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O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geop... https://journals.openedition.

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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

25 | 2015 :
Número 25

O reerguimento da Rússia, os
EUA/OTAN e a crise da Ucrânia:
a Geopolítica da nova Ordem
Mundial
Le retour de la Russie, les États-Unis / OTAN et la crise en Ukraine: géopolitique du Nouvel Ordre Mondial
The new uplifting of Russia, the US / NATO and the crisis in Ukraine: the Geopolitics of the New World Order

W M C

Resumos
Português Français English
Este texto examina aspectos importantes do cenário internacional deste início do século 21 do
ponto de vista da geopolítica, com destaque para o processo em curso de reerguimento da
Rússia como Grande Potência. A abordagem articula conhecimentos da geografia regional,
geopolítica, história e teoria das relações internacionais e procura concentrar-se na análise de
aspectos relevantes da trajetória russa, desde o período czarista, passando pelo socialismo no
âmbito da URSS, o declínio após 1991, o reerguimento a partir de 2000 e a atual política e
estratégia de poder regional e mundial, na qual são destacadas suas rivalidades com os
EUA/OTAN e os conflitos com a Ucrânia. Além da análise desse percurso, procura
compreender o modo particular de atuação das grandes potências em sua incessante luta para
manter e ampliar parcelas do poder mundial, especialmente nas duas últimas décadas.
Enfatiza, ao mesmo tempo, o notável renascimento da perspectiva geopolítica e da sua
contribuição para desvendar a complexa trama de relações da política internacional no
contexto da atual transição de uma Ordem Mundial para outra, aqui preliminarmente
designada como tripolar.

Ce texte examine des aspects importants de la scène internationale en ce début de 21e siècle du
point de vue géopolitique, mettant en évidence le processus de retour de la Russie comme
grande puissance. L'approche combine la géographie régionale, la géopolitique, l'histoire et la
théorie des relations internationales et cherche à se concentrer sur l'analyse des aspects
pertinents de l'histoire russe, de la période tsariste, via le socialisme de l'URSS, la déclin
d'après 1991, le retour à partir de 2000 et la stratégie de pouvoir politique régional et mondial
actuelle, qui sont mis en évidence dans sa rivalité avec les États-Unis / OTAN et le conflit avec
l'Ukraine. En plus de l'analyse de ce parcours, il cherche à comprendre le mode d'action

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particulier des grandes puissances dans leur lutte constante pour maintenir et agrandir des
aspects de leur puissance mondiale, surtout dans les deux dernières décennies. Il souligne
dans le même temps la renaissance remarquable du point de vue géopolitique et sa capacité à
démêler le réseau complexe des relations internationales de la politique dans le contexte de la
transition actuelle d'un ordre de monde à l'autre, préalablement désigné comme tripolaire.

This paper examines important aspects of the international scene in the early 21st century
from a geopolitical point of view, highlighting the process of return of Russia as a great power.
The approach combines regional geography, geopolitics, history and theory of international
relations and seeks to focus on the analysis of relevant aspects of Russian history, from the
Tsarist period, via the socialism of the USSR, the decline after 1991, the return from 2000 and
the current regional and global political power strategy, which is highlighted in its rivalry with
the US / NATO and the conflict with Ukraine. In addition to the analysis of this journey, it
seeks to understand the particular mode of action of the great powers in their constant struggle
to maintain and extend aspects of their world power, especially in the last two decades. He
points at the same time to the remarkable revival of ther geopolitical point of view and its
ability to untangle the complex web of international relations policy in the context of the
current transition from one world order to another, previously designated as tripolar.

Entradas no índice
Index de mots-clés : géopolitique, politique internationale, grande puissance, retour de la
Russie, crise de l'Ukraine, nouvel ordre mondial, conflits et guerres
Index by keywords : geopolitics, international politics, great power, Russia's new uplifting,
Ukraine crisis, new world order, Conflicts and War
Índice geográfico : Rússia, Ucrânia
Índice de palavras-chaves : geopolítica, política internacional, grande potência,
reerguimento da Rússia, crise da Ucrânia, nova ordem mundial, guerras e conflitos

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1 O renascimento da geopolítica clássica como inspiradora de estratégias nacionais,
rivalidades e conflitos envolvendo, sobretudo, as grandes potências com impactos em
praticamente todas as regiões e povos do mundo é um dos aspectos destacáveis da
transição em curso em direção a uma nova ordem nas relações internacionais.
2 A restauração da Rússia como grande potência com projeção regional e mundial e
os rumos dominantes da sua estratégia de poder e de influência na política
internacional, como o formidável reaparelhamento das forças armadas, a recente
reaproximação com a China, a calculada movimentação que visa contrastar a
hegemonia dos EUA/OTAN e a ousada e ostensiva intervenção política e militar na
atual crise da Ucrânia, são processos e eventos emblemáticos das aceleradas
mudanças do mundo deste início do século 21 e que nos inspiram a examiná-los
pondo em relevo as concepções da antiga e sempre renovada geopolítica.
3 Neles se expressam elementos e padrões de comportamento característicos das
antigas, emergentes ou restauradas grandes potências quando protagonistas de
disputas em torno dos seus valores e interesses nacionais assentados nos seus
respectivos territórios e áreas de domínio, controle ou influência. Expressam, ao
mesmo tempo, a complexidade das eras de transição de uma ordem mundial para

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outra e neste caso da bipolaridade para a multipolaridade ou polaridades ainda


indefinidas. Trata-se de eventos envolvendo fricções, tensões, crises e conflitos
impulsionados pela competição de largo espectro por hegemonia e pelos movimentos
por afirmação política, emancipação, autonomia e soberania de estados, nações,
nacionalidades e comunidades políticas em países, territórios, fronteiras, regiões e
províncias, que têm se desenvolvido em praticamente todas as escalas e fímbrias do
espaço político mundial.
4 Na crise da Ucrânia, regional stricto sensu, mas de alcance global pela força com
que projeta externamente seus impactos, veio à superfície o modo particular de
conceber e por no terreno a política internacional que vigorou durante séculos e que
teve seu apogeu no período de predomínio dos impérios (a Era dos Impérios de
Hobsbawm), em que os antagonismos e as guerras expressaram a face violenta da
luta pelo poder. Ademais, embates políticos e confrontos militares em que territórios
e regiões são objeto e fonte do poder dos estados e ocupam, portanto, o centro das
estratégias nacionais dos antagonistas.
5 Em outros termos, e ainda que isso desperte sentimentos de perplexidade (e
mesmo de repúdio) em parte da comunidade dos estudiosos e da opinião pública
internacional, a crise em tela expõe a retomada do secular caminho trilhado pelas
grandes potências para manter ou aumentar suas reservas de poder, pondo em
movimento a diplomacia e a máquina de guerra para fazer valer seus interesses
nacionais nas disputas de todas as escalas, isto é, nas suas relações de vizinhança e
alhures tendo como objetivos o domínio, o controle ou a influência e, no limite, a
conquista e a anexação de territórios.
6 Na transição em curso para uma nova Ordem Mundial a emergência de novos
polos de poder e o notável engajamento da comunidade internacional em torno da
paz e a cooperação tem moldado um ambiente internacional que favorece o otimismo
dos liberais e construtivistas da teoria das relações internacionais do início dos anos
1990 - ou do imediato Pós-Guerra Fria -, como Francis Fukuyama e James Rosenau1.
Daí o crescimento da condenação e do repúdio à modalidade de política fundada na
pura disputa pelo poder que caracterizou período remoto da história e que estaria
segundo eles em declínio e em vias de ser superado por novos valores e meios de
resolução de conflitos. Tratar-se-ia, portanto, de esforço coletivo na construção de
arranjos institucionais e de mecanismos que assegurassem o relacionamento entre os
Estados pautado pelo multilateralismo e por um conjunto previamente acordado de
normas consuetudinárias e, cada vez mais, formalmente jurídicas, inscritas no
Direito Internacional.
7 No contra fluxo dessa corrente em prol da paz e a cooperação, entretanto, os
eventos de setembro de 2001 e especialmente aqueles desta segunda década do
século 21, com a ampliação e o agravamento dos conflitos em todas as escalas são um
claro sintoma da tendência geral de deterioração do ambiente político internacional,
que tem sido marcado cada vez mais pela incerteza, a insegurança e os riscos globais.
A rigor, os antecedentes dessa deterioração encontram-se no imediato pós Guerra
Fria com a invasão do Iraque pela coalizão militar organizada sob os auspícios da
ONU e liderada pelos EUA. Seguiram-se diversos eventos como a crise dos Bálcãs no
contexto do desmantelamento da Iugoslávia com enfrentamentos armados entre
grupos nacionais da Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Kosovo e a posterior
intervenção militar dos EUA/OTAN, além dos diversos conflitos no Chifre da África e
na África subsaariana, incluindo práticas de genocídio como os de Ruanda e Burundi.
Também os primeiros sinais do profundo antagonismo envolvendo as potências
ocidentais (e especialmente os EUA) e o movimento islâmico radical com seus
inúmeros episódios de violência, tais como os atentados terroristas ao World Trade
Center em Nova York (1993) e às embaixadas norte-americanas do Quênia e do
Iêmen (1998).
8 Ocorre, contudo, que nos processos de transição de um período histórico para

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outro, o novo tende a manifestar-se enredado ao velho, isto é, as típicas modalidades


de conflitos e violência da ordem global, como os atentados terroristas e a atuação
das milícias (a guerra irracional de que fala John Keegan) têm convivido ou
compartilhado a arena da política e da guerra com os eventos característicos da
antiga ordem e os seus clássicos antagonismos e rivalidades entre Estados-Nações e,
particularmente, as Grandes Potências em suas disputas por influência e poder
travadas nas escalas dos países, das regiões e do mundo.
9 Daí porque as crises da Geórgia, em 2008, e em especial esta em curso da Ucrânia,
nas quais estão diretamente envolvidos os EUA, a OTAN e a Rússia nos remete ao
universo da velha geopolítica do início do século 20 e às concepções de Halford
Mackinder – o mais importante dos pais fundadores da geopolítica - com a sua
formidável ideia-síntese de que o espaço político (mais propriamente o espaço
geopolítico) mundial é imensa arena em que grandes e médias potências se
fortalecem e se contrastam em termos de poder político e militar, agrupam-se e
reagrupam-se em alianças de todo tipo e, não raro, confrontam-se continuamente
para disputar o poder mundial.
10 Em suma, a predominância de concepção e estratégia que tem raízes na geografia,
isto é, nos territórios e suas fronteiras, regiões e lugares e, principalmente, suas
populações, infraestruturas, redes de circulação, recursos naturais e outras
virtualidades do tipo que integram e podem contribuir para fortalecer o poder do
Estado expresso no âmbito interno e na sua projeção externa2.
11 Tudo indica, portanto, que a particularidade histórica do atual quadro político
mundial é o choque e, por vezes, o amálgama entre essas duas tendências
dominantes que atuam ora nas bordas, ora no centro da espessa trama na qual se
movimenta a política entre as nações e demais atores da cena internacional. De um
lado, a abrangente globalização que vai muito além da economia e que se desenvolve
junto (ou imbricado) à tendência de descentralização do poder político - um sistema
cada vez mais policêntrico – e ao revigoramento do direito internacional e das
instituições multilaterais em prol da solução pacífica para os conflitos.
12 De outro, e esta é a perspectiva aqui enfatizada desde o início, a recorrência de um
padrão clássico e bastante familiar aos geopolíticos e realistas da Teoria das Relações
Internacionais que têm se mantido firmes na concepção geral de que a política
internacional move-se essencialmente pela atuação dos estados nacionais e,
sobretudo, das grandes potências, na defesa dos seus interesses e no aumento das
suas reservas de poder, um padrão geral que explicita um sistema político em
permanente busca pelo equilíbrio de poder3.

Em direção à Ordem Mundial Tripolar


13 É nesse quadro de jogo de espelhos entre o velho e o novo que se inscreve o
processo em curso da restauração da posição de grande potência da Rússia. No
esforço de recuperação do tempo (e do espaço) perdido, sua política estratégica atual
de natureza essencialmente geopolítica impulsiona movimentos na direção de dois
objetivos principais. Na frente ocidental, contrastar e conter duramente os
EUA/OTAN em suas políticas de expansão/contenção em direção ao leste e, no
limite, manter ou reconquistar para a sua órbita de influência direta a Ucrânia, as
três ex-Repúblicas Soviéticas do Báltico (Lituânia, Letônia e Estônia), a Moldávia,
parte do Cáucaso (Geórgia e Armênia) e o Ártico com suas cobiçadas jazidas de
petróleo e gás e as novas rotas interoceânicas.
14 Na sua projeção para o Leste, esse ativismo russo se expressa, sobretudo, por um
acentuado esforço de aproximação com a China, país com o qual tem história
marcada pela alternância entre períodos de cooperação (como o fundamental apoio
russo à revolução chinesa entre 1946 e 1949) e rivalidades, neste caso envolvendo

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graves disputas fronteiriças nos anos 1960. Esse longo ciclo de relações envolveu
diversos tratados (o primeiro é de 1689) e na sua etapa atual, claramente tendendo à
convergência entre os dois países, consolidou-se com o acordo de demarcação de
fronteiras em 1991 que estabeleceu a partilha dos territórios em contenda e com o
Tratado de 2004 que estabeleceu as fronteiras comuns, a sua desmilitarização e os
direitos de circulação e comércio4.
15 Na sua estratégia na frente ocidental, a Rússia projeta manter ou retomar sua
presença combinando diplomacia, dissuasão e ação militar em suas antigas áreas de
influência, isto é, a Europa Oriental e o Báltico e, ao sul, o Cáucaso no qual utilizou a
força militar com a invasão da Geórgia em 2008 seguida da incorporação de facto
das suas províncias da Ossétia do Sul e Abkházia. Dentre esses movimentos recentes,
entretanto, o que melhor ilustra a determinação do país de seguir o caminho traçado
para retomar sua posição de grande potência - e o que mais tem despertado a atenção
da comunidade internacional - é a sua sistemática ingerência na política interna da
Ucrânia e nesse caso em explícita confrontação com o Ocidente, a cooptação e o
apoio militar aos insurgentes de ascendência russa das províncias orientais do país e,
finalmente, a integração (do seu ponto de vista) ou a anexação (do ponto de vista
ocidental) da Criméia, em março de 2014.
16 É preciso considerar, entretanto, que além da retomada da proeminência da
Rússia, o olhar sobre a geopolítica do século XXI deve deter-se no exame da rápida
ascensão da China à posição de grande potência, país que tem a segunda maior
economia e que é o líder das exportações do mundo e que nos últimos anos tem
intensificado seu ativismo diplomático na escala global. Além do mais, é notória sua
disposição para arranjos de cooperação comercial e econômica em geral e
preferencialmente no seu Entorno Regional, que têm se ampliado rapidamente com o
comércio, os investimentos diretos e a influência política em mais de uma dezena de
países da África e da América Latina nos últimos anos.
17 Na Ásia de Sudeste e na Ásia-Pacífico essa ofensiva tem assumido natureza mais
claramente político-estratégica ou geopolítica de tipo clássico, isto é, a face agressiva
de grande potência que recorre à dissuasão militar ou ao uso da força, se necessário,
na defesa do que considera seus legítimos interesses nacionais.
18 Essa modalidade de expressão de poder da grande potência é observável tanto nos
seus antigos contenciosos, como são os casos do Tibete (sua colônia de fato) e Taiwan
(país a que ainda denomina de “Província Rebelde”), como nas suas mais recentes
reivindicações territoriais no espaço marítimo, a exemplo das disputas que mantém
com o vizinho Japão em torno das Ilhas Senkaku5 e com o Vietnã, Filipinas, Malásia,
Taiwan e Brunei tendo como alvo o Arquipélago de Spratly no Mar da China
Meridional, no contexto da complexa definição das respectivas Zonas Econômicas
Exclusivas e os decorrentes direitos de exploração das comprovadas jazidas de
petróleo e gás da região.
19 Observando esse quadro ainda que em seus traços mais relevantes, tudo indica que
é do outro lado do mundo e no imenso Bloco Euroasiático que será disputada a
grande contenda genuinamente geopolítica de escala global nas próximas décadas.
Na frente oriental desse bloco, a China será capaz de romper o cerco (o “colar de
pérolas”) que expressa plenamente a vigência do poder marítimo que lhe é imposto
pelos EUA e seus aliados ocidentais e asiáticos? Na frente ocidental, a Rússia será
capaz, com suas antigas e renovadas reservas de poder, capaz de romper as linhas da
poderosa contenção que lhe é imposta pela ação coordenada dos Estados Unidos e
seus aliados europeus agrupados na OTAN?
20 O quadro na escala do mundo sugere, também, que nessa reconfiguração
geopolítica em curso o processo de maior expressão e com poder de influência nas
próximas décadas são os vigorosos movimentos de aproximação entre a Rússia e a
China, que tem se processado primeiro pela criação de um ambiente propício à
convivência pacífica para em seguida desdobrar-se em direção a uma aliança

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abrangente ou mais propriamente estratégica das duas grandes potências. Como


visto, solucionados seus antigos contenciosos no início dos anos noventa, o processo
de aproximação avançou em abrangência e profundidade com a criação da
Organização para a Cooperação de Xangai em 2013 (integrada pela China, Rússia,
Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão), um mecanismo de
concertação de conteúdo marcadamente econômico, mas que também abrange
compromissos de natureza político-estratégica e especificamente militar6.
21 Esse ativismo marcado pelas relações de cooperação entre os dois países na
atualidade também se expressa na celebração de novos arranjos comerciais
bilaterais, sendo o mais vistoso deles, o recentemente firmado Acordo Energético
envolvendo o fornecimento à China de 38 bilhões de metros cúbicos de gás por ano
ao longo de trinta anos7.
22 Caso venha a consolidar-se a formidável - e poucos anos atrás improvável - aliança
entre as duas grandes potências euroasiáticas, que além de países-baleia, contam
com vantagens comparativas e competitivas derivadas dos seus territórios, recursos
naturais, populações, infraestrutura, poder econômico e força militar, o mundo
assistirá pela primeira vez à formação de um imenso e poderoso Bloco Eurasiano
capaz de confrontar, nos anos que seguem, o até então incontrastável poder político e
militar da aliança liderada pelos EUA, formado pela OTAN (no Ocidente) e ancorado
nos acordos bilaterais de segurança com seus mais tradicionais aliados da Ásia e do
Pacífico, casos do Japão, Coréia do Sul, Singapura e Austrália8.
23 Em suma, é a vigência da antiga e agora revigorada rivalidade entre o Poder
Terrestre e o Poder Marítimo neste início do século XXI, cuja natureza é sistêmica e
de larga escala e está moldando a nova Ordem Mundial na qual a repartição do poder
político e militar entre as grandes potências a configura cada vez mais como
Tripolar.

Formação territorial da Rússia e sua


projeção geopolítica
24 Um aspecto notável da história da Rússia é o amálgama da sua evolução social,
econômica, política e cultural com a particular configuração e formação do território
nacional e o modo como isso se desdobra interna e externamente na geopolítica. Em
outros termos, a longa trajetória da sua constituição enquanto Estado-Nação
moderna - contrastando com as dos seus congêneres europeus – é marcada por um
complexo quadro de processos superpostos e interconectados, no qual a construção e
a consolidação do Estado praticamente se confunde com a expansão e a configuração
do seu território. Por isso, e neste caso abstraindo suas respectivas particularidades
históricas, certamente que a Prússia, mas também a Rússia, são os arquétipos do que
podemos aqui denominar de Estado Territorial ratzeliano.
25 Nesse sentido, isto é, o da proeminência da dimensão geopolítica na sua formação
nacional, a história russa assemelha-se menos a seus congêneres europeus ocidentais
e mais à trajetória típica dos chamados Países Baleia, casos dos EUA, Brasil, Índia e
China. Neles podemos identificar o que seria uma espécie de imperativo territorial
que tende a moldar sua formação histórica como um todo, processo este que se
expressa notadamente por expansões territoriais sucessivas a partir de um núcleo
inicial e no mais das vezes marcadas por apropriações, conquistas, domínios,
ocupações e a posterior consolidação das fronteiras nacionais.
26 Essa modalidade histórico-geográfica de evolução nacional-territorial é
particularmente notável, pois ela expressa a vigência de uma forma especificamente
imperial que tende a sobrepor-se aos demais traços das trajetórias desses países e
isso se expõe cabalmente no caso russo. É justamente esse imperativo territorial que
o geopolítico russo Alexandr Dugin, um dos teóricos da atual restauração do poder

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do país, destaca na sua formação histórica:

“A partir do século XV os russos emergem no panorama da história mundial


como uma “civilização da Terra” e todas as linhas de força geopolítica
fundamentais da sua política externa passam desde esta altura a estar sujeitas
a um único objetivo: a integração do Heartland, o fortalecimento da sua
influência na zona do Nordeste da Eurásia, a afirmação da sua identidade
perante seu adversário mais agressivo....o mundo anglo-saxônico, a
Civilização do Mar”9

Figura 1 – O Império Czarista Russo

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27 O processo de formação nacional-territorial russo tem seu ponto de partida na


segunda metade do século XV, sob o comando do Imperador Ivan III, quando este
põe fim ao domínio do Império Mongol, na região que passa a ter Moscou como sua
capital esta se constitui no núcleo original para a posterior expansão do seu ecúmeno
geopolítico10.
28 Esta trajetória de expansão territorial ganha intensidade, sobretudo, nos reinados
de Pedro o Grande (1682-1725) e Catarina a Grande (1761-1796) e é caracterizada por
diversos elementos de singularidade que a diferenciam ainda mais das demais
experiências imperiais (ou imperialistas) da Europa. O primeiro e mais importante é
que desde o início tratou-se da formação de um Estado nacional transicional e
ambivalente, pois posicionado territorialmente na imensa e estratégica região entre a
Europa e a Ásia.
29 No período que vai de meados do século XVII ao final do século XIX o Estado
russo expandiu continuamente suas fronteiras, primeiro em direção ao Oeste até o
litoral do Mar Báltico, um movimento que se fez à custa de conflitos com a Polônia e
a Suécia11. Em seguida, e principalmente ao longo do século XIX, expandiu-as em
direção ao Sul e ao Leste, alcançando primeiro a Ásia Central e, em seguida, os
confins da Eurásia já na borda do Oceano Pacífico e, nesse estágio, teve que
confrontar-se inicialmente com a Mongólia e posteriormente com a China e o Japão.
30 A segunda característica peculiar desse processo é que ainda que se refiram de
modo geral à forma dominante de expansão dos impérios, há distinções de uma
perspectiva propriamente geopolítica que devem ser enfatizadas. Enquanto os mais
poderosos impérios europeus – casos de Inglaterra e França – focaram a sua

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expansão territorial nos séculos dezoito e dezenove fazendo uso do que Alfred Mahan
denominaria mais tarde de Poder Marítimo, estendendo seus domínios na África,
Ásia e na América, a Rússia o fez a partir de experiência baseada essencialmente no
Poder Continental ou Terrestre, na acepção de Halford Mackinder.
31 O terceiro aspecto destacável no processo de consolidação desse imenso império
decorre justamente da sua particular posição nessa enorme massa terrestre entre a
Europa e a Ásia. Até meados do século XVIII, quando seus governantes ainda
definiam como principal horizonte estratégico a expansão e consolidação dos seus
domínios sobre os territórios europeus, a Rússia assemelhava-se nos seus traços
gerais às demais experiências históricas do período no continente, inclusive porque
nessa trajetória teve que enfrentar a resistência de outras potências que com ela
disputavam as mesmas áreas de influência12.
32 Desde então, o percurso histórico do país tendeu a expressar essa sua natureza
transicional e ambivalente que o induz a adotar uma recorrente estratégia
tipicamente pendular nos processos de expansão imperial. Em sua faceta ocidental,
o país assumia plenamente sua condição de potência europeia, quando fixava seu
olhar na direção do Ocidente e dele incorporava não só a cultura, o modo de vida e
até os sistemas burocráticos de gestão pública, como também os projetos de
hegemonia – ou coloniais - no continente e fora dele13.
33 Esse processo de europeização que iniciara no século XVI com Ivan, o Terrível,
teve notável impulso sob o comando de Pedro, o Grande, no século seguinte, e de
Catarina, a Grande, a partir do início do século XVIII. Essa trajetória em direção ao
Oeste deu-se, sobretudo, durante o reinado de Pedro I, autoproclamado Czar (em
alusão aos imperadores romanos) e que foi de fato o criador do que seria conhecido
como o Império Czarista russo. Primeiro, com a criação de São Petersburgo no Golfo
da Finlândia, para a qual é transferida a Capital do país, viabilizando assim sua
estratégia de criar uma “porta para a Europa” pela qual pudesse intensificar suas
interações com seus vizinhos ocidentais. Segundo, com as guerras de expansão e as
vitórias sobre o Império Turco-Otomano e a Suécia e as anexações da Lituânia,
Estônia e Letônia no Báltico. Conquistas significativas que moldaram a Rússia
Moderna e a definiram como império europeu de fato.
34 Essa tendência tem continuidade durante o reinado de Catarina II, que além da
conquista da Criméia e a consolidação dos territórios do Báltico e do Cáucaso,
mantém o ímpeto colonizador de Pedro I com a extensão dos seus domínios para a
Sibéria e o Ártico e para além dos Urais em direção à Ásia Central e o Extremo
Oriente. Nesse percurso, e comportando-se neste aspecto específico à semelhança
dos impérios coloniais da França e da Inglaterra e, em certa medida, da Prússia, o
Império Russo atribuiu-se papel “civilizador” no processo de incorporação seguido de
abrangente política de russificação dos territórios e dos “povos bárbaros” da Ásia (os
“não europeus”), definindo-os de fato como os seus “territórios coloniais”14.
35 Por outro lado, a faceta oriental da sua natureza ambivalente impulsionou-o na
direção dos territórios meridionais tendo como rumo, primeiro, o Grande Cáucaso,
onde contrastará ali o tradicional domínio do Império Turco-Otomano e, em seguida,
o leste e o norte com o Volga-Urais, a Sibéria e o Ártico. Em seu avanço em direção à
Ásia Central e Meridional e mais especificamente quando atinge o Afeganistão,
confronta ali o domínio e a influência do Império Britânico nas fronteiras ocidentais
dos territórios da Índia colonial que então incluíam o atual Paquistão. Na progressão
rumo ao Leste, alcança o Extremo-Oriente e o Pacífico, definindo assim os confins do
seu ecúmeno político-territorial e consolidando formidável expansão territorial
simbolizada pela instalação da cidade litorânea de Vladivostok em 1860, centro
portuário comercial e base da sua frota naval do Pacífico. Finalmente, na passagem
do Século XIX para o XX, confrontar-se-á nessa região com o Japão - a potência
marítima emergente da Ásia do Pacífico - com o qual entrará em guerra em 1905 na
disputa pelas ilhas Sakalina e da qual sairá derrotado e perderá não apenas o

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arquipélago como também Vladivostok, territórios que só serão retomados em 1945,


com o fim da Segunda Guerra e a derrota japonesa.
36 No final do século XIX o Império formava um poderoso Estado continental
dominando imensa massa terrestre com mais de 10 mil km de extensão no sentido
Leste-Oeste, cuja coluna vertebral mais emblemática é a formidável ferrovia
Transiberiana, concluída em 1901 e que interliga de fato o Báltico ao Pacífico (e
posteriormente a China). Define-se assim a configuração geopolítica fundamental da
grande potência que emergirá da Revolução Soviética de 1917 e que representará
cabalmente uma nova modalidade de poder mundial, isto é, a conjunção de um
sistema político de novíssimo tipo e ultracentralizado – o estado socialista - com o
poder terrestre na sua mais eloquente expressão.

Figura 2 – A Rússia e a Ferrovia Transiberiana


Fonte: http://transsiberian.info/

37 Encerrada a Guerra Civil com a vitória dos bolcheviques, em 1922 é constituída a


União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, integrada pela Federação Russa e mais
de uma dezena de províncias que se tornarão repúblicas socialistas soviéticas, num
total de 14 (após as anexações da Lituânia, Estônia e Letônia em 1940 no contexto do
acordo Ribbentrop-Molotov) e um total de sessenta nacionalidades oficialmente
reconhecidas. Formou-se com isso um imenso território com 22 milhões Km² desde
o Báltico, passando pelo Cáucaso, a Ásia Central e a Sibéria, até os confins da Ásia do
Pacífico. É nesse período que a Antiga Rússia, agora U.R.S.S., atinge o ápice do seu
processo de consolidação política e geopolítica e, sob o comando de Lênin e depois de
Stalin, o ultracentralizado Estado Soviético persegue a todo custo o pleno uso das
forças de coesão nacional-territorial mediante a implantação de abrangentes redes
de controle, vigilância e gestão no imenso território multiétnico e multi-regional sob
seu domínio.
38 Ao mesmo tempo, Moscou promove um vigoroso processo de russificação em
todos os seus domínios com as suas dezenas de povos, retomando de forma ampliada
processo similar posto em prática durante o reinado de Catarina, a Grande. Além
disso, e apesar de ter sido formalmente assegurada pela Constituição de 1936, a
autonomia das repúblicas soviéticas e demais “regiões autônomas” da Federação
Russa não era efetiva. Afinal, a natureza essencial da centralização imposta pelo
regime instalado em Moscou não se resume à sua dimensão política ou seu
correspondente sistema de gestão, mas estende-se para as outras esferas relevantes
da vida social, como a cultura em geral, a exemplo da imposição da língua russa
como idioma oficial, a proibição do exercício religioso e a propagação maciça dos
valores e práticas definidos pelo partido único.
39 Além disso, e mediante os conhecidos Planos Quinquenais, a URSS procura a todo
o custo superar seu atraso em relação ao Ocidente capitalista, notadamente no que se
refere à precariedade da sua agricultura e às insuficiências nos estágios mais
avançados da estrutura industrial, além do fato de que esse esforço de superação era
claramente impulsionado pelo seu objetivo estratégico mais importante, isto é, de
tornar-se rapidamente uma Superpotência capaz de rivalizar com as potências
ocidentais e destacadamente os EUA. O período da acelerada modernização foi
deflagrado pelos dois primeiros planos (1927-1936) que priorizaram o transporte
ferroviário e a construção de grandes hidroelétricas na Sibéria Oriental, a expansão
da agricultura mecanizada na Ucrânia (40 milhões de hectares de solos cultiváveis),
nos Urais e na Sibéria Oriental e o desenvolvimento da indústria de bens de produção
(siderurgia, metalurgia, química e petroquímica) e de máquinas e equipamentos em
geral15.
40 Especialmente no caso do forte impulso à industrialização, o processo foi
beneficiado pelas descobertas de enormes reservas de petróleo e gás, além de
importantes jazidas de carvão e de minérios como o ferro, manganês, alumínio,
níquel e urânio, bastante concentrados nos Urais (a mais importante região

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industrial do país durante a Segunda Guerra), mas também distribuídos pela Sibéria
Oriental, Cazaquistão e Azerbaijão.
41 Durante os anos 1930 Moscou também prioriza o povoamento do Extremo-
Oriente, isto é, a Sibéria Oriental e as regiões do rio Amour e da borda do Pacífico,
cuja imensidão contrastava com o fraco povoamento e o baixo nível de
desenvolvimento. Até o início dos anos 1940 essas regiões receberam um contingente
com cerca de dois milhões de imigrantes livres atraídos pelos programas de atração
do governo (salários diferenciados e benefícios), 500.000 militares e cerca de
300.000 prisioneiros16.
42 Esse esforço modernizante foi crucial para enfrentar e derrotar a invasão alemã na
Segunda Guerra, ainda que essa vitória tenha sido obtida à custa de estimados 20
milhões de mortos, entre civis e militares, a quase destruição da agricultura e de
muitas das suas cidades e de pesados danos à sua infraestrutura em geral. A heroica
resistência e a contraofensiva das forças armadas soviéticas à invasão nazista a partir
de meados de 1944 e a sua entrada triunfal em Berlim em maio de 1945, inaugura um
novo ciclo de consolidação e expansão do poder do país. Daí porque antes mesmo do
final da guerra, na Conferência de Yalta (fevereiro de 1945), Stalin explicitou
enfaticamente suas exigências nas partilhas da Europa centro-oriental e do Báltico.
43 Cristalizada a derrota alemã, a partilha entre os vencedores foi formalizada na
Conferência de Potsdam (julho de 1945), pela qual ficou acordado que ficaria na
órbita da U.R.S.S. o domínio (ou a influência direta) de praticamente todos os países
da Europa de Leste – desde a porção oriental da Alemanha - e dos Bálcãs, nos quais
incentivou e apoiou a implantação de estados socialistas alinhados com Moscou.
Ademais, estendeu na região sua abrangente rede de controle especificamente militar
através do Pacto de Varsóvia.
44 Enfim, no alvorecer dos anos 1960 o país já mostrava (e propagandeava) ao mundo
os sinais eloquentes da sua ascensão à posição de superpotência econômica e militar.
Conquistara terreno em setores estratégicos, tais como a implantação de sistema
universalizado de educação de base e universitário e centros de pesquisas avançadas,
a estruturação de um parque industrial de ponta (em especial o complexo
tecnológico-militar), o domínio de tecnologias sofisticadas como a aeroespacial e a
nuclear, pesados investimentos na capacitação das forças armadas para que tivessem
condições operacionais de atuação em todo o mundo e, sobretudo, tornou-se capaz
de assegurar o desenvolvimento, a produção e a posse de imenso arsenal de armas
nucleares com seu indiscutível poder de dissuasão.
45 Sob todos os pontos de vista, portanto, uma potência mundial com capacidade
suficiente para contrastar o poder dos EUA e de consolidar uma nova ordem mundial
então marcada pela bipolaridade e o permanente clima de tensões e de riscos
associados à Guerra Fria.
46 Ressalte-se, entretanto, que as tensões e riscos de escala mundial alimentados por
essa acelerada trajetória soviética à posição de superpotência não se limitaram, no
período, ao seu antagonismo com os EUA, seu principal rival como é notório. No
final dos anos sessenta também se acentuaram suas rivalidades com a China, a outra
grande potência socialista em ascensão e sua vizinha asiática com a qual compartilha
mais de 4.000 km de fronteiras.
47 Como visto, na sua expansão em direção ao Pacífico na segunda metade do século
XIX, a Rússia afetara interesses e reivindicações do Japão e da China nesses
territórios do Extremo-Oriente e a URSS atuou fortemente na sua ocupação civil e
militar após os anos 1930. No contencioso sino-soviético em tela, a área-pivô das
disputas abrange o sudeste da região do Rio Amour, próxima a Vladivostok (a base
da frota naval soviética do Pacífico) e da tríplice fronteira China-URSS-Coréia do
Norte.
48 Fracassadas as tentativas de saída diplomática para o conflito, as duas grandes
potências decidem utilizar a força militar e deslocam para as regiões fronteiriças

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comuns suas respectivas tropas (por volta de 800.00 combatentes russos e 600.000
chineses) e no auge das tensões, em 1969, chegaram a enfrentar-se por diversas
ocasiões envolvendo baixas de cada lado. É certo, entretanto, que não se trataram ali
de combates abertos ou generalizados envolvendo o grosso das tropas, inclusive
porque ambas as partes sabiam que um agravamento radical nessas circunstâncias
poderia, no limite, desembocar na tragédia da guerra total e do confronto nuclear. O
nível das tensões só foi reduzido após o encontro dos chanceleres dos dois países em
Pequim, ainda que as divergências perdurassem até 1991 (ano da derrocada
soviética), com a assinatura do tratado bilateral sobre as fronteiras.
49 Henry Kissinger, Secretário de Estado norte-americano e artífice (ao lado de Chu
En Lai, seu contraparte chinês) da surpreendente reaproximação dos EUA com a
China celebrada no acordo diplomático de 1972, em seu livro sobre o tema17,
considera que o agravamento desse quadro de disputas e tensões sino-soviéticas foi
fator decisivo para impulsionar os dirigentes chineses na direção desse acordo com a
superpotência ocidental, o arquirrival da União Soviética.
50 Em suma, são eventos relevantes porque estão imbricados no complexo processo
de conformação do quadro histórico e geopolítico de grande significado para o
mundo contemporâneo (as raízes da Ordem Tripolar a que aludimos no início?) e
que se expressou em escalas e desdobramentos diversos que vão desde disputas e
escaramuças fronteiriças até o antagonismo visceral e o realinhamento entre grandes
potências até então rivais. Também relevantes, porque neles as três grandes
potências movimentaram-se sempre tendo em vista a conquista de vantagens
estratégicas de longo curso, isto é, seus respectivos projetos de futuro no mundo.

O colapso da União Soviética, declínio


e reerguimento da Rússia
51 Após três décadas de modernização acelerada e com notáveis progressos materiais
em praticamente todas as esferas da economia e da sociedade (infraestrutura,
educação, ciência e tecnologia, indústria pesada, metal-mecânica e militar e o
avançado complexo aeroespacial), tem início a partir dos anos oitenta um acentuado
ciclo de declínio do país. As fragilidades do modelo econômico soviético
(exclusivamente estatal, planejado e centralizado) foram expostas e suas
consequências no rebaixamento dos padrões gerais de desenvolvimento e de bem-
estar social da população tornaram-se visíveis, especialmente quando confrontados
àqueles alcançados pelos seus rivais capitalistas e industrializados do Ocidente,
especialmente os Estados Unidos, Alemanha (ocidental), França e Inglaterra e, no
Extremo-Oriente, o Japão.
52 No final dos anos oitenta revelava-se cabalmente para o mundo - e especialmente
para o Ocidente - o grave quadro de crise estrutural da economia soviética, cujas
maiores mazelas eram a ineficiência do setor agrícola com a consequente escassez de
alimentos, a baixa produtividade da indústria em geral, as pesadíssimas despesas em
Segurança & Defesa, o acanhado setor exportador e, sobretudo, a ausência de
segmentos industriais competitivos na área dos bens de consumo duráveis e não
duráveis que fossem capazes de atender à imensa demanda do mercado nacional
(140 milhões de habitantes apenas na Rússia).
53 À profunda crise econômica somou-se um curto e intenso ciclo de crise política que
desaguou no colapso do governo e do regime após as frustradas tentativas de
reformas de inspiração liberalizante na economia e na política sob a liderança de
Gorbachev (Glasnost e Perestroika)18. Tem início assim o acelerado movimento de
desmoronamento dos pilares do socialismo soviético com a queda do muro de Berlim
em 1989 e dos governos socialistas dos países que gravitavam na sua órbita de
influência, culminando em 1991 com a dissolução da União Soviética. A antiga Rússia

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perde desse modo o controle e a influência não apenas nos países das suas regiões
circunvizinhas (as ex-Repúblicas Socialistas tornam-se independentes), bem como de
toda a Europa Centro-Oriental e dos Balcãs, processo no qual foi emblemática a
absorção da Alemanha Oriental pela Alemanha Federal.
54 A década que se seguiu ao colapso foi de difícil transição e marcada por profunda
crise da economia que além dos problemas estruturais apontados, também foi
impactada pelo encolhimento do país que envolveu os processos de independência de
13 repúblicas e respectivos territórios que somavam cerca de cinco milhões de Km².
Os impactos econômicos foram amplos e variados e abrangeram, por exemplo, as
ricas jazidas minerais e petrolíferas do Azerbaijão, Cazaquistão e Turcomenistão e as
extensas e férteis terras agrícolas da Ucrânia. Seu status quo político-estratégico
também foi duramente afetado, pois seu sistema de Segurança & Defesa foi mutilado,
já que diversos dos seus dispositivos militares (incluindo arsenais nucleares e bases
de lançamento de mísseis) restaram espalhados nos territórios das novas repúblicas
independentes, com as quais teve de encetar negociações, caso a caso19.
55 A criação da CEI – Comunidade de Estados Independentes no final de 1991,
integrada pela maioria dos países formadores da ex-URSS (as três repúblicas bálticas
não aceitaram participar), foi uma tentativa de Moscou de minorar os impactos
econômicos e preservar parte da influência política perdida no seu antigo espaço de
domínio. Mas naquele contexto de atabalhoada transição seu fôlego era curto, e a
força dos movimentos centrífugos estimulados pelos seus rivais ocidentais nas jovens
nações no oeste e no leste das suas fronteiras minou drasticamente a eficácia dessa
organização.
56 Foi uma conjuntura de crônica turbulência política, essencialmente porque se
tratava de implantar um sistema de governo assentado em pressupostos jurídicos e
políticos e institucionais radicalmente distintos do anterior. Em outros termos, o
desafio de transitar de um regime centralizador e autoritário para um liberal-
democrático e que fosse capaz, ao mesmo tempo, de impulsionar a mudança do
antigo sistema socialista para uma economia de mercado, isto é, capitalista. Após
dois séculos e meio, estava em curso mais uma tentativa de ocidentalização ou
europeização da velha Rússia que impactaria não apenas o universo da cultura e da
burocracia como ocorreu durante sua afirmação como potência imperial, mas agora
em um sentido mais abrangente e profundo, isto é, ideológico e político.
57 A reviravolta na configuração geopolítica do poder mundial decorrente do colapso
do Pacto de Varsóvia e do drástico encolhimento da influência russa teve como
contrapartida principal o fortalecimento estratégico-militar dos EUA e seus aliados
ocidentais que se consubstanciou no revigoramento da OTAN, cuja estratégia
principal passou a ser o alargamento do seu espaço de atuação direta e indireta até as
últimas fronteiras dos antigos territórios da ex-União Soviética. E essa expansão
ocidental sobre as regiões e países lindeiras da Rússia não se restringiu ao campo
especificamente estratégico-militar, como é sabido.
58 Com sua institucionalização em 1994, a União Europeia inicia vigoroso processo de
expansão no Continente, passando de 15 Estados-membros em 1990 para 25 em
2004 (total de 28 em 2013), durante o qual integrou praticamente todos os antigos
países socialistas do Leste Europeu, com destaque para as três repúblicas do Báltico
(Lituânia, Letônia e Estônia) que faziam parte da URSS. Além disso, a expansão do
seu raio de ação ainda se faz mediante acordos e bilaterais com os países da região,
como os Tratados de Livre-Comércio celebrados com a Ucrânia, a Geórgia e a
Moldávia em meados de 2014, ou o ultrassensível pacote de ajuda financeira à
Ucrânia no início da sua turbulenta crise com a Rússia.
59 Da sua parte, a OTAN deu curso à sua estratégia de alargamento a partir de 1999
no qual também incorporou a maior parte dos países do Leste Europeu e, portanto,
da órbita do antigo Pacto de Varsóvia20. Sob esse aspecto, os casos que melhor
ilustram o grave e potencial quadro de fricções que se estabeleceria nas relações dos

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EUA/OTAN com a nova Rússia com a consequente deterioração das condições de


segurança europeia, foram a incorporação das mencionadas três repúblicas Bálticas,
os ostensivos convites à Geórgia e à Ucrânia para ingressarem na organização e a
decisão de instalar uma base de lançamento de antimísseis na Polônia. Além disso, os
EUA/OTAN estenderam essa estratégia de contenção ou confinamento do país para
suas antigas repúblicas e províncias situadas em direção ao sul, no Cáucaso e ao
sudeste, na Ásia Central. Utilizando-se da tradicional influência da Turquia nas duas
regiões e, sobretudo, após a invasão do Afeganistão pelos EUA/OTAN em 2001,
abriu-se caminho para a aproximação com Azerbaijão, Turcomenistão e Uzbequistão,
países com os quais foram estabelecidos acordos visando à exploração conjunta de
petróleo e gás das ricas jazidas da região do Mar Cáspio, ao lado da construção de
oleodutos e gasodutos atravessando o território turco (e não o russo) e, a partir daí,
seu fornecimento à Europa ocidental e aos EUA.
60 Em síntese, são movimentos combinados e de largo espectro inspirados pela
indisfarçável estratégia ocidental de fincar seus marcos nos confins do Leste Europeu
e nas circunvizinhanças da Ásia Central e assim conter e confinar o máximo possível
o atual e potencial poder de influência russa nos limites do seu território, isto é, a
Federação Russa stricto senso.

Figura 2 – Expansão da OTAN

Master, J. (ed.), Council on Foreign Relations, february 27, 2015.

61 Período amargo para a história do país, pois ao lado desse encolhimento


generalizado, sobreveio também a ameaça associada aos riscos de fragmentação do
território nacional e de graves turbulências nas suas relações de vizinhança. Sob esse
aspecto, dentre todas as regiões da Federação Russa e do seu entorno regional, o
Cáucaso – ou o Grande Cáucaso – estratégica região situada entre o Mar Negro e o
Mar Cáspio (com suas ricas jazidas de petróleo e gás) e que abrange quatro ex-
Repúblicas Soviéticas (Rússia, Geórgia, Azerbaijão e Armênia), é certamente aquela
que mais expressou e ainda expressa as consequências dos duros impactos do
colapso da União Soviética seguido por pelo menos uma década de acentuado
declínio econômico e político russo. Tais são os casos dos movimentos separatistas-
independentistas no seu próprio território como os da Tchetchênia (o mais
importante) e do Daguestão, os atritos e choques frontais com a Geórgia envolvendo
o separatismo pró-Rússia das províncias de Abkházia e Ossétia do Sul, os conflitos
fronteiriços entre o Azerbaijão e a Armênia em torno de Nagorno-Karabakh e a
mobilização de dispositivo militar para a defesa desta face à potencial ou real ameaça
da Turquia, aliada dos EUA, membro da OTAN e seu arqui-inimigo.

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62 Se a década de 1990 foi o período crítico dessa trajetória de crise e declínio da


Rússia pós-soviética, o início do novo século (e milênio) marca simbolicamente o
ponto de inflexão em direção à restauração do seu antigo poder de player global, um
ganho de posição que se deveu, sobretudo, à brusca mudança de rumos na política
interna com a chegada de Vladimir Putin ao poder em 2000. Líder carismático
forjado nos quadros de dirigentes do regime soviético ele tornou-se Primeiro-
Ministro no governo de Boris Yeltsin e adquiriu notoriedade quando coordenou a
invasão militar da Chechênia, reprimiu duramente ali o movimento separatista de
inspiração islâmica e “pacificou” a província submetendo-a ao rígido controle de
Moscou. Eleito presidente no ano seguinte, inicia seu longo período à frente do poder
russo em sucessivos governos - alternando-se com Dmitri Medvedev nas posições de
Presidente e de Primeiro-Ministro - que seus críticos internos e externos qualificam
de centralizadores e autoritários e durante os quais o Kremlin posiciona no topo das
prioridades nacionais o esforço de reconstrução do país e a restauração do seu status
de grande potência.
63 Como bem assinalado pelo prestigiado geógrafo russo Vladimir Kolossov, a
ascensão de Putin e seu engajamento em prol dessa inflexão da trajetória do país,
também estimulou o movimento liderado por grupo de geógrafos e políticos
nacionalistas, antiliberais e antiocidentais que se tornariam os epígonos da doutrina
geopolítica clássica do período imperial – e revivida na URSS dos anos 1920 e 1930 -
que identificam a potência da Grande Rússia dos Czares e Soviética com a sua
natureza essencialmente territorial-continental e euroasiática e, nas dimensões da
ideologia e da política, estatista, centralizadora e autoritária. Para ele, após o colapso
da União Soviética esse movimento centrou-se no objetivo de resgatar o papel - ou o
destino - do país como fator de “estabilidade da Eurásia”, retomando assim sua
posição de um dos polos do “sistema geopolítico global”, concepção que expressa, ao
mesmo tempo, “uma ideologia, uma corrente de pensamento e um movimento
político”21.
64 Essa inflexão nos rumos do país também é examinada criticamente por André
Filler que destaca, sobretudo, a restauração do fervor nacionalista em torno do novo
líder (especialmente na mídia) e a defesa de uma espécie de destino manifesto da
nação russa, assentado na sua “vocação milenarista” e na condição de “herdeira da
URSS”, rumo à retomada da sua posição como “polo de gravitação mundial”, enfim,
os ingredientes mais importantes da “doutrina” de Putin, explicitada por ele em seu
discurso de Munique, em 200722
65 Sob a liderança de Putin o país empreende grande esforço de reconstrução
econômica, no qual foi beneficiado pela elevação dos preços do petróleo e gás e das
commodities em geral. No caso do gás, especialmente, o país ocupa a posição de
maior fornecedor da Europa e este é escoado em uma densa rede de pipelines desde
os campos da Sibéria e o governo de Moscou sabe que a forte dependência europeia
desse combustível é fator crucial em conjunturas de crise como o atual. Na direção do
Leste, os recentes acordos celebrados com a China envolvendo o fornecimento de
grande volume de petróleo e gás em gigantescos pipelines (em fase de construção)
têm despertado a atenção do Ocidente pelo seu forte conteúdo geopolítico23.
66 O país também tem elevada competividade na produção de material bélico de
todos os tipos e níveis tecnológicos (é o segundo maior exportador do mundo) e esse
seu estratégico e lucrativo setor tem sido impulsionado não apenas pelas vultosas
aquisições recentes do governo na sua estratégia de reaparelhamento das forças
armadas, como também pelo reaquecimento do mercado internacional desse
segmento desde setembro de 200124.
67 Da perspectiva geopolítica, entretanto, o mais relevante nessa empreitada é a
retomada do crucial objetivo estratégico nacional que é o de conter por todos os
meios - e se necessário confrontar militarmente - os avanços dos EUA/OTAN e seus
aliados ocidentais e orientais na direção das suas tradicionais áreas de influência

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geopolítica, isto é, seu Entorno Regional Estratégico, especialmente nas fronteiras


das ex-Repúblicas Soviéticas do Báltico, do Cáucaso e da Ucrânia e a intensa
mobilização diplomática e militar que visa dissuadir os EUA/OTAN do seu projeto de
instalar mísseis balísticos de interceptação na Polônia.
68 O governo passou também a dispensar atenção especial ao grupo de províncias e
regiões de países integrantes da antiga União Soviética, nas quais ainda vivem
aproximadamente 25 milhões de russos25 (cerca de metade disso nos países da Ásia
Central) e, em alguns casos, essas “minorias” estariam enfrentando hostilidades e
constrangimentos da parte das populações e dos governos. Em determinados casos,
como a Criméia e as províncias orientais da Ucrânia ou as rebeladas províncias da
Geórgia, esses conflitos constituem importante fator de desestabilização dos
governos locais, tendendo a desdobrar-se em movimentos separatistas de maior
envergadura que, segundo dirigentes dos países que as abrigam e boa parte dos
analistas ocidentais, seriam sistematicamente estimulados e apoiados por Moscou.

Figura 2 – O Grande Cáucaso e suas nacionalidades

Fonte: John O’Loughin – University of Colorado at Boulder, 2007

69 Como assinalado anteriormente, o Grande Cáucaso é a região hot point para a


Rússia nessas duas décadas de declínio sucedido pela restauração da grande
potência. A região é caraterizada pelo seu notável mosaico de nacionalidades e pela
predominância do islamismo que inspira e impulsiona seus diversos movimentos
autonomistas ou separatistas, sendo o da Tchetchênia o mais conhecido e explosivo
deles, mas que envolve também Daguestão, Ossétia do Norte, Karatchaievo, Ingúchia
na Rússia e a Ossétia do Sul e a Abkházia na Geórgia. Ali também se encontram três
novas repúblicas de grande importância estratégica na reconfiguração geopolítica
regional em curso – Geórgia, Armênia e Azerbaijão - que se tornaram independentes
com o fim da URSS e desde logo passaram a ser sistematicamente assediadas pelos
EUA e seus aliados europeus, envolvendo ajuda econômica e militar bem como
negociações visando à implantação de rede de pipelines para o escoamento de
petróleo e gás do Mar Cáspio ao Mar Negro e ao Mediterrâneo e o ingresso da
Geórgia na OTAN, a exemplo da Ucrânia.
70 Os movimentos separatistas no Cáucaso do Norte intensificaram-se, sobretudo,
durante o período da profunda crise russa iniciado em 1991 e é notório que o da
Tchetchênia foi o mais importante deles. Na guerra deflagrada em 1994 os rebeldes
declararam a independência da república e em 1996 expulsaram as tropas russas de
seu território e essa vitória estimulou diversos movimentos similares nas repúblicas e
províncias vizinhas e, com isso, tornara-se claro que pairava sobre o país a grave

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ameaça da fragmentação generalizada nessa região. Após a série de violentos


atentados dos rebeldes contra diversos alvos militares e civis em Moscou e outras
localidades em 1999, o governo russo rearticula-se e suas tropas desencadeiam
violenta e abrangente ofensiva militar para retomar o controle da república,
incluindo o prolongado cerco à capital, Grozny, com a derrota final das tropas
rebeldes em maio de 2000. Como diversos observadores internacionais comentaram
na época, uma operação militar que deve ser caracterizada como massacre de fato,
dado o elevado saldo de vítimas entre os combatentes rebeldes e a população civil.
71 O segundo e mais importante dos conflitos na região foi a guerra da Geórgia, em
2008, envolvendo as províncias separatistas da Ossétia do Sul e Abkházia e a invasão
do país por tropas russas em agosto desse ano. Essas duas províncias iniciaram seus
movimentos em 1991, logo após a o colapso da URSS e a independência da Geórgia,
marcados por diversos confrontos armados entre tropas rebeldes e do governo
central. No início de agosto de 2008 os separatistas da Ossétia do Sul deflagram
violenta ofensiva militar contra tropas e civis georgianos da província e em escala
menor o mesmo ocorre na Abkhazia e, desde logo, ambos os movimentos contam
com o estímulo e o apoio da vizinha Rússia. Em 7 de agosto as tropas georgianas
invadem a Ossétia do Sul e no dia seguinte tem início a intervenção militar russa com
forças terrestres e aéreas ao país a pretexto de defender o direito dos rebeldes da
província à sua independência e de assegurar a paz na região. Ao mesmo tempo, a
marinha russa promove o desembarque de tropas na Abkházia, no litoral do Mar
Negro, em apoio aos rebeldes locais e assume seu controle.
72 Derrotada militarmente, a Geórgia perde suas duas províncias e pouco pode fazer
além de protestos formais e das manifestações de condenação da União Europeia e
dos EUA/OTAN à invasão do seu território pelas tropas russas. Na sequência dos
acordos celebrados entre os dois países em meados de agosto, as duas províncias
proclamam suas respectivas independências e a partir daí, além de contar com a
proteção de tropas militares in loco, passam a integrar de fato a órbita política e
econômica da Federação Russa.

O conflito com a Ucrânia e os


EUA/OTAN e a anexação da Criméia
73 Deste o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria a Ucrânia, pelo seu
significado histórico e posição peculiar na antiga e nova configuração geopolítica,
tornou-se alvo prioritário ou território pivô nesse novo ambiente de fricções entre a
OTAN expandida em direção ao leste e a movimentação da Rússia nos últimos anos
para restaurar seu poder na região. A singularidade histórica da Ucrânia para os
russos é indiscutível, já que estes consideram seu território como parte do hard core
do nascimento e da evolução da Rússia moderna desde o século XIII. Além disso, é
conhecida a importância do país pela sua destacada produção agrícola e o
desenvolvimento industrial, sobretudo na sua porção oriental (as áreas fronteiriças
com a Rússia), ao lado da sua posição estratégica para o escoamento do gás da
Sibéria em direção à Europa Ocidental pela rede de pipelines que atravessam o país.
74 Essa sua posição de área pivô também se expressou no imediato pós Guerra Fria,
por ocasião da implementação dos acordos com os EUA visando à desnuclearização
da Europa de Leste, já que o país concentrava importante arsenal nuclear no âmbito
do antigo Pacto de Varsóvia. Esse jogo de influências EUA/Rússia também teve
impactos diretos na política interna do país, pressionando seus governos
especialmente nas questões internacionais e polarizando-o fortemente na ação dos
partidos e do parlamento e nas preferências eleitorais da população.
75 O presidente Viktor Yanukovich, eleito em 2010, era claramente aliado de Moscou
e por isso enfrentava forte oposição interna e hostilidades externas da parte dos

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governos ocidentais. O auge da crise política foi em novembro de 2013 quando o


presidente se recusou a assinar um acordo com a União Europeia envolvendo pacote
de ajuda financeira em torno de US$ 15 bilhões, preferindo firmar acordo semelhante
com a Rússia que incluiu substancial redução no preço do gás importado. Essa
decisão deflagrou forte oposição no parlamento e uma onda de protestos da
população que culminaram em violentas manifestações que tomaram as ruas e
praças de Kiev. Após semanas de confrontos em que o governo mobilizou tropas e
forças paramilitares para reprimir a multidão, finalmente o presidente acaba sendo
destituído pelo parlamento em 23 de fevereiro de 2014.
76 Como consequência do que qualifica de Golpe de Estado, Moscou estimulou seus
aliados ucranianos, especialmente os do sul e do leste do país onde vivem por volta
de sete milhões de russófonos, para que deflagrem forte movimento de contestação
ao novo governo. Ainda em fevereiro o governo russo fez aprovar no Parlamento lei
específica que o autorizou a adotar medidas destinadas a dar proteção aos “cidadãos
russos” da Ucrânia, incluindo eventual intervenção militar. O conflito se agravou com
a mobilização de milhares de manifestantes combatentes organizados em brigadas
paramilitares fortemente armadas e apoiadas pela Rússia. Nessa escalada dos
conflitos o primeiro episódio de destaque é a derrubada do prefeito de Sebastopol, na
Criméia e em seguida a tomada da capital da província, Simferopol, cuja população é
majoritariamente pró-Rússia.
77 O rumo dos acontecimentos indicava que estava em curso um forte movimento
separatista visando na prática proclamar a independência da Criméia, para
posteriormente integrá-la à Rússia. Em 27 de fevereiro, grupos paramilitares ocupam
a presidência e o parlamento da província, hasteando em ambos os edifícios a
bandeira russa, escolheram seu novo “primeiro ministro” e decidiram pela
convocação de um referendo “nacional” sobre o futuro político da região tornada
independente.
78 Do ponto de vista do Ocidente, tratava-se pura e simplesmente de processo de
anexação de parte do território ucraniano pela potência vizinha, um flagrante
atentado à integridade territorial e à soberania ucraniana e grave violação do direito
internacional. O novo governo ucraniano e seus aliados europeus apelaram ao
Conselho de Segurança da ONU para denunciar a ofensiva russa e de seus grupos
rebeldes aliados. Ao mesmo tempo, a Rússia promove forte mobilização das suas
tropas terrestres ao longo das fronteiras com o país e há inúmeras denúncias da parte
ucraniana acusando as forças armadas rivais de promoverem, além do fornecimento
de armamentos, a sistemática incursão de grupos militares ao seu território.
79 Como previsto, em 10 de março o novo parlamento da Criméia aprovou a
declaração da independência da província e a sua integração à Federação Russa. No
dia 16 desse mês, foi realizado um referendo junto à população da província, no qual
96,8% dos votos foram favoráveis à independência e à adesão à Rússia26. Ainda nesse
mês o parlamento russo formalizou mediante lei específica a integração formal da
Criméia. Novamente no terreno do simbólico, o marketing político do governo de
Vladimir Putin soube explorar ao máximo o fato de que há exatos 250 anos o Império
Russo sob o comando de Catarina, a Grande, havia conquistado a Criméia na sua
expansão em direção ao Oeste. Ademais, a reconquista representa um troféu para a
velha/nova geopolítica russa, pois lhe assegura agora o controle absoluto da sua
estratégica base naval de Sebastopol que lhe franquia passagem para as “águas
quentes” do Mar Negro e através de Dardanelos e do Estreito de Bósforo, para o
Mediterrâneo.

Figura 4 – As Províncias Russófonas da Ucrânia

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Wikimedia Commons, 2015

80 Da sua parte, os EUA e a União Europeia decidiram adotar uma série de


retaliações sob a forma de sanções econômicas e políticas à Rússia, tais como a sua
expulsão do G8, a proibição da entrada em seus países para diversos dirigentes
russos e a retenção de ativos financeiros depositados nas suas redes bancárias.
81 . Na sequência desses conflitos e certamente encorajados pelos seus companheiros
da Criméia, outros grupos pró-Rússia deflagraram fortes movimentos separatistas
nas províncias orientais da Ucrânia, notadamente em Donetsk e Lugansk, nas quais
os rebelados também já as declararam “independentes” em referendos realizados em
maio e em seguida proclamaram as respectivas “repúblicas”. Segundo o governo
ucraniano e o comando da OTAN, esses combatentes receberiam não apenas
armamento de todo tipo e apoio logístico, como também apoio ostensivo da Rússia
com tropas e equipamentos pesados posicionadas nas fronteiras, isto é, um quadro
próximo a uma intervenção militar estrangeira de fato.
82 O agravamento do conflito nessas províncias orientais envolvendo intensos
combates entre tropas ucranianas e milícias separatistas, e o aumento da
movimentação das tropas russas na fronteira passou a envolver, de fato, o risco de
conflito militar de grandes proporções, visto que os EUA e a OTAN também
decidiram movimentar-se militarmente, deslocando tropas e aviação de caça para a
fronteira ocidental da Ucrânia e reforçando seus dispositivos em países vizinhos,
como a Turquia, Romênia, Polônia e Repúblicas Bálticas27.
83 O episódio mais destacado desses conflitos entre combatentes separatistas das
províncias orientais e tropas ucranianas foi a trágica derrubada do avião da
Malaysian Airlines, com 298 passageiros, próximo à fronteira entre os dois países.
Segundo a maioria dos observadores ocidentais essa aeronave teria sido alvo do
disparo por combatentes separatistas de sofisticado míssil terra-ar de fabricação
russa. Esse evento provocou grande comoção e repúdio na opinião pública
internacional pela perda de vidas de civis inocentes. Com isso, os EUA e a União
Europeia recrudesceram a ofensiva visando o agravamento das retaliações à Rússia
sob a forma de sanções adicionais e a adoção de medidas efetivas visando o apoio
político e financeiro ao novo governo pró-Ocidente da Ucrânia. A intensa
movimentação diplomática em torno de uma saída pacífica para o conflito contribuiu
para que o governo aceitasse sentar-se à mesa de negociações com os EUA/União
Européia e a Ucrânia que resultaram na assinatura de Acordo de Cessar-Fogo em 05
de setembro de 2014.
84 Pelo rumo das negociações em curso, tudo indica que neste momento encontram-

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se congeladas as posições da Ucrânia com relação à sua integridade territorial formal


após a perda da Criméia, ainda que seu governo tenha pela frente o duríssimo desafio
de assegurar o máximo de coesão territorial-nacional face à inescapável providência
de ceder parcelas consideráveis de poder para suas províncias separatistas que
clamam por independência e que demonstraram cabalmente sua disposição de
empregar a luta armada para atingir seus objetivos.
85 Por outro lado, Moscou e seus aliados dessas províncias orientais sabem que as
condições da conjuntura atual não lhes são hoje tão favoráveis como em meados de
2014, no auge do movimento, quando detinham a vantagem da iniciativa e de fato
infligiram seguidas derrotas políticas e militares às forças nacionais ucranianas. A
reorganização da sua política interna (incluindo a nova eleição presidencial), a
intensificação da ofensiva militar no combate às milícias rebeldes e o decisivo apoio
dos aliados ocidentais permitiu-lhe recuperar parcela importante da capacidade de
atuação e de protagonismo nas iniciativas e negociações visando a superação da crise.
86 Tudo indica que à medida que ganha força a mobilização diplomática e a pressão
da comunidade internacional por uma solução negociada para o conflito, a tendência
é que os combates sejam drasticamente reduzidos. Essa tendência atual de
arrefecimento do conflito é ilustrada pelos acordos de cessar fogo e as negociações de
paz (com o aval de Moscou) entre o governo ucraniano e os rebeldes separatistas no
início de setembro de 2014, que prevê, dentre outros pontos, anistia aos combatentes
e troca de prisioneiros. Outras iniciativas concretas importantes na direção de um
acordo duradouro foram a aprovação nesse mesmo mês pelo parlamento ucraniano
de projeto de lei do Executivo e da Emenda à Constituição do país em agosto de 2015
que estabelecem regime especial de autonomia jurídico-política para as províncias
orientais de “maiorias russas”.
87 Finalmente, e malgrado não dispormos ainda de avaliações e estudos
circunstanciados a respeito, pode-se preliminarmente concluir que da perspectiva
dos EUA e seus aliados europeus foi obtida vitória política (e geopolítica) significativa
para sua estratégia de largo espectro. Afinal, mantiveram a Ucrânia na órbita
ocidental e, ao mesmo tempo, com o pacote de sansões em vigor, promovem o
isolamento diplomático de Moscou em fóruns internacionais relevantes, quadro
desfavorável que é agravado pela grave crise econômica do país decorrente da
acentuada queda das cotações dos preços do petróleo e do gás.
88 Da parte da Rússia, em contrapartida, o congelamento do atual quadro lhe é
francamente favorável do ponto de vista da sua particular estratégia inspirada na
ancestral geopolítica do poder terrestre. Afinal, e ainda que seja compelida a
renunciar por ora às províncias orientais da Ucrânia, pode comemorar a conquista
(ou a reconquista) da estratégica Criméia e, de sobra, dá a clara demonstração ao
Ocidente (como em 2008 na Geórgia), de que não está disposta a baixar a guarda na
defesa dos seus interesses nas áreas de influência que considera seu tradicional
Entorno Regional Estratégico.

Considerações finais
89 A política internacional tem sido examinada atualmente pelas perspectivas de uma
miríade de antigas, novas e novíssimas disciplinas, abordagens e mesmo pontos de
vista, disponíveis em inumeráveis publicações acadêmicas de especialistas e da mídia
em geral. A geopolítica é um dos mais antigos desses campos de estudos e
claramente, no caso brasileiro, ela não é atualmente uma área de pesquisa que
desperta grande interesse da comunidade que se dedica a esses temas, sobretudo, no
que diz respeito ao meio acadêmico institucionalizado, tendência observável
especialmente na geografia, o berço da geografia política e da geopolítica.
90 Daí nossa firme disposição de retomar no presente estudo o esforço que se faz

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necessário para realçar o modo particular da geopolítica de examinar a política


internacional, mediante um particular viés conceitual e analítico que procura
iluminar uma ou mais das suas faces – neste caso, as relações entre o território e o
poder - do nosso poliédrico e complexo objeto de estudo e que por vezes não são
sobrelevadas pelos estudiosos da área.
91 A escolha do tema da restauração da Rússia como grande potência e a sua intensa
movimentação na cena internacional atual foi proposital, pois ele nos permite
explorar desde as questões de maior abrangência e significado para os rumos
dominantes da política mundial – a escala da ordem global -, como as estratégias e
padrões de atuação de um ator de primeira grandeza vis-a-vis seus principais
antagonistas, até o exame de eventos e de suas repercussões em outras escalas, isto é,
nacionais, regionais e locais.
92 Finalmente, esse ensaio também contribui para reforçar a posição geral que temos
procurado defender no meio acadêmico e fora dele, fundada basicamente na
convicção de que não existe política internacional sem geopolítica e, especialmente,
geopolítica sem geografia.

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O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geop... https://journals.openedition.org/confins/10551

Notas
1 Fukuyama, F., The End of History and the Last Man, Free Press, New York, 1992 e Rosenau,
J., Governance without Government: Order and Change in World Politics (Cambridge Studies
in International Relations), Paperback, New York, 1992.
2 Um exame exaustivo do que aqui é denominado de geopolítica clássica ou tradicional,
encontra-se em Costa, W. M., Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o
poder, Hucitec-Edusp, São Paulo, 1992.
3 As diversas intersecções da Geografia Política com as principais escolas de pensamento da
Teoria das Relações Internacionais e, especialmente, com as obras mais destacadas dos pais
fundadores do realismo político são abordadas por Costa, W. M., Território e Política em
Tempos de Mudanças Globais, Tese de Livre-Docência, FFLCH-USP, São Paulo, 2005.
4 Esse notável movimento de aproximação entre os dois gigantes da Ásia após o início dos
anos 1990 é destacado por Foucher, M., Obsessão Por Fronteiras, Radical Livros, São Paulo,
2009. Uma das consequências dessas novas relações de cooperação entre a Rússia e a China é
a abertura das fronteiras nessas regiões comuns do Extremo-Oriente russo, incluindo a livre
circulação de mercadorias e pessoas e a criação de distritos especiais de comércio e de
produção industrial conjunta. Matérias da mídia de Moscou tem mencionado que devido ao
acelerado crescimento da economia do país vizinho nos últimos anos, estaria ocorrendo uma
“invasão chinesa” envolvendo levas de imigrantes e de mercadorias na região. Cf. Shvedov, V. e
Gras, C., Extrême-Orient russe, une incessante (re)conquête économique, in Doissier “Russie”,
Revue Hérodote Nº 138, 3º trimestre, 2010.
5 A disputa por essas ilhas ocorre no contexto da retomada de antigas e profundas rivalidades
entre as duas potências asiáticas que remontam às invasões japonesas nos anos trinta e na
Segunda Guerra. O recrudescimento dessas rivalidades tem justificado movimentos recentes
de fortalecimento da aliança entre os EUA e o Japão (novo Tratado de Cooperação Militar foi
firmado neste ano) e um expressivo programa de investimentos na ampliação e modernização
do seu arsenal de guerra, tendo como focos a força naval e a aviação de caça. Ver a respeito
Mukaiyama, Y., Deciphering China’s Assertiveness in Cross-Border Incidents: Lessons for the
Japanese Police, CSIS (Japan Chair Platform), September, 10-2012.
6 Essa política de fortalecimento dos laços do país com a China e de ampliação da sua ação
diplomática com a Ásia e países emergentes de outros continentes também inspirou a criação
dos BRICS, em 2009, envolvendo, além dos dois países, a Índia e o Brasil e (a partir de 2011) a
África do Sul. Na reunião de cúpula de 2014, no Brasil, os cinco países decidiram criar um
organismo financeiro multilateral – o Novo Banco de Desenvolvimento – voltado para
investimentos em projetos de interesse nacional de países em desenvolvimento.
7 Esse atual estágio de relacionamento entre os dois países também se expressa no plano
simbólico, como nas recentes demonstrações públicas dos seus dois dirigentes nos Jogos
Olímpicos de Inverno de Sochi na Rússia, ou no inusitado evento após os Jogos, quando as
marinhas dos dois países promoveram a primeira manobra naval conjunta e justamente em
águas do Mediterrâneo. Sobre esse novo clima de relações, ver Bin, Y., China-Russia Relations:
“Western Civil War” Dèja-Vu?”, in Comparative Connections, A Triannual E-Journal on East
Asian Bilateral Relations, May, 2014.
8 Além do novo Tratado de Cooperação Militar com o Japão, assinado em de 2014, os EUA
também renovaram recentemente suas alianças militares com Austrália, Singapura e Filipinas.
9 Dugin, Aleksandr. A Geopolítica da Rússia Contemporânea, Versila, São Paulo, 2014, p. 3
10 Martin, J., From Kiev to Moscow: the beginnings to 1450, in Freize, G. L. (ed.), Russia, a
History, Oxford University Press, N. York, 1997
11 Essa expansão em direção ao Oeste ocorreu ao longo dos séculos XVIII e XIX e foi o
resultado de vitórias nas guerras travadas com a Suécia e a Polônia. Em 1721 formaliza as
anexações da Estônia e da Lituânia e em 1809 da Finlândia. Cf. Cohen, S. B., Geopolitics of the
World System, Roman & Littlefield Publishers, Boston, 2003
12 Entre o final do século XV e o final do século XVI a Rússia esteve envolvida em mais da
metade desse período em conflitos armados no Front Ocidental (ou europeu), nos quais teve
que enfrentar a resistência a esses avanços por parte da Suécia, da Polônia e da atual Lituânia.
Cf. Kolmann, N. S., Muscovite Russia: 1450-1598, in Freize, G. L. (ed), op. cit.
13 Cf. Alexander, J., The Petrine Era and After, in Freize, G.L. (ed.), op. cit.
14 Cf. Bassin, M., Geographies of Imperial Identity, in Lieven, D. (ed.), The Cambridge History
of Russia, Vol II (Imperial Russia, 1689-1917), Cambridge university Press, N. York, 2006.
15 Cf. George, P., Geografia da U.R.S.S., Difel, São Paulo, 1970
16 Cf. Shvedov, V. e Gras, C., Extrême-Orient russe, une incessante (re)conquête économique,
op. Cit.

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17 Kissinger, H., Sobre a China, Objetiva, São Paulo, 2011


18 Cf. Costa, W. M., Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre o território e o poder
(Temas e Problemas Contemporâneos), op. cit.
19 O potencial de conflitos entre a Rússia e seus vizinhos do Cáucaso e da Ásia Central logo
após o colapso da URSS, é tratado por Banuazizi, A. e Weiner, M., (ed.), The New Geopolitics
of Central Asia and its Borderlands. Indiana University Press, Indianapolis, 1994.
20 A OTAN foi criada em 1950 e reformulada em 1999. Neste ano ingressam nela a República
Tcheca, Hungria, Estônia, Romênia, Eslováquia, Bulgária e Eslovênia. Em 2009, Croácia e
Albânia e mantém tratados de cooperação com Geórgia, Azerbaijão, Cazaquistão e Moldávia.
Esse renovado ambiente de fricções entre os EUA/Otan e a Rússia na Europa tem contribuído
para aumentar o sentimento de frustação e de apreensão dos analistas e da população em geral
que julgavam ter superado o quadro de permanente ameaça do período da Guerra Fria. Ver a
respeito o Dossier que a Revista Hérodote preparou sobre o tema (“Vers Une Nouvelle Europe
de L’Est?”), n° 128, 1° trimestre 2008.
21 Kolossov, V., Les Représentations de l’Eurasie en Russie, in Foucher, M. (Dirécteur), Asies
Nouvelles, Belin, Paris, p. 357. Para Kolossov, o mais destacado dos líderes desse movimento é
o geógrafo e geopolítico Alekandr Dugin, que além de ter publicado obra importante nessa
área - (Fundamentos da Geopolítica: o futuro geopolítico da Rússia, 1997), lançou a Revista de
Geopolítica “Elementy”
22 Filler, A., L’Identité Nationale Russe: anatomie d’une représentation, in Hérodote, op.
cit.
23 Cf. Itoh, S, Russia Looks East: Energy Markets and Geopolitics in Northeast Asia, CSIS -
Center of Strategic and International Studies, Washington, 2011
24 Segundo o relatório anual do SIPRI – Stockholm International Peace Research Institute, de
2014, a Rússia elevou substancialmente seus gastos militares a partir de 1999 e aprovou um
ambicioso programa de investimentos na modernização das forças armadas para o período
2011-2020. Além disso, tem incrementado sua produção de equipamento militar e atualmente
exporta material bélico para um total de 52 países, dentre os quais se destacam China, Índia e
Argélia e, na América Latina, a Venezuela. Do total exportado, 28% são constituídos por
material de combate naval, aí incluída a venda de um Porta-Aviões para a Índia
25 Cf. Foucher. M., Obsessão por Fronteiras, op. cit.
26 Entre os argumentos dos separatistas pró-Rússia da Criméia que proclamaram a sua
independência é que, na verdade, essa província conquistara o status de autonomia desde as
suas origens. De fato, a província, então um território independente habitado pelos tártaros,
havia sido integrada pelo Império Russo em 1783, por Catarina II. Foi sob o governo de Joseph
Stálin que perdeu a autonomia que gozava dentro da Federação Russa (soviética), processo
esse que foi acompanhado pela deportação da maioria de sua antiga população de tártaros e a
migração maciça de russos para lá, de fato uma estratégia de russificação da província.
27 Observe-se que o enclave (a rigor um exclave) russo de Kaliningrado Oblast que sedia sua
frota naval do Báltico e o 11º Exército é uma ponta de lança das forças armadas do país
estrategicamente posicionada entre a Polônia e a Lituânia.

Índice das ilustrações

Título Figura 1 – O Império Czarista Russo


http://www.maquetland.com/v2/images_articles2/images/
Créditos 5_1689_1900.gif
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551
URL /img-1.png
Ficheiro image/png, 75k
Título Figura 2 – Expansão da OTAN
Créditos Master, J. (ed.), Council on Foreign Relations, february 27, 2015.
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551
URL /img-2.jpg
Ficheiro image/jpeg, 232k
Título Figura 2 – O Grande Cáucaso e suas nacionalidades
Créditos Fonte: John O’Loughin – University of Colorado at Boulder, 2007
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551
URL /img-3.png

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O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da Ucrânia: a Geop... https://journals.openedition.org/confins/10551

Ficheiro image/png, 840k


Título Figura 4 – As Províncias Russófonas da Ucrânia
Créditos Wikimedia Commons, 2015
http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/10551
URL /img-4.png
Ficheiro image/png, 130k

Para citar este artigo


Referência eletrónica
Wanderley Messias da Costa, « O reerguimento da Rússia, os EUA/OTAN e a crise da
Ucrânia: a Geopolítica da nova Ordem Mundial », Confins [Online], 25 | 2015, posto online no
dia 09 novembro 2015, consultado o 20 setembro 2019. URL : http://journals.openedition.org
/confins/10551 ; DOI : 10.4000/confins.10551

Este artigo é citado por


Costa, Wanderley Messias da. (2019) A Petrobrás e a indústria de petróleo no
Brasil: geopolítica e estratégia nacional de desenvolvimento. Confins. DOI:
10.4000/confins.17645

Autor
Wanderley Messias da Costa
Professor Titular do Departamento de Geografia da USP e especialista em Geografia Política
e Relações Internacionais, wander@usp.br

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A Petrobrás e a indústria de petróleo no Brasil: geopolítica e estratégia
nacional de desenvolvimento [Texto integral]
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Publicado em Confins, 22 | 2014

O Brasil e a América do Sul: cenários geopolíticos e os desafios da integração [Texto


integral]
Publicado em Confins, 7 | 2009

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