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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
São Paulo
2014
LUCIANA ELIZA DOS SANTOS
Orientadora:
Profa.Dra. Carmen Sylvia Vidigal Moraes
São Paulo
2014
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Aprovada em:
Banca Examinadora
À Profa. Camen Sylvia Vidigal Moraes, pela oportunidade de viver esta trajetória tão importante para
minha formação acadêmica e humana!
À Profa. Doris Accioly e Silva, pelas infinitas lições de carinho e sabedoria para toda a vida!
Ao Prof. Pere Solá, pela gentileza de me ensinar milhares de coisas em sua adorável terra!
À Profa. Cecília pelas conversas sobre educação democrática;
A Todos da Biblioteca Terra Livre, pela divulgação e partilha da prática anarquista, especialmente Rodrigo
Rosa e Adriano Skoda, pelos materiais e livros raríssimos;
Todas e todos do Programa da Feusp, pela compreensão e bons momentos formativos, às amigas Jany,
Sandra, Glória, Pri e Tati!
Aos Colegas da Escuela Libre Paideia, pela oportunidade única de conhecer esta escola!
Fundació Ferrer i Guardia, pelo belo trabalho e apoio aos pesquisadores; em especial Eduardo;
Aos colegas do Ateneu Enciclopedic Popular, pela recepção e apoio à pesquisa;
Ao IIEP e ao Neto, pela aproximação prática ao tema trabalho;
Ao parceiro único de café e resumo!
Agradeço a minha linda e amada Yara, que está sempre do meu lado e que, sem escolher, acabou
vivendo comigo essa maratona interminável!!!
À Querida tia Helena, que sempre tem grandes lições de vida para nos dar e a quem devo este trabalho!
Ao querido Pai Sr. Anselmo, irmãos Alexandre e Claudio, cunhadas Leilane e Mariana e lindos
sobrinho(a)s bebês Moisés, Alice, Ravi, pelo apoio da vida...
À Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Educação, pelos anos que abrigou minha vida e da
vida da minha filha.
Às agências: Cnpq e Capes, que subsidiaram esta pesquisa.
SANTOS, Luciana Eliza dos. A educação libertária e o extraordinário: traços de uma pedagogia
(r)evolucionária / Tese de doutorado. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
São Paulo: 2014.
Resumo:
Esta tese busca expor e tecer ideias pedagógicas oriundas do movimento educacional
racionalista libertário europeu, ocorrido entre final do século XIX e início do XX. Este movimento
configurou uma rede social que colocou em questão padrões de educação, civilidade, infância,
modernidade e possibilitou a concretização de experiências educacionais antagônicas à escola
ordinária. Estes acontecimentos somam um rico conjunto de teorias, práticas pedagógicas e
pontos de vista sobre o sentido da educação na sociedade. O foco irradiador do trabalho está na
região da Catalunha/Espanha. A tese revisita a experiência da Escola Moderna de Barcelona e
sua extensão via atuação política de Francisco Ferrer i Guardia e do grupo social e político
internacionalista, com o qual se articulou. A base documental da pesquisa consiste em dois
periódicos relacionados diretamente ao racionalismo libertário: o Boletim de la Escuela Moderna
e a Revue L'École Rénovée; produzidos no âmbito da Escola Moderna de Barcelona e da Liga
Internacional da Educação Racional da Infância. Tais espaços educacionais, sociais e
intelectuais foram inéditos ao se fundamentarem no processo de (r)evolução da educação,
constituindo bases pedagógicas que questionaram a organização escolar e indicaram caminhos
para sua ressignificação.
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SANTOS, Luciana Eliza dos. Libertarian education and the extraordinary: traits of pedagogy (r)
evolutionary. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo: 2014.
Abstract:
This thesis seeks to expose and make remarks to a few of the pedagogical ideas dating back of
the rationalist European libertarian educational movement that occurred between the late
nineteenth and early twentieth centuries. This movement has configured a social network that has
raised the issue standards of education, civility, childhood, modernity and facilitated the execution
of antagonistic educational experiences to ordinary school. These events add up to a rich set of
theories, pedagogical practices and views on the meaning of education in society. The irradiator
focus of the study is in the Catalonia / Spain region. This thesis revisits the experience of Modern
School in Barcelona and its extension via political action of Francisco Ferrer i Guardia and
internationalist political and social group, with which he articulated. The documentary evidence
base for the research consists of two journals related directly to libertarian rationalism: Bulletin de
la Escuela Moderna and Revue L'École rénovée; produced under the Modern School in
Barcelona and the International League of Rational Education of Children. Such educational,
social and intellectual spaces were unprecedented when they were to be based on the (r)
evolution of the education process, constituting pedagogical bases that placed in question the
organization of the school and indicated path to overcome it.
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Sumário
Apresentação ........................................................................................................................................12
Capítulo I ..............................................................................................................................................20
O movimento educacional racionalista e a Escola Moderna de Barcelona: práticas modernas de
educação ..............................................................................................................................................20
O movimento educacional racionalista libertário .......................................................................................28
Elisée Reclus ........................................................................................................................................28
A Associação Internacional dos Trabalhadores e a educação ...................................................................34
A emancipação dos trabalhadores só pode ser obra dos próprios trabalhadores: ........................................40
Racionalismo e livre pensamento ............................................................................................................44
Algumas razões do racionalismo educacional libertário: ............................................................................46
Racionalismo, anarquismo e transformação educacional ..........................................................................56
Francisco Ferrer i Guardia ......................................................................................................................67
Do Cárcel Modelo de Madrid ..................................................................................................................72
Capítulo II .............................................................................................................................................81
A Escola Moderna de Barcelona: ............................................................................................................82
Alguns aspectos teórico-práticos da Escola Moderna de Barcelona ...........................................................84
Questões educacionais e pedagógicas no Boletín de La Escuela Moderna ...............................................105
A concepção de Clemence Jacquinet e o Boletín de la Escuela Moderna ................................................. 115
Capítulo III ..........................................................................................................................................162
La Ligue Internationale pour l’Education Rationelle de L’Enfance .............................................................162
A Liga Internacional pela Educação Racional da Infância ........................................................................163
As palavras em exercício: a Revue L’École Rénovée .............................................................................167
Traços do racionalismo libertário na Revue L’école Rénovée ...................................................................189
Considerações finais ............................................................................................................................199
Referências.........................................................................................................................................201
10
Indice de Imagens (anexos)
11
Apresentação
A educação não tem valor, nem mesmo sentido, senão sob a condição de servir na vida
após a saída da escola, e continuar-se pela manutenção e pelo progresso das forças intelectuais.
- Elisée Reclus
12
políticos ocorridos ao longo da história.
Neste ir e vir, a concepção progressista e reformista das tendências pedagógicas que se
tornaram preponderantes na sociedade foi assimilada pelo discurso histórico formal por meio da
figuração de antinomias, como antigo-moderno; tradição-progresso; confessional-laico. O
constante confronto interno destes pares revela a complexidade das correntes pedagógicas e
das práticas escolares permeadas também por novas conexões e sobrevivências de referências.
O dinamismo dos processos de mudança educacional é, portanto, expresso por certas
construções semânticas, como as ideias de progresso, renovação, evolução, involução,
revolução, que trazem contradições em si mesmas, no afã de constituir o chamado novo homem
e a nova educação, entre finais do século XIX e início do XX.
O movimento educacional racionalista libertário pode ser compreendido como o conjunto
de experiências pedagógicas vinculadas às lutas sociais que compuseram o cenário europeu,
entre os anos de 1890 e 1920. Este movimento é simultaneamente causa e efeito da trajetória da
Escola Moderna de Barcelona, criada pelo educador catalão Francesc Ferrer i Guardia, em
contato com grupos sociais adeptos de orientações políticas como o anarquismo e o
republicanismo, como se verá adiante. Esse momento foi marcado pelo entrecruzamento e
conflito de correntes políticas, com destacada oposição ao clericalismo, à monarquia, ao civismo
e ao nacionalismo conservadores e ao estatismo. Abrigou a gradativa elevação de uma rede
social voltada para a transformação da educação escolar ordinária, engajada ao objetivo de
promover conquistas sociais mais abrangentes.
A educação, neste período, refletiu os avanços e recuos das formas predominantes de
organização social, assim como os antagonismos e anseios por mudança. Considerando o
objetivo de transformar a realidade social, a educação racionalista libertária é aqui entendida
como práxis educacional extraordinária, ou seja, oposta e antagônica àquela estrutura
educacional replicável e articulada à formação ideológica do consenso. Não se trata de uma
proposta educacional alternativa ou opcional, mas daquela que nega às práticas educacionais
ordinárias, pertencentes à ordem normativa dominante. A educação libertária abre um campo de
práticas educativas organicamente articuladas, efetuando o papel de recriação e (r)evolução das
práticas sociais fundadas (na) e fundadoras da educação.
Nesse sentido, o racionalismo pedagógico se originou da articulação entre educação,
escola e movimentos de luta social. Os traços éticos e políticos, bem como as concepções
educacionais da Escola Moderna de Barcelona povoam a principal fonte documental gerada pela
instituição, o Boletim de la Escuela Moderna e a Revue École Rénovée, oriunda da Liga
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Internacional da Educação Racional da Infância, que são objeto deste estudo. Estes traços
exprimem fortes afinidades com o ideário anarquista, que caracterizou de maneira substancial a
corrente racionalista libertária. A aposta teórica escolhida por esta pesquisa para compreender o
racionalismo libertário tem como ponto de partida algumas concepções do geógrafo e militante
anarquista Elisée Reclus, que tratam dos sentidos do processo de mudança e transformação da
sociedade, em seu percurso histórico. No livro A Evolução, a Revolução e o Ideal Anarquista
(2002), Reclus desenvolve conceitos fundamentais a esta discussão, como a relação de
simultaneidade entre progresso-retrocesso e complementariedade entre evolução-revolução, e a
questionável atribuição da ideia de progresso a certos eventos e momentos históricos. Esta
compreensão propõe uma importante leitura de grandes marcas temporais da história:
Elisée Reclus critica a forma como a sociedade moderna promulga e legitima, por meio
de mecanismos de governo, como o Estado e as leis, as verdades que sustentam a ciência e a
história: “queremos saber; não admitamos que a ciência seja um privilégio”, defende. O
questionamento reclusiano se direciona às acepções das palavras evolução, revolução e
progresso, presentes nos discursos históricos e impregnadas de elementos positivistas e
darwinistas. Em primeiro lugar, os conceitos de evolução e revolução, que são comumente
empregados como oposição (evolução como desenvolvimento gradual de ideias e costumes, e
revolução como mudança brusca, geralmente antagônica, da e na sociedade) são tomados por
Reclus como fenômenos mutuamente relacionados e complementares:
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denominados revoluções: astronômicas, geológicas ou políticas? Vibrações
quase insensíveis, aparências, poder-se-ia dizer. É por miríades e miríades
que as revoluções se sucedem na evolução universal; mas por mínimas que
sejam, elas fazem parte deste movimento infinito (idem:23).
Pode-se dizer, assim, que a evolução e a revolução são dois atos sucessivos
de um mesmo fenômeno, a evolução precedendo a revolução, e esta
precedendo uma nova evolução, mãe de revoluções futuras. Pode acontecer
uma mudança sem provocar repentinos deslocamentos de equilíbrio da vida?
A Revolução não deve necessariamente suceder à evolução, assim como o
ato sucede à vontade de agir? Uma e outra só diferem pela época de seu
aparecimento. Quando um deslizamento obstrui um rio, as águas acumulam-
se pouco a pouco até o alto do obstáculo, e um lago se forma por uma lenta
evolução; em seguida, repentinamente, produz-se uma infiltração no dique, e
a queda de uma pedra provocará o cataclismo: a barragem será
violentamente arrastada e o lago esvaziado voltará a ser rio. Assim ocorrerá
uma lenta evolução terrestre (idem:25).
1
Termo recorrente na Teoria da complexidade, especialmente na obra de Edgar Morin.
16
A seleção das fontes primárias desta pesquisa buscou evidenciar algumas bases
teóricas e práticas presentes na Escola Moderna de Barcelona, reveladoras de sua singularidade
e da amplitude do movimento educacional racionalista libertário, dentro e fora da Espanha. O
período de análise (1890-1920) limita-se aos momentos anteriores à Escola Moderna de
Barcelona e os posteriores à morte de Ferrer, que testemunham o eco de sua obra em outros
países da Europa e das Américas. Assim, a pesquisa abrange acontecimentos que formaram
este movimento, como as discussões sobre educação ocorridas nos congressos da Associação
Internacional dos Trabalhadores (AIT) e a constituição da ideia de racionalismo. Com o intuito de
interrogar e relacionar sentidos pedagógicos das experiências das Escolas Modernas,
selecionou-se as fontes primárias seguintes: (1) série documental do Boletín de La Escuela
Moderna de Barcelona; (2) livros produzidos pelo editorial Biblioteca Escola Moderna de
Barcelona; (3) documentos pessoais de Francisco Ferrer i Guardia, como correspondências e
testamento; (4) parte da série documental da Revue Ècole Rènovèe.
Como proposta de análise e interpretação das fontes, este trabalho apresenta uma
composição de textos, oriundos principalmente do Boletín e da Revue Ècole Rènovèe, que
tratam das temáticas da educação racionalista libertária. Considerando o difícil acesso às
fontes2, sobretudo em pesquisas brasileiras, optou-se por reproduzir alguns excertos, o que
permite ao leitor acesso direto aos enunciados das fontes, e não somente considerações
secundárias. Motivada pela importância do tema e pela rara frequência com que ele é focalizado
na academia, a pesquisa apresenta esta composição de textos como base informativa e
analítica. Baseando-se em referências teórico-metodológicas de valor intransponível, como a
sempre revisitada herança de Marc Bloch, as fontes serão aqui tomadas como documentos a
serem interrogados, de modo que as perguntas dinamizam a análise do documento. Esta,
pautada no exercício de discriminação, separação e classificação os objetos sobre os quais ela
opera, já se inicia no ato mesmo de selecionar um documento:
2
Há alguns fatores que desencadeiam esta afirmação: 1 – acesso restrito às fontes: o Boletín de La Escuela
Moderna tem sua série integral na Fundació Francisco Ferrer, Barcelona, em meio impresso. A série completa da
Revue l’école rénovée está na Biblioteca Nacional da França, em micro-fichas. Através da Biblioteca Terra Livre, de
São Paulo, também é possível acessar alguns documentos, a partir da pesquisa de Rodrigo Rosa da Silva. 2- o
reconhecimento dos temas educação libertária e história do anarquismo é recente na academia. 3- eliminação das
fontes: é histórico o processo de repressão ao movimento anarquista e às suas principais fontes documentais. Na
Espanha, há grande produção acadêmica sobre o Boletim da Escola Moderna, ao passo que a Revue l’école
rénovée ainda carece de estudos mais aprofundados, conforme foi possível concluir por meio desta pesquisa. Os
trabalhos referentes a ambas as fontes serão mencionados no decorrer do texto.
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documentos e os motivos que tornam esses documentos desejáveis, nada
há, em geral, de comum: é o elemento irracional, impossível de eliminar, que
confere a nossas pesquisas um pouco desse trágico interior em que tantas
obras do espírito veem talvez, com seus limites, uma das razões secretas de
sua sedução (idem:85). (...)
A escolha e triagem das fontes desta pesquisa foram direcionadas pelo objetivo de
explicitar as falas, discursos e práticas que expressassem o caráter teórico-prático da educação
racionalista libertária. O trabalho com periódicos, iluminador do cotidiano e possível instrumento
de consolidação das concepções pedagógicas no dinamismo da vida social, pareceu o caminho
interrogativo e analítico mais frutífero.
A obra de Marc Bloch, O Ofício do Historiador, suscita interesse não só pelas
circunstâncias em que o autor fez suas últimas reflexões sobre a história, ou seja, vivendo a
história da repressão nazista em seu país e as tragédias da 2ª Guerra Mundial, mas também
pela sua importância na renovação da teoria da história, com a Escola dos Annales. O trabalho
de Marc Bloch abraça o “método regressivo”, centrado nas temáticas contemporâneas que
refletem sobre o significado do ‘retorno ao passado’. A apreensão da história se dá com base no
que é vivo e perpétuo no contato com o presente, dando assim sentido aos estudos histórico-
comparativos:
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práticas pedagógicas quanto pela formação de indivíduos autônomos, reflexivos e
transformadores. Muitos dos imperativos sociais e econômicos que instrumentalizaram a escola,
há cem anos, hoje se encontram ou aprimorados ou obsoletos, mas continuam provocando o
desejo de transformação. Percebe-se que a concepção linear de evolução e de progresso
escolar, inerente ao pragmatismo pedagógico e à escola funcionalista, é impermeável à real
transformação da sociedade e da escola. Supõe-se que esta transformação é muito mais
sinuosa e marcada por avanços e recuos do que pode explicitar a construção discursiva sobre o
progresso de uma civilização.
Para a reflexão desenvolvida nesta pesquisa, os textos extraídos das fontes referentes
às Escolas Modernas e à Liga Internacional para Educação Racional da Infância estão
articulados, analisados e organizados com base em três eixos, que constituem os três capítulos
da tese: O movimento educacional racionalista e a Escola Moderna de Barcelona; O Boletín de
la Escuela Moderna, A Revue L’École Renovée. Estes eixos estão assim ordenados com o intuito
de apreender as questões emanadas das fontes primárias.
Ao traçar este percurso, a tese busca contribuir para a discussão sobre certos rumos
conservadores e reformistas da educação e da escolarização, trazendo à cena as lutas sociais e
educacionais opostas à construção instrumental, linear e acrítica da escola contemporânea.
Busca-se também contribuir para novas leituras sobre os percursos de transformação da escola,
percebidos sob a ótica da recursividade, trazida por Elisée Reclus, na qual se pode ouvir a
multiplicidade de vozes que se interessaram pelo sentido da escola na formação social humana.
19
Capítulo I
20
No esperes nada de los demás, por muy hermosas que sean las cosas que ciertas personas poderosas y sabias
puedan ofrecerte: porque si dan, también esclavizan.
Lograr la concordia entre todos los hombres, el amor y la fraternidad, sin distinción de sexo ni clase: ésa es la gran
tarea de la humanidad.
No dejéis que los dioses y explotadores sigan siendo venerados o servidos, vivamos todos como buenos camaradas
con un afecto y respeto mutuos.
Como germe e como estímulo, seu papel foi e permanece capital. Antes do
desejo de conhecimento, o simples gosto; antes da obra de ciência,
plenamente consciente de seus fins, o instinto que leva a ela: a evolução de
nosso comportamento intelectual abunda em filiações desse tipo. Podemos
citar inclusive a física, cujos primeiros passos devem muito aos "gabinetes de
curiosidade". Vimos, do mesmo modo, as pequenas alegrias das
quinquilharias figurarem no berço de mais de uma orientação de estudos
que, pouco a pouco, se embebeu do sério. Tal a gênese da arqueologia e,
mais próximo de nós, do folclore. Os leitores de Alexandre Dumas talvez não
sejam mais do que historiadores em potencial, aos quais falta apenas terem
sido adestrados para se proporcionar um prazer puro e, para mim, mais
agudo: o da cor verdadeira. (2001:41).
Se por um lado, Marc Bloch alerta: “resguardemo-nos de retirar de nossa ciência sua
parte de poesia”; de outro, busca, tomando como epígrafe a pergunta de um escolar, a
21
legitimidade da história e do esforço intelectual. A resposta tem por base, certamente, muitas
críticas, sobretudo à história positivista e aos procedimentos e objetivos do ofício de historiador,
que opera na cristalização dos grandes eventos da humanidade. E o sentido de servir, não se
limita ao da utilidade, mas à servidão também. Com as reflexões do autor se pode notar que a
história serve ao o tempo, caracterizado como o continuum, mas também como a “perpétua
mudança” (idem:55). O conhecimento histórico tangencia entre os padrões operatórios da
ciência e os possíveis “instintos” que levam o pesquisador a construir sua investigação. Além do
tempo, a história serve também ao homem. A ideia do homem no tempo reverbera no objeto da
história: “por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou as máquinas,]
por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as instituições aparentemente mais
desligadas daqueles que as criaram, são os homens que a história quer capturar”. De modo que,
não efetuada tal captura, a história se resumiria à erudição.
A obra de Marc Bloch, oriunda dos momentos iniciais do movimento intitulado Escola dos
Annales, o qual partilha o papel de fundador com Lucien Febvre, efetua avanços teóricos
importantes no que diz respeito, entre outros aspectos, à forma como a história inscreve o
homem no tempo. A ideia da longa duração do tempo histórico, relacionada à apreensão das
mentalidades e dos estágios civilizatórios da humanidade e do diálogo com outras ciências,
como a geografia e as Ciências Sociais reverberou na problematização das formas de
composição dos múltiplos contextos históricos presentes no “concerto social”. Marc Bloch pontua
a noção de que este é feito de malhas, bem frouxas. Assim, considera:
23
contexto educacional, a tensão deste par nasce do deslocamento e da permanência de certos
sedimentos da educação medieva, fundada na escolástica e na cultura escolar que mais correu
o mundo ocidental com imperialismo cristão-jesuítico. É consenso que a educação talhada pelo
crivo cristão-católico criou raízes com práticas pedagógicas muito difundidas como o ensino
mútuo e a sistematização de uma estrutura curricular influente na história organização escolar, o
ratio studiorum. Com a modernidade, crescem os movimentos de tomada da educação como
instituição aberta à renovação e reforma de métodos, compatíveis à sociedade em progresso,
em relação a qual a matriz escolástica se tornou cada vez mais incompatível. Tal visão, revestida
por simulacros de progresso, se confunde com a mudança de paradigmas, mas carrega em sua
gênese a memória das marcas tradicionais-cristãs. Neste caso, pode-se dizer que o sentido
educacional definido como tradicional representa a forma escolar predominante no âmbito de um
dado contexto social, detentora dos modelos educacionais hegemonicamente legitimados, mas
que são revistos pela atribuição de novos sentidos. Assim, a renovação da educação, realizada
pela mudança de práticas e modelos educacionais, foi historicamente associada ao caráter
progressista e reformador, que visava ao aprimoramento e reforma de referências e práticas
pedagógicas. Um exemplo é o caso emblemático do pastor e reformador Jan Amos Komenský, o
Comenius, cuja célebre obra Didática Magna representou uma forma progressista e renovada de
conceber a educação e os grandes problemas epistemológicos contemporâneos do início da
modernidade. Comenius dialogou e combateu o padrão educacional jesuítico, promovendo
objetivos educacionais mais aproximados à difusão da educação entre todos e à aprimoração de
formas de ensinar mais abrangentes e efetivas. Nessa perspectiva, cravou no campo da
educação reflexões fundamentais à sua teorização enquanto área de conhecimento com
características particulares, embora mantivesse o crivo religioso em suas concepções
pedagógicas.
E ainda,
A noção de progresso, assim como evolução e revolução, foi muito bem trabalhada por
Elisée Reclus, na obra O homem e a Terra, publicada em Paris, em 1905. O ensaio chamado O
Progresso, corresponde ao capítulo XII, livro IV, volume VI da obra3. O artigo de Reclus é aberto
com a epígrafe: “o verdadeiro progresso é a conquista do Pão e da Instrução para todos os
homens”, e faz uma rica análise acerca da noção de progresso e suas acepções. Inicialmente,
3
A edição utilizada é oriunda do trabalho da Editora Imaginário e Expressão e Arte, que disponibilizou diversos
ensaios da obra.
25
esclarece a questão com a consideração de que “o termo progresso não tem absolutamente
significação, porquanto o mundo é infinito e, na imensidão sem limite, permanecemos sempre
igualmente afastados do começo e do fim”. Reclus demonstra que a palavra progresso deve ser
compreendida de maneira limitada, ao se considerar as variantes históricas que constituem as
transformações sociais, econômicas e morais. A noção de progresso parece constituir, ao se
refletir com Reclus, um conceito chave na superação de tendências que a sociedade busca
romper em dadas circunstâncias ou momentos históricos. Tal como a noção de civilização:
Reclus cita Leopold Von Ranke: “se houvesse progresso, diz o historiador pietista, os
homens, assegurados de uma melhoria de século em século, não estariam em dependência
direta da divindade”, ao rever o percurso da ideia de progresso em relação ao antagonismo
religioso. Para demonstrar como o progresso se movimenta de maneira recursiva, Reclus evoca
também Jean Jacques Rousseau, que dizia ser necessário retornar à natureza, numa época em
que sociólogos mais otimistas pensavam a Revolução Francesa como o signo do progresso. E
segue refletindo: “Em nossos dias, um movimento análogo de ‘retorno a natureza’ faz-se sentir e,
inclusive, de uma maneira mais séria do que no tempo de Rousseau” (idem:21). Mas, por fim,
Reclus define Progresso, com a seguinte percepção, dialogando com Kropotkin:
26
comuns a todos os povos; confunde-se com a solidariedade. De início, ele
deve visar à economia, bem diferente nisso da natureza primitiva, que
prodigaliza as sementes da vida com tão extraordinária abundância.
Atualmente, a sociedade ainda se encontra bem longe de ter alcançado esse
bom emprego das forças, sobretudo das forças humanas (idem:53).
Este breve percurso entre algumas considerações de Marc Bloch, Le Goff e Elisée
Reclus acerca do curso e do recurso da história são muito pertinentes ao tipo de leitura da
história educacional que se quer aqui efetuar. Uma vez que a educação racionalista libertária
busca a transformação da escola, vale destacar as problemáticas envolvidas nos processos de
mudança educacional ao longo da história. Esta discussão é realizada por Francisco Ferrer,
como se verá adiante, que explicita as diferenças qualitativas entre transformar a educação e a
sociedade com uma nova escola ou transformar a estrutura já existente.
27
O movimento educacional racionalista libertário
Que progresso é esse que, de uma faísca surgindo de uma pedra, apaga-se em seguida no ar frio!
Elisée Reclus
As escolas antiautoritárias mais emblemáticas foram criadas por educadores que, além
de colocar em prática uma pedagogia nova e transformadora, proporcionaram a reflexão sobre o
papel político educação na sociedade: Leon Tolstoi, com a Escola de Iasnaia Poliana (entre 1849
e 1886); Paul Robin, com o Orfanato Prévost, em Cempuis (1880-1894), Francisco Ferrer com
as escolas racionalistas (Escola Moderna de Barcelona, entre 1901 e 1906), Sebastian Faure,
com a escola La Ruche, em Rambouillet, região próxima a Paris (1904-1917). A existência
destas escolas atravessou um campo comum, não apenas em sentidos teóricos, mas nas idas e
vindas de seus sujeitos e autores e nas relações vividas por eles. Este campo comum é
apreensível pela a lente do presente, mediante a investigação dos diversos escritos que estes
educadores fizeram circular entre educadores, intelectuais, trabalhadores, homens e mulheres
motivados pela causa comum de transformar a sociedade pelo antiautoritarismo e pela
educação.
28
Sebastien Faure, que inclusive recebeu e utilizou na escola La Ruche materiais didáticos de
Cempuis, doados por Robin. A Liga Internacional da Educação Racional da Infância, fundada em
1908, foi um espaço que agregou além de Ferrer e Robin, cientistas e educadores de grande
importância como o matemático francês Charles-Ange Laisant, o belga Jean-François Elslander,
o inglês William Heaford, o italiano Guiseppe Sergi, e o suíço Henri Roorda Van Eysinga. Todos
eles assinaram inúmeros artigos sobre educação integral, renovação educacional, educação
laica, educação e trabalho, entre outros assuntos constantes na Revue L’Ecole Rénovée,
vinculada à Liga, editada em Bruxelas e Paris.
Estas escolas foram constituídas em nítida relação com as atividades políticas de seus
fundadores, o que confirma um exercício teórico-prático de transformação educacional, no qual a
visão anarquista ou encontrou forte eco ou foi central. As escolas racionalistas, originárias da
Espanha, eram uma proposta educacional crítica e fizeram parte de um movimento político e
social. O funcionamento de mais de uma centena de escolas racionalistas, naquele país, a partir
da primeira década do século XX, advém de um processo abrangente, personificado na figura do
pedagogo-mártir Francisco Ferrer i Guardia, criador da Escola Moderna de Barcelona. Estas
escolas constituíram juntamente com os ateneus, bibliotecas populares e sindicatos um
ambiente educativo que agregou homens e mulheres trabalhadores braçais e trabalhadores do
intelecto, com condições econômicas variadas. Há um texto clássico do Boletim da Escola
Moderna, o qual convida os intelectuais interessados em contribuir com a construção do
pensamento pedagógico racionalista:
Este convite fez parte de um conjunto de ações voltadas à formação de uma rede de
pessoas empenhadas com a educação racionalista. Algumas formas de associação foram
fundamentais ao movimento educacional racionalista, como a criação da “Casa Editorial
Publicaciones de la Escuela Moderna”, voltada à produção de livros sobre conhecimentos gerais
adequados ao projeto. O editorial agregou obras escritas por pessoas como Clemence
29
Jacquinet, Jean Grave, Paraf-Javal, Odón de Buen, Andrés Martínez Vargas, Élisée Reclus.
Estas obras tornaram-se referência nas escolas racionalistas da Espanha e de outras partes da
Europa e América, nas quais o movimento racionalista encontrou solo firme.
Francisco Ferrer i Guardia foi articulador e responsável por muitas ações centrais ao
movimento, o que lhe conferiu destaque no contexto educacional laico e racionalista da época.
Entretanto, este reconhecimento público de Ferrer foi resultado das afinidades políticas de um
grupo e não de episódios centralizados na ação de um mentor ou líder político. Se, por um lado,
a repressão ao movimento racionalista libertário se deu com a perseguição e assassinato legal
de Francisco Ferrer, em 1909 (fato que culminou na multiplicação de Escolas Modernas por
outras regiões do mundo, vinculadas principalmente ao movimento anarquista); por outro lado é
essencial considerar que se tratava de um grupo autogestionado e que, portanto, não funcionaria
mediante a autoridade de um líder revolucionário. Ferrer foi considerado responsável pela ação
direta de Mateo Morral, que em 1906, fez um ataque à bomba a carruagem nupcial de Alfonso
XIII, em Madrid, e pela Semana Trágica de Barcelona. Principalmente o segundo acontecimento
teve por base o associativismo revolucionário e insurrecional: “o porquê desta situação cabe
buscá-lo não só na precária vida da classe operária e no ódio que sentiam à burguesia, se não
também no espírito antimilitarista que se estava gestando desde os anos precedentes à
Primeira República (Marin, 2009, p.19)” espanhola. Trata-se de um levante popular, ao qual as
Escolas Modernas poderiam estar relacionadas apenas se considerado seu potencial processual
de transformação social. É muito significativo que um educador, que difundia a paz e a justiça,
tenha sido enviado à fortaleza de Montjuic como perigosa ameaça social e oficialmente morto.
31
políticas sociais de coação cultural e econômica. Dessa forma,
32
pautada no estudo da infância, com base na nascente psicologia e na vinculação direta do
desenvolvimento da criança às questões sociais. O pensamento reformista era negado pelo
racionalismo libertário. Experiências anteriores, tal como Cempuis que fora realizada em uma
escola pública, trouxeram referências teóricas fundamentais sobre educação libertária, mas a
autogestão destas escolas, como o faz Sebastian Faure, com a La Ruche, certamente é uma
questão decisiva à coerência com seus objetivos matriciais. Um fator de grande inovação nesse
sentido era a coeducação social, base do projeto de Francisco Ferrer, que propiciava a mescla
de filhos de operários e burgueses na “justa igualdade da infância” – quando ainda não
“deturpada pela perversidade da distinção de classe”. Esta mescla era uma proposta
incompatível à realidade escolar deste período, que era claramente cindida pela classe e pelo
gênero.
4
Sessenta trabalhadores parisienses firmaram e publicaram o Manifesto do Sessenta: “o sufrágio universal nos fez
maiores de idade politicamente, mas não faz falta, todavia, emanciparmo-nos socialmente. A liberdade que o
terceiro estado soube conquistar com tanto vigor e perseverança deve estender-se na França, país democrático, a
todos os cidadãos. Direito político igual supõe necessariamente um direito social igual.”
35
Marx, que esteve presente em Saint-Martin's Hall, participou do comitê de organização
escrevendo um manifesto inaugural da associação, de acordo com a teoria política que já havia
apresentado em seu Manifesto Comunista. Ao agregar trabalhadores de diversos países da
Europa, vinculados à organizações como a Associação para a Educação de Trabalhadores, de
Londres, chefes das Trade-Unions, adeptos de Garibaldi, de Blanqui, de Marx e de Proudhon, a
associação “logrou-se a transformar-se na representante da quase totalidade das organizações
independentes do movimento trabalhista na Europa e a levá-las todas a se darem as mãos numa
ampla cooperação e a discutirem seus objetivos e estratégias” (Abendroth, 1977: 37).
O primeiro congresso da AIT ocorreu em Genebra, setembro de 1866, com presença de
delegados de Londres e Paris. As discussões abarcaram temas como a soma de esforços na
luta entre o capital e o trabalho; o futuro das sociedades operárias, o trabalho cooperativo, os
impostos, o crédito internacional, os exércitos permanentes, a influência das ideias religiosas, o
estabelecimento de sociedades de socorro mútuo. Foi proposto que o conselho geral fizesse
uma estatística das condições de trabalho em diversos países com publicação de um boletim
mensal. O congresso defendeu também a necessidade de que as delegações e o conselho geral
da associação fossem compostos por trabalhadores manuais e não de pensamento.
Em 1867, no congresso de Lausane, foi eleita uma segunda comissão, cujas tendências
coletivistas antiestatistas, chamadas por seus simpatizantes de comunismo antiautoritário, se fez
maioria, assim como prevaleceram no congresso de Bruxelas, em 1868, do qual participou
Elisee Reclus. Um fator que marcou a segunda comissão dizia respeito às ideias sobre a
educação; ideias já postas por Varlin e Bourbon no congresso de Genebra, em um informe
agregado à memória da delegação parisiense da primeira comissão. Nesse contexto, foram
partilhadas visões distintas sobre o acesso à educação e seu papel na sociedade, o que
adentrava discussões referentes à liberdade de ensino, gratuidade e obrigatoriedade da oferta
educacional. Houve, assim, duas visões educacionais que se difundiram entre os
internacionalistas, se dividindo entre proudhonianos e comunistas antiautoritários. Aqueles de
tendência proudhoniana condenavam a submissão da família ao Estado na formação de seus
filhos. Assim,
36
obrigatória. Temiam que a educação pelo Estado atentasse contra a
independência da família e a autoridade paternal; compartiam da
desconfiança de Proudhon em relação ao Estado, temendo a formação de
homens em série, de 'automatas'” (Dolléans, 1957).
El encuentro entre los obreros y Proudhon fue algo natural; y por esa razón
Proudhon es grande. Ese campesino del Franc-Comté, que fue regente de
imprenta e empleado batelero de Lyon, en casa de los hermanos Gauthier,
encarna las cualidades más aleadas del pueblo campesino; obreros
sindicalistas y empleados de salario mediano se inculcan con él por la virtud
de su esfuerzo cotidiano. Proudhon comprendía a ese pueblo por instinto, no
tuvo en su vida entera más que una ambición: desembarazar de sus
sentimientos tumultuosos el pensamiento de esos “humildes” a los cuales
pertenece por su origen y por su corazón (idem, p. 256)
38
A I Internacional era de composição pluralista. Havia Marx e seus adeptos.
Bakunin defendia o coletivismo, em oposição ao estatismo, como proposta de
socialização. Proudhon, crítico violento da propriedade privada e do Estado
como defensor da mesma, pregava a revolução social e não a política, e ao
mesmo tempo, procurava um compromisso entre a propriedade individual e a
coletiva; propunha, também, a criação de um ‘banco do povo’ que oferecia
empréstimos a taxa de juros ínfimas e mantinha a ideia de haver
concorrência entre as cooperativas autônomas e o pequeno comércio
privado. Os adeptos de Proudhon foram recrutados mais entre os artesãos e
no pequeno comércio do que entre o proletariado das grandes unidades
industriais (Tragtenberg, 1986:19).
Para que isso ocorresse, era necessária a livre compreensão da educação como fator
decisivo para a libertação humana, e não consequência automática do processo da revolução
social. A educação seria a via que levaria à livre associação e solidariedade. Elisée Reclus abre
o quarto capitulo de seu livro A evolução, a revolução e o ideal anarquista com a seguinte
consideração:
42
se vulgarizarem estas noções, a Associação aumentará o seu poder, até o
dia em que não tenha mais senão querer, para estabelecer, quase sem
condições, a ordem social fundada na ciência, a qual aspira ardentemente
todo o coração apaixonado pela justiça.
Neste momento a educação integral estará já completamente organizada,
mas enquanto isto qualquer tentativa séria nesse sentido é o meio de
alcançar mais rapidamente o objetivo desejado.
No congresso de Lausane (1867), a Associação Internacional de
Trabalhadores incluiu entre os seus temas o da educação integral. No
congresso de Bruxelas (1868) foram apresentados estudos muito importantes
sobre este tema, em forma de comunicações. Não houve tempo para uma
discussão profunda, o que será feito no próximo congresso de Bâle. Isto nos
permite esperar que, dentro de poucos anos, esta ideia poderá ser posta em
prática com muita seriedade (Moriyón, 1989, p.90).
43
educacionais e neo-malthusianas. Neste período, ele também exerceu funções importantes,
contribuindo com o Dicionário de Pedagogia, de Ferdinand Buisson; também atuou como
inspetor de ensino durante um ano na cidade de Blois, até que em 1880 ocupou o cargo de
diretor do Orfanato Prévost, em Cempuis, no qual permaneceu até 1894. Por ocasião da
convocação para uma reunião pedagógica em 1893, Robin escreveu o Manifesto, sintetizando
suas principais ideias. A experiência de Paul Robin influencia notadamente a Ferrer i Guardia,
além de representar uma primeira sistematização de ideias e experiências educacionais
libertárias e integrais.
45
Algumas razões do racionalismo educacional libertário:
46
estudaram e analizaram as instituições políticas, religiosas, sociais e morais,
as submeteram a uma crítica implacável desde o ponto de vista da razão e
reclamaram uma mudança naquelas que a contrariavam. Em geral,
descobriram que os valores e as instituições tradicionais eram irracionais.
Isto somente era outra maneira de dizer que as instituições vigentes eram
contrárias a natureza do homem, e por tanto, inibiam seu crescimento e seu
desenvolvimento (...) por isso, esses pensadores fizeram uma guerra
constante ao irracional e à crítica se converteu na arma mais importante
(Zeitlin, 1968:13).
A abertura da razão para uma crítica epistemológica, fundada na relação entre realidade
e conhecimento, foi efetuada em abordagens como a obra de Kant, que indagou sobre as
condições do conhecimento e da normatividade, e, por conseguinte, dos limites da razão na
constituição do saber e normatização da vida humana. A ideia de razão sofre ainda
transformações fundamentais com a contribuição de Hegel que a concebeu como “essência em
continuo desenvolvimento; (...) o processo histórico é a manifestação do progressivo
desenvolvimento da razão nas diversas instituições sociais e culturais; e este desenvolvimento
se realiza de forma semelhante ao desenvolvimento do pensamento humano” (Zeitlin, idem, p.
47
52). Assim, com o idealismo, Hegel atribuiu à ideia de razão a perspectiva total do real, do
racional como o real, e relacionou tal processo à noção do desenvolvimento dinâmico e dialético,
o que configurou uma das suas mais fortes análises. Ao trabalhar com a ideia de
desenvolvimento dialético, Hegel expôs uma esfera de conflito no âmbito social, cujo
desenvolvimento em direção à liberdade depende da consciência e da vontade individual. O
movimento dialético seria o reconhecimento de que o desenvolvimento evolutivo da sociedade
estaria passível às mudanças qualitativas fundadas na negação ao status quo em processo
(idem, p.53).
No decorrer dos tempos, os debates da perspectiva dialética vão ser contrapostos por
visões conservadoras e adeptas de uma concepção consensual e orgânica do desenvolvimento
social, como é o caso de Comte, que defendeu uma filosofia positiva, cujo objetivo era conservar
o que era a sociedade do momento: a consolidação da nova ordem burguesa industrial. Ou
ainda Saint-Simon, que estabeleceu uma crítica à sociedade com viés transformador, na esteira
do romantismo conservador. É importante frisar a influência que Saint-Simon exerceu nas ideias
de Comte. Muitas defesas do positivismo, como o industrialismo e o internacionalismo já haviam
sido elaboradas por Saint-Simon. Para este, o desenvolvimento da sociedade se daria com a
substituição de certos elementos centrais à unidade social, como a Idade Média:
48
governamental e o industrial, que representaria a decadência do Estado. Um avanço importante
em sua análise consiste no reconhecimento do papel da indústria e suas consequências nas
relações sociais estabelecidas entre produtores e na organização da sociedade em sua
totalidade. A obra de Saint-Simon vai assim ocupar o importante lugar de impulsora de um forte
deslocamento de paradigmas e princípios da organização social, direcionando-se cada vez mais
ao predomínio do conhecimento científico em detrimento do dogmatismo religioso, e da
percepção do imane peso do industrialismo nas relações sociais. Ansart assinala que
Toda nova classe que toma o lugar de outra que dominava anteriormente é
obrigada, para atingir seus fins, a apresentar seus interesses como o
interesse comum de todos os membros da sociedade, quer dizer, expresso
de forma ideal: é obrigada a dar às suas ideias a forma da universalidade, a
apresentá-las como as únicas racionais, universalidades válidas (p.48).
Kropotkin concebeu o socialismo como ideal ético. Equacionou uma obra fundada na
ciência, observação e interpretação das relações entre os seres vivos e a natureza,
fundamentando sua teoria em diversas críticas ao darwinismo. Como se sabe, o questionamento
diante da relação entre ciência e poder econômico é ascendente no socialismo desta época.
Materialismo e cientificismo são, principalmente, formas de reação não só contra a religião, mas
também contra uma filosofia idealista posta a serviço das classes dominantes e do Estado
absolutista (Capelletti, 1978). Esse posicionamento é também declarado por Bakunin ao dizer
que “toda a história intelectual e moral, política e social da humanidade é um reflexo de sua
história econômica”. A ideia de razão associa-se visceralmente aos padrões éticos e morais
dominantes nas sociedades. Do ponto de vista do anarquismo, a (r)evolução e o progresso
social prevêm a transformação dos padrões éticos, propondo uma percepção radical da forma
como a sociedade é regida e conservada por estes padrões. Cabe aos indivíduos atuar em
oposição aos grandes pilares éticos e racionais que regem a vida social, uma vez compreendida
suas raízes e inspirações teóricas e políticas. Um dos pontos de partida desta percepção, sob a
visão anarquista, é que a finalidade da moral não pode ser transcendente, que dizer,
sobrenatural, como querem alguns idealistas; deve ser real. A satisfação moral deve ser
encontrada na vida e não fora dela. A vida material e cotidiana, pautada nas relações humanas a
priori, deve, portanto, preceder construções artificializadas pelo mundo social regido pelas
necessidades do capital. Dessa forma,
52
Na primeira metade do século XIX se iniciou, sob o nome de fourierismo,
owenismo, saint-simonismo, e mais tarde, socialismo e anarquismo
internacional, um vasto movimento que ainda que estando dirigido sobretudo
por princípios econômicos, foi também, em seu sentido mais profundo, uma
direção ética. Este movimento cuja importância é cada dia maior, tende, com
a ajuda dos trabalhadores de todos os países, não somente a revisar as
bases que em que se fundam todas as concepções morais, se não também a
reconstruir a vida de tal modo que se abram para a humanidade os caminhos
de uma nova moral. (...)
O escasso êxito dos sistemas éticos elaborados durante os últimos cem anos
constitui um indício de que o homem não se dá por satisfeito somente com a
explicação científico-natural da origem do sentimento moral. Reclama
também a justificação deste sentimento. Ao que os problemas morais se
referem não se conforma com o descobrimento de fontes do sentido moral e
das causas determinantes que influem sobre seu desenvolvimento e
refinamento. Este método basta para o estudo do desenvolvimento de uma
flor, mas é insuficiente no terreno que nos ocupa. As pessoas querem
encontrar uma base que lhes permita compreender a essência do sentido
moral. Até onde nos conduze esse sentimento/ à meta desejada, ou como
alguns pretendem, a debilitar a força e o espírito criador do gênero humano
e, em ultimo termo, à degeneração (Kropotkhin,1946:16).
Nessa perspectiva, um ponto chave do anarquismo é a busca pelo sentido ético que
deve integrar a vida em sociedade, com base na assimilação pelos indivíduos; fato que justifica a
importância do processo educativo na construção do sujeito ético e moral. A educação torna-se
experiência constitutiva das mais variadas formas de relação humana e alicerce do processo
evolutivo da humanidade. Kropotkin, em sua célebre ora intitulada Ética (1926), aponta a
questão da ciência e a importância dos descobrimentos, avanços e progressos humanos no
campo da ciência, da tecnologia e da transformação da natureza em vida consumível ao homem;
e exprime o fato de que a capacidade alcançada pela humanidade para satisfazer todas as
necessidades é superior às necessidades em si. A perspectiva do bem estar geral sem a
necessidade de subjugar o ser humano a um trabalho opressor e nivelador era, naquele
momento, século XIX, possível: “a humanidade pode finalmente reconstruir toda sua vida social
sobre os princípios da justiça”, diz Kropotkin. E ainda, questiona: “terão os povos cultos
contemporâneos a capacidade criadora e a suficiente audácia para utilizar as conquistas do
espírito humano para o bem da humanidade?” Kropotkin demonstra que a ciência tem
proporcionado à humanidade tanto compreensões fundamentais ao entendimento de sua
existência modesta, como partícula infinitamente pequena no universo, deslocando-se do centro
deste tão vasto infinito. Mas também a ciência tem demonstrado o quanto as potencialidades
humanas podem, mediante sua evolução progressiva, promover uma sociedade justa
aproveitando a infinita energia da natureza. Assim,
53
No vasto campo das instituições humanas, costumes e leis, superstições,
crenças e ideais, a história, o direito, a economia política, estudadas desde o
ponto de vista antropológico projetaram uma luz tal que bem pode-se dizer
que a aspiração à felicidade do maior numero tem deixado de ser um sonho
utópico. Sua realização é possível e está por tanto demonstrado que a
felicidade de um povo ou de uma classe qualquer não pode se basear, nem
sequer provisoriamente, na opressão das demais classes, nações ou raças
(idem:11).
54
anarquismo se coloca. Esta temática é constante ao anarquismo de maneira atemporal; como
observa contemporaneamente Noan Chomsky (2011), o anarquismo se baseia na compreensão
das autoridades ilegítimas, no sentido de localizá-las e superá-las através da gradativa
transformação dos indivíduos e do meio social que os abriga. Assim,
Mas nós realmente sabemos como organizar uma sociedade sem essa
escravidão assalariada? Talvez descubramos que isso é impossível. Eu não
acredito que seja. Mas qualquer um que não esteja aberto a essa
possibilidade não está sendo muito sério. Não sabemos o suficiente sobre a
organização das sociedades. É possível que uma estrutura social complexa –
algo como o que existe hoje, com bilhões de seres humanos, algo muito
complicado – exista e funcione sob os princípios em relação aos quais os
anarquistas estão comprometidos? (Chomsky, idem:131)
55
Racionalismo, anarquismo e transformação educacional
A segunda metade do século XIX, na Espanha, foi marcada por inúmeras turbulências
políticas e territoriais, fundadas no conflito entre a hegemonia monárquica, desde o absolutismo
de Isabel II, a monarquia democrática e parlamentaria de Amadeo Saboya, e as frentes
republicanas que instauraram a I República; consequência da Revolução de 1868. O ambiente
de instabilidade, marcado pela guerra em Cuba - a Guerra dos Dez Anos - a terceira guerra
carlista, além das diversas insurreições republicanas, se faz notar com a rápida ascensão da
Primeira República, entre 1873 e 1874, e a subsequente restauração bourbônica, que manteve
esta dinastia no poder até 1931, com Alfonso XIII. O movimento de renovação educacional se
definia com base em interesses que estavam além das fronteiras espanholas, como reflexo do
processo de secularização, industrialização e modernização da sociedade europeia. A
Catalunha, local aonde nasceu o racionalismo libertário, assim como país Basco, apresentavam
maior inclinação às correntes de desenvolvimento oriundas de países como França, Grã-
Bretanha, Bélgica e países nórdicos, caracterizados pela modernização e pela industrialização.
Esta realidade distinguia estas regiões das demais da Espanha, muito mais marcadas pela
economia agrícola. Esta conexão extrapolou, portanto, os limites nacionais e adentrou um
campo de referências sociais e políticas inscritas na modernidade, reverberando de maneira
significativa no campo educacional. Além das vinculações econômicas e políticas, algumas
regiões da Espanha, como a Catalunha, abrigaram também fortes reflexos da organização
internacional de trabalhadores, que passou a delinear a amplitude das ações anarquistas,
sindicalistas e socialistas, a partir de meados do século XIX. Este período testemunhou o
nascimento de organizações de esquerda espanholas de grande expressão internacional, como
o Partido Socialista Obreiro Espanhol (PSOE) e mais dois importantes sindicatos, a Unión
General de Trabajadores (UGT) e a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), que vão atuar de
maneira fundamental no processo de luta das classes trabalhadoras espanholas. Sobre este
momento, o estudioso Pere Solà afirma que
Assim, o educador Allela, conforme salienta Monés (1977), como outros teóricos
libertários de seu tempo, não elaborou um ideário escolar com base apenas na referência
espanhola; o fizera com base no questionamento da política educacional de países reconhecidos
como mais avançados, cuja organização educacional era concebida pelos espanhóis como um
caminho a seguir. Entretanto, para os libertários e para Ferrer, tanto o sistema de ensino francês,
laico e republicano quanto o monárquico confessional espanhol representavam um conjunto
teórico-prático a ser superado. A ideia de que a mudança educacional representava um caminho
seguro à regeneração e modernização da sociedade era um pensamento da época, que
adentrava tanto as perspectivas das classes dominantes como as populares. Ferrer, com um
caráter crítico e voltado à construção de um novo tipo de homem, tal como salienta Monés, “um
Emílio do século XX”, reforça a posição contrária à educação confessional e estatal-cívica:
Alguns dos elementos que definem o racionalismo pedagógico no século XIX são o livre-
pensamento, o laicismo e o cientificismo. Ao serem concebidas neste movimento, estas práticas
sociais são interligadas por interesses comuns ao objetivo de transformar a sociedade, erguendo
bandeiras para derrubar poderes tradicionais como a monarquia e a religião católica. São
elementos que estão presentes entre republicanos e anarquistas.
59
O período é marcado pela coexistência de livre-pensadores que conservavam, de um
lado, teses deístas ou espiritualistas e, de outro, notadamente ateus. As discussões voltadas a
esta temática foram veiculadas em alguns periódicos franceses, como La Libre Pensée, La
Pensée nouvelle, Le Démocrite, L’Excommunié, L’Athée, que sustentavam o ateísmo ou o
anticlericalismo sobre abordagens filosóficas, morais e políticas, e se opunham à escravização
humana sob estes aspectos (Lalouette, 2002). O periódico francês La Libre Pensée publicou, na
seção Programa, algumas linhas gerais do livre-pensamento, nos seguintes termos:
6
Nous n’acceptons sur l’autorité d’aucune secte, d’aucune école, d’aucun homme, quelle que soit leur renommée,
une affirmation contraire aux faits observés. Nous n’admettons d’autres règles que celles de la méthode
expérimentale. Tout homme intelligent doit pouvoir aujord’hui, pensons-nous, s’associer aux mouvements des idées
(...) Propager la connaissance des lois de la nature, qui peut seule contribuer à rendre l´homme hereux et libre será
le but de nos constants efforts.
7
Siècle chrétien par le renouveau de quelques ordres religieux et la floraison des congrégations, par la
naissance de nouvelles dévotions, par l’action de hautes personnalités catholiques ou protestantes dans
différents domaines, le XIXe siècle fut aussi un siècle d’athéisme.
60
O termo ateísmo pode designar a indiferença pela religião, como ateísmo prático, ou a
vontade, com base na inteligência e reflexão, de rejeitar qualquer crença em Deus, na condição
de ateísmo teórico. A ideia de Deus como principal fonte de subjugação e humilhação humana
conserva em seu cerne a defesa dos direitos do homem, mediante a recusa a qualquer tipo de
tirania associada ao poder divino. Consideravam fundamental a dissociação de toda autoridade e
de todo o poder absoluto entre o campo da política e da religião, uma vez que seria esforço vão
“desmonarquizar a terra sem desmonarquizar o céu” (idem:4). Tais princípios são evidentemente
compartilhados por anarquistas franceses, como Séraphine Pajaud e Sebastien Faure; e
constituem convergência entre o pensamento anarquista e as correntes de livre-pensamento em
franca ascendência. Em concordância à derrocada da ideia de Deus, ocorria a intensa ascensão
do laicismo nos mais diversos âmbitos da sociedade, entre os quais a educação, estabelecendo
inevitável intersecção ao campo do livre-pensamento e dos direitos do homem. Como visto
anteriormente, a heterodoxia característica deste período permitia, no entanto, tanto o levante
moral da fé no homem e na ciência, fundada em um ideal de dignidade, direito e fraternidade,
quanto a constituição da ideia de direito humano sobre as bases burguesas do espírito do
mercado e do sucesso material.
61
uma rede de troca de conveniências e abrindo margem para a oposição ao clero:
“En las barriadas obreras, las parroquias contaban con pocos sacerdotes y
estos solían vivir tan pobremente como sus propios feligreses. En contraste,
los miembros de las órdenes religiosas vivían por lo general en grandes
edificios abiertos sólo parcialmente al público. Esta circunstancia creaba un
hálito de misterio que la propaganda anticlerical explotaba con buenos
resultados. A estos edificios concurría el obrero para recibir la única
educación que se le ofrecía a él y a sus hijos (a excepción de unas pocas
escuelas seculares oficiales o privadas). Los ancianos y los huérfanos
recibían allí asilo, y todas las dádivas de la caridad (alimento, dinero, ropas)
procedentes de fuentes públicas o privadas, eran distribuidas por iglesias o
conventos. El clero dirigía oficinas de colocación para hombres y mujeres y
los industriales daban preferencia a la gente procedente de ellas (Marin,
idem)”
62
los jesuitas, escolapios y maristas – Instituto de los hermanos maristas de las
escuelas) era promocionar escuelas que le aseguraran unos ingresos y
también un papel tutelar sobre las clases acomodadas, de las que se habían
alejado cuando estas adquirieran tierras desamortizadas de la iglesia (idem).
63
desaparecimento em 1945:
64
liberais, é possível notar o intuito de que a mesma mantivesse como perspectiva a autonomia
diante de dogmas oficiais, fossem eles religiosos, políticos ou morais. A ILE, em sua origem que
remonta a 1876, tinha um caráter institucional contrário à tutela Estatal, sendo criada como
estabelecimento de ensino privado voltado em primeiro plano ao ensino universitário e
posteriormente à educação primária e secundária. A autonomia diante do Estado demonstra a
inserção deste grupo no campo de turbulências progressistas marcadas, sobretudo, pela
Revolução de 1868, em oposição ao reinado de Isabel II, processo de confluências políticas que
culminou no posterior estabelecimento da breve I República espanhola. A ILE, conforme análise
de Mateo,
Confome será mencionado, Ferrer manteve contato e amizade com anarquistas como
Reclus, Grave, Robin, Kropotkin, Charles Malato, Anselmo Lorenzo, Tarrida Marmol, e muitos
destes que contribuíram direta ou indiretamente com a Escola Moderna ou com as edições de
livros, e evidente relação com a luta sindical, o sindicalismo operário, em concreto, o
“sindicalismo enseñante” (Solà, s/d:36): “Ferrer promovió diligentemente y pagó el periódico La
Huelga General. Periódico Libertário, aparecido por primera vez en Barcelona a mediados de
noviembre de 1901, que dirigía no sin dificultades Ignasi Clarià, calificado por diversas fuentes
como persona puente entre los anarquistas y Ferrer y entre este y A. Lerroux” (idem)”. Pode ser
dizer que a característica mais fundamental da vida de Ferrer é sua habilidade de transitar e
estabelecer laços políticos com o meio republicano mais radical, maçons, anarquistas,
sindicalistas, evidentemente afinado com o propósito de promover a revolução da sociedade,
tendo como um dos principais meios a educação.
66
Francisco Ferrer i Guardia
Ferrer i Guardia foi homem de profunda e ativa crítica à sociedade em que viveu e
arquiteto de uma concepção educacional que buscou demolir os padrões da chamada educação
escolar tradicional - e ordinária. Suas reflexões e experiências são ainda hoje muito pertinentes à
organização política e pedagógica da escola e seu papel na sociedade; mas, sobretudo seu
trajeto de vida pode ser assinalado como a grande causa do sucesso das Escolas Modernas
pelo mundo. Conforme ele mesmo constatava, quanto maior a repressão político-religiosa, mais
seu nome era levado àqueles que compartiam de ideias semelhantes. Em correspondência a
Charles Malato, de 09/11/1906 (Muñoz, 1971), Ferrer fala de forma muito confiante sobre seu
estado de saúde, enquanto estava preso em Madrid, no Cárcel Modelo, após o fechamento da
Escola Moderna, em 1906. E ainda lembra os incautos equívocos dos jesuitas em relação a sua
pessoa e seu trabalho: “Nada me asusta, nada me hace miedo. Seguro de mi inocencia no he
sufrido un segundo de abatimiento. Al contrario, doy cada instante millones de gracias a los
jesuitas porque, con mí prisión y sus inquietudes, laboran ardientemente por la Escuela Moderna
y, en consecuencia, por la enseñanza racionalista mundial”.
O principal crime de Francisco Ferrer foi promover ativamente, sem cessar, a educação
racionalista. Sustentado pelo propósito de revolucionar a sociedade em que vivia e buscando
meios de promover alterações sociais profundas e radicais, a educação racionalista, o
67
sindicalismo e a autonomia das classes operárias foram os meios aos quais Ferrer mais se
dedicou. Ao que é possível se notar por sua trajetória de vida e seu trabalho, Ferrer não
alimentava intenções explícitas de promover esta luta com ações como regicídio, apesar de ser
próximo de Mateo Moral, o jovem que atentou contra Alfonso XIII, em Madrid. O que se nota é
que Ferrer defendia antes a paz mediante a organização de uma nova sociedade por um novo
racionalismo: “en el caso de la Escuela Moderna, los niños eran futuros cuidadanos insumisos, o
muy críticos com su entorno, al estilo de los primeros desobedientes civiles americanos del siglo
XIX (Marin, 2000:169)”. O cerco à sua figura incômoda se deu de forma arbitrária, como relatam
biografias e textos historiográficos dedicados à sua história (SOLÀ; MARIN; DELGADO; SOL
FERRER; ARCHER; SILVA): era preciso sucumbir com todo o diâmetro de ação do perigoso
agitador e educador que desafiava as autoridades eclesiásticas e a monarquia espanhola:
¡Ferrer murió a los cincuenta años; sus últimas palabras fueran “Soy
inocente! Viva la Escuela Moderna”. Los responsables directos de este
lamentable asesinato fueron los diplomáticos del Vaticano e los jesuitas de
España. El obispo Casaños (jefe del clero catalán) dijo en la catedral de
Barcelona: La palabra de Dios, por mi boca, señalara, pues, sin tener
necesidad de pronunciar su nombre, en este santo lugar, al que es culpable
de la potencia del laicismo y del racionalismo, el verdadero declarados de la
catástrofe que diezma a nuestra Santa Iglesia y que pone a sangre y fuego a
España entera. No obstante, después de la ejecución, el nuncio apostólico
hizo llegar al procurador del tribunal militar, principal responsable de la
condena de Ferrer, una espada de honor con la empuñadura de oro labrado,
con las felicitaciones y la bendición de Pio X (Muñoz, ibidem).
69
fonte de crítica dos opositores eclesiásticos: acusavam Ferrer de se beneficiar financeiramente
destas relações. Ao que se nota, no entanto, é que seu contato com a maçonaria foi oriundo de
uma onda livrepensadora e progressista, o que mesmo entre os maçons repercutia de certa
forma incompreensível, pois Ferrer, além de ser ateu, se filiava em lojas distintas (Marin). Esta
tônica foi a que o aproximou do movimento operário, do anarquismo e outras associações
livrepensadoras, como a Liga de la Regeneración Humana, fundada por Paul Robin, com quem
manteve amizade e parcerias posteriores, inclusive com a Liga Internacional da Educação
Racional da Infância. Embora não tenha conhecido pessoalmente o Orfanato de Cempuis, a obra
de Robin conferiu a Ferrer influencia decisiva. Na década de 1890, Ferrer acirrou contato com o
meio operário na França, como parte de sua tentativa de apoiar Alejandro Lerroux e o Partido
Republicano Progressista. É importante lembrar que a associação Lerroux-Zorrilla-Ferrer tinha
como grande alvo o clero e a força política da religião, que impedia o progresso do país. Mas
para além de um ideal republicano radical, Ferrer era um ácrata e sustentava fortes críticas a
certas estruturas e instituições sociais. Este posicionamento o aproximou cada vez mais do
movimento anarquista, sendo também reconhecido, fora da Espanha, como referência
educacional libertária, racionalista e operária:
71
nove anos de prisão revogados (Archer, idem:99). Nakens e Ferrer estabeleciam uma relação
cordial, pautada em afinidades políticas, um suposto apoio financeiro de Ferrer ao periódico
Motín, solicitado por Nakens. A acusação chegou a conjecturar uma série de possibilidades para
incriminar Ferrer, inclusive que o educador teria subornado Nakens, com as 1000 pesetas
doadas para o Motín. Archer deduz que “si Ferrer, Morral y Nakens hubieran tramado una
conspiración, habría sido un acto próprio de lunáticos, y Morral era, con diferencia, el más
perturbado de los três” (idem:101). Odon de Buen, importante educador livrepensador que
contribuiu com a Escola Moderna ao longo de sua existência, disse sobre o caso, referindo-se
primeiramente a Morral:
Esta mesma carta permite se compreender a visão de Ferrer sobre a repressão religiosa
que vinha sofrendo diante de sua evidente luta contra o clericalismo. Ainda que Ferrer fosse
indubitavelmente conhecido como um anticlerical, é interessante notar o quanto se acentuaram
certas impressões:
La segunda noticia es que los jesuitas hacen correr la noticia de que quiero
escaparme de la prisión. Se han doblado las guardias cerca de mí. Desde el
22 de septiembre que el fiscal había pedido la pena de muerte estoy en el
régimen de los condenados a muerte, aunque luego de reflexionar, sólo pidió
16 años de presidio. Yo tenía siempre un guardián que no me dejaba un
segundo; ahora tengo dos: uno que me acompaña a todas partes y el otro
que nos vigila a los dos. Dicen que tienen miedo a que compre al guardián
para escaparme, a pesar que he dicho varias veces al director de la cárcel
que si un día encontrara todas las puertas abiertas y sin guardianes no me
escaparía, no deseando huir, no teniendo necesidad de escaparme, puesto
que soy inocente. Pero hay que hacer creer o publicar que quiero escaparme,
porque el público creerá así que soy culpable. Esta es la nueva infamia de los
jesuitas. Quieren engañar a la opinión. Cosa natural, puesto que su oficio es
engañar a las gentes. De esto viven, de nada más que de esto. (…)
Após sua saída do Carcel Modelo, uma vez que não havia provas que sustentassem seu
encarceramento como responsável pelo ataque de Madrid, Ferrer partiu para outras regiões da
Europa, exilando-se novamente em Paris. A Escola Moderna permaneceu encerrada e os livros
destruídos. Uma das formas encontradas pelo educador para reagir publicamente à sua prisão
em Madrid foi percorrer a Europa levando ao conhecimento da sociedade seu posicionamento
diante do ocorrido. Ullman revela que
74
En junio de 1907 se había proyectado una serie de reuniones para celebrar la
libertad de Ferrer, pero el sentimiento público había llegado al extremo que
Lerroux marcho a Madrird sin saludarle y desde la capital le escribió para
sugerirle que realizara un viaje al extranjero hasta que las aguas volvieran a
su cauce. Ferrer no era contrario a la Idea, puesto que creía que un viaje a
las capitales europeas, donde podía explotar la publicidad que había
conducido a su liberación, era un medio de proteger su obra en España. Así
pues, él y Soledad Villafranca marcharon el 22 de Julio de 1907 (un mes
después de su salida de la cárcel) a recorrer capitales europeas para
proyectar su propia imagen como víctima de los jesuitas en la causa de la
educación laica (1972:194).
Nota-se que a articulação com certos meios sociais lhe resultaria em apoio e na possível
reinserção em situações de organização política e social; uma dos projetos de Ferrer neste
período foi repensar a organização maçonica catalã, por considerar o Gran Oriente espanhol,
juntamente com seu mestre Miguel Morayta, conservadores. Assim, buscou a formação de uma
nova entidade maçônica, em 1908, com apoio de alguns politicos radicais, fundando a logia Los
Siete Amigos. Também com o apoio do reitor da Universidade de Barcelona, Ferrer conseguiu
reabrir seu editorial, passou a ser chamado de Publicaciones de la Escuela Moderna. Foi
retomando pouco a pouco contatos, porém em Barcelona sua ação foi ainda bem restrita, as
escolas racionalistas perderam força, diante das escolas públicas. Ferrer também encontrou
apoio no sindicato Solidaridad Obrera, fundado em Barcelona poucos meses antes deixar a
prisão, em 1907. Este sindicato foi muito influente nas greves que antecederam a Semana
Trágica e tinha um carárter fortemente anarquista, ainda que, sustentando um posicionamento
apolítico, buscasse não perder suas forças em função de divisões políticas internas, comuns aos
sindicatos.
Em Paris, reaveu contatos importantes. Ferrer, embora agisse de forma destacada nos
meios politicos e educacionais nos quais militou ativamente, teve os projetos e intentos politicos
concretizados em função de uma riquíssima articulação social entre intelectuais e interessados
na transformação da sociedade em conjunto à ação educacional (ponto de vista por outros
estudos contemporâneos). Silva (2013) fez o importate trabalho de recuperar os interlocutores de
Ferrer, que foram centrais à concretização da educação racionalista-libertária como movimento
educacional de grande repercussão e importância. Certamente que houve ações de
responsabilidade pessoal de Ferrer i Guardia, como sua relação próxima a Sra. Meunier e, por
ocasião deste contato, a viabilização material para a abertura da Escola Moderna de Barcelona.
Todavia, um projeto educacional não se realiza de forma centralista e individualista, sobretudo
75
quando se contitui sobre bases libertárias. De volta a Paris, Ferrer reencontou Chales Malato e
travou contato com Henriete Meyer, professora francesa, fortemente realcionada aos meios
sindicais. Ferrer, já em 1902, havia entrato em contato com Meyer para lhe convidar a exercer o
cargo de diretora da Escola Moderna, que todavia foi recusado em função das atividades já
desenvolvidas pela educadora na França. Outra pessoa importante entre as relações de Ferrer,
neste momento, foi matemático Charles-Ange Laisant, com quem manteve contato e muitos
diálogos a respeito da educação racionalista. Fruto destes contatos, posteriormente acrescido da
presença de Charles Albert foi o trabalho de organização, administração e difusão da Liga
Internacional pela Educação Racional da Infância, fundada em 1908:
Esta carta foi escrita em 03 de dezembro de 1907, e em pouco tempo foi criada a Liga
Internacional pela Educação Racional da Infância, cujas características serão tratadas em outro
momento deste trabalho.
Esta correspondência com Laisant reforça dois aspectos importantes da personalidade
de Ferrer: a maneira como trabalhava em articulação com pessoas estratégicas e interessadas
nos mesmo objetivos sociais, por outro lado, a postura muito ativa, voltada à idealização de
muitas ações futuras, sempre promotoras da educação racional. A ideia de fundar a liga, um
periódico a ela vinculado e a criação de uma Escola Normal demonstram que as intenções
educacionais de Ferrer eram sempre de grande projeção e implicavam a lenta transformação de
espaços diversos do campo educacional: a escola em si, a comunidade escolar e a formação
dos professores; além da produção de materiais didáticos que já vinha sendo efetuada
concomitante ao funcionamento da Escola Moderna de Barcelona.
A segunda repressão a Ferrer se deu tempos depois, em um momento histórico
importante à cidade de Barcelona: A semana Trágica. Esta semana se iniciou com uma greve
geral: foi criado um Comitê Geral que fez contato com as cidades mais expessivas da Espanha e
em 16 de junho declarou greve. A greve assumiu o tom de protesto nacional apoiado por
diversos sindicatos, socialistas, anarquistas e pelo partido radical. Esta Greve foi motivada,
sobretudo, como reação à guerra de Marrocos-Melilla e às atitudes do governo Maura em
relação ao alistamento de reservistas para combaterem na guerra; em geral operários. O
protesto se transformou na conhecida revolta antimilitarista e anticlerical que tomou Barcelona na
semana de 26 de julho a 1º de agosto de 1909 (Ullman, 1972; Marin, 2009). A Semana Trágica
foi uma explosão popular de tão grande magnetude que a repressão foi praticamente
proporcional. A perseguição e prisão de 1200 pessoas demonstra como o Estado retomou o
governo da cidade pela violência, sua aliada maior e mais legítima. Questionar a participação de
Ferrer nesta conjutura político-social era evidente, uma vez que para um homem claramente
engajado, uma movimentação de furor político e revolta social como a Semana Trágica lhe
chamaria atenção de maneira positiva. Ademais, a acusação foi angariando provas indiretas
como sua relação com Miguel V. Moreno, professor das escolas racionalistas, membro do
Comité Central da Greve, e, conforme salienta Ullman, pessoa que tentou converter a greve
geral em revolução. Afinal, era o que intentava a militância política, a revolução. Em
77
contrapartida, Acher faz uma interessante análise acerca do sentimento de ódio e repulsa
crescente na população catalã em relação ao poder clerical e a virulenta ação religiosa católica
difundida na individualidade de cada um. A Semana Trágica de Barcelona assim se assemelha a
uma cartase generalizada e coletiva:
Há uma passagem muito divulgada do testamento feito por Ferrer, na qual ele exprime
como esperava que sua morte fosse recebida e memorada:
“ ¿Y qué hay hacia el sur? Hacia el sur no hay nada más que Montjuic. Se
trata de una fortaleza que viene a coronar un acantilado surgido de las
aguas. Desde sus doscientos treinta metros de altura, domina el panorama
desde casi cualquier punto de los alrededores. Las calles más pobres del
casco antiguo de Barcelona se aglutinan a sus pies. Desde la lejana Premiá,
más allá de la curva de la costa y del velo de humo que cae sobre la cuidad,
aún asoma en el horizonte, amenazante, Montijuic, y las siniestras
asociaciones que le atribuyen, dominan toda la región. Tan pronto como el
pequeño Ferrer estuvo en edad de observar el mundo que lo rodeaba, debió
de haber visto Montijuic en el horizonte de su vida. Y durante los últimos años
de ésta, no podía dar más de cien pasos desde su casa sin toparse con dicha
eminencia. Montijuic no deja de despuntar, inquietante, ante los ojos de los
aterrorizados lugareños cuyo testimonio le costaría la vida a Ferrer
(Archer,2010: 128).”
79
80
Capítulo II
http://www.li-an.fr/blog/kupka/
¿Cuál es, pues, nuestra misión? ¿Cuál es, pues, el medio que hemos de escoger para contribuir
a la renovación de la escuela?
81
A Escola Moderna de Barcelona:
A Escola Moderna de Barcelona foi uma iniciativa muito respeitada pelo laicismo
republicano. O excerto acima, publicado na coleção portuguesa “Biblioteca Histórica – popular e
ilustrada”, em 1914, por Blasco Diaz traz elementos contemporâneos aos acontecimentos que
envolveram a figura de Ferrer e da Escola Moderna. A tonalidade de sua abordagem pode ser
compreendida já por meio do primeiro parágrafo do prefácio da obra: “a vida do célebre
propagandista e fundador da Escola Moderna e a sua morte, vingança odienta do fanatismo
reacionário da Espanha, tornaram Ferrer um símbolo de guerra ao clericalismo e à reação, não
só no seu país, como em toda a Europa democrática e até mesmo na América lusa e
espanhola”. Mas era ao âmbito do anarquismo que a Escola Moderna tinha se direcionado,
justamente pela crítica ácida efetuada pelo coletivo que compunha a escola e por Francisco
Ferrer.
82
e esta repressão foi um dos principais fatores que fez germinar, a partir desta primeira década do
século XX, escolas Modernas pelo mundo, tanto em cidades européias como dos Estados
Unidos, Argentina, Brasil, México. Segundo Silva (2013), em junho de 1910, Leonard D. Abbott
fundou nos EUA, em parceria com outros intelectuais, a The Francisco Ferrer Association. A
associação publicou um livro, um ano após a morte de Ferrer, com textos de autores como
Emma Goldman, Hippolyte Havel, Jack London, Maximo Gorki, Upton Sinclair, entre outros. Os
protestos foram acompanhados da publicação de revistas, folhetos, livros e jornais em diversas
línguas sobre a atroz intervenção do governo espanhol aos atos de insurreição da Semana
Trágica. Uma das obras inaugurais sobre este momento foi Vida, proceso y muerte de Francisco
Ferrer i Guardia, escrita pelo jornalista escocês Willian Archer, logo após a morte de Ferrer, a
pedido do editor da americana McClure’s Magazine, que o enviou a Espanha, em 1910, para
conhecer a verdade sobre o caso Ferrer. A partir de um trabalho documental com base em
jornais da época e entrevistas, Archer produziu uma obra de grande referência, marcada pela
crença na inocência de Ferrer; para Archer Ferrer foi vitima de um crime judicial ou ao menos de
uma estupidez judicial (2010:13).
A primeira edição da obra foi publicada em 1911; e depois, em 1935, foi produzida uma
versão em catalão, que foi traduzida ao castellano somente em 2010. O longo período que
abrigou a ditadura franquista pós-guerra civil foi provavelmente um dos fatores que acortinou a
produção histórica sobre este momento, sendo fluente o surgimento de novas obras sobre Ferrer
e as Escolas Modernas a partir da década de 1970. Depois deste período, houve a produção de
obras marcantes, nesta mesma associação de temas como La Semana Tragica: Estudio sobre
las causas socioeconômicas del anticlericalismo en España (1989-1912), de Connely Ullman,
escrita em 1972; e a pesquisa de doutorado da filha de Francisco Ferrer, Sol Ferrer, intitulada
Vida y obra de Francisco Ferrer, publicada em livro em 1990, na Espanha.
Assim como a obra de Sol Ferrer, há estudos que são referência, como trabalhos do
pesquisador catalão Pere Solà, a partir do final da década de 1970 e início de 1980, que
investigam o percurso de vida de Ferrer, mas também, o movimento operário catalão,
evidenciando princípios e fatos fundamentais à compreensão da educação libertária na Espanha.
Obras como Las escuelas racionalistas en Cataluña, publicada em 1978, Educació i moviment
libertari a Catalunha, 1980, Francesc Ferrer i Guardia i L’Escola Moderna, 1978 são importantes
referências que adensam a presença deste tema na academia a partir da compreensão do
campo histórico e educacional da época. Outras obras, de envergadura crítica e polemista à
83
figura de Ferrer também constituem espaço de levantamento de informações como a obra de
Buenaventura La Escuela Moderna de Ferrer i Guardia, de 1978 e Juan Avilés Farré, Francisco
Ferrer: Pedagogo, anarquista y mártir, publicada em 2006. O centenário do fuzilamento de Ferrer
motivou a publicação de obras como a coletânea Francensc Ferrer i Guardia, escrits polítics i
pedagogics – entre la politica i la pedagogia, de Albert Pala, Dolors Marín i Vicenç Molina, pela
Fundació Ferrer i Guardia; e a edição francesa Francisco Ferrer i Guardia, une pensée em
action, por Violette Marcos, Annie Rieu, Juanito Marcos. Há também a obra ¿Quién mató a
Ferrer i Guardia?, de Francisco Bergassa, que se dedica ao processo que condenou Ferrer.
84
Missão da escola: fazer com que meninos e meninas que lhe sejam
confiados cheguem a ser pessoas instruidas, verídicas, justas e livres de
todo o prejuízo;
Pere Solà (1980:85) faz uma importante sistematização dos componentes ideológicos da
pedagogia racionalista ferreriana, a partir das principais características que marcaram o conjunto
teórico-prático da Escola Moderna, a saber: 1) Anarquismo - ensino integral; recusa da escola
laica e universal burguesa; crítica à razão capitalista e toda forma de autoritarismo; utilização
crítico-social da ciência; defesa de valores comunistas e da solidariedade. As influências
anarquistas mais marcantes foram Paul Robin, Kropotkhin, Reclus, Anselmo Lorenzo, Jean
Grave; 2) Laicismo e maçonaria: anticlericalismo; otimismo racionalista; coeducação de classes,
sob a influência de republicanos radicais espanhóis e franceses, como Odon de Buen, Clemence
Jacquinet e B. Gabarró; 3) Escola Nova: abolição de prêmios e castigos; coeducação de sexos;
paidocentrismo; contato com a natureza; aplicação de avanços técnicoeducacionais; higienismo;
cujos principais teóricos foram Rousseau, Tolstoi, Ellen Key, Elslander, Jacquinet. 4) Positivismo
europeu burguês: crítica ao principio escolar; valorização da ciência experimental contraposta ao
dogmatismo; extensão cultural (conferências dominicais); valorização da ética do homem
científico; importância da medicina infantil e da atropometria; darwinismo contraposto por
Kropotkin; sendo as principais referências Spencer, Ardigò, Ernesrt Haeckel.
Neste conjunto, há abordagens teóricas centrais sobre as práticas educativas
trabalhadas pela tríade: escola-editorial-imprensa, que abarcava tanto o cotidiano escolar, seus
estudantes e professores, quanto as famílias e a rede de pessoas ligadas ao ambiente
racionalista. A articulação destes três espaços de formação e difusão engendrou, portanto, uma
série de temáticas fundamentais à compreensão deste ambiente educativo e sua articulação
com o propósito constante e explícito da revolução social. Dois exemplos marcantes que
propõem transformações paradigmáticas na prática escolar são a ideia de educação natural, ou
o naturalismo, e o ímpeto da vitalidade e da alegria na educação (Solà, 2010).
85
A moralidade que conduzia o pensamento e as ações cristã-burguesas representava
para os anarquistas não somente ideologias que deveriam ser antagonizadas e superadas, mas
também banidas. Entretanto, não por outro paradigma que governasse as necessidades e
paixões humanas, mas pela absorção de princípios de igualdade, solidariedade e equidade que
regulariam a vida em sociedade, na perspectiva da autogestão. Estes princípios foram
amplamente difundidos por Kropotkin ao analisar na natureza as inúmeras ações de cooperação
e preservação da vida dos animais. Trata-se antes da existência ética, pautada no vigor da
justiça e da igualdade entre os humanos, sendo as necessidades e a moral reguladas pela
natureza. Pere Solà (2010) assinala que este vigor e centralidade da ideia de natureza na
formação e existência humana foi defendido por Ferrer, fato que o coloca em franco diálogo com
a perspectiva kropotkiana.
O primeiro Boletim da Escola Moderna, de 30 de outubro de 1901, apresentou em sua
página inicial alguns dos propósitos pedagógicos e educacionais que seriam contemplados pela
a Escola Moderna, como ensino baseado nas ciências naturais. Este mesmo número do Boletim
complementou a ideia de educação natural ou fundada nas ciências naturais explicitando que tal
método não consistiria em abandonar a criança, no início de seu processo educativo, a formar-se
por conta própria, mas sim em trabalhar com potencialidades naturais do seu desenvolvimento,
inicialmente receptivo aos estímulos externos: “el profesor siembra las semillas de las ideas; y
éstas, cuando con la edad de vigorizar el cerebro, entonces dan la flor y el fruto
correspondientes.”
O direcionamento e diretividade do processo educativo, com o objetivo de suscitar o
ímpeto vital da criança distingue a proposta da Escola Moderna da perspectiva de natureza
rousseauniana ou não diretiva tolstoiana. A formação moral deveria ser conduzida mediante um
direcionamento firme, no sentido de despertar o que há de melhor na criança, sem debilitá-la ou
enfraquecê-la com brutalidades e reprovações. Aqui apresenta-se, como observa Solà, uma das
características importantes da pedagogia de Ferrer: o cultivo da alegria, conduzida à criança pelo
entusiasmo e pela euforia. Tratava-se de uma forma de envolvê-la no processo educativo de
maneira saudável e mediante princípios associados à alegria: “a bondade e a generosidade”
sendo elas “imprescindíveis ao processo educativo” (idem:49). A alegria é tomada como
espontânea, natural, primária e profundamente arraigada às relações humanas. Tais princípios
encarnam uma ética demolidora da moral cristã-católica e burguesa e condutora da energia vital
que regularia o sentido moral, como demonstra Kropotkhin:
86
El sentido moral es en nosotros una facultad natural, igual que el sentido del
olfato y del tacto. Lo que la humanidad mira en el hombre verdaderamente
moral es su energía, es la exuberancia de la vida que le empuja a dar su
inteligencia, sus sentimientos, sus actos, sin demandar nada en cambio. El
hombre fuerte de pensamiento, el hombre exuberante de vida intelectual,
procura naturalmente esparcirla. Pensar sin comunicar su pensamiento a los
demás carecería de atractivo. Sólo el hombre pobre en ideas, después de
haber concebido una con trabajo, la oculta cuidadosamente para ponerle más
tarde la estampilla de su nombre. El hombre de poderosa inteligencia,
fecundo en ideas, las siembra a manos llenas; sufre si no puede compartirlas,
lanzarlas a los cuatro vientos; en ello está su vida (1922:44).
Ferrer i Guardia foi defensor desta vitalidade no cotidiano da Escola Moderna, apoiando-
se em importantes parcerias, como a que estabeleceu com Clemence Jacquinet. Durante os dois
primeiros anos de funcionamento da instituição, esta educadora fundamentou a linha e as
práticas pedagógicas. A parceria com Jacquinet e outros educadores libertários trouxe à cena a
centralidade da criança no processo educativo; defesa fundamental à pedagogia libertária e à
visão anarquista de educação. Ferrer diz
87
afinidades políticas e pela trajetória da educadora. Em carta destinada a Odon de Buen, Ferrer
explica como Jacquinet chegou à Escola Moderna:
Hace unos diez años vivía en Sakha un tal Hassan Pacha Tawfik, inspector
de distrito. Clemence Jacquinet era la institutriz de sus hijos, actividad que
compaginaba con las clases que impartía en una escuela del distrito, en
Sakha. La escuela contaba con unos doscientos niños y unas treinta niñas.
Mademoiselle Jacquinet se quedó en casa del bajá durante un año y, cuando
su patrón se retiró, ella lo acompañó a El Cairo. Seis meses después, la
escuela cerró por falta de fundos y dirección: ya no contaba con las
subvenciones del distrito ni con el patrocinio del bajá. No hay pruebas que
demuestren la alegación según la cual las autoridades británicas ordenaron
el bajá que se deshiciera de ella y cerrara la escuela. Más bien, fue algo
como “le combat cessa, faute de compattants”, es decir, con el bajá
desaparecieron los recursos, y sin recursos se desvanecieron los alumnos…
Mademoiselle Jacquinet se quedó dos años más con el bajá en El Cairo, y
después se marchó a Europa. En la actualidad, mantiene correspondencia
con él y con su hijo, que trabajó en un museo antes de incorporarse al
Ministerio de Exteriores (Archer, 2010).
Eran bien curiosas, se ve que para que no le ocuparan mucho espacio había
metido unas dentro de otras, por ejemplo; en un sobre cuyo remitente era
Odón de Buen me encontré con la carta de este pero también con otras dos,
firmada una por Cristóbal Litrán, el secretario de Ferrer, y la otra por Roger
Columbié, dirigente del Centro Republicano Histórico de Barcelona. En otro
sobre, aunque constaba al dorso la dirección de Eudall Canibell, el editor y
fundador del Centre Excursionista de Catalunya, en su interior encontré
además de la carta de este, otra de Anselmo Lorenzo, entonces director de
las publicaciones de la Escuela Moderna, una de Ricardo Mella, otra de
Eleuterio Quintanilla y, sorpresa, otra carta firmada por Picasso.
Sinceramente, la existencia de esta carta ha sido la que me llevó a aparcar
momentáneamente mi trabajo sobre la Escuela Moderna y centrarme en el
pasado más oscuro de Picasso8.
Jacquinet foi a grande pedagoga da Escola Moderna; sua constante preocupação com a
formação dos professores, o desenvolvimento das crianças, a qualificação das práticas
pedagógicas estão evidentes no Boletim, que se tornou a principal porta voz e fonte documental
acerca do ensino na instituição. Em uma correspondência direcionada a Ferrer, a educadora
explicitou parte de suas questões sobre a formação de professores:
Creo que sería interesante y útil remontarnos a las fuentes, a los filósofos
que han sido los inspiradores de los pedagogos contemporáneos: me refiero
a Montaigne, Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Bain, Spencer, Kant, Mmes.
8
As informações sobre a pesquisa de Oscar Segarra são preliminares e estão publicas em uma entrevista cedida
pelo autor, no site http://pt.indymedia.org/conteudo/newswire/6945. Acesso: 12/12/2013.
89
Guizot, etc. Y el más grande de todos, Rabelais. Después, leeríamos a los
contemporáneos que nos mostraron lo que nuestra época ha aprovechado de
las obras precedentes. Cuanto más estudio la idea de su escuela, más me
afirmo en mi idea: forme usted profesores, pero no con estas o aquellas
obras concebibles en un sentido determinado. Es menester tener confianza
en la superioridad de nuestro ideal para no temer ponerlo en contraste con
obras concebidas bajo distinto espíritu. Así se forman las inteligencias libres
que saben pensar por sí mismas sin necesidad de ningún catecismo para
distinguir en todas partes la verdad del error. Porque, al fin y al cabo, con la
idea atea o anarquista o la idea teocrática, en cuanto reduzcáis una filosofía
a un manual, haréis una obra dogmática, impondréis al espíritu una creencia
que, después de todo, no tiene más positivo que otra cualquiera. Sólo las
ciencias experimentales que se fundan en hechos probados y que se pueden
reproducir y comprobar, pueden ser enseñadas así, y no se hace, sin
embargo. ¿Cómo se va a hacer con conocimientos cuya única base es la
opinión? (Delgado, idem: 91)
Jacquinet foi responsável pela base teórica que subsidiaria o trabalho pedagógico da
Escola Moderna. É notável a dupla preocupação com a realização de um trabalho fundado tanto
nas clássicas referências filosóficas da pedagogía, quanto na relação deste universo com as
novas teorías que surgiam. A linha formativa para os professores da Escola Moderna se baseava
no contraponto entre os objetivos e práticas educacionais adotadas pela escola e a constante
reflexão mediante o estudo dos grandes teóricos da educação. Ao defender a importância da
construção do conhecimento tendo por base a ciência e a experiência, Jacquinet transpôs esta
mesma lógica ao campo de formação de profesores, desenvolvendo um trabalho
qualitativamente antidogmático, científico e crítico. A forma pela qual Jacquinet abordava os
teóricos e transpunha suas concepções para o campo da análise se dava a partir daquilo que ela
definia como método experimental, fundado na observação inicial dos fatos e na coordenação e
conclusão com base nos princípios que regem uma leitura e análise socialista. Tal método e
perspectiva estão presentes no livro Ibsen y su obra, publicada na Espanha em 1907, com
tradução de José Prat. A aplicação deste método também fica evidente no Boletín, como se verá
a seguir.
Além do trabalho de Jacquinet, como base fundamental ao funcionamento da escola,
ocorriam também outras atividades que complementavam o carater seu formativo. Este projeto
escolar tinha como pressuposto a parceria entre a escola e as famílias, partilhando de uma
mesma proposta de transformação da realidade social. As familias deveriam pouco a pouco
compreender a visão de mundo trabalhada pela escola, de forma a estendê-la à educação
familiar, cotidiana e primária, em acordo com os principios morais, políticos e sociais que regiam
o trabalho pedagógico na escola e na sociedade. Trata-se da visão de que a escola não se
90
dedicaria a assuntos e realidades apartados da vida social. Pelo contrário, a escola representaria
umas das instituições que problematizam e possibilitam os meios de transformação da realidade
social. Desse modo, como instituição capaz de operar na transformação dos indivíduos e da
sociedade, a escola deveria ser apropriada por todos, famílias, professores e sociedade,
mediante a clareza dos meios e fins que buscavam instaurar.
As atividades que mais propiciaram este encontro foram as famosas Conferências
Dominicales, abertas ao público, na Escola Moderna. Para a realização destas conferências, que
tratavam dos mais variados assuntos, Ferrer conseguiu o apoio constante de dois professores da
Universidade de Barcelona, o médico Andres Martinez Vargas e professor de Mineralogia e
Ciências Naturais e maçon Odón Buen, que atuaram nas conferências dominicales, entre 1902 e
1906, e se empenharam em escrever livros para o editorial da Escola Moderna.
As conferências dominicales eram proferidas por profissionais diversos como
professores, médicos, cientistas naturais, e tratavam de temas variados importantes à formação
dos alunos e esclarecimento das familias. Os temas consistiam em assuntos gerais,
relacionados ao cotidiano das famílias, mas eram abordados com aprofundamento teórico,
estabelecendo relações com conhecimentos novos e agregando informações científicas a
conhecimentos que em geral eram mais populares. Algumas das exposições trabalharam com as
noções de higiene, doenças possivelmente adquiridas nas escolas como a tuberculose,
alimentação, natureza, água e sua importância à vida. Mas também havia os temas de caráter
escolar, como a geografia, a botânica, vestimentas e sua relação com a higiene e a saúde;
geologia, aquecimento e iluminação das casas. O tema alimentação, por exemplo, tratado pelo
Dr. Martínez Vargas, foi aludido a partir de explicações da significação da palavra, de acordo
com tendências modernas de ciência, depois suas qualificações orgânicas e centralidade à vida
humana. Ao final, o médico examinou clinicamente os alunos presentes. Em outra ocasião, o
mesmo orador fez uma explicação sobre vacinação e vacinou alunos com autorização dos pais.
Outro tema muito tratado por Dr. Martínez Vargas, a higiene, era divulgado entre os presentes
apontando riscos, necessidades e ocasionais problemas de saúde entre as crianças com base
em certos desconhecimentos e atenções necessárias, como demonstra:
91
posibilidad de que se introduzcan en la boca del niño algunas partículas de
dichos productos, que pueden hallarse entre los repliegues de la piel de los
dedos, de las uñas, etc... (Boletín de la Escuela Moderna, 31/10/1903, ano
III, nº2).
Manifestó que se proponía más bien abrir una vía, indicar una tendencia, que
obtener un fruto, el cual se obtendrá al fin perseverando en el propósito, que
consiste en ampliar el conocimiento de la ciencia sacándola del reservado
universitario, á fin de acumular materiales para la universidad popular, donde
la infancia y los adultos lanzados á las luchas de la vida faltos de
conocimientos puedan participar del capital intelectual humano. Entrando en
el tema, habló con lenguaje familiar y sugestivo de correrías infantiles por el
campo admirando la naturaleza, en que la tierra, la flor y el insecto se
presentan en todo su esplendor, fijando la ingenua atención de los niños, y
de ahí tomó pie para explicar la división rudimentaria de los tres reinos con
las consideraciones apropiadas acerca del valor del método como economía
del conocimiento; presentó las nociones del organismo, comparando el
análisis con la costumbre universal de los niños, que curiosea el mecanismo
de un juguete rompiéndolo para ver lo que tiene dentro, y , colocando en este
terreno. Llevó la inteligencia de los niños acompañada de la general del
auditorio á la vastísima concepción del universo, que va desde los
infinitamente pequeños que percibimos por el microscopio, hasta la
inmensidad de los sistemas siderales que conocemos por la inducción y por
el telescopio (Boletín de la Escuela Moderna).
92
En aquel momento la Escuela Moderna representaba como un hermoso y
reparador oasis en medio de triste y durísimo desierto. Figúrese el lector que
el desierto es la sociedad, donde el hombre siente su vida cohibida y
martirizada por los convencionalismos con que mutuamente se engañan y
mortifican los que se ven obligados á respetar lo infame, á tomar por verdad
el error manifiesto y arraigado, aunque lo desvanezca la razón más
elemental, y á considerar como justo y moral las mayores indignidades, sólo
porque así lo quieren las costumbres tradicionales o codificadas, y que de
pronto, dejando todo ese bagaje de iniquidad que existe por impresión
directa, no con el cristal con que la sociedad lo presenta para que lo veamos
de determinado falso color; entonces el ánimo se ensancha, se respira á
plenos pulmones, late el corazón con fuerza, la sangre circula con violencia,
se siente uno bueno y alegre u con amor grande, tanto que los espacios
sensitivos que antes llenaba el odio rebosan de afecto de tal modo, que no
aún para la indiferencia queda sitio. Naturaleza sin mitos, enseñanza sin
dómine, conocimiento sin fórmulas condicionales previas, arte sin academia,
virtud sin cura, moral sin juez, valor sin sable, acción sin que dirán, de ese
modo completaba el oyente para su uso particular la sencilla, racional y
absolutamente científica exposición del conferenciante.
A grande primeira parceria, fruto destes convites, que eram publicados no Boletim,
(convites Aos intelectuais e Concurso de aritmética, divulgados no Boletim da Escola Moderna,
de 31 de dezembro de 1901), foi com Martinez Vargas e Odon Buen. Em três anos escolares, a
Biblioteca da Escola Moderna foi encontrando maior definição ideológica e conseguiu embarcar,
na vida editorial, com a contribuição de alguns autores de acreditada referência profissional, que
produziram espeficicamente para a editora ou viabilizaram a tradução de suas obras (Velasquez,
2010). Entre 1905 e 1906, ocorreu a consolidação desta produção editorial. No decorrer de suas
atividades editoriais, entre 1901 e 1920, foram publicadas 127 obras. Até 1909, com a atuação
de Ferrer, foram publicados 54 volumes, quando ele mesmo trabalhava e administrava a editora.
94
Depois de sua morte, ficou sob resposabilidade de Lorenzo Portet, que seguiu com o projeto até
sua morte em 1918. A Biblioteca Escola Moderna foi comprada pela editora Maucci que seguiu
publicando com o nome de Escuela Moderna até 1920.
O primeiro livro publicado pelo editorial foi Compêndio de la Historia Universal de
Clemence Jacquinet. La História Universal é dividida em três tomos: Tiempos pré-históricos
hasta el império Romano; Idad Média y tiempos modernos; da Revolución francesa hasta
nuestros dias. Posteriomente, outros livros muito utilizados e difundidos: Las aventuras de Nono
de Jean Grave, que havia sido publicado em Paris, em 1901, e foi reeditado em versão
espanhola em 1905, 1908 e 1912, com tradução de Anselmo Lorenzo; e outro livro de leitura,
chamado Cuaderno manuscrito. Também foi publicado o Compendio de Gramatica Espanhola,
por Lucas Palasi – cuja divulgação traz o alerta: obra isenta de sofismas religiosos e sociais;
Origen del Cristianismo, como segundo livro de leitura, Silabário Método Racional de Leitura
Progressiva, de Celso Gomis. O livro de Albert Bloch y George M. Paraf-Javal de ontología e
filosofia da ciencia, chamado Substancia universal, que se utilizaba como livro de leitura na
Escuela Moderna. A variedade de publicações é grande. Há estudos que se dedicam
verticalmente à análise deste editorial, como o Pascoal Velázquez intitulado Un programa de
Educación Popular: El legado de Ferrer Guardia y la Editorial Publicaciones de la Escuela
Moderna (1901-1936) e o estudo de Nora Muro: La Enseñanza en la Escuela Moderna de
Francisco Ferrer y Guardia: Barcelona (1901-1906).
Com o caso de Mateo Morral, a editora teve suas atividades alteradas, em 1906, mas,
em contrapartida, os livros foram adotados em outras escolas racionalistas de Barcelona e da
Espanha. A editora foi também consolidando temas e abordagens na área de geografía,
aritmética, leitura, correspondência escolar, ciências naturais. Os livros de ciências naturais
estiveram a cargo de Odón de Buen, e cadernos de escritura ou livros sobre temas escolares
como o Botiquín Escolar, de Andrés Martínez Vargas. Muitos temas ampliavam o universo
curricular escolar, entrando em um âmbito muito amplo de conhecimento, como novelas e
relatos, ensaios de psicologia, sociologia, filosofia política, filosofia moral; referências biológicas,
históricas, sociológicas. Além disso: um dos mais importantes livros editados pelas
Publicaciones de la Escuela Moderna: El hombre y la tierra de Élisée Reclus.
O Boletín de La Escuela Moderna, nº1, Ano I traz uma breve notícia com o título
Publicaciones de la Escuela Moderna:
95
Una enseñanza puramente científica y racional, como la que se propone
desarrollar esta institución, necesita un material perfectamente adecuado, sin
mezcla de ningún género ni menos debilidades ante los convencionalismos
dominantes. Examinada con criterio imparcial y por personas competentes la
literatura pedagógica española y buena parte de la extranjera, después de
reconocer su mérito, ha resultado deficiente para nuestro objeto, porque
donde no apunta la preocupación sectaria, aparece franca la patriótica o
política, contrarias todas a la integridad del ser moral humano, que en todas
ocasiones debe ostentar su propia personalidad para ser digno de su
voluntad y de su responsabilidad.
Esta deficiencia ha inspirado la creación de una biblioteca que bajo la
modesta denominación que nos sirve de epígrafe, comprenda todos los libros
necesarios para una enseñanza verdaderamente positiva, inaugurada ya con
la primera parte del Compendio de Historia Universal, por Clemencia
Jacquinet, cuyo ‘prefacio’, que es todo programa revelador de un criterio,
donde, no solo se ofrece al niño el caudal más puro de la verdad histórica,
sino donde podrán los hombres rectificar sus errores sobre tan importante
materia.
Não se pode deixar de destacar algumas passagens do Compêndio, uma vez que este
material historiográfico evidencia muito do caráter moral e político libertário a ser expresso
nessas obras. A terceira parte do volume I, do Compêndio, que entra na Idade Moderna
(Tiempos modernos: estúdio del siglo XV como precursor de las revoluciones econômica,
intelectual e social), expressa características como o progresso da ciência em relação à
natureza, a valorização da instrução e algumas implicações sociais; claro posicionamento em
relação à dominação religiosa e claro posionamento político em relação aos eventos históricos.
Assim, a obra propõe as seguintes compreensões:
A saída da Idade Média para a Moderna, compreendida por Jacquinet como “quase sem
transição brusca”, é acompanhada pelo avanço dos progressos científicos, cujo grande
impulsionador foi o entendimento verdadeiro sobre a relação do ser humano com a natureza, isto
é, ancorada em uma lei natural e não sobre explicações mediadas pelo conhecimento
sobrenatural ou religioso. O entendimento sobre este fato, fundado no humanismo é conduzido,
pela autora à consequente valorização da educação, a partir do século XVI, uma vez que o
conhecimento foi tornando-se cada vez mais necessário ao progesso das sociedades modernas:
98
esta compreensão trilhada pelo anarquismo, e ainda exprime certos julgamentos que se
justificam pela necessidade coetânea de discutir a legitimidade religiosa criticando seu peso
dogmático em detrimento da razão:
AL PROFESORADO
F. Ferrer Guardia
Ferrer expressa nesta breve apresentação das Aventuras de Nono a mesma coerência
que se faz notar na obra de Jacquinet, que é a força das leis naturais na vida social real, em
oposição ao que há de irracional, convencional e fictício na sociedade. A ciência é analisada
como fundamento da formação humana e a solidariedade universal como consequência da
formação de bases cientificas e morais, reguladas por alicerces racionais:
100
ignorancia por los esfuerzos sistemáticos de todos los gobiernos, que
consideran esa ignorancia, no sin razón, como una de las condiciones más
esenciales de su propia potencia. Aplastado por su trabajo cotidiano, privado
de ocio, de comercio intelectual, de lectura, en fin, de casi todos los medios y
de una buena parte de los estimulantes que desarrollan la reflexión en los
hombres, el pueblo acepta muy a menudo, sin crítica y en conjunto las
tradiciones religiosas que, envolviéndolo desde su nacimiento en todas las
circunstancias de su vida, y artificialmente mantenidas en su seno por una
multitud de envenenadores oficiales de toda especie, sacerdotes y laicos, se
transforman en él en una suerte de hábito mental moral, demasiado a
menudo más poderoso que su buen sentido natural (Bakunin, ibidem).
En casa de su padre había oído Nono decir que los reyes, las reinas, los
emperadores y las emperatrices eran de carne y hueso como todos los
hombres y todas las mujeres, no diferenciándose más que por la forma y la
riqueza del traje; pero tanto se hablaba en la escuela de sus actos y de su
poder, atribuyéndoles tanta acción sobre los acontecimientos y los destinos
de los pueblos, que no podía conformarse con aquella igualdad, y su
imaginación les concedía una esencia superior. Y como además había oído
decir que las abejas estaban gobernadas por una reina, no dudó un instante
que se hallaba ante persona tan majestuosa (1991:14).
101
Nono aprendeu na escola que as abelhas eram governadas por uma rainha. E a abelha
contesta esta interpretação, esclarecendo que se confundem seus cabelos com uma coroa e que
quanto às abelhas que aparentam lhe servir, não são escravas, nem damas da corte, nem
servidoras; são “buenas hijas que aman y cuidan a su madre”. A abelha-mãe demonstra que o
professor ensinou a Nono sobre a vida numa colméia utilizando os próprios padrões culturais,
sendo, portanto, um ignorante, porque “fala do que não conhece, e estudando a vida nas
colméias, julga os costumes segundo os seus”. E nas palavras de Jean Grave, a rainha-mãe
explica:
Entre nosotras, sin embargo, es muy diferente: cada una de nosotras llena la
función inherente a su naturaleza; pero no hay tal reina, ni menos función
impuesta: unas hacen la miel, otras cuidan nuestra infancia; si las
necesidades de la colmena lo exigen, algunas de sus habitantes, sin que
nadie se lo mande, espontáneamente y sólo porque comprenden que la
conveniencia general lo exige cambian de función. En cuanto a mí, no soy
una reina, sino simplemente una madre encargada de suministrar los huevos
que se convertirán en trabajadoras de nuestra república y futuras madres
para nuevos enjambres; y si las otras abejas me escogen, me cuidan y me
miman es sólo porque cumplo un trabajo que ellas no pueden desempeñar
por falta de sexo, y que su cumplimiento me impide ocuparme de otras
tareas. Por tanto, ya lo ves, aquí no hay tal reina ni mandona inútil. (…)
Nono escuchó con la boca abierta aquella leccioncita de historia natural, que
echaba por tierra todas su nociones adquiridas, y en su interior, como era
algo listo y guardaba un poco de rancor a su profesor que ocasiones le había
reprendido o castigado sin razón, formuló el propósito de pillarle a su vez en
flagran delito de ignorancia, cuando viniera a hablarle de la monarquía entre
las abejas (idem).
Estos pequeños insectos, que podrían ser tan fácil presa de numerosas aves,
y cuya miel atrae a toda clase de animales, comenzando por el escarabajo y
102
terminando con el oso, tampoco tienen particularidad alguna protectora en la
estructura o en lo que a mimetismo se refiere, sin los cuales los insectos que
viven aislados apenas podrían evitar el exterminio completo. Pero, a pesar de
eso, debido a la ayuda mutua practicada por las abejas, como es sabido,
alcanzaron a extenderse ampliamente por la tierra; poseen una gran
inteligencia, y han elaborado formas de vida social sorprendentes.
Trabajando en común, las abejas multiplican en proporciones inverosímiles
sus fuerzas individuales, y recurriendo a una división temporal del trabajo, por
lo cual cada abeja conserva su aptitud para cumplir cuando es necesario,
cualquier clase de trabajo, alcanzando tal grado de bienestar y seguridad que
no tiene ningún animal, por fuerte que sea o bien armado que esté. En sus
sociedades, las abejas a menudo superan al hombre, cuando éste descuida
las ventajas de una ayuda mutua bien planeada (Kropotkin,1922) .
Uma reflexão como esta fundamenta aspectos da formação da criança, que estará
aberta a observar as relações na vida natural e animal desde um ponto de vista não competitivo
e não autoritário, cooperativo e solidário. A ajuda mútua é definida por Kropotkin como fator
fundador da evolução da vida e da sobrevivência dos grupos, podendo ocorrer entre seres da
mesma espécie ou não. A obra de Jean Grave, Aventuras de Nono, se desenrola com a
presença de personagens alegóricas que propiciam situações nas quais o protagonista se vê
refletindo sobre questões de classe, exploração do trabalho, competição, alienação e também
situações de cooperação e autogestão fundamentais à vida em uma sociedade regulada por
valores anarquistas.
103
Outra importante obra editada pela Publicaciones de la Escuela Moderna foi Evolución
Super-orgánica (1905), escrita por Enrique Lluria (1863-1925), médico e sociólogo nascido em
Cuba, estudante de medicina em Barcelona. Suas obras entrelaçam ciência e política. A
Evolución super-orgánica tem o prefácio escrito por Santiago Ramón y Cajal, o ganhador do
Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906, professor de Lluria. Santiago Ramon y Cajal
desenvolveu a doutrina dos neurônios, a ideia de que os neurônios são células discretas,
independentes e distintas, e refutava a teoria reticular, em vigor. O prefácio de Ramon y Cajal
para a obra de Lluria demonstra o engajamento do cientista numa visão social muito convergente
à defendida pelos anarquistas e colaboradores das obras da Escola Moderna. A obra em si
apresenta elementos fundamentais à compreensão da relação homem-natureza-sociedade,
postulada pelos anarquistas, fundando-se na ideia de evolução da humanidade em relação às
situações de evolução encontradas na natureza. O autor se situa entre diversos cientistas de
influência fundamental ao contexto histórico, como Darwin, Lamarck, Spencer, Comte, Raeckel.
Ao se referir à importância do darwinismo como responsável por um grande “transtorno nas
ideias religiosas e idealistas”, retomado por Spencer em sua teoria evolucionista aplicada à vida
social, Lluria defende que a inteligência é produto das leis naturais, e diz: “la naturaleza es el
patrimônio de la humanidad”. Mas critica a noção de propriedade como algo incutido na razão
humana, mesmo em um grande cientista como Spencer. Sobre a ideia de natureza e evolução
humana, Lluria diz
Não se trata da relação entre ciências naturais e sociologia, do ponto de vista do método
104
de análise, do método científico, mas sim do entendimento de que as regras que regem a vida
natural, animal e humana são conciliáveis e essenciais à conservação da vida no planeta. A
crítica se direciona às necessidades criadas artificialmente pela sociedade moderna. No caso
da obra de Lluria, em diálogo com Kropotkin e Reclus, é fundamental reconhecer formas
distintas de compreender a vida natural e sua transposição à sociedade. Esta lógica está
presente em muitos dos livros que subsidiam a Escola Moderna.
9
Os Boletins da Escola Moderna foram doados para centros de documentação e arquivos de Barcelona em sua
tiragem completa (primeira e segunda época) por um italiano chamado Virginio De Martin que os organizou em serie
encadernada. Não fosse esta iniciativa, não se teria acesso aos boletins enquanto serie documental. (Casa Ed.
Vulcano, di Brignoli G. Luigi, Via delle Rosa, 32. Bergano, Itália.)
105
integral, a liberdade de ensino, a coeducação de sexos, as saídas para estudo do meio ou
estudos práticos, as conferências públicas aos domingos, entre outros. O primeiro número do
periódico foi aberto com um texto de saudação à imprensa, que expressa o seguinte
posicionamento:
106
3º por el ejemplo de los vicios que les dominan y que no pueden vencer no
siquiera atenuar.
108
características que se editaban en España desde hacía muchos años
(idem:89).
109
caráter de revista filosófica, em que perseverou com regular aceitação, até que chegou o
momento da perseguição e fechamento da escola”.
Enquanto Clemence Jacquinet exerceu a função de diretora da escola, é possível notar
traços de suas práticas educativas e visão pedagógica no Boletín. Sua contribuição está
presente no Boletín em seus anos I e II, com textos voltados à relatoria, divulgação e reflexão
das questões pedagógicas dos primeiros anos de funcionamento da escola e à formação dos
profissionais e interessados envolvidos na realização do projeto. Dessa forma, Clemence
Jacquinet concentra sua colaboração com o Boletín no período que vai de 30/10/1901, com a
publicação do número 1, até o número 8, em 31/05/1903. Ao que se sabe, com o final do anos
letivos de 1902-3, ocorreu uma cisão entre Ferrer i Guardia e Jacquinet, de modo que isto se
estendeu a todas as participações da professora na Escola Moderna. Conforme apresentam os
boletíns do período relatado, Jacquinet é explícitamente autora de treze artigos, quatro deles
sobre o pensamento pedagógico de Rabelais, Montaigne, Rousseau e Spencer, e os demais
sobre questões cotidianas da escola e suas reflexões sobre a experiência.
A partir do Boletín de número 6, de fevereiro de 1904, outras contribuições se
acrescentaram ao pensamento de Jacquinet, presente nos primeiros números do Boletín; seriam
Leopoldina Bonnard e José Casasola, incorporados, a partir deste período, ao grupo docente da
escola, e Anselmo Lorenzo, com fragmentos de sua obra El Banquete de la Vida, além de
artigos. Outra influência estrutural nos primeiros anos do Boletín, além dos cinco trabalhos
assinados por Ferrer Guardia, é a de Paul Robin que, a partir do número 3, de dezembro de
1901, até o número 6, de fevereiro de 1906, cria e divulga as bases fundamentais da educação
integral, consolidadas a partir de sua experiência no Orfanato de Cempuis. A educação integral
foi um debate muito presente na AIT, do qual participou ativamente Robin. A oportunidade de
colocar em prática muitos de seus pressupostos educacionais em Cempuis, e posteriormente
sistematizar as ideias e proporcionar as publicações sobre educação integral, foi muito pertinente
à educação racionalista libertária.
O Boletín de La Escuela Moderna é dividido em dois momentos definidos como primeira
e segunda época. A primeira se refere às séries do Boletín, do ano I, a partir de 30 e outrubro de
1901, ao ano V, ano em que é publicado o número 09, em 30 de maio de 1906. A publicação é
interrompida com o fechamento da escola, por ocasião da prisão de Ferrer. O Boletín do ano V,
número 10, apresenta como data junho de 1906 a julho de 1907 e um texto, de autoria de Ferrer,
o qual diz:
110
A los amigos de la verdad; a los amigos de la justicia
F.Ferrer Guardia.
111
2º conocer y estudiar cuantas novedades pedagógicas surjan en los países,
como resumen del conocimiento y de la experiencia, para asimilárselas y
difundirlas contribuyendo à su generalización y beneficiosa adopción;
112
Nunca con mayor oportunidad que en la ocasión presente, al dar a luz el
primer número de la segunda época de nuestro Boletín, podríamos emplear
esta histórica frase. La Escuela Moderna continua su marcha, sin rectificar
procedimientos, métodos, orientaciones ni propósitos, continua su marcha
ascendente hacia el ideal, porque tiene la evidencia de que su misión es
redentora y contribuye à preparar, por medio de la educación racional y
científica una humanidad más buena, más perfecta, más justa que la
humanidad presente. Esta se debate entre odios y miserias, aquella será el
resultado de la labor realizada durante siglos para la conquista de la paz
universal.
A segunda época apresenta diferentes matizes justamente por ter vivido o momento de
perseguição e prisão de Ferrer i Guardia e fechamento da escola. Sem dúvida, o apoio
internacional de setores livrepensadores e libertários e o movimento escolar racionalista na
Espanha, representam fatores culminantes tanto para a libertação de Ferrer quanto para a
retomada das atividades com maior ímpeto e apoio internacional. Assim, a publicação desta fase
do Boletín está diretamente relacionada à amplificação do racionalismo libertário por meio de
ações conjugadas e legítimas: a criação da Liga Internacional para a Educação Racional da
Infância, a efetivação e periodicidade de três orgãos informativos e jornalísticos: O Boletín, a
L’école rénovée e La Scuola Laica - Rivista internazionale di educazione moderna, com a direção
de Luigi Fabri. As três revistas, financiadas por Ferrer i Guardia, apresentavam estrutura muito
semelhante, inclusive com a repetição de alguns artigos e outros relacionados à realidade local,
o que simplificava e reduzia os gastos com redação e proporcionava a coerência da linha
ideológica (Lorente, idem:91-99).
Em função da natureza política e pedagógica destes periódicos, certamente pode-se
compreendê-los como Revistas de Ensino. Catani e Souza (2001) discutem que o trabalho de
pesquisa com a revista de ensino como fonte primária configura um fértil campo de investigação
das práticas e disciplinas escolares e dos sistemas escolares de ensino, na perspectiva da
história da educação. E, para além disso, com o estudo interno ao periódico e sua produção é
possível “reconstruir estágios de funcionamento e estruturação do campo educacional”;
movimento de professores e suas atuações, confrontos e associações. De acordo com interesse
desta pesquisa, os periódicos educacionais podem ser entendidos como núcleos informativos,
que constituem espaço de construção e divulgação de discursos legítimos sobre questões de
ensino e recomendações, orientações sobre como ensinar (idem:243).
As revistas de ensino, fundadas na tentativa de vincular teoria e prática, em virtude das
atualidades das preocupaçoes e ações pedagógicas, são portanto, fontes históricas que revelam
determinadas vozes do campo educacional, justamente por não serem neutras, por
113
corresponderem ao âmbito de atuação de frentes políticas e pedagógicas que interagem no
campo educacional. Pierre Caspard defende que o trabalho com as revistas de ensino possibilita
Desse modo, pode-se afirmar que o boletín constitui não só um material de veiculação
de textos informativos, mas também de formação pedagógica, na linha de uma revista de ensino.
114
A concepção de Clemence Jacquinet e o Boletín de la Escuela Moderna
Clemence Jacquinet expressou nos primeiros Boletíns, ano I e II, grandes marcas
teóricas e práticas do trabalho realizado na Escola Moderna de Barcelona. Os dois primeiros
anos do Boletín apresentaram muitos textos pedagógicos de autoria de Jacquinet, com teor
reflexivo sobre as práticas realizadas na escola. Há outros textos, todavia, com a mesma função
pedagógica, que são de responsabilidade da própria redação do Boletín, e que podem ser ou
não atribuídos à Clemence Jacquinet. Nesse sentido, pode-se indicar os seguintes textos ao
longo da trajetória de Jacquinet na escola:
115
alumnos exames realizada na escola.
c) Classificação de
comportamentos e atitudes, mais
conceito.
Ano I, n.º 7 - 30/05/1902 a)Al profesorado a) sobre a preparação das lições
b) El estimulo em la escuela e atividades escolares, assina
moderna C.J.
c) Classificación de los b) visão sobre castigos e
discípulos avaliação da criança
c) Classificação de
comportamentos e atitudes, mais
conceito.
Ano I, n.º 8 - 30/06/1902 a)por qué la Escuela Moderna b) Saidas de estudos ou estudos
no celebra examenes do meio;
b) Uma lección práctica
Ano II, n.º 1 - 31/10/1902 a)Alumnos e número de vezes
que han llegado tarde
Ano II, n.º 3 - 31/12/1902 a)Estúdios pedagógicos a)Jacquinet explica sua
motivação em publicar textos
sobre grandes pensadores da
educação
Ano II, n.º 4 - 31/01/1903 a)Rabelais Pedagogo a)Escrito por Clemence
Jacquinet
Ano II, n.º 5 - 31/02/1903 a) Rabelais Pedagogo – a)Escrito por Clemence
continuação Jacquinet
b) La buena escuela b) Paul Robin
Ano II, n.º 6 - 31/03/1903 a)Montaigne a)Escrito por Clemence
b)La enseñanza de la geografia Jacquinet
b) Escrito por Elisée Reclus
Ano II, n.º 7 - 31/04/1903 a)Derechos e deberes a) Escrito por Clemence
b) Es posible la redacción de un Jacquinet -
programa de educación integral? b) Escrito por Paul Robin
Ano II, n.º 8 - 31/05/1903 a)Juan Jacobo Rousseau a) Escrito por Clemence
Jacquinet
Ano II, n.º 9 - 30/06/1903 a)Hebert Spencer a) Escrito por Clemence
b)Nuestros Museos de historia Jacquinet
natural b) Escrito por Clemence
c)La enseñanza: libertad o Jacquinet
monopólio c) Escrito por Sebastian Faure
Além dos textos de Jacquinet, há outros voltados essencialmente para a reflexão sobre a
prática pedagógica e a criação de novos referenciais, alguns de autoria de Paul Robin, sobre
educação integral, um de Elisée Reclus, sobre ensino de geografia e um de Sebastien Faure,
sobre o papel social da escola.
Há certa constância de seções ou colunas no jornal, elaboradas por Jacquinet ou pela
redação, como Classes Preparatórias, Al profesorado, Classificación de discípulos, e as diversas
116
“relatorias” sobre o cotidiano escolar, estas seguramente de autoria de Jacquinet. As seções
representam de fato o espaço formativo do Boletín, uma vez que possibilitam ao professor a
reflexão e compreensão de temas variados sobre o aprendizado, a forma e organização da
escola em termos de espaço e tempo, atividades, relações sociais entre crianças. Sobre a
natureza e funcionalidade destes textos, Muro observa que
Há dois textos interessantes e curiosos logo no primeiro número do Boletín, cuja autoria
não está explícita: Inauguração de la Escuela Moderna e Al profesorado, os quais apresentam
uma classificação das crianças (indiferentes; impulsivas; reflexivas; sensíveis). Com a
categorização presente neste texto, pode-se notar quais foram os direcionamentos para a
avaliação dos alunos, nos primeiros meses de funcionamento da escola, conforme a proposta de
Jacquinet:
117
O texto marca de antemão duas posições centrais à prática pedagógica que se pretende
instaurar: a criança deve ser observada com base em sua individualidade; o processo educativo
é diretivo, pela ação e bom senso do professor. Já em seu primeiro Boletín, a Escola Moderna
marca uma posição sobre o laissez faire pedagógico. Na verdade, o trabalho educativo é um
processo muito criterioso e de grande responsabilidade. Assim, a criança é compreendida e
observada do ponto de vista de suas necessidades e capacidades, mas em contrapartida,
classificada por estes mesmos critérios, de modo que tal classificação teria a função de trazer ao
professor subsídios ao seu trabalho e o que esperar de uma criança, percebida por ele, como
impulsiva ou reflexiva, por exemplo.
Disso advém outra crítica evidente à escola ordinária: a aplicação de regras uniformes
em um grupo com indivíduos diversos, que representa uma forma injusta de negar a natureza
singular de cada criança; a individualidade pode ser apreendida pelo trabalho de investigação. O
texto utiliza a expressão “naturaleza íntima” como principal característica da personalidade e dos
comportamentos de determinada criança. Viabiliza critérios de reconhecimento desta “natureza
íntima” por meio da caracterização de algumas tendências relevantes que propiciam uma lógica
para o agrupamento das crianças. Sem propor uma classificação em categorias hierarquizantes,
propõe a utilização de categorias associadas ao processo de investigação, que possibilita os
agrupamentos considerando que existem crianças indiferentes, impulsivas, reflexivas e
sensíveis.
Ao definirem as características das crianças, fazem ponderações e certos julgamentos
sobre comportamentos individuais e o que se pode esperar quando da sua atuação em grupo.
Como por exemplo, os indiferentes são “ni buenos, ni malos, por desgracia, la gran mayoría del
público escolar: son los dóciles, los siguen la corriente”. E articulam as características individuais
às possiveis condutas sociais: “los indiferentes no saben querer ní hacer nada por sí mismos;
son la plaga más funesta de una escuela, como serán después la parte más peligrosa de la
sociedad”.Os impulsivos são concebidos como naturezas francas, mas irreflexiveis e
inconstantes, que não se articulam ao momento presente:
118
suele ser tan fingido como podría creerse: hay en esto un fenómeno de
sugestión mental curioso y digno de estudio.
Já os reflexivos necessitam de uma educação moral mais forte do que os outros, pois
acreditam representar o aluno hipócrita: “el niño hipócrita parecerá el más aplicado de los
alumnos, el más exacto en su trabajo, pero engañará á un compañero complaciente para que
resuelva sus problemas ó le haga sus lecciones escritas”. E os sensíveis são “unos vivos y
excesivos, en todas sus acciones, otros son soñadores y concentrados en sí mismos; otros son
tímidos hasta el exceso, y sintiéndose desterrados en medio de sus compañeros, suelen pasar
por tontos á la consideración de los que no ponen empeño en conocerlos.” Recomendan,
portanto, que se trabalhe com os sensíveis cultivando suas boas qualidades, e se trabalhe o
afeto, por ser esta uma dimensão por meio da qual a criança sensível pode se desenvolver.
Esta classificação das crianças apresenta ao professor algumas pistas sobre os
possíveis comportamentos e caminhos para desenvolvimento individual infantil no grupo. A
investigação de cada criança deve, portanto, fazer parte da rotina diária do professor, que deve
observá-las em pequenos detalhes, situações rotineiras e simples, que podem expressar mais
sobre a personalidade de cada uma delas. O texto define a investigação como “exploraciones
morales”, e que, por serem deste nível de comportamento e representação social, são
inadequadas de serem exercitadas durante uma aula, por exemplo, quando as crianças estão
sob as orientações de um trabalho. Assim,
119
sujeição às leis e referências externas. Pode-se dizer que a criança indiferente, conforme define
o boletín, configura-se a partir de um grande grau de heteronomia que age recursivamente no
plano individual e social. O que motivou a classificação de Jacquinet (e que pode ser aproximada
à de Piaget) foi compreender as diferentes condições de constituição do juízo e atitude moral no
desenvolvimento cognitivo da criança, perceptível por inclinação para determinadas inserções
sociais, que já se revelam na escola. Os aspectos da psciologia, que representam neste
momento um conhecimento incipiente, mas de grande adequação às questões da educação
escolar, se relacionam fortemente com fatores sociais. A preocupação consiste tanto em saber
como a criança constrói seus juízos morais, quanto compreender mediante a investigação dos
comportamentos sociais os possíveis juízos morais. O professor pode assim, trabalhar no âmbito
da formação moral da criança, objetivando seu aprimoramento e evolução pela escola e para a
sociedade em transformação:
Outro texto presente no primeiro Boletín (Ano I, n.º 1-30/10/1901) que expressa aspectos
organizacionais e pedagógicos da Escola Moderna, com a contribuição de Jacquinet, chama-se
Primeira clase preparatoria – explicación del empleo del tiempo, conforme mencionado na
tabela. Este texto explicita aspectos da organização do tempo e das atividades diárias na escola,
muito criteriosa e estruturada em certas práticas educativas.
A primeira proposta de organização do tempo escolar foi efetuada com base em rotinas
voltadas a ações diretivas, com o objetivo de manter os alunos em plena atividade na escola e
qualificar os usos dos tempos e espaços que compunham o dia a dia. Com isso, se constituiria
elementos para a posterior organização curricular da escola, o que abarcaria tempos, espaços,
práticas e conteúdos de forma mais sistemática e adequada à realidade dos alunos. O trabalho
de Nora Muro envolve graficamente aspectos da organização do tempo, em relação aos cursos,
aos conteúdos trabalhados e às metodologias, adentrando aspectos objetivos do currículo
escolar e desenvolvendo uma análise dos livros da Biblioteca Escola Moderna. Para a finalidade
deste trabalho, que é dar relevo a alguns aspectos conceituais da Escola Moderna, serão
expressos alguns excertos dos textos programáticos organizados por Jacquinet, para os
primeiros momentos de vida da escola. O dia escolar era dividido em:
123
9 às 9:30 – Visita de limpeza. Ordem da aula.
9:45 às 10 – Recreio
Manhã:
10 às 10:30 – exercício manuais
11 às 11:15 – Recreio
Esta rigorosa organização do tempo foi posta em prática como programa experimental
no primeiro trimestre de 1901-1902. Com isso, se poderia organizar o currículo, com base no
levantamento de conteúdos mínimos e na avaliação dos alunos. As categorias de avaliação e
classificação dos alunos, apresentadas anteriormente, expressam a preocupação inicial de
conhecer as características e necessidades do grupo e constituir um currículo escolar adequado.
Mas a forma como cada prática é apresentada no Boletín, permite captar os fatores conceituais e
os objetivos relacionados às práticas efetuadas na escola, como se vê com a descrição da visita
de limpeza:
A higiene era uma questão de saúde, vigor e comportamento são, ativo, digno para os
124
libertários. A visita de limpeza tinha também o objetivo de impedir que o contato na escola
proliferasse doenças, mas não se sustentava no propósito de provocar na criança um momento
de reprovação e distinção pela visão higienista, eugênica e vexatória. Associa-se, inclusive, este
momento à preparação para a entrada da criança na sala de aula, cultivando o respeito à aula e
ao espaço da sala de aula. Assim, consideram que
125
Na sequência da revista de limpeza, era efetuado o interrogatório sobre o trabalho do dia
anterior. Esta prática tinha o intuito de estabelecer relação entre os conteúdos e experiências
trabalhados no dia anterior, caracterizando-se como exercício de memória e conscientização
sobre as ações da criança, no âmbito temporal:
126
os exercícios manuais:
No fijaremos día para cada ejercicio, dejemos á los niños que escojan
libremente el que les plazca; solamente con un poco de habilidad, el
profesor sugerirá la elección de sus alumnos, con el fin de introducir la
variedad en el trabajo. Al efecto, habiendo preparado de antemano dos o
tres ejercicios, propondrá á los niños la adopción de uno; si bien que se
arreglará de manera que resulte la preferencia para el que juzgue más
conveniente.
O recreio e os exercícios manuais tinham também por base o exercício criativo, envoltos
pela relação de progresso, liberdade e participação de todas as crianças. Conforme cita Nora
Muro, “o método de observação foi a chave para melhorar a prática educativa”; com isto, os
professores tinham em sua prática pedagógica cotidiana a oportunidade de observar as crianças,
com o objetivo de aprimorar as próximas ações pedagógicas. O recreio era o momento do
exercício espontâneo e lúdico, quando a criança poderia expressar sua natureza, construir e
representar situações sociais sem a mediação dos adultos. Isto constituía outro fator
fundamental à observação pelos professores. O jogo e o lúdico eram concebidos como práticas
espontâneas determinantes à formação física, cognitiva e intelecutal da criança. Nota-se
teorizações sobre o jogo muito correspondentes às concepções em difusão entre precursores da
Escola Nova, como Froebel, que inclusive é mencionado no livro Escuela Moderna, de Ferrer i
Guardia, em um texto assinado por R.Columé e extraído do boletín. Neste texto, o jogo é
relacionado com as representações sociais da vida profissional e com conexão direta com os
instintos da idade viril:
Los niños combinan y ejecutan sus juegos con un interés y una energía
que solo abate el cansancio. Trabajan por imitar cuantas cosas puedan
concebir que hacen los grandes. (…) El ardor y vehemencia con que
hacen esto muestra cuán profundamente real es para ellos, y revela
además que los instintos en los niños no difieren absolutamente de los
instintos a la edad viril. El juego espontaneo, que es de preferencia del
127
niño, predice su ocupación o disposición nativas. El niño juega a hombre,
y cuando llega a la edad viril hace en serio aquello que de niño le divertía
(Ferrer, 2009:111).
Todavia, esta metodolgia como proposta de educação científica foi já na próxima década
perdendo êxito do ponto de vista do reconhecimento como conteúdo curricular da escola oficial
britânica. De acordo com Goodson, a escolarização pública na Grã-Bretanha vitoriana foi
reorganizada para minar iniciativas voltadas às classes populares, e reiterar o ensino de uma
ciência pura de laboratório. As lições de coisas se tornaram muito difusas também no pesamento
renovado da educação, com Pestalozzi, que valorizava a educação pelas coisas e depois pelas
palavras, isto é, das coisas para as palavras. O já mencionado Dictionnaire de pédagogie et
d'instruction primaire, de Ferdinand Buisson (1897) apresenta o verbete lições de coisas,
reiterando a importância de Pestalozzi para a difusão desta metodologia em programas de
ensino e como recurso para as variadas disciplinas escolares. As lições de coisas levavam a
criança a aprender pela relação sensorial, pela intuição e pelas referências comuns, sendo uma
128
forma muito produtiva de interação entre desenvolvimento cognitivo e meio social. A forte difusão
no final do século XIX gerou também importantes manuais escolares centrados no ensino das
lições de coisas, como Primeiras Lições de Coisas de Norman Allison Calkins (1861);
L’Enseignement élémentaire. Plan d’études et leçons de choses, de Jules Paroz
(1875); Exercices et travaux pour les enfants selon la méthode et les procedes de Pestalozzi et
de Froebel transformes et adaptes a l’usage des écoles francaises, de Delon (1892), ambos
publicados na França, entre outros. O trabalho com as lições de coisas também se relacionava
às metodologias difusas e explicitamente adotadas pela Escola Moderna, como os Centros de
Interesse, de Oliver Decroly. Outro fator importante relacionado às lições de coisas consistia na
crítica às práticas realizadas no interior do espaço escolar e dentro dos limites conceituais dos
livros. As lições de coisas seriam atividades escolares realizadas em espaços exteriores à e da
escola; os jardins da escola, por exemplo, eram o espaço de maior inserção destas atividades, e
espaço no qual elas se iniciam. Nestas experiências se pode dar início à observação de fatores
concretos da vida presente nos livros, a vida animal, vegetal e social que constituem temas
discutidos fora e dentro da escola. Assim, o Boletín divulga as lições de coisas na Escola
Moderna como uma das atividades de maior importância:
Lección de cosas
129
Como prática fundamental à relação de abertura dos espaços e metodologías escolares,
as lições de coisas subsidiavam também as atividades escolares realizadas em saídas de estudo
ou estudos do meio, muito difusas na Escola Moderna, como se verá adiante. É interesante notar
que o texto valoriza justamente a relação estabelecida entre uma atividade externa, uma saída
de estudo e a relação com a vida familiar e pessoal da criança, na qual se estabelece um novo
conhecimento e certamente a posterior situação de relato na escola. A criança realiza as
conexões entre os saberes intra e extra-escolar, ressignificando-os tanto em sua vida pessoal
quanto escolar.
Por fim, o Boletin relata o exercicio manual que possibilita à experiência escolar
possíveis vínculos entre os conhecimentos adquiridos na escola e os gostos pessoais da
criança:
130
educacional, de meados do século XIX para o XX, a escola apresentava, pelas mãos de
Jacquinet como gestora, nestes primeiros anos, nítida afinidade com as propostas modernas de
trabalho pedagógico, acrescidas de sua visão socialista em constante exercício. O Boletín n.º2 -
30/11/1901, apresenta o texto Relación General, que faz uma breve avaliação destes primeiros
ensaios pedagógicos e demonstra a preocupação da diretora em afinar propostas e relatar os
progressos e recuos do projeto aos leitores do boletín, transparecendo um ambiente de dialogo e
reflexão acerca das escolhas e apostas pedagógicas. Um exemplo muito interessante se refere
ao comportamento das crianças em relação aos materiais escolares, cuja reflexão aponta a
intrínseca relação entre ordem material e dimensão moral, como se nota:
O grande teor qualitativo destas ações muito bem direcionadas segundo princípios
131
difusos no dia a dia escolar consiste na superação de formas de discernimento reguladas pela
coerção. Em lugar de serem coagidas a apresentarem derterminada conduta e aceitarem-na
como bom senso, as crianças são levadas a agirem em função da avaliação das consequências
e das suas responsabilidades no contexto coletivo. Ao cultivar este tipo de reflexão, a prática
pedagógica da Escola Moderna consequentemente trabalhava com diferentes concepções
acerca de dicotomias como liberdade/autoridade; transgressão/punição; autonomia/dependência.
Assim, o “acaso” representaria um fator constitutivo da relação didática e estabelecimento de
consensos pedagógicos, sociais e morais, pelo livre acordo e exemplo concreto:
132
Recibimos frecuentes comunicaciones de centros obreros instructivos y
fraternidades republicanas, quejándose de algunos profesores que
castigan a los niños en sus escuelas. Nosotros mismos hemos tenido el
disgusto de presenciar el hecho que motiva la queja, viendo niños de
rodillas o en otras actitudes forzadas de castigo. Esas prácticas
irracionales y atávicas han de desaparecer; la Pedagogía moderna las
rechaza en absoluto (…) En las escuelas libres todo ha de ser paz,
alegría y confraternidad (Ferrer, 2009:135).
Como se sabe, a questão dos exames, concursos, prêmios e outros tipos de estímulos
que incitavam a competição e a disputa pelo mérito eram rechaçados na mesma medida em que
os castigos. Em primeira instância, esta prática reforça desigualdades e explicita, no interior de
um espaço restrito como a sala de aula, distinções intelectuais, culturais e econômicas, isto é,
mesmo no interior da escola, as desigualdades são reforçadas e os desprovidos de prestígio
social são novamente excluídos. Esta função da escola já foi amplamente discutida no âmbito da
sociologia, seja na linha altusseriana, seja na reproducionista. Ferrer abre o capítulo sobre
prêmios e castigos colocando que “o ensino racional é antes de tudo um método de defesa
contra o erro e a ignorância. Ignorar verdades e crer em absurdos é o predominante em nossa
sociedade e a isso se deve a diferença de classes e o antagonismo dos interesses com sua
persistência e continuidade (idem, 128)”. A crítica à forma como a institução escolar, como
âmbito legitimo e oficioso da sociedade concebe seus métodos de avaliação e as finalidades
diante da formação do aluno faz parte do ideario libertário de educação. A Escola Moderna
colocava esta crítica em prática, encontrando meios de promover um processo de avaliação do
progresso escolar do aluno, buscando superar sua submissão a um proceso vazio e artificial de
provas de conhecimento. Elisée Reclus, no texto Educação, componente de sua grande obra O
Homem e a Terra, refere-se a tal problemática nos seguintes termos:
133
verdade.(…) É um perigo capital compreender demasiado rápido, sem
dificuldade, sem esforços nem longo trabalho de assimilação. Rejeitam
negligentemente o osso do qual um outro ‘chupou o tutano’: deixam se
levar pela indiferença, quase em desprezo pelas mais belas coisas,
enfastiam-se: a falta de estudo pessoal mata a iniciativa, retira da
palabra e dos atos toda a originalidade (Reclus, 2010:33).
O Boletín de la Escuela Moderna (30/09/1903, ano III, nº1) traz uma reflexão sobre esta
questão: Exámenes y concursos. O texto critica a preocupação com conhecimentos superficiais,
pautados na memorização, antes dos significantes do que dos significados das palavras, que
tornam as crianças bons reprodutores, o que não siginifica que tenham se apropriado do
conhecimento:
Al finalizar el año escolar hemos oído, como los años anteriores, hablar
de concursos, de exámenes, de premios. Hemos vuelto á ver el desfile
de niños cargados de diplomas y de volúmenes rojos, adornados con
follajes verdes y dorados, hemos pasado revista á la multitud de mamás
angustiadas por la incertidumbre y de niños aterrorizados por las
temibles pruebas del examen, donde han de comparecer ante un tribunal
inflexible á sufrir tremendo interrogatorio (…) Ese es el símbolo de todo
el sistema actual de enseñanza. Porque no se interrumpe solamente
nuestro trabajo para sancionarle por marcas y clasificaciones en una
época del año, ni en una edad de la vida, sino durante todos nuestros
años de estudio, y para muchas profesiones durante toda la vida. (…)
Séanos permitido idear, sin ser tachados de utopistas, una sociedad en
que todos los que quieran trabajar puedan hacerlo, en que la jerarquía
no exista, y en que se trabaje por el trabajo y por sus frutos legítimos.
Comencemos por introducir desde la escuela tan saludables costumbres,
dedíquense los pedagogos á inspirar el amor al trabajo sin sanciones
arbitrarias, ya que hay sanciones naturales é inevitables que bastará
poner en evidencia. Sobre todo evitemos dar á los niños la noción de
comparación y de medida entre los individuos, porque para que los
Suprimamos, pues, en las escuelas las clasificaciones, los exámenes,
las distribuciones de premios y las recompensas de toda clase. Este será
el principio práctico.
Mas, certamente o estudante era avaliado na escola e passava por procesos voltados ao
acompanhamento de seu progresso escolar. O grande avanço da discussão sobre exames
estabelecida na Escola Moderna consistía no ato de repensar as práticas avaliativas como forma
de apreender de que maneira o aluno se apropriava dos conhecimentos trabalhados em seu
cotidiano escolar. O Boletín número 6 ( Ano I, n.º 6 - 30/04/1902) apresenta esta preocupação
no texto Memória de los estudios - fin de abril, cujo principal foco de discussão são as atividades
de interrogatório, componentes do primeiro programa escolar. Inicialmente é apontado um
problema no andamento do instrumento: o fato de que os professores não haviam compreendido
134
bem a maneira de fazer o interrogatório, de modo que fosse realmente “frutífero”. O texto alerta
que o interrogatorio não deveria nem colocar em causa o mérito do professor nem privilegiar
alunos brilhantes com bagagem de conhecimento volumosa. O objetivo do instrumento é
explicitado com os seguintes questionamentos:
Preguntas y respuestas
136
individual, como no caso dos alunos distraídos. Estas pequenas publicações no boletín tinham a
função de colocar os pais a par dos progressos ou recuos dos filhos. Assim, ao negar a prática
de exames, a escola avaliava as crianças processualmente, mediante a prática da observação e
buscando a correspondência dos pais na orientação dos filhos. Mais uma vez, o Boletín realiza o
papel de instrumento de comunicação e afinação do trabalho educacional entre escola e familia.
Outro fator partilhado com a familia era a frequência dos alunos. Da mesma forma que as
avaliações, a quatidade de faltas era publicada no Boletín com o objetivo de que os pais
tomassem ciência:
Além destas questões expressas de maneira pontual, era comum a publicação de textos
direcionados exclusivamente aos pais, focando no trabalho conjunto e consciente sobre a
educação dos filhos. Em um texto componente do segundo Boletin (Ano I, nº2 - 30/11/1901),
intitulado A los Padres, Clemence Jacquinet delineia muitas marcas a respeito da preocupação
de construir com as familias um acordo pedagógico, baseado em afinidades que poderiam ser
reforçadas pelo boletín. A família representaria para a escola um elo que, empenhado na
formação das crianças de acordo com propósitos claros, possibilitaria a ressonância efetiva do
projeto educacional racionalista. Ao se dirigir aos pais, Jacquinet defende que estes são os
exemplos que os filhos hão de imitar constantemente; e pede a vigilância constante sobre suas
condutas, palavras, crenças: “piensa siempre en su presencia y en el alcance de sus palabras
sobre sus juveniles inteligencias”. Esta parceria se segue ao boletín de número quatro (Ano I, n.º
4 - 31/01/1902), no qual Jacquinet publica a memoria del 15 de deciembre a 15 de eneiro ,
novamente em franco diálogo com as famílias, mas centrado na questão da admissão das
crianças na escola. O texto aponta um problema que poderia repercutir de maneira negativa na
formação da criança: muitos pais aceitam que a escola não proporcione o ensino religioso, mas
cultivam a religião na vida privada familiar. O ensino racional e científico não poderia ser
137
ministrado sobre uma base familiar religiosa, uma vez que provocaria na criança conflitos morais:
Este texto toca em um ponto crucial às relações familiares e afetivas que é a questão da
propriedade. A negação da relação de autoridade e propriedade como elementos de sustentação
e fortalecimento dos laços afetivos é uma marca essencial à compreensão a questão do amor
livre no anarquismo. As relações sociais envoltas pela esfera do amor deveriam ser reguladas e
138
sustentadas por princípios de ajuda e amor mútuo, de solidariedade e conservação dos laços
sociais. A relação de propriedade e autoridade do homem sobre a mulher e do adulto sobre a
criança, pelo consenso da dependência e da submissão é constantemente combatida pelo
pensamento e pela prática anarquista, de modo que tal processo se dava cotidianamente na
escola. Haja vista a constante defesa da coeducação de sexos. A reprodução desta forma de
autoridade é uma forma de relação artificial, mecanizada por espaços sociais como a escola,
uma vez que as crianças nascem nos seios de suas famílias unidas pelo convívio vital, que
ultrapassa o gênero; como diz Ferrer, na “ingênua igualdade da infância”. Considerando a vida
familiar e doméstica, Reclus lembra que
Reclus segue a discussão defendendo que foi justamente o isolamento da mulher como
princípio vinculado à sua preparação ao matrimônio, que cultivou a sua dependência em relação
ao pai e ao esposo; e tal lógica substanciou, nas sociedades modernas, a prática de educar as
mulheres ao longo de sua vida escolar, separadas dos homens, preparando-as socialmente para
a submissão. O Boletín de la Escuela Moderna publicou em 1904 um texto de Paul Robin
(31/12/1904, ano IV, nº4), no qual o educador revela como a questão da coeducação de gêneros
foi implementada do orfanato de Cempuis, problematizando a questão pelos aspectos materiais
e a ação da visão religiosa no apartamento de crianças pelo gênero. Em função da importância
do texto, se reproduz aquí de forma um pouco extensa:
139
separación era bastante baja para verse por encima, no se hacía caso;
pero donde era alta se practicaban agujeros con la malicia consiguiente
á la idea sugerida por aquella división que suponía una traba, una
desconfianza, de la naturaleza, malicia que se desvanecía cuando se
veían sin obstáculo y habían de caminar juntos niñas y niños algunos
kilómetros antes y después de la escuela.
En 1879, el autor de estas líneas, á la razón inspector de instrucción
primaria en Blois, vio muchas de esas divisiones estropeadas por el
tiempo ó por otras causas, y recomendó siempre que no se
compusieran.
Pocos meses después estaba en Cempuis. El director Enseñanza del
departamento del Sena había dicho textualmente: sabemos lo que usted
vale y lo que quiere; haga sus experimentos y todos nos aprovechamos
de ellos. Lo que quería era, entre otras cosas, realizar la educación mixta
tal como la había expuesto en la revista de Littré y Wirouboff diez años
antes.
Y así lo hizo. Mandó derribar las pareces de separación de los tres
patios, envió á paseo con buenos modos al arquitecto, amigo de los
jesuitas, que quería reconstruir las tres paredes derribadas pretextando
que existían en el plano aprobado por el Consejo general y el Prefecto.
Y niñas y niños pequeños y grandes se divirtieron juntos como hermanos
y hermanas. En clase las y los mayores estudiaron á un lado, y los
pequeños y pequeñas á otro.
En el refectorio aquella gentecita se arregló como en una gran familia,
los mayores servían, ayudaban y enseñaban a los menores son
consideración de sexo.
Se crearon toda clase de talleres; los más hábiles enseñaron lo que
sabían á los que los eran menos, y estos, ayudando á los primeros se
hicieron hábiles á su vez.
En el primer años, con la eficaz cooperación de los discípulos mayores,
se construyó un gran estanque para la natación; el segundo año se
bañaron juntos en é los huérfanos y las huérfanas, como lo hacen en la
orilla del mar los niños de las familias ricas, y con gran escándalo de
estas, los niños sin padres fueron también á bañarse al mar,
distinguiéndose únicamente en que fueron mucho más osados que sus
hermanos y hermanas privilegiados.
140
de Kropotkin a respeito da educação integral do ponto de vista de sua relação com a diversidade
natural, como elemento fundador da desigualdade em riqueza e pluralidade. A diversidade
natural dos seres humanos deveria ser transformada em riqueza social; o reconhecimento e
valorização da diversidade seria o grande estopim para a emancipação completa e a evolução
da liberdade individual. Sob este ponto de vista, o ser humano não é completo e integral de
maneira isolada, justamente por ser sociável e sua vida se constituir de extensões infinitas na
vida coletiva, entre uns e outros (Codello, idem:138). Fundada sob a ajuda mútua e o exercício
do altruísmo, a educação libertária proporcionaria a relação de cooperação tomando por base as
características individuais, do ponto de vista genérico e do ponto de vista da personalidade, e
sua fusão mediada pela conservação da vida social.
Além da interação entre indivíduos como fator fundamental à constituição do ser humano
do ponto de vista de sua natureza, o ambiente social e natural no qual vive também representa
um campo fértil na formação escolar. Considerando as atividades relacionadas às lições de
coisas e às bases do método intuitivo como importantes vias metodológicas, a relação com o
meio, sobretudo quando não alterado profundamente pelo homem, é essencial para se
compreender a prática pedagógica anarquista. Um ponto crucial é que a aprendizagem dos
conhecimentos e o desenvolvimento cognitivo da criança não se dão por meio da assimilação
mecânica e passiva; este processo se dá mediante a participação ativa, concreta e espontânea
da criança em situações que propiciem sua aprendizagem. Reclus considera que a escola deve
abrigar diversos movimentos espontâneos da natureza, tais como corridas nos campos, passeios
em florestas, nas margens de rios, observação da vida animal em seu habitat. Estes
movimentos, que compõem o status de atividades excepcional na vida escolar, deveria ser sua
regra, como forma de observar e compreender de maneira viva, precisa e coerente o mundo
exterior (Codello, idem:222). Nesse sentido, a Escola Moderna primava pela vivência educativa
externa à escola, pela realização do que nos dias atuais se conhece, no campo pedagógico
como estudos do meio. Em um artigo contemporâneo sobre estudo do meio como metodologia
para o ensino de geografia, Estudo do meio: teoria e prática, a docente Nídia Pontuschka remete
a Francisco Ferrer e Celestan Freinet a gênese das práticas de estudo do meio:
141
seja, um contato mais direto com a realidade estudada, seja ela, natural
ou social (2009).
143
justicia social se eleve siquiera á la altura del adelanto científico
industrial, hemos de trabajar cuando tengamos empeño en elevar la
especie humana á la altura de la dignidad e de la positiva felicidad.
144
que habla y que se hallan, no obstante, en la misma calle, ante la puerta
de la escuela, en los arroyos y os charcos de agua que forman las
lluvias?
Por otra parte, cuando los niños tienen la dicha, que seguramente
tendrán en la Escuela Moderna, ganan con no tener libros. La
enseñanza oral, sugestiva,, dada por el que sabe á los que comprenden,
es la mejor. Después de haber recogido la semilla dan la cosecha por la
redacción de notas y la construcción de mapas. No obstante, puede
admitirse que, hasta para los profesores, la literatura geográfica se
145
enriquezca con un manual que sirva de guía y de consejo en la
enseñanza de esta ciencia.
¿Quiere V. que me dirija para ello á N..., persona que me parece capaz
de escribir esta obra perfectamente en el criterio indicado?
146
Necesitase energía y vitalidad moral positiva, mas para determinar la
voluntad al cumplimiento del deber, no ha de representársele áspero y
anguloso. La virtud no es asceta ni pedante.
Y para que la alegría infantil florezca y fructifique se necesita poca
cosa… basta con que ella se sienta comprendida y respetada. Mientras
nuestros hijos, ruidosos y alegres, no nos muestren el fondo de lo que
piensan y sienten, mientras no leamos en ellos ni dudas no misterios, no
podremos decir que están alegres, porque conocer la alegría es tener
confianza en la vida y en los individuos, es ser abierto á los que nos
rodean, es no temer que se nos califique de exagerados por la
manifestación de un pensamiento ó de un deseo, porque la tal
manifestación, quizá no razonable, será comprendida y seguramente
juzgada con dulzura y con amor. No criemos seres sin alegría por
sistemática severidad ó por excesiva complacencia; sí nuestros hijos no
siente impulso de participarnos sus confidencias, si se manifiestan
reservados, si se ocultan para realizar un capricho del que esperan
places, es señal de que hemos emprendido falsa vía. En la familia deben
gozarse las primeras dulzuras de la vida, sin que para ello obsten la
fortuna ni la posición; basta comprender la naturaleza del niño y no
dificultar su desarrollo natural.
Ella Ergen
147
iniciando-se com o de abertura, Estudios Pedagógicos:
148
obra, no qual apresenta no último capítulo o texto Los factores de la educación social. Este texto
traz elementos fundamentais à compreensão do pensamento pedagógico de Jacquinet. Em
convergência com a preocupação apontada na abertura de seus estudos pedagógicos, Jacquinet
reitera em seu livro a crítica ao costume de se reduzir a pedagogia e a educação a simples
“opiniões mais ou menos arbitrariamente emitidas, a observações puramente artificiais”, de modo
que aponta o fato de que a psicologia, ao compreender a inteligência como resultado das
funções cerebrais humanas, confere à pedagogia a necessidade de se estabelecer observações
rigorosas que expliquem a formação humana (1907:285).
Ela segue o diálogo com os jovens educadores levantando as seguintes questões:
Com esta definição aclarada, se pode compreender o fim e a que serve a educação,
segundo Jacquinet, como educadora libertária. A educação está, portanto essencialmente
relacionada à vida social em virtude do governo das ações humanas em pleno acordo com sua
vivência coletiva e social.
O primeiro autor estudado pela série Estudios Pedagógicos foi François Rabelais,
comumente evocado pelo ideário anarquista, sobretudo por sua obra critica aos cânones
estéticos e sociais (Litvak, 2001:293). Jacquinet, ao intitular seu texto: Rabelais, Pedagogo,
enfoca em Gargantua e Pantagruel (1532-52) seus aspectos educativos. O texto faz um breve
resumo sobre como Gargantua foi educado, passando por educadores de origen religiosa e
recebendo uma formação escolástica, cuja experiência e acúmulo de saber não lhe serviam a
nada. Quando Gargantua passa a ser educado por Podócrates, Jacquinet explicita algumas
transformações substanciais pelas quais passa o estudante, como a questão da higiene, sobre a
qual diz: “Rabelais, e não é um de seus menores méritos, insiste constantemente na
necessidade da limpeza e das práticas de higiene. Sobre este ponto se declara aberta rebelião
contra todos os preceptos cristãos, que consideram os cuidados do corpo como uma impureza
moral”. Algumas marcas muito coerentes do pensamento libertário são expressas pela autora
quando ressalta que o novo preceptor de Gargantua não modificou sua “viciosa maneira de
viver” abruptamente, considerando que a natureza não faz suas grandes mudanças sem
violência. E elenca as novas atividades vividas por Gangantua, intelectuais, estéticas, corporais
e físicas, vinculadas ao trabalho e ao contato com a natureza. E por fim, Jacquinet conclui:
No Boletín seguinte, a educadora publica o texto Montaigne, com a epígrafe: “mas vale
una cabeza bien hecha que una cabeza bien llena”, que converge em grande sentido com a
abordagem sobre Gangantua. Jacquinet foca em dois capítulos da obra Ensaio: “el pedantismo”
e “la institución de los niños”, fazendo ponderações acerca da relação ciência-poder e verdadeiro
saber. Como grandes abstrações da ciência, esmeradas pelos “pedantes” podem ser
compreendidas pela criança? E segue com diversas citações de Montaigne, proporcionando
contato direto com o autor.
O Boletín de número 8 (Ano II, n.º 8 - 31/05/1903), trata de Jean-Jacques Rousseau,
cujo artigo é iniciado da seguinte forma: “Analisar a Rousseau é como permanecer firme na
verdade, é uma tarefa delicada, capaz de intimidar a quen a empreenda e que, ainda que
sentindo entusiasmo pelo assunto, não deixe de dar se conta da dificuldade que oferece”.
Jacquinet estabelece algumas críticas a Rousseau como: a distância do mundo operário e
proximidade das classes dominantes: “és un burgués que prepara una revolución burguesa”.
Para Jacquinet, Rousseu falseou o verdadeiro sentido da natureza, por não conhecê-la
efetivamente e trabalhou com visões de denvolvimento infantil e educação, ao conceber Emilio
como criança das elites. Assim, assevera que Emilio é uma obra que deve ser lida pelo professor
com muito cuidado, com atenção aos possíveis erros e às possíveis verdades. Por fim, Jacquinet
aponta que o mérito da pedagogia de Rousseau consiste em dar amplitude aos sentidos e à
observação, estabelecendo uma periodização da vida da criança associada às suas capacidades
de observar, quando pequena, e abstrair e refletir à medida que se desenvolve. Sobre a relação
com a natureza, Jacquinet critica a Rousseau dizendo que
151
puro, se concibe respecto del desarrollo físico; pero su educación puede
ser falseada allí mismo que en la cuidad; sobre todo si se adopta el
sistema de Rousseau.
Con esa mezquina idea de la educación limitada al estudio de los libros, los
padres ponen la cartilla en manos de sus hijos mucho antes de la época
oportuna, y muy en su perjuicio. Ignorando que el uso de los libros es
suplementario, que sirven de medio indirecto para aprender cuando el directo
falta, puesto que facilitan el ver con ojos ajenos lo que uno no puede ver por
sí mismo, están siempre dispuestos á darles hechos de segunda mano, en
lugar de ofrecérseles de primera. No apreciando el inmenso valor de esa
educación espontánea que se efectúa en los primeros años, se obstinan en
ocupar la vista y el pensamiento del niño en cosas que, en esa edad, son
incomprensibles y repugnan...
Pode-se notar tanto nas considerações de Jacquinet quanto de Robin percepções muito
coerentes aos propósitos de constituição de uma nova concepção educacional, pautada em
referências integrais e emancipatórias. Nota-se também que os educadores evocados por
Jacquinet representam as grandes referências educacionais nos meios libertários e racionalistas.
A professora Henriete Meyer, no primeiro número da Reveu L’école Rénovée faz menção
praticamente aos mesmos nomes abordados por Jacquinet:
Mais pour cela nous avons besoin du concours moral et aussi matériel de
ceux qui, avec nous, estiment qu’il ne suffit pas de prôner dans les livres
officiales les príncipes pedagogiques des Montaigne, des Rousseau, des
Pestalozzi, des Froebel, des Spencer, des Tolstoi, mais que l’heure est venue
de leur donner la vie à l’école même (L’école Rénovée, ano I, n.º1).
Com a saída de Jacquinet, a Escola Moderna seguiu suas atividades e o Boletín, como
principal meio difusor da visão educacional da escola, passou a apresentar nuances distintas.
Pode-se dizer que se tornou mais combativo, e que o caráter pedagógico, voltado à formação de
profesores e o aprimoramento didático e metodológico da escola, em função da relação prática e
teoria, foi redimensionado. O forte ataque a qualquer representatividade no universo religioso,
sobretudo católico, à postura cívica e laica nos moldes no nacionalismo, do republicanismo,
passaram a compor o boletín de forma sistemática. Com isto, a Escola Moderna passou a ter
sua imagem associada à postura radical, detratora do poder religioso, na Espanha. Embora o
Boletín seja oficialmente dividido em dois momentos, cronológicos e de série de produção, cujo
marco divisor foi o encerramento da Escola Moderna em 1906, pode-se supor que o Boletín
apresente três linhas de ação pedagógica e nuances discursivas:
153
Boletín de la Escuela Moderna: aspectos distintivos
154
É importante considerar o caráter pragmático do texto jornalístico, como meio de
comunicação repleto de informações, tempos e abordagens, porém destinadas a construção de
um tipo de leitor. Em prineiro lugar, partindo da relação entre texto e contexto, nota-se que a
construção de um discurso é mais que uma situação social; é um ato social. O texto (artigo,
notícia, relato) não está somente escrito, ele constitui um discurso público e representa
conhecimentos de mundo, convicções e interesses pessoais. Dessa forma, à medida que
assume o tom combativo, o Boletín exerce junto à comunidade já estabelecida novos
direcionamentos discursivos e imprime perspectivas amplas de ação.
É o que se nota no Boletín de 30 de abril de 1904 (Ano III, n.º8), cujo texto de abertura
chama-se Enseñaza Cívica, e expõe a seguinte visão:
Se ha preguntado a los alumnos qué opinan sobre el dinero, en esta forma: ¿es el dinero
beneficioso o perjudicial a la sociedad? ¿Es indispensable? Supuesta su abolición, ¿como
podríamos adquirir lo necesario a la satisfacción de nuestras necesidades?
Nota-se que com tais questionamentos, as crianças invadem terrenos profundos acerca
de estruturas já consolidadas na sociedade, em relação as quais se encontram raras
possibilidades de superação e difícilmente se exercita o estranhamento. Diante disto, as 32
respostas, de crianças de 9 a 13 anos são apresentadas com conclusões gerais como: o
dinheiro é prejudicial, é inecessário apesar de indispensável à sociedade atual e possivelmente
substituível por uma forma justa. Assim, algumas respostas apresentam considerações como:
2- El dinero no es indispensable, por que el dinero no se come, no se bebe, no sirve para vestir,
no para cobijarse, ni es materia ni herramienta para se trabajar, con el dinero ó sin él, las cosas
utilizables para nuestra subsistencia tienen siempre sus mismas propiedades; el que viviera en
un desierto con una bolsa llena de dinero se moriría falto de todo.
3- Sin el dinero y con el trabajo en común obtendríamos lo necesario para atender a nuestras
necesidades, disfrutando todos del trabajo producido por todos; sin el dinero existiría la
igualdad, y todos consumirían de todo sin limitación y sin abuso. Sin el dinero existiría la
156
solidaridad que a todos ha de hacer ricos.
157
processos de transformação das sociedades, na perspectiva anarquista. Se o conhecimento
científico proporciona o progresso ao ponto de se construírem armas e executarem guerras, há
um progresso científico e um regresso ou involução moral. Tais análises são desenvolvidas
pelas crianças, que podem relacionar aspectos dos mais variados nas relações de poder que
constituem a sociedade:
O primeiro Boletín do ano III, de 30 de setembro de 1903, tem como texto de abertura
uma interesante reflexão acerca de textos escritos por alunos da escola, cujo título é Ingenuidad
Intelectual. Esta publicação relaciona-se à prática de avaliação, conforme esclarecem no texto
(como nas outras publicações, supõe-se que fizeram uma seleção de escritos dos alunos para
que fossem publicados no Boletín); explicam que os textos foram escritos pelos alunos com base
em leituras anteriores:
Comenzamos por declarar que en estos escritos, en que sus infantiles
autores se han visto obligados á buscar un asunto al que aplicar su naciente
criterio, el esfuerzo intelectual se ha impuesto predominando el razonamiento
inexperto, ingenuo é inspirado en el sentimiento de lo justo, sobre la
aplicación de las reglas de forma; resultando que si los juicios alcanzan al
perfeccionamiento racional, se debe únicamente á falta de datos, á carencia
de conocimientos indispensables para formar un razonamiento perfecto; lo
contrario de lo que sucede en las opiniones dominantes, que no tienen otra
base que la preocupación fundada en las tradiciones, intereses y dogmas.
Una nación ó Estado, para ser civilizado, es preciso que carezca de lo siguiente: 1º la
coexistencia de pobres y ricos, y como consecuencia la explotación; 2º el militarismo, medio de
destrucción empleado por unas naciones contra otras debido á la mala organización de la
sociedad; 3º la desigualdad, que permite á unos gobernar y mandar y obliga á otro á humillarse y
obedecer; 4º el dinero, que hace á unos ricos y les somete á los pobres.
E em seguida, a análise:
159
Claro que este criterio es primordial y sencillo, como corresponde á una inteligencia
escasamente documentada, y no puede resolver un problema complejo de sociología; pero tiene
la ventaja de que deja libre acceso á cuantas observaciones racionales se presenten: es como si
le preguntase: que necesita un enfermo para recobrar la salud? Y respondiese: que desaparezca
el dolo: cándida y natural respuesta que no daría seguramente un niño influido por la metafísica
espiritualista, que necesita ante todo que contar con la voluntad arbitraria de supuestos seres
extra naturales.
Depois, destaca-se outra reflexão sobre o pensamento de uma menina, sobre gênero,
no texto intitulado: Enseñanza mixta:
“La escuela mista ó de ambos sexos es sumamente necesaria. El niño que se educa, trabaja y
juega en compañía de la niña, aprende insensiblemente á respetarla y á ayudarla, y
recíprocamente la niña; mientras que educados separadamente, indicándole al niño que es mala
la compañía de la niña y á esta que es peor la de aquél, sucederá que el niño, hombre ya, no
respetará á la mujer y la considerará como un juguete ó como esclava, que es á lo que se ve
reducida la mujer en la actualidad. Así, pues, contribuyamos todos á la fundación de escuelas
mixtas en todas partes en que sea posible, y donde no, allanemos las dificultades que á ello se
opongan.”
E ponderam: “a pensamiento tan bien razonado y condensado con tal sobriedad, nada podemos
añadir sino que juzgamos debe ser atendida da excitación con que termina su escrito esta
pensadora de 13 años.”
Além do caráter combativo e da publicação de textos infantis, que expressam importante
oportunidade de se conhecer aspectos da formação na Escola Moderna, este momento definido
aquí como segunda fase do boletín demonstra a manutenção de muitas práticas e contribuições,
como as conferências dominicais e a presença dos Drs. Odon de Buen e Dr. Martinez de Vargas.
O Boletin de 21 de outubro de 1904 traz um texto assinado pelo Dr. Martinez, portanto legitimado
por uma autoridade médica, sobre a maleficência dos castigos aplicados nas escolas, sob o
título: Inutididad y peligro de los castigos en los colegios; no qual relata o caso de uma criança
que adoeceu em função de um castigo severo sofrido na escola. Há também uma grande seção
no boletín seguinte, dedicada a vida e obra de Elisée Reclus, o que inicia uma prática
160
interessante de apresentar os importantes intelectuais que se relacionavam ao ideário da
educação racionalista. Há também o Boletin 28 de fevereiro de 1906, que publica o texto El
derecho a la ciencia, de Carlos Malato, com uma riquissima abordagem acerca do monopólio do
conhecimento, que se inicia da seguinte maneira:
Carlos Malato, como Relcus, foram importantes contatos anarquistas de Ferrer. Tais
textos são expressão clara da visão anarquista de mundo e educação, e conferem à Escola
Moderna a evidente relação com este ideário, como se nota desde a primeira fase do Boletin. A
medida que o projeto racionalista, orquestrado por Ferrer na Escola Moderna de Barcelona foi
ganhando amplas dimensões, com a abertura de outras escolas racionalistas pela Espanha,
Ferrer já se direciona à internacionalização do projeto. Na sequência do texto de Malato, o
Boletin publica uma Circular, voltada aos cidadãos, e como proposição de dois
encaminhamentos às entidades livrepensadoras, como escolas laicas e racionais, cujo caráter
antirreligioso se fazia presente. As proposições seriam: “someter a vuestro juicio la idea de crear
la Federación Nacional de librepensadores, activando deste modo la propaganda anticlerical”; e
criar uma “Federación de Escuelas laicas y racionales y de estas con las sociedades
librepensadoras para su mejor desarrollo y mejor desenvolvimiento.” Tal iniciativa se fazia
necessária em virtude de agregar ou evitar o desagregamento de forças frente à união clerical e
reacionária.
Com isto, se percebe a inclinação da rede racionalista libertária em criar ramificações
cada vez mais afinadas ao propósito educacional comum. Com a prisão de Ferrer e o
fechamento da Escola Moderna, em 1906, este projeto somente é retomado com sua libertação.
Em 1908, o Boletin entra em sua segunda fase (aquí definida com terceira), diretamente
vinculada a organização internacional que converge na Liga Internacional da Educação
Racional da Infância, que se tratará a seguir.
161
Capítulo III
http://www.li-an.fr/blog/kupka/
162
A Liga Internacional pela Educação Racional da Infância
A todos
Decíamos ayer…
Nunca con mayor oportunidad que en la ocasión presente, al dar á luz el
primer número de la segunda época de nuestro Boletín, podríamos emplear
esta histórica frase. La Escuela Moderna continua su marcha, sin rectificar
procedimientos, métodos, orientaciones ni propósitos; continua su marcha
ascendente hacia el ideal, porque tiene la evidencia de que su misión es
redentora y contribuye á preparar, por medio de la educación racional y
científica una humanidad más buena, más perfecta, más justa que la
humanidad presente. Esta se debate entre odios y miserias, aquella será el
resultado de la labor realizada durante siglos para la conquista de la paz
universal.
No tenemos que rectificar una tilde de nuestra obra hasta el presente; es
nuestra convicción íntima, cada vez más intensa, de que sin una absoluta
reforma de los medios educadores no será posible orientar la humanidad
hacia el porvenir. A ello vamos; por su medio de escuelas, donde puedan
crearse escuelas; por medio de nuestros libros, cuya biblioteca aumenta día
tras días intensificando la difusión de las verdades demostradas por la
ciencia, por medio de la palabra, en conferencias que lleven á los cerebros la
luz de la verdad contra los errores tradicionales; por medio de este Boletín,
donde adquieren vida nuestras aspiraciones, para que la serenidad del
estudio pueda tener su influencia por el vehículo de la palabra escrita.
Nuestros amigos, lo que durante cinco años nos han acompañado en nuestra
querida Escuela Moderna, y se solidarizaron con los hombres progresivos del
mundo entero para impedir la injusticia que la reacción pretendiera llevar á
cabo en la persona de su fundador, no habrán de volver la vista atrás: al
contrario, alta la frente, fija la mirada en un mañana de justicia y de amor, nos
ayudarán con mayores energías á realizar esta obra de verdadera y fecunda
redención.
A la prensa, la expresión de nuestra solidaridad profesional y nuestro
afectuoso saludo.
A los buenos, nuestra mano les estrecha efusiva en signo de paz.
Salud.
Boletín de la Escuela Moderna, 1 de mayo de 1908, Ano I, nº1.
163
Esta pequena apresentação do Boletín de 1º de maio de 1908 atesta o retorno de Ferrer
à atividade política, pedagógica e social, depois de um ano de prisão e do encerramento da
Escola Moderna de Barcelona. A escola foi extinta, mas o trabalho nela iniciado manteve-se em
desenvolvimento por meio do movimento educacional racionalista. A “Escola Moderna” voltou
com a força da organização internacional, do apoio que recebeu Ferrer em função da prisão e do
reconhecimento, mesmo anterior à interrupção da escola, de que a organização livrepensadora e
anticlerical era necessária à coesão do movimento. A volta do Boletín representou, portanto, a
resistência da Escola Moderna. Esta segunda época do Boletín estava associada a uma
organização social maior e claramente situada: o cabeçalho do Boletín apresenta-o como “ecos
da Revue L’école Rénovée” e como “extensão internacional da Escola Moderna de Barcelona”.
Da mesma forma que o primeiro número da Revue apresentava o Boletín como sua edição em
língua espahola, com adminstração em Barcelona, Calle de Cortès, 596. Além disso, a Revue
cita também a publicação de uma revista consagrada à L’école Rénovée, em Roma, sob os
cuidados de Luigi Fabbri, porteriormente conhecida como Scuola Laica. A Revue apresenta
ainda a seguinte explicação: “Esta Revista de 24 páginas, formato especial, foi publicada, para
os cinco anos que viveu a Escola Moderna de Barcelona. Ela reaparece hoje para continuar a
ampliar sua propaganda pela educação racional”. Nesse sentido, o Boletín de la Escuela
Moderna, a Revue L’école Rénovée e a Liga Internacional pela Educação Racional da Infância
partilhavam dos mesmos conteúdos e ideário político-pedagógico. Com a criação da Liga, houve
um grande passo para a organização do movimento educacional racionalista, marcado por
avanços teóricos e conceituais valiosos e ainda pouco (re)conhecidos pelo campo educacional
contemporâneo.
A variedade de discussões e experiências voltadas à transformação da escola, ao longo
do século XIX, não foi pequena e foi fruto dos esforços coletivos de construção da nova escola e
do novo homem, engrendrados nas diversas localidades do mundo ocidental. A tentativa teórica
de apreender historicamente a evolução da educação escolar, no decorrer destes novos tempos
civilizatórios é o que pode representar coesão neste contexto social. Desde meados do século
XIX, León Tolstoi na cidade Russa de Iasnaia Poliana colocou em prática o que se transformaria
em uma experiência educacional definida, a posteriori, como escola nova (Luzuriaga, 1965;
Cousinet, 1964). A historiografia legitimou a Escola Nova como movimento de reforma social, o
que de fato não correspondia aos princípios educacionais da escola racionalista libertária, nem à
escola de Tolstoi. A educação libertária tinha um objetivo político e transformador muito claro, o
164
que a diferia essencialmente da Escola Nova liberal. O pensamento pedagógico proposto pelo
movimento educacional racionalista libertário agrega diferentes contribuições teóricas que
precisam ser investigadas com maior profundidade. Para além dos avanços políticos e
educacionais efetuados por homens como Ferrer i Guardia, há obras de educadores como
Clemence Jacquinet, Charles-Ange Laisant, Jules François Elslander, Ellen Key que abrem um
imenso leque de investigações sobre o pensamento de transformação e renovação da escola e
da educação. Estas obras também conferem à educação visões cruciais ao amadurecimento de
seu sentido e razão nas sociedades ocidentais.
165
A adesão à Liga, além de uma aposta política, representava a escolha pela ação coletiva
dirigida à transformação da escola e da sociedade:
A liga, além de propor a reflexão política inspirada na função social da escola, tinha por
objetivo a renovação de métodos e práticas pedagógicas, partindo de um interesse especifico: o
estudo e compreensão do desenvolvimento da criança e da concepção de infância. Em seus
estatutos, a Liga estabeleceu o intuito de incorporar efetivamente no ensino infantil as ideias
científicas, as ideias de liberdade e de solidariedade e promover o estudo e aplicação de
métodos apropriados à psicologia infantil. Os estatutos referendavam também os meios de ação
da Liga que consistiam, sobretudo, na incessante propaganda dirigida, particularmente, aos
educadores e às famílias. Assim, este espaço possibilitou a criação de uma rede internacional
articulada à difusão destes ideais educativos que visava também à construção de conhecimento
sobre educação. Representava, portanto, um espaço autônomo de pesquisa e produção
científica sobre educação e infância, engajado ao propósito político de transformar a educação
escolar e a sociedade.
A Liga foi encampada por uma movimentação prévia, marcada pela convergência de
ideias e interesses politicos e teve sua ação expandida quando foi publicado o primeiro número
de seu órgão difuror: a Revue L’école rénovee. O exercício da liga se daria mediante a
articulação da pesquisa, produção teórica e criação de escolas racionalistas de acordo com este
pensamento pedagógico. Ela possibiliou a construção do espaço de coesão, trocas e
oficialização de um movimento social autônomo oriundo de setores diversos da sociedade
preocupados com a questão educacional. Representou, portanto organização não mediada por
mecanismos como o Estado ou instituições públicas a ele vinculadas, embora contasse com
contribuição de pessoas que exercessem atividades profissionais estatais. Como organização
autônoma e do ponto de vista educacional, a liga abrigava tanto o ideiario anarquista-libertário,
quanto a vanguarda pedagógica desta época.
166
As palavras em exercício: a Revue L’École Rénovée
Os estatutos da Liga esclareciam que a Revue l’école rénovée era uma revista
pedagógica, publicada em Bruxelas, como órgão reconhecido da Liga Internacional pela
Educação Racional da Infância. Ela foi divulgada como revista de elaboração de um plano de
Educação Moderna – extensão internacional da Escola Moderna de Barcelona e teve como
fundador Francisco Ferrer e secretário de redação J. F. Elslander. O primeiro número da revista
foi publicado em 15 de abril de 1908. Em correspondência à Liga, o propósito da revista era o de
dar base a um movimento intelectual voltado à transformação da escola nos aspectos
conceituais, pedagógicos e políticos:
167
emancipação e libertação. Ao defender que a liberdade deveria ser proporcionada, entre outras
ações, pela vivência educacional, Ferrer estabeleceu críticas profundas à instrumentalização da
educação pelas elites governantes e à violência, como fator constitutivo das instituições
escolares na sociedade capitalista:
10
L´ecole emprisonne les enfants physiquement, intellectuellement et moralement, pour diriger le développement de
leurs facultés dans le sens voulu. Elle les prive du contact de la nature afin de pouvoir les modeler à guise. Et c´est
là l´explication de tout ce que j´ai signale ici: le soin qu´ont pris les gouvernements à diriger l´education des peuples
el la faillite des esperances des hommes de liberté.
11
Je suis très heureux de voir que vous lancez l´ecole rénovée, et je regrette une chose: c´est que je ne puisse
préter à ce journal tout l´appui que j´eusse voulu lui prèter. Tout est à refaire dans l´ecole actuelle. Avant tout.
L´education proprement dite: c´est-à-dire la formation de l´etre moral: de l´individu actif, plein d´initiative,
entreprenant, courageux, débarrassé de cette timidité de la pensée qui est le trait distinctif de l´homme éduqué de
notre époque et, em même temps sociable, egalitaire, d´instinct communiste et, capable de sentir son unité avec
tous les hommes de l´univers entier, et, partant affranchi des prejugés religieux, étroitement individualistes,
autoritaires, etc., que nous inculque l´ecole
168
educação, modos de aquisição do conhecimento, entre outros. Estes tópicos, dada a amplitude e
dimensão epistemológica, demonstram que os objetivos da Revue e da Liga eram grandes no
propósito de constituir um campo de pesquisa educacional e promover a revolução da escola.
Raros estudos se dedicaram a estas fontes primárias, destacando-se aqui Frédéric Mole (2011),
cujo artigo L'École rénovée: une revue d'éducation nouvelle entre anarchisme et syndicalisme
(1908-1909)12, apresenta considerações inéditas acerca desta revista pedagógica. Uma das
principais observações de Mole é que, conforme o próprio título indica, a Revue foi uma
importante precursora dos sindicatos de professores franceses, sendo Henriete Meyer,
professora ativa tanto na fundação da Liga quanto na produção da Revue, como secretária, uma
das importantes articuladoras desta relação.
Mole, no início de seu artigo expressa a importância da revista dizendo que “A revista
l’école rénovée ocupa um lugar singular na história da educação nova”. Esta afirmação corrobora
a preocupação de situar a Liga e a Revue no contexto de transformação da escola na Europa. O
estudioso também aponta a convergência das duas frentes matriciais da revista, personificadas
nas figuras de pensadores libertários: Ferdinand Domela-Nieuwenhuis, Jean-François Elslander,
Henri Roorda van Eysinga, Charles-Ange Laisant e Paul Robin; e de professores sindicalistas
como M.-T. Laurin, Gabriel Persigout, Louis Bouët, Maurice Dubois e Jules Raffn. Cita o
pedagogo Albert Thierry, na perspectiva da transformação da escola pública. Mole observa que a
Revue apresentou uma orientação inicial de crítica radical à instituição escolar que foi sendo
alterada em função de um pragmatismo estratégico ligado aos seus atores. Considera a L’école
Rénovée uma experiência editorial importante ao desenvolvimento da reflexão de professores
sindicalistas no campo pedagógico, de modo que ela prefigura a criação da L’école emancipe,
em 1910, ligada à Federação Nacional de Sinticatos de Professores franceses, fundada em
1906.
As observações de Mole são fundamentais à compreensão de diversas caracterísitcas
da L’école Rénovée, mas um dos aspectos mais importantes observados é a questão da
militância pedagógica e revolucionária, voltada aos grandes temas da educação nova e denúncia
das concepções e práticas retrógradas do ensino tradicional. O reconhecimento da riqueza
nativa da criança, as condições de uma educação libertadora, o projeto de transformação
profunda da sociedade pela educação e pela escola são fins desta pedagogia muito bem
explicitados por este periódico. As grandes linhas gerais que regiam a Revue L´École Rénovée
foram oficialmente expressas no primeiro número, correspondendo à proposição de um
12
Este artigo é oriundo de uma pesquisa acadêmica, de maior profundidade.
169
Programa, com amplos objetivos a serem perseguidos. As primeiras informações postas a
público traziam o objetivo de elaboração de um “plano de educação moderna”. A revista
constituiría uma tribuna destinada à exposição e discussão de ideias e experiências relacionadas
à renovação da escola e à concentração e aliança destas ideias e experiências. Dessa forma, o
Programa da Revue L´École Rénovée apresentou grandes eixos articuladores das ideias e
experiências:
Discussão de ideias gerais sobre a educação física, intelectual e moral das crianças tal como
resultam os dados da ciência moderna e em conformidade as atuais necessidades sociais;
Estudos sobre a infância – fisiologia e psicologia da criança; florecimento e desenvolvimento
das faculdades;
Educação física - organização material da escola na visão de uma educação física normal. A
vida física da criança na escola.
a) A organização intelectual da escola. Elaboração de um plano de educação intelectual.
b) A concepção geral do objetivo da educação intelectual - O sentido dos métodos. As
relações estabelecidas entre os conhecimentos. A ordem de sua aquisição. Os meios e
procedimentos de ensino.
c) Distribuição dos conhecimentos - Conhecimentos que dependem da vida. Os meios
escolares. Conhecimentos que dependem do trabalho. As oficinas escolares.
Conhecimentos que dependem da pesquisa e do estudo. As extensões da escola nos
meios exteriores.
d) Detalhes dos métodos naturais propostos pelas diversas matérias de ensino.
e) Modos de aquisição dos conhecimentos.
f) Modos de classificação dos conhecimentos.
Estabelecimento de um programa conforme as fases de desenvolvimento intelectual da criança,
de maneira que os conhecimentos se constituam em um conjunto cujas partes estão
harmoniosamente ligadas entre si, correspondendo a seus estados intelectuais completos e
sucessivos.
Regime moral da escola
A educação dos educadores
170
A extensão da escola. A influência que a escola deve ter sobre toda a vida humana. A escola,
centro social da vida física, intelectual e moral dos grupos humanos. A educação continuada.
A influência da escola sobre os pais e a vida familiar. Educação de mães e pais.
Os meios materiais da educação. Arquitetura e disposição da escola. As coleções. As
reproduções e os trabalhos artísticos.
Os livros para crianças.
A História da educação, dos métodos, das tentativas, etc.
A revista assinala também todas as tentativas que ocorrem em cada país pela
renovação da escola e os trabalhos que a ela se relacionam. Também uma
bibliografia informativa sobre todas as publicações relacionadas aos objetos
da revista. Nós solicitamos, portanto às pessoas cuja atenção tenha alcance
sobre um desses pontos desse programa que gentilmente nos enviem, seja
uma exposição de suas ideias, seja os resultados de seus trabalhos. A revista
poderá publicar igualmente os estudos sociológicos ou políticos se
relacionando aos fatos sociais que podem ter um influencia sobre a
renovação da escola. A Escola Renovada de dirige a um grande público:
trata-se de refletir e discutir sobre uma questão que é muito abandonada à
pedagogia oficial; trata-se de compreender que a escola, tal qual ela está
organizada não responde às necessidades sociais e individuais da educação
das crianças. Os promotores da revista esperam provocar um movimento que
interesse a todos aqueles que esperam da renovação da escola moderna a
renovação da sociedade. São com estes objetivos que eles tentaram divulgar
ao público as ideias que ficam geralmente confinadas nas revistas especiais.
Ante todo creemos necesario observar que el adjetivo laica que usan
171
nuestros colegas franceses, y el libre, que nosotros aplicamos á la
enseñanza, se fundan, allá en la lucha entablada por el Estado contra la
Iglesia, oponiendo el dogma estatista al religioso; entre nosotros en la idea de
rechazar todo dogma.
Se ha pensado en la creación de un periódico que se dividirá en tres
secciones:
1º Derechos y deberes: educación social y profesional del maestro y de la
maestra. Defensa contra todo ataque á la libertad de conciencia y de opinión
de maestras y maestros. (...)
2º Laicización de la escuela laica: (este epígrafe, aparte de lo que á
continuación se expone, justifica lo que queda dicho acerca de las palabras
laicas y libres). El periódico emprenderá una tarea activa contra los libros que
por la glorificación de la guerra, de la mentira y del fanatismo deforman el
cerebro del niño, y en contraposición dará a conocer los pocos libros
escolares que se inspiran en la verdad científica y en la solidaridad social é
internacional.
3º Defensa de los intereses morales y materiales de la maestra y del
maestro: El periódico se esforzará en sustraer á la intimidación clerical,
política o administrativa á todo educador cuya enseñanza esté conforme con
el criterio libre y afirmará su derecho á la vida social.
En el fondo, todos os problemas sociales se resuelven en una cuestión de
educación, y es bien seguro que cuando la enseñanza, excluyendo todo error
tradicional y todo prestigio rancio, se apoye sobre la ciencia, la razón y la
solidaridad no estará lejos la sociedad de alcanzar el grado de perfección
posible. Defender el magisterio consciente y libre es, pues, preparar una
humanidad libre, consciente y Feliz.
Henriette Meyer
114. rue des entrepreneurs, Paris, XV.
172
Liga Internacional pela Educação Racional da Infância
1. A Educação da infância deve fundamentar-se sobre uma base científica e racional, descartando
quaisquer noções místicas e sobrenaturais;
2. A instrução é uma parte da educação. A instrução deve compreender também, junto à formação
da inteligência, o desenvolvimento do caráter, a cultura da vontade, a preparação de um ser
moral e físico bem equilibrado, cujas faculdades estejam harmonicamente associadas e
elevadas ao seu máximo de potência;
3. Educação moral, muito menos teórica do que prática, deve resultar principalmente do exemplo
e apoiar-se sobre a grande lei da solidariedade;
Ha dois pontos centrais e estruturais presentes nestas diretrizes: a formação moral como
alicerce da prática pedagógica e o desenvolvimento psicológico da criança. Os programas,
currículos e métodos escolares deveriam ser concebidos em correspodência à constituição de
uma base moral desde a primeira infância e ao estágio de desenvolvimento psicológico da
criança, sendo esta última discussão fator muito recente no período, presente entre os primeiros
trabalhos relacionados ao movimento Escola Nova. Este fluxo de renovação da educação, que
culminou no movimento Escola Nova foi marcado por espaços de organização contemporâneos
à Liga, como o Bureau International des Écoles Nouvelles criado por Adolphe Ferrière, ainda em
1899 e, um pouco depois, em 1921, a Ligue internationale pour l'Éducation Nouvelle. Esta última
trabalhou com a divulgação da revista Pour l'ère nouvelle e diversos debates nos congressos,
entre educadores como Ovide Decroly, Pierre Bovet, Édouard Claparède, Adolphe Ferrière,
Celestin Freinet, Roger Cousinet, Maria Montessori, Jean Piaget, Henri Wallon, Alexander Neill
(Raymond, 2011). Certamente, esta época foi fruto de muitos anseios voltados à mudança
educacional, envoltos por um largo leque de caminhos possíveis. Mole situa o pensamento de
Ferriére relação ao trabalho realizado pela L’École Rénovée e por Ferrer:
173
Deve-se notar aqui que o termo nova escola nunca se refere ao Bureau
Internacional das novas escolas criadas por Adolphe Ferrière, em 1899. No
entanto, poucos dias depois de sua execução, Ferriere saúda à memória
Ferrer. É claro que ele lamenta seu "materialismo" e "ideias irreligiosas", e
não reconhece este "generoso, mas utópico ideal anarquista, para o nosso
tempo, pelo menos." Mas, citando longamente L’École rénovée, Ferriere
insiste sobre "o que há de belo e desinteressado" na obra escolar do
pedagogo anarquista e afirma que seu "ideal pedagógico [...] passa a ser um
dos muitos espíritos iluminados do nosso tempo". Os autores L’École rénovée
e os pedagogos libertários são reconhecidos como militantes do grande
movimento de educação nova (Mole, 2011:6)13.
.
13
Il faut ici remarquer que le syntagme école nouvelle n’est jamais référé au Bureau international des écoles
nouvelles créé par Adolphe Ferrière en 1899. Pourtant, quelques jours après son exécution, Ferrière salue la
mémoire de Ferrer. Certes il regrette son « matérialisme » et ses « idées irréligieuses », et ne se reconnaît pas dans
cet « idéal anarchiste généreux mais utopiste, pour notre époque tout au moins ». Mais, citant longuement L’École
rénovée, Ferrière insiste sur « ce qu’il y a de beau et de désintéressé » dans l’œuvre scolaire du pédagogue
anarchiste et affrme que son « idéal pédagogique […] se trouve être celui de bien des esprits éclairés de notre
époque». Les acteurs de L’École rénovée et les pédagogues libertaires sont donc reconnus comme des militants du
grand mouvement de l’éducation nouvelle.
174
A renovação da educação impõe como base os seguintes princípios:
1. A educação deve colocar a criança na posição de compreender as
complexidades da vida econômica e social do nosso tempo.
2. Deve ser projetada para atender às diversas exigências intelectuais e
emocionais de temperamentos tão variados das crianças e dar-lhes a
oportunidade de expressar-se em todos os tempos, de acordo com as suas
características próprias;
3. Deve ajudar a criança a se adaptar volontariemente às exigências da vida
em sociedade, substituindo a disciplina baseada no constrangimento em
função do medo de punição pelo desenvolvimento de iniciativa pessoal e
prestação de contas;
4. Deve favorecer a colaboração entre todos os membros da comunidade
escolar, levando profesores e alunos a entender o valor da diversidade de
caráter e da independência de espírito;
5. Deve trazer a criança para apreciar o seu próprio patrimônio nacional e
receber com alegria. A contribuição original de qualquer outra nação humana
cultura universal. Para a segurança da civilização moderna, os cidadãos do
mundo não são menos necessários que os bons cidadãos de sua própria
nação (Ligue internationale pour l'Éducation Nouvelle, 1935)14.
14
1935. Un Congrés des îles britaniques de la ligue d’education nouvelle. Theme : l’education et les loisirs –
Comment créer une culture démocratique ? http://hmenf.free.fr/article.php3?id_article=45. Une renovation de
l’education a impose basée sur les principios suivants : 1. L’education doit mettre l’enfant en mesure de saisir les
complexies de la vie sociale et economique de notre temps. 2. Elle doit etre conçue de manierè à repondre aux
exigences intelectuelles et affectives diverses des enfants de temperaments variés et leur fournir l’occasion de
s’exprimer en tout temps selon leurs caracteristiques propres; 3. Elle doit aider l’enfant á s’adapter volontariement
aux exigences de la vie en societé en remplaçant la discipline basée sur la contrainte et la peur des punitions par le
develeppement de l’iniciative personelle et la responsabilité ; 4. Elle doit favoriser la collaboration entre tous les
membres de la communauté scolaire en amenant maitres et eleves à comprendre la valeur de la diversité des
caracteres et le l’independance d’ esprit; 5. Elle doit amener l’enfant à apprecier son propre héritage national et à
accuellir avec joie. La contribution originale de toute autre natión á la culture humaine universelle. Pour la securité de
la civilizatión moderne, les citoyens du monde ne sont pas moins necessaires que les bons citoyens de leur propre
nation.
175
portanto, interesses, classes e diferentes agentes que buscaram a transformação do campo
educacional, o que difícilmente poderia formar uma só convergência propulsora da educação
nova. Nesse sentido, o que se compreende por Educação Nova ou Escola Nova (como marco
histórico) se refere àqueles que se tomaram para si e para determinada convergência histórica o
reconhecimento mundial de um grande, complexo e divergente contexto social e político de
transformação da escola.
Retomando a Liga Internacional para a Educação Racional da Infância, os estatutos
indicam:
176
Art. 6 – Se institui um Comitê Internacional de Proganda, com número ilimitado de individuos, cuja
eleição corresponde ao Comitê de Inicativa e Direção, devendo ser ratificado pela assembleia Geral.
Art. 7 – A residência social da Liga se fixa em Paris, 21, Boulevard Saint-Martin, podendo se mudar para
outro ponto de acordo com o Comitê.
Art.8 – L’école réenove, revista periódica publicada em Bruxelas, é o órgão titular da Liga.
Art.9 – O Comite de Iniciativa e Direção concovará a cada ano uma Assembleia Geral da Liga, com o
objetivo de ouvir a memória anual do Comite, discutir as conclusões e deliberar sobre os assuntos da
ordem do dia.
Sergi, desde 1880, difundia o principio de que toda uma renovação dos
métodos educacionais se imporia em consequência de observações
coentificamente dirigidas (...) Em seu livro Educazione e Instruzione, síntese
de suas aulas e conferências, preconizava o estudo da antroplogia
pedagógica e da psciologia experimental para levar o educador a palmilhar a
via da desejada renovação. ‘Desde há muitos anos, dizia, venho lutando por
177
uma ideia que quanto mais aprofundo, mais se me afigura justa e útil para a
instrução e a educação humana. Isso significa que para a elaboração de
métodos naturais, visando o nosso escopo, são-nos necessárias numerosas
observações exatas e racionais dos homens e,sobretudo, das crianças; é
aqui que devemos situar as bases da educação e da cultura. A autoridade de
Sergi fazia crer que a arte de educar o individuo seria consequência quase
natural da experiência apenas (...) (1965:10)
Representa um dado muito importante que Maria Montessori tome Guiseppe Sergi como
referência para a sua pedagogia científica, considerando o papel de Montessori no contexto da
Educação Nova. Sergi é responsável pela publicação La Scuola Moderna di Barcelona e
Francisco Ferrer, pelo Comitê Central Pro-Ferrer e Scuola Laica, em 1907, composto por outros
professores, além de Sergi e por Luigi Fabri. Este fato confirma a heterogeneidade e diálogo do
campo de renovação educacional, conforme observado anteriormente.
Jean-François Elslander (1865-1948) teve uma trajetória voltada à educação e à arte;
quando jovem viveu em uma colônia de artistas e libertários, chamada Watermael-Boitsford,
onde conheceu, em 1910, Georges Giroux. Elslander escreveu uma obra literária chamada
Raiva carnal (1890) voltada à história de um ser primitivo e miserável, Marú, que vive na torre de
um bosque, com Madeleine, filha de uma ex-amante morta. A história se desenvolve em torno
de uma paixão descontrolada de doentia de Marú. O livro foi muito perseguido e censurado na
França e na Bélgica, em função dos fortes conteúdos sexuais. Escreveu importantes obras
ligadas ao campo educacional como L’Éducation au point de vue sociologique (1898), L’enface
libérée (1948), L’École nouvelle. Esquisse d'une éducation basée sur les lois de l'évolution
humaine (1904) - La Escuela Nueva – bosquejo de una educación basada sobre las leyes de la
evolución humana, na tradução de Anselmo Lorenzo, em 1908, para a Biblioteca Escola
Moderna.
Charles-Ange Laisant (1841-1920) foi um importante matemático francês, com formação
em engenharia, carreira militar, e trajetória na maçonaria. Exerceu cargo de deputado, entre
1885 e 1893. Ao longo de sua trajetória política, identificou-se com a extrema esquerda
republicana, associando-se ao grupo político do general Boulanger. Silva (2013) revela que a
aproximação de Laisant ao anarquismo ocorreu na década de 1890, por influência de seu filho
Albert Laisant (1873-1928). “Além de converter o próprio pai, Albert convenceu seus dois filhos
(portanto, netos de Charles-Ange), Maurice e Charles, a também aderirem às fileiras anarquistas
(idem)”. Laisant colaborou com a imprensa anarquista francesa, destacando-se os periódicos La
Bataille Syndicaliste, L'École Rénovèe, L'École Émancipée e L'Idée Libre. Publicou as obras
Applications mécaniques du calcul des quaternions. Suivi de Sur un nouveau mode de
178
transformation des courbes et des surfaces(1877); Introduction à la méthode des quaternions
(1881), Théorie et applications des équipollences (1887), L'Anarchie bourgeoise (1887), Pourquoi
et comment je suis boulangiste, (1887). Silva observa que “sua ação e militância no campo da
educação e do ensino racional para crianças e adultos estebeleceu um fio condutor que
continuou difundindo o Racionalismo Pedagógico e constituiu a conexão entre os ideais de
Ferrer e das gerações posteriores, transmitindo e projetando para o futuro a prática inovadora da
Escuela Moderna” (idem). Já o inglês William Heaford aparenta grande proximidade a Ferrer,
sobretudo pelas várias publicações de textos sobre a Escola Moderna de Barcelona, na L’école
rénovée. Heaford foi secretario da seção inglesa da Federação Internacional Livrepensadora. A
conjungação deste Comitê foi, portanto, concretizada pelo engajamento político de cada
representante, bem como pelo trabalho educacional em desenvolvimento no âmbito
internacional. A contribuição de todos os integrantes do comitê com a Revista L’École Rénovée
corrobora isso, como se pode notar na sistematização a seguir, que a apresenta os atigos e seus
autores, publicados na Revue durante seus dois anos de duração:
Ano I
Ano I, nº1 École Renovée editores
15/04/1908 Estatuto e diretrizes da Liga. editores
181
Trois lettres d’un Instituteur rural que veut être Ch. Guieysse
Socialiste
Ano II, nº4
13/02/1909
L’affaire du syndicati des instituteurs de Maine-et- J. Roux
Loitre
Une Enquete J. Raffin
Ano II, nº5
20/02/1909
L’enseignement du français à l’ecole primaire Fontaine
182
Ano II, nº11
03/04/1909
A l’école L’art à l’ecole primaire Marcel Boris
laïque De la dolicité intelectuelle des ecoliers H. Roorda Van Eysinga
Foudateur:
Francisco
Ferrer
Ano II, nº13
17/04/1909
L’école L’affaire Caron M.D.
administrativa L’art Du peuple W. Morris
----- números não localizados pela pesquisa
Ano II, nº21
12/06/1909
Nouvelles de Vosves – Albert Thiery
Comités d’Action pédagogique M.T Laurin
Contre “Le Statut » Louis Bouet
Pages Ancienes --
...
Ano II, nº23
26/06/1909
La Revue et le L’enseignement de l’agriculture à l’école rurale M.-T. Laurin
vacances
Carnet d’un syndiqué Jean Paysan
Lectures I Leonard da Vinci
Lectures II Paul Claudel
Écoles mixtes à deus classes F. Maroux
Ano II, nº24
03/07/1909
La Reuve et Chefs et ouviers X.Y.Z.
les Vacances Le Statut des Fonctionnaires Émile Glay
A propos du Statut --
Ano II, nº25
10/07/1909
L’ecole et la société Maurice Dubois
But de l’education C.A. Laisant
183
Chefs et ouvriers --
La redactión au cartificat d’études Marcel Boris
Carnet d’un syndiqué Jean Paysan
Ano III
Ano III, nº1
20/10/1909
Aux Lecteurs – Ferrer ils mort Maurice Dubois.
A propos Du congrès de Nancy M.T-Laurin
L’historie du peuple E. Reynier
L’èleve au maitre A. Thierry
A propos du monopole Marcel Borit
Com esta interpretação se percebe que o plano empreitado pela Liga abrangeu, de
maneira ampla, vozes originais do magistério público e republicano francês e, portanto, da
escola existente, e vozes oriundas da contraposição radical à esfera pública, corroborando com
15
D’abord, le projet d’une éducation visant l’émancipation des enfants est lié à celui de favoriser la constitution d’un
corps d’instituteurs critiques au sein de l’institution scolaire publique. Ensuite c’est d’un même mouvement
qu’instituteurs et parents doivent se rassembler dans l’œuvre d’affranchissement des générations nouvelles (...)En
fondant cette revue, Francisco Ferrer déclare vouloir ouvrir à un « large public » un espace où « toutes les idées et
toutes les tentatives qui se rapportent à la rénovation de l’école » seraient discutées et où pourrait être élaboré un «
plan d’éducation moderne » ayant vocation à s’appliquer tant au sein des institutions scolaires d’État qu’en dehors
d’elles.
184
a tensão mencionada por Ferrer acerca dos meios de renovação e transformação da educação:
“a renovação da educação deve ser realizada contra a escola estabelecida, fora dela – por meio
da criação de novas escolas - ou deve ser efetivada na escola, por um processo de
transformação interna a instituição”(Mole, idem:4). O primeiro número da Revista, que trouxe o
referido texto de Ferrer (já mencionado neste trabalho - La Renovation de l’école), sintetizou a
crítica à escola estatal, liberal e republicana, que aprisionava os indivíduos de maneira
proporcional ao ensino confessional. Mas também apresentou algumas das tonalidades
presentes neste conjunto de interesses, objetivos e esforços comuns em torno da educação,
representado pela Liga Internacional pela Educação Racional da Infância. Henriette Meyer, em
um texto de divulgação da Liga, trouxe alguns dos objetivos de abrir o espaço para a vinculação
de pessoas interessadas e esclareceu que
185
apareceu em 30/01/1909. O nome de Francisco Ferrer continua aparecendo como fundador da
revista; mas também passam a constar como redação e administração Charles Albert e Maurice
Dubois. Provavelmente por contribuição de Albert e Dubois, os artigos passaram a se direcionar
mais diretamente a questões da escola pública e à organização sindical.
Há convites, assinados, sobretudo, por Dubois aos professores e assinantes da revista
para que se sindicalizem, não somentes por princípios, mas por ação: “Mille syndicallizants ne
valent pas cinquante syndiqués”. As movimentações em torno da sindicalização de professores
tornaram-se preocupação central da revista, que consolidou seu papel na organização de
professores. Muitos textos e notícias sobre a organização sindical são finalizados com
expressões como: “pour la Federatión nationale des syndicats d’institutrices el d’instituteurs de
France”. Esta segunda fase da revista acentuou, portanto, o olhar revisionista sobre a escola e o
do sistema educativo imposto como chave na formação da cidadania e da república. Tratava-se,
portanto, da resistência no interior do próprio sistema, fundada na organização sindical que, por
sua vez, se fundamentava em bases profundamente críticas e em muitos aspectos libertárias. M-
T Laurin, cujo primeiro artigo na revista aparece no ano I, nº4 15/07/1908, intitulado Les
Instituteurs publics français et leurs revendications actuelles foi uma das fortes expressões neste
sentido. Em um texto, publicado na revista número 7, ano I, sob o título Pour la Renovation de
l’enseignemet, M-T.Laurin introduz a discussão apresentando a possibilidade da reforma como
via possível de transformação ou renovação da escola, atribuindo ao Estado o papel da
neutralidade e da introdução da educação racional e científica:
Je trouvais hier une des mis amis: “Je viens, me dit-il, de rencontrer un
homme heureux. Tu sais, Chose, notre collégue de l’autre cote de l’eau? _
Ah! Que lui est-il, donc arrivé? _ Il a eu hier visite de l’inspecteur. _ Je
comprends, dit-je; la constatation par un chef des résultats d’un bon travail,
d’um labeur acharne et perséverant a procure à l’auteur une douce fierté:
c’est bien humain et c’est bien naturel. Alors, l’inspecteur fait un excellent
rapport à notre collégue Chose? – Tu n’y es pas, repris mon ami. Le rapport
fut, comme ordinaire, medíocre. Si Chose est si joyeux c’est que, selon son
expression, si est débarrassé! Il vient de mettre au feu son cahier de
préparation.
Si chose était syndiqué, s’il était adherent au Syndicat dont je fais partie, je
demandrais immediatement son exclusion pour manque de consciense
profissionnelle.
Assim, a Revue L’école Rénovée, ainda sob as mãos de Ferrer i Guardia, tornou-se um
núcleo de discussão sobre a renovação/reforma ou transformação da educação em meios
altamente críticos e desmobilizadores do poder estatal no controle ideológico dos professores.
De acordo com Mole, a Revue foi o primeiro periódico pedagógico independente de professores
sindicalizados franceses, que resulta, em 1910, na criação do L’École émancipée, orgão
pedagógico da Fédération Nationale des Syndicats d’instituteurs, como já foi anteriormente
observado. Mole acrescenta ainda que
18
Les instituteurs syndicalistes saluent dans la naissance de ce premier périodique pédagogique totalement
indépendant de l’administration scolaire et des grands éditeurs, à la fois un instrument de transformation de l’école et
le modèle d’un futur organe pédagogique syndicaliste. La revendication d’une autonomie pédagogique, intimement
187
O segundo ano de atividade da Revue foi marcado, portanto, pela fusão cada vez mais
acentuada da ação sindicalista ao projeto educacional racionalista. A história do sindicalismo,
como demonstra Lenoir (2009), toma a educação como dimensão inseparável das práticas de
emancipação dos trabalhadores. A ideia de instruir para revoltar encontra, neste contexto,
sentido dentre as diversas discussões presentes na Revue L´école Rénovée. Maurice Dubois ,
no número nº1 - 20/10/1909, do terceiro ano da Revue escreveu o texto Aux Lecteurs que
rememora a figura de Ferrer, a partir de sua morte. Depois deste fato, a Revue L’école Rénovée
tem sua organização e publicação encerradas. Maurice Dubois chega a acusar dificuldades
financeiras e organizacionais, com a ausência de Francisco Ferrer, na condução da revista e da
Liga:
Francisco Ferrer est mort. Il est mort glorieusemente dans les fossés de
Montjuic, victime de la peur des gouvernants, victime de haines que son
oeuvre suscitait.
Il avait rèvé d’une Espagne enfin délivrée de l’inquisition, il avait rêvé que
cette terre classique de l’intolerance verrait s’épanouir un jour la pensée libre
el la raison trionphante. Il avait mis toute sa confiance dans les génerations
qui vienent, il s’appliquait à les former libérés des préjugés, des superstitions
qui ont causé sa perte. Il consacrait toutes ses forces à l’education de
l’enfance ; il la voulait heuresse el libre.
Acev un desinteressement absolut, il a vecú pour elle. Pour elle, il est tombé
en criant : « Vive l ‘Ecole Moderne !». D’autres le vengeront. Si nous l'avons
aimé, à nous de continuer son oeuvre.
L’ecole rénovée lui était chère. Elle était lui l’extension de son école de
Barcelone. Avec nous, il y a trois mois à peine, il dressait un plan pour trois
ans. Hélas, nous ne nous doutons pas de sa fin si terrible et si proche !
Maintenant il est mort. Il avait vécu courageux, il est mort en héros. Aux
hurlements des chacals d ‘Espagne acharnés à sa perte, les hyénes de
France ont répondu par leurs grognements. La vermine de tous les pays
forme toujours une sainte alliance. Lui, si doux et si bon, l'eût dédaignée,
nous saurons nous souvenir.
Ferrer est mort ; il vivra dans nos coeurs. Vive Ferrer ! Vive l ‘Ecole
Moderne19.
liée à celle d’une indépendance corporative, et la participation à l’élaboration de formes pédagogiques nouvelles
supposent, aux yeux des militants, le développement d’une presse indépendante, seule susceptible de contribuer à
libérer à la fois la parole et l’initiative des instituteurs. Laurin espère que L’École rénovée permettra le développement
de « l’esprit de libre critique et d’initiative » des instituteurs et la mise en doute de la « pédagogie offciell ».
19
Francisco Ferrer está morto. Ele morreu gloriosamente nos fossos de Montjuic,vítima do temor dos governantes,
vítima do ódio que sua obra suscitou. Ele sonhou com uma Espanha livre da inquisição, ele sonhou que aquela terra
intolerante veria florescer um dia o pensamento livre e a razão triunfante. Ele colocou toda a sua confiança nas
gerações seguintes, se aplicando em formá-la livre de preconceitos, superstições, que são a causa da sua perda.
Ele consagrou todas as suas forças à educação da infância; ele a queria feliz e livre.Com um desinteresse absoluto,
ele viveu por isso. Por ela, ele caiu gritando: “Viva a Escola Moderna!”. Os outros se vingaram. Se nós gostamos,
continuaremos sua obra. L’ecole rénovée era a ele muito cara. Ela foi a extensão de sua escola de Barcelona.
188
Traços do racionalismo libertário na Revue L’école Rénovée
Conosco, há três meses, ficou um plano de três anos. Infelizmente, nós duvidávamos deste terrível e próximo fim.
Agora ele está morto. Ele viveu com coragem, e morreu como um herói. Aos uivos dos chacais da Espanha,
responderam com seus grunhidos as hienas de França. Os vermes de todos os países foram juntos uma santa
aliança. Ele, tão doce e tão bom, teria desprezado, vamos lembrar. Ferrer está morto; ele vive em nossos corações.
Viva Ferrer! Viva a Escola Moderna.
189
materiais associados à sua inseração na sociedade por meio da escola. Ellen Key foi uma das
interlocutoras deste ambiente de mudança e transformação educacional, que trabalhou sobre
bases radicais e libertárias. Sua obra requer maior aprofundamento, pois representa uma
importante visão sobre a infância e os rumos da educação e do processo de socialização, nesta
época.
As experiências educacionais ou as abordagens programáticas voltadas à construção de
uma nova escola citadas pela Revue foram representadas, predominantemente, pela Escola
Moderna de Barcelona, abordada em muitos textos escritos por Wiliam Heaford, pela escola La
Ruche, criada por Sebastian Faure, e pelo O Orfanato de Cempuis, por meio dos textos de Paul
Robin que apresentaram suas sistematizações sobre educação integral, após sua experiência no
orfanato. A análise sobre estas escolas, presentes no periódico, atravessou alguns pontos
fundamentais à compreensão da educação libertária: a educação moral, a educação integral e a
educação natural. Elslander escreveu um texto sobre a La Ruche, na Revue nº5 de15/08/1908,
ano I, no qual trouxe aspectos sobre esta experiência, definindo-a como uma obra de
solidariedade e educação, cuja forma de manutenção era independente do Estado. A La Ruche
como organização autônoma, abria campo para certas práticas pedagógicas extremamente
inovadoras, de forma a conduzir um trabalho de educação moral como base sólida da educação.
Elslander lembra que: “A moral, diz Sebastien Faure, é a vida”; e possui como fundamento os
pequenos fatos que constituem a vida cotidiana da criança. A formação moral e a formação
integral constituíam, para estes educadores, um plano de educação. A grande referência de
educação integral foi certamente Paul Robin, que inclusive apresentou diversos textos na
Revista, fruto de muitas polêmicas, mas alicerces desta noção. Paul Robin trabalhou com um
plano detalhado de educação integral, fundado na compreensão das diferentes fases da criança
e de sua constitução como ser individual e como ser coletivo. A formação integral abrange os
aspectos ligados à produção da vida e da cultura, por meio trabalho. Na primeira infância, Robin
já destacou na criança sua potencialidade para ser construtor/produtor e não consumidor,
inserindo-se dessa maneira na coletividade. Mas a educação se dá também nas variadas formas
de conhecimento que formam a criança integral, como os sentidos, a capacidade de abstração e
as artes. A transformação da escola, por este viés, vai desde seus pilares teórico-práticos até à
organização de seus espaços, como explica Robin, no texto L’enseignemet integral, publicado na
Revue, Ano I, nº4, 15/07/1908. Ele fez uma breve descrição sobre como deveria se organizar um
estabelecimento de ensino de educação integral:
190
O estabelecimento onde se dá a instrução integral não deve ser como as
escolas de hoje (…) Ele deve ser um museu universal e atraente: coleções
de toda natureza, desenhos, pinturas, e uma oficina laboratório para toda a
sorte de pesquisas ou de trabalhos. 20
20
L’etablissement oú se donne l’instrucion integrale ne doit plus étre comme les écoles d’aujour d’hui,
(...) Ce doit être un musée universel et attrayant: colletions de toute nature,dessins, tableaux, reliefs, et
un latoratoire-atelier pour toutes sortes de recherches ou de travaux.
191
médico chamado M.A.Boutkevisch. O médico iniciou sua carta justificando que, “como a Revue
L´école Rénovée comporta a discussão de ideias gerais sobre educação física, intelectual e
moral das crianças”, imaginou que interessaria à redação sua pequena objeção ao texto de Paul
Robin. M.A.Boutkevisch apontou que Robin fez a classificação das crianças com o “sangue-frio”
e precisão de um botânico ou zoologista. E argumentou que “pelo amor às crianças se faz o
educador”. Ao referir-se à quinta categoria de crianças, que segundo Robin deveriam ser
impedidas de se reproduzirem, o médico indagou Robin se os filhos das classes trabalhadoras,
mal nutridas e mal alojadas, deveriam ser exterminados. E ainda relembrou: Dostoïewsky era um
epilético! E terminou a correspondência dizendo:
192
educação racional deveria promover um trabalho qualitativo comparável ao que se impunha
ordinariamente às crianças, mas que, em lugar de adestrá-las por meio de uma ginástica
intelectual, forneceria à sua inteligência os alimentos que ela reclama. Com este objetivo,
Elslander apresentou, neste texto, um programa repleto de informações, direcionando-se a uma
organização curricular que orienta bases e conteúdos a serem trabalhados pela educação
racional, definindo assim um “schéma d’um programme rationnel”. O programa tem por base a
divisão em primeira educação e segunda educação e a definição dos meios nos quais elas
deveriam se realizar: meio natural e meio da atividade. O primeiro centrado no contato com a
natureza e a subsistência humana, no que Elslander concebeu como contato com a vida rural. O
segundo, meio da atividade, centrado nos jogos e no trabalho. Com estes dois eixos o autor
elencou os conhecimentos a serem adquiridos pela criança no curso da primeira infância. Ele
estebeleceu uma interessante relação entre meio, cultura e trabalho, relacionados à susbistência
humana e à transformação do ambiente. Sugere, por exemplo, como conhecimentos
relacionados ao meio natural: o reconhecimento das partes externas do corpo; os animais
domésticos; as plantas; os minerais; as indústrias primitivas – ligadas a vida rural, como a
produção de leite, de queijos -; a geografia; a física e os fenômenos naturais. E no que se refere
ao meio de atividades: ginática natural; jogos; trabalho. A segunda educação é direcionada a
outras bases formativas: a exploração (do espaço social); o trabalho e as artes (trabalho
mecânico e metódico; artes: desenho pintura, escultura, música); e jogos e festas. O método
geral consiste em trabalhar com as crianças a exploração do meio, que pode oferecer elementos
de estudo e observação. As crianças se organizam pouco a pouco em grupos e se iniciam em
um novo modo de aquisição: aprendem a se interessar, pesquisar e descobrir: “regiões, cidades,
fábricas, pedreiras, minas, museus, jardins zoológicos, jardins botânicos, exposições, etc.” O
professor, define Elslander, deve apresentar uma postura mais ativa, dirigindo as pesquisas,
conduzindo os trabalhos de exploração e fazendo intervir o livro, a imagem o documento. O
professor deve colocar em evidência os pontos a serem perfeccionados, associando sem cessar
os novos conhecimentos àqueles já adquiridos, estabelecendo formas de abstrações complexas.
No desenvolvimento do texto, o autor arrola os conhecimentos relacionados a cada base
formativa da segunda educação, compondo um detalhado programa voltado à educação
racionalista e integral. Este é um ponto fundamental a ser evidenciado pela proposta de
Elslander: trata-se de um programa de educação integral. Com isto, pode-se notar que a
educação racionalista, além de fundada sobre bases científicas e concebida no âmbito das
classes sociais populares, tinha por base a educação integral, idealizada em diferentes
193
propostas. E acrescenta-se a questão do ambiente e da natureza como elemento central às
discussões efetuadas por Elslander, e por outros autores como A. Pratelle, que publicou o texto
L’education par le ambience, na Revue de 15/08/1908, Ano I, nº5:
Na linha do nature study, Elslander publicou o artigo L’education naturelle (Ano I, nº1;
15/04/1908), no qual apresentou questões como: a problematização entre natureza e sociedade
e a formação do homem natural e do homem social. Elslander analisou esta relação tomando
como elementos de oposição os meios e métodos pedagógicos chamados artificiais, ou seja,
aqueles direcionados às necessidades criadas por mecanismos sociais. Em primeiro plano, o
autor apontou aspectos do desenvolvimento da criança pautados na ideia de evolução
filogenética e ontogenética. Iniciou o texto dizendo que “a vida da criança é uma reconstituição
acelerada da evolução humana. No curso da infância se realiza um fenômeno análogo ao do
desenvolvimento do embião no ovo”. E vinculou o papel da escola ao processo de maturação da
criança, de modo que, como instituição constituída pelas necessidades sociais humanas, deveria
corresponder aos elementos que naturalmente agem no desenvolvimento dela: “a criança, como
o germem dispõe de recursos espontâneos, de necessidades vitais cujas manifestações ocorrem
em uma ordem normal, às quais deve simplemente prover a escola, do mesmo modo que as
reservas alimentícias do ovo provêm às do germem.” Com esta consideração, o autor traçou o
que compreende pela função da escola. Ao educador, por sua vez, cabe “conhecer esta ordem e,
conforme sua intervenção, subsidiar a criança dos elementos da vida e do desenvolvimento que
lhe são necessários”. Acrescentou que a história da humanidade constitui o grande guia da
criança, que deve, com a ajuda dos mais adultos e experientes, reviver a luta do homem – a
conquista da natureza pelo trabalho, que leva à emancipação e ao aperfeiçoamento da
existência humana.
Neste texto, Elslander retoma o meio da natureza e o meio da atividade como elementos
formadores da criança. Acrescenta que o meio da natureza corresponde ao espaço físico e
visualmente natural, definido como “escola-granja”, no qual a criança estabelecerá contato com a
194
vida vegetal e animal, os tempos e os espaços naturais, mediados pelo professor, e
compreenderá também as formas de relação e transformação que as atividades humanas
exercem neste espaço. Trata-se do aprendizado construído por meio da observação, das ações
espontâneas, da curiosidade, da memorização livre e também da compreensão do sentido desta
memória na história da relação entre homem e natureza. São dispensados, portanto exercícios
de memorização pela repetição, pela assilimação de significantes e de elementos contrários ao
entendimento natural da existência da vida, que se factua espontaneamente com suas regras e
características particulares e positivamente intransponíveis. O saber assimilado pelo mundo da
necessidade, dos sentidos e da observação, segundo ditames que pretendem o
desenvolvimento íntegro desta criança seria o objetivo almejado pela prática educativa, nesta
perspectiva. Seguindo esta proposta, com expressões muito diretas, que parecem querer trazer
o leitor a uma constatação quase óbvia, Elslander coloca:
195
Os defeitos dos métodos atuais provem precisamente da falta de paciencia e
de confiança. Se recorre a meios artificiais para fazer mal e rápido o que a
natureza faria muito bem e lentamente. (…) Da harmonia entre os desejos
intelectuais da criança e a ciencia do educador debe resultar a ação rápida
da educação (Ano I, nº1; 15/04/1908).
Elslander considera que os métodos de ensino são negativos e não contribuem com a
educação da criança, na forma como a concebe, isto é, do ponto de vista do método natural.
Compreende os métodos da educação vigente são “métodos artificiais”, fundados em
necesidades e construção de relações mediadas por relações mecânicas:
Defendeu ainda que a educação deveria se dar por duas vias complementares: por
aquisição, na qual a criança aprende espontaneamente e o educador intervém renovando o
meio; por coordenação, que parte do adulto de acordo com as necessidades que se manifestam,
possibilitando a expansão do processo de aprendizagem. Na L’école seguinte (Ano I, nº2
15/05/1908), Elslander publicou Les modes d’acquisition des connaissances. Neste texto,
trabalhou com duas noções: a ordem cientifica e a ordem educativa. Fez uma teorização sobre
as formas de aquisição de conhecimento, seguindo a mesma lógica de diferenciação entre
educação natural e artificial, considerando a importância da memória das crianças e defendendo
um processo de construção do saber mediante o contato espontâneo e não diretivo com o meio.
Elslander pontuou que o professor deveria agir em momentos necessários, com base em seu
conhecimento científico, auxiliando no desenvolvimento da criança, tendo um papel de proteção
e intervenção.
O educador belga desenvolveu, assim, inúmeras análises sobre a formação integral e
natural da criança, muitas delas publicadas na Revue L’école Rénovée, mas também em livros
produzidos ao longo de sua vida. No livro A escola Nova, Elslander evocou a critica à escola
contemporânea de maneira muito contundente e também pertinente. A obra apresenta muitos
196
ecos da abordagem efetuada na Revista e no âmbito da Liga, o que configura um conjunto de
produção escrita sobre a questão educacional de riquíssimo aporte crítico e teórico:
197
Os filósofos e pensadores de todos os tempos formulam, uns pela intuição,
outro após dados de ciência da vida humana, o melhores métodos de ensino
para as crianças. Mas eles se esqueceram de que o problema da educação
não pode ser separado de toda a organização social. (...) a educação das
crianças revela as leis da sociedade de que emana (1946:9)22
Esta observação de Elslander condiz com o que se pretendeu trabalhar nesta tese: o os
problemas da educação não podem ser separados de toda e qualquer forma de organização
social. Alguns anos após a diversidade de discussões vividas no âmbito da Liga Internacional
pela Educação Racional da Infância, Elslander manteve uma análise social da educação muito
atual em alguns aspectos e suas palavras inspiram um bom fechamento para esta tese.
A breve incursão sobre os escritos destes autores, por meio da Revue L´école Renovée,
e algumas de suas obras, possibilita a abertura de um campo ainda pouco lavrado e inspira
novos olhares contemporâneos para este momento que cursou a transformação da educação
“tradicional” em educação “nova”. Inúmeros foram os esforços e quase infinitas foram as
discussões motivadas também por objetivos e finalidades sociais e políticas também muito
distintas. Fatos que condizem com um ambiente de transformação da educação e da escola
heterogêneo e plural.
22
Les philosophes et penseurs de tous les temps ont formule, les uns par intuition, les autres d’après les données
des sciences de la vie humaine, les meilleures méthodes d’education des enfants. Mais ont oublié que le probléme
de l’education ne peut être sépare de celui de toute l’organization sociale.(…) l’education des enfants révèle des lois
de la société dont elle émane.
198
Considerações finais
O percurso desta pesquisa indica que: alcançar um possível final transparece algum
êxito quando se mantem aberta sua infinitude. Se somos finitos, o mesmo não procede em
relação aos nossos olhares sobre a realidade estudada; e com isto atravessamos um oceano por
muitos momentos intangível, aprisionante, mas enfim libertador.
Esta tese deixa seu fim aberto às possibilidades que o tema e os documentos oferecem.
Mesmo porque, a pesquisa não tinha o propósito de esgotar ou calar os documentos, mas sim
de pô-los a dizer. E o que se conclui é que estes documentos ainda têm muito a se interrogar e
dizer. Primeiro porque há muito o que investigar, diante da imensidão que desvelam, e também
porque abordam questões candentes ainda nos dias de hoje.
A educação racionalista libertária vislumbrou o progresso da sociedade, regulado por
valores morais e pela ética anarquista, perceptíveis na maioria das práticas sociais e sujeitos
articulados a esta proposta de transformação educacional. A ética anarquista representa,
portanto, a principal forma de conceber a razão e o racionalismo, em confronto com as
concepções racionais que regiam a sociedade moderna e a escola ordinária. Nesse sentido,
conceber a educação sob este prisma consiste em conceber a sociedade sob uma nova ética.
A produção teórica e as experiências dos educadores aquí evocados representam um
contexto educacional que requer investigações pormenorizadas em suas diversas frentes, como
é o caso dos estudos de JF. Elslander e Clemence Jacquinet. Estes educadores, além de serem
muito atuantes no racionalismo libertário, produziram obras com significativo sentido histórico e
pedagógico, que incoporam muitas das vozes pela transformação da escola. Destaca-se a
importância de se preencher os vazios (as famosas lacunas, ausências) por meio da localização
dos interlocutores e recomposição destas redes sociais, que antagonizavam o campo
educacional da época. Desvelar as problemáticas do campo educacional, bem como sua
alinearidade do ponto de vista da evolução (epistemológica, metodológica, teórico-prática)
permite compreender as construções do sentido histórico da educação. Os antagonismos e
contradições estão profundamente situados no âmbito do conflito social e da luta de classes,
realidades muitas vezes minguadas por metodologías de pesquisa educacional. “Bordar o olho
do santo”23, pode ser um recurso importante e produtor de saberes valiosos sobre a educação e
a escola, mas a grande malha da luta social mantem fios emaranhados em momentos diversos
23
Alegoria acciolyana.
199
da história da educação. Desemaranhar e evidenciar a posição do conflito é trabalhar com a
dimensão social e política da escola e da educação. Mesmo porque se a escola não trata de
questões apartadas da vida social, é porque ela é umas das instituições que problematizam os
meios de transformação da realidade. Esta tese considera que concepções históricas como a
Escola Nova - a escola liberal que se tornou hegemônica nas sociedades ocidentais e possui
investidas historiográficas muito sólidas -, se fez em um terreno de debates, interlocuções e
disputas diretas ou indiretas sobre como e para que transformar a escola. As experiências e os
educadores aqui evidenciados representam um campo de interlocução e antagonismo em
relação aos reformadores liberais da educação, assim como aos conservadores e confessionais.
O percurso da história da educação demonstra trajetos de evolução e involução da escola no
âmbito das ações pela sua transformação, sejam motivados por demandas da sociedade, sejam
por oposição à sociedade. Assim, cada vez mais se torna necessária a compreensão das
mudanças da instituição escolar nos últimos tempos, sobretudo pelos novos sentidos que a
contemporaneidade suscita à mudança. E as posibilidades de mudança ainda, nos días de hoje,
tangenciam entre o que representa a reforma e o que representa a transformação e a revolução
das práticas e conhecimentos que sustentam a instituição escolar. A educação racionalista
libertária é um campo educacional muito rico e repleto inovações pedagógicas. Tal riqueza não
se encerrou no exercício de antagonismo político à escola cívica ou confessional. Ela
representou antes a abertura das reflexões e práticas da educação e da pedagogia a propostas
modernas de formação escolar, expondo as potencialidades da escola a partir das diretrizes e
objetivos libertários. O maior êxito deste processo é promover práticas educacionais e escolares
radicalmente diferentes e antagônicas. Considerando a fragilidade do tempo na transformação
da escola, questionar as formas de promover educação continua sendo necessário inclusive aos
dias de hoje.
A Revue L’Ecole Renóvée trouxe em todos os números de seu primeiro ano a seguinte
epígrafe, que encerra este estudo: “L'Education des enfants ne doit pas être laissée à la seule
influence de l'école; elle sera une œuvre harmousieuse due aux soins intelligents de tous ceux
qui les aiment”.
200
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Periódicos
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Revue L´école Rénovée
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