instituições sociais. Este posicionamento o aproximou cada vez mais do
movimento anarquista, sendo também reconhecido, fora da Espanha, como referência
educacional libertária, racionalista e operária:

En aquella década de tensión creada por la campaña anticlerical de los


liberales, cualquier escuela experimental laica hubiera levantado un
movimiento de oposición, especialmente si se proponía, como era el caso de
Ferrer, educar a los obreros. Además, Ferrer acababa de regresar de París,
después de dieciséis años de residencia allí, y en el contexto de la Tercera
República Francesa la educación racionalista adquiría otra dimensión:
formaba parte del complejo de derechos civiles y movimientos de reforma de
la enseñanza que no sólo había conseguido en Francia la legislación
anticlerical, sino que había promovido el establecimiento de un estado laico,
campaña que condujo con el tiempo a la separación de la iglesia en el estado
en 1905. En España, una campaña aí adquiría implicaciones revolucionarias
(Ullman, 1972:182).

Em 1892, a perseguição a Ferrer foi tomando tonalidades mais contundentes; por


ocasião de sua participação em um Congreso de Librepensadores, celebrado em Madrid, foi
produzido um documento no qual Ferrer foi acusado de “revolucionário violento, disposto a ir
longe tanto quanto fosse necessário para derrocar o sistema de governo no poder (Archer,
2002:243)”. Alguns textos de William Heaford (idem:62), que frequentemente eram publicados
na Revue l´École Rénovée sob o título L’École Moderne, demonstram, no entanto, que Francisco
Ferrer não fundou um movimento pela educação democrática e racionalista, mas sistematizou e
colocou em prática uma onda de aspirações e iniciativas isoladas pela instauração de uma nova
70
escola para as classes trabalhadoras, fato em ascendência desde a Revolução de 1868. O final
do século XIX foi, como já se viu, marcado pela constituição de numerosas escolas laicas
republicanas e racionalistas em cidades espanholas; o que diferencia a Escola Moderna das
demais experiências, segundo Archer, foi a aplicação de métodos modernos e científicos e a
organização do ensino conforme uma doutrina racionalista, humanitária, antimilitarista e
antipatriótica. A intenção de Ferrer não consistia somente em proporcionar, sobretudo, às classes
operárias, uma escola melhor e mais moderna do que aquela ofertada pelo Estado; a articulação
de sua concepção educacional com conjuntos políticos progressistas e revolucionários visava à
melhoria da educação em seu sentido amplo. Em todo caso, o questionamento e superação da
educação escolar tradicional representavam efetivamente ameaça para uma sociedade
estabelecida sobre bases autoritárias. Se as Escolas Modernas ensinavam rebeldia ou
insubmissão, tal acusação vinha de um ponto de vista tradicional de educação:

En aras de la objetividad, y a la luz de los hechos, cabe afirmar de forma


categórica que la Escuela Moderna constituyó, obvia y declaradamente, un
vivero en el que se pretendía formar ciudadanos rebeldes. Tal vez llegaran a
convertirse en buenos europeos, pero cualquier partidario del orden
establecido de las cosas espirituales, políticas o económicas, no podía ver en
esta iniciativa otro propósito que el de formar viles españoles. Por tanto, es
normal que la Escuela Moderna suscitara un profundo pavor en las mentes
clericales y conservadoras (idem, ibidem).

As acusações sobre a figura combatente de Ferrer foram assumindo formas mais


drásticas à medida que fatos mais violentos, envolvendo anarquistas como o jovem Mateo
Morral, foram oportunamente associados a sua pessoa. O caso do regicídio, o famoso atentado
da Calle Mayor, em maio de 1906, contra a comemoração de casamento de Alfonso XIII e
Victoria Eugenia, foi ocasionado por motivos pouco compreensíveis: há suposições de que
Morral tenha sido rejeitado por Soledad Villafranca, professora da Escola Moderna que se
tornaria a última esposa de Francisco Ferrer; da mesma forma que a culpabilização de Ferrer
como mentor deste atentado também passa por linhas sinuosas. Morral havia sido bibliotecário
da Escola Moderna, contribuía de forma pontual com algumas atividades editorais da Biblioteca
Escola Moderna e habitava um quarto do edifício no qual funciona a escola, na calle Bailén. Logo
após o atentado, Morral se refugiou na redação do jornal El Motín, periódico republicano dirigido
por José Nakens. Ainda que Nakens tenha apoiado Morral, o encaminhando a outro refúgio –
depois disso Morral se suicidou quando um policial o tentou deter –, por sua reputação no meio
republicano, idade avançada e ter acolhido um fugitivo contra sua vontade, Nakens teve seus

71
nove anos de prisão revogados (Archer, idem:99). Nakens e Ferrer estabeleciam uma relação
cordial, pautada em afinidades políticas, um suposto apoio financeiro de Ferrer ao periódico
Motín, solicitado por Nakens. A acusação chegou a conjecturar uma série de possibilidades para
incriminar Ferrer, inclusive que o educador teria subornado Nakens, com as 1000 pesetas
doadas para o Motín. Archer deduz que “si Ferrer, Morral y Nakens hubieran tramado una
conspiración, habría sido un acto próprio de lunáticos, y Morral era, con diferencia, el más
perturbado de los três” (idem:101). Odon de Buen, importante educador livrepensador que
contribuiu com a Escola Moderna ao longo de sua existência, disse sobre o caso, referindo-se
primeiramente a Morral:

Tenía más el aspecto de un místico, reservado, impenetrable, pero nada


sombrío, respetuoso hasta el extremo que en alguna excursión a que se
asoció, jamás se sentaba en la mesa, no comenzaba a comer antes de que
los demás lo hicieran. Atendía a las explicaciones con fervor y nadie podía
imaginar que un hombre así fuese capaz de preparar fríamente, y realizar
después, un atentado terrorista, dándose la muerte antes de que lo
capturaran (...) No obstante, no creí nunca que Ferrer tuviera conocimiento
del atentado de Morral, no intervención en el desarrollo de los
acontecimientos de la llamada semana sangrienta (apud Marín, 2009:238)

Ferrer passou um ano (entre 4 de junho de 1906 e 12 de junho de 1907) no Carcel


Modelo de Madrid, antes de ser levado a julgamento, em 03 de junho de 1907. Este fato
interrompeu o funcionamento da Escola Moderna de Barcelona.

Do Cárcel Modelo de Madrid

Algumas correspondências de Francisco Ferrer, enviadas a amigos, revelam um pouco


de seu posicionamento diante das acusações que o perseguiram até à morte, em 1909. Seja
como mentor de um crime posto em prática por um jovem libertário; seja como precursor e
também responsável pelas chamas que incendiaram Barcelona, na trágica semana de julho de
1909, Ferrer cumpriu seus dias de cárcere em franca certeza de que tal perseguição era movida
por forças inconciliáveis a uma compreensão racional e justa. Ainda assim, as condições de
sobrevida no Cárcel Modelo eram mais possíveis do que aquelas encontradas por Ferrer em
Barcelona, dias antes de sua morte. Neste momento, Ferrer manteve contato com amigos e
companheiros que lhe dispensaram algum tipo de apoio e informações que corriam sobre seu
72
caso. Recebia e enviava periódicos, correspondências, materiais relacionados à divulgação de
sua prisão e sobre a Escola Moderna. Em carta a Luigi Fabri, de 9-10-1906, Ferrer mencionou o
recebimento dos periódicos Il Penseiro, Avanti, L’Independence, e o periódico El Progreso, o
qual, dirigido por Lerroux, desempenhou uma campanha em sua defesa. Ferrer mencionou
também a Revista Nuevo Mundo, periódico semanal que se dedicou a noticiar o caso de Mateo
Morral e sua prisão. Esta revista, editada em Madrid, entre 1895 e 1933, era crítica do
anarquismo e noticiava o caso de Ferrer desde uma perspectiva conservadora. Pode-se ter
noção do tipo de imagem que foi construída sobre Ferrer nos meios sociais não progressistas. A
revista publicou uma nota com fotos de Ferrer, como cúmplice do crime e José Nakens,
Bernando Mata, Concepción Mata, Isidoro Ibarra, Pedro Mayoral, Alquilino Martinez como
facilitadores ou acolhedores do criminoso, Mateo Morral:

El fiscal, en sus conclusiones, después de exponer los detalles del atentado


de la calle Mayor, deduce que los hechos relacionados constituyen dos
delitos frustrados de lesa majestad, con ocasión de los cuales se originaron
veintiún asesinatos, treinta y ocho delitos de lesiones graves y veintitrés de
lesiones menos graves. El principal culpable se sustrajó a la justicia humana
quitándose la vida. Los procesados son los siente cuyos retratos publicamos
en esta página. Respecto de ellos el fiscal declara que en los delitos antes
calificados han tenido participación como cómplice Francisco Ferrer, y como
encubridores los otros seis. En consecuencia pide a lo primero la pena de
dieciséis años, cinco meses y diez días de reclusión temporal (Revista Nuevo
Mundo, 6 de junio de 1907).

Esta mesma carta permite se compreender a visão de Ferrer sobre a repressão religiosa
que vinha sofrendo diante de sua evidente luta contra o clericalismo. Ainda que Ferrer fosse
indubitavelmente conhecido como um anticlerical, é interessante notar o quanto se acentuaram
certas impressões:

Pero desgraciadamente los jesuitas trabajan para sofocar sin cesar a la


verdad y la libertad. Son muy fuertes en España. Desde la Restauración de
los Borbones, en 1874, son los dueños de la Casa Real y a partir de ella, por
su influencia, han introducido a sus criaturas en todas las administraciones
públicas. La Justicia, el Ejercito, la Instrucción pública, etc., todo está entre
sus manos. Lo que es peor es que los hombres que se llaman radicales, e
incluso republicanos, son casi todos clericales, sea para contentar a sus
mujeres o a sus abuelas, van todos a la misa y a las procesiones. Es decirle
la dificultad que mis amigos tienen para trabajar en mi caso. Todas las
puertas les han sido casi cerradas. Cuando un periódico republicano publica
cosas en mi favor recibe en seguida visitas muy poderosas para rogarle que
no continúe, y la mayoría ceden a los ruegos y a las amenazas. Incluso
ministros que se llaman anticlericales inclinan la cabeza ante una
recomendación de la reina madre, la fanática a atar, o también del confesor
73
de la señora ministra… Es vergonzoso. No importa. Soy inocente y lucharé
sin cansarme por el librepensamiento y por la enseñanza racionalista y
científica, sin religiones de ninguna clase ni otros prejuicios patrióticos ni
sociales. Todo por la emancipación moral, intelectual y material del género
humano. (Ferrer, F. Carta a Luigi Fabri; 9-10-1906) .

Em outra correspondência, de 23-10-1906, Ferrer reafirmou a ausência de provas contra


os supostos crimes aos quais sofria acusação, restando às autoridades a averiguação sobre o
fato de ser ou não anarquista. Neste caso, ser anarquista configuraria o crime. Ferrer também
lamentou a perseguição clerical, dos jesuítas, como os denominava, diante da possibilidade de
reabertura da Escola Moderna. Relembrando que os “jesuítas são os donos da Espanha”, Ferrer
relatou que, ao que correu a notícia de que a Escola Moderna pudesse ser reaberta, a imprensa
clerical se encarregou de divulgar artigos difamatórios, influenciando o governo na decisão
definitiva: “el gobierno nos ofrece excusas, palabras para hacer que tengamos paciencia, pero
las autoridades de Barcelona nos prohíben reabrir la Escuela e incluso nos han hecho retirar del
balcón los rótulos anunciando la Escuela. Vea hasta dónde hemos llegado con nuestro supuesto
gobierno liberal e incluso anticlerical”.
Ferrer complementou ainda:

La segunda noticia es que los jesuitas hacen correr la noticia de que quiero
escaparme de la prisión. Se han doblado las guardias cerca de mí. Desde el
22 de septiembre que el fiscal había pedido la pena de muerte estoy en el
régimen de los condenados a muerte, aunque luego de reflexionar, sólo pidió
16 años de presidio. Yo tenía siempre un guardián que no me dejaba un
segundo; ahora tengo dos: uno que me acompaña a todas partes y el otro
que nos vigila a los dos. Dicen que tienen miedo a que compre al guardián
para escaparme, a pesar que he dicho varias veces al director de la cárcel
que si un día encontrara todas las puertas abiertas y sin guardianes no me
escaparía, no deseando huir, no teniendo necesidad de escaparme, puesto
que soy inocente. Pero hay que hacer creer o publicar que quiero escaparme,
porque el público creerá así que soy culpable. Esta es la nueva infamia de los
jesuitas. Quieren engañar a la opinión. Cosa natural, puesto que su oficio es
engañar a las gentes. De esto viven, de nada más que de esto. (…)

Após sua saída do Carcel Modelo, uma vez que não havia provas que sustentassem seu
encarceramento como responsável pelo ataque de Madrid, Ferrer partiu para outras regiões da
Europa, exilando-se novamente em Paris. A Escola Moderna permaneceu encerrada e os livros
destruídos. Uma das formas encontradas pelo educador para reagir publicamente à sua prisão
em Madrid foi percorrer a Europa levando ao conhecimento da sociedade seu posicionamento
diante do ocorrido. Ullman revela que
74
En junio de 1907 se había proyectado una serie de reuniones para celebrar la
libertad de Ferrer, pero el sentimiento público había llegado al extremo que
Lerroux marcho a Madrird sin saludarle y desde la capital le escribió para
sugerirle que realizara un viaje al extranjero hasta que las aguas volvieran a
su cauce. Ferrer no era contrario a la Idea, puesto que creía que un viaje a
las capitales europeas, donde podía explotar la publicidad que había
conducido a su liberación, era un medio de proteger su obra en España. Así
pues, él y Soledad Villafranca marcharon el 22 de Julio de 1907 (un mes
después de su salida de la cárcel) a recorrer capitales europeas para
proyectar su propia imagen como víctima de los jesuitas en la causa de la
educación laica (1972:194).

Nota-se que a articulação com certos meios sociais lhe resultaria em apoio e na possível
reinserção em situações de organização política e social; uma dos projetos de Ferrer neste
período foi repensar a organização maçonica catalã, por considerar o Gran Oriente espanhol,
juntamente com seu mestre Miguel Morayta, conservadores. Assim, buscou a formação de uma
nova entidade maçônica, em 1908, com apoio de alguns politicos radicais, fundando a logia Los
Siete Amigos. Também com o apoio do reitor da Universidade de Barcelona, Ferrer conseguiu
reabrir seu editorial, passou a ser chamado de Publicaciones de la Escuela Moderna. Foi
retomando pouco a pouco contatos, porém em Barcelona sua ação foi ainda bem restrita, as
escolas racionalistas perderam força, diante das escolas públicas. Ferrer também encontrou
apoio no sindicato Solidaridad Obrera, fundado em Barcelona poucos meses antes deixar a
prisão, em 1907. Este sindicato foi muito influente nas greves que antecederam a Semana
Trágica e tinha um carárter fortemente anarquista, ainda que, sustentando um posicionamento
apolítico, buscasse não perder suas forças em função de divisões políticas internas, comuns aos
sindicatos.
Em Paris, reaveu contatos importantes. Ferrer, embora agisse de forma destacada nos
meios politicos e educacionais nos quais militou ativamente, teve os projetos e intentos politicos
concretizados em função de uma riquíssima articulação social entre intelectuais e interessados
na transformação da sociedade em conjunto à ação educacional (ponto de vista por outros
estudos contemporâneos). Silva (2013) fez o importate trabalho de recuperar os interlocutores de
Ferrer, que foram centrais à concretização da educação racionalista-libertária como movimento
educacional de grande repercussão e importância. Certamente que houve ações de
responsabilidade pessoal de Ferrer i Guardia, como sua relação próxima a Sra. Meunier e, por
ocasião deste contato, a viabilização material para a abertura da Escola Moderna de Barcelona.
Todavia, um projeto educacional não se realiza de forma centralista e individualista, sobretudo

75
quando se contitui sobre bases libertárias. De volta a Paris, Ferrer reencontou Chales Malato e
travou contato com Henriete Meyer, professora francesa, fortemente realcionada aos meios
sindicais. Ferrer, já em 1902, havia entrato em contato com Meyer para lhe convidar a exercer o
cargo de diretora da Escola Moderna, que todavia foi recusado em função das atividades já
desenvolvidas pela educadora na França. Outra pessoa importante entre as relações de Ferrer,
neste momento, foi matemático Charles-Ange Laisant, com quem manteve contato e muitos
diálogos a respeito da educação racionalista. Fruto destes contatos, posteriormente acrescido da
presença de Charles Albert foi o trabalho de organização, administração e difusão da Liga
Internacional pela Educação Racional da Infância, fundada em 1908:

Assim como quando na direção da Escuela Moderna, Francisco Ferrer


encontrava-se, novamente, no centro de uma rede de intelectuais, cientistas
e educadores que, para além de ser um “apoio” ao seu projeto,
era também idealizadora de uma obra educativa de enormes proporções.
Mais uma vez a Liga e as revistas de divulgação pedagógica emtrês línguas
– L'École Rénovée em francês, Boletin de La Escuela Moderna em
espanhol e La Scuola Laica em italiano – eram parte do trabalho de uma
vida dedicada às crianças e à renovação da educação que Ferrer
representou, mas ele não as fez sozinho (Silva, 2013:111).

Em uma correspondência enviada a Laisant, Ferrer expressa seus objetivos ligados ao


propósito de dar continuidade às atividades interrompidas na Espanha. Ele diz:

Vou publicar em Bruxelas, no mês de janeiro próximo, uma revista – A Escola


Nova – que não é senão uma expansão internacional da Escola Moderna de
Barcelona. Esta revista se destina à elaboração de um plano de educação
racional, segundo os dados da ciência contemporânea. O meu desejo era
funda uma escola, cuja expressão mais ou menos completa eu encontrei nos
livros e nas publicações onde se desenha esse ensino no estado do projecto;
mas entendo que era necessário preparar pela discussão esta obra
educativa. A revista que eu vou publicar será o meio que ponho à disposição
de todos os que se ocupam da educação da criança, para poderem ali
apresentar e discutir suas ideias, de modo que por meio desta colaboração
seja possível esboçar uma concepção prática da educação moderna. Por
isso dirijo-me ao meu prezado amigo, a pedir-lhe que me ajude nesta
empresa. Proponho-me a desenvolver e completar por todas as formas
possiveis a ação da revista. Conto preparar em Barcelona, logo que as
circunstancias permitirem, o estabelecimento de uma Escola Normal, onde se
formem pela discussão e pelo estudo dos elementos propostos, os homens
que hão de consagrar-se ao ensino das crianças que nos serão confiadas
logo que se organize a Escola Nova. Fundarei igualmente em Barcelona um
museu, onde tenciono reunir os materiais precisos para a elaboração
concreta do nosso projeto, e publicarei obras destinadas tanto aos profesores
como aos alunos, e formuladas segundo as ideias hodiernas. Finalmente o
primenro número da revista apresentará o programa de constituição de uma
76
Liga Internacional para a educação das crianças, baseando-se, como o
amigo vê, no seu proprio plano (idem, ibidem).

Esta carta foi escrita em 03 de dezembro de 1907, e em pouco tempo foi criada a Liga
Internacional pela Educação Racional da Infância, cujas características serão tratadas em outro
momento deste trabalho.
Esta correspondência com Laisant reforça dois aspectos importantes da personalidade
de Ferrer: a maneira como trabalhava em articulação com pessoas estratégicas e interessadas
nos mesmo objetivos sociais, por outro lado, a postura muito ativa, voltada à idealização de
muitas ações futuras, sempre promotoras da educação racional. A ideia de fundar a liga, um
periódico a ela vinculado e a criação de uma Escola Normal demonstram que as intenções
educacionais de Ferrer eram sempre de grande projeção e implicavam a lenta transformação de
espaços diversos do campo educacional: a escola em si, a comunidade escolar e a formação
dos professores; além da produção de materiais didáticos que já vinha sendo efetuada
concomitante ao funcionamento da Escola Moderna de Barcelona.
A segunda repressão a Ferrer se deu tempos depois, em um momento histórico
importante à cidade de Barcelona: A semana Trágica. Esta semana se iniciou com uma greve
geral: foi criado um Comitê Geral que fez contato com as cidades mais expessivas da Espanha e
em 16 de junho declarou greve. A greve assumiu o tom de protesto nacional apoiado por
diversos sindicatos, socialistas, anarquistas e pelo partido radical. Esta Greve foi motivada,
sobretudo, como reação à guerra de Marrocos-Melilla e às atitudes do governo Maura em
relação ao alistamento de reservistas para combaterem na guerra; em geral operários. O
protesto se transformou na conhecida revolta antimilitarista e anticlerical que tomou Barcelona na
semana de 26 de julho a 1º de agosto de 1909 (Ullman, 1972; Marin, 2009). A Semana Trágica
foi uma explosão popular de tão grande magnetude que a repressão foi praticamente
proporcional. A perseguição e prisão de 1200 pessoas demonstra como o Estado retomou o
governo da cidade pela violência, sua aliada maior e mais legítima. Questionar a participação de
Ferrer nesta conjutura político-social era evidente, uma vez que para um homem claramente
engajado, uma movimentação de furor político e revolta social como a Semana Trágica lhe
chamaria atenção de maneira positiva. Ademais, a acusação foi angariando provas indiretas
como sua relação com Miguel V. Moreno, professor das escolas racionalistas, membro do
Comité Central da Greve, e, conforme salienta Ullman, pessoa que tentou converter a greve
geral em revolução. Afinal, era o que intentava a militância política, a revolução. Em

77
contrapartida, Acher faz uma interessante análise acerca do sentimento de ódio e repulsa
crescente na população catalã em relação ao poder clerical e a virulenta ação religiosa católica
difundida na individualidade de cada um. A Semana Trágica de Barcelona assim se assemelha a
uma cartase generalizada e coletiva:

¿Existía en Barcelona un sentimiento anticlerical tan importante como para


barajar la posibilitad de que, en una oleada de violencia popular, la
muchedumbre actuara por su cuenta y de modo descontrolado a fin de
descargar su ira contra los monasterios? Creo que los extractos reproducidos
anteriormente explican por sí solos que no hubo nada sorprendente en el
deplorable giro que tomó el frenesí popular. El odio hacia las congregaciones
religiosas, que no se limitaba únicamente a Barcelona o Cataluña, era, y lo
había sido durante muchos años, particularmente intenso en este importante
centro industrial. De esta manera, no tiene el menor sentido atribuir la
virulencia de semejante sentimiento a la implantación de la escuela de Ferrer
o de las escuelas asociadas. Su tarea como educador tan sólo se prolongó
durante cinco años (1901-1906), y su escuela era tan pequeña que no había
podido acoger a más de doscientos o trescientos niños en total. La influencia
de la Escuela Moderna no pude ser más, a lo sumo, que una gota en el
océano. La cuestión es bien sencilla: Ferrer y sus escuelas, lejos de ser una
de las causas de la furia anticlerical que azotó los conventos, deben ser
catalogados como uno de los efectos o productos de dicha tensión, la cual
estaba ya firmemente arraigada en el pueblo barcelonés mucho antes de que
se soñara siquiera con la creación de la Escuela Moderna. (Archer,
2010:133)

Há uma passagem muito divulgada do testamento feito por Ferrer, na qual ele exprime
como esperava que sua morte fosse recebida e memorada:

Protesto ante todo, con toda energía posible, de la situación por mi


inesperada del castigo que se me ha impuesto, declarando que estoy
convencidísimo de que antes muy poco tiempo será públicamente reconocida
mi inocencia.
Deseo que en ninguna ocasión no próxima ni lejana, ni por uno ni por otro
motivo, se hagan manifestaciones de carácter religioso o políticos ante los
restos míos, porque considero que el tiempo que se emplea ocupándose de
los muertos sería mejor destinarlo a mejorar la condición en que viven los
vivos, teniendo necesidad de ello casi todos los hombres.
En cuanto a mis restos, deploro que no exista horno crematorio en esta
cuidad, como los hay en Milan, Paris y tantas otras, pues habría pedido que
en él fueran incinerados, haciendo votos para que en tiempo no lejano
desaparezcan los cementerios todos en bien de la higiene, siendo
reemplazados por hornos crematorios o por otro sistema que permita mejor
aún la rápida destrucción de los cadáveres.
78
Deseo también que mis amigos hablen poco o nada de mi, porque se crean
ídolos cuando se ensalza a los hombres, lo que es un gran mal para el
porvenir humano. Solamente los hechos, sean de quien sean, se han de
estudiar, ensalzar o vituperar, alabándolos para que se imiten cuando
parecen redundar al bien común, o criticándolos para que no se repitan si se
consideran nocivos al bienestar general (Testamento de Francisco Ferrer i
Guardia, 13 de octubre de 1909)

Para as finalidades desta pesquisa, considera-se importante a presença de certas


passagens e memórias da vida de Francisco Ferrer. Suas ações percorrerão o trabalho em sua
totalidade, uma vez que a educação racionalista como movimento social foi o grande
investimento de sua vida. Seja como mártir, seja como transgressor da ordem social, tanto na
vida pública como pessoal, Ferrer teve um propósito educacional muito evidente e importante:
transformar a cultura escolar e as práticas educacionais presentes na vida humana, para além
da Espanha. Intenção que, até nos dias atuais, apresenta barreiras para a sua concretização. A
escola permanece predominantemente sob os auspícios do poder tradicional e dominante nas
sociedades, porque ela serve à sociedade. Qualquer tentativa de transformação estrutural da
escola e das práticas educacionais é remar contra a corrente e a condenação à morte, que
representou a autoridade - ilegítima – pode ter sido uma consequência sordidamente plausível
para a razão dominante:

“ ¿Y qué hay hacia el sur? Hacia el sur no hay nada más que Montjuic. Se
trata de una fortaleza que viene a coronar un acantilado surgido de las
aguas. Desde sus doscientos treinta metros de altura, domina el panorama
desde casi cualquier punto de los alrededores. Las calles más pobres del
casco antiguo de Barcelona se aglutinan a sus pies. Desde la lejana Premiá,
más allá de la curva de la costa y del velo de humo que cae sobre la cuidad,
aún asoma en el horizonte, amenazante, Montijuic, y las siniestras
asociaciones que le atribuyen, dominan toda la región. Tan pronto como el
pequeño Ferrer estuvo en edad de observar el mundo que lo rodeaba, debió
de haber visto Montijuic en el horizonte de su vida. Y durante los últimos años
de ésta, no podía dar más de cien pasos desde su casa sin toparse con dicha
eminencia. Montijuic no deja de despuntar, inquietante, ante los ojos de los
aterrorizados lugareños cuyo testimonio le costaría la vida a Ferrer
(Archer,2010: 128).”

79
80
Capítulo II

http://www.li-an.fr/blog/kupka/

No tememos decirlo: queremos hombres capaces de evolucionar incesantemente, capaces de


destruir, de renovar constantemente los medios y de renovarse ellos mismos; hombres cuya
independencia intelectual sea la fuerza suprema, que no se sujeten jamás á nada; dispuestos
siempre á aceptar lo mejor, dichosos por el triunfo de las ideas nuevas y que aspiren á vivir vidas
múltiples en una sola vida. La sociedad teme tales hombres: no puede, pues, esperarse que
quiera jamás una educación capaz de producirlos.

¿Cuál es, pues, nuestra misión? ¿Cuál es, pues, el medio que hemos de escoger para contribuir
a la renovación de la escuela?

-Francisco Ferrer i Guardia

81
A Escola Moderna de Barcelona:

Uma vez um senhor da fortuna legada pela Menina Meunier, Francisco


Ferrer, pos imediatamente mão à obra e empregou toda a sua atividade em
criar em Espanha, o primeiro núcleo desse ensino laico, que fora sempre o
seu sonho, e que neste momento histórico a França republicana está
finalmente reconhecendo ser o único e verdadeiro caminho para a educação
das gerações futuras, numa senda franca e abertamente republicana. A
escola laica, dizem agora os franceses, é o mais sólido e indispensável
esteio da República (Blasco Diaz, 1914:22).

A Escola Moderna de Barcelona foi uma iniciativa muito respeitada pelo laicismo
republicano. O excerto acima, publicado na coleção portuguesa “Biblioteca Histórica – popular e
ilustrada”, em 1914, por Blasco Diaz traz elementos contemporâneos aos acontecimentos que
envolveram a figura de Ferrer e da Escola Moderna. A tonalidade de sua abordagem pode ser
compreendida já por meio do primeiro parágrafo do prefácio da obra: “a vida do célebre
propagandista e fundador da Escola Moderna e a sua morte, vingança odienta do fanatismo
reacionário da Espanha, tornaram Ferrer um símbolo de guerra ao clericalismo e à reação, não
só no seu país, como em toda a Europa democrática e até mesmo na América lusa e
espanhola”. Mas era ao âmbito do anarquismo que a Escola Moderna tinha se direcionado,
justamente pela crítica ácida efetuada pelo coletivo que compunha a escola e por Francisco
Ferrer.

A Escola Moderna de Barcelona iniciou seus trabalhos em 8 de setembro de 1901, na


Carrer Bailén, n.º 56, região central de Barcelona. Segundo Nora Muro (2009), a escola tinha
autorização da adminisração local, uma vez que foi apresentada por Ferrer toda a documentação
necessária. A concepção de formação da Escola Moderna visava cultivar o posicionamento
radical e transformador em relação à sociedade, pautado na formação de indivíduos integrais,
autênticos e avessos à repetição e reprodução de padrões ideológicos. A história da Escola
Moderna é trazida à posteridade por meio da história de vida de Ferrer i Guardia. A repressão à
Escola Moderna e a Ferrer motivaram uma série de protestos na Europa, como uma enorme
manifestação em Paris, que somou cerca de 50.000 pessoas, e outras em Roma, Londres,
Bruxelas e na própria Espanha. Na cidade de Barcelona cresceu a oposição ao governo Maura,

82
e esta repressão foi um dos principais fatores que fez germinar, a partir desta primeira década do
século XX, escolas Modernas pelo mundo, tanto em cidades européias como dos Estados
Unidos, Argentina, Brasil, México. Segundo Silva (2013), em junho de 1910, Leonard D. Abbott
fundou nos EUA, em parceria com outros intelectuais, a The Francisco Ferrer Association. A
associação publicou um livro, um ano após a morte de Ferrer, com textos de autores como
Emma Goldman, Hippolyte Havel, Jack London, Maximo Gorki, Upton Sinclair, entre outros. Os
protestos foram acompanhados da publicação de revistas, folhetos, livros e jornais em diversas
línguas sobre a atroz intervenção do governo espanhol aos atos de insurreição da Semana
Trágica. Uma das obras inaugurais sobre este momento foi Vida, proceso y muerte de Francisco
Ferrer i Guardia, escrita pelo jornalista escocês Willian Archer, logo após a morte de Ferrer, a
pedido do editor da americana McClure’s Magazine, que o enviou a Espanha, em 1910, para
conhecer a verdade sobre o caso Ferrer. A partir de um trabalho documental com base em
jornais da época e entrevistas, Archer produziu uma obra de grande referência, marcada pela
crença na inocência de Ferrer; para Archer Ferrer foi vitima de um crime judicial ou ao menos de
uma estupidez judicial (2010:13).

A primeira edição da obra foi publicada em 1911; e depois, em 1935, foi produzida uma
versão em catalão, que foi traduzida ao castellano somente em 2010. O longo período que
abrigou a ditadura franquista pós-guerra civil foi provavelmente um dos fatores que acortinou a
produção histórica sobre este momento, sendo fluente o surgimento de novas obras sobre Ferrer
e as Escolas Modernas a partir da década de 1970. Depois deste período, houve a produção de
obras marcantes, nesta mesma associação de temas como La Semana Tragica: Estudio sobre
las causas socioeconômicas del anticlericalismo en España (1989-1912), de Connely Ullman,
escrita em 1972; e a pesquisa de doutorado da filha de Francisco Ferrer, Sol Ferrer, intitulada
Vida y obra de Francisco Ferrer, publicada em livro em 1990, na Espanha.

Assim como a obra de Sol Ferrer, há estudos que são referência, como trabalhos do
pesquisador catalão Pere Solà, a partir do final da década de 1970 e início de 1980, que
investigam o percurso de vida de Ferrer, mas também, o movimento operário catalão,
evidenciando princípios e fatos fundamentais à compreensão da educação libertária na Espanha.
Obras como Las escuelas racionalistas en Cataluña, publicada em 1978, Educació i moviment
libertari a Catalunha, 1980, Francesc Ferrer i Guardia i L’Escola Moderna, 1978 são importantes
referências que adensam a presença deste tema na academia a partir da compreensão do
campo histórico e educacional da época. Outras obras, de envergadura crítica e polemista à
83
figura de Ferrer também constituem espaço de levantamento de informações como a obra de
Buenaventura La Escuela Moderna de Ferrer i Guardia, de 1978 e Juan Avilés Farré, Francisco
Ferrer: Pedagogo, anarquista y mártir, publicada em 2006. O centenário do fuzilamento de Ferrer
motivou a publicação de obras como a coletânea Francensc Ferrer i Guardia, escrits polítics i
pedagogics – entre la politica i la pedagogia, de Albert Pala, Dolors Marín i Vicenç Molina, pela
Fundació Ferrer i Guardia; e a edição francesa Francisco Ferrer i Guardia, une pensée em
action, por Violette Marcos, Annie Rieu, Juanito Marcos. Há também a obra ¿Quién mató a
Ferrer i Guardia?, de Francisco Bergassa, que se dedica ao processo que condenou Ferrer.

No Brasil, há muitos estudos voltados à educação libertária e à divulgação de Francsico


Ferrer, entre os quais se destaca o trabalho inaugural de Maurício Tragtenberg, Francisco Ferrer
e a Pedagogia Libertária, publicado na Revista Educação e Sociedade, em 1981. Destaca-se,
em ordem cronológica, os trabalhos de Antonio José Romera Valverde, Pedagogia Libertária e
Autodidatismo (1996), José Damiro Moraes, A trajetória educacional anarquista na Primeira
República: das escolas aos centros de cultura social (1999); Doris Accioly e Silva e Luciana Eliza
dos Santos, Caleidoscópio da memória: a educação anarquista redescoberta no arquivo João
Penteado, 2009, Tatiana da Silva Calsavara, A militância anarquista através das relações
mantidas João Penteado (2012), o livro organizado por Carmen Sylvia Vidigal Moraes, A
educação libertária no Brasil (2013), e Rodrigo Rosa da Silva, Anarquismo, Ciência e educação:
Francisco Ferrer y Guardia e a rede de militantes e cientistas em torno do ensino racionalista
(1890-1920) (2013).

Alguns aspectos teórico-práticos da Escola Moderna de Barcelona

Para além do caráter transgressor e transformador do padrão educacional pautado na


tradição nacional-escolástica, desde seus elementos filosóficos até a dominação de corpos e
mentes, a Escola Moderna fez vigorar aspectos de profundidade epistemológica que se
direcionam para a transformação visceral da educação. Portanto, trata-se de um projeto político
que em sua constituição abrangeu a desestabilização dos aspectos fundadores da Pedagogia e
das práticas escolares. O programa escolar da Escola Moderna de Barcelona apresenta
aspectos fundamentais à singularidade desta escola, conforme destacado por Nora Muro (2009):

84
Missão da escola: fazer com que meninos e meninas que lhe sejam
confiados cheguem a ser pessoas instruidas, verídicas, justas e livres de
todo o prejuízo;

Para isso substituiria o estudo dogmático pelo racionalizado pelas


ciências naturais;

Ensino dos verdadeiros deveres sociais, entendendo que não há direito


sem deveres e vice-versa;

Coeducação de sexos e classes sociais, e medidas higiênicas nos


alunos e locais, fazendo participes as famílias, com o fim de evitar a
propagação de enfermidades durante as horas de aula (Boletin de La
Escuela Moderna, año I, nº1, 1901 apud Muro, 2009:73).

Pere Solà (1980:85) faz uma importante sistematização dos componentes ideológicos da
pedagogia racionalista ferreriana, a partir das principais características que marcaram o conjunto
teórico-prático da Escola Moderna, a saber: 1) Anarquismo - ensino integral; recusa da escola
laica e universal burguesa; crítica à razão capitalista e toda forma de autoritarismo; utilização
crítico-social da ciência; defesa de valores comunistas e da solidariedade. As influências
anarquistas mais marcantes foram Paul Robin, Kropotkhin, Reclus, Anselmo Lorenzo, Jean
Grave; 2) Laicismo e maçonaria: anticlericalismo; otimismo racionalista; coeducação de classes,
sob a influência de republicanos radicais espanhóis e franceses, como Odon de Buen, Clemence
Jacquinet e B. Gabarró; 3) Escola Nova: abolição de prêmios e castigos; coeducação de sexos;
paidocentrismo; contato com a natureza; aplicação de avanços técnicoeducacionais; higienismo;
cujos principais teóricos foram Rousseau, Tolstoi, Ellen Key, Elslander, Jacquinet. 4) Positivismo
europeu burguês: crítica ao principio escolar; valorização da ciência experimental contraposta ao
dogmatismo; extensão cultural (conferências dominicais); valorização da ética do homem
científico; importância da medicina infantil e da atropometria; darwinismo contraposto por
Kropotkin; sendo as principais referências Spencer, Ardigò, Ernesrt Haeckel.
Neste conjunto, há abordagens teóricas centrais sobre as práticas educativas
trabalhadas pela tríade: escola-editorial-imprensa, que abarcava tanto o cotidiano escolar, seus
estudantes e professores, quanto as famílias e a rede de pessoas ligadas ao ambiente
racionalista. A articulação destes três espaços de formação e difusão engendrou, portanto, uma
série de temáticas fundamentais à compreensão deste ambiente educativo e sua articulação
com o propósito constante e explícito da revolução social. Dois exemplos marcantes que
propõem transformações paradigmáticas na prática escolar são a ideia de educação natural, ou
o naturalismo, e o ímpeto da vitalidade e da alegria na educação (Solà, 2010).
85
A moralidade que conduzia o pensamento e as ações cristã-burguesas representava
para os anarquistas não somente ideologias que deveriam ser antagonizadas e superadas, mas
também banidas. Entretanto, não por outro paradigma que governasse as necessidades e
paixões humanas, mas pela absorção de princípios de igualdade, solidariedade e equidade que
regulariam a vida em sociedade, na perspectiva da autogestão. Estes princípios foram
amplamente difundidos por Kropotkin ao analisar na natureza as inúmeras ações de cooperação
e preservação da vida dos animais. Trata-se antes da existência ética, pautada no vigor da
justiça e da igualdade entre os humanos, sendo as necessidades e a moral reguladas pela
natureza. Pere Solà (2010) assinala que este vigor e centralidade da ideia de natureza na
formação e existência humana foi defendido por Ferrer, fato que o coloca em franco diálogo com
a perspectiva kropotkiana.
O primeiro Boletim da Escola Moderna, de 30 de outubro de 1901, apresentou em sua
página inicial alguns dos propósitos pedagógicos e educacionais que seriam contemplados pela
a Escola Moderna, como ensino baseado nas ciências naturais. Este mesmo número do Boletim
complementou a ideia de educação natural ou fundada nas ciências naturais explicitando que tal
método não consistiria em abandonar a criança, no início de seu processo educativo, a formar-se
por conta própria, mas sim em trabalhar com potencialidades naturais do seu desenvolvimento,
inicialmente receptivo aos estímulos externos: “el profesor siembra las semillas de las ideas; y
éstas, cuando con la edad de vigorizar el cerebro, entonces dan la flor y el fruto
correspondientes.”
O direcionamento e diretividade do processo educativo, com o objetivo de suscitar o
ímpeto vital da criança distingue a proposta da Escola Moderna da perspectiva de natureza
rousseauniana ou não diretiva tolstoiana. A formação moral deveria ser conduzida mediante um
direcionamento firme, no sentido de despertar o que há de melhor na criança, sem debilitá-la ou
enfraquecê-la com brutalidades e reprovações. Aqui apresenta-se, como observa Solà, uma das
características importantes da pedagogia de Ferrer: o cultivo da alegria, conduzida à criança pelo
entusiasmo e pela euforia. Tratava-se de uma forma de envolvê-la no processo educativo de
maneira saudável e mediante princípios associados à alegria: “a bondade e a generosidade”
sendo elas “imprescindíveis ao processo educativo” (idem:49). A alegria é tomada como
espontânea, natural, primária e profundamente arraigada às relações humanas. Tais princípios
encarnam uma ética demolidora da moral cristã-católica e burguesa e condutora da energia vital
que regularia o sentido moral, como demonstra Kropotkhin:

86
El sentido moral es en nosotros una facultad natural, igual que el sentido del
olfato y del tacto. Lo que la humanidad mira en el hombre verdaderamente
moral es su energía, es la exuberancia de la vida que le empuja a dar su
inteligencia, sus sentimientos, sus actos, sin demandar nada en cambio. El
hombre fuerte de pensamiento, el hombre exuberante de vida intelectual,
procura naturalmente esparcirla. Pensar sin comunicar su pensamiento a los
demás carecería de atractivo. Sólo el hombre pobre en ideas, después de
haber concebido una con trabajo, la oculta cuidadosamente para ponerle más
tarde la estampilla de su nombre. El hombre de poderosa inteligencia,
fecundo en ideas, las siembra a manos llenas; sufre si no puede compartirlas,
lanzarlas a los cuatro vientos; en ello está su vida (1922:44).

Ferrer i Guardia foi defensor desta vitalidade no cotidiano da Escola Moderna, apoiando-
se em importantes parcerias, como a que estabeleceu com Clemence Jacquinet. Durante os dois
primeiros anos de funcionamento da instituição, esta educadora fundamentou a linha e as
práticas pedagógicas. A parceria com Jacquinet e outros educadores libertários trouxe à cena a
centralidade da criança no processo educativo; defesa fundamental à pedagogia libertária e à
visão anarquista de educação. Ferrer diz

Estamos persuadidos de que la educación del porvenir será una educación


en absoluto espontanea, claro está que no nos es posible realizar todavía,
pero la evolución de los métodos en el sentido de una comprensión más
amplia de los fenómenos de la vida, y el hecho de que todo
perfeccionamiento significa la supresión de una violencia, todo ello nos indica
que estamos en terreno verdadero cuando esperamos de la ciencia la
liberación del niño (idem, ibídem).

As principais características teóricas e práticas da Escola Moderna se fundavam,


portanto na ciência e no conhecimento dos elementos conceituais, filosóficos e epistemológicos
das relações de ensino e aprendizagem, da socialização e da infância. O primeiro trabalho
pedagógico que se faz notar, nos primeiros anos de funcionamento da Escola Moderna de
Barcelona, foi orquestrado por Clemence Jacquinet. É muito divulgada a dificuldade inicial de
Ferrer em localizar professores afinados com a proposta educacional da Escola Moderna. Após
convidar e receber uma recusa de Henriete Meyer para dirigir a escola, Ferrer conseguiu a
adesão de Jacquinet; uma educadora atéia, antimilitarista e anarquista; características que
seguramente retiveram a atenção de Ferrer. Jacquinet conheceu Ferrer quando foi sua aluna de
espanhol, em Paris, na sede da loja maçônica Gran Oriente de Francia, o que faz compreender
que Jacquinet como Ferrer partilhava de orientações anticlericais. Archer relata que Ferrer havia
resgatado a educadora de uma crise depressiva, após a morte de sua mãe, que quase a levou
ao suicídio, colocando-a a frente da Escola Moderna. A aposta em Jacquinet foi movida pelas

87
afinidades políticas e pela trajetória da educadora. Em carta destinada a Odon de Buen, Ferrer
explica como Jacquinet chegou à Escola Moderna:

Llegado en caso de haber de salir de las vaguedades de una aspiración no


bien definida aún, hube de pensar en precisarla, hacerla viable, y al efecto,
pero no confiando demasiado en las tendencias progresivas de los
pedagogos titulares, considerándolos ligados en gran parte por atavismos
profesionales o de otra especie, me dediqué a buscar la persona competente
que por sus conocimientos, su práctica y su elevación de miras coincidiera
con mis aspiraciones y formulara el programa de la Escuela Moderna que yo
había concebido, y había de ser, no el tipo perfecto de la futura escuela de la
sociedad razonable, sino su precursora (Delgado,1978 : 91).

A história de vida de Clemence Jacquinet foi pouco investigada e apresenta alguns


dados problemáticos e mal compreendidos antes de chegada à Escola Moderna. Ao que se
sabe, ela havia desenvolvido trabalhos de educadora na cidade de Sakha, no Egito, de onde,
segundo deduções pouco prováveis e fortemente refutáveis, havia sido expulsa e se refugiado,
mediante apoio de Ferrer, na Europa. Archer expressa as seguintes informações sobre o caso:

Hace unos diez años vivía en Sakha un tal Hassan Pacha Tawfik, inspector
de distrito. Clemence Jacquinet era la institutriz de sus hijos, actividad que
compaginaba con las clases que impartía en una escuela del distrito, en
Sakha. La escuela contaba con unos doscientos niños y unas treinta niñas.
Mademoiselle Jacquinet se quedó en casa del bajá durante un año y, cuando
su patrón se retiró, ella lo acompañó a El Cairo. Seis meses después, la
escuela cerró por falta de fundos y dirección: ya no contaba con las
subvenciones del distrito ni con el patrocinio del bajá. No hay pruebas que
demuestren la alegación según la cual las autoridades británicas ordenaron
el bajá que se deshiciera de ella y cerrara la escuela. Más bien, fue algo
como “le combat cessa, faute de compattants”, es decir, con el bajá
desaparecieron los recursos, y sin recursos se desvanecieron los alumnos…
Mademoiselle Jacquinet se quedó dos años más con el bajá en El Cairo, y
después se marchó a Europa. En la actualidad, mantiene correspondencia
con él y con su hijo, que trabajó en un museo antes de incorporarse al
Ministerio de Exteriores (Archer, 2010).

A consideração de que Jacquinet fora expulsa do Egito é, portanto, controversa; para


Archer, a abordagem deste caso feita pela acusação de Ferrer se fundamentou na forma como o
cerco a sua figura se sustentou em todas as brechas possíveis. Oscar Segarra, pesquisador
espanhol que tem se dedicado à vida de Pablo Picasso, fez uma investigação sobre Clemence
Jacquinet, ao constatar que ela foi um contato de pintor, quando jovem. Segarra começou a
pesquisar a Escola Moderna em função da suspeita de que Picasso havia ministrado lá um curso
de desenho, entre os anos de 1903 e 1904; ensejo a partir do qual conheceu Jacquinet e Ferrer.
88
Despertado pela originalidade de Jacquinet, o pesquisador partiu em busca de sua história
chegando até a cidade de Dijon, ao localizar no Ministère de l’Éducation um documento, de
1925, que pedia a aposentadoria de Jacquinet por doença crônica e apontava um endereço.
Neste endereço o pesquisador localizou a sobrinha neta de Jacquinet, que preservou a biblioteca
da educadora com obras de Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Spencer, Kant, Rabelais
e edições da coleção de El hombre y la tierra de Reclus; obras da Biblioteca da Escola Moderna,
como Las aventuras de Nono de Jean Grave, um livro de caligrafia de Carlos Malato, um manual
de Geografía Física, dois volumes de Ciencias Naturales dos três assinados por Odón de Buen,
e um exemplar de Sembrando Flores, com uma dedicatória de Federico Urales. Além dos três
volumes escritos por Clemence, o Compêndio de História Universal, publicados pela editora da
Escola Moderna, e o livro Ibsen y su obra, publicado na Espanha. O pesquisador também
encontrou cartas, em francês e espanhol, as quais constituíram base de seu trabalho, sobre as
quais revela:

Eran bien curiosas, se ve que para que no le ocuparan mucho espacio había
metido unas dentro de otras, por ejemplo; en un sobre cuyo remitente era
Odón de Buen me encontré con la carta de este pero también con otras dos,
firmada una por Cristóbal Litrán, el secretario de Ferrer, y la otra por Roger
Columbié, dirigente del Centro Republicano Histórico de Barcelona. En otro
sobre, aunque constaba al dorso la dirección de Eudall Canibell, el editor y
fundador del Centre Excursionista de Catalunya, en su interior encontré
además de la carta de este, otra de Anselmo Lorenzo, entonces director de
las publicaciones de la Escuela Moderna, una de Ricardo Mella, otra de
Eleuterio Quintanilla y, sorpresa, otra carta firmada por Picasso.
Sinceramente, la existencia de esta carta ha sido la que me llevó a aparcar
momentáneamente mi trabajo sobre la Escuela Moderna y centrarme en el
pasado más oscuro de Picasso8.

Jacquinet foi a grande pedagoga da Escola Moderna; sua constante preocupação com a
formação dos professores, o desenvolvimento das crianças, a qualificação das práticas
pedagógicas estão evidentes no Boletim, que se tornou a principal porta voz e fonte documental
acerca do ensino na instituição. Em uma correspondência direcionada a Ferrer, a educadora
explicitou parte de suas questões sobre a formação de professores:

Creo que sería interesante y útil remontarnos a las fuentes, a los filósofos
que han sido los inspiradores de los pedagogos contemporáneos: me refiero
a Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Bain, Spencer, Kant, Mmes.

8
As informações sobre a pesquisa de Oscar Segarra são preliminares e estão publicas em uma entrevista cedida
pelo autor, no site http://pt.indymedia.org/conteudo/newswire/6945. Acesso: 12/12/2013.
89
Guizot, etc. Y el más grande de todos, Rabelais. Después, leeríamos a los
contemporáneos que nos mostraron lo que nuestra época ha aprovechado de
las obras precedentes. Cuanto más estudio la idea de su escuela, más me
afirmo en mi idea: forme usted profesores, pero no con estas o aquellas
obras concebibles en un sentido determinado. Es menester tener confianza
en la superioridad de nuestro ideal para no temer ponerlo en contraste con
obras concebidas bajo distinto espíritu. Así se forman las inteligencias libres
que saben pensar por sí mismas sin necesidad de ningún catecismo para
distinguir en todas partes la verdad del error. Porque, al fin y al cabo, con la
idea atea o anarquista o la idea teocrática, en cuanto reduzcáis una filosofía
a un manual, haréis una obra dogmática, impondréis al espíritu una creencia
que, después de todo, no tiene más positivo que otra cualquiera. Sólo las
ciencias experimentales que se fundan en hechos probados y que se pueden
reproducir y comprobar, pueden ser enseñadas así, y no se hace, sin
embargo. ¿Cómo se va a hacer con conocimientos cuya única base es la
opinión? (Delgado, idem: 91)

Jacquinet foi responsável pela base teórica que subsidiaria o trabalho pedagógico da
Escola Moderna. É notável a dupla preocupação com a realização de um trabalho fundado tanto
nas clássicas referências filosóficas da pedagogía, quanto na relação deste universo com as
novas teorías que surgiam. A linha formativa para os professores da Escola Moderna se baseava
no contraponto entre os objetivos e práticas educacionais adotadas pela escola e a constante
reflexão mediante o estudo dos grandes teóricos da educação. Ao defender a importância da
construção do conhecimento tendo por base a ciência e a experiência, Jacquinet transpôs esta
mesma lógica ao campo de formação de profesores, desenvolvendo um trabalho
qualitativamente antidogmático, científico e crítico. A forma pela qual Jacquinet abordava os
teóricos e transpunha suas concepções para o campo da análise se dava a partir daquilo que ela
definia como método experimental, fundado na observação inicial dos fatos e na coordenação e
conclusão com base nos princípios que regem uma leitura e análise socialista. Tal método e
perspectiva estão presentes no livro Ibsen y su obra, publicada na Espanha em 1907, com
tradução de José Prat. A aplicação deste método também fica evidente no Boletín, como se verá
a seguir.
Além do trabalho de Jacquinet, como base fundamental ao funcionamento da escola,
ocorriam também outras atividades que complementavam o carater seu formativo. Este projeto
escolar tinha como pressuposto a parceria entre a escola e as famílias, partilhando de uma
mesma proposta de transformação da realidade social. As familias deveriam pouco a pouco
compreender a visão de mundo trabalhada pela escola, de forma a estendê-la à educação
familiar, cotidiana e primária, em acordo com os principios morais, políticos e sociais que regiam
o trabalho pedagógico na escola e na sociedade. Trata-se da visão de que a escola não se

90
dedicaria a assuntos e realidades apartados da vida social. Pelo contrário, a escola representaria
umas das instituições que problematizam e possibilitam os meios de transformação da realidade
social. Desse modo, como instituição capaz de operar na transformação dos indivíduos e da
sociedade, a escola deveria ser apropriada por todos, famílias, professores e sociedade,
mediante a clareza dos meios e fins que buscavam instaurar.
As atividades que mais propiciaram este encontro foram as famosas Conferências
Dominicales, abertas ao público, na Escola Moderna. Para a realização destas conferências, que
tratavam dos mais variados assuntos, Ferrer conseguiu o apoio constante de dois professores da
Universidade de Barcelona, o médico Andres Martinez Vargas e professor de Mineralogia e
Ciências Naturais e maçon Odón Buen, que atuaram nas conferências dominicales, entre 1902 e
1906, e se empenharam em escrever livros para o editorial da Escola Moderna.
As conferências dominicales eram proferidas por profissionais diversos como
professores, médicos, cientistas naturais, e tratavam de temas variados importantes à formação
dos alunos e esclarecimento das familias. Os temas consistiam em assuntos gerais,
relacionados ao cotidiano das famílias, mas eram abordados com aprofundamento teórico,
estabelecendo relações com conhecimentos novos e agregando informações científicas a
conhecimentos que em geral eram mais populares. Algumas das exposições trabalharam com as
noções de higiene, doenças possivelmente adquiridas nas escolas como a tuberculose,
alimentação, natureza, água e sua importância à vida. Mas também havia os temas de caráter
escolar, como a geografia, a botânica, vestimentas e sua relação com a higiene e a saúde;
geologia, aquecimento e iluminação das casas. O tema alimentação, por exemplo, tratado pelo
Dr. Martínez Vargas, foi aludido a partir de explicações da significação da palavra, de acordo
com tendências modernas de ciência, depois suas qualificações orgânicas e centralidade à vida
humana. Ao final, o médico examinou clinicamente os alunos presentes. Em outra ocasião, o
mesmo orador fez uma explicação sobre vacinação e vacinou alunos com autorização dos pais.
Outro tema muito tratado por Dr. Martínez Vargas, a higiene, era divulgado entre os presentes
apontando riscos, necessidades e ocasionais problemas de saúde entre as crianças com base
em certos desconhecimentos e atenções necessárias, como demonstra:

Recomendó que se corrija la pésima costumbre que tienen muchos ninõs de


rascar las pinturas y papeles que adornan las paredes de las habitaciones,
porque, además de irrogar perjuicios, provoca frecuentemente
envenenamientos, por ser altamente tóxicas algunas de las substancias
químicas que utilizan los pintores y fabricantes de papel, y haber también

91
posibilidad de que se introduzcan en la boca del niño algunas partículas de
dichos productos, que pueden hallarse entre los repliegues de la piel de los
dedos, de las uñas, etc... (Boletín de la Escuela Moderna, 31/10/1903, ano
III, nº2).

As conferências eram noticiadas nos Boletins, sendo apresentadas na forma de relato,


muitas vezes detalhados e analitícos, sobre os principais assuntos tratados, exemplos e reação
do público em cada conferência. Entre os intuitos de conferencistas como Odon de Buen e Dr.
Martinez Vargas estava o de expadir o conhecimento científico para além da universidade,
conforme expressa o Boletim, ao referir-se a uma conferência feita por Odon de Buen, intitulada
La naturaleza:

Manifestó que se proponía más bien abrir una vía, indicar una tendencia, que
obtener un fruto, el cual se obtendrá al fin perseverando en el propósito, que
consiste en ampliar el conocimiento de la ciencia sacándola del reservado
universitario, á fin de acumular materiales para la universidad popular, donde
la infancia y los adultos lanzados á las luchas de la vida faltos de
conocimientos puedan participar del capital intelectual humano. Entrando en
el tema, habló con lenguaje familiar y sugestivo de correrías infantiles por el
campo admirando la naturaleza, en que la tierra, la flor y el insecto se
presentan en todo su esplendor, fijando la ingenua atención de los niños, y
de ahí tomó pie para explicar la división rudimentaria de los tres reinos con
las consideraciones apropiadas acerca del valor del método como economía
del conocimiento; presentó las nociones del organismo, comparando el
análisis con la costumbre universal de los niños, que curiosea el mecanismo
de un juguete rompiéndolo para ver lo que tiene dentro, y , colocando en este
terreno. Llevó la inteligencia de los niños acompañada de la general del
auditorio á la vastísima concepción del universo, que va desde los
infinitamente pequeños que percibimos por el microscopio, hasta la
inmensidad de los sistemas siderales que conocemos por la inducción y por
el telescopio (Boletín de la Escuela Moderna).

A conferência por si só se propunha a efetuar seu importante efeito formativo e


informativo entre os participantes, mas também compunha material para análise e construção de
segundas interpretações, como atividade do Boletim. O Boletim, como a conferência, tinha um
propósito educativo, formativo e difusor das ideias que constituiam o paradigma educacional
libertário. Uma ação complementava a outra, promovendo acesso à experiências educativas por
linguagem distintas, acessíveis a todos, fosse pela comunicação oral, fosse pela comunicação
escrita. Há uma interesante passagem que ilustra o que poderia se transformar, em termos de
reflexão e aprendizado, uma conferência dominical:

92
En aquel momento la Escuela Moderna representaba como un hermoso y
reparador oasis en medio de triste y durísimo desierto. Figúrese el lector que
el desierto es la sociedad, donde el hombre siente su vida cohibida y
martirizada por los convencionalismos con que mutuamente se engañan y
mortifican los que se ven obligados á respetar lo infame, á tomar por verdad
el error manifiesto y arraigado, aunque lo desvanezca la razón más
elemental, y á considerar como justo y moral las mayores indignidades, sólo
porque así lo quieren las costumbres tradicionales o codificadas, y que de
pronto, dejando todo ese bagaje de iniquidad que existe por impresión
directa, no con el cristal con que la sociedad lo presenta para que lo veamos
de determinado falso color; entonces el ánimo se ensancha, se respira á
plenos pulmones, late el corazón con fuerza, la sangre circula con violencia,
se siente uno bueno y alegre u con amor grande, tanto que los espacios
sensitivos que antes llenaba el odio rebosan de afecto de tal modo, que no
aún para la indiferencia queda sitio. Naturaleza sin mitos, enseñanza sin
dómine, conocimiento sin fórmulas condicionales previas, arte sin academia,
virtud sin cura, moral sin juez, valor sin sable, acción sin que dirán, de ese
modo completaba el oyente para su uso particular la sencilla, racional y
absolutamente científica exposición del conferenciante.

Com a articulação entre as atividades cotidianas da escola (as conferências, o Boletim e


os livros da Biblioteca) era possível estabelecer um conjunto de ações interligadas que
compunha o proceso educativo, dentro e fora da escola, envolvendo, portanto, estudantes,
famílias e comunidade em geral. Tratava-se de um espaço amplo de educação mediado pela
institução escolar, como ângulo vivo e dinâmico de relação social. O Sr. Odon de Buen, por
exemplo, em uma conferência fez uma explicação sobre a obra As Aventuras de Nono, de Jean
Grave, integrante da Biblioteca Escola Moderna, para falar sobre os animais, as espécies e a
evolução:
En día 3 de enero, reunidos los alumnos, personas de sus familias y
numeroso público, el Dr. Odon de Buen empezó hablándolos de unas ideas
que á niñas y niños recordaban lo que el cárabo agradecido explicaba á
Nono. ¡Que satisfacción sentían al ver confirmada en nombre de la ciencia
aquella solidaridad universal que quiere que todos los seres se ayuden
mutuamente!
- Hemos de amar á los animales, decía el conferenciante, y en frase gráfica á
la par que elocuente describía los grandes beneficios que los animales nos
reportan, y los niños recordaban el pinzón, el cárabo y la abeja, que
condujeron á Nono al hermoso país de Autonomía, y el cerdo, el topo y la
golondrina, que le libraron de la cárcel de Monadia, capital de la inquisitorial
Argirocracia. Imposible contener en breve extracto tanta grandiosidad en los
hechos, en las consideraciones á que se prestan y en las enseñanzas
consiguientes.
(…)Hermosa grandiosidad; pero grandiosidad racional, sin misterio, al
alcance de toda inteligencia, los mismo de la recién constituida del niño, que
da la inculta del hombre destinado por la sociedad del privilegio al trabajo
servil ó asalariado. Verdad; pero verdad triunfante, avasalladora, que se
extiende por el mundo y rechaza el error como la luz á las tinieblas (Boletín
de la Escuela Moderna, 21/01/1904, ano III, nº5).
93
Nesse sentido, a experiência educativa se construía integralmente, consolidando
diferentes linguagens e práticas, baseadas na tríade escola-editorial-impresa, que pode ter
nascido de algumas questões concretas: em primeiro lugar, como promover acesso ao
conhecimento não-alienado, não-deturpado, não-formador de mentes inférteis? Como promover
práticas de leitura e auto-formação para além dos muros da escola e da universidade? A
necessidade de se criar uma editora vinculada à Escola Moderna partiu do reconhecimento de
que os materiais didáticos reproduziam na formação escolar padrões e construções teóricas
parciais e dogmáticas, fundados em uma razão instrumental. Este fato engendrou o
questionamento e a necessidade da abertura teórica e negação aos condicionantes morais e
racionais presentes no universo escolar tradicional, que defendiam uma educação interessada
em governar e subjugar os indivíduos desde a infância. A criação de livros pautados na
construção de novas perspectivas científicas tem, portanto, a projeção de novas interlocuções e
contextos de educacionais, mediados pelo conhecimento integral.
A criação do editorial Publicaciones de La Escuela Moderna ou Biblioteca de La Escuela
Moderna teve como fator crucial a agremiação de pessoas capacitadas – intelectual e
ideologicamente – para a escrita dos livros destinados ao desenvolvimento das atividades de
docência e extensão escolar, o que se deu mediante a mobilização de amplos esforços, por
parte de Francisco Ferrer. Nesse momento, que marcou os antecedentes e os primeiros anos de
funcionamento da escola, Ferrer iniciou uma atividade intensa que, de imediato, começou a dar
resultados com a ampliação e fortalecimento da rede de pessoas articuladas à Escola Moderna.
Esta rede subsidiou a realização das atividades escolares ordinárias e atividades diferenciadas e
inovadoras, como as conferências.

A grande primeira parceria, fruto destes convites, que eram publicados no Boletim,
(convites Aos intelectuais e Concurso de aritmética, divulgados no Boletim da Escola Moderna,
de 31 de dezembro de 1901), foi com Martinez Vargas e Odon Buen. Em três anos escolares, a
Biblioteca da Escola Moderna foi encontrando maior definição ideológica e conseguiu embarcar,
na vida editorial, com a contribuição de alguns autores de acreditada referência profissional, que
produziram espeficicamente para a editora ou viabilizaram a tradução de suas obras (Velasquez,
2010). Entre 1905 e 1906, ocorreu a consolidação desta produção editorial. No decorrer de suas
atividades editoriais, entre 1901 e 1920, foram publicadas 127 obras. Até 1909, com a atuação
de Ferrer, foram publicados 54 volumes, quando ele mesmo trabalhava e administrava a editora.

94
Depois de sua morte, ficou sob resposabilidade de Lorenzo Portet, que seguiu com o projeto até
sua morte em 1918. A Biblioteca Escola Moderna foi comprada pela editora Maucci que seguiu
publicando com o nome de Escuela Moderna até 1920.
O primeiro livro publicado pelo editorial foi Compêndio de la Historia Universal de
Clemence Jacquinet. La História Universal é dividida em três tomos: Tiempos pré-históricos
hasta el império Romano; Idad Média y tiempos modernos; da Revolución francesa hasta
nuestros dias. Posteriomente, outros livros muito utilizados e difundidos: Las aventuras de Nono
de Jean Grave, que havia sido publicado em Paris, em 1901, e foi reeditado em versão
espanhola em 1905, 1908 e 1912, com tradução de Anselmo Lorenzo; e outro livro de leitura,
chamado Cuaderno manuscrito. Também foi publicado o Compendio de Gramatica Espanhola,
por Lucas Palasi – cuja divulgação traz o alerta: obra isenta de sofismas religiosos e sociais;
Origen del Cristianismo, como segundo livro de leitura, Silabário Método Racional de Leitura
Progressiva, de Celso Gomis. O livro de Albert Bloch y George M. Paraf-Javal de ontología e
filosofia da ciencia, chamado Substancia universal, que se utilizaba como livro de leitura na
Escuela Moderna. A variedade de publicações é grande. Há estudos que se dedicam
verticalmente à análise deste editorial, como o Pascoal Velázquez intitulado Un programa de
Educación Popular: El legado de Ferrer Guardia y la Editorial Publicaciones de la Escuela
Moderna (1901-1936) e o estudo de Nora Muro: La Enseñanza en la Escuela Moderna de
Francisco Ferrer y Guardia: Barcelona (1901-1906).

Com o caso de Mateo Morral, a editora teve suas atividades alteradas, em 1906, mas,
em contrapartida, os livros foram adotados em outras escolas racionalistas de Barcelona e da
Espanha. A editora foi também consolidando temas e abordagens na área de geografía,
aritmética, leitura, correspondência escolar, ciências naturais. Os livros de ciências naturais
estiveram a cargo de Odón de Buen, e cadernos de escritura ou livros sobre temas escolares
como o Botiquín Escolar, de Andrés Martínez Vargas. Muitos temas ampliavam o universo
curricular escolar, entrando em um âmbito muito amplo de conhecimento, como novelas e
relatos, ensaios de psicologia, sociologia, filosofia política, filosofia moral; referências biológicas,
históricas, sociológicas. Além disso: um dos mais importantes livros editados pelas
Publicaciones de la Escuela Moderna: El hombre y la tierra de Élisée Reclus.

O Boletín de La Escuela Moderna, nº1, Ano I traz uma breve notícia com o título
Publicaciones de la Escuela Moderna:

95
Una enseñanza puramente científica y racional, como la que se propone
desarrollar esta institución, necesita un material perfectamente adecuado, sin
mezcla de ningún género ni menos debilidades ante los convencionalismos
dominantes. Examinada con criterio imparcial y por personas competentes la
literatura pedagógica española y buena parte de la extranjera, después de
reconocer su mérito, ha resultado deficiente para nuestro objeto, porque
donde no apunta la preocupación sectaria, aparece franca la patriótica o
política, contrarias todas a la integridad del ser moral humano, que en todas
ocasiones debe ostentar su propia personalidad para ser digno de su
voluntad y de su responsabilidad.
Esta deficiencia ha inspirado la creación de una biblioteca que bajo la
modesta denominación que nos sirve de epígrafe, comprenda todos los libros
necesarios para una enseñanza verdaderamente positiva, inaugurada ya con
la primera parte del Compendio de Historia Universal, por Clemencia
Jacquinet, cuyo ‘prefacio’, que es todo programa revelador de un criterio,
donde, no solo se ofrece al niño el caudal más puro de la verdad histórica,
sino donde podrán los hombres rectificar sus errores sobre tan importante
materia.

A preocupação com as fontes de conhecimento as quais eram submetidos os


estudantes, crianças e adultos nas escolas oficiais, confessionais ou laicas, problematizava a
necessidade de que novas abordagens sobre o conhecimento e novas metodologias de ensino-
aprendizagem fossem estudadas e postas em prática. O Compendio de História Universal, como
trabalho inaugural da editora e primeira base teórica para a escola apresenta informações, em
seu prefácio, que marcam o tipo de abordagem que se propunham a desenvolver. Em primeiro
lugar, o prefácio busca explicitar como concebem a história e as abordagens teóricas adequadas
ao ensino de história. Rechaçam a história política, definindo-a como: “a relação das guerras e a
cronologia dos reis, reduzindo-se à glorificação da força, a qual se mesclava oportunamente uma
apologia religiosa.” Em seguida, a história das civilizações é apresentada como forma que
supera a história política, mas passível de questionamentos: “se trata de expor os esforços dos
homens, de todos os homens, em sua marcha ascendente em direção a um futuro?”
Certamente, se trataria da presença na história das civilizações dos mesmos padrões de poder e
dominação de classes presentes na história política, como diz o prefácio: “Não passam de
demonstrar o funcionamento e os diferentes governos, a extensão do comércio, quer dizer, a
exploração do homem pelo capital, da vassalagem do dinheiro, das elucrubações fantásticas dos
fundadores de religiões e de sua suposta ação benfeitora sobre a humanidade”.
Diante desta base crítica, a proposta de Clemece Jacquinet com o Compêdio de
História Universal se sustentava em dois aspectos fundamentais: 1) a história das civilizações; 2)
o ensino de história deveria acontecer depois que a criança fizesse onze ou doze anos, ou seja,
depois das “classes preparatórias”, quando a criança já possui a capacidade de observar e pode-
96
se falar de seus predecessores. Sobre a abordagem de história da civilização, diz Jacquinet:

Por nuestra parte comprendemos de muy distinto modo la historia de la


civilización: tomando a los hombres a su aparición sobre la tierra, nos
esforzamos en reconstituir la vida real con todas sus luchas, sus sufrimientos
y sus progresos; procuramos también descubrir la malicia de todos los
explotadores: guerreros, legisladores, sacerdotes, y de todo el conjunto de
engaños que sufren los pueblos, los verdaderos, los que trabajan, deducimos
una enseñanza completa y severa que instruya a las nuevas generaciones en
el conocimiento de sus verdaderos deberes; que sea una escuela de
fraternidad universal, una prenda de paz para los hombres honrados y una
causa de terror y espanto para todos aquellos que intentasen avasallar a sus
hermanos (Boletín de La Escuela Moderna, nº1, Ano I).

Não se pode deixar de destacar algumas passagens do Compêndio, uma vez que este
material historiográfico evidencia muito do caráter moral e político libertário a ser expresso
nessas obras. A terceira parte do volume I, do Compêndio, que entra na Idade Moderna
(Tiempos modernos: estúdio del siglo XV como precursor de las revoluciones econômica,
intelectual e social), expressa características como o progresso da ciência em relação à
natureza, a valorização da instrução e algumas implicações sociais; claro posicionamento em
relação à dominação religiosa e claro posionamento político em relação aos eventos históricos.
Assim, a obra propõe as seguintes compreensões:

Os cambios sociales, los mismos materiales que morales, no sé efetuam


subtamente, son regidos por uma ley natural. (…) Del conjunto de los
cambios realizados en el siglo XV se desprende una conclusión luminosa, a
saber: Unicamente poniéndose en relación directa con la naturaleza,
aprendendo conocerla y estudiarla, han podido realizase los progresos hasta
el dia alcanzados en ciencia, en arte, en literatura y en independencia del
espíritu (Jacquinet, 1914:176).

A saída da Idade Média para a Moderna, compreendida por Jacquinet como “quase sem
transição brusca”, é acompanhada pelo avanço dos progressos científicos, cujo grande
impulsionador foi o entendimento verdadeiro sobre a relação do ser humano com a natureza, isto
é, ancorada em uma lei natural e não sobre explicações mediadas pelo conhecimento
sobrenatural ou religioso. O entendimento sobre este fato, fundado no humanismo é conduzido,
pela autora à consequente valorização da educação, a partir do século XVI, uma vez que o
conhecimento foi tornando-se cada vez mais necessário ao progesso das sociedades modernas:

Ya el siglo XVI pareció que la sociedad comenzaba à dar una importancia


97
cada vez mayor à la instrucción, y aun que el numero de analfabetos
dominaba aún sobre en los que sabían leer, las escuelas se multiplicaban por
todas partes. Divídanse las escuelas en chicas y grandes; en las primeras se
daba la enseñanza primaria, lectura, escritura y sobretodo catecismo, ya a
las segundas, llamadas también escuelas de gramática, las gentes
acomodadas enviaban sus hijos como los envían en la actualidad a los liceos
ó colegios superiores. Los escolares sometidos á un régimen severísimo: las
disciplinas, la palmeta y el castigo servían de razonamiento para corregir las
menores faltas. La multiplicidad creciente de las escuelas no era signo de
perfeccionismo de los métodos de enseñanza. Tan vano era el bagaje de los
escolares en aquella época y aún el de algunos siglos después, como el da
Edad Media, y en atención al empeño que se ponía en obscurecer su juicio,
casi podía afirmarse que al final de sus estudios tenía la inteligencia algo
menos abierta que antes(Jacquinet, 1914:176).

À medida que a educação e a escola tornaram-se necessárias e legítimas, o sentimento


público e social pela educação como forma de emancipação social não se havia constituído.
Inclusive grandes iluministas avançaram no campo da filosofía e da ciência, como Decartes, por
exemplo, e questionaram essencialmente o poder da religião na condução dos pensamentos e
ações sociais humanas, mas não questionavam a existencia de Deus. O questionamento sobre
a existencia de Deus e portanto a compreensão sobre a criação do mundo, por exemplo, influiu
na construção de certos entendimentos sobre a ciência. Nesta relação entre a filosofía, a ciência
e a religião a questão do sobrenatural e metafísico é muito problematizada por anarquistas,
como o faz Bakunin em sua obra Deus e o Estado (1871), ao demonstrar que a religião tinha
sido tomada a fundo por grandes homens do iluminismo e do idealismo:

Todas las religiones pasadas y presentes y todos los sistemas de filosofía


transcendentes ruedan sobre ese único o inicuo misterio. Santos hombres,
legisladores inspirados, profetas, Mesías, buscaron en él la vida y no hallaron
más que la tortura y la muerte. Como la esfinge antigua, los ha devorado,
porque no han sabido explicarlo.
Grandes filósofos, desde Heráclito y Platón hasta Descartes, Spinoza,
Leibnitz, Kant, Fichte, Schelling y Hegel, sin hablar de los filósofos hindúes,
han escrito montones de volúmenes y han creado sistemas tan ingeniosos
como sublimes, en los cuales dijeron de paso muchas bellas y grandes cosas
y descubrieron verdades inmortales, pero han dejado ese misterio, objeto
principal de sus investigaciones trascendentes, tan insondable como lo había
sido antes de ellos. (1988:160)

Bakunin chega a Ludwig Feuerbach, discípulo e crítico de Hegel, na Alemanha, e August


Comte, que compartem a definição “a metafífica se reduz à psicología; todos os sistemas de
metafísica não foram mais do que a psicología humana que se desenvovia na história”. Ao
referir-se à religião - à igreja católica, a obra de Clemence Jacquinet apresenta afinidade com

98
esta compreensão trilhada pelo anarquismo, e ainda exprime certos julgamentos que se
justificam pela necessidade coetânea de discutir a legitimidade religiosa criticando seu peso
dogmático em detrimento da razão:

Los progresos industriales nos fueron los únicos efectuados en la Edad


Media, encontrándose muchos hombres inteligentes curiosos de las cosas de
la ciencia y que hubieron podido contribuir a ilustrar grandemente la
humanidad. Desgraciadamente tropezaron con no pocas dificultades la más
grave de todas, la religión, que pretendía encerrar para siempre en
pensamiento en sus dogmas y prohibía a los hombres hacer uso de la razón
(idem:160).

Da mesma forma que a crítica das relações territoriais, do poder e do nacionalismo:

En política, los males causados pelo régimen feudal sujetaron la Inglaterra,


Francia y España al poder de los reyes en quienes pensaron encontrar
protectores, permitiéndoles formar los ejércitos permanentes, verdadero
peligro público, y dejándole encerrar en los estrechos límites del
nacionalismo que hizo de cada país el enemigo de todos los otros
(idem:177).

É muito importante a investigação teórico-metodológica presente nesta obra, como meio


de problematizar o ensino de história, inclusive nos dias de hoje. Ao redimensionar os diferentes
focos aos quais a história deveria ser ajustada para sua partilha com estudantes, nota-se a
questão do poder como filtro na história:

Percebemos que nos prefácios do Boletin de la Escuela Moderna de


30/10/1901; do Compêndio de História Universal em espanhol (1901) e na
edição portuguesa (1914) há uma preocupação com a forma de ensinar
história nas escolas anarquistas. Essa inquietação aponta para uma
concepção de história em que a centralidade passaria dos grandes heróis e
líderes para o povo. Uma tentativa de instituir um outro ponto de vista,
romper com a memória que coloca o vencedor como centro do processo
histórico e resgatar a participação popular no movimento da história (Moraes,
2013).

Com esta breve aproximação da obra Compêndio de História Universal, se pode


compreender certas marcas teóricas e filosóficas da escola racionalista libertária, cuja base é
notadamente o ideário anarquista. As contribuições de Reclus e Kropotkin para a interpretação
da realidade social sob as verdadeiras leis humanas, que são as leis da natureza, estão
presentes na grande maioria das obras e inspirações teóricas que substanciam o trabalho
pedagógico da Escola Moderna, como se pode perceber com estas considerações acerca do
99
livro de Jacquinet.
Este pensamento também se aplica a obras como Las Aventuras de Nono. Esta, em
primeira instância, trata-se de um livro de leitura, para os estudos preparatórios, nos primeiros
anos de formação da criança em sua vida escolar racionalista. O livro (cuja edição presente
atualmente na Fundació Ferrer i Guardia apresenta a observação, escrita a lápis na contracapa:
“Libro peligroso – escuela racionalista antirreligiosa”), é uma história fantástica, com profundos
aspectos da formação moral e social humanas. O livro se apresenta com a seguinte saudação
ao professorado, assinada por Ferrer, na condição de diretor da Escola Moderna, mas também
de editor:

AL PROFESORADO

Una nueva edición de «Las Aventuras de Nono», después de tres años de


prueba práctica en la Escuela Moderna, donde es el libro favorito y ha
colmado las esperanzas que nos hizo concebir, nos ofrece ocasión
de manifestar que con él hemos obtenido excelentes resultados, porque,
además de inspirarse en un criterio puramente científico y humano, se adapta
perfectamente a la pedagogía racional.

Su lectura, comentada por los alumnos a excitación y bajo la dirección de los


profesores, penetra en su inteligencia y en ella arraiga la convicción de que
puede existir una Autonomía todo paz y felicidad,
opuesta a esta Argirocracia en que vivimos, donde por efecto de injusticias
sociales, todo es guerra y desdicha. Libro tan en consonancia con lo natural,
porque lo mismo evidencia cuánto hay de irracional, convencional y ficticio en
la sociedad presente, es indicadísimo para la formación intelectual de las
nuevas generaciones que han de instalar el régimen de ciencia en su
fundamento y de solidaridad universal en sus consecuencias.

Por eso lo recomendamos a nuestros colegas.

El Director de la Escuela Moderna

F. Ferrer Guardia

Ferrer expressa nesta breve apresentação das Aventuras de Nono a mesma coerência
que se faz notar na obra de Jacquinet, que é a força das leis naturais na vida social real, em
oposição ao que há de irracional, convencional e fictício na sociedade. A ciência é analisada
como fundamento da formação humana e a solidariedade universal como consequência da
formação de bases cientificas e morais, reguladas por alicerces racionais:

El pueblo desgraciadamente, es todavía muy ignorante; y es mantenido en su

100
ignorancia por los esfuerzos sistemáticos de todos los gobiernos, que
consideran esa ignorancia, no sin razón, como una de las condiciones más
esenciales de su propia potencia. Aplastado por su trabajo cotidiano, privado
de ocio, de comercio intelectual, de lectura, en fin, de casi todos los medios y
de una buena parte de los estimulantes que desarrollan la reflexión en los
hombres, el pueblo acepta muy a menudo, sin crítica y en conjunto las
tradiciones religiosas que, envolviéndolo desde su nacimiento en todas las
circunstancias de su vida, y artificialmente mantenidas en su seno por una
multitud de envenenadores oficiales de toda especie, sacerdotes y laicos, se
transforman en él en una suerte de hábito mental moral, demasiado a
menudo más poderoso que su buen sentido natural (Bakunin, ibidem).

Esta passagem de Bakunin aborda a questão religiosa envolvendo-a no caráter de


artificialidade na construção das necessidades e vontades humanas, em divergência com o
sentido natural. Na obra de Jean Grave, Nono é uma criança que vive entre dois mundos, a
Autocracia e a Argirocracia e os conhece por desejar ganhar um livro, dorme e se deixa embalar
numa viagem fantátisca, na qual aprende diferentes formas de organização social. A Autonomia
é o lugar da igualdade, da vida em coletividade, em harmonia com a natureza e as necessidades
reais humanas; a Argirocracia se pauta na artificialidade das necessidades, nas ilusões e na
dominação impostas pelas relações mediadas pelo capital e pela exploração. Entre estes dois
mundos, a criança se vê dividida, pois a Argirocracia oferece, antes da situação de exploração
pelo trabalho e do esgotamento de suas forças, ilusões que lhe conquistam e criam falsas
necessidades. É muito interessante como estas relações são detalhadas em pequenas
situações, que desvendam nuances e concepções da visão libertária de mundo. Como ocorre
quando Nono que, ao iniciar sua viagem fantástica, é guiado por uma pequena abelha. Ao ser
levado até a grande colméia, Nono se dirige à abelha rainha, que rapidamente lhe indaga porque
a chamava de rainha. O narrador esclarece tal tratamento com base nas seguintes referências:

En casa de su padre había oído Nono decir que los reyes, las reinas, los
emperadores y las emperatrices eran de carne y hueso como todos los
hombres y todas las mujeres, no diferenciándose más que por la forma y la
riqueza del traje; pero tanto se hablaba en la escuela de sus actos y de su
poder, atribuyéndoles tanta acción sobre los acontecimientos y los destinos
de los pueblos, que no podía conformarse con aquella igualdad, y su
imaginación les concedía una esencia superior. Y como además había oído
decir que las abejas estaban gobernadas por una reina, no dudó un instante
que se hallaba ante persona tan majestuosa (1991:14).

101
Nono aprendeu na escola que as abelhas eram governadas por uma rainha. E a abelha
contesta esta interpretação, esclarecendo que se confundem seus cabelos com uma coroa e que
quanto às abelhas que aparentam lhe servir, não são escravas, nem damas da corte, nem
servidoras; são “buenas hijas que aman y cuidan a su madre”. A abelha-mãe demonstra que o
professor ensinou a Nono sobre a vida numa colméia utilizando os próprios padrões culturais,
sendo, portanto, um ignorante, porque “fala do que não conhece, e estudando a vida nas
colméias, julga os costumes segundo os seus”. E nas palavras de Jean Grave, a rainha-mãe
explica:

Entre nosotras, sin embargo, es muy diferente: cada una de nosotras llena la
función inherente a su naturaleza; pero no hay tal reina, ni menos función
impuesta: unas hacen la miel, otras cuidan nuestra infancia; si las
necesidades de la colmena lo exigen, algunas de sus habitantes, sin que
nadie se lo mande, espontáneamente y sólo porque comprenden que la
conveniencia general lo exige cambian de función. En cuanto a mí, no soy
una reina, sino simplemente una madre encargada de suministrar los huevos
que se convertirán en trabajadoras de nuestra república y futuras madres
para nuevos enjambres; y si las otras abejas me escogen, me cuidan y me
miman es sólo porque cumplo un trabajo que ellas no pueden desempeñar
por falta de sexo, y que su cumplimiento me impide ocuparme de otras
tareas. Por tanto, ya lo ves, aquí no hay tal reina ni mandona inútil. (…)
Nono escuchó con la boca abierta aquella leccioncita de historia natural, que
echaba por tierra todas su nociones adquiridas, y en su interior, como era
algo listo y guardaba un poco de rancor a su profesor que ocasiones le había
reprendido o castigado sin razón, formuló el propósito de pillarle a su vez en
flagran delito de ignorancia, cuando viniera a hablarle de la monarquía entre
las abejas (idem).

O exemplo da república de abelhas permitia que as crianças daquela época fossem


educadas compreendendo que a interpretação e percepção da natureza poderiam exercitar uma
forma autoritária de definir e nomear o que está à volta do homem. É um exemplo muito
relacionado à crítica kropotkiniana à visão evolucionista da luta pela sobrevivência; a noção da
hierarquia sustentada por uma relação de força e dominação é revista pela ideia da
solidariedade e ajuda mútua, como forma de partilhar a vida. O apoio mútuo é um fator de
evolução da vida, paralelo e contrário à ideia de luta pela vida. Assim, Kropotikin se refere à vida
das abelhas como exemplo dos mais emblemáticos para se compreender como a vida animal
tem por grande base a ajuda mútua:

Estos pequeños insectos, que podrían ser tan fácil presa de numerosas aves,
y cuya miel atrae a toda clase de animales, comenzando por el escarabajo y

102
terminando con el oso, tampoco tienen particularidad alguna protectora en la
estructura o en lo que a mimetismo se refiere, sin los cuales los insectos que
viven aislados apenas podrían evitar el exterminio completo. Pero, a pesar de
eso, debido a la ayuda mutua practicada por las abejas, como es sabido,
alcanzaron a extenderse ampliamente por la tierra; poseen una gran
inteligencia, y han elaborado formas de vida social sorprendentes.
Trabajando en común, las abejas multiplican en proporciones inverosímiles
sus fuerzas individuales, y recurriendo a una división temporal del trabajo, por
lo cual cada abeja conserva su aptitud para cumplir cuando es necesario,
cualquier clase de trabajo, alcanzando tal grado de bienestar y seguridad que
no tiene ningún animal, por fuerte que sea o bien armado que esté. En sus
sociedades, las abejas a menudo superan al hombre, cuando éste descuida
las ventajas de una ayuda mutua bien planeada (Kropotkin,1922) .

Uma reflexão como esta fundamenta aspectos da formação da criança, que estará
aberta a observar as relações na vida natural e animal desde um ponto de vista não competitivo
e não autoritário, cooperativo e solidário. A ajuda mútua é definida por Kropotkin como fator
fundador da evolução da vida e da sobrevivência dos grupos, podendo ocorrer entre seres da
mesma espécie ou não. A obra de Jean Grave, Aventuras de Nono, se desenrola com a
presença de personagens alegóricas que propiciam situações nas quais o protagonista se vê
refletindo sobre questões de classe, exploração do trabalho, competição, alienação e também
situações de cooperação e autogestão fundamentais à vida em uma sociedade regulada por
valores anarquistas.

103
Outra importante obra editada pela Publicaciones de la Escuela Moderna foi Evolución
Super-orgánica (1905), escrita por Enrique Lluria (1863-1925), médico e sociólogo nascido em
Cuba, estudante de medicina em Barcelona. Suas obras entrelaçam ciência e política. A
Evolución super-orgánica tem o prefácio escrito por Santiago Ramón y Cajal, o ganhador do
Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906, professor de Lluria. Santiago Ramon y Cajal
desenvolveu a doutrina dos neurônios, a ideia de que os neurônios são células discretas,
independentes e distintas, e refutava a teoria reticular, em vigor. O prefácio de Ramon y Cajal
para a obra de Lluria demonstra o engajamento do cientista numa visão social muito convergente
à defendida pelos anarquistas e colaboradores das obras da Escola Moderna. A obra em si
apresenta elementos fundamentais à compreensão da relação homem-natureza-sociedade,
postulada pelos anarquistas, fundando-se na ideia de evolução da humanidade em relação às
situações de evolução encontradas na natureza. O autor se situa entre diversos cientistas de
influência fundamental ao contexto histórico, como Darwin, Lamarck, Spencer, Comte, Raeckel.
Ao se referir à importância do darwinismo como responsável por um grande “transtorno nas
ideias religiosas e idealistas”, retomado por Spencer em sua teoria evolucionista aplicada à vida
social, Lluria defende que a inteligência é produto das leis naturais, e diz: “la naturaleza es el
patrimônio de la humanidad”. Mas critica a noção de propriedade como algo incutido na razão
humana, mesmo em um grande cientista como Spencer. Sobre a ideia de natureza e evolução
humana, Lluria diz

La inteligencia, en una palabra, es la naturaleza encarnada en el hombre. Se


ve que el superorganismo humano debe seguir las mismas leyes que han
presidido el proceso de toda la organización para perfeccionarse, y que la
misma ley que hizo de un organismo unicelular un hombre, será la que ha de
seguir la humanidad á fin de alcanzar la perfección indefinida, que en ultimo
termo, es procurar la mayor concordancia de lo externo con lo interno de que
habla Spencer. Entonces será una realidad esa era de paz y de justicia con
que sueñan hoy todos los hombres. Se comprende fácilmente y se ha
repetido mil veces, siendo la suprema aspiración de la sociología que un
cambio en la base económica de la vida, la propiedad, traería consigo
inmediatamente una trasformación completa de la sociedad actual: todas las
instituciones, desde la familia al Estado, se transformarían. (…) Estas ideas
chocarán muitissimo con los prejuicios imperantes, y es natural que choquen.
¿Cómo admitir que el hombre pueda obedecer à otros móviles que el dinero?
¿Cómo creer que pueda venir otra moral tan extraordinaria, que dignifique al
hombre hasta el extremo que llegue à ser útil à sus semejantes, por solo la
satisfacción que esto proporciona?

Não se trata da relação entre ciências naturais e sociologia, do ponto de vista do método

104
de análise, do método científico, mas sim do entendimento de que as regras que regem a vida
natural, animal e humana são conciliáveis e essenciais à conservação da vida no planeta. A
crítica se direciona às necessidades criadas artificialmente pela sociedade moderna. No caso
da obra de Lluria, em diálogo com Kropotkin e Reclus, é fundamental reconhecer formas
distintas de compreender a vida natural e sua transposição à sociedade. Esta lógica está
presente em muitos dos livros que subsidiam a Escola Moderna.

Questões educacionais e pedagógicas no Boletín de La Escuela Moderna9

A relação teoria-prática na Escola Moderna é perceptível no Boletín como revela o


trecho abaixo:

“Hermoso y consolador espectáculo ofreció esta Escuela al comenzar las


clases tras las pasadas vacaciones; fue aquello una especie de fiesta íntima
de que disfrutaron en primer término los alumnos, y después los profesores, y
aunque profundamente sentida y gozada, no creímos necesario mencionarla
en nuestra publicación.
Pero repitió se la fiesta espontáneamente y sin previsión alguna en día 1º del
corriente, al presentarse algunos rezagados cuyas familias les retuvieran un
mes más en la estación veraniega. Fueron tan vivas y animadas las
manifestaciones de amistad y de alegría, de tal modo rebosada el júbilo en
todos, niñas y niños, en demonstración de la fraternidad que inspira nuestro
método de enseñanza, que nos sentimos emocionados, considerando aquel
acto como prueba espontánea, y como tal valiosísima, de la bondad de
nuestra obra y como una recompensa por los desvelos y sacrificios á ella
dedicados.
Cuando, comenzada la clase, vibraban en unísona melodía aquellas voces
infantiles cantando: De nuevo aquí nos hallamos / animados y contentos…
La hermosa sinceridad que abrillantaba aquella sencilla frase nos pareció
impregnada de sublime poesía, y nos indujo á dedicar este grato recuerdo,
que será ciertamente apreciado por los alumnos, comprendido por sus
familias y avalorado por cuantos dedican á la enseñanza mixta y libre la
debida consideración.

Boletín de la Escuela Moderna, 31/10/1903, ano III, nº2.

Há diversas discussões veiculadas pelo Boletín que dimensionam tais perspectivas,


como: a avaliação e a oposição a exames e classificações de alunos, a concepção de educação

9
Os Boletins da Escola Moderna foram doados para centros de documentação e arquivos de Barcelona em sua
tiragem completa (primeira e segunda época) por um italiano chamado Virginio De Martin que os organizou em serie
encadernada. Não fosse esta iniciativa, não se teria acesso aos boletins enquanto serie documental. (Casa Ed.
Vulcano, di Brignoli G. Luigi, Via delle Rosa, 32. Bergano, Itália.)

105
integral, a liberdade de ensino, a coeducação de sexos, as saídas para estudo do meio ou
estudos práticos, as conferências públicas aos domingos, entre outros. O primeiro número do
periódico foi aberto com um texto de saudação à imprensa, que expressa o seguinte
posicionamento:

en cumplimento de este doble deber, saluda á la prensa en general, con la


que quiere contribuir á ese conjunto de opinión, á esa condensación de
pensamiento que ha de traducirse en manifestación de la voluntad popular
que por evolución cada día más rápida ha de llegar á los límites racionales
que puede alcanzar el progreso; manifiesta-se agradecido á la
condescendencia con que esa misma prensa ha acogido la institución que
venimos á representar, declarando que merced á ella ha alcanzado ésta un
éxito superior al que nos prometían nuestras más lisonjeras esperanzas
(Boletín de la Escuela Moderna, ano I, nº1).

O Boletín veiculava as concepções e propostas de transformação de referências


didáticas e metodológicas, tendo por base a recriação do fazer escolar. No Boletín de
31/03/1905, o texto intitulado Una Escuela Libre aponta elementos de oposição que orientaram o
trabalho realizado pela escola e refletem uma corrente pedagógica e não um contexto isolado. É
essencialmente construtiva a artiulação das práticas e reflexão e fundamentação de discussões
mais aprofundadas em espaços como a imprensa e as conferências realizadas na escola. O
texto em questão se direciona criticamente à formação da criança mediante os métodos de
ensino da escola primária da época sublinhando os seguintes pontos:

Examinando el resultado obtenido por los métodos de la enseñanza primaria


actual, hallamos que el cerebro del niño se ha falseado:

1º por el método demasiado abstracto, que no hace sino rellenar la memoria


y no invita al niño á comprobar su saber por la experiencia;

2º Por la falsa emulación que trata de obtenerse de los niños por


clasificación;

3º por las recompensas, que excitan la vanidad del niño;

4º por los castigos, que atrofian el gusto formando hipócritas y máquinas de


escribir;

5º por la idea patriótica y todas sus monstruosas consecuencias;

Y tantas otras que no he de enumerar:

1º por la ignorancia de los padres;

2º por su falta de gusto y de energía en la educación;

106
3º por el ejemplo de los vicios que les dominan y que no pueden vencer no
siquiera atenuar.

Elementos como saber abstrato, classificação, meritocracia, castigos, baixa vitalidade na


relação de aprendizagem revelam matizes do ensino hegemônico, pautado sobretudo em
abstrações, dogmatismos, repetições e fortes sansões diante de comportamentos anômalos. A
concepção educacional difundida pela Escola Moderna, em primeira instância, remeteu à
mobilização da rede racionalista pautada na soma de esforços e iniciativas pontuais ou
permanentes e o Boletín representou um espaço por excelência voltado a isto. A imprensa
representava um meio de articulação do trabalho realizado na escola e a comunidade de pais e
pessoas que, de alguma forma, interagiam com o movimento racionalista. O Boletín de la
Escuela Moderna era, ao mesmo tempo, um espaço de difusão da educação racionalista, um
instrumento de formação de professores - principalmente na sua primeira fase sob os auspícios
de Clemence Jacquinet - e de consolidação deste processo formativo junto às famílias e à
comunidade em geral. A associação da imprensa à prática educativa pela Escola Moderna foi
uma prática original realizada pelo racionalismo libertário e por outras escolas libertárias; depois
muito apropriada por iniciativas diretamente ligas ao ideário escolanovista, como Celestin Freinet
e John Dewey.
Luis Miguel Lázaro Lorente, no libro Prensa racionalista y educación en España,
publicado em 1995, aponta diversos aspectos importantes que caracterizam este tipo de
impresa, considerando sua inserção na realidade escolar como fator de grande diferencial no
campo de práticas formativas relacionadas à relação informação e conhecimento. Em primeira
instância, é necessário destacar a complementariedade e o duplo caráter do Boletín de la
Escuela Moderna, que configurava tanto um instrumento informativo e de divulgação no meio
operário, quanto um recurso formativo do ponto de vista pedagógico e social:

El fenómeno de la prensa racionalista en España está indisolublemente unido


a la propia aparición y desarrollo del movimiento escolar de esa misma
orientación ideológico-pedagógica. Plasmado en la creación de las “Escuelas
Modernas” que siguen el modelo pautado por la que Francisco Ferrer i
Guardia crea en Barcelona en 1901, y que se instalan, sobre todo, en
Cataluña, el País Valenciano y Andalucia. Que eso sea así, es algo
absolutamente lógico. Desde su aparición, en un contexto histórico de
crecimiento importante de los medios de comunicación escritos entre los que
buscará hacerse con un espacio adecuado, la tarea editora – materializada
en la puesta en circulación de las distintas revistas racionalistas – no es
concebida como una actividad autónoma. Antes al contrario, siempre va a ser
107
entendida como una labor muy importante, desde luego, pero en absoluto
desvinculada del trabajo diario en las escuelas. Más exactamente, y
definiendo ya la primera de las singularidades de este tipo de prensa, la
prensa editorial racionalista funcionará siempre – excepción de la Colmena
de Madrid, y, en menor medida, de la Revista de Pedagogía fisiológica y
experimental de Barcelona, y de Escuela Libre de Valladolid – como una
actividad complementaria de la que se desenvuelve en las aulas de las
Escuelas Modernas, que será la que en último término justifique y dé sentido
a la primera (Lorente, 1995:7).

A prática da imprensa, da escrita jornalística e da comunicação social era


tradicionalmente inerente ao universo operário. A primeira década do século XX, que abriga o
funcionamento da Escola Moderna, é fortemente marcada por publicações libertárias, na
Catalunha, como a famosa Revista Blanca, dirigida por Frederico Urales e, somente na cidade
de Barcelona cabe citar, entre as publicações de 1900 a 1910: La Huelga General (1901-1903),
financiada por Francisco Ferrer e prededente à edição do Boletín de la Escuela Moderna; El
productor (1901-1906) editado por Gracia, sob a direção de Leopoldo Bonafulla; Tierra y Libertad
(1902-1913); Natura (1905), dirigida por Jose Prat; Espartaco (1904); La Anarquía (1906);
Acracia (1908-1910); Salud y Fuerza (1904-1914); El Nuevo Malthusiano (1905); e outras
(Lorente, idem).

Mas também as publicações racionalistas devem ser consideradas como um marco na


produção editorial de outras revistas que abordam, de forma total ou parcial, a temática
educativa. A grande temática do boletín era sempre a questão educacional, fosse de forma
teórica para estabelecer parâmetros e formar referências à prática educativa racionalista, fosse
para relatar e divulgar o decorrer do processo e as possíveis conclusões teóricas advindas da
experiência em curso. O Boletín se tornava um meio de reflexão acerca das ações pedagógicas
em realização na Escola Moderna:

En primer lugar, las estrictamente profesionales, orientadas al magisterio de


primera enseñanza y dirigidas por lo general por maestros. El lapso temporal
que acoge la aparición de un mayor número de revistas racionalistas – en
paralelo con el surgimiento del movimiento de escuelas de esa orientación –
situado entre 1901 y 1910, viene a coincidir con lo que se ha denominado
como época del apogeo de la prensa pedagógica-profesional entre 1870 y
1910. Nada menos que casi medio millar de publicaciones aparecen y
desaparecen en ese periodo de tiempo. Y en segundo lugar, las de ideología
católica, estuvieron o no centrados sus contenidos, de forma preferente, en
temas de enseñanza. Desde este punto de vista, como es obvio, la presencia
de la prensa racionalista, además de novedosa, es casi testimonial por
comparación al crecido número de publicaciones periódicas de esas

108
características que se editaban en España desde hacía muchos años
(idem:89).

Nesta época, houve muitas publicaciones católicas, dedicadas ao ensino, como El


Mentor de los Amiguitos del Niño Jesus; que durou 16 anos, até 1907; ou Revista Professional
de Enseñanza – La Escuela Catolica, além de outras. Francisco Ferrer i Guardia trabalhou com a
necessidade de editar un Boletín para la Escuela Moderna de Barcelona que fosse um veículo
da proposta pedagógica, sobretudo mediante a opinião pública que se formaria em função dos
ataques e desqualificações efetuados por outros periódicos em direção à Escola Moderna e à
educação racionalista. Tais ataques eram oriundos tanto da impresa diária, comum e
conservadora, quanto da imprensa profissional do magisterio católico. É o caso do semanário La
Escuela Católica, da Congregación Mariana del Magisterio Valentino, que comemora o
fechamento definitivo da Escola Moderna de Barcelona e lamenta que tal providência não tenha
se estendido às outras escola racionalistas. A imprensa católica defendia que “os governos, com
urgência, fechem este tipo de escola e procurem que seja cristão o ensino, deixem que esta seja
vigiada pela igreja católica que é única depositária da verdad e então verão garantidas a ordem e
a paz em seus domínios” (idem:22.) Às últimas décadas do século, também foi frequente o
surgimento de jornais e revistas pedagógicas voltadas à formação docente e também à
feminilização do magistério, fenômeno cada vez mais ascendente. É o caso das publicações do
período entre 1874 e 1901, como El Clamor del Magisterio, de Barcelona e El defensor del
Magisterio e El Boletín de primeira enseñanza, da cidade de Girona (Solà, 2011:187). Este
fenómeno editorial tornou-se muito recorrente ao universo de consolidação do campo
educacional.
As características da imprensa pedagógica racionalista, a qual se aplica o Boletín de la
Escuela Moderna, seriam, de acordo com Lorente: - busca de um espaço próprio, a partir de sua
importância pedagógica e social e diante do contexto de ascensão do jornalismo como espaço
de comunicação e das pressões políticas sofridas por projetos editoriais como estes; - meio de
combater as fortes críticas e ataques vindos de setores conversadores e, sobretudo, da igreja
católica, ao projeto educacional racionalista; - meio de agregar o compromisso do/com os pais,
sempre informando e criando espaços de diálogo com este público, como forma de consolidar a
proposta. E por fim, o objetivo chave da imprensa racionalista, “servir como plataforma de
coordenação e propaganda das diversas atividades desenvolvidas pelos núcleos adscritos ao
movimento escolar racionalista”. Em certo momento de sua vida editorial o boletín adquiriu “o

109
caráter de revista filosófica, em que perseverou com regular aceitação, até que chegou o
momento da perseguição e fechamento da escola”.
Enquanto Clemence Jacquinet exerceu a função de diretora da escola, é possível notar
traços de suas práticas educativas e visão pedagógica no Boletín. Sua contribuição está
presente no Boletín em seus anos I e II, com textos voltados à relatoria, divulgação e reflexão
das questões pedagógicas dos primeiros anos de funcionamento da escola e à formação dos
profissionais e interessados envolvidos na realização do projeto. Dessa forma, Clemence
Jacquinet concentra sua colaboração com o Boletín no período que vai de 30/10/1901, com a
publicação do número 1, até o número 8, em 31/05/1903. Ao que se sabe, com o final do anos
letivos de 1902-3, ocorreu uma cisão entre Ferrer i Guardia e Jacquinet, de modo que isto se
estendeu a todas as participações da professora na Escola Moderna. Conforme apresentam os
boletíns do período relatado, Jacquinet é explícitamente autora de treze artigos, quatro deles
sobre o pensamento pedagógico de Rabelais, Montaigne, Rousseau e Spencer, e os demais
sobre questões cotidianas da escola e suas reflexões sobre a experiência.
A partir do Boletín de número 6, de fevereiro de 1904, outras contribuições se
acrescentaram ao pensamento de Jacquinet, presente nos primeiros números do Boletín; seriam
Leopoldina Bonnard e José Casasola, incorporados, a partir deste período, ao grupo docente da
escola, e Anselmo Lorenzo, com fragmentos de sua obra El Banquete de la Vida, além de
artigos. Outra influência estrutural nos primeiros anos do Boletín, além dos cinco trabalhos
assinados por Ferrer Guardia, é a de Paul Robin que, a partir do número 3, de dezembro de
1901, até o número 6, de fevereiro de 1906, cria e divulga as bases fundamentais da educação
integral, consolidadas a partir de sua experiência no Orfanato de Cempuis. A educação integral
foi um debate muito presente na AIT, do qual participou ativamente Robin. A oportunidade de
colocar em prática muitos de seus pressupostos educacionais em Cempuis, e posteriormente
sistematizar as ideias e proporcionar as publicações sobre educação integral, foi muito pertinente
à educação racionalista libertária.
O Boletín de La Escuela Moderna é dividido em dois momentos definidos como primeira
e segunda época. A primeira se refere às séries do Boletín, do ano I, a partir de 30 e outrubro de
1901, ao ano V, ano em que é publicado o número 09, em 30 de maio de 1906. A publicação é
interrompida com o fechamento da escola, por ocasião da prisão de Ferrer. O Boletín do ano V,
número 10, apresenta como data junho de 1906 a julho de 1907 e um texto, de autoria de Ferrer,
o qual diz:

110
A los amigos de la verdad; a los amigos de la justicia

A cuantos en el año que duró mi detención se interesaron por la surte que


pretendían hacerme correr los jesuitas españoles, à cuantos protestaron
indignados contra la moderna inquisición torquemadesca, à todos dirijo un
saludo cordial y un abrazo fraternal.

La Escuela Moderna e Barcelona, cerrada gubernativamente, a pesar de


seren legales sus enseñanzas, atacada rudamente como es natural por los
enemigos de la luz y los sostenedores del privilegio, continua viviendo en la
infinidad de escuelas que usan los libros de su biblioteca, continua viviendo
en ella corazón de cuantos conocen y aman el fin humanitario que persigue,
y continuara, no solo viviendo, sino desarrollándose con toda la fuerza y con
toda la lozanía que le prestan la simpatía, la adhesión y el compañerismo de
que hemos recibido y continuamos recibiendo innumerables pruebas.

La Escuela Moderna desea ser el porta-estandarte de la enseñanza racional


como ideal e emancipación humana, y en su nombre me dirijo a todos los
amantes de la harmonía universal por la paz, por la libertad, por el amor,
deseándoles Salud, salud, salud.

F.Ferrer Guardia.

E este número do boletín segue reafirmando princípios e se reposicionando depois do


período de encarceramento de Ferrer, momento que lhe proporcionou clara oposição ao clero
católico, adjetivado por ele de “jesuíta”, verdadeiro responsável pela perseguição que vinha
sofrendo. E conforme ele mesmo diz, os jesuítas lhe fizeram o favor de tornar sua figura e o
projeto educacional da Escola Moderna conhecidos internacionalmente. A prisão de Ferrer, no
final das contas, ampliou o movimento e isto foi sublinhado por ele como estratégia fundamental
para a retomada do projeto racionalista:

La escuela Moderna, creación de esa iniciativa y fuerza impulsora de


iniciativas salvadoras para lo futuro, aprovechando el sublime movimiento de
solidaridad internacional suscitado en su honor y en beneficio de su director
en desgracia , y reconociendo que no debe ser correspondido con
manifestaciones de estéril gratitud sino con actos encaminados a que esa
solidaridad deje de ser accidental y transitoria para convertirse en
permanente y eficaz, se propone:

1º generalizar suya acción y su influencia de una manera local, nacional,


cosmopolita, considerando que la convivencia y la vecindad, si constituyen
una relación de facilidad, no representan jamás un derecho preferente,
porque la humanidad, lejos de ser un resumen ó como el ultimo termo de una
ecuación, es en una buena filosofía un principio fundamental, anterior y
superior a la idea de patria y nacionalidad;

111
2º conocer y estudiar cuantas novedades pedagógicas surjan en los países,
como resumen del conocimiento y de la experiencia, para asimilárselas y
difundirlas contribuyendo à su generalización y beneficiosa adopción;

3º ofrecer los recursos editoriales a su Biblioteca, a los autores pedagógicos


racionalistas, sin distinción de países, para la publicación de libros que
acepte, no ya solo en español o traducidos, sino en el idioma original, para
ser aplicador a la enseñanza racional en los países respectivos, así como la
traducción de las obras de la Escuela Moderna, al idioma de los países
donde lo soliciten. Todo cuando a juicio de personas respetables y
declaradamente racionalistas sea conveniente y mediante las condiciones
prácticas que se estipulen.

E o texto segue marcando o caráter internacionalmente solidário suscitado pelo


momento de repressão à Escola Moderna e aos racionalistas, concretamente representados pelo
grande prejudicado que foi Ferrer. O propósito fortalecido por racionalistas da Europa e da
América era manter o projeto: “queremos que viva indefinidamente aperfeiçoando sem cessar, já
que unicamente o que se aperfeiçoa, o que progressa, o que evolui, o que se move, é o que
vive.”
A forte relação entre o Boletín e as práticas escolares revela as tendências ideológicas,
morais e políticas que atravessaram a escola ao longo de sua vida institucional. Os dois
primeiros anos, como se verá e como já se mencionou, trazem profundas marcas do trabalho de
Clemence Jaquinet, como pedagoga e anarquista influenciada por Ferrer. A partir de 1903,
quando Jacquinet deixou a escola por razões pessoais e políticas, o Boletín expressou certa
mudança de condução da escola, de funcionalidade do periódico e de inserção ideológica no
meio educacional. Nora Muro salienta que esta mudança de orientação se deu em
concomitância à presença de Jacquinet na escola, sendo este o principal fato que ocasionou sua
saída; a mudança consistia na propagação de um “forte posisivismo ideológico e pedagógico”.
Nota-se nos números do Boletín referentes ao período de 1903-1904 uma clara posição política,
que se transmitia à formação das crianças, deixando supor razões para a perseguição e o
fechamento da escola em 1906.
Posteriormente, se iniciou o período considerado como segunda época do Boletín, em 1º
de maio de 1908, ano I, nº1. A segunda época traz no cabeçalho do jornal as seguintes
informações que complementam seu título: Eco de la revista l’école rénovée de Bruselas e
Extensión Internacional de la Escuela Moderna de Barcelona. E esclarece em seu texto de
apresentação:

112
Nunca con mayor oportunidad que en la ocasión presente, al dar a luz el
primer número de la segunda época de nuestro Boletín, podríamos emplear
esta histórica frase. La Escuela Moderna continua su marcha, sin rectificar
procedimientos, métodos, orientaciones ni propósitos, continua su marcha
ascendente hacia el ideal, porque tiene la evidencia de que su misión es
redentora y contribuye à preparar, por medio de la educación racional y
científica una humanidad más buena, más perfecta, más justa que la
humanidad presente. Esta se debate entre odios y miserias, aquella será el
resultado de la labor realizada durante siglos para la conquista de la paz
universal.

A segunda época apresenta diferentes matizes justamente por ter vivido o momento de
perseguição e prisão de Ferrer i Guardia e fechamento da escola. Sem dúvida, o apoio
internacional de setores livrepensadores e libertários e o movimento escolar racionalista na
Espanha, representam fatores culminantes tanto para a libertação de Ferrer quanto para a
retomada das atividades com maior ímpeto e apoio internacional. Assim, a publicação desta fase
do Boletín está diretamente relacionada à amplificação do racionalismo libertário por meio de
ações conjugadas e legítimas: a criação da Liga Internacional para a Educação Racional da
Infância, a efetivação e periodicidade de três orgãos informativos e jornalísticos: O Boletín, a
L’école rénovée e La Scuola Laica - Rivista internazionale di educazione moderna, com a direção
de Luigi Fabri. As três revistas, financiadas por Ferrer i Guardia, apresentavam estrutura muito
semelhante, inclusive com a repetição de alguns artigos e outros relacionados à realidade local,
o que simplificava e reduzia os gastos com redação e proporcionava a coerência da linha
ideológica (Lorente, idem:91-99).
Em função da natureza política e pedagógica destes periódicos, certamente pode-se
compreendê-los como Revistas de Ensino. Catani e Souza (2001) discutem que o trabalho de
pesquisa com a revista de ensino como fonte primária configura um fértil campo de investigação
das práticas e disciplinas escolares e dos sistemas escolares de ensino, na perspectiva da
história da educação. E, para além disso, com o estudo interno ao periódico e sua produção é
possível “reconstruir estágios de funcionamento e estruturação do campo educacional”;
movimento de professores e suas atuações, confrontos e associações. De acordo com interesse
desta pesquisa, os periódicos educacionais podem ser entendidos como núcleos informativos,
que constituem espaço de construção e divulgação de discursos legítimos sobre questões de
ensino e recomendações, orientações sobre como ensinar (idem:243).
As revistas de ensino, fundadas na tentativa de vincular teoria e prática, em virtude das
atualidades das preocupaçoes e ações pedagógicas, são portanto, fontes históricas que revelam
determinadas vozes do campo educacional, justamente por não serem neutras, por

113
corresponderem ao âmbito de atuação de frentes políticas e pedagógicas que interagem no
campo educacional. Pierre Caspard defende que o trabalho com as revistas de ensino possibilita

Escrever a história da educação de um outro modo: menos centrado no papel


do Estado ou dos grandes pedagogos e mais atento à riqueza das iniciativas
locais, institucionais, ideológicas, socioprofissionais e também ao
atendimento de expectativas de vez que, diferentemente do libro, a imprensa
periódica é uma mídia interativa na orientação da qual os leitores participam
de um modo ou de outro, quer escrevendo para ela, quer assinando-a ou
deixando de fazê-lo (Caspard, 1993 apud Catani e Souza, 2001)

Desse modo, pode-se afirmar que o boletín constitui não só um material de veiculação
de textos informativos, mas também de formação pedagógica, na linha de uma revista de ensino.

114
A concepção de Clemence Jacquinet e o Boletín de la Escuela Moderna

Clemence Jacquinet expressou nos primeiros Boletíns, ano I e II, grandes marcas
teóricas e práticas do trabalho realizado na Escola Moderna de Barcelona. Os dois primeiros
anos do Boletín apresentaram muitos textos pedagógicos de autoria de Jacquinet, com teor
reflexivo sobre as práticas realizadas na escola. Há outros textos, todavia, com a mesma função
pedagógica, que são de responsabilidade da própria redação do Boletín, e que podem ser ou
não atribuídos à Clemence Jacquinet. Nesse sentido, pode-se indicar os seguintes textos ao
longo da trajetória de Jacquinet na escola:

Boletín Textos Observações


pedagógicos/formativos de
autoria de Jacquinet ou da
redação do boletín
Ano I, n.º 1 - 30/10/1901 a) Inauguração de la Escuela a) O texto Inauguração de la
Moderna; Escuela Moderna apresenta uma
b) Al profesorado; classificação das crianças
c) Observaciones generales (indiferentes; impulsivas;
sobre el primer mes de clase; reflexivas; sensíveis);
d) Primeira clase preparatória. d) explicação sobre o emprego
do tempo
Ano I, n.º 2 - 30/11/1901 a)Escuela Moderna – grupo de a) Programa
estudios pedagógicos pedagógico/curricular para
b) Relación General professores
c) Primeira clase preparatória b) relato sobre os primeiros
d) A los padres meses escolares,, assina C.J.
c) explicação sobre o emprego
do tempo
d) Assina C.J.
Ano I, n.º 3 - 31/12/1901 a) La educación integral a) 1º texto Paul Robin
b) Memória del noviembre de b) relatos sobre o mês escolar,
1901 assina C.J.
c) Segunda clase preparatoria c) programas e conteúdos de
disciplinas.
Ano I, n.º 4 - 31/01/1902 a)memoria del 15 de deciembre a) discute a admissão das
a 15 de eneiro crianças na escola, assina C.J.
b) Curso médio b) programas e conteúdos de
disciplinas
Ano I, n.º 5 - 31/03/1902 a)Hacia la educacion integral a)2º texto de Paul Robin
b) Curso médio b) programas e conteúdos de
disciplinas
Ano I, n.º 6 - 30/04/1902 a)Contra la naturaleza a)3º texto de Paul Robin
b) memória de los estúdios b) referente ao final de abril, no
c) notas personales de los qual discute uma prática de

115
alumnos exames realizada na escola.
c) Classificação de
comportamentos e atitudes, mais
conceito.
Ano I, n.º 7 - 30/05/1902 a)Al profesorado a) sobre a preparação das lições
b) El estimulo em la escuela e atividades escolares, assina
moderna C.J.
c) Classificación de los b) visão sobre castigos e
discípulos avaliação da criança
c) Classificação de
comportamentos e atitudes, mais
conceito.
Ano I, n.º 8 - 30/06/1902 a)por qué la Escuela Moderna b) Saidas de estudos ou estudos
no celebra examenes do meio;
b) Uma lección práctica
Ano II, n.º 1 - 31/10/1902 a)Alumnos e número de vezes
que han llegado tarde
Ano II, n.º 3 - 31/12/1902 a)Estúdios pedagógicos a)Jacquinet explica sua
motivação em publicar textos
sobre grandes pensadores da
educação
Ano II, n.º 4 - 31/01/1903 a)Rabelais Pedagogo a)Escrito por Clemence
Jacquinet
Ano II, n.º 5 - 31/02/1903 a) Rabelais Pedagogo – a)Escrito por Clemence
continuação Jacquinet
b) La buena escuela b) Paul Robin
Ano II, n.º 6 - 31/03/1903 a)Montaigne a)Escrito por Clemence
b)La enseñanza de la geografia Jacquinet
b) Escrito por Elisée Reclus
Ano II, n.º 7 - 31/04/1903 a)Derechos e deberes a) Escrito por Clemence
b) Es posible la redacción de un Jacquinet -
programa de educación integral? b) Escrito por Paul Robin
Ano II, n.º 8 - 31/05/1903 a)Juan Jacobo Rousseau a) Escrito por Clemence
Jacquinet
Ano II, n.º 9 - 30/06/1903 a)Hebert Spencer a) Escrito por Clemence
b)Nuestros Museos de historia Jacquinet
natural b) Escrito por Clemence
c)La enseñanza: libertad o Jacquinet
monopólio c) Escrito por Sebastian Faure

Além dos textos de Jacquinet, há outros voltados essencialmente para a reflexão sobre a
prática pedagógica e a criação de novos referenciais, alguns de autoria de Paul Robin, sobre
educação integral, um de Elisée Reclus, sobre ensino de geografia e um de Sebastien Faure,
sobre o papel social da escola.
Há certa constância de seções ou colunas no jornal, elaboradas por Jacquinet ou pela
redação, como Classes Preparatórias, Al profesorado, Classificación de discípulos, e as diversas

116
“relatorias” sobre o cotidiano escolar, estas seguramente de autoria de Jacquinet. As seções
representam de fato o espaço formativo do Boletín, uma vez que possibilitam ao professor a
reflexão e compreensão de temas variados sobre o aprendizado, a forma e organização da
escola em termos de espaço e tempo, atividades, relações sociais entre crianças. Sobre a
natureza e funcionalidade destes textos, Muro observa que

Jacquinet organizo un programa escolar para el primer trimestre del curso y


un segundo programa para los siguientes partiendo de las observaciones y
necesidades pedagógicas derivadas de la evaluación del primer trimestre.
Las programaciones abarcan los trimestres, meses, semanas y días, dando
pausas de observación al equipo de profesores para que la labor pedagógica
en las aulas fuese coherente con los principios pedagógicos, el programa
escolar y las necesidades individuales del alumnado. (...) En cursos
sucesivos, el segundo programa sirvió de base para la práctica pedagógica
de la Escuela Moderna (idem,73).

Há dois textos interessantes e curiosos logo no primeiro número do Boletín, cuja autoria
não está explícita: Inauguração de la Escuela Moderna e Al profesorado, os quais apresentam
uma classificação das crianças (indiferentes; impulsivas; reflexivas; sensíveis). Com a
categorização presente neste texto, pode-se notar quais foram os direcionamentos para a
avaliação dos alunos, nos primeiros meses de funcionamento da escola, conforme a proposta de
Jacquinet:

En primer lugar, rechazo el error universalmente admitido de la necesidad de


aplicar en una escuela una regla uniforme para todos los alumnos. Fúndase
generalmente los que le sostiene en que, siendo muy diferentes los
caracteres de los niños, el profesor que tratase á cada uno según sus
tendencias individuales, y empleara dulces palabras con unos y un lenguaje
severo con otros, parecería injusto.

1º parecerá quizá injusto; pero en realidad, si obrase según su conciencia,


aplicaría en su más amplio sentido los principios de la justicia, y obtendría
fecundísimos resultados.

2º ¿A quién parecerá injusto? A ciertos alumnos y á sus padres prevenidos


contra el profesor, pero es lo cierto que si hay una profesión en que el “haz lo
que debes” sea imperativo, es precisamente la de la enseñanza. Jamás
obtendrá un maestro el menor resultado en su clase si ha de almodarse
incesantemente á las miserables preocupaciones de la opinión pública; por el
contrario, ésta debe estar sobre toda crítica exterior incompetente; su
conciencia, los consejos de los que son sus guías naturales desde el punto
de vista de su deberes profesionales; tal es su único criterio (Ano I, n.º 1 -
30/10/1901).

117
O texto marca de antemão duas posições centrais à prática pedagógica que se pretende
instaurar: a criança deve ser observada com base em sua individualidade; o processo educativo
é diretivo, pela ação e bom senso do professor. Já em seu primeiro Boletín, a Escola Moderna
marca uma posição sobre o laissez faire pedagógico. Na verdade, o trabalho educativo é um
processo muito criterioso e de grande responsabilidade. Assim, a criança é compreendida e
observada do ponto de vista de suas necessidades e capacidades, mas em contrapartida,
classificada por estes mesmos critérios, de modo que tal classificação teria a função de trazer ao
professor subsídios ao seu trabalho e o que esperar de uma criança, percebida por ele, como
impulsiva ou reflexiva, por exemplo.
Disso advém outra crítica evidente à escola ordinária: a aplicação de regras uniformes
em um grupo com indivíduos diversos, que representa uma forma injusta de negar a natureza
singular de cada criança; a individualidade pode ser apreendida pelo trabalho de investigação. O
texto utiliza a expressão “naturaleza íntima” como principal característica da personalidade e dos
comportamentos de determinada criança. Viabiliza critérios de reconhecimento desta “natureza
íntima” por meio da caracterização de algumas tendências relevantes que propiciam uma lógica
para o agrupamento das crianças. Sem propor uma classificação em categorias hierarquizantes,
propõe a utilização de categorias associadas ao processo de investigação, que possibilita os
agrupamentos considerando que existem crianças indiferentes, impulsivas, reflexivas e
sensíveis.
Ao definirem as características das crianças, fazem ponderações e certos julgamentos
sobre comportamentos individuais e o que se pode esperar quando da sua atuação em grupo.
Como por exemplo, os indiferentes são “ni buenos, ni malos, por desgracia, la gran mayoría del
público escolar: son los dóciles, los siguen la corriente”. E articulam as características individuais
às possiveis condutas sociais: “los indiferentes no saben querer ní hacer nada por sí mismos;
son la plaga más funesta de una escuela, como serán después la parte más peligrosa de la
sociedad”.Os impulsivos são concebidos como naturezas francas, mas irreflexiveis e
inconstantes, que não se articulam ao momento presente:

El impulsivo olvida su deber para entregarse por completo al juego que le


atrae. Después, cuando el place ha pasado, se apercibe de las
consecuencias de su aturdimiento, y, como es bueno y no carece de amor
proprio, teme la represión merecida y solo piensa en evitarla; entonces, con
harta frecuencia recurre ´las excusas problemáticas; así después de un día
de asueto, quejase invariablemente de un violento dolor de cabeza que
segundo él, tiene por causa de lección olvidada. Y ese dolor de cabeza no

118
suele ser tan fingido como podría creerse: hay en esto un fenómeno de
sugestión mental curioso y digno de estudio.

Já os reflexivos necessitam de uma educação moral mais forte do que os outros, pois
acreditam representar o aluno hipócrita: “el niño hipócrita parecerá el más aplicado de los
alumnos, el más exacto en su trabajo, pero engañará á un compañero complaciente para que
resuelva sus problemas ó le haga sus lecciones escritas”. E os sensíveis são “unos vivos y
excesivos, en todas sus acciones, otros son soñadores y concentrados en sí mismos; otros son
tímidos hasta el exceso, y sintiéndose desterrados en medio de sus compañeros, suelen pasar
por tontos á la consideración de los que no ponen empeño en conocerlos.” Recomendan,
portanto, que se trabalhe com os sensíveis cultivando suas boas qualidades, e se trabalhe o
afeto, por ser esta uma dimensão por meio da qual a criança sensível pode se desenvolver.
Esta classificação das crianças apresenta ao professor algumas pistas sobre os
possíveis comportamentos e caminhos para desenvolvimento individual infantil no grupo. A
investigação de cada criança deve, portanto, fazer parte da rotina diária do professor, que deve
observá-las em pequenos detalhes, situações rotineiras e simples, que podem expressar mais
sobre a personalidade de cada uma delas. O texto define a investigação como “exploraciones
morales”, e que, por serem deste nível de comportamento e representação social, são
inadequadas de serem exercitadas durante uma aula, por exemplo, quando as crianças estão
sob as orientações de um trabalho. Assim,

“el mejor medio de observación lo constituyen las horas de recreo, cuando


los niños son ellos mismos y nos entregan inconscientemente el secreto de
sus inclinaciones naturales: la elección de sus juegos, la manera con que á
ellos se entregan son otros tantos signos preciosísimos para nosotros”.

Dessa forma, as exploraciones morales e as inclinaciones naturales da criança são os


primeiros elementos que devem constituir a relação didática, aluno-professor-meio, e que podem
permitir ao professor acessar um campo cognitivo muito disputado na formação da criança.
Com as importantes contribuições de Piaget, chegadas muito depois, compreende-se o
desenvolvimento moral da criança, relacionado às categorías de anomia, heteronomia e
autonomia, com uma variação conforme a idade e o estágio de desenvolvimento bio-afetivo-
cognitivo, permeado por determinadas reações das crianças às ordens externas, ao meio. Como
a heteronomia, que representa o oposto da autonomia, constrõe-se muito diretamente a partir da

119
sujeição às leis e referências externas. Pode-se dizer que a criança indiferente, conforme define
o boletín, configura-se a partir de um grande grau de heteronomia que age recursivamente no
plano individual e social. O que motivou a classificação de Jacquinet (e que pode ser aproximada
à de Piaget) foi compreender as diferentes condições de constituição do juízo e atitude moral no
desenvolvimento cognitivo da criança, perceptível por inclinação para determinadas inserções
sociais, que já se revelam na escola. Os aspectos da psciologia, que representam neste
momento um conhecimento incipiente, mas de grande adequação às questões da educação
escolar, se relacionam fortemente com fatores sociais. A preocupação consiste tanto em saber
como a criança constrói seus juízos morais, quanto compreender mediante a investigação dos
comportamentos sociais os possíveis juízos morais. O professor pode assim, trabalhar no âmbito
da formação moral da criança, objetivando seu aprimoramento e evolução pela escola e para a
sociedade em transformação:

Como corolario, es de la mayor importancia dejar á los niños la libertad


completa de jugar como quieran, con la única reserva de que no hagan
perjudicial á sí mismos no a los demás. Por supuesto que no debe contarse
en el numero de las cosas perjudiciales aquellas que incomodan
simplemente al profesor, como por ejemplo, el ruido y las carcajadas, porque
lo más conveniente es intervenir lo menos posible, ni siquiera para proponer
un juego, á menos que el recreo languidezca, en cuyo caso es de excelente
efecto que el maestro se vuelva niño, se mezcle con los alumnos y los excite
con su proprio ejemplo. Es de todo ponto necesario que la observación
escrupulosa del profesor se ejerza con toda reserva, porque los niños,
cuando se sienten observados dejan de ser sinceros, los unos por timidez,
los otros por afectación”.

Nessa perspectiva, um dos fatores mais pontuados para a orientação do trabalho do


professor, nos primeiros meses de aulas, veiculados pelo Boletim, consiste na relação didática,
estabelecida entre professor e alunos. Nota-se a preocupação com a primeira impressão, os
primeiros julgamentos e observações em relação às características de cada aluno, fatores que
podem ser importantes para: (1) orientar o professor em sua aula; (2) ensinar-lhe a retificar seu
primeiro juízo e desconfiar das opiniões precipitadas. Assim, ainda que o professor tenha como
subsídios categorias de classsificação e juízos sobre as crianças, deve efetuar a investigação
moral com muita cautela para que não as reduza, rotule a uma condição irreversível, pois não é
este o objetivo da classificação. Orienta-se que, em relação à impressão positiva que tiveram
das crianças com a primeira semana se aula, estudar e investigar o ambiente a partir de duas
perguntas, fundadas na necessidade de modificar alguma informação ou não:
120
- ¿Hemos podido establecer el orden en las clases, dejando los discípulos
en libertad? En caso negativo, que medios hemos empleado?

- ¿Se ha acentuado el progreso observado en la primera semana?

Percebe-se, neste percurso de estudo sobre as crianças a partir de suas inclinações


morais a aplicação do método experimental, o qual pretendía instaurar Jacquinet. O método
experimental, fundado na observação inicial dos fatos e na conclusão com base nos princípios
de uma análise socialista, como já foi observado anteriormente, fica evidente quando se observa
a organização pedagógica da escola.

A questão da liberdade e da ordem aparece como elemento de necessária e complexa


articulação, do ponto de vista da prática. Jacquinet coloca que uma educação “liberal”, como
define se referindo ao sentido da liberdade, é possível e positiva mediante o uso de constante
discernimento. A educadora afirma que, se a escola se orienta pela formação de indivíduos
livres, é necessário que se proporcione às crianças o entendimento de seus deveres e da
disciplina do trabalho, para que depois compreendam o sentimento da responsabilidade. O dever
e a disciplina são diretrizes cuja articulação se direiona a um objetivo claro: esta escola está
voltada a uma “obra social”, que é emancipar os indivíduos e promover a dissolução da
sociedade autoritária. O que se distingue essencialmente de dever e disciplina como fatores de
dominação e sujeição. Aqui se tem alguns das características que distiguem a experiência da
Escola Moderna e a de Tolstoi, com a Iasnaia Poliana. A Escola Moderna de Barcelona estava
voltada ao evidente propósito revolucionário, e para isso não abria mão de um ensino diretivo e
claramente posicionado, que requeria, inclusive, a coerência ideológica das familias.

Dessa forma, a Escola Moderna, sob as palavras de Jacquinet, apresenta


posicionamentos claros em relação à disciplina, às regras, à ordem e à liberdade no meio
escolar. Mas tais elementos reguladores devem ser coletivamente compreendidos, situados; a
criança deve adquirir consciência acerca das consequências e significados de seus atos.
Certamente, este era um conhecimento que requeria certa organização do ensino e das relações
no cotidiano escolar para que se efetuasse com êxito. Assim:

Los niños tienen necesidad de hacer el aprendizaje de la libertad como


de todo: primeramente, de pequeñitos en la familia, es preciso
enseñarles, sobre todo, por ejemplo, á descubrir su propia conciencia, à
121
escucharla y a respectar sus dictados, lo que constituye la moralidad del
individuo después, en la escuela, donde aprenden a vivir en sociedad, la
libertad del individuo debe restringirse hasta los límites en que dejaría de
ser compatible con la libertad común. Es, pues, imperiosamente
necesario establecer en una escuela una regla tan amplia y ligera como
sea posible, pero lo suficientemente fuerte para que no se la pueda violar
impunemente. Es preciso, no obstante, cuidar mucho de que esta
autoridad no se preste jamás al equívoco. Lo que debe respectarse es el
trabajo, la autoridad del deber, no la voluntad del maestro, antes al
contrario, el maestro debe ser lo primero en dar el ejemplo, evitando que
los niños puedan atribuirle un acto arbitrario aunque sea en su favor. En
tales condiciones, los discípulos aceptan con placer esta regla que sirve
para orientarles y guiarles, mejor que para obligarles; se les habitúa a
comprobar por sí mismos sus acciones, y puede preverse el día en que,
sin peligro, pueda confiárseles su propia dirección. Por tanto, querer que
sin preparación sepan los niños conducirse, cuando con harta frecuencia
se ve a los hombres que no lo saben, es querer una cosa tan imposible
como dar toda la ciencia en una sola lección.

A educadora, preocupada em relacionar fatores diversos de organização da escola e a


formação elementar da criança, trabalha com interessantes perspectivas do ponto de vista da
articulação entre teoría e prática, como sugere os boletins. Uma vez que estes textos são
publicados para acesso de educadores e professores, tem-se em execução um pequeno passo
para a articulação teoría-prática já que, como os artigos, estão voltados à reflexão sobre as
práticas efetuadas na escola. Dessa forma, o principal meio de organização do tempo e das
atividades escolares em seu cotidiano é manter a criança ocupada com trabalhos interessantes,
fortes e responsáveis pelo seu crescimento moral e intelectual.

Outro texto presente no primeiro Boletín (Ano I, n.º 1-30/10/1901) que expressa aspectos
organizacionais e pedagógicos da Escola Moderna, com a contribuição de Jacquinet, chama-se
Primeira clase preparatoria – explicación del empleo del tiempo, conforme mencionado na
tabela. Este texto explicita aspectos da organização do tempo e das atividades diárias na escola,
muito criteriosa e estruturada em certas práticas educativas.

Em primeiro lugar, é importante considerar alguns aspectos organizativos da escola, do


ponto de vista da gestão escolar: distribuição do tempo e do espaço, currículo, avaliação,
processo escolar. O estudo de Nora Muro (2009) apresenta estes elementos e constitui, em
conformidade com as fontes primárias investigadas, referência importante a qualquer pesquisa
sobre a Escola Moderna.
Do ponto de vista da organização do ensino, a Escola Moderna estava organizada em
graus, cujo critério de associação era a idade das crianças, e consequentemente, o nível de
122
conhecimento. Entre finais do século XIX e início do XX, era comum que países europeus, como
a França, organizassem a escola por graus ou três cursos: elementar (7 a 9 anos), médio (9 a
11anos) e superior (11 a 12 anos) (Pozo, 2005). Na Espanha, esta nomenclatura consistia em
párvulos, elemental e superior, de modo que a Escola Moderna desenvolvia os três graus de
ensino. De acordo com a lesgislação espanhola (Real Decreto de 26 de outrubro de 1901), as
disciplinas escolares para o ensino primário eram distribuídas em: Doctrina Cristiana y nociones
de História Sagrada; Lengua Castellana; Aritmética; Geografia e Historia; Rudimentos de
derecho; Nociones de Geometria; Nociones de Ciências Físicas, Químicas y Naturales; Nociones
de Higiene y de Fisiología Humana; Dibujo; Canto; Trabajos Manuales; Ejecícios Corporales.
Todas as disciplinas faziam parte do currículo escolar da Escola Moderna, com exceção de
Doctrina Cristiana y nociones de História Sagrada y Rudimentos de derecho, a primeira por
apresentar conteúdos e concepções que destoavam do projeto racionalista e a segunda por
entrar em questões cruciais às concepções de liberdade, direito, moral e leis que estruturavam a
educação racionalista libertária de maneira diluída e transversal e não apartada da realidade
cotidiana. Estes aspectos eram trabalhados de forma elementar a todas as áreas de
conhecimento. Duas disciplinas foram muito apreciadas da Escola Moderna, as Lições de coisas,
voltadas aos três graus e que consistiam na prática de educação intuitiva, fundada na
observação, intuição e invenção. E a Moral, voltada ao parvulário, cujo objetivo era trabalhar
aspectos da solidariedade, igualdade e liberdade (Muro, idem:71). A duração do curso escolar
compreendia também a legislação oficial, de 01 de setembro a 30 de junho, com férias escolares
entre julho e agosto. As aulas eram distribuídas entre segunda e sábado, com seis horas diárias,
divididas entre período da manhã e da tarde.

A primeira proposta de organização do tempo escolar foi efetuada com base em rotinas
voltadas a ações diretivas, com o objetivo de manter os alunos em plena atividade na escola e
qualificar os usos dos tempos e espaços que compunham o dia a dia. Com isso, se constituiria
elementos para a posterior organização curricular da escola, o que abarcaria tempos, espaços,
práticas e conteúdos de forma mais sistemática e adequada à realidade dos alunos. O trabalho
de Nora Muro envolve graficamente aspectos da organização do tempo, em relação aos cursos,
aos conteúdos trabalhados e às metodologias, adentrando aspectos objetivos do currículo
escolar e desenvolvendo uma análise dos livros da Biblioteca Escola Moderna. Para a finalidade
deste trabalho, que é dar relevo a alguns aspectos conceituais da Escola Moderna, serão
expressos alguns excertos dos textos programáticos organizados por Jacquinet, para os
primeiros momentos de vida da escola. O dia escolar era dividido em:
123
9 às 9:30 – Visita de limpeza. Ordem da aula.

9:30 às 9:45 – Interrogatório sobre o trabalho do dia anterior

9:45 às 10 – Recreio
Manhã:
10 às 10:30 – exercício manuais

10:30 às 11 – Lições de coisas

11 às 11:15 – Recreio

11:15 às 11:45 – Exercícios manuais

14:15 – visita de limpeza

Tarde 14:15 às 14:45 – Narração

15:15 às 16 – Recapitulação aprendizagem de pequenas coisas de memória

4:30 às 4:45 – Ginástica

Esta rigorosa organização do tempo foi posta em prática como programa experimental
no primeiro trimestre de 1901-1902. Com isso, se poderia organizar o currículo, com base no
levantamento de conteúdos mínimos e na avaliação dos alunos. As categorias de avaliação e
classificação dos alunos, apresentadas anteriormente, expressam a preocupação inicial de
conhecer as características e necessidades do grupo e constituir um currículo escolar adequado.
Mas a forma como cada prática é apresentada no Boletín, permite captar os fatores conceituais e
os objetivos relacionados às práticas efetuadas na escola, como se vê com a descrição da visita
de limpeza:

Visita de limpieza; orden en la clase - muy necesaria en las clases


preparatorias; sobre este punto el profesor no tolerara la menos
negligencia, vigilando para que todos los alumnos presenten, en su
persona y en sus vestidos, un aspecto irreprochable. Pero como esta
visita, lo mismo que todo referente á la educación, requiere mucho tato,
para ser eficaz debe ser minuciosa sin degenerar nin vejatoria. (…) La
visita de limpieza debe hacerse fuera de la clase, por ejemplo, en el patio
de recreo cuando el tiempo lo requiera, no permitiéndose el acceso á la
sala de clase más que á los niños juzgados como dignos de penetrar en
ella.

A higiene era uma questão de saúde, vigor e comportamento são, ativo, digno para os

124
libertários. A visita de limpeza tinha também o objetivo de impedir que o contato na escola
proliferasse doenças, mas não se sustentava no propósito de provocar na criança um momento
de reprovação e distinção pela visão higienista, eugênica e vexatória. Associa-se, inclusive, este
momento à preparação para a entrada da criança na sala de aula, cultivando o respeito à aula e
ao espaço da sala de aula. Assim, consideram que

Es necesario, indispensable, que los niños comprendan toda la


importancia de lo que la escuela significa, y en razón de su tierna edad,
este sentimiento debe manifestarse de una manera algo material. Por
ejemplo, puede hablarse en la clase, pero no se gritará nunca; es preciso
estar siempre en actitud regular y desecharse sin tolerancia alguna a las
posturas descuidadas e perezosas, y considerando que la mejor
enseñanza es siempre la del ejemplo, el maestro cuidará mucho de no
incurrir jamás debilidad ni cansancio, ni se mostrará afectado por el frio
ni por el calor, pero como exceso es preferible que se ausente un
momento de la clase, siendo esta una concesión.

Com o cultivo do respeito à situação de aprendizado, aos espaços e ao contexto de sala


de aula, a prática estabelecia um tipo de autoridade positiva, centrada no entendimento concreto
de que a vivência em sala de aula requer certas atitudes e responsabilidades dos estudantes.
Uma forma ritualizar o ambiente de estudo, substituindo a sacralização do saber dogmático e
religioso pela ciência. Os Boletíns de nº 2 e 3 (31/11 e 12/1901) veiculam um texto intitulado
Higiene en la infancia, no qual se discute a importância da amamentação, com detalhamentos
feitos pelo dr. J. Peiró. O tema da higiene era tocado como aspecto de importância tanto no
interior da escola quanto entre as familias. O livro póstumo de Francisco Ferrer também tem uma
seção chamada Higiene Escolar, que apresenta a relação de oposição entre a ideia de limpeza e
sujeira, beleza e feiura, saúde e doença. O objetivo prático desta discussão era problematizar a
proliferação de doenças e da também da sujeira, definida como característica do “meio ambiente
da ignorância, hábil e sustentado pelo clero e a realeza de tempos passados e pela burguesia
liberal até democrática de nossos dias” (2009:101). O discernimento das crianças e das familias
sobre a relação limpeza/sujeira representava uma forma de conhecimento científico acerca das
possíveis debilidades que a falta de higiene pode provocar no ser humano e de forma crônica à
sociedade. A manutenção da ignorância era a manutenção da sujeira e das doenças entre as
clases populares e pobres, fatores que representam aparentes marcas de distinção social entre
as clases ricas e pobres.

125
Na sequência da revista de limpeza, era efetuado o interrogatório sobre o trabalho do dia
anterior. Esta prática tinha o intuito de estabelecer relação entre os conteúdos e experiências
trabalhados no dia anterior, caracterizando-se como exercício de memória e conscientização
sobre as ações da criança, no âmbito temporal:

Interrogatorio sobre el trabajo del día anterior:

Este interrogatorio no tiene solamente por objeto ejercitar la memoria de


los niños, sino también y principalmente ingerirles la costumbre de no
hacer nada sin darse perfecta cuenta de lo que hacen. En efecto, en el
momento de la lección un niño ha podido hallarse distraído ó
comprender mal, obligándose a retroceder, necesita reflexionar, buscar,
poner en juego las facultades activas de su inteligencia, y el profesor
puede completar su enseñanza por explicaciones sobre los puntos
obscuros de su lección, al mismo tiempo que enseña a conocer la
medida del ingenio de sus alumnos, sucediendo as veces que una cosa
tenida por difícil ha sido comprendía inmediatamente, mientras que otra
que le pare que una cosa tenida por difícil ha sido comprendía
inmediatamente, mientras que otra que le parecía sencillísima para
merecer una explicación ha quedado indecisa o ha dado origen a una
idea falsa. Mi última recomendación consiste en que se evite interrogar
casi siempre a los mismos individuos y no se pongan en evidencia los
sujeto brillantes; Es preciso, al contrario, dirigirse preferentemente a los
niños perezosos para obligarles a salir á la luz y á la actividades, y aun
esto ha de hacerse con tacto para que el niño so sospeche que el
maestro el persigue.

O interrogatório constituía, portanto, uma etapa importante do processo de investigação


sobre as características intelectuais e comportamentais de cada criança; e de estímulo à
aprendizagem e à memória, de forma dialogada. O fato de situar a criança na relação com os
conteúdos e atividades realizadas em um curto prazo de tempo também representa uma forma
de trabalhar com a indução, a partir das interrogações e construções lógicas de novos
conhecimentos e com a experiência do método intuitivo. O método intuitivo, de acordo com o
dicionário de Buisson (1897), “faz apelo a esta força sui generis, a este olhar do espírito, a este
ímpeto espontâneo da inteligência em direção da verdade”. Assim, pela intuição e pelos instintos,
a criança é levada à ação, à descoberta e à construção de saberes pela sua própria experiência.
Além disso, este momento da aula pode ser estimulante para a participação de todas as
crianças, conforme orienta o texto, evitando incentivo ao mérito e a divisão pelo conhecimento e
capacidade entre as crianças. Todas se colocam, opinam, expressam impressões e estabalecem
um diálogo no grupo. Esta premissa permeava praticamente todas as atividades escolares, como

126
os exercícios manuais:

Recreo e ejercicios manuales

Comprende se que después de una lección tan provechosa los alumnos


sientan necesidad de quedar un rato libres; el profesor dará, pues, suelta
á los pajarillos durante un cuarto de hora, permitiéndoles hacer tanto
ruido y movimiento como quieran (sin excluir la imitación de gritos de
animales). Después de lo cual, la bandada en calma, entrará en clase
ordenada y silenciosamente. Se procederá entonces á un ejercicio
manual, apelando á la doble habilidad de invención y ejecución de los
niños. Estos ejercicios son muy variados, comprendiendo desde el dibujo
sobre la pizarra hasta las piezas cubicas de construcción, pasando por el
tejido, el plegado y el recorte de papel con los dedos.

No fijaremos día para cada ejercicio, dejemos á los niños que escojan
libremente el que les plazca; solamente con un poco de habilidad, el
profesor sugerirá la elección de sus alumnos, con el fin de introducir la
variedad en el trabajo. Al efecto, habiendo preparado de antemano dos o
tres ejercicios, propondrá á los niños la adopción de uno; si bien que se
arreglará de manera que resulte la preferencia para el que juzgue más
conveniente.

O recreio e os exercícios manuais tinham também por base o exercício criativo, envoltos
pela relação de progresso, liberdade e participação de todas as crianças. Conforme cita Nora
Muro, “o método de observação foi a chave para melhorar a prática educativa”; com isto, os
professores tinham em sua prática pedagógica cotidiana a oportunidade de observar as crianças,
com o objetivo de aprimorar as próximas ações pedagógicas. O recreio era o momento do
exercício espontâneo e lúdico, quando a criança poderia expressar sua natureza, construir e
representar situações sociais sem a mediação dos adultos. Isto constituía outro fator
fundamental à observação pelos professores. O jogo e o lúdico eram concebidos como práticas
espontâneas determinantes à formação física, cognitiva e intelecutal da criança. Nota-se
teorizações sobre o jogo muito correspondentes às concepções em difusão entre precursores da
Escola Nova, como Froebel, que inclusive é mencionado no livro Escuela Moderna, de Ferrer i
Guardia, em um texto assinado por R.Columé e extraído do boletín. Neste texto, o jogo é
relacionado com as representações sociais da vida profissional e com conexão direta com os
instintos da idade viril:

Los niños combinan y ejecutan sus juegos con un interés y una energía
que solo abate el cansancio. Trabajan por imitar cuantas cosas puedan
concebir que hacen los grandes. (…) El ardor y vehemencia con que
hacen esto muestra cuán profundamente real es para ellos, y revela
además que los instintos en los niños no difieren absolutamente de los
instintos a la edad viril. El juego espontaneo, que es de preferencia del
127
niño, predice su ocupación o disposición nativas. El niño juega a hombre,
y cuando llega a la edad viril hace en serio aquello que de niño le divertía
(Ferrer, 2009:111).

Com isso, o jogo espontâneo e as situações lúdicas configuram um espaço de


observação fundamental à compreensão acerca das inclinações profissionais e sociais da
criança. Tem-se aquí o uso destas experiências como recurso didático e metodológico inovador e
amplamente cultivado na Escola Moderna, uma vez que a criança espontânea, alegre e sã
representava um dos caminhos para a construção e progresso do homem novo.

Na sequência do dia, conforme inscreve o programa, vinham as lições de coisas, que


eram desenvolvidas com os três graus, párvulos, elementar e superior. A tradição das lições de
coisas é bem anterior à experiencia da Escola Moderna. Definidas como The Science of
Common Things, esta metodología representava já na década de 1840, em escolas elementares
inglesas, a prática mais importante de educação científica. O ensino do conhecimento científico
com base no entendimento de coisas familiares, comuns às referências das crianças foi, de
forma bastante significativa, criação de Richard Dawes. Assim, as ciências das coisas comuns
consisitam em

Coisas que interessam [aos alunos] no momento presente, bem como


coisas que podem interessá-los no futuro – descrição do seu vestuario,
modo como o mesmo é confeccionado, etc., artigos que eles consomem,
procedencia de tais artigos, natureza de productos da freguesia, os quais
eles próprios e os que com eles convivem estão ajudando a cultivar
(Layton, 1973 apud Goodson, 1995:123).

Todavia, esta metodolgia como proposta de educação científica foi já na próxima década
perdendo êxito do ponto de vista do reconhecimento como conteúdo curricular da escola oficial
britânica. De acordo com Goodson, a escolarização pública na Grã-Bretanha vitoriana foi
reorganizada para minar iniciativas voltadas às classes populares, e reiterar o ensino de uma
ciência pura de laboratório. As lições de coisas se tornaram muito difusas também no pesamento
renovado da educação, com Pestalozzi, que valorizava a educação pelas coisas e depois pelas
palavras, isto é, das coisas para as palavras. O já mencionado Dictionnaire de pédagogie et
d'instruction primaire, de Ferdinand Buisson (1897) apresenta o verbete lições de coisas,
reiterando a importância de Pestalozzi para a difusão desta metodologia em programas de
ensino e como recurso para as variadas disciplinas escolares. As lições de coisas levavam a
criança a aprender pela relação sensorial, pela intuição e pelas referências comuns, sendo uma

128
forma muito produtiva de interação entre desenvolvimento cognitivo e meio social. A forte difusão
no final do século XIX gerou também importantes manuais escolares centrados no ensino das
lições de coisas, como Primeiras Lições de Coisas de Norman Allison Calkins (1861);
L’Enseignement élémentaire. Plan d’études et leçons de choses, de Jules Paroz
(1875); Exercices et travaux pour les enfants selon la méthode et les procedes de Pestalozzi et
de Froebel transformes et adaptes a l’usage des écoles francaises, de Delon (1892), ambos
publicados na França, entre outros. O trabalho com as lições de coisas também se relacionava
às metodologias difusas e explicitamente adotadas pela Escola Moderna, como os Centros de
Interesse, de Oliver Decroly. Outro fator importante relacionado às lições de coisas consistia na
crítica às práticas realizadas no interior do espaço escolar e dentro dos limites conceituais dos
livros. As lições de coisas seriam atividades escolares realizadas em espaços exteriores à e da
escola; os jardins da escola, por exemplo, eram o espaço de maior inserção destas atividades, e
espaço no qual elas se iniciam. Nestas experiências se pode dar início à observação de fatores
concretos da vida presente nos livros, a vida animal, vegetal e social que constituem temas
discutidos fora e dentro da escola. Assim, o Boletín divulga as lições de coisas na Escola
Moderna como uma das atividades de maior importância:

Lección de cosas

La lección de cosas es especifico a los niños da clase preparatória. No


vacilo en afirmar que la lección de cosas es la forma más difícil de la
enseñanza, á causa de que constituye le forma ideal de la lección;
pudiendo asegurarse que el profesor que sabe hacer una lección de
cosas ha alcanzado el dominio de la pedagogía.
En efecto, no se trata de hablar durante cierto tiempo lo más claramente
posible sobre un asunto cualquiera tomado del programa, sino de que
reflexionen los niños sobre las cosas que se les quiera enseñar y de
hacerles decir cuanto puedan descubrir por su propia experiencia; y
como cada objeto que fija nuestras miradas puede ser considerado bajo
mil aspectos diferentes, es necesario saber desprender los únicos que
puedan interesar a los infantiles alumnos, los únicos sobre los cuales
tienen ya algunas nociones.
Me acuerdo de un hombrecito de cinco años que, maravillado y
contento, vino una mañana a decirme que las amapolas que había
reunido en enorme ramillete durante su último paseo habían curado da
tos a su mamá. ¡Que excelente asunto para una lección!
Porque sin olvidar el orden del programa, no deben desperdiciarse los
incidentes que pueden suministrar asuntos útiles de lección. El maestro
no vacilara en aplazar la lección preparado cuando por una circunstancia
imprevista se presenta otra que no debe desaprovecharse.

129
Como prática fundamental à relação de abertura dos espaços e metodologías escolares,
as lições de coisas subsidiavam também as atividades escolares realizadas em saídas de estudo
ou estudos do meio, muito difusas na Escola Moderna, como se verá adiante. É interesante notar
que o texto valoriza justamente a relação estabelecida entre uma atividade externa, uma saída
de estudo e a relação com a vida familiar e pessoal da criança, na qual se estabelece um novo
conhecimento e certamente a posterior situação de relato na escola. A criança realiza as
conexões entre os saberes intra e extra-escolar, ressignificando-os tanto em sua vida pessoal
quanto escolar.

Por fim, o Boletin relata o exercicio manual que possibilita à experiência escolar
possíveis vínculos entre os conhecimentos adquiridos na escola e os gostos pessoais da
criança:

Baste observar que el segundo ejercicio manual debe ser de diferente


género que el precedente, por ejemplo, si antes se hizo tejido o
construcción, ahora trabajaran en la pizarra. Sabido es que el gusto que
muestran los niños por manejar el lápiz o la pluma, para esos primeros
ensayos que tienen por objeto la educación de la mano y de la vista el
maestro propondrá el dibujo de un objeto sencillo, familiar a los
discípulos, que les mostrará detallado las formas generales al mismo
tiempo que trazará un croquis fácil de imitar; luego pasará de mesa en
mesa indicando los defectos que han de corregirse, renovando con sus
consejos el trabajo demasiado informe, procurando siempre dar ánimos
y suscitar el esfuerzo personal.

Os trabalhos manuais representam, no contexto teórico-prático da Escola Moderna, um


importante condutor da chamada educação integral, uma vez que propicia o vínculo entre as
atividades concretas e mecânicas às intelectuais. Nora Muro aponta tal dimensão do trabalho
manual como condição para a fusão das classes sociais e da igualdade entre os sexos,
justamente pela relação trabalho manual e intelectual e pela distribuição de tarefas entre
meninos e meninas, de caráter social distintos, como por exemplo, os meninos se aplicam às
atividades voltadas à manutenção da vida doméstica.

Esta organização do tempo e das atividades, como programa preliminar ou piloto de um


currículo adequado à realidade da Escola Moderna demonstra que a gestão da escola, neste
período, apresentava rica articulação entre os propósitos educacionais do projeto, fossem
inspirações pedagógicas generalizadas no contexto de renovação educacional europeu, fossem
parte da educação racionalista libertária, e a comunidade que compunha a escola. Assim,
considerando a interlocução com as transformações e progressos ocorridos no campo

130
educacional, de meados do século XIX para o XX, a escola apresentava, pelas mãos de
Jacquinet como gestora, nestes primeiros anos, nítida afinidade com as propostas modernas de
trabalho pedagógico, acrescidas de sua visão socialista em constante exercício. O Boletín n.º2 -
30/11/1901, apresenta o texto Relación General, que faz uma breve avaliação destes primeiros
ensaios pedagógicos e demonstra a preocupação da diretora em afinar propostas e relatar os
progressos e recuos do projeto aos leitores do boletín, transparecendo um ambiente de dialogo e
reflexão acerca das escolhas e apostas pedagógicas. Um exemplo muito interessante se refere
ao comportamento das crianças em relação aos materiais escolares, cuja reflexão aponta a
intrínseca relação entre ordem material e dimensão moral, como se nota:

Habíamos resuelto dejar en común los libros y objetos de clase, con el


propósito de habituar a nuestros discípulos á que diesen á sus
relaciones un carácter más fraternal; pero pronto reconocemos que esta
posesión común no servía más que para favorecer la falta de cuidado de
los objetos que se les confiaban, toda vez que podían echar sobre otro la
culpa de los desperfectos observados en los objetos. Por esa causa,
hemos, no dado, sino confiado individualmente a cada discípulo las
cosas que tiene necesidad, colocándolas bajo su responsabilidad
directa, y hemos visto que este sistema daba mejores resultados que el
anterior.

A análise desta situação, de ordem cotidiana e organizacional, demonstra a forma como


a diretora, e em consequência de suas ações, a escola, encaminhavam os possíveis
desequilíbros pedagógicos: pela dimensão moral. A partilha dos materiais escolares, em um
ambiente solidário e potencializador do sentido de responsabilidade nas crianças, seria um ideal
certamente almejado pela Escola Moderna. Em choque com a realidade, a solução encontrada,
que individualiza o uso dos objetos tornando cada um responsável é problematizada por uma
reflexão moral:

No es posible inspirar a todos los sentimientos elevados y que se


muevan únicamente bajo el imperio de objetivos nobles, porque la mayor
parte de los hombres, grandes o pequeños, se sienten influidos más
fácilmente por su interés que por sus ideas generosas; pero por eso
mismo dirigimos nuestro principal empeño á enseñar, - lo que es
evidentemente cierto – que el interés bien entendido de cada uno
consiste en el cumplimiento de su deber, que la felicidad de nuestra vida
se enlaza estrechamente con nuestra manera de comprender y de
practicar la justicia, es decir, el bien.

O grande teor qualitativo destas ações muito bem direcionadas segundo princípios
131
difusos no dia a dia escolar consiste na superação de formas de discernimento reguladas pela
coerção. Em lugar de serem coagidas a apresentarem derterminada conduta e aceitarem-na
como bom senso, as crianças são levadas a agirem em função da avaliação das consequências
e das suas responsabilidades no contexto coletivo. Ao cultivar este tipo de reflexão, a prática
pedagógica da Escola Moderna consequentemente trabalhava com diferentes concepções
acerca de dicotomias como liberdade/autoridade; transgressão/punição; autonomia/dependência.
Assim, o “acaso” representaria um fator constitutivo da relação didática e estabelecimento de
consensos pedagógicos, sociais e morais, pelo livre acordo e exemplo concreto:

Nuestro primer resultado consiste en haber establecido en la escuela


una atmosfera de franqueza que causa agradable sensación de
bienestar. Desde los primeros días de clase hemos hecho ruda guerra a
la mentira, al disimulo; nuestros discípulos han comprendido pronto que
no podrían fácilmente engañarnos y que perderían más con intentarlo.
No puede admitirse que todos se hayan dejado guiar por ese solo
motivo, pero es indudable que para muchos la convicción de la inutilidad
de mentir ha servido principalmente para corregirlos. Sobre todos
ejercemos esa misma acción moral: el perezoso se ve obligado á
consagrar al trabajo más tiempo que los otros, para recuperar las horas
perdidas, que no ha podido emplear en divertirse, pues allí acudimos
para demostrarle que se castiga a sí mismo y que se impone una tarea
mayor para obtener menos resultado que si hubiera trabajado bien
desde principio.

A verdadeira recusa se dá em direção à autoridade negativa, às condutas artificialmente


programadas e irrefletidas; em contrapartida, as crianças são estimuladas a reprovar condutas
egoístas, que prejudiquem o âmbito coletivo. Codello ressalta que “a ação livre, criadora, viva,
formidável deve substituir inteiramente uma ação fundamentada no princípio da autoridade
(2007:360)”. Este é um primeiro ponto, que permeia a ação libertária. Entretanto, é necessário
que o próprio ambiente educativo explicite certas regras, pontos de referências que validem
quais são as condutas consideradas positivas e quais são negativas. Considerando ainda as
observações de Coldello, “existe uma forma de autoridade que é possível e inevitável aceitar,
que se fundamenta em uma afirmação exclusivamente moral. É aquela autoridade que se pode
exprimir livremente, com pleno conhecimento de causa, sendo fundamentada em uma
verdadeira força e coerência moral e que produz sobre os outros um efeito positivo (idem)”. A
obra de Ferrer celebra esta questão com o mote: “nem prêmio, nem castigo”, muito difuso no
meio educacional racionalista. O texto No más castigos, que integra o livro, mas foi originamente
publicado no Boletín, orienta aos professores que sejam radicalmente evitados os castigos:

132
Recibimos frecuentes comunicaciones de centros obreros instructivos y
fraternidades republicanas, quejándose de algunos profesores que
castigan a los niños en sus escuelas. Nosotros mismos hemos tenido el
disgusto de presenciar el hecho que motiva la queja, viendo niños de
rodillas o en otras actitudes forzadas de castigo. Esas prácticas
irracionales y atávicas han de desaparecer; la Pedagogía moderna las
rechaza en absoluto (…) En las escuelas libres todo ha de ser paz,
alegría y confraternidad (Ferrer, 2009:135).

Como se sabe, a questão dos exames, concursos, prêmios e outros tipos de estímulos
que incitavam a competição e a disputa pelo mérito eram rechaçados na mesma medida em que
os castigos. Em primeira instância, esta prática reforça desigualdades e explicita, no interior de
um espaço restrito como a sala de aula, distinções intelectuais, culturais e econômicas, isto é,
mesmo no interior da escola, as desigualdades são reforçadas e os desprovidos de prestígio
social são novamente excluídos. Esta função da escola já foi amplamente discutida no âmbito da
sociologia, seja na linha altusseriana, seja na reproducionista. Ferrer abre o capítulo sobre
prêmios e castigos colocando que “o ensino racional é antes de tudo um método de defesa
contra o erro e a ignorância. Ignorar verdades e crer em absurdos é o predominante em nossa
sociedade e a isso se deve a diferença de classes e o antagonismo dos interesses com sua
persistência e continuidade (idem, 128)”. A crítica à forma como a institução escolar, como
âmbito legitimo e oficioso da sociedade concebe seus métodos de avaliação e as finalidades
diante da formação do aluno faz parte do ideario libertário de educação. A Escola Moderna
colocava esta crítica em prática, encontrando meios de promover um processo de avaliação do
progresso escolar do aluno, buscando superar sua submissão a um proceso vazio e artificial de
provas de conhecimento. Elisée Reclus, no texto Educação, componente de sua grande obra O
Homem e a Terra, refere-se a tal problemática nos seguintes termos:

Os exames e os concursos das grandes escolas nada mais são do que


uma transformação das antigas provas, mas na realidade, e guardada
todas as proporções, essas provas modernas perderam a sinceridade
primitiva. As brutalidades da concorrência vital, a necessidade para os
jovens de ganhar a vida tão rápidamente quanto possível, enfim, a
estúpida vaidade que leva os pais a desejar para sua prole um rápido
avanço nos estudos, têm por consequência um método de instrução
apressado, superficial, ou até mesmo completamente falso. Milhares e
milhares de candidatos buscam simplificar seu trabalho decorando as
fórmulas de seu manual, mastigando e remastigando frases
expectoradas antes deles por célebres professores, amontoando na
memória áridas definições sem cor e sem vida. Conhecem palabras e
mais palabras, e todo esse amontoado interpõe-se entre seu espírito e a

133
verdade.(…) É um perigo capital compreender demasiado rápido, sem
dificuldade, sem esforços nem longo trabalho de assimilação. Rejeitam
negligentemente o osso do qual um outro ‘chupou o tutano’: deixam se
levar pela indiferença, quase em desprezo pelas mais belas coisas,
enfastiam-se: a falta de estudo pessoal mata a iniciativa, retira da
palabra e dos atos toda a originalidade (Reclus, 2010:33).

O Boletín de la Escuela Moderna (30/09/1903, ano III, nº1) traz uma reflexão sobre esta
questão: Exámenes y concursos. O texto critica a preocupação com conhecimentos superficiais,
pautados na memorização, antes dos significantes do que dos significados das palavras, que
tornam as crianças bons reprodutores, o que não siginifica que tenham se apropriado do
conhecimento:

Al finalizar el año escolar hemos oído, como los años anteriores, hablar
de concursos, de exámenes, de premios. Hemos vuelto á ver el desfile
de niños cargados de diplomas y de volúmenes rojos, adornados con
follajes verdes y dorados, hemos pasado revista á la multitud de mamás
angustiadas por la incertidumbre y de niños aterrorizados por las
temibles pruebas del examen, donde han de comparecer ante un tribunal
inflexible á sufrir tremendo interrogatorio (…) Ese es el símbolo de todo
el sistema actual de enseñanza. Porque no se interrumpe solamente
nuestro trabajo para sancionarle por marcas y clasificaciones en una
época del año, ni en una edad de la vida, sino durante todos nuestros
años de estudio, y para muchas profesiones durante toda la vida. (…)
Séanos permitido idear, sin ser tachados de utopistas, una sociedad en
que todos los que quieran trabajar puedan hacerlo, en que la jerarquía
no exista, y en que se trabaje por el trabajo y por sus frutos legítimos.
Comencemos por introducir desde la escuela tan saludables costumbres,
dedíquense los pedagogos á inspirar el amor al trabajo sin sanciones
arbitrarias, ya que hay sanciones naturales é inevitables que bastará
poner en evidencia. Sobre todo evitemos dar á los niños la noción de
comparación y de medida entre los individuos, porque para que los
Suprimamos, pues, en las escuelas las clasificaciones, los exámenes,
las distribuciones de premios y las recompensas de toda clase. Este será
el principio práctico.

Mas, certamente o estudante era avaliado na escola e passava por procesos voltados ao
acompanhamento de seu progresso escolar. O grande avanço da discussão sobre exames
estabelecida na Escola Moderna consistía no ato de repensar as práticas avaliativas como forma
de apreender de que maneira o aluno se apropriava dos conhecimentos trabalhados em seu
cotidiano escolar. O Boletín número 6 ( Ano I, n.º 6 - 30/04/1902) apresenta esta preocupação
no texto Memória de los estudios - fin de abril, cujo principal foco de discussão são as atividades
de interrogatório, componentes do primeiro programa escolar. Inicialmente é apontado um
problema no andamento do instrumento: o fato de que os professores não haviam compreendido
134
bem a maneira de fazer o interrogatório, de modo que fosse realmente “frutífero”. O texto alerta
que o interrogatorio não deveria nem colocar em causa o mérito do professor nem privilegiar
alunos brilhantes com bagagem de conhecimento volumosa. O objetivo do instrumento é
explicitado com os seguintes questionamentos:

El examen se dirige á que el maestro juzgue lo que los discípulos han


adquirido seriamente en el curso del trimestre, especialmente do punto
de vista de su inteligencia:

 ¿Han aprendido a observar?


 ¿Comienzan a saber sacar algunas deducciones justas de sus
observaciones?
 ¿Manifiestan el gusto del estudio, es decir, aparte de la
aplicación que pueden aportar voluntariamente á su trabajo, hay
alguna rama de conocimientos hacia la cual muestren una
curiosidad positiva?

O encaminhamento para a realização do interrogatorio era, em primeiro lugar, que o


mesmo não fosse preparado com antecedência, pois assim valorizaria elementos de
memorização e romperia com a espontaneidade. Salientavam que “um exame sério deve ser
sempre improvisado, sem advertir de antemão nem o professor, nem os discípulos”. Dessa
forma, a execução desta atividade, fundada no objetivo de averiguar certas capacidades da
criança, como a observação, devia ter por base a construção momentânea, espontânea e
conjunta, com base nas vivências anteriores. A substância do interrogatório deveria ser as
situações de aprendizado vividas pelo grupo, e não um planejamento com base em conteúdos
que deveriam ser ensinados. Este fator altera esencialmente uma situação de avaliação.
Assim, as perguntas espontâneas e apoiadas em conhecimentos variados, fundados na
observação da realidade cotidiana, social e local, constituíam uma prática recorrente e central à
formação e ao desenvolvimento intelectual da criança. O Boletín 1 traz um conjuto de perguntas
soltas, voltadas ao exercício da observação e configura um interesante convite, às crianças
conhecerem a Escola Moderna:

Preguntas y respuestas

 ¿Qué forma debe darse a un pastel al que quiera rodearse de


una banda de papel calado y recortado cuya longitud es
invariable, para que aquél sea lo mayor posible?
 ¿Cuáles son las chimeneas de la tierra?
135
 ¿Dónde se encuentran?
 ¿Cuáles son: la planta, el animal y el hombre más útiles?
 ¿Y los más perjudiciales?

Las soluciones, a la Escuela Moderna.

Com base na construção de conhecimentos espontâneos, comportamentos, juízos,


capacidade de análise, abstração e exposição oral, a criança era avaliada. Estas avaliações
também eram publicadas nos Boletíns de modo que se pode notar o teor das avaliações sobre
os alunos. Estas se contituiam de uma ponderação e de um conceito, com base no processo
individual de observação e atribuição de valor, como se vê:

Notas personales de los alumnos: primer año normal preparatorio


Vicente Bonacasa – su conducta es algo irregular; pero su trabajo
continua siendo bueno. Nota 8
Carlos Turrez – No trata se observar por sí mismo – nota 5
Arturo Boada – Pierde tiempo, y su resultado es que responde
generalmente mal á las preguntas – nota 4
Luis Auber - trabajaría bien si estuviese solo en la clase; pero se deja
distraer fácilmente y sus progresos se resienten de ello – nota 4.

Estas observações individuais acerca do desempenho dos alunos eram publicadas


periódicamente. Embora fossem validadas pelo conceito (0 a 10), são ricas de informações a
respeito dos focos de interesse do professor na composição da avaliação do aluno. Como por
exemplo, a capacidade de observar, a relação conduta, produção e rigorosidade. Outras
avaliações trazem qualificações como: “buen trabajo, conducta mediana; buena alumna,
aplicada; se sostiene en el medio de su clase, podría hacer mas; habla mucho, trabaja menos
que en el mes anterior, sin embargo, se sostiene en el término medio; puede adelantar mucho,
pero no se aplica; alumna nueva, á quien concedemos un aplazamiento antes de calificarla;
trabajo poco provechoso, conducta inconveniente; muy distraído, poco aplicado al trabajo; muy
aplicado, esperamos adelantos.” Também faziam uma divisão do grupo, como no caso dos
párvulos: “Nota 6 con la mención de buenos alumnos; nota 5 con la meción: habladores; nota 3:
discípulos desaplicados; nota 2: los más desaplicados.”

Estas observações eram, portanto, ancoradas no rendimento escolar dos alunos, em


função do acompanhamento processual e qualificativo da forma como realizava seu ofício de
aluno: o êxito na realização das atividades, o comportamento e aspectos da personalidade

136
individual, como no caso dos alunos distraídos. Estas pequenas publicações no boletín tinham a
função de colocar os pais a par dos progressos ou recuos dos filhos. Assim, ao negar a prática
de exames, a escola avaliava as crianças processualmente, mediante a prática da observação e
buscando a correspondência dos pais na orientação dos filhos. Mais uma vez, o Boletín realiza o
papel de instrumento de comunicação e afinação do trabalho educacional entre escola e familia.
Outro fator partilhado com a familia era a frequência dos alunos. Da mesma forma que as
avaliações, a quatidade de faltas era publicada no Boletín com o objetivo de que os pais
tomassem ciência:

Alumnos y número de veces que han llegado tarde del 1º al 25 de


octubre:

Bonacasa 1; Ortega 1; hasta Vidal 13. (total de 41 alumnos)


Ruego a las familias:
Suplicamos á las familias de nuestros alumnos eviten en lo posible que
lleguen retrasados á la Escuela, pues cada vez que esto sucede pierden
la primera lección.
Queda cierto número de niños que por indisposición ó por pretextos
frívolos han dejado de asistir algún día. Para estimular la asistencia de
todos, el número y los nombres de los que falten en lo sucesivo serán
expuestos en este lugar.

Além destas questões expressas de maneira pontual, era comum a publicação de textos
direcionados exclusivamente aos pais, focando no trabalho conjunto e consciente sobre a
educação dos filhos. Em um texto componente do segundo Boletin (Ano I, nº2 - 30/11/1901),
intitulado A los Padres, Clemence Jacquinet delineia muitas marcas a respeito da preocupação
de construir com as familias um acordo pedagógico, baseado em afinidades que poderiam ser
reforçadas pelo boletín. A família representaria para a escola um elo que, empenhado na
formação das crianças de acordo com propósitos claros, possibilitaria a ressonância efetiva do
projeto educacional racionalista. Ao se dirigir aos pais, Jacquinet defende que estes são os
exemplos que os filhos hão de imitar constantemente; e pede a vigilância constante sobre suas
condutas, palavras, crenças: “piensa siempre en su presencia y en el alcance de sus palabras
sobre sus juveniles inteligencias”. Esta parceria se segue ao boletín de número quatro (Ano I, n.º
4 - 31/01/1902), no qual Jacquinet publica a memoria del 15 de deciembre a 15 de eneiro ,
novamente em franco diálogo com as famílias, mas centrado na questão da admissão das
crianças na escola. O texto aponta um problema que poderia repercutir de maneira negativa na
formação da criança: muitos pais aceitam que a escola não proporcione o ensino religioso, mas
cultivam a religião na vida privada familiar. O ensino racional e científico não poderia ser
137
ministrado sobre uma base familiar religiosa, uma vez que provocaria na criança conflitos morais:

Querer que marchen juntas dos cosas incompatibles es exponerse á


perder los frutos de los dos métodos; es es introducir el desorden en la
inteligencia del niño, que llega a no saber á quién creer; si á la madre
que le conduce á iglesia, ó al maestro que le enseña que la naturaleza
no admite milagros. De lo cual se sigue un mal gravísimo, cual es
convertir al niño en hipócrita y en un débil de voluntad que engañará a su
confesor y a sus institutos, no atreviéndose jamás á uno lo que se
enseña el otro.

Dessa forma, a presença da religião na familía, como crença e visão de mundo,


representava um ponto de discórdia que poderia ferir o projeto educacional em suas bases
morais. A percepção sobre o possível conflito entre a formação religiosa e a formação laica na
constituição moral da criança era um fator de grande relevância para o acordo pedagógico entre
escola e família. Ao matricular o filho na Escola Moderma, a família consentiria com a
consequente transformação das próprias referências morais e sociais. Como explicita o texto
Equívocos y divergencias entre Padres é hijos, de Juana Longfier Chartier, divulgado no Boletín
de la Escuela Moderna, (30/09/1903, ano III, nº1):

En general tienen razón los padres cuando se niegan á sacrificar su vida


al interés ó al capricho se sus hijos, y no la tienen cuando abusan
ciegamente de su autoridad.
La tiranía paternal es el punto de partida de los equívocos y divergencias
familiares; ella es la culpable, y la que causa males de que casi todos
sufrimos por activa ó por pasiva.
Los padres cometen la falta de amar á sus hijos como una propiedad,
haciéndoles esclavos de sus gustos, de sus ideas. “Nuestro hijo, nuestra
hija, dicen, realizarán los sueños dorados que el tiempo y las
circunstancias no han impedido de realizar”.
Consideren esos padres, inconscientemente crueles, que su hijo no es
una simple prolongación de su personalidad, sino un ser distinto, con un
cerebro y un corazón propios, y cuando le amasan y golpean para
amoldarle á su imagen, comenten un crimen tan grave como si trataran
de impedir su crecimiento para que la talla del vástago no exceda la del
genitor.

Este texto toca em um ponto crucial às relações familiares e afetivas que é a questão da
propriedade. A negação da relação de autoridade e propriedade como elementos de sustentação
e fortalecimento dos laços afetivos é uma marca essencial à compreensão a questão do amor
livre no anarquismo. As relações sociais envoltas pela esfera do amor deveriam ser reguladas e
138
sustentadas por princípios de ajuda e amor mútuo, de solidariedade e conservação dos laços
sociais. A relação de propriedade e autoridade do homem sobre a mulher e do adulto sobre a
criança, pelo consenso da dependência e da submissão é constantemente combatida pelo
pensamento e pela prática anarquista, de modo que tal processo se dava cotidianamente na
escola. Haja vista a constante defesa da coeducação de sexos. A reprodução desta forma de
autoridade é uma forma de relação artificial, mecanizada por espaços sociais como a escola,
uma vez que as crianças nascem nos seios de suas famílias unidas pelo convívio vital, que
ultrapassa o gênero; como diz Ferrer, na “ingênua igualdade da infância”. Considerando a vida
familiar e doméstica, Reclus lembra que

A coeducação, isto é, o ensino de todos os jovens de ambos os sexos,


faz-se hábito muito sumariamente, mas sem que pareça necessário
separar as crianças para ensinar-lhes uma mesma prática ou ofício ou
recitar-lhes uma antiga lenda nos mesmos termos. A bifurcação da
escola primitiva, na qual todos os adultos do lugar tinham sua
participação, só se produzia na época da puberdade, quando os efebos
e os adolescentes se preparavam às provas que deviam realizar para
entrar, uns na sociedade dos homens, as outras entre as mulheres e
mães de família; mas, então, o enclausiramento da jovem, prelúdio da
subjugação que a esperava no matrimônio, punha, de hábito, um termo a
todo o ensino: a apropriação apartou a mulher da sociedade (2010:28).

Reclus segue a discussão defendendo que foi justamente o isolamento da mulher como
princípio vinculado à sua preparação ao matrimônio, que cultivou a sua dependência em relação
ao pai e ao esposo; e tal lógica substanciou, nas sociedades modernas, a prática de educar as
mulheres ao longo de sua vida escolar, separadas dos homens, preparando-as socialmente para
a submissão. O Boletín de la Escuela Moderna publicou em 1904 um texto de Paul Robin
(31/12/1904, ano IV, nº4), no qual o educador revela como a questão da coeducação de gêneros
foi implementada do orfanato de Cempuis, problematizando a questão pelos aspectos materiais
e a ação da visão religiosa no apartamento de crianças pelo gênero. Em função da importância
do texto, se reproduz aquí de forma um pouco extensa:

La coeducación ha existido, como efecto de pobreza, en todo tiempo en


las escuelas de las poblaciones pequeñas. Era un bien abandonado á
los pobres por imposibilidad de llegar á altura donde haya la
preocupación, el convencionalismo y la vanidad de los ricos. Bien es
verdad que para ese bien se convirtiera en mal y no extendiera su
benéfica influencia, los curas que sugirieron la obscuridad á los niños
hicieron cuanto pudieron. Por lo pronto dividieron la clase en dos por
medio de una separación, que en algunos casos era tabique, y donde la

139
separación era bastante baja para verse por encima, no se hacía caso;
pero donde era alta se practicaban agujeros con la malicia consiguiente
á la idea sugerida por aquella división que suponía una traba, una
desconfianza, de la naturaleza, malicia que se desvanecía cuando se
veían sin obstáculo y habían de caminar juntos niñas y niños algunos
kilómetros antes y después de la escuela.
En 1879, el autor de estas líneas, á la razón inspector de instrucción
primaria en Blois, vio muchas de esas divisiones estropeadas por el
tiempo ó por otras causas, y recomendó siempre que no se
compusieran.
Pocos meses después estaba en Cempuis. El director Enseñanza del
departamento del Sena había dicho textualmente: sabemos lo que usted
vale y lo que quiere; haga sus experimentos y todos nos aprovechamos
de ellos. Lo que quería era, entre otras cosas, realizar la educación mixta
tal como la había expuesto en la revista de Littré y Wirouboff diez años
antes.
Y así lo hizo. Mandó derribar las pareces de separación de los tres
patios, envió á paseo con buenos modos al arquitecto, amigo de los
jesuitas, que quería reconstruir las tres paredes derribadas pretextando
que existían en el plano aprobado por el Consejo general y el Prefecto.
Y niñas y niños pequeños y grandes se divirtieron juntos como hermanos
y hermanas. En clase las y los mayores estudiaron á un lado, y los
pequeños y pequeñas á otro.
En el refectorio aquella gentecita se arregló como en una gran familia,
los mayores servían, ayudaban y enseñaban a los menores son
consideración de sexo.
Se crearon toda clase de talleres; los más hábiles enseñaron lo que
sabían á los que los eran menos, y estos, ayudando á los primeros se
hicieron hábiles á su vez.
En el primer años, con la eficaz cooperación de los discípulos mayores,
se construyó un gran estanque para la natación; el segundo año se
bañaron juntos en é los huérfanos y las huérfanas, como lo hacen en la
orilla del mar los niños de las familias ricas, y con gran escándalo de
estas, los niños sin padres fueron también á bañarse al mar,
distinguiéndose únicamente en que fueron mucho más osados que sus
hermanos y hermanas privilegiados.

A solidarização no interior da escola superando as clássicas estratégias de


compartimentação por critérios como gênero, idade e nível de conhecimento é um fator que
marca a prática pedagógica da educação libertária. Ainda que houvesse a separação das
crianças pela prática do ensino graduado, com o objetivo de otimizar e potencializar o processo
de ensino-aprendizagem, tal apartamento não deveria se estender aos demais espaços de
relaciomanento e vivência social. Elementos como a coorperação e a ajuda mútua, fundantes da
prática anarquista, seriam essenciais aos momentos de aprendizado e progresso intelectual e
afetivo das crianças. Com esta prática, se possibilitava o exercício do altruísmo como
consequência da experiência educacional regulada pela solidariedade. Codello explica a noção

140
de Kropotkin a respeito da educação integral do ponto de vista de sua relação com a diversidade
natural, como elemento fundador da desigualdade em riqueza e pluralidade. A diversidade
natural dos seres humanos deveria ser transformada em riqueza social; o reconhecimento e
valorização da diversidade seria o grande estopim para a emancipação completa e a evolução
da liberdade individual. Sob este ponto de vista, o ser humano não é completo e integral de
maneira isolada, justamente por ser sociável e sua vida se constituir de extensões infinitas na
vida coletiva, entre uns e outros (Codello, idem:138). Fundada sob a ajuda mútua e o exercício
do altruísmo, a educação libertária proporcionaria a relação de cooperação tomando por base as
características individuais, do ponto de vista genérico e do ponto de vista da personalidade, e
sua fusão mediada pela conservação da vida social.
Além da interação entre indivíduos como fator fundamental à constituição do ser humano
do ponto de vista de sua natureza, o ambiente social e natural no qual vive também representa
um campo fértil na formação escolar. Considerando as atividades relacionadas às lições de
coisas e às bases do método intuitivo como importantes vias metodológicas, a relação com o
meio, sobretudo quando não alterado profundamente pelo homem, é essencial para se
compreender a prática pedagógica anarquista. Um ponto crucial é que a aprendizagem dos
conhecimentos e o desenvolvimento cognitivo da criança não se dão por meio da assimilação
mecânica e passiva; este processo se dá mediante a participação ativa, concreta e espontânea
da criança em situações que propiciem sua aprendizagem. Reclus considera que a escola deve
abrigar diversos movimentos espontâneos da natureza, tais como corridas nos campos, passeios
em florestas, nas margens de rios, observação da vida animal em seu habitat. Estes
movimentos, que compõem o status de atividades excepcional na vida escolar, deveria ser sua
regra, como forma de observar e compreender de maneira viva, precisa e coerente o mundo
exterior (Codello, idem:222). Nesse sentido, a Escola Moderna primava pela vivência educativa
externa à escola, pela realização do que nos dias atuais se conhece, no campo pedagógico
como estudos do meio. Em um artigo contemporâneo sobre estudo do meio como metodologia
para o ensino de geografia, Estudo do meio: teoria e prática, a docente Nídia Pontuschka remete
a Francisco Ferrer e Celestan Freinet a gênese das práticas de estudo do meio:

O Estudo do Meio não é uma prática pedagógica nova no universo


educacional brasileiro. Faz parte, na verdade, de uma “tradição escolar”
que, inspirada em educadores tais como Francisco Ferrer y Guardia
(1859-1909) e Célestin Freinet (1896-1966), tem por objetivo
proporcionar aos estudantes uma aprendizagem “mais perto da vida”, ou

141
seja, um contato mais direto com a realidade estudada, seja ela, natural
ou social (2009).

O boletin da Escola Moderna frequentemente noticiava atividades relacionadas a estudo


do meio, definindo-as como lição prática, excursão, estudo na natureza. Conforme já
mencionado, esta prática se coadunava a momentos do cotidiano da escola, como as lições de
coisas, ou o interrogatório, constituindo parte do conjunto de práticas do método intuitivo. Mas
também, as lições práticas ou saídas de estudo proporcionavam a experiência educacional de
aprendizado sobre as relações humanas mediadas por valores e princípios morais oriundos do
aprendizado escolar, mas externa ao ambiente físico e regrado deste meio. Dessa forma, a saída
de estudo visava tanto o contato com a natureza, como ambiente restaurador da integridade
humana, quanto as visitas às criações do homem, vinculadas, sobretudo, à expressão de
ambientes de trabalho e produção da vida social e econômica. Assim, o boletín publica:

Una lección práctica:

La Escuela Moderna, insiguiendo su programa, en el que alternan


excursiones y conferencias objetivas, realizó el día 24 la complementaria
de la que tuvo lugar en enero de este año, relativa al vapor y sus
aplicaciones, y que dio el maquinista D. Luís Zurdo Olivares. Se efectuó
ésta con un viaje al depósito de máquinas que en Sarriá tiene la
Compañía ferroviaria, al que concurrieron los alumnos del primer año
normal, los del curso medio y los de segunda clase preparatoria,
acompañados de sus profesores, y para la que dio galantemente toda
clase de facilidades el directos de aquella Compañía Mr. Koetlitz.

E outro texto intitulado: Una excursión Escolar al País de la Industria, Boletín de la


Escuela Moderna (30/09/1903, ano III, nº1):

¡Qué grande, qué hermoso, qué útil es el trabajo!

Tales exclamaciones brotaran espontáneas de labios de niñas y niños,


alumnos de la Escuela Moderna, en la alegre campiña de Sabadell, el
día 30 de julio, próximo pasado, después de haber visitados la fábrica de
D. Martín Morral, la sección de urdimbre del Sr, Cucurella y la fábrica de
aprestos de la señora viuda de Casablanca, donde se relacionaron
afectuosísimamente con obreras y obreros, que acogieron á los infantiles
visitantes con amor y respecto, y por último, cuando después de
campestre y fraternal banquete, reunidos todos en torno del encargado
del resumen de la excursión instructiva, pudieron admirar las
142
consideraciones á que la misma se prestaba. (…)Con tal representación
en la mente comparaban y apreciaban los niños las maravillas
mecánicas que se ofrecían á su ingenua admiración, y en la dificultad de
apreciar las explicaciones y detalles técnicos que con claridad y
amabilidad exponían D. Mateo Morral, cicerone de la expedición, y los
obreros de las diferentes secciones, pareciales obra de hadas
bienhechoras aquella transformación de la lana, burda, sucia, recién
esquilada, en finísimos tejidos de elegantes muestras y ricos colores que
vieron en breve espacio de tiempo, pasando por los diversos artefactos,
sin dejar apenas idea de la dificultad de las operaciones no de las
penalidades del trabajo.

O texto desenvolve a explicação sobre a relação do homem, desde seu momento


primitivo, com a natureza e sua tranformação pelo trabalho e pela atividade intelectual, a partir
de suas necessidades de sobrevivência e vida social. As crianças analisaram o mecanismo de
produção da lã, à medida que presenciavam sua demonstração. E faziam relação, em ocasião
de algum fato, com as questões reais e sociais que envolviam a organização deste trabalho. É
interessante notar o papel do Boletin na interpretação da saída de estudo, a partir dos elementos
reflexivos suscitados por esta metodología. O texto reitera grandes benefícios do conhecimento
científico e do progresso humano na produção material da vida, com considerações como: “un
hinno al progreso, á la civilización, al trabajo, se formulaba espontáneo en las exaltadas
imaginacioncitas de los excursionistas escolares”; mas também relata uma situação digna de
reflexão posterior: ao serem direcionadas a outro departamento da fábrica, as crianças sentiram-
se incomodadas e se recusaram a continuar devido ao excessivo calor e odor desagradável dos
materiais que os operários manipulavam:

Las obreras y obreros que trabajan en esas fábricas han empezado su


aprendizaje siendo niños, mucho antes de haber consolidado y
fortalecido su organismo y antes de haber completado su educación é
instrucción; también les molestaría el calor y el hedor de los materiales,
pero sobre la molestia se imponía la necesidad, y ahí han de estar hasta
que mueran, triste final que ocurre siempre antes de la época
generalmente fijada por las condiciones esenciales del organismo
humano. Cierto es y admirable que la ciencia y la industria unidas, han
realizado maravillas como las que se efectúan por medio de esas
maquinas; mas desgraciadamente ha de oponérseles un pero terrible:
sus beneficios no se distribuyen equitativamente, á la vista está: esos
obreros que han de suportar continuamente esas condiciones para
alguno niños insoportables, que pasan muchas penalidades y que
acaban por lo general de muerte prematura, disfrutan de un esquilmado
jornal, en tanto que los dueños de las máquinas, de los productos u de
las utilidades, cuando e, negocio no fracasa, se enriquecen y gozan ellos
y los suyos de las ventajas consiguientes, lo que indica que para que la

143
justicia social se eleve siquiera á la altura del adelanto científico
industrial, hemos de trabajar cuando tengamos empeño en elevar la
especie humana á la altura de la dignidad e de la positiva felicidad.

Assim, o boletín apresentava sua reflexão acerca de uma situação iniciada em um


contexto de estudo do meio, de maneira a fazer compreender as várias problemáticas que
envolviam o trabalho em uma fábrica, sua relação com a ciência e os usos da ciência, mediante
a eleição das necessidades humanas, sob a ótica do capitalismo. É interessante notar que tal
discussão foi claramente associada a uma situação concreta vivida e problematizada pelas
crianças. O fato de se recusarem a entrar em determinado espaço da fábrica deve fazê-las
refletir sobre o porquê não gostariam de viver uma situação que seus semelhantes vivem
diariamente. Com o aprimoramento do Programa Escolar e do Currículo, que se deu
posteriomente aos primeiros meses conforme relata o Boletin, provavelmente tais discussões
seriam desenvolvidas nas aulas relacionadas, como recurso metodológico e subsidiário de
conteúdos. Esta discussão também se problematiza com a questão do Progresso, na ótica
reclusiana; ela aborda o progresso científico e tecnológico e o retrocesso moral, humano e social
com a condição de exploração pelo trabalho. Com isso, se demonstra o empenho da escola em
situar estas reflexões no centro da formação das crianças, como forma de desenvolvê-las do
ponto de vista do progresso e da evolução moral.
Reclus, ao refletir sobre o ensino de geografía, revela a essência da concepção do
estudo do meio em um texto publicado no Boletín (31 de marzo de 1903, ano II, n.6), intitulado
La enseñanza de la geografia. É fundamental reproduzir parte significativa deste texto:

Toda la historia de la ciencia moderna, comparada con la escolástica de


la Edad Media, puede resumirse en una palabra: “vuelta á la naturaleza”.
Para aprender, tratemos antes de comprender. En vez de raciocinar
sobre lo inconcebible, comencemos por ver, por observar y estudiar lo
que se halla á nuestra vista, al alcance de nuestros sentidos y de nuestra
experimentación.

Sobre todo en geografía, es decir, precisamente en el estudio de la


naturaleza terrestre, conviene proceder por la vista, por la observación
directa de esta Tierra que nos ha hecho nacer y que nos da el pan que
nos alimenta; pero la enseñanza de la geografía, como viene
continuándose aún en nuestras escuelas, lleva la marca de los tiempos
escolásticos: el profesor pide al alumno un acto de fe, pronunciando
además en términos cuyo sentido no domina; recita de corrido nombres
de los “cinco ríos de Francia, de tres cabos, de dos golfos y de un
estrecho” sin referir esos nombre á ninguna realidad precisa. ¿Como
podría hacerlo, si el maestro jamás le presenta ninguna de las cosas de

144
que habla y que se hallan, no obstante, en la misma calle, ante la puerta
de la escuela, en los arroyos y os charcos de agua que forman las
lluvias?

¡Volvamos, pues, á la naturaleza!

¿Pues y en el cielo? En él podemos estudiar la serie infinita de los


movimientos de la Tierra y de los Astros: la mañana, el medio día, el
crepúsculo y la obscuridad en que se descubren las estrellas; las nieves
y las nubes que reemplazan al cielo azul, y luego los grandes y raros
espectáculos de la tempestad, el relámpago, el arco iris y acaso la
aurora boreal. Todos esos movimientos celestes comenzarán á
precisarse en nuestro entendimiento por una matemática inicial ya que
todos los astros siguen un camino trazado de antemano y que les vemos
pasar sucesivamente por el meridiano, dándonos así la ocasión de
precisar los puntos cardinales y de reconocer los diversos puntos del
espacio.

Reclus critica profudamente o livro como primeiro recurso, representação ou


materialidade dos conceitos a serem trabalhados no ensino de geografía; “la cárcel de la escuela
encierra al niño entre sus cuatro paredes”, e ao fazer isso delimita o espectro de observação,
interpretação e compreensão do que se pretende ensinar como conhecimento oficial e
necessário à vida em sociedade. A mesma lógica se aplica ao mapa, representação plana,
gráfica e colorida da Terra, que ao mesmo tempo deve ser imaginada como redonda: “una bola
que rueda en el espacio, como el sol y la luna, no había de presentar su imagen en forma de una
hoja de papel cuadrangular con figuras coloreadas que representan Europa, Asia, África,
Australia, ¡ las dos mitades del Nuevo Mundo!”
Estas considerações, além de divulgadas no Boletín, foram discutidas por Reclus e
Ferrer em correspondencia, referindo-se a um pedido de recomendação de um livro de ensino de
geografía, à Reclus, que reponde:

Sr. Ferrer Guardia:

Querido amigo: En mi concepto, no hay texto para la enseñanza de la


geografía en las escuelas primarias. No conozco uno solo que no esté
inficionado del veneno religioso, del patriótico ó lo que es peor aún, de la
rutina administrativa.

Por otra parte, cuando los niños tienen la dicha, que seguramente
tendrán en la Escuela Moderna, ganan con no tener libros. La
enseñanza oral, sugestiva,, dada por el que sabe á los que comprenden,
es la mejor. Después de haber recogido la semilla dan la cosecha por la
redacción de notas y la construcción de mapas. No obstante, puede
admitirse que, hasta para los profesores, la literatura geográfica se

145
enriquezca con un manual que sirva de guía y de consejo en la
enseñanza de esta ciencia.

¿Quiere V. que me dirija para ello á N..., persona que me parece capaz
de escribir esta obra perfectamente en el criterio indicado?

Le saluda cordialmente su amigo,

Bruselas, 26 de febrero de 1903.

Professor e meio devem ser os grandes mediadores do processo de ensino-


aprendizagem; os demais recursos, livros, objetos pedagógicos, mapas, globos, etc, são
secundários. À medida que a criança se desenvolve, os recusos pedagógicos são introduzidos
no seu cotidiano escolar.
Percebe-se a valorização da relação com o meio natural em lugar de ambientes
transformados pelo homem, sustentados sobre mecanicamos de degradação da originalidade do
ambiente e do ser humano, como o exemplo da fábrica. O meio natural está associado à
vitalidade e à expressão da intrínseca relação ser humano e natureza, como observa Reclus:
“assim como o velho adão, modelado de argila, e como os primeiros egípcios, nascidos do limo,
somos filhos da terra (…); ela nos dá a vida, o movimento, o ser” (Reclus, 2012,51). Com isto, se
delineia alguns aspectos característicos da educação racionalista libertária, associados ao
modelo de ser humano que almejavam formar. O libertário tem um significado muito delimitado à
formação de pessoas empenhadas no propósito de superar e transformar a sociedade ancorada
no autoritarismo e no capitalismo; para tanto, as crianças dereviam ser introduzidas em uma
nova maneira de agir na sociedade.
Um dos aspectos que se relacionam diretamente à questão da integração ao meio, da
vitalidade e do altruismo é a questão da alegria, expressa como conduta de extrema importância
ao progresso do ser humano e ao estabelecimento de interações saudável entre pessoas e
meio. A visão de saúde, portanto, era amplificada por certa conduta humana e pela relação
profunda com um meio salutar. O texto publicado no Boletín (31/10/1903, ano III, nº2), chamado
La Alegría en la educación, explicita este fator nos seguintes termos:

Existe íntima correlación entre la Alegría y la fe en el bien. Necesaria es


la higiene en todo: ante ventanas ampliamente abiertas al cielo azul, a
sol esplendoroso, al aire libre, que permitan ver la lluvia benéfica y la
nieve de copos purísimos, el á niño se reconforta en una mirada alegre,
firme, llena de fe y de sinceridad valerosa frente á las pruebas de la vida
por duras que se presenten.

146
Necesitase energía y vitalidad moral positiva, mas para determinar la
voluntad al cumplimiento del deber, no ha de representársele áspero y
anguloso. La virtud no es asceta ni pedante.
Y para que la alegría infantil florezca y fructifique se necesita poca
cosa… basta con que ella se sienta comprendida y respetada. Mientras
nuestros hijos, ruidosos y alegres, no nos muestren el fondo de lo que
piensan y sienten, mientras no leamos en ellos ni dudas no misterios, no
podremos decir que están alegres, porque conocer la alegría es tener
confianza en la vida y en los individuos, es ser abierto á los que nos
rodean, es no temer que se nos califique de exagerados por la
manifestación de un pensamiento ó de un deseo, porque la tal
manifestación, quizá no razonable, será comprendida y seguramente
juzgada con dulzura y con amor. No criemos seres sin alegría por
sistemática severidad ó por excesiva complacencia; sí nuestros hijos no
siente impulso de participarnos sus confidencias, si se manifiestan
reservados, si se ocultan para realizar un capricho del que esperan
places, es señal de que hemos emprendido falsa vía. En la familia deben
gozarse las primeras dulzuras de la vida, sin que para ello obsten la
fortuna ni la posición; basta comprender la naturaleza del niño y no
dificultar su desarrollo natural.

Ella Ergen

Nesse sentido, nota-se na organização do Boletín uma série de pressupostos teóricos e


metodológicos que delineiam a pedagogia racionalista libertária, e que confirmam a necessidade
de um amplo trabalho de formação, tanto de professores quanto das famílias e pessoas
envolvidas com a Escola Moderna. Nos últimos tempos de Clemence Jacquinet na escola, é
possível compreender o empenho da educadora nesta tarefa, expresso na seção do Boletín
intitulada Estudios Pedagógicos, na qual divulgava ideias importantes de grandes educadores da
história, com o intuito de que jovens educadores conhecessem a variedade de ideias e propostas
pedagógicas, não se limitando a certas abordagens contemporâneas. Defendia a importância de
que jovens professores, ao conherecerem abordagens pedagógicas antecedentes, construíssem
com autonomia suas próprias opiniões e convicções. Os textos que compunham a série tinham o
teor crítico e interpretativo, de modo que Jacquinet assinala que, obviamente, sua “crítica” era
criticável, e que não aspirava impor sua opinião, mas sim incentivar e ajudar professores
aspirantes e jovens a ler, meditar e construir críticas e reflexões. Os educadores que são
abordados por Jacquinet, atividade que se estende até o número 8, ano II, 31 de mayo de 1903,
do boletín, foram: Rabelais; Montaigne, Rousseau e Spencer; momento em que se encerra o ano
II do Boletín, e provavelmente, sua participação na Escola Moderna.
Com o intuito de compreender um pouco da visão desta educadora acerca destas
referências teóricas, será efetuada a seguir a reprodução de alguns excertos destes textos,

147
iniciando-se com o de abertura, Estudios Pedagógicos:

La primera necesidad que experimenta quien se dedica á la enseñanza


consiste en conocer á fondo todo lo que se ha dicho y escrito en materia
pedagógica. Muchos jóvenes profesores que se intitulan miembros de la
“Escuela Nova” no conocen sino lo que se publica en las revistas y
periódicos actuales, y aun suelen rechazar con cierto desprecio, como
afecto de vetustez, todo lo que procede del pasado.
De eso resultan dos clases de errores: á la primera pertenecen los
originados por la inexperiencia, que hace acoger con el mismo favor,
siempre que encuentre la marca de su partido, lo bueno y lo malo, lo
práctico y lo inaplicable, dando igual valor á rasgos verdaderamente
geniales ó á hechos insignificantes, y as veces hasta concediendo
estimación referente á los últimos, como, por ejemplo, cuando se cree
haber realizado gran reforma permitiendo á los alumnos colocarse en
clase á su gusto, mientras que se conserva el mismo sistema rutinario de
enseñanza ó cualquier otro análogo.
La segunda procede de la casualidad, que puede hacer que caiga en
manos de un profesor joven un libro escrito por un pensador profundo,
por uno de aquellos precursores de la reforma pedagógica que abren vía
y trazan el derrotero que sebe seguirse.
Se necesita que los que aspiran a guiar los niños sepan contar consigo
mismos; que sepan apreciar un buen consejo, adoptar un buen sistema,
pero que puedan hacerlo asumiendo la entera responsabilidad de su
elección y de su adhesión; que no se les oiga decir jamás: tengo las
opiniones de mí profesor.
No, jóvenes, no; no debéis tener una opinión hasta que estéis en estado
de tenerlas propias por la experiencia adquirida; nadie tiene derecho á
inculcarlos las suyas, del mismo modo que vosotros no tenéis derechos
de sugerís vuestras á vuestros alumnos.

Boletín de la Escuela Moderna, 31 de diciembre de 1902, ano II, n.3.

Um primeiro ponto de observação é o fato de Jacquinet sugerir que os jovens


professores constituam sua visão sobre pedagogia e infância de maneira ativa, autônoma,
recorrendo às referências clássicas e constituindo sua visão individual e profissional. A relação
com as vanguardas pedagógicas, denominadas Escola Nova, é posta em questão como grandes
correntes inovadoras que deveriam arrebatar aos jovens educadores como a visão dominante de
pedagogia. A adesão irrefletida a certas vanguardas pode, conforme salienta a educadora,
proporcionar ao jovem professor práticas totalmente contrárias a um trabalho verdadeiramente
inovador, como exemplifica com o fato de que manter crianças agindo por sua própria vontade
em um ambiente no qual desenvolvem hábitos retrógrados, não significa o exercício de uma
Pedagogia nova.
É fundamental trazer à discussão o livro escrito por Jacquinet, chamado Ibsen e sua

148
obra, no qual apresenta no último capítulo o texto Los factores de la educación social. Este texto
traz elementos fundamentais à compreensão do pensamento pedagógico de Jacquinet. Em
convergência com a preocupação apontada na abertura de seus estudos pedagógicos, Jacquinet
reitera em seu livro a crítica ao costume de se reduzir a pedagogia e a educação a simples
“opiniões mais ou menos arbitrariamente emitidas, a observações puramente artificiais”, de modo
que aponta o fato de que a psicologia, ao compreender a inteligência como resultado das
funções cerebrais humanas, confere à pedagogia a necessidade de se estabelecer observações
rigorosas que expliquem a formação humana (1907:285).
Ela segue o diálogo com os jovens educadores levantando as seguintes questões:

- ¿Qué libertad de espíritu puede tenerse en una edad en que aun


falta la experiencia práctica, si se deja uno guiar por los mismos
consejeros, si se atiende siempre á las mismas opiniones y se vive
constantemente en la misma atmosfera?
- ¿no es eso seguir siempre el mismo sistema dogmático que ha
pesado y que pesa aún sobre nosotros?
- ¿no nos acostumbramos al uso completo de la libertad?

Tais questionamentos têm clara coerência ao pensamento presente em obras como a


História Universal, na qual há a preocupação expressa em não se submeter ideológicamente a
padrões e explicações científicas dogmáticas. Deslindar o pensamento pedagógico de suas
bases autoritárias representava aqui uma tarefa de grande significado. Esta tarefa apresentava o
duplo sentido de trazer novas críticas e reflexões, legitimadas pelo crivo da ciência, mas também
posicionadas políticamente diante o monopólio do conhecimento por parcelas dominantes da
sociedade. Voltando ao texto Los factores de la educación social, é possível captar a visão de
pedagogia de Jaquinet, quando se propõe a definir o “fim” da educação. E responde
imediatamente, com base na definição aceita por todos: “o fim da educação é formar homens
livres”. Ao tomar esta definição como verdade, a educadora aponta a questão de que “cada um
entende, à sua maneira, os meios de se alcançar aquele objetivo”, ou seja, quais são os
recursos que oferece o mesmo homem para permitir-lhe alcançar a condição de homem livre.
Em consonância ao apontamento expresso na abertura dos estudos pedagógicos, isto é,
que as crianças postas “ao gusto” não necesariamente estão vivenciando uma situação
educativa inovadora, caso as metodologías e concepões de fato não sejam renovadas e
149
transformadoras, Jacquinet reflete acerca do que seria, portanto, o homem livre: para muitos,
aquele que pode fazer o que quer. Mas, esta informação não modifica muita coisa, uma vez que
a vontade e o impulso estão condicionados, segundo a educadora, pelas sensações,
circunstâncias, a natureza humana e sua relação com o mundo exterior. Nesse sentido, os atos
de vontade estão intrisecamente ligados à sociedade, podendo ser eles úteis, indiferentes ou
prejudiciais à sociedade. E finalmente define: a liberdade é almejada por trazer felicidade; e:

“El hombre libre es aquel que en cualquier circunstancia sabe escoger y


ejecutar las acciones útiles ó indiferentes á la sociedad y abstenerse de las
acciones perjudiciales al bien general.” Esto es: “el hombre libre es aquel que
mayor imperio tiene sobre sí mismo”(idem:189).

Com esta definição aclarada, se pode compreender o fim e a que serve a educação,
segundo Jacquinet, como educadora libertária. A educação está, portanto essencialmente
relacionada à vida social em virtude do governo das ações humanas em pleno acordo com sua
vivência coletiva e social.
O primeiro autor estudado pela série Estudios Pedagógicos foi François Rabelais,
comumente evocado pelo ideário anarquista, sobretudo por sua obra critica aos cânones
estéticos e sociais (Litvak, 2001:293). Jacquinet, ao intitular seu texto: Rabelais, Pedagogo,
enfoca em Gargantua e Pantagruel (1532-52) seus aspectos educativos. O texto faz um breve
resumo sobre como Gargantua foi educado, passando por educadores de origen religiosa e
recebendo uma formação escolástica, cuja experiência e acúmulo de saber não lhe serviam a
nada. Quando Gargantua passa a ser educado por Podócrates, Jacquinet explicita algumas
transformações substanciais pelas quais passa o estudante, como a questão da higiene, sobre a
qual diz: “Rabelais, e não é um de seus menores méritos, insiste constantemente na
necessidade da limpeza e das práticas de higiene. Sobre este ponto se declara aberta rebelião
contra todos os preceptos cristãos, que consideram os cuidados do corpo como uma impureza
moral”. Algumas marcas muito coerentes do pensamento libertário são expressas pela autora
quando ressalta que o novo preceptor de Gargantua não modificou sua “viciosa maneira de
viver” abruptamente, considerando que a natureza não faz suas grandes mudanças sem
violência. E elenca as novas atividades vividas por Gangantua, intelectuais, estéticas, corporais
e físicas, vinculadas ao trabalho e ao contato com a natureza. E por fim, Jacquinet conclui:

Debese tener presente que en este programa exponemos mas su


espíritu que la letra. Rabelais hace su protagonista un gigante, y como
150
tal, proporciona a su condición el trabajo que le atribuye. Del mismo
modo, es evidente que las materias que estudiaba Gargantua y su
manera de estudiarlas no son siempre las que escogeríamos
actualmente: Rabelais no podría adivinar los descubrimientos futuros de
la ciencia; pero es muy notable que sustituyera la reflexión y la
observación a la sola memoria, a la cual se dirigía únicamente todo lo
que antes llamaba estudios. El método Rabelais se adelantó
considerablemente a su siglo por las prescripciones higiénicas, la
diversidad del trabajo y el cuidado del desarrollo físico, moral e
intelectual (Ano II, n.º 5 - 31/02/1903).

No Boletín seguinte, a educadora publica o texto Montaigne, com a epígrafe: “mas vale
una cabeza bien hecha que una cabeza bien llena”, que converge em grande sentido com a
abordagem sobre Gangantua. Jacquinet foca em dois capítulos da obra Ensaio: “el pedantismo”
e “la institución de los niños”, fazendo ponderações acerca da relação ciência-poder e verdadeiro
saber. Como grandes abstrações da ciência, esmeradas pelos “pedantes” podem ser
compreendidas pela criança? E segue com diversas citações de Montaigne, proporcionando
contato direto com o autor.
O Boletín de número 8 (Ano II, n.º 8 - 31/05/1903), trata de Jean-Jacques Rousseau,
cujo artigo é iniciado da seguinte forma: “Analisar a Rousseau é como permanecer firme na
verdade, é uma tarefa delicada, capaz de intimidar a quen a empreenda e que, ainda que
sentindo entusiasmo pelo assunto, não deixe de dar se conta da dificuldade que oferece”.
Jacquinet estabelece algumas críticas a Rousseau como: a distância do mundo operário e
proximidade das classes dominantes: “és un burgués que prepara una revolución burguesa”.
Para Jacquinet, Rousseu falseou o verdadeiro sentido da natureza, por não conhecê-la
efetivamente e trabalhou com visões de denvolvimento infantil e educação, ao conceber Emilio
como criança das elites. Assim, assevera que Emilio é uma obra que deve ser lida pelo professor
com muito cuidado, com atenção aos possíveis erros e às possíveis verdades. Por fim, Jacquinet
aponta que o mérito da pedagogia de Rousseau consiste em dar amplitude aos sentidos e à
observação, estabelecendo uma periodização da vida da criança associada às suas capacidades
de observar, quando pequena, e abstrair e refletir à medida que se desenvolve. Sobre a relação
com a natureza, Jacquinet critica a Rousseau dizendo que

El hijo de la naturaleza está por el [Rousseau] constantemente colocado


fuera de ella; porque no basta vivir en el campo, pasearse y holgarse en
él para recibir una educación natural. En este sentido, la naturaleza está
en todas partes, en el campos lo mismo que en la ciudad: que se escoja
una aldea para educar allí á los niños, porque en ella el aire libre es más

151
puro, se concibe respecto del desarrollo físico; pero su educación puede
ser falseada allí mismo que en la cuidad; sobre todo si se adopta el
sistema de Rousseau.

Em um tom diferente ao dispensado a Rousseau, Jacquinet discute o pensamento de


Spencer, no texto de nome Hebert Spencer ( Ano II, n.º 9 - 30/06/1903) e, com este, fecha a
série de Estudios Pedagogicos, provavelmente em função de seu afastamento da escola. Sobre
Spencer, Jacquinet inicia a discussão novamente colocando em questão quais os conhecimentos
realmente são importantes ao desenvolvimento da criança: “os homens pensaram em adornar-se
antes de saber vestir-se, os conhecimentos que se dá às crianças mais lhes servem de adorno
que de verdadera utilidade, e a respeito da educação, principalmente na da mulher, se seguen
as flutuações de opinião”. Para Jacquinet o grande mérito de Spencer consiste em questionar
quais os conhecimentos que realmente são mais úteis aos homens. E aponta o problema: a
verdadeira causa é que o adorno precede a utilidade e as necessidades sociais se impõem às
individuais. Jacquinet trabalha com as ideias de Spencer em acordo com muitas reflexões
libertárias acerca da formação intelectual da criança, como:

Con esa mezquina idea de la educación limitada al estudio de los libros, los
padres ponen la cartilla en manos de sus hijos mucho antes de la época
oportuna, y muy en su perjuicio. Ignorando que el uso de los libros es
suplementario, que sirven de medio indirecto para aprender cuando el directo
falta, puesto que facilitan el ver con ojos ajenos lo que uno no puede ver por
sí mismo, están siempre dispuestos á darles hechos de segunda mano, en
lugar de ofrecérseles de primera. No apreciando el inmenso valor de esa
educación espontánea que se efectúa en los primeros años, se obstinan en
ocupar la vista y el pensamiento del niño en cosas que, en esa edad, son
incomprensibles y repugnan...

Os educadores apresentados por Jacquinet trazem a importante tradição do pensamento


iluminista e de evocação da liberdade nas práticas educativas. Paul Robin no texto intitulado
Educação Integral lembra Rabelais e Rousseau como precursores da noção de educação
integral:

A ideia de educação integral só há pouco tempo alcançou a sua completa


maturidade. Rabelais, pensó eu, é o primeiro autor a dizer algo sobre ela;
com efeito, lemos em suas obras que Ponocrates ensinava a seu aluno as
ciencias naturais, a matemática, fazia-o praticar todos os exercícios coporais
e aproveitava os días de tempo chuvoso “para fazê-lo visitar oficinas e se pôr
a trabalhar”. Porém, esta concepção requer um desenvolvimento e que seja
aplicada a todos os homens. A este respeito resta muito a dizer, inclusive,
152
mais tarde Emílio, em que o autor consagra todas as faculdades de um
homem para educar a um só, num meio preparado artificialmente para este
único objetivo (Robin apud Moryion, 1978:88).

Pode-se notar tanto nas considerações de Jacquinet quanto de Robin percepções muito
coerentes aos propósitos de constituição de uma nova concepção educacional, pautada em
referências integrais e emancipatórias. Nota-se também que os educadores evocados por
Jacquinet representam as grandes referências educacionais nos meios libertários e racionalistas.
A professora Henriete Meyer, no primeiro número da Reveu L’école Rénovée faz menção
praticamente aos mesmos nomes abordados por Jacquinet:

Mais pour cela nous avons besoin du concours moral et aussi matériel de
ceux qui, avec nous, estiment qu’il ne suffit pas de prôner dans les livres
officiales les príncipes pedagogiques des Montaigne, des Rousseau, des
Pestalozzi, des Froebel, des Spencer, des Tolstoi, mais que l’heure est venue
de leur donner la vie à l’école même (L’école Rénovée, ano I, n.º1).

Com a saída de Jacquinet, a Escola Moderna seguiu suas atividades e o Boletín, como
principal meio difusor da visão educacional da escola, passou a apresentar nuances distintas.
Pode-se dizer que se tornou mais combativo, e que o caráter pedagógico, voltado à formação de
profesores e o aprimoramento didático e metodológico da escola, em função da relação prática e
teoria, foi redimensionado. O forte ataque a qualquer representatividade no universo religioso,
sobretudo católico, à postura cívica e laica nos moldes no nacionalismo, do republicanismo,
passaram a compor o boletín de forma sistemática. Com isto, a Escola Moderna passou a ter
sua imagem associada à postura radical, detratora do poder religioso, na Espanha. Embora o
Boletín seja oficialmente dividido em dois momentos, cronológicos e de série de produção, cujo
marco divisor foi o encerramento da Escola Moderna em 1906, pode-se supor que o Boletín
apresente três linhas de ação pedagógica e nuances discursivas:

153
Boletín de la Escuela Moderna: aspectos distintivos

- Contribuição central de Clemence Jacquinet;


Fase I : Ano I, n.º 1 - 30/10/1901 a ano II, n.º - Forte caráter formativo-pedagógico;
9 - 30/06/1903; - Intrumento mediador da relação escola-
familia-comunidade;

- Presença de novas colaborações, como


Leopoldina Bonnard, José Casasola e Anselmo
Lorenzo;
Fase II – Ano III – nº1 30/09/1903 a Ano V –
- Caráter explícitamente combativo;
n.º9 21/05/1906 e n.º10 - junho de 1906 a
- Publicação de textos de alunos;
julho de 1907;
- manutenção do caráter de intrumento
mediador da relação escola-familia-
comunidade;

- Publicação diretamente ligada à Liga


Internacional da Educação Racional da
Infância
- Caráter fortemente formativo e pedagógico
Fase III – Ano I, n.º1 31/05/1908 a 01/07/1909 - Função de “ancora” na Espanha, do ponto de
– publicação mensal. vista do caráter internacionalista do projeto
educacional racionalista.
- publicação de textos de anarquistas e
grandes referências da educação racionalista
libertária, como Elisée Reclus, Kropotkin, Paul
Robin, além dos integrantes da Liga.

154
É importante considerar o caráter pragmático do texto jornalístico, como meio de
comunicação repleto de informações, tempos e abordagens, porém destinadas a construção de
um tipo de leitor. Em prineiro lugar, partindo da relação entre texto e contexto, nota-se que a
construção de um discurso é mais que uma situação social; é um ato social. O texto (artigo,
notícia, relato) não está somente escrito, ele constitui um discurso público e representa
conhecimentos de mundo, convicções e interesses pessoais. Dessa forma, à medida que
assume o tom combativo, o Boletín exerce junto à comunidade já estabelecida novos
direcionamentos discursivos e imprime perspectivas amplas de ação.
É o que se nota no Boletín de 30 de abril de 1904 (Ano III, n.º8), cujo texto de abertura
chama-se Enseñaza Cívica, e expõe a seguinte visão:

Si la escuela estuviese aislada de la civilización absurda que nos oprime, si


todo no enseñase a los niños la violencia, la mentira y la rapacidad, serían
espontáneamente buenos, sinceros y generosos, como los educadores que
presidieran a su desarrollo físico, intelectual y afectivo. (…) La enseñanza
moral formalista tiene su excusa en la enseñanza inmoral espontanea que en
el ambiente actual intoxica a nuestros niños desde su nacimiento. (…)
supongamos que, sustraídos a estas desdichadas influencias, todos los niños
crecen en el campo, en medio de los esplendores de la naturaleza… (…)
Entre ellos, nada de soldados, jueces, polizontes, ministros, sacerdotes,
senadores, carceleros, diputados, obispos, burócratas, comisarios, espías,
ujieres, generales… nada de esta espantosa multitud de parasitarios
malhechores.

Com a crítica da educação cívica – escolas que exprimiam a consolidação do Estado


laico, da democracia e do nacionalismo – a Escola Moderna passou a reiterar de maneira
combatente a defesa da educação libertária. O texto é marcado pela constante oposição entre
dois campos, e traz elementos semióticos que configuram categorías e gêneros sociais
expressamente focados em diversos papéis hierarquicos da sociedade. O texto em si apresenta
a tensão constante entre meio e sujeito, no proceso educativo, e entre diferentes abordagens de
experiência educativa.
É interesante observar a transposição de certas marcas discursivas nos textos dos
alunos da escola, que passam a ser publicados nos boletíns e podem expressar de maneira
muito concreta o trabalho que vinha sendo efetuado na escola. A construção de um senso crítico
e apto à expressão da crítica é uma das características fortes da formação das crianças.
Conforme mencionam em outros momentos da escola, expressos em Boletíns de outros anos, a
Escola Moderna propunha antes a formação moral, a consolidação de experiências e a
construção de capacidades críticas e desconstrutoras de certos parâmetros sociais, do que a
155
transmissão de conteúdos considerados legítimos. O texto intitulado El Dinero traz exemplos
dos possíveis pontos de vista do alunado da Escola Moderna, partindo de questionamentos
radicais sobre o dinheiro, sua importância na sociedade e real necessidade:

Se ha preguntado a los alumnos qué opinan sobre el dinero, en esta forma: ¿es el dinero
beneficioso o perjudicial a la sociedad? ¿Es indispensable? Supuesta su abolición, ¿como
podríamos adquirir lo necesario a la satisfacción de nuestras necesidades?

Nota-se que com tais questionamentos, as crianças invadem terrenos profundos acerca
de estruturas já consolidadas na sociedade, em relação as quais se encontram raras
possibilidades de superação e difícilmente se exercita o estranhamento. Diante disto, as 32
respostas, de crianças de 9 a 13 anos são apresentadas com conclusões gerais como: o
dinheiro é prejudicial, é inecessário apesar de indispensável à sociedade atual e possivelmente
substituível por uma forma justa. Assim, algumas respostas apresentam considerações como:

1 -El dinero es perjudicial á la sociedad; por él existe el capitalismo tiránico y la consiguiente


explotación; por él hay quien dice tú has de ser mi criado y mi trabajador. El dinero ha facilitado
el cambio de los productos, pero ha hecho posible acumulación de capital, sin él no se podría
satisfacer todas las necesidades de los hombres, pero con su acumulación capitalista se verifica
el monopolio que produce hambre y miseria. El dinero es un estimulo para el mal, ya que con
dinero se pagan las malas acciones, excita la envidia y la codicia, impide el progreso; es base
de la sociedad actual; entre otros males ha producido el que consiste en creer que no puede
haber y no habrá nunca otra sociedad más justa; por último, por el dinero hay el despilfarro del
opulento y la humillación impuesta al pobre que recibe una limosna.

2- El dinero no es indispensable, por que el dinero no se come, no se bebe, no sirve para vestir,
no para cobijarse, ni es materia ni herramienta para se trabajar, con el dinero ó sin él, las cosas
utilizables para nuestra subsistencia tienen siempre sus mismas propiedades; el que viviera en
un desierto con una bolsa llena de dinero se moriría falto de todo.

3- Sin el dinero y con el trabajo en común obtendríamos lo necesario para atender a nuestras
necesidades, disfrutando todos del trabajo producido por todos; sin el dinero existiría la
igualdad, y todos consumirían de todo sin limitación y sin abuso. Sin el dinero existiría la
156
solidaridad que a todos ha de hacer ricos.

Tais considerações dos alunos são colocadas como detendoras de elementos


importantes de crítica e economia social. Decerto que os alunos possuem capacidade de
estabelecer análises sociais e econômicas fundadas em conhecimentos de grande relevância à
sua formação, mas o exercício de maior potencialidade na formação transformadora dos alunos
é a capacidade de vislumbrarem uma sociedade que contraria instrumentos de poder
contemporâneos como o dinheiro. A escola possibilita às crianças o exercício do estranhamento
e da proposição de outras formas de organizar a sociedade, do ponto de vista político e
econômico, que não o dominante. Este objetivo formativo e educacional, que sempre esteve
expresso de outras formas nos boletins, programas e propósitos da Escola Moderna, contem
tanto o sentido pragmático de colocar o aluno em exercício revolucionário, quanto a abertura
para as diversas críticas da sociedade.
Em 20 de setembro de 1904, o Boletin apresenta outros textos de alunos, relacionados
ao evento de fechamento do ano letivo, no qual foram apresentados oralmente textos de alunos.
O texto de chama Clausura del curso, e se apresenta com a seguinte consideração inicial:

Comenzó la sesión por un cantico escolar, y à continuación, nombrados por


el director, iban presentan tose cada uno de los alumnos designados, que
leían un escrito original. La concurrencia, compuesta de familia y de los
habituales asistentes a las conferencias dominicales, veía con asombro
aquella variada exposición de pensamientos abarcando ciencias naturales,
moral, costumbres, sociología, política y sucesos de la actualidad, formulados
libre y espontáneamente, en que dominaba rectitud de juicio y en que, sí
había errores, debiese a desconocimiento de datos, a insuficiencia de
observación o á excitación excesiva del sentimiento, no á preocupaciones
tradicionales o dogmaticas ni menos á indicación autoritaria no a sugestión
de ningún género.

Com a participação de 28 alunos, dentre os quais 10 meninas, o boletín apresenta os


textos que trataram de variados assuntos: o microscópio, a policía, conflito russo-japones, a
taberna, a guerra, a rua e a escola, a religião, o dinheiro, a crise operária, a inquisição. A
abordagem mantem a visão crítica das grandes bases da sociedade dogmática: a força da
religião contra a ciência e do capital contra a igualdade. Dentre temas como a guerra, se pode
notar a forma pela qual as crianças podiam associar o uso do conhecimento científico para, de
um lado, o exercício da dominação, e de outro da libertação e do progresso humano. São
exemplos de como a noção de progresso e evolução abrange sentidos condizentes aos

157
processos de transformação das sociedades, na perspectiva anarquista. Se o conhecimento
científico proporciona o progresso ao ponto de se construírem armas e executarem guerras, há
um progresso científico e um regresso ou involução moral. Tais análises são desenvolvidas
pelas crianças, que podem relacionar aspectos dos mais variados nas relações de poder que
constituem a sociedade:

- El microscopio es un invento de homens libres, los fanáticos son incapaces de inventar


nada, porque todo lo achacan a su dios.
- Los beatos dicen que no se ha de creer la ciencia y que no se han de practicar sus
enseñanzas. Dicen que hay un dios todopoderoso; ¿Por qué, pudiendo todo, permite que los
ricos exploten a los pobres?
- La policía prende infelices que roban un pan para su familia; los llevan al cárcel, y con
eso aumenta la miseria.
- ¡Que lástima que existan indignidad de tabernas en vez de escuelas libres!
- Los niños en la escuela hacen sus trabajos, pero una vez en la calle, los desaplicados
murmuran, pierden la afición al estudio y acaban por abandonarlo. En la calle olvidan los
consejos del profesor. Los niños, yendo a la escuela o viviendo de ella, no deben entretenerse
por no perder las lecciones ó por no causar disgusto a sus padres.
- No deben pelear a los hombres. Las armas las han inventado los hombres para dominar
y mortificar a sus semejantes, en vez de inventar aparatos científicos para que la humanidad
progrese.
- Las religiones han conducido en todo tiempo por mal camino la humanidad. A los niños,
en vez de ensenarles a reflexionar y á amar a sus semejantes, se les enseña a rezar y á admirar
a los que matan; se les hace creer en el milagro, cuando está probado que todo se verifica en el
mundo por causas naturales. La religión ha sido siempre la desgracia de la humanidad, á ella se
debe la explotación y la guerra. Si preguntamos a los creyentes de cada una de las infinitas
religiones cual es verdadera, todos responderán que lo es a suya, prueba de la falsedad de
todas.
- Los obreros, pobres siempre, han sufrido grandes crisis con la actual. En Barcelona hay
muchos miles de obreros sin trabajo que carecen de todo lo necesario…Verán a los burgueses ir
á sus recreos y diversiones y la rabia les inducirá á matarlos, ó el hambre les habrá robarles el
portamonedas. Los obreros que tienen trabajo sufren casi los mismos, puesto que el exceso de
trabajo y el poco alimento les hace morir pronto. Trabajemos todos para que el hambre y la
158
miseria lleguen á extinguirse.
- La sociedad futura ó ensueños del porvenir – en la actualidad soy feliz, porque ante mí
no se dibuja ninguna nube que turbe mi felicidad; tenido el cariño de mis padres, el aprecio de
mis profesores y de mis semejantes, correspondedles de igual modo en lo que puedo, (…)

O primeiro Boletín do ano III, de 30 de setembro de 1903, tem como texto de abertura
uma interesante reflexão acerca de textos escritos por alunos da escola, cujo título é Ingenuidad
Intelectual. Esta publicação relaciona-se à prática de avaliação, conforme esclarecem no texto
(como nas outras publicações, supõe-se que fizeram uma seleção de escritos dos alunos para
que fossem publicados no Boletín); explicam que os textos foram escritos pelos alunos com base
em leituras anteriores:
Comenzamos por declarar que en estos escritos, en que sus infantiles
autores se han visto obligados á buscar un asunto al que aplicar su naciente
criterio, el esfuerzo intelectual se ha impuesto predominando el razonamiento
inexperto, ingenuo é inspirado en el sentimiento de lo justo, sobre la
aplicación de las reglas de forma; resultando que si los juicios alcanzan al
perfeccionamiento racional, se debe únicamente á falta de datos, á carencia
de conocimientos indispensables para formar un razonamiento perfecto; lo
contrario de lo que sucede en las opiniones dominantes, que no tienen otra
base que la preocupación fundada en las tradiciones, intereses y dogmas.

E, em nota, acrescentam: “com o propósito exclusivo de deducir ensinos e suscitar


pensamentos, renunciamos a dar nomes e ainda iniciais das crianças autoras dos trabalhos
citados, consequência de nossa ideia de não fomentar vaidades nem outro gênero de paixões
mesquinhas.” Assim, algumas considerações dos alunos são apresentadas com grande
satisfação e valorização, estabelecendo a cada texto uma pequena análise. Reproduzem um
texto de uma criança de 12 anos, considerando sua capacidade de julgar as nações e a ideia de
civilização, sobre o crivo da justiça:

Una nación ó Estado, para ser civilizado, es preciso que carezca de lo siguiente: 1º la
coexistencia de pobres y ricos, y como consecuencia la explotación; 2º el militarismo, medio de
destrucción empleado por unas naciones contra otras debido á la mala organización de la
sociedad; 3º la desigualdad, que permite á unos gobernar y mandar y obliga á otro á humillarse y
obedecer; 4º el dinero, que hace á unos ricos y les somete á los pobres.

E em seguida, a análise:

159
Claro que este criterio es primordial y sencillo, como corresponde á una inteligencia
escasamente documentada, y no puede resolver un problema complejo de sociología; pero tiene
la ventaja de que deja libre acceso á cuantas observaciones racionales se presenten: es como si
le preguntase: que necesita un enfermo para recobrar la salud? Y respondiese: que desaparezca
el dolo: cándida y natural respuesta que no daría seguramente un niño influido por la metafísica
espiritualista, que necesita ante todo que contar con la voluntad arbitraria de supuestos seres
extra naturales.

Depois, destaca-se outra reflexão sobre o pensamento de uma menina, sobre gênero,
no texto intitulado: Enseñanza mixta:

“La escuela mista ó de ambos sexos es sumamente necesaria. El niño que se educa, trabaja y
juega en compañía de la niña, aprende insensiblemente á respetarla y á ayudarla, y
recíprocamente la niña; mientras que educados separadamente, indicándole al niño que es mala
la compañía de la niña y á esta que es peor la de aquél, sucederá que el niño, hombre ya, no
respetará á la mujer y la considerará como un juguete ó como esclava, que es á lo que se ve
reducida la mujer en la actualidad. Así, pues, contribuyamos todos á la fundación de escuelas
mixtas en todas partes en que sea posible, y donde no, allanemos las dificultades que á ello se
opongan.”

E ponderam: “a pensamiento tan bien razonado y condensado con tal sobriedad, nada podemos
añadir sino que juzgamos debe ser atendida da excitación con que termina su escrito esta
pensadora de 13 años.”
Além do caráter combativo e da publicação de textos infantis, que expressam importante
oportunidade de se conhecer aspectos da formação na Escola Moderna, este momento definido
aquí como segunda fase do boletín demonstra a manutenção de muitas práticas e contribuições,
como as conferências dominicais e a presença dos Drs. Odon de Buen e Dr. Martinez de Vargas.
O Boletin de 21 de outubro de 1904 traz um texto assinado pelo Dr. Martinez, portanto legitimado
por uma autoridade médica, sobre a maleficência dos castigos aplicados nas escolas, sob o
título: Inutididad y peligro de los castigos en los colegios; no qual relata o caso de uma criança
que adoeceu em função de um castigo severo sofrido na escola. Há também uma grande seção
no boletín seguinte, dedicada a vida e obra de Elisée Reclus, o que inicia uma prática
160
interessante de apresentar os importantes intelectuais que se relacionavam ao ideário da
educação racionalista. Há também o Boletin 28 de fevereiro de 1906, que publica o texto El
derecho a la ciencia, de Carlos Malato, com uma riquissima abordagem acerca do monopólio do
conhecimento, que se inicia da seguinte maneira:

Hay un género de secuestro contra el cual apenas se precave nadie: el


secuestro de la inteligencia. Si se obstruye o dificulta nuestra libertad física,
nuestra libertad de ir y venir, de obrar, de hablar o de escribir a nuestro gusto,
nuestra rectitud nos inspira a la rebeldía y protestamos por todos los medios
posibles y con toda la energía de nuestra razón indignada.
Pero si por uno de esos convencionalismos sociales que ocultan grandes
injusticias, se priva a nuestra mente de la suficiente luz a que tiene derecho,
si no se prove a nuestro hijos de la guía indispensable consistente en un
saber solido en el gran negocio de la existencia, permanecemos tranquilos en
nuestra inconsciencia.

Carlos Malato, como Relcus, foram importantes contatos anarquistas de Ferrer. Tais
textos são expressão clara da visão anarquista de mundo e educação, e conferem à Escola
Moderna a evidente relação com este ideário, como se nota desde a primeira fase do Boletin. A
medida que o projeto racionalista, orquestrado por Ferrer na Escola Moderna de Barcelona foi
ganhando amplas dimensões, com a abertura de outras escolas racionalistas pela Espanha,
Ferrer já se direciona à internacionalização do projeto. Na sequência do texto de Malato, o
Boletin publica uma Circular, voltada aos cidadãos, e como proposição de dois
encaminhamentos às entidades livrepensadoras, como escolas laicas e racionais, cujo caráter
antirreligioso se fazia presente. As proposições seriam: “someter a vuestro juicio la idea de crear
la Federación Nacional de librepensadores, activando deste modo la propaganda anticlerical”; e
criar uma “Federación de Escuelas laicas y racionales y de estas con las sociedades
librepensadoras para su mejor desarrollo y mejor desenvolvimiento.” Tal iniciativa se fazia
necessária em virtude de agregar ou evitar o desagregamento de forças frente à união clerical e
reacionária.
Com isto, se percebe a inclinação da rede racionalista libertária em criar ramificações
cada vez mais afinadas ao propósito educacional comum. Com a prisão de Ferrer e o
fechamento da Escola Moderna, em 1906, este projeto somente é retomado com sua libertação.
Em 1908, o Boletin entra em sua segunda fase (aquí definida com terceira), diretamente
vinculada a organização internacional que converge na Liga Internacional da Educação
Racional da Infância, que se tratará a seguir.

161
Capítulo III

La Ligue Internationale pour l’Education Rationelle de L’Enfance

http://www.li-an.fr/blog/kupka/

162
A Liga Internacional pela Educação Racional da Infância

A todos
Decíamos ayer…
Nunca con mayor oportunidad que en la ocasión presente, al dar á luz el
primer número de la segunda época de nuestro Boletín, podríamos emplear
esta histórica frase. La Escuela Moderna continua su marcha, sin rectificar
procedimientos, métodos, orientaciones ni propósitos; continua su marcha
ascendente hacia el ideal, porque tiene la evidencia de que su misión es
redentora y contribuye á preparar, por medio de la educación racional y
científica una humanidad más buena, más perfecta, más justa que la
humanidad presente. Esta se debate entre odios y miserias, aquella será el
resultado de la labor realizada durante siglos para la conquista de la paz
universal.
No tenemos que rectificar una tilde de nuestra obra hasta el presente; es
nuestra convicción íntima, cada vez más intensa, de que sin una absoluta
reforma de los medios educadores no será posible orientar la humanidad
hacia el porvenir. A ello vamos; por su medio de escuelas, donde puedan
crearse escuelas; por medio de nuestros libros, cuya biblioteca aumenta día
tras días intensificando la difusión de las verdades demostradas por la
ciencia, por medio de la palabra, en conferencias que lleven á los cerebros la
luz de la verdad contra los errores tradicionales; por medio de este Boletín,
donde adquieren vida nuestras aspiraciones, para que la serenidad del
estudio pueda tener su influencia por el vehículo de la palabra escrita.
Nuestros amigos, lo que durante cinco años nos han acompañado en nuestra
querida Escuela Moderna, y se solidarizaron con los hombres progresivos del
mundo entero para impedir la injusticia que la reacción pretendiera llevar á
cabo en la persona de su fundador, no habrán de volver la vista atrás: al
contrario, alta la frente, fija la mirada en un mañana de justicia y de amor, nos
ayudarán con mayores energías á realizar esta obra de verdadera y fecunda
redención.
A la prensa, la expresión de nuestra solidaridad profesional y nuestro
afectuoso saludo.
A los buenos, nuestra mano les estrecha efusiva en signo de paz.
Salud.
Boletín de la Escuela Moderna, 1 de mayo de 1908, Ano I, nº1.

163
Esta pequena apresentação do Boletín de 1º de maio de 1908 atesta o retorno de Ferrer
à atividade política, pedagógica e social, depois de um ano de prisão e do encerramento da
Escola Moderna de Barcelona. A escola foi extinta, mas o trabalho nela iniciado manteve-se em
desenvolvimento por meio do movimento educacional racionalista. A “Escola Moderna” voltou
com a força da organização internacional, do apoio que recebeu Ferrer em função da prisão e do
reconhecimento, mesmo anterior à interrupção da escola, de que a organização livrepensadora e
anticlerical era necessária à coesão do movimento. A volta do Boletín representou, portanto, a
resistência da Escola Moderna. Esta segunda época do Boletín estava associada a uma
organização social maior e claramente situada: o cabeçalho do Boletín apresenta-o como “ecos
da Revue L’école Rénovée” e como “extensão internacional da Escola Moderna de Barcelona”.
Da mesma forma que o primeiro número da Revue apresentava o Boletín como sua edição em
língua espahola, com adminstração em Barcelona, Calle de Cortès, 596. Além disso, a Revue
cita também a publicação de uma revista consagrada à L’école Rénovée, em Roma, sob os
cuidados de Luigi Fabbri, porteriormente conhecida como Scuola Laica. A Revue apresenta
ainda a seguinte explicação: “Esta Revista de 24 páginas, formato especial, foi publicada, para
os cinco anos que viveu a Escola Moderna de Barcelona. Ela reaparece hoje para continuar a
ampliar sua propaganda pela educação racional”. Nesse sentido, o Boletín de la Escuela
Moderna, a Revue L’école Rénovée e a Liga Internacional pela Educação Racional da Infância
partilhavam dos mesmos conteúdos e ideário político-pedagógico. Com a criação da Liga, houve
um grande passo para a organização do movimento educacional racionalista, marcado por
avanços teóricos e conceituais valiosos e ainda pouco (re)conhecidos pelo campo educacional
contemporâneo.
A variedade de discussões e experiências voltadas à transformação da escola, ao longo
do século XIX, não foi pequena e foi fruto dos esforços coletivos de construção da nova escola e
do novo homem, engrendrados nas diversas localidades do mundo ocidental. A tentativa teórica
de apreender historicamente a evolução da educação escolar, no decorrer destes novos tempos
civilizatórios é o que pode representar coesão neste contexto social. Desde meados do século
XIX, León Tolstoi na cidade Russa de Iasnaia Poliana colocou em prática o que se transformaria
em uma experiência educacional definida, a posteriori, como escola nova (Luzuriaga, 1965;
Cousinet, 1964). A historiografia legitimou a Escola Nova como movimento de reforma social, o
que de fato não correspondia aos princípios educacionais da escola racionalista libertária, nem à
escola de Tolstoi. A educação libertária tinha um objetivo político e transformador muito claro, o
164
que a diferia essencialmente da Escola Nova liberal. O pensamento pedagógico proposto pelo
movimento educacional racionalista libertário agrega diferentes contribuições teóricas que
precisam ser investigadas com maior profundidade. Para além dos avanços políticos e
educacionais efetuados por homens como Ferrer i Guardia, há obras de educadores como
Clemence Jacquinet, Charles-Ange Laisant, Jules François Elslander, Ellen Key que abrem um
imenso leque de investigações sobre o pensamento de transformação e renovação da escola e
da educação. Estas obras também conferem à educação visões cruciais ao amadurecimento de
seu sentido e razão nas sociedades ocidentais.

A Liga Internacional para a Educação Racional da Infância foi fruto, principalmente, do


forte contato entre Francisco Ferrer, o matemático francês Charles-Ange Laisant e a professora e
sindicalista Henriete Meyer, depois que Ferrer foi libertado e passou a viver novamente em Paris.
A Liga teve sede em Bruxelas, onde passou a publicar seu principal veículo de divulgação, a
Revue L´École Rénovée. A partir de janeiro de 1909, a sede foi transferida para Paris. A Liga se
estendeu ainda em seções ativas em países como Itália, Alemanha, Inglaterra, Portugal,
Holanda, Argentina, Cuba. A administração era feita por um Comitê eleito em assembleia, com
membros ativos por até cinco anos. Criada em 1908, foi um espaço que agregou além de Ferrer
e educadores libertários como Paul Robin, importantes cientistas e educadores como Charles-
Ange Laisant, Jules François Elslander, William Heaford, Guiseppe Sergi, Henri Roorda Van
Eysinga, Ernest Haeckel.

Esta aliança, que viabilizavou a união de interesses e pessoas muito ativas e


importantes ao meio cientifico europeu, foi direcionada aos meios educacionais, sobretudo por
iniciativa de Ferrer, de maneira muito ampla, como demonstra Silva (2013), ao se referir às
cartas enviadas por Ferrer educadores como Jean Grave e Oliver Decroly:

No dia 02 de dezembro Francisco Ferrer escreveu uma longa carta à Decroly,


que vivia em Bruxelas, informando-o sobre a fundação da Liga, seus
princípios e objetivos, bem como cita a publicação da revista L'École
Nouvelle. O conteúdo da carta é muito similar ao da enviada à Grave,
inclusive com parágrafos inteiros iguais. À Decroly ele pergunta: “Posso
esperar vossa colaboração à esta obra?” E pede que ele envie seu primeiro
artigo até dia 14 de dezembro para seu endereço em Paris ou após essa data
para Bruxelas, ao 58 da Boulevard D'Anderlecht. Há uma carta exatamente
com o mesmo conteúdo endereçada à C.-A. Laisant. Assim,
imaginamos que Ferrer teria enviado a mesma mensagem para diversos
intelectuais e cientistas, numa espécie de mala direta com missivas
manuscritas uma a uma, no intuito de difundir seu projeto junto aos mais
eminentes pensadores da época e angariar apoio (Silva, 2013:329).

165
A adesão à Liga, além de uma aposta política, representava a escolha pela ação coletiva
dirigida à transformação da escola e da sociedade:

Chaque membre prend l´engagement moral de contribuer autour de lui, dans


la mesure du possible, à la mise em pratique de ces principes. La Ligue, dans
cette tâche, l´aidera énergiquement. Le faisceau de bonnes volontés que
représente une telle association ne peut manquer de produire des resultats
efficaces (Revue L´École Rénovée, Ano I, n.º1).

A liga, além de propor a reflexão política inspirada na função social da escola, tinha por
objetivo a renovação de métodos e práticas pedagógicas, partindo de um interesse especifico: o
estudo e compreensão do desenvolvimento da criança e da concepção de infância. Em seus
estatutos, a Liga estabeleceu o intuito de incorporar efetivamente no ensino infantil as ideias
científicas, as ideias de liberdade e de solidariedade e promover o estudo e aplicação de
métodos apropriados à psicologia infantil. Os estatutos referendavam também os meios de ação
da Liga que consistiam, sobretudo, na incessante propaganda dirigida, particularmente, aos
educadores e às famílias. Assim, este espaço possibilitou a criação de uma rede internacional
articulada à difusão destes ideais educativos que visava também à construção de conhecimento
sobre educação. Representava, portanto, um espaço autônomo de pesquisa e produção
científica sobre educação e infância, engajado ao propósito político de transformar a educação
escolar e a sociedade.
A Liga foi encampada por uma movimentação prévia, marcada pela convergência de
ideias e interesses politicos e teve sua ação expandida quando foi publicado o primeiro número
de seu órgão difuror: a Revue L’école rénovee. O exercício da liga se daria mediante a
articulação da pesquisa, produção teórica e criação de escolas racionalistas de acordo com este
pensamento pedagógico. Ela possibiliou a construção do espaço de coesão, trocas e
oficialização de um movimento social autônomo oriundo de setores diversos da sociedade
preocupados com a questão educacional. Representou, portanto organização não mediada por
mecanismos como o Estado ou instituições públicas a ele vinculadas, embora contasse com
contribuição de pessoas que exercessem atividades profissionais estatais. Como organização
autônoma e do ponto de vista educacional, a liga abrigava tanto o ideiario anarquista-libertário,
quanto a vanguarda pedagógica desta época.

166
As palavras em exercício: a Revue L’École Rénovée

Os estatutos da Liga esclareciam que a Revue l’école rénovée era uma revista
pedagógica, publicada em Bruxelas, como órgão reconhecido da Liga Internacional pela
Educação Racional da Infância. Ela foi divulgada como revista de elaboração de um plano de
Educação Moderna – extensão internacional da Escola Moderna de Barcelona e teve como
fundador Francisco Ferrer e secretário de redação J. F. Elslander. O primeiro número da revista
foi publicado em 15 de abril de 1908. Em correspondência à Liga, o propósito da revista era o de
dar base a um movimento intelectual voltado à transformação da escola nos aspectos
conceituais, pedagógicos e políticos:

A l’école rénovée está consagrada à elaboração de um plano de educação


moderna. Faz-se conhecer e faz-se discutir todas as ideias e todas as
tentativas que se relacionam à renovação da escola. Ela tem por objetivo
agrupar os esforços e as iniciativas que se produzem em toda parte, mas que
se encontram isoladas, a fim de chegar a formular uma concepção de
conjunto e meios de realizar completamente.

A organização desta revista pedagógica visava ao agrupamento de ideias e experiências


que se direcionassem à discussão de concepções revolucionárias, progressistas, inovadoras e
vanguardistas em relação às práticas pedagógicas ordinárias. Estas eram reconhecidas como
ultrapassadas e inadequadas, mediadas por elementos que deveriam ser superados pela
contemporaneidade, como: o autoritarismo eclesiástico já enraizado na mentalidade cultural
escolar, a submissão política; o desconhecimento da psicologia; a filtragem de conhecimentos,
sobretudo, quando direcionados à educação popular; a instrumentalização do ensino em função
da tecnologia e da produção capitalista.
A revista apontava e problematizava aspectos essenciais à organização escolar como:
formas de classificação e distribuição do conhecimento; a periodização da infância;
desenvolvimento integral da criança; formação de professores; produção de materiais didáticos e
pedagógicos; história da educação; relação escola-família. No clássico texto de Francisco Ferrer,
La renovation de l´ecole, publicado no n.º1 da Revue, no n.º1 do Boletin – segunda época, e na
obra póstuma de Ferrer, A Escola Moderma, o educador reafirmou importantes convicções
políticas sobre educação e sociedade e situou sua visão de educação como espaço de

167
emancipação e libertação. Ao defender que a liberdade deveria ser proporcionada, entre outras
ações, pela vivência educacional, Ferrer estabeleceu críticas profundas à instrumentalização da
educação pelas elites governantes e à violência, como fator constitutivo das instituições
escolares na sociedade capitalista:

A escola aprisiona física, intelectual e moralmente a criança, para dirigir o


desenvolvimento de suas faculdades para o sentido desejado. Priva-os do
contato com a natureza, a fim de poder moldá-los. E esta é a explicação de
tudo o que eu relatei aqui: o cuidado que tomaram governos para dirigir a
educação dos povos e a falência das esperanças dos homens de liberdade10.

A revista, nesse sentido, vislumbrava a construção do ser humano livre e da sociedade


livre, trabalhando também com profundos e variados elementos morais e educacionais que
representavam a ideia de homem livre. Kropotkin escreveu para a revista um texto chamado Une
Lettre, uma carta remetida a Ferrer, na qual desenvolveu reflexões de grande valor à proposta de
discussão sobre educação presente na revista, evocando a idealização do ser moral, a quem
deveria se dedicar a escola:
.
Estou muito feliz em vê-lo lançar a renovada escola, e eu me lamento de uma
coisa: eu não posso prestar a este jornal de todo o apoio que eu gostaria de
prestar.
Tudo tem que ser refeito na escola atual. Em primeiro lugar. A educação
propriamente dita: isto é, a formação do ser moral: para o indivíduo ativo,
cheio de iniciativa, empreendedor, corajoso, livre da timidez de pensamento
que é o traço distintivo do homem educado do nosso tempo e, ao mesmo
tempo amigável, igualitário, de instinto comunista e capaz de sentir a unidade
com todas as pessoas do mundo inteiro e, portanto, livre de preconceitos
religiosos, estreitamente individualista, autoritário, etc..., que nos incutiu a
escola11.

Há diversos pontos centrados em aspectos essenciais da educação: objetivos e


finalidades da educação, educação intuitiva, escola primária, como se criar uma escola nova,
ensino obrigatório, educação pelo ambiente, educação integral, princípios fundamentais da

10
L´ecole emprisonne les enfants physiquement, intellectuellement et moralement, pour diriger le développement de
leurs facultés dans le sens voulu. Elle les prive du contact de la nature afin de pouvoir les modeler à guise. Et c´est
là l´explication de tout ce que j´ai signale ici: le soin qu´ont pris les gouvernements à diriger l´education des peuples
el la faillite des esperances des hommes de liberté.
11
Je suis très heureux de voir que vous lancez l´ecole rénovée, et je regrette une chose: c´est que je ne puisse
préter à ce journal tout l´appui que j´eusse voulu lui prèter. Tout est à refaire dans l´ecole actuelle. Avant tout.
L´education proprement dite: c´est-à-dire la formation de l´etre moral: de l´individu actif, plein d´initiative,
entreprenant, courageux, débarrassé de cette timidité de la pensée qui est le trait distinctif de l´homme éduqué de
notre époque et, em même temps sociable, egalitaire, d´instinct communiste et, capable de sentir son unité avec
tous les hommes de l´univers entier, et, partant affranchi des prejugés religieux, étroitement individualistes,
autoritaires, etc., que nous inculque l´ecole
168
educação, modos de aquisição do conhecimento, entre outros. Estes tópicos, dada a amplitude e
dimensão epistemológica, demonstram que os objetivos da Revue e da Liga eram grandes no
propósito de constituir um campo de pesquisa educacional e promover a revolução da escola.
Raros estudos se dedicaram a estas fontes primárias, destacando-se aqui Frédéric Mole (2011),
cujo artigo L'École rénovée: une revue d'éducation nouvelle entre anarchisme et syndicalisme
(1908-1909)12, apresenta considerações inéditas acerca desta revista pedagógica. Uma das
principais observações de Mole é que, conforme o próprio título indica, a Revue foi uma
importante precursora dos sindicatos de professores franceses, sendo Henriete Meyer,
professora ativa tanto na fundação da Liga quanto na produção da Revue, como secretária, uma
das importantes articuladoras desta relação.
Mole, no início de seu artigo expressa a importância da revista dizendo que “A revista
l’école rénovée ocupa um lugar singular na história da educação nova”. Esta afirmação corrobora
a preocupação de situar a Liga e a Revue no contexto de transformação da escola na Europa. O
estudioso também aponta a convergência das duas frentes matriciais da revista, personificadas
nas figuras de pensadores libertários: Ferdinand Domela-Nieuwenhuis, Jean-François Elslander,
Henri Roorda van Eysinga, Charles-Ange Laisant e Paul Robin; e de professores sindicalistas
como M.-T. Laurin, Gabriel Persigout, Louis Bouët, Maurice Dubois e Jules Raffn. Cita o
pedagogo Albert Thierry, na perspectiva da transformação da escola pública. Mole observa que a
Revue apresentou uma orientação inicial de crítica radical à instituição escolar que foi sendo
alterada em função de um pragmatismo estratégico ligado aos seus atores. Considera a L’école
Rénovée uma experiência editorial importante ao desenvolvimento da reflexão de professores
sindicalistas no campo pedagógico, de modo que ela prefigura a criação da L’école emancipe,
em 1910, ligada à Federação Nacional de Sinticatos de Professores franceses, fundada em
1906.
As observações de Mole são fundamentais à compreensão de diversas caracterísitcas
da L’école Rénovée, mas um dos aspectos mais importantes observados é a questão da
militância pedagógica e revolucionária, voltada aos grandes temas da educação nova e denúncia
das concepções e práticas retrógradas do ensino tradicional. O reconhecimento da riqueza
nativa da criança, as condições de uma educação libertadora, o projeto de transformação
profunda da sociedade pela educação e pela escola são fins desta pedagogia muito bem
explicitados por este periódico. As grandes linhas gerais que regiam a Revue L´École Rénovée
foram oficialmente expressas no primeiro número, correspondendo à proposição de um

12
Este artigo é oriundo de uma pesquisa acadêmica, de maior profundidade.
169
Programa, com amplos objetivos a serem perseguidos. As primeiras informações postas a
público traziam o objetivo de elaboração de um “plano de educação moderna”. A revista
constituiría uma tribuna destinada à exposição e discussão de ideias e experiências relacionadas
à renovação da escola e à concentração e aliança destas ideias e experiências. Dessa forma, o
Programa da Revue L´École Rénovée apresentou grandes eixos articuladores das ideias e
experiências:

Programa da Revue L´École Rénovée

Discussão de ideias gerais sobre a educação física, intelectual e moral das crianças tal como
resultam os dados da ciência moderna e em conformidade as atuais necessidades sociais;
Estudos sobre a infância – fisiologia e psicologia da criança; florecimento e desenvolvimento
das faculdades;
Educação física - organização material da escola na visão de uma educação física normal. A
vida física da criança na escola.
a) A organização intelectual da escola. Elaboração de um plano de educação intelectual.
b) A concepção geral do objetivo da educação intelectual - O sentido dos métodos. As
relações estabelecidas entre os conhecimentos. A ordem de sua aquisição. Os meios e
procedimentos de ensino.
c) Distribuição dos conhecimentos - Conhecimentos que dependem da vida. Os meios
escolares. Conhecimentos que dependem do trabalho. As oficinas escolares.
Conhecimentos que dependem da pesquisa e do estudo. As extensões da escola nos
meios exteriores.
d) Detalhes dos métodos naturais propostos pelas diversas matérias de ensino.
e) Modos de aquisição dos conhecimentos.
f) Modos de classificação dos conhecimentos.
Estabelecimento de um programa conforme as fases de desenvolvimento intelectual da criança,
de maneira que os conhecimentos se constituam em um conjunto cujas partes estão
harmoniosamente ligadas entre si, correspondendo a seus estados intelectuais completos e
sucessivos.
Regime moral da escola
A educação dos educadores
170
A extensão da escola. A influência que a escola deve ter sobre toda a vida humana. A escola,
centro social da vida física, intelectual e moral dos grupos humanos. A educação continuada.
A influência da escola sobre os pais e a vida familiar. Educação de mães e pais.
Os meios materiais da educação. Arquitetura e disposição da escola. As coleções. As
reproduções e os trabalhos artísticos.
Os livros para crianças.
A História da educação, dos métodos, das tentativas, etc.

O Programa acrescenta ainda a informação seguinte:

A revista assinala também todas as tentativas que ocorrem em cada país pela
renovação da escola e os trabalhos que a ela se relacionam. Também uma
bibliografia informativa sobre todas as publicações relacionadas aos objetos
da revista. Nós solicitamos, portanto às pessoas cuja atenção tenha alcance
sobre um desses pontos desse programa que gentilmente nos enviem, seja
uma exposição de suas ideias, seja os resultados de seus trabalhos. A revista
poderá publicar igualmente os estudos sociológicos ou políticos se
relacionando aos fatos sociais que podem ter um influencia sobre a
renovação da escola. A Escola Renovada de dirige a um grande público:
trata-se de refletir e discutir sobre uma questão que é muito abandonada à
pedagogia oficial; trata-se de compreender que a escola, tal qual ela está
organizada não responde às necessidades sociais e individuais da educação
das crianças. Os promotores da revista esperam provocar um movimento que
interesse a todos aqueles que esperam da renovação da escola moderna a
renovação da sociedade. São com estes objetivos que eles tentaram divulgar
ao público as ideias que ficam geralmente confinadas nas revistas especiais.

Este Programa, assinado por Elslander e Ferrer, referendou o campo teórico-prático da


Liga e da Revista. Estes propósitos iam de encontro à gênese de certas práticas educacionais,
apontando as possíveis transformações e rupturas e buscando erigir outra base. A revolução
teórico-metodológica seria um passo para a instauração de um novo momento de evolução
educacional. Mole argumenta que a Revista se localizava no âmbito de um movimento radical de
educação nova, movido por concepções libertárias, socialistas revolucionárias e sindicalistas. É
importante notar que já em 1903, Henriete Meyer expressava preocupação com a organização
do professorado francês em relação aos movimentos pela escola laica, em ascendência na
Europa. Publicou no Boletin da Escola Moderna de 30/11/1903, ano III, nº3, o texto intitulado Al
Magisterio libre, no qual discute:

Ante todo creemos necesario observar que el adjetivo laica que usan

171
nuestros colegas franceses, y el libre, que nosotros aplicamos á la
enseñanza, se fundan, allá en la lucha entablada por el Estado contra la
Iglesia, oponiendo el dogma estatista al religioso; entre nosotros en la idea de
rechazar todo dogma.
Se ha pensado en la creación de un periódico que se dividirá en tres
secciones:
1º Derechos y deberes: educación social y profesional del maestro y de la
maestra. Defensa contra todo ataque á la libertad de conciencia y de opinión
de maestras y maestros. (...)
2º Laicización de la escuela laica: (este epígrafe, aparte de lo que á
continuación se expone, justifica lo que queda dicho acerca de las palabras
laicas y libres). El periódico emprenderá una tarea activa contra los libros que
por la glorificación de la guerra, de la mentira y del fanatismo deforman el
cerebro del niño, y en contraposición dará a conocer los pocos libros
escolares que se inspiran en la verdad científica y en la solidaridad social é
internacional.
3º Defensa de los intereses morales y materiales de la maestra y del
maestro: El periódico se esforzará en sustraer á la intimidación clerical,
política o administrativa á todo educador cuya enseñanza esté conforme con
el criterio libre y afirmará su derecho á la vida social.
En el fondo, todos os problemas sociales se resuelven en una cuestión de
educación, y es bien seguro que cuando la enseñanza, excluyendo todo error
tradicional y todo prestigio rancio, se apoye sobre la ciencia, la razón y la
solidaridad no estará lejos la sociedad de alcanzar el grado de perfección
posible. Defender el magisterio consciente y libre es, pues, preparar una
humanidad libre, consciente y Feliz.
Henriette Meyer
114. rue des entrepreneurs, Paris, XV.

Henriete Meyer, articulada indiretamente à Escola Moderna desde sua fundação,


expressou ativamente o interesse do professorado francês pela organização sindical e pela
renovação de aspectos teóricos e conceituais da escola. A educação e o magistério são
compreendidos como âmbitos políticos de ação transformadora na sociedade. O engajamento de
educadores sindicalistas como Meyer no movimento racionalista representou alguns dos
primórdios da luta educacional nos quadros do magisterio público francês; luta esta envolta pelo
caráter combativo e autónomo do racionalismo.
A Revue publicou ainda em seu primeiro número, além do mencionado Programa,
diretrizes e estatutos, os quais assinam o “Comitê internacional de iniciativa e direção”. Estas
diretrizes, como fundamentos teórico-práticos da Liga, trouxeram importantes referências da sua
organização, principalmente no que se refere ao caráter das transformações pedagógicas
propostas. Assim, a liga se estabeleceu sobre as seguintes bases:

172
Liga Internacional pela Educação Racional da Infância
1. A Educação da infância deve fundamentar-se sobre uma base científica e racional, descartando
quaisquer noções místicas e sobrenaturais;

2. A instrução é uma parte da educação. A instrução deve compreender também, junto à formação
da inteligência, o desenvolvimento do caráter, a cultura da vontade, a preparação de um ser
moral e físico bem equilibrado, cujas faculdades estejam harmonicamente associadas e
elevadas ao seu máximo de potência;

3. Educação moral, muito menos teórica do que prática, deve resultar principalmente do exemplo
e apoiar-se sobre a grande lei da solidariedade;

4. É necessário, sobretudo no ensino na primeira infância, que os programas e métodos estejam


adaptados à psicologia da criança, o que quase não sucede em parte alguma, nem no ensino
público nem privado.

Ha dois pontos centrais e estruturais presentes nestas diretrizes: a formação moral como
alicerce da prática pedagógica e o desenvolvimento psicológico da criança. Os programas,
currículos e métodos escolares deveriam ser concebidos em correspodência à constituição de
uma base moral desde a primeira infância e ao estágio de desenvolvimento psicológico da
criança, sendo esta última discussão fator muito recente no período, presente entre os primeiros
trabalhos relacionados ao movimento Escola Nova. Este fluxo de renovação da educação, que
culminou no movimento Escola Nova foi marcado por espaços de organização contemporâneos
à Liga, como o Bureau International des Écoles Nouvelles criado por Adolphe Ferrière, ainda em
1899 e, um pouco depois, em 1921, a Ligue internationale pour l'Éducation Nouvelle. Esta última
trabalhou com a divulgação da revista Pour l'ère nouvelle e diversos debates nos congressos,
entre educadores como Ovide Decroly, Pierre Bovet, Édouard Claparède, Adolphe Ferrière,
Celestin Freinet, Roger Cousinet, Maria Montessori, Jean Piaget, Henri Wallon, Alexander Neill
(Raymond, 2011). Certamente, esta época foi fruto de muitos anseios voltados à mudança
educacional, envoltos por um largo leque de caminhos possíveis. Mole situa o pensamento de
Ferriére relação ao trabalho realizado pela L’École Rénovée e por Ferrer:

173
Deve-se notar aqui que o termo nova escola nunca se refere ao Bureau
Internacional das novas escolas criadas por Adolphe Ferrière, em 1899. No
entanto, poucos dias depois de sua execução, Ferriere saúda à memória
Ferrer. É claro que ele lamenta seu "materialismo" e "ideias irreligiosas", e
não reconhece este "generoso, mas utópico ideal anarquista, para o nosso
tempo, pelo menos." Mas, citando longamente L’École rénovée, Ferriere
insiste sobre "o que há de belo e desinteressado" na obra escolar do
pedagogo anarquista e afirma que seu "ideal pedagógico [...] passa a ser um
dos muitos espíritos iluminados do nosso tempo". Os autores L’École rénovée
e os pedagogos libertários são reconhecidos como militantes do grande
movimento de educação nova (Mole, 2011:6)13.
.

Diversas questões discutidas no âmbito da Liga Internacional pela Educação Nova,


voltadas, sobretudo para questões metodológicas e a relação de novas ciências, como a
psicologia com o campo da educação, concordam em certas nuances com as defendidas pelos
racionalistas; provavelmente por representarem o amadurecimento pedagógico uma época.
Questões específicas sobre a infância, como a expressão criativa, a espontaneidade, a volta ao
naturalismo rousseniano e o desenvolvimento cognitivo infantil constituíram expressões e
preocupações que, na última década do século XIX, povoaram as teorias educacionais. Para a
Escola Nova e a Escola Ativa, de Ferriére, por exemplo, a criança tem uma energia potencial que
se manifesta por um poder criativo, que a educação deve ajudar a expressar ” (Raymond, idem).
Certamente, se é possível perceber, do ponto de vista de algumas abordagens educacionais
alguns pontos de relação, há no campo político e filosófico distinções muito radiciais. A Liga pela
Educação Nova tinha uma proposta liberal de formação do nacionalismo, do indivíduo
democrático e do cidadão; respondia aos interesses de reforma da educação em função das
atualidades políticas, econômicas e tecnológicas de uma sociedade que se pretendia liberal. Tais
elementos podem ser apreendidos no exame de alguns dos princípios sobre os quais se fundou
esta Liga e que fizeram reverberar pelo mundo ocidental certa concepção de renovação
educacional:

13
Il faut ici remarquer que le syntagme école nouvelle n’est jamais référé au Bureau international des écoles
nouvelles créé par Adolphe Ferrière en 1899. Pourtant, quelques jours après son exécution, Ferrière salue la
mémoire de Ferrer. Certes il regrette son « matérialisme » et ses « idées irréligieuses », et ne se reconnaît pas dans
cet « idéal anarchiste généreux mais utopiste, pour notre époque tout au moins ». Mais, citant longuement L’École
rénovée, Ferrière insiste sur « ce qu’il y a de beau et de désintéressé » dans l’œuvre scolaire du pédagogue
anarchiste et affrme que son « idéal pédagogique […] se trouve être celui de bien des esprits éclairés de notre
époque». Les acteurs de L’École rénovée et les pédagogues libertaires sont donc reconnus comme des militants du
grand mouvement de l’éducation nouvelle.

174
A renovação da educação impõe como base os seguintes princípios:
1. A educação deve colocar a criança na posição de compreender as
complexidades da vida econômica e social do nosso tempo.
2. Deve ser projetada para atender às diversas exigências intelectuais e
emocionais de temperamentos tão variados das crianças e dar-lhes a
oportunidade de expressar-se em todos os tempos, de acordo com as suas
características próprias;
3. Deve ajudar a criança a se adaptar volontariemente às exigências da vida
em sociedade, substituindo a disciplina baseada no constrangimento em
função do medo de punição pelo desenvolvimento de iniciativa pessoal e
prestação de contas;
4. Deve favorecer a colaboração entre todos os membros da comunidade
escolar, levando profesores e alunos a entender o valor da diversidade de
caráter e da independência de espírito;
5. Deve trazer a criança para apreciar o seu próprio patrimônio nacional e
receber com alegria. A contribuição original de qualquer outra nação humana
cultura universal. Para a segurança da civilização moderna, os cidadãos do
mundo não são menos necessários que os bons cidadãos de sua própria
nação (Ligue internationale pour l'Éducation Nouvelle, 1935)14.

Nesse sentido, é importante dimensionar a relação entre a noção de renovação da


educação movida pela Escola Nova e a consolidação da educação liberal, voltada à perspectiva
de progresso no âmbito dos Estados Nacionais europeus. Mas, não obstante a renovação e
reforma da educação no plano do liberalismo, este momento expressou também um contexto
amplo de ações sociais voltadas às mudanças educacionais, que almejavam transformações
sociais de caráter profundamente distintos e questionavam o papel social da instituição escolar.
Esta movimentação em torno das bases da educação escolar referendou a heterogeneidade de
visões políticas e filosóficas sobre a educação e constituiu um espaço de disputa no campo
educacional, desde meados do século XIX. As diferentes finalidades e perspectivas, bem como
os semelhantes meios que configuraram o conjunto de inovações pedagógicas representaram,

14
1935. Un Congrés des îles britaniques de la ligue d’education nouvelle. Theme : l’education et les loisirs –
Comment créer une culture démocratique ? http://hmenf.free.fr/article.php3?id_article=45. Une renovation de
l’education a impose basée sur les principios suivants : 1. L’education doit mettre l’enfant en mesure de saisir les
complexies de la vie sociale et economique de notre temps. 2. Elle doit etre conçue de manierè à repondre aux
exigences intelectuelles et affectives diverses des enfants de temperaments variés et leur fournir l’occasion de
s’exprimer en tout temps selon leurs caracteristiques propres; 3. Elle doit aider l’enfant á s’adapter volontariement
aux exigences de la vie en societé en remplaçant la discipline basée sur la contrainte et la peur des punitions par le
develeppement de l’iniciative personelle et la responsabilité ; 4. Elle doit favoriser la collaboration entre tous les
membres de la communauté scolaire en amenant maitres et eleves à comprendre la valeur de la diversité des
caracteres et le l’independance d’ esprit; 5. Elle doit amener l’enfant à apprecier son propre héritage national et à
accuellir avec joie. La contribution originale de toute autre natión á la culture humaine universelle. Pour la securité de
la civilizatión moderne, les citoyens du monde ne sont pas moins necessaires que les bons citoyens de leur propre
nation.

175
portanto, interesses, classes e diferentes agentes que buscaram a transformação do campo
educacional, o que difícilmente poderia formar uma só convergência propulsora da educação
nova. Nesse sentido, o que se compreende por Educação Nova ou Escola Nova (como marco
histórico) se refere àqueles que se tomaram para si e para determinada convergência histórica o
reconhecimento mundial de um grande, complexo e divergente contexto social e político de
transformação da escola.
Retomando a Liga Internacional para a Educação Racional da Infância, os estatutos
indicam:

Estatuto da Liga Internacional para a Educação Racional da Infância


Artigo primeiro: se constitui uma Liga intitulada Liga Internacional para a Educação Racional da Infância,
com o objetivo de introduzir praticamente no ensino da infância em todos os paises, as ideias da ciência,
da liberdade e da solidariedade. Se propõe ademais procurar a adoção e aplicação dos métodos mais
apropriados à psicologia da criança, a fim de obter os melhores resultados com o menor esforço.
Art.2: Os meios de ação da Liga consistem em uma incessante propaganda, sob todas as formas,
dirigidas mais especialmente aos educadores e pais de família.
Art. 3: Torna-se menbro da Liga por adesão aos princípios de lhe servem de base e pelo pagamento
anual de frs1,20, como mínimo (10 centavos ao mês).
Art.4: A Liga pode constar em todos os países das seções ou dos grupos, cujo funcionameno resulte do
acordo com o Comitê de iniciativa e direção instituído pelo 5 art. seguinte.
Art5. A adminstração da Liga corresponde a um Comitê internacional de Iniciativa e de Direção,
composto por no mínimo cinco membros e no máximo quinze, nomeados por um prazo de cinco anos
por uma Assembleia Geral, sendo reelegíveis. O Comite pode se completar com a agregação de novos
membros designados por ele mesmo, os quais devem ser ratificados em assembleia geral, mais
imediata.
O primeiro Comite de Iniciativa e Direção, cujas funções terminarão na assembleia de 1913, fica assim
formado:
Sr. Ferrer (Espanha – Presidente)
C.A, Laisant (França – Vice Presidente)
J.F Elslander (Bélgica)
Ernest Haeckel (Alemanha)
Wilinam Heaford (Grã-Bretanha)
Guiseppe Sergi (Itália)
H. Roorda Van Eysinga (suíça)
Sra. Henriete Myer (Secretaria)

176
Art. 6 – Se institui um Comitê Internacional de Proganda, com número ilimitado de individuos, cuja
eleição corresponde ao Comitê de Inicativa e Direção, devendo ser ratificado pela assembleia Geral.
Art. 7 – A residência social da Liga se fixa em Paris, 21, Boulevard Saint-Martin, podendo se mudar para
outro ponto de acordo com o Comitê.
Art.8 – L’école réenove, revista periódica publicada em Bruxelas, é o órgão titular da Liga.
Art.9 – O Comite de Iniciativa e Direção concovará a cada ano uma Assembleia Geral da Liga, com o
objetivo de ouvir a memória anual do Comite, discutir as conclusões e deliberar sobre os assuntos da
ordem do dia.

Na sequência do estatuto, a Revista publicou um convite aberto para adesão à Liga,


direcionado a interessados e aos pais – e mães – para “livrar os filhos da escravidão intelectual
em que durante séculos vive a humanidade”. E complementam: “separemos vuestros hijos del
medio de tinieblas y de fealdad en que hemos nos conducido. Conduzcamoles hacia la belleza,
hacia la luz”.
Conforme foi constatado pela pesquisa, poucos dos integrantes do Comitê de Iniciação e
Direção da Liga possuem estudos biográficos mais aprofundados, o que ocorre na medida em
que apresentam maior inserção no campo científico ou educacional. É o caso do alemão Ernst
Haeckel (1834-1919), que, como filósofo, médico, naturista e evolucionista foi responsável pela
divulgação do trabalho de Charles Darwin na Alemanha. Haeckel, como Darwin e Spencer
representava uma importante referência teórica para os anarquistas de forma que sua relação
com a Liga representa contribuição fundamental ao movimento. Guisepe Sergi (1841-1936) foi
um importante antropólogo italiano que desenvolveu pesquisas de grande reconhecimento no
campo da psicologia, antropologia e na construção da ideia da raça mediterrânea, em relação à
raça germânica ou ariana. Publicou obras como Introduzione allo studio della psicologia (1881);
Origine e diffusione della stirpe mediterrânea (1895); The Mediterranean Race: a Study of the
Origine of European Peoples (1901). Sergi estabeleceu profundas reflexões sobre a renovação
da educação, associando a ideia de degerenação da raça e da transmissão da cultura no âmbito
das civilizações por meio da educação. Maria Montessori, na obra Educação Cientifica, inicia
suas considerações críticas evocando Sergi nos seguintes termos:

Sergi, desde 1880, difundia o principio de que toda uma renovação dos
métodos educacionais se imporia em consequência de observações
coentificamente dirigidas (...) Em seu livro Educazione e Instruzione, síntese
de suas aulas e conferências, preconizava o estudo da antroplogia
pedagógica e da psciologia experimental para levar o educador a palmilhar a
via da desejada renovação. ‘Desde há muitos anos, dizia, venho lutando por
177
uma ideia que quanto mais aprofundo, mais se me afigura justa e útil para a
instrução e a educação humana. Isso significa que para a elaboração de
métodos naturais, visando o nosso escopo, são-nos necessárias numerosas
observações exatas e racionais dos homens e,sobretudo, das crianças; é
aqui que devemos situar as bases da educação e da cultura. A autoridade de
Sergi fazia crer que a arte de educar o individuo seria consequência quase
natural da experiência apenas (...) (1965:10)

Representa um dado muito importante que Maria Montessori tome Guiseppe Sergi como
referência para a sua pedagogia científica, considerando o papel de Montessori no contexto da
Educação Nova. Sergi é responsável pela publicação La Scuola Moderna di Barcelona e
Francisco Ferrer, pelo Comitê Central Pro-Ferrer e Scuola Laica, em 1907, composto por outros
professores, além de Sergi e por Luigi Fabri. Este fato confirma a heterogeneidade e diálogo do
campo de renovação educacional, conforme observado anteriormente.
Jean-François Elslander (1865-1948) teve uma trajetória voltada à educação e à arte;
quando jovem viveu em uma colônia de artistas e libertários, chamada Watermael-Boitsford,
onde conheceu, em 1910, Georges Giroux. Elslander escreveu uma obra literária chamada
Raiva carnal (1890) voltada à história de um ser primitivo e miserável, Marú, que vive na torre de
um bosque, com Madeleine, filha de uma ex-amante morta. A história se desenvolve em torno
de uma paixão descontrolada de doentia de Marú. O livro foi muito perseguido e censurado na
França e na Bélgica, em função dos fortes conteúdos sexuais. Escreveu importantes obras
ligadas ao campo educacional como L’Éducation au point de vue sociologique (1898), L’enface
libérée (1948), L’École nouvelle. Esquisse d'une éducation basée sur les lois de l'évolution
humaine (1904) - La Escuela Nueva – bosquejo de una educación basada sobre las leyes de la
evolución humana, na tradução de Anselmo Lorenzo, em 1908, para a Biblioteca Escola
Moderna.
Charles-Ange Laisant (1841-1920) foi um importante matemático francês, com formação
em engenharia, carreira militar, e trajetória na maçonaria. Exerceu cargo de deputado, entre
1885 e 1893. Ao longo de sua trajetória política, identificou-se com a extrema esquerda
republicana, associando-se ao grupo político do general Boulanger. Silva (2013) revela que a
aproximação de Laisant ao anarquismo ocorreu na década de 1890, por influência de seu filho
Albert Laisant (1873-1928). “Além de converter o próprio pai, Albert convenceu seus dois filhos
(portanto, netos de Charles-Ange), Maurice e Charles, a também aderirem às fileiras anarquistas
(idem)”. Laisant colaborou com a imprensa anarquista francesa, destacando-se os periódicos La
Bataille Syndicaliste, L'École Rénovèe, L'École Émancipée e L'Idée Libre. Publicou as obras
Applications mécaniques du calcul des quaternions. Suivi de Sur un nouveau mode de
178
transformation des courbes et des surfaces(1877); Introduction à la méthode des quaternions
(1881), Théorie et applications des équipollences (1887), L'Anarchie bourgeoise (1887), Pourquoi
et comment je suis boulangiste, (1887). Silva observa que “sua ação e militância no campo da
educação e do ensino racional para crianças e adultos estebeleceu um fio condutor que
continuou difundindo o Racionalismo Pedagógico e constituiu a conexão entre os ideais de
Ferrer e das gerações posteriores, transmitindo e projetando para o futuro a prática inovadora da
Escuela Moderna” (idem). Já o inglês William Heaford aparenta grande proximidade a Ferrer,
sobretudo pelas várias publicações de textos sobre a Escola Moderna de Barcelona, na L’école
rénovée. Heaford foi secretario da seção inglesa da Federação Internacional Livrepensadora. A
conjungação deste Comitê foi, portanto, concretizada pelo engajamento político de cada
representante, bem como pelo trabalho educacional em desenvolvimento no âmbito
internacional. A contribuição de todos os integrantes do comitê com a Revista L’École Rénovée
corrobora isso, como se pode notar na sistematização a seguir, que a apresenta os atigos e seus
autores, publicados na Revue durante seus dois anos de duração:

Revue École Renovée


Ligue Internationale pour l’éducation rationnelle de l’enfance
Comite international

Francisco Ferrer (Espagne) - Président


C.-A. Laisant (France) – Vice-president
E. Häckel (Allemagne)
J.-F. Elslander (Belgique)
W. Hearford (Grand-Bretagne)
G. Sergi (Italie)
H. Roorda Van Eysinga (Suisse)
Henriette Meyer (france).

Ano I
Ano I, nº1 École Renovée editores
15/04/1908 Estatuto e diretrizes da Liga. editores

La renovation de l’ecole Francisco Ferrer


La Pedagogie individuelle F. Domela Nieuwenhuis
Une Letre Piot Kropotkine
Notes sur l’education Paul Robin
Um Escapé D’Arsac
L’education naturelle J.-F. Elslander
L’Ecole et le savoir inutile H. Roorda Van Eysinga
179
Ano I, nº2
15/05/1908
Les modes d’acquisition des connaissances J.-F. Elslander
L’esprit religieux et l’education C.-A. Laisant
Le enseignement intégral Paul Robin
Les príncipes fondamentaux d’education F. Domela Nieuwenhuis
L’enfance et ses droits Willian Heaford
La Ligue Internationale pour l’education rationnelle de C.-A. Laisant
l’enfance

L’action Henriette Meyer


Le congrès des syndicats d’instituteurs français --
Bibliographie --
Correspondance A.Boutkewitsch
Ano I, nº3
15/06/1908
Mére et enfant Ellen Key
L’enseignement religieux et l’enfance F. Tarrida Del Marmol
L’ecole et le savoir inutile H. Roorda Van Eysinga
L’éducation morale J.F. Elslander
Comment faut-il réformer l’éducation? Guiseppe Sergi
L’éducation progressive G. de Vaulabelle
Les Livres et l’éducation C.A. Laisant
L’école moderne Willian Heaford
Bibliographie/ Editores
correspondance
Ano I, nº4
15/07/1908
La Récolte des connaissances J.F. Elslander
L’ enseignement integral Paul Robin
La libération de la femme des charges de la maternité Alexandra David
Les doctrines de M. Jules Soury C.A. Laisant
Les Instituteurs publics français et leurs revendications M.T.Laurin
actuelles
Bibliographie --
Bulletin mensuel de la ligue internationale pour --
l’education rationelle d’enfance.
Ano I, nº5
15/08/1908
L’éducation par l’ ambience A. Pratelle
L’ecole de l’avenir J.F. Elslander
Les Stations d’études pédologiques Dr. Boulenger
L’ enseignement integral Paul Robin
D’um plan d’education moderne G. Persigout
L’école moderne Willian Heaford
La Ruche – de Rambouillet J-F. Elslander
Bibliographie --
Bulletin mensuel de la ligue internationale pour --
180
l’education rationelle d’enfance.
Ano I, nº6
15/09/1908
L’ecolier est um Prévenu H. Roorda Van Eysinga
L’education par le travail J.F. Elslander
Deux Ecoles types pour enfants irréguliers et réguliers J.F.E
Bibliographie --
Ligue pour l’education rationelle d’enfance. C.A.Laisant
Ano I, nº7
15/10/1908
Comment Créer l’ecole nouvelle? J.F. Elslander
Un Cours d’histoire pour les enfants H. Roorda Van Eysinga
Elisée Reclus éducateur A. Pratelle
L’école moderne, son oevre et son influence em Willian Heaford
Espagne et à l’étranger
Um plan d’éducation rationelle J.F. Elslander
Avis --
Ano I, nº7
15/10/1908
Comment Créer l’ecole nouvelle? J.F. Elslander
Quelques idées J.M.Le Franc
L’ecole renovée de demain. L’ecole revo de aujourd’hui Grandjouan
L’education démocratique Pierre Beau
Pour la renovation de l’enseignement M.T.Laurin
La loi sur l’instruction obligatoire entrave les meilleures E.N.
iniciatives
L’ enseignement obligatoire à travers l’Europe S-L. Prenau
Un projet de synthèse scientifique A. Pratelle
Aux instituteurs --
Ligue internationale pour l’education rationelle --
d’enfance.
Bibliographie/ --
Correspondance
Avis
Ano II
Ano II, nº2
30/01/1909
Un instituteur allemand H.Scharrelmann. C. Vaillant
Les idées de Lavoisier sur l’instruction sociale de J. Guillaume.
l’enfance.
Bibliografie Maurice Dubois
Carnet d’un syndiqué. A propos de congrés prochains --
Ano II, nº3
06/02/1909
Nouvelles de Vosves Albert Thierry
Un Programe d’enseignement historique intuitif M.T . Laurin

181
Trois lettres d’un Instituteur rural que veut être Ch. Guieysse
Socialiste
Ano II, nº4
13/02/1909
L’affaire du syndicati des instituteurs de Maine-et- J. Roux
Loitre
Une Enquete J. Raffin
Ano II, nº5
20/02/1909
L’enseignement du français à l’ecole primaire Fontaine

Deuxième lettre à un instituteur Ch. Guieysse.

Carnet d’un Syndiqué --

Ano II, nº6


27/02/1909
Pour establir un enseignemant concret dans les M.-T. Laurin
écoles rurales
Troisième lettre à un instituteur Ch. Guieysse

L’ecole primaire et la préparation à la vie Maurice Dubois


Une page de P.J-. Proudhon P.J-. Proudhon

Ano II, nº7


06/03/1909
La méthode d’initiation dans l’enseignement du cacul C.A. Laisant

De l’abus des règles dans l’enseignement des H. Roorda Van Eysinga


mathematiques élémentaires
Bibliografie --
Ano II, nº8
13/03/1909
Le certificat d’Etudes Primaires J. Raffin

Ano II, nº9


20/03/1909
Le certificat d’Etudes Primaires J. Raffin

Ano II, nº10


27/03/1909
Redactión et L’Allègment et l’adaptation des programmes M.-T. Laurin
administration Pauvres enfants ! Malhereux enfants! Chtchédrine
: Pestalozzi, instituteur et pédagogue M.-T. Laurin
F. Ferrer
Charles Albert
Maurice
Dubois

182
Ano II, nº11
03/04/1909
A l’école L’art à l’ecole primaire Marcel Boris
laïque De la dolicité intelectuelle des ecoliers H. Roorda Van Eysinga
Foudateur:
Francisco
Ferrer
Ano II, nº13
17/04/1909
L’école L’affaire Caron M.D.
administrativa L’art Du peuple W. Morris
----- números não localizados pela pesquisa
Ano II, nº21
12/06/1909
Nouvelles de Vosves – Albert Thiery
Comités d’Action pédagogique M.T Laurin
Contre “Le Statut » Louis Bouet
Pages Ancienes --
...
Ano II, nº23
26/06/1909
La Revue et le L’enseignement de l’agriculture à l’école rurale M.-T. Laurin
vacances
Carnet d’un syndiqué Jean Paysan
Lectures I Leonard da Vinci
Lectures II Paul Claudel
Écoles mixtes à deus classes F. Maroux
Ano II, nº24
03/07/1909
La Reuve et Chefs et ouviers X.Y.Z.
les Vacances Le Statut des Fonctionnaires Émile Glay

A propos du Statut --
Ano II, nº25
10/07/1909
L’ecole et la société Maurice Dubois
But de l’education C.A. Laisant

Le Favoritisme administratif M.-T Laurin

Lectures (I) Carlyle (II) Saint-Simon (III) X --


Un point d’historie James Guillaume.

Ano II, nº26


17/07/1909
L’enseignement des sciences botanique et agricoles A.Bourdon
à l’école rurale

183
Chefs et ouvriers --
La redactión au cartificat d’études Marcel Boris
Carnet d’un syndiqué Jean Paysan
Ano III
Ano III, nº1
20/10/1909
Aux Lecteurs – Ferrer ils mort Maurice Dubois.
A propos Du congrès de Nancy M.T-Laurin
L’historie du peuple E. Reynier
L’èleve au maitre A. Thierry
A propos du monopole Marcel Borit

A Revue apresenta, como se pode notar, abordagens diversas relacionadas ao tema


educacional, envoltas pela esfera social e política de um movimento radical de educação nova.
Inspirada no projeto de transformação da educação, a revista expressou que, como salienta
Mole: “a ideia de uma educação nova é inseparável do projeto de uma sociedade melhor e mais
jista” (idem:4). A busca por uma sociedade mais justa e transformada por novos valores morais e
políticos foi verbalizada pela Revue mediante esta esfera de convergências e divergências entre
as concepções libertárias, as concepções socialistas revolucionárias e sindicalistas da educação
e da escola, conforme define o mesmo autor:

Primeiro, o projeto de educação para o emancipação das crianças está ligado


ao objetivo de favorecer à criação de um corpo crítico de professores na rede
pública de ensino. Então, um mesmo movimento de professores e pais
devem se unir na obra de emancipação das novas gerações. Ao fundar esta
revista, Francisco Ferrer declara querer abrir a um "grande público" um
espaço onde "todas as idéias e todas as tentativas que se relacionam com a
renovação da escola" fossem discutidas e onde poderia ser elaborado "plano
de educação moderna", com vocação de ser aplicado tanto em instituições
do Estado como fora delas...(idem:4) 15

Com esta interpretação se percebe que o plano empreitado pela Liga abrangeu, de
maneira ampla, vozes originais do magistério público e republicano francês e, portanto, da
escola existente, e vozes oriundas da contraposição radical à esfera pública, corroborando com

15
D’abord, le projet d’une éducation visant l’émancipation des enfants est lié à celui de favoriser la constitution d’un
corps d’instituteurs critiques au sein de l’institution scolaire publique. Ensuite c’est d’un même mouvement
qu’instituteurs et parents doivent se rassembler dans l’œuvre d’affranchissement des générations nouvelles (...)En
fondant cette revue, Francisco Ferrer déclare vouloir ouvrir à un « large public » un espace où « toutes les idées et
toutes les tentatives qui se rapportent à la rénovation de l’école » seraient discutées et où pourrait être élaboré un «
plan d’éducation moderne » ayant vocation à s’appliquer tant au sein des institutions scolaires d’État qu’en dehors
d’elles.

184
a tensão mencionada por Ferrer acerca dos meios de renovação e transformação da educação:
“a renovação da educação deve ser realizada contra a escola estabelecida, fora dela – por meio
da criação de novas escolas - ou deve ser efetivada na escola, por um processo de
transformação interna a instituição”(Mole, idem:4). O primeiro número da Revista, que trouxe o
referido texto de Ferrer (já mencionado neste trabalho - La Renovation de l’école), sintetizou a
crítica à escola estatal, liberal e republicana, que aprisionava os indivíduos de maneira
proporcional ao ensino confessional. Mas também apresentou algumas das tonalidades
presentes neste conjunto de interesses, objetivos e esforços comuns em torno da educação,
representado pela Liga Internacional pela Educação Racional da Infância. Henriette Meyer, em
um texto de divulgação da Liga, trouxe alguns dos objetivos de abrir o espaço para a vinculação
de pessoas interessadas e esclareceu que

As observações aqui apresentadas podem ser resumidas da seguinte


maneira: esta nova organização é realmente necessária? Já existem
numerosas associações de professores, amigos, federações; as
organizações sindicais têm feito notáveis progressos. Não seria o risco de
trazer certa desordem ao movimento, efetuando um desvio inoportuno de
energias e boa vontade?16 (L’école Rénovée, Ano I, nº1)

Ela complementa estes questionamentos destacando que o melhor meio de organização


deve respeitar a independência e a autonomia completa das associações. O respeito à
autonomia das organizações e associações de professores existentes e o movimento de articulá-
las, no plano internacional, mediante objetivos comuns voltados à transformação da escola em
favor da criança, demandava também a própria conscientização do magistério e a compreensão
do papel social dos professores. Assim, inúmeras discussões se apresentam na revista em torno
desta questão, refletindo acerca do papel da escola laica republicana e as possibilidades de
transformação de suas estruturas pedagógicas internas, mediante o trabalho dos professores,
bem como sobre a profunda crítica pautada em suas contradições sobretudo sociais e morais.
Estas tensões estiveram presentes nos diversos momentos da revista, tornando-a expressão
viva das constradições presentes no campo educacional, mesmo diante de buscas e objetivos
comuns. O segundo ano da revista acentuou estas diferenças, como se nota entre o teor dos
artigos e a ausência de algumas pessoas, como o J-F. Elslander. A revista número dois do ano II
16
Les observations présentées peuvent à peu prés se resumer ainsi: cette organization nouvelle est-elle
bien nécessaire? Il y a dejà de nombreuses associations d’instituteurs, des amicales, des federatións;
l’organizatión syndicale fait parmi eux de notables progrés; ne risque-t-on pas d’apporter um certain
trouble dans ce mouvement, d’amener une deviation fâcheuse des énergies et des bonnes volontés?

185
apareceu em 30/01/1909. O nome de Francisco Ferrer continua aparecendo como fundador da
revista; mas também passam a constar como redação e administração Charles Albert e Maurice
Dubois. Provavelmente por contribuição de Albert e Dubois, os artigos passaram a se direcionar
mais diretamente a questões da escola pública e à organização sindical.
Há convites, assinados, sobretudo, por Dubois aos professores e assinantes da revista
para que se sindicalizem, não somentes por princípios, mas por ação: “Mille syndicallizants ne
valent pas cinquante syndiqués”. As movimentações em torno da sindicalização de professores
tornaram-se preocupação central da revista, que consolidou seu papel na organização de
professores. Muitos textos e notícias sobre a organização sindical são finalizados com
expressões como: “pour la Federatión nationale des syndicats d’institutrices el d’instituteurs de
France”. Esta segunda fase da revista acentuou, portanto, o olhar revisionista sobre a escola e o
do sistema educativo imposto como chave na formação da cidadania e da república. Tratava-se,
portanto, da resistência no interior do próprio sistema, fundada na organização sindical que, por
sua vez, se fundamentava em bases profundamente críticas e em muitos aspectos libertárias. M-
T Laurin, cujo primeiro artigo na revista aparece no ano I, nº4 15/07/1908, intitulado Les
Instituteurs publics français et leurs revendications actuelles foi uma das fortes expressões neste
sentido. Em um texto, publicado na revista número 7, ano I, sob o título Pour la Renovation de
l’enseignemet, M-T.Laurin introduz a discussão apresentando a possibilidade da reforma como
via possível de transformação ou renovação da escola, atribuindo ao Estado o papel da
neutralidade e da introdução da educação racional e científica:

Para chegar a uma profunda reforma do ensino primário, é necessário


primeiramente se dirigir à opinião pública, ser de interesse aos pais de famílie
uma cultura racional, para então garantir a colaboração de professores e
professores de escolas públicas e, finalmente, criar modelos de escolas,
escolas normais e escolas básicas. Pelos esforços de tanta boa vontade,
requer exigir do Estado uma neutralidade real e completa em matéria de
ensino e a introduzir um sistema de educação racional e científica17.

Seguindo ainda o sindicalismo como base de resistência e organização de professores


como classe de trabalhadores, há ainda algumas seções constantes no segundo ano da Revue,
chamadas Carnet d’un Syndiqué e Le certificat d’Etudes Primaires que fazem discussões
inteiramente relacionadas a esta questão, expressando inclusive questões voltadas às práticas
17
Pour pouvoir arriver á une reforme profonde de l’enseignement primaire, Il est nécessaire d’abord de s’adresser à
l’opinion publique, d’interesser les peres de familie à une culture rationelle, puis de s’assure la colaboration des
institutrices et des instituteurs publics et enfin de créer des écoles modeles, écoles normales et élémentaires. Pour
que les efforts de tant bonnes volontés, résolu à exiger de l’Etat une neutralite réelle et complete em matiere
d’enseignement et à introduire une système d’education rationelle et scientifique.
186
de ensino e à supervisão efetuada pelos inspetores de ensino. A critica aos inspetores é latente e
demonstra o quanto, mesmo no âmbito da perspectiva da reforma educacional, a Revue
propunha uma transformação radical. O Carnet d’un Syndiqué - Ano II, nº23, de 26/06/1909,
escrito por Jean Paysan traz uma interessante história sobre um professor e um inspetor, na
visão de um sindicalizado:

Je trouvais hier une des mis amis: “Je viens, me dit-il, de rencontrer un
homme heureux. Tu sais, Chose, notre collégue de l’autre cote de l’eau? _
Ah! Que lui est-il, donc arrivé? _ Il a eu hier visite de l’inspecteur. _ Je
comprends, dit-je; la constatation par un chef des résultats d’un bon travail,
d’um labeur acharne et perséverant a procure à l’auteur une douce fierté:
c’est bien humain et c’est bien naturel. Alors, l’inspecteur fait un excellent
rapport à notre collégue Chose? – Tu n’y es pas, repris mon ami. Le rapport
fut, comme ordinaire, medíocre. Si Chose est si joyeux c’est que, selon son
expression, si est débarrassé! Il vient de mettre au feu son cahier de
préparation.
Si chose était syndiqué, s’il était adherent au Syndicat dont je fais partie, je
demandrais immediatement son exclusion pour manque de consciense
profissionnelle.

Assim, a Revue L’école Rénovée, ainda sob as mãos de Ferrer i Guardia, tornou-se um
núcleo de discussão sobre a renovação/reforma ou transformação da educação em meios
altamente críticos e desmobilizadores do poder estatal no controle ideológico dos professores.
De acordo com Mole, a Revue foi o primeiro periódico pedagógico independente de professores
sindicalizados franceses, que resulta, em 1910, na criação do L’École émancipée, orgão
pedagógico da Fédération Nationale des Syndicats d’instituteurs, como já foi anteriormente
observado. Mole acrescenta ainda que

Os professores sindicalistas saudam o nascimento do primeiro periódico


educacional totalmente independente da administração escolar e das
grandes editoras, representando a uma só vez um instrumento de
transformação da escola e modelo de um futuro orgão pedagógico
sindicalista. A reivindicação de uma autonomia pedagógica, estreitamente
ligada a uma independência coorporativa, e a participação no
desenvolvimento de novas formas de ensino envolvem, aos olhos dos
militantes, o desenvolvimento de uma imprensa independente, pode
contribuir para liberar tanto a palavras quanto as iniciativas dos professores.
Laurin espera que L’École rénovée permita o desenvolvimento do "espírito de
livre crítica e iniciativa" aos professores e questionar a "pedagogia
oficial"(idem:10)18.

18
Les instituteurs syndicalistes saluent dans la naissance de ce premier périodique pédagogique totalement
indépendant de l’administration scolaire et des grands éditeurs, à la fois un instrument de transformation de l’école et
le modèle d’un futur organe pédagogique syndicaliste. La revendication d’une autonomie pédagogique, intimement
187
O segundo ano de atividade da Revue foi marcado, portanto, pela fusão cada vez mais
acentuada da ação sindicalista ao projeto educacional racionalista. A história do sindicalismo,
como demonstra Lenoir (2009), toma a educação como dimensão inseparável das práticas de
emancipação dos trabalhadores. A ideia de instruir para revoltar encontra, neste contexto,
sentido dentre as diversas discussões presentes na Revue L´école Rénovée. Maurice Dubois ,
no número nº1 - 20/10/1909, do terceiro ano da Revue escreveu o texto Aux Lecteurs que
rememora a figura de Ferrer, a partir de sua morte. Depois deste fato, a Revue L’école Rénovée
tem sua organização e publicação encerradas. Maurice Dubois chega a acusar dificuldades
financeiras e organizacionais, com a ausência de Francisco Ferrer, na condução da revista e da
Liga:

Francisco Ferrer est mort. Il est mort glorieusemente dans les fossés de
Montjuic, victime de la peur des gouvernants, victime de haines que son
oeuvre suscitait.
Il avait rèvé d’une Espagne enfin délivrée de l’inquisition, il avait rêvé que
cette terre classique de l’intolerance verrait s’épanouir un jour la pensée libre
el la raison trionphante. Il avait mis toute sa confiance dans les génerations
qui vienent, il s’appliquait à les former libérés des préjugés, des superstitions
qui ont causé sa perte. Il consacrait toutes ses forces à l’education de
l’enfance ; il la voulait heuresse el libre.
Acev un desinteressement absolut, il a vecú pour elle. Pour elle, il est tombé
en criant : « Vive l ‘Ecole Moderne !». D’autres le vengeront. Si nous l'avons
aimé, à nous de continuer son oeuvre.
L’ecole rénovée lui était chère. Elle était lui l’extension de son école de
Barcelone. Avec nous, il y a trois mois à peine, il dressait un plan pour trois
ans. Hélas, nous ne nous doutons pas de sa fin si terrible et si proche !
Maintenant il est mort. Il avait vécu courageux, il est mort en héros. Aux
hurlements des chacals d ‘Espagne acharnés à sa perte, les hyénes de
France ont répondu par leurs grognements. La vermine de tous les pays
forme toujours une sainte alliance. Lui, si doux et si bon, l'eût dédaignée,
nous saurons nous souvenir.
Ferrer est mort ; il vivra dans nos coeurs. Vive Ferrer ! Vive l ‘Ecole
Moderne19.

liée à celle d’une indépendance corporative, et la participation à l’élaboration de formes pédagogiques nouvelles
supposent, aux yeux des militants, le développement d’une presse indépendante, seule susceptible de contribuer à
libérer à la fois la parole et l’initiative des instituteurs. Laurin espère que L’École rénovée permettra le développement
de « l’esprit de libre critique et d’initiative » des instituteurs et la mise en doute de la « pédagogie offciell ».
19
Francisco Ferrer está morto. Ele morreu gloriosamente nos fossos de Montjuic,vítima do temor dos governantes,
vítima do ódio que sua obra suscitou. Ele sonhou com uma Espanha livre da inquisição, ele sonhou que aquela terra
intolerante veria florescer um dia o pensamento livre e a razão triunfante. Ele colocou toda a sua confiança nas
gerações seguintes, se aplicando em formá-la livre de preconceitos, superstições, que são a causa da sua perda.
Ele consagrou todas as suas forças à educação da infância; ele a queria feliz e livre.Com um desinteresse absoluto,
ele viveu por isso. Por ela, ele caiu gritando: “Viva a Escola Moderna!”. Os outros se vingaram. Se nós gostamos,
continuaremos sua obra. L’ecole rénovée era a ele muito cara. Ela foi a extensão de sua escola de Barcelona.
188
Traços do racionalismo libertário na Revue L’école Rénovée

A Revue L’école Rénovée, Ano I, nº7 de 15/10/1908, trouxe um interessante texto


assinado por Grandjouan chamado L’ecole renovée de demain. L’ecole revoté de aujourd’hui.
Este texto apresentou uma crítica à escola burguesa, conforme o autor nomeou a escola
ordinária, que deveria ser antagonizada por meio da luta contra a opressão, do combate
cotidiano e da revolta. A pedagogia racional, diz o autor, “bela empresa” de Ferrer e seus amigos,
deveria ampliar o quadro da escola renovada de amanhã trazendo as vozes, projetos e
resoluções da escola revoltada de hoje. O autor salientou que a educação das crianças se
dividiria em duas etapas correspondentes à libertação dos indivíduos na sociedade: na primeira,
o indivíduo tomado pelas malhas de uma sociedade mal feita, buscaria romper seus laços. Na
segunda etapa o indivíduo buscaria estabelecer sobre um plano racional e harmonioso as bases
de uma educação saudável, primeiro curso de uma sociedade bem feita. Assim, em conjunto às
discussões relacionadas à realidade da escola pública francesa, que tomava cada vez mais
enfase no periódico, estavam presentes outras críticas, muitas delas oriundas de outros locais da
Europa, que reafirmavam o caráter plural da revista, mas fundado no objetivo comum de
transformar a escola, princilpalmente sob as bases de uma educação racional.
A edição nº3, de 15/06/1908 da Revista trouxe um artigo de Ellen Key (1849-1926), a
educadora e feminista sueca, autora da obra “Le siècle de l'enfant”, publicada em 1900. Nesta
obra, Ellen Key reflete sobre a condição da criança, ora trabalhadora entre as famílias
proletárias, ora romantizada entre as famílias abastadas. Defendeu o direito à educação pública
e fez críticas agudas às práticas educacionais autoritárias. O artigo publicado na Revue foi Mére
et enfant, o qual explicita muitas marcas da sua visão rousseniana e libertária. Trata-se de um
pensamento importantíssimo para se compreender as questões que envolviam a renovação da
educação, relacionando a percepções também renovadas sobre a idealização e construção
história da infância. A interpretação de Ellen Key passa pela relação de classe que envolve a
desconstrução de concepções sobre a criança e a infância, pautada em julgamentos morais e

Conosco, há três meses, ficou um plano de três anos. Infelizmente, nós duvidávamos deste terrível e próximo fim.
Agora ele está morto. Ele viveu com coragem, e morreu como um herói. Aos uivos dos chacais da Espanha,
responderam com seus grunhidos as hienas de França. Os vermes de todos os países foram juntos uma santa
aliança. Ele, tão doce e tão bom, teria desprezado, vamos lembrar. Ferrer está morto; ele vive em nossos corações.
Viva Ferrer! Viva a Escola Moderna.
189
materiais associados à sua inseração na sociedade por meio da escola. Ellen Key foi uma das
interlocutoras deste ambiente de mudança e transformação educacional, que trabalhou sobre
bases radicais e libertárias. Sua obra requer maior aprofundamento, pois representa uma
importante visão sobre a infância e os rumos da educação e do processo de socialização, nesta
época.
As experiências educacionais ou as abordagens programáticas voltadas à construção de
uma nova escola citadas pela Revue foram representadas, predominantemente, pela Escola
Moderna de Barcelona, abordada em muitos textos escritos por Wiliam Heaford, pela escola La
Ruche, criada por Sebastian Faure, e pelo O Orfanato de Cempuis, por meio dos textos de Paul
Robin que apresentaram suas sistematizações sobre educação integral, após sua experiência no
orfanato. A análise sobre estas escolas, presentes no periódico, atravessou alguns pontos
fundamentais à compreensão da educação libertária: a educação moral, a educação integral e a
educação natural. Elslander escreveu um texto sobre a La Ruche, na Revue nº5 de15/08/1908,
ano I, no qual trouxe aspectos sobre esta experiência, definindo-a como uma obra de
solidariedade e educação, cuja forma de manutenção era independente do Estado. A La Ruche
como organização autônoma, abria campo para certas práticas pedagógicas extremamente
inovadoras, de forma a conduzir um trabalho de educação moral como base sólida da educação.
Elslander lembra que: “A moral, diz Sebastien Faure, é a vida”; e possui como fundamento os
pequenos fatos que constituem a vida cotidiana da criança. A formação moral e a formação
integral constituíam, para estes educadores, um plano de educação. A grande referência de
educação integral foi certamente Paul Robin, que inclusive apresentou diversos textos na
Revista, fruto de muitas polêmicas, mas alicerces desta noção. Paul Robin trabalhou com um
plano detalhado de educação integral, fundado na compreensão das diferentes fases da criança
e de sua constitução como ser individual e como ser coletivo. A formação integral abrange os
aspectos ligados à produção da vida e da cultura, por meio trabalho. Na primeira infância, Robin
já destacou na criança sua potencialidade para ser construtor/produtor e não consumidor,
inserindo-se dessa maneira na coletividade. Mas a educação se dá também nas variadas formas
de conhecimento que formam a criança integral, como os sentidos, a capacidade de abstração e
as artes. A transformação da escola, por este viés, vai desde seus pilares teórico-práticos até à
organização de seus espaços, como explica Robin, no texto L’enseignemet integral, publicado na
Revue, Ano I, nº4, 15/07/1908. Ele fez uma breve descrição sobre como deveria se organizar um
estabelecimento de ensino de educação integral:

190
O estabelecimento onde se dá a instrução integral não deve ser como as
escolas de hoje (…) Ele deve ser um museu universal e atraente: coleções
de toda natureza, desenhos, pinturas, e uma oficina laboratório para toda a
sorte de pesquisas ou de trabalhos. 20

Robin trabalhava com referências teóricas nitidamente arcadas no positivismo, fazendo


inclusive frequentes menções a Comte. Há algumas abordagens efetuadas por Robin que
causaram grandes polêmicas, como o texto publicado no primeiro número da Revue, intitulado
Notas sobre Educação. Neste texto, o educador apresentou uma classificação das crianças,
fundada em aspectos morais e biológicos. São cinco categorias entre crianças de quatro a oito
anos, enviadas pelos pais aos educadores profissionais, conforme diz Robin: 1º - crianças que
reúnem todas as qualidadades ideais, como força, saúde, beleza, inteligência geral, habilidade
para as ciências e para as artes, alto valor afetivo, bodade – “sujeitos naturalmente bem
dotados”; 2º - sujeitos estimáveis que estão na média de disposições gerais, com algumas
características privilegiadas, outras nem tanto; 3º - nesta categoria está a maioria das crianças,
nem belas, nem feias, nem boas, nem más, com atitudes mediocres, talvez com alguma
disposição para melhora, impulsivas, capazes de serem conduzidas mediante atitudes enérgicas
de outrem, podendo, não sem muito esforço, seguir a multidão ruim. Em geral, crianças nascidas
ao cego acaso; 4º- crianças saídas do vício, da miséria, da degeneração, mal cuidadas, mal
nutridas, expostas à miséria e maus tratos, com inteligência fechada a tudo o que é nobre,
saídos de odiosos espetáculos de barbáries e com atos irrefletidos e absurdos. Estes, a
clemência moderna os permite viver e se reproduzir; 5º- sob a forma de degenarados terríveis,
perigosos desde a mais baixa idade, acometidos de sérios defeitos psíquicos e morais, idiotas,
dementes, epiléticos, incuráveis de toda a natureza. Estes são encerrados em penitências, em
fábricas de toturas como hospícios ou prisões. As cinco categorias, expostas aqui de maneira
praticamente literal às palavras de Paul Robin, definem assim os critéros de percepção e juízo
do professor diante de seus alunos. As primeiras são as mais raras, as terceiras, a grande
maioria.
Ao desenvolver o texto, Robin apontou prejuízos na coeducação de crianças de todas as
categorias e defendeu medidas contraceptivas àquelas da quinta categoria. Este texto gerou
uma longa crítica no número seguinte da Revista, na seção Correspondance, feita por um

20
L’etablissement oú se donne l’instrucion integrale ne doit plus étre comme les écoles d’aujour d’hui,
(...) Ce doit être un musée universel et attrayant: colletions de toute nature,dessins, tableaux, reliefs, et
un latoratoire-atelier pour toutes sortes de recherches ou de travaux.

191
médico chamado M.A.Boutkevisch. O médico iniciou sua carta justificando que, “como a Revue
L´école Rénovée comporta a discussão de ideias gerais sobre educação física, intelectual e
moral das crianças”, imaginou que interessaria à redação sua pequena objeção ao texto de Paul
Robin. M.A.Boutkevisch apontou que Robin fez a classificação das crianças com o “sangue-frio”
e precisão de um botânico ou zoologista. E argumentou que “pelo amor às crianças se faz o
educador”. Ao referir-se à quinta categoria de crianças, que segundo Robin deveriam ser
impedidas de se reproduzirem, o médico indagou Robin se os filhos das classes trabalhadoras,
mal nutridas e mal alojadas, deveriam ser exterminados. E ainda relembrou: Dostoïewsky era um
epilético! E terminou a correspondência dizendo:

M. Robin baseia a educação sobre princípios zoológicos. A colmeia é para


ele um ideal de sociedade humana. Nós não duvidamos que, adimistrando
um estábulo nosso pedagogo zoologista poderia criar novas espécies de
cavalos ou vacas, espécies de animais “bons e dóceis”, mas quando ele
tenta, por meios zoológicos, reformar a sociedade humana, somente
podemos responder com um grito de indignação: abaixo às mãos!21

A crítica foi posteriomente respondida por Robin, no número seguinte da revista,


argumentando que seguiria desenvolvendo suas análises e teorias sobre educação integral, o
que representa o importante espaço aberto pela Revue na criação de debates, reflexões,
permitindo a percepção das contradições dos próprios autores. Referências como Paul Robin
são certamente inalienáveis do plano da educação integral e da educação libertária, mas
seguramente passíveis de contradições e problemáticas a serem compreendidas. A questão da
classificação moral e biológica das crianças, como prática científica presente na organização da
Pedagogia, nesta época, como se demonstrou com as análises de Clemence Jacquinet,
representa um ponto a ser tratado em relação aos limites entre a ciência, seus caminhos
empíricos e a Pedagogia. Tais discussões reverberaram gradativamente no que poderia
constituir a noção de educação racional, no plano da ciência. Além disso, a noção de educação
natural, muito trabalhada por Elslander, é também muito relacionada ao racionalismo libertário e
à educação integral.
Outro número da revista (Ano I, nº7, 15/10/1908) divulgou um longo texto de J-F.
Elslander intitulado Um plan d’éducation rationelle. O texto trouxe a seguinte questão: a
21
M. Robin base l’education sur des príncipes zoologiques. La ruche est pour lui l’ideal de la societé humaine. Nous
ne doutons guére qu’en adminstrant une écurie ou une basse-cour, notre pedagogue zoologiste puisse créer de
nouvelles especés de chevaux ou de vaches, especes d’animaux “bons et dociles”; mais lorsqu’il essayé, par de
moyens zoologiques, de reformer la societé humaine, nous ne pouvons que lui répondre par un cri d’indignation: A
bas les mains!

192
educação racional deveria promover um trabalho qualitativo comparável ao que se impunha
ordinariamente às crianças, mas que, em lugar de adestrá-las por meio de uma ginástica
intelectual, forneceria à sua inteligência os alimentos que ela reclama. Com este objetivo,
Elslander apresentou, neste texto, um programa repleto de informações, direcionando-se a uma
organização curricular que orienta bases e conteúdos a serem trabalhados pela educação
racional, definindo assim um “schéma d’um programme rationnel”. O programa tem por base a
divisão em primeira educação e segunda educação e a definição dos meios nos quais elas
deveriam se realizar: meio natural e meio da atividade. O primeiro centrado no contato com a
natureza e a subsistência humana, no que Elslander concebeu como contato com a vida rural. O
segundo, meio da atividade, centrado nos jogos e no trabalho. Com estes dois eixos o autor
elencou os conhecimentos a serem adquiridos pela criança no curso da primeira infância. Ele
estebeleceu uma interessante relação entre meio, cultura e trabalho, relacionados à susbistência
humana e à transformação do ambiente. Sugere, por exemplo, como conhecimentos
relacionados ao meio natural: o reconhecimento das partes externas do corpo; os animais
domésticos; as plantas; os minerais; as indústrias primitivas – ligadas a vida rural, como a
produção de leite, de queijos -; a geografia; a física e os fenômenos naturais. E no que se refere
ao meio de atividades: ginática natural; jogos; trabalho. A segunda educação é direcionada a
outras bases formativas: a exploração (do espaço social); o trabalho e as artes (trabalho
mecânico e metódico; artes: desenho pintura, escultura, música); e jogos e festas. O método
geral consiste em trabalhar com as crianças a exploração do meio, que pode oferecer elementos
de estudo e observação. As crianças se organizam pouco a pouco em grupos e se iniciam em
um novo modo de aquisição: aprendem a se interessar, pesquisar e descobrir: “regiões, cidades,
fábricas, pedreiras, minas, museus, jardins zoológicos, jardins botânicos, exposições, etc.” O
professor, define Elslander, deve apresentar uma postura mais ativa, dirigindo as pesquisas,
conduzindo os trabalhos de exploração e fazendo intervir o livro, a imagem o documento. O
professor deve colocar em evidência os pontos a serem perfeccionados, associando sem cessar
os novos conhecimentos àqueles já adquiridos, estabelecendo formas de abstrações complexas.
No desenvolvimento do texto, o autor arrola os conhecimentos relacionados a cada base
formativa da segunda educação, compondo um detalhado programa voltado à educação
racionalista e integral. Este é um ponto fundamental a ser evidenciado pela proposta de
Elslander: trata-se de um programa de educação integral. Com isto, pode-se notar que a
educação racionalista, além de fundada sobre bases científicas e concebida no âmbito das
classes sociais populares, tinha por base a educação integral, idealizada em diferentes
193
propostas. E acrescenta-se a questão do ambiente e da natureza como elemento central às
discussões efetuadas por Elslander, e por outros autores como A. Pratelle, que publicou o texto
L’education par le ambience, na Revue de 15/08/1908, Ano I, nº5:

Le premier effort de l’ecole devrait étre uniquement d’enseignemen t à vivre.


L’education par l’ambience (nature study) a pour but de déveloper chez
l’enfant l’interet inné en lui envers lui-même et envers ce qui l’entoure. La
meilleure methode d’education à l’egard des petits consistera d’abord à
guider leurs sentiments personnels, virtualites et tendences. On n’annihile
pas inpunement les adaptabilities de l’homme de demain. Sans diretion ni
boussole, as petit personnalite se developperá en energies savauges,
desordonées et stériles.

Na linha do nature study, Elslander publicou o artigo L’education naturelle (Ano I, nº1;
15/04/1908), no qual apresentou questões como: a problematização entre natureza e sociedade
e a formação do homem natural e do homem social. Elslander analisou esta relação tomando
como elementos de oposição os meios e métodos pedagógicos chamados artificiais, ou seja,
aqueles direcionados às necessidades criadas por mecanismos sociais. Em primeiro plano, o
autor apontou aspectos do desenvolvimento da criança pautados na ideia de evolução
filogenética e ontogenética. Iniciou o texto dizendo que “a vida da criança é uma reconstituição
acelerada da evolução humana. No curso da infância se realiza um fenômeno análogo ao do
desenvolvimento do embião no ovo”. E vinculou o papel da escola ao processo de maturação da
criança, de modo que, como instituição constituída pelas necessidades sociais humanas, deveria
corresponder aos elementos que naturalmente agem no desenvolvimento dela: “a criança, como
o germem dispõe de recursos espontâneos, de necessidades vitais cujas manifestações ocorrem
em uma ordem normal, às quais deve simplemente prover a escola, do mesmo modo que as
reservas alimentícias do ovo provêm às do germem.” Com esta consideração, o autor traçou o
que compreende pela função da escola. Ao educador, por sua vez, cabe “conhecer esta ordem e,
conforme sua intervenção, subsidiar a criança dos elementos da vida e do desenvolvimento que
lhe são necessários”. Acrescentou que a história da humanidade constitui o grande guia da
criança, que deve, com a ajuda dos mais adultos e experientes, reviver a luta do homem – a
conquista da natureza pelo trabalho, que leva à emancipação e ao aperfeiçoamento da
existência humana.
Neste texto, Elslander retoma o meio da natureza e o meio da atividade como elementos
formadores da criança. Acrescenta que o meio da natureza corresponde ao espaço físico e
visualmente natural, definido como “escola-granja”, no qual a criança estabelecerá contato com a

194
vida vegetal e animal, os tempos e os espaços naturais, mediados pelo professor, e
compreenderá também as formas de relação e transformação que as atividades humanas
exercem neste espaço. Trata-se do aprendizado construído por meio da observação, das ações
espontâneas, da curiosidade, da memorização livre e também da compreensão do sentido desta
memória na história da relação entre homem e natureza. São dispensados, portanto exercícios
de memorização pela repetição, pela assilimação de significantes e de elementos contrários ao
entendimento natural da existência da vida, que se factua espontaneamente com suas regras e
características particulares e positivamente intransponíveis. O saber assimilado pelo mundo da
necessidade, dos sentidos e da observação, segundo ditames que pretendem o
desenvolvimento íntegro desta criança seria o objetivo almejado pela prática educativa, nesta
perspectiva. Seguindo esta proposta, com expressões muito diretas, que parecem querer trazer
o leitor a uma constatação quase óbvia, Elslander coloca:

Estas observaciones tan fáciles de hacer deberían convencer a los


pedagogos de la inutilidad de su enseñanza. El niño, tan hablador e tan vivo,
se vuelve mudo é inerte en cuanto se le somete á la disciplina de la lección:
no ve nada, no comprende nada, es incapaz de expresar la más pequeña
idea; admira realmente su impotencia á quienes desconozcan la causa de su
atonía intelectual. Y siendo así, ¿a qué obstinarse en tan inexplicable
método? Pero, decidme, ¿Qué puede hacer más que absurdos con unos
niños entre las cuatro paredes en una clase? Hay que ocuparles en algo, y
les enseñareis a leer, y lo es un nombre, un calificativo, un verbo; y haréis de
repetir hasta la saciedad: dos bolas y dos bolas son cuatro bolas; después
les hablareis vaca, haciendo notar gravemente que tiene cuernos y pezuñas;
a continuación, os esforzareis en hacerles comprender la duración de un
siglo… Y entre tanto la calle os envía irónicamente sus ruidos, que los niños
escuchan, y por ello les castigáis. Les castigáis porque os dicen: Esa lección
tan fea me fastidia! ¡Dejadnos ir allá abajo, donde hay tantas cosas que ver!
(Ano I, nº1; 15/04/1908).

O meio de atividade, acrescentou o autor, é constituido pelo trabalho e pela manipulação


da matéria, enquanto ações humanas de transformação da natureza. O aprendizado se dá pelas
atividades concretas, sustentadas pela razão imediata, pela compreensão das situações de
aprendizado que lhe são propostas pela experiência e não pela expressão de conteúdos
incorporados de maneira mecânica. O autor seguiu desenvolvendo uma crítica à forma como o
ensino é construído na visão mecânica: à criança, se impõe o trabalho, mas um trabalho cuja
utilidade ela não concebe nem tampouco vê seu objeto, e que, por tanto, não pode estimular sua
vontade; o trabalho é imposto por meio de subterfúgios que falseiam a energia ao invés de
exercitá-la: a violência, o castigo e a recompensa:

195
Os defeitos dos métodos atuais provem precisamente da falta de paciencia e
de confiança. Se recorre a meios artificiais para fazer mal e rápido o que a
natureza faria muito bem e lentamente. (…) Da harmonia entre os desejos
intelectuais da criança e a ciencia do educador debe resultar a ação rápida
da educação (Ano I, nº1; 15/04/1908).

Elslander considera que os métodos de ensino são negativos e não contribuem com a
educação da criança, na forma como a concebe, isto é, do ponto de vista do método natural.
Compreende os métodos da educação vigente são “métodos artificiais”, fundados em
necesidades e construção de relações mediadas por relações mecânicas:

Todo los que es enseñanza es contrario al método natural: en materia de


educación, no importante tanto el conocimiento como su modo de acquisito.
Y puesto que se admite que educar quiere decir, no según el sentido
etimológico, sino según el sentido lógico, comenzar de novo, rehacer una
evolución, es absolutamente necesario, para que la obra sea buena, que las
fases de esta evolución sean estrictamente reproducidas, con la aceleración
necesaria evidentemente, pero con su orden y con su misma significación
(Ano I, nº1; 15/04/1908).

Defendeu ainda que a educação deveria se dar por duas vias complementares: por
aquisição, na qual a criança aprende espontaneamente e o educador intervém renovando o
meio; por coordenação, que parte do adulto de acordo com as necessidades que se manifestam,
possibilitando a expansão do processo de aprendizagem. Na L’école seguinte (Ano I, nº2
15/05/1908), Elslander publicou Les modes d’acquisition des connaissances. Neste texto,
trabalhou com duas noções: a ordem cientifica e a ordem educativa. Fez uma teorização sobre
as formas de aquisição de conhecimento, seguindo a mesma lógica de diferenciação entre
educação natural e artificial, considerando a importância da memória das crianças e defendendo
um processo de construção do saber mediante o contato espontâneo e não diretivo com o meio.
Elslander pontuou que o professor deveria agir em momentos necessários, com base em seu
conhecimento científico, auxiliando no desenvolvimento da criança, tendo um papel de proteção
e intervenção.
O educador belga desenvolveu, assim, inúmeras análises sobre a formação integral e
natural da criança, muitas delas publicadas na Revue L’école Rénovée, mas também em livros
produzidos ao longo de sua vida. No livro A escola Nova, Elslander evocou a critica à escola
contemporânea de maneira muito contundente e também pertinente. A obra apresenta muitos

196
ecos da abordagem efetuada na Revista e no âmbito da Liga, o que configura um conjunto de
produção escrita sobre a questão educacional de riquíssimo aporte crítico e teórico:

El concepto general de la educación, tal como se realiza en nuestros días por


la enseñanza pública – lo mismo que por la enseñanza privada, salvo raras
excepciones – no difiere en nada del antiguo. En tiempos pasados, la razón
de existencia de la escuela consistía en el propósito de formar el niño para
una vida de dependencia física, intelectual y moral, que restringiera los
impulsos naturales hasta los límites fijados por mandato, adaptando las
fuerzas y las voluntades á una organización rigurosamente autoritaria. En
nuestros días tiene la escuela las mismas tendencias, únicamente se han
prolongado los limites. (…) basta recordar los anos de nuestra infancia para
comprender que no ha cambiado los principios de la educación: esos
cuarteles donde todo está militarmente acompasado, donde se ve la actividad
física de los niños reducida a lo estrictamente necesario, la actividad
intelectual contenida y determinada por una influencia exterior todopoderosa
y abolida toda espontaneidad moral, denuncian claramente el objeto de
formación que en ellos se pretende alcanzar. Casa feas, patios tristes, aulas
sucias, lecciones fastidiosas, trabajo desagradable, mandatos, castigo, etc…
(1908:6).

A crítica suscita também o desenvolvimento de conceitos, como a ideia de evolução,


abordada de maneira muito semelhante ao primeiro texto presente na Revista, ou seja, do ponto
de vista da evolução da vida na natureza; e também o conceito de autoridade, comprendido
como princípio de organização e de coesão da sociedade, cuja potência se afirma pela adesão
espontânea das vontades individuais ao estado social. Ele recupera o sentido positivo da noção
de autoridade: “o poder da autoridade deve residir íntegro em acordo da conciência humana e
das circunstâncias da vida social, tal é a condição natural da vida social, simples consequência
do modo de desenvolvimento do organismo” (idem:15). Mas para que esta relação se faça de
maneira coerente, a consciência humana deveria estar a par destas circunstâncias. Quando não
há condições para que tal consciência e circunstâncias do meio social sejam assimiladas e
compreendidas, a autoridade supre a espontaneidade normal pela coerção.
O livro desenvolveu um amplo Programa de educação racional, retomando conteúdos,
estabelecendo discussões profundas sobre o trabalho do professor e avaliação, que deveria ser
secundária em relação às das experiências que valorizassem a evolução da criança. Em outra
obra, intitulada L´enfance libérée, publicada mais tarde, em 1946, Elslander reiterou aspectos da
relação escola-sociedade, considerando o fato de que os métodos de ensino e o aprimoramento
da Pedagogia estão enraizados aos meios sociais que produzem as experiências educacionais,
sendo reflexo deles:

197
Os filósofos e pensadores de todos os tempos formulam, uns pela intuição,
outro após dados de ciência da vida humana, o melhores métodos de ensino
para as crianças. Mas eles se esqueceram de que o problema da educação
não pode ser separado de toda a organização social. (...) a educação das
crianças revela as leis da sociedade de que emana (1946:9)22

Esta observação de Elslander condiz com o que se pretendeu trabalhar nesta tese: o os
problemas da educação não podem ser separados de toda e qualquer forma de organização
social. Alguns anos após a diversidade de discussões vividas no âmbito da Liga Internacional
pela Educação Racional da Infância, Elslander manteve uma análise social da educação muito
atual em alguns aspectos e suas palavras inspiram um bom fechamento para esta tese.
A breve incursão sobre os escritos destes autores, por meio da Revue L´école Renovée,
e algumas de suas obras, possibilita a abertura de um campo ainda pouco lavrado e inspira
novos olhares contemporâneos para este momento que cursou a transformação da educação
“tradicional” em educação “nova”. Inúmeros foram os esforços e quase infinitas foram as
discussões motivadas também por objetivos e finalidades sociais e políticas também muito
distintas. Fatos que condizem com um ambiente de transformação da educação e da escola
heterogêneo e plural.

22
Les philosophes et penseurs de tous les temps ont formule, les uns par intuition, les autres d’après les données
des sciences de la vie humaine, les meilleures méthodes d’education des enfants. Mais ont oublié que le probléme
de l’education ne peut être sépare de celui de toute l’organization sociale.(…) l’education des enfants révèle des lois
de la société dont elle émane.

198
Considerações finais

O percurso desta pesquisa indica que: alcançar um possível final transparece algum
êxito quando se mantem aberta sua infinitude. Se somos finitos, o mesmo não procede em
relação aos nossos olhares sobre a realidade estudada; e com isto atravessamos um oceano por
muitos momentos intangível, aprisionante, mas enfim libertador.
Esta tese deixa seu fim aberto às possibilidades que o tema e os documentos oferecem.
Mesmo porque, a pesquisa não tinha o propósito de esgotar ou calar os documentos, mas sim
de pô-los a dizer. E o que se conclui é que estes documentos ainda têm muito a se interrogar e
dizer. Primeiro porque há muito o que investigar, diante da imensidão que desvelam, e também
porque abordam questões candentes ainda nos dias de hoje.
A educação racionalista libertária vislumbrou o progresso da sociedade, regulado por
valores morais e pela ética anarquista, perceptíveis na maioria das práticas sociais e sujeitos
articulados a esta proposta de transformação educacional. A ética anarquista representa,
portanto, a principal forma de conceber a razão e o racionalismo, em confronto com as
concepções racionais que regiam a sociedade moderna e a escola ordinária. Nesse sentido,
conceber a educação sob este prisma consiste em conceber a sociedade sob uma nova ética.
A produção teórica e as experiências dos educadores aquí evocados representam um
contexto educacional que requer investigações pormenorizadas em suas diversas frentes, como
é o caso dos estudos de JF. Elslander e Clemence Jacquinet. Estes educadores, além de serem
muito atuantes no racionalismo libertário, produziram obras com significativo sentido histórico e
pedagógico, que incoporam muitas das vozes pela transformação da escola. Destaca-se a
importância de se preencher os vazios (as famosas lacunas, ausências) por meio da localização
dos interlocutores e recomposição destas redes sociais, que antagonizavam o campo
educacional da época. Desvelar as problemáticas do campo educacional, bem como sua
alinearidade do ponto de vista da evolução (epistemológica, metodológica, teórico-prática)
permite compreender as construções do sentido histórico da educação. Os antagonismos e
contradições estão profundamente situados no âmbito do conflito social e da luta de classes,
realidades muitas vezes minguadas por metodologías de pesquisa educacional. “Bordar o olho
do santo”23, pode ser um recurso importante e produtor de saberes valiosos sobre a educação e
a escola, mas a grande malha da luta social mantem fios emaranhados em momentos diversos

23
Alegoria acciolyana.
199
da história da educação. Desemaranhar e evidenciar a posição do conflito é trabalhar com a
dimensão social e política da escola e da educação. Mesmo porque se a escola não trata de
questões apartadas da vida social, é porque ela é umas das instituições que problematizam os
meios de transformação da realidade. Esta tese considera que concepções históricas como a
Escola Nova - a escola liberal que se tornou hegemônica nas sociedades ocidentais e possui
investidas historiográficas muito sólidas -, se fez em um terreno de debates, interlocuções e
disputas diretas ou indiretas sobre como e para que transformar a escola. As experiências e os
educadores aqui evidenciados representam um campo de interlocução e antagonismo em
relação aos reformadores liberais da educação, assim como aos conservadores e confessionais.
O percurso da história da educação demonstra trajetos de evolução e involução da escola no
âmbito das ações pela sua transformação, sejam motivados por demandas da sociedade, sejam
por oposição à sociedade. Assim, cada vez mais se torna necessária a compreensão das
mudanças da instituição escolar nos últimos tempos, sobretudo pelos novos sentidos que a
contemporaneidade suscita à mudança. E as posibilidades de mudança ainda, nos días de hoje,
tangenciam entre o que representa a reforma e o que representa a transformação e a revolução
das práticas e conhecimentos que sustentam a instituição escolar. A educação racionalista
libertária é um campo educacional muito rico e repleto inovações pedagógicas. Tal riqueza não
se encerrou no exercício de antagonismo político à escola cívica ou confessional. Ela
representou antes a abertura das reflexões e práticas da educação e da pedagogia a propostas
modernas de formação escolar, expondo as potencialidades da escola a partir das diretrizes e
objetivos libertários. O maior êxito deste processo é promover práticas educacionais e escolares
radicalmente diferentes e antagônicas. Considerando a fragilidade do tempo na transformação
da escola, questionar as formas de promover educação continua sendo necessário inclusive aos
dias de hoje.
A Revue L’Ecole Renóvée trouxe em todos os números de seu primeiro ano a seguinte
epígrafe, que encerra este estudo: “L'Education des enfants ne doit pas être laissée à la seule
influence de l'école; elle sera une œuvre harmousieuse due aux soins intelligents de tous ceux
qui les aiment”.

200
Referências

Periódicos
Boletín de la Escuela Moderna
Revue L´école Rénovée

Bibliotecas e Centros de Documentação:


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Cedem – Centro de Documentação – UNESP.
Centro de Memória da Educação – CME - FEUSP
Federación Libertária Argentina – Buenos Aires.
Biblioteca Nacional de Los Maestros – Buenos Aires.
Fundació Ferrer i Guardia – Barcelona.
Ateneo Enciclopedic Popular – Barcelona.
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