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I – O BJETO
Muitas são as oportunidades onde, no exercício da Advocacia
Criminal, deparamo-nos com uma denúncia que traduz uma narrativa
fática amparada, tão-somente, no clamor público gerado pelo ato ou, quiçá,
no momento político de uma determinada região. O Advogado, por sua
vez, e no exercício correto de suas obrigações profissionais, ingressa com o
competente habeas corpus, alegando, justamente, a ausência de base fática da
acusação. Para sua “surpresa”, no entanto, recebe como resultado de seu
esforço uma lacônica resposta que, sequer analisando o caso em si, alega ser
inviável a análise de provas em tão estreita via.
Sem dúvida podemos concordar que vários são os casos onde tal
assertiva pode estar correta. Não obstante, vários são, também, os casos
onde uma análise qualitativa e quantitativa dos elementos utilizados pelo
Ministério Público para embasar sua denúncia se torna não apenas
necessária, mas, indo além, verdadeira obrigação por parte do Poder
Judiciário.
O presente estudo traz por objetivo discutir, ainda que brevemente, o
conceito de justa causa da ação penal quando atrelada à necessidade de
elementos objetivos e suficientes, no plano fático, para a legitimação da
persecutio criminis in judicio.
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2 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. Trotta, 2000, p.147.
3 MAIER, Júlio B. J. Derecho Procesal Penal. Fundamentos. Editores del Puerto, 1999, v. I, p.496.
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4 MALATESTA, Nicola Framarino. A lógica das provas em matéria criminal. Conan, 1995, p.19.
5 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Lumen Juris, 2001, p.119.
6 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. Lumen Juris, 2001, p.120.
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7 CARNELUTTI, Francesco. Principios del proceso penal. Ediciones Jurídicas Europa-America, 1971, p.97.
8 Para BOSCHI: Como é dever do Estado proteger os direitos e as liberdades fundamentais e considerando,
ainda, que a instauração do processo criminal gera aflições e constrangimentos de toda ordem ao imputado,
segue-se que o válido desencadeamento da persecutio criminis pelo titular da pretensão punitiva (MP ou
querelante) pressupõe que elementos de prova idôneos e legítimos apóiem a denúncia, queixa ou aditamento,
de modo a evidenciar que a acusação não é absurda ou um capricho do acusador, mas que, pelo contrário,
reúne fidedignidade e veicula o interesse social na apuração do fato e na responsabilização de seu autor... as
provas, “mesmo as provas precárias”, constituem, portanto, o objeto da justa causa, embora doutrinadores
de renome a confundam com o próprio interesse de agir. BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação penal.
Denúncia, queixa e aditamento. AIDE, 2002, p.131-132.
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IV – C ONSIDERAÇÕES F INAIS
Percebendo-se, então, a necessidade do suporte probatório como
legitimação da narrativa acusatorial, torna-se óbvio que o habeas corpus para
trancamento da ação penal irá exigir, por vezes, a análise do caderno
processual e das peças que acompanham a denúncia. No entanto, não está a
se versar, aqui, sobre uma tentativa de “alargar” a “estreita via” do habeas
corpus. Pelo contrário, e já finalizando, concordamos com SCHMIDT, quando,
em análise à hipótese ora ventilada (verificação de suficiência probatória),
afirma não se tratar de necessidade de dilação probatória, mas sim de exame
axiomático do suporte probatório que fundamenta uma determinada decisão,
além da análise da suficiência dos fundamentos descritos na denúncia9, situação
essa que torna o “remédio heróico” absolutamente aceitável por parte de
nossos Tribunais.
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ESTUPRO. TIPICIDADE, CONTROVÉRSIAS E
ASPECTOS PROCESSUAIS
G ERALDO B ATISTA DE S IQUEIRA *
M ARINA DA S ILVA S IQUEIRA **
B ENEDITO X AVIER T ORRES ***
S ÉRGIO S ÁVIO B ATISTA B ORBA ****
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3 – C LASSIFICAÇÃO D OUTRINÁRIA
Já há alguns anos, observam-se, como preocupação de vários autores,
aspectos metodológicos, influentes no estudo do Direito Penal, erigindo-se
em temática com positiva repercussão, até na didática de ensino.
Pena que vários autores, partidários dessa metodologia, de
repercussão didática, furtem-se, com freqüência, à oportunidade que se lhes
apresenta de nos brindar com o estudo classificatório dos tipos penais, um
lance de verdadeira teoria geral da parte especial do Código Penal, diante
de certas hipóteses de tipicidade. As indicações diferenciadoras entre tipo
material (art. 155 do CP), formal (art. 159 do CO) e de mera conduta (art.
150 do CP) assumem especial relevância exegética em relação a institutos de
direito material e processual, como exemplos o ato jurisdicional de fixação
da pena, a conceituação do momento consumativo e da tentativa de um
crime, assim como a competência penal, todas conceituações muito
dependentes de aspectos da tipicidade.
Não raramente, nos tipos de perigo, passa-se ao largo da classificação
tipológica, fugindo à definição do perigo, se concreto ou presumido, que a
teoria exacerbada do bem jurídico, como fundamento da criminalização,
coloca dificuldades.
Um tipo penal, segundo sua variação estrutural, preenche um leque
de classificações, como a seguir veremos, exemplificando no caso particular
do estupro.
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4 – T ENTATIVA
É possível o conatus no tipo penal estupro? Sim. Claro, crime material
que é, rejeita a hipótese da impossibilidade da tentativa. A questão, que
aflora, a ser debatida, reside no ponto de partida para a configuração da
tentativa. A resposta, apta a afastar qualquer dúvida, vem de FERNANDO DE
ALMEIDA PEDROSO, na 4ª edição de sua obra, a mais completa nesse ano que
passou, 2007: “Todavia, cuidando-se de crime de forma vinculada (nº 3.21),
insofismável ressurte que o meio executivo exigido pelo tipo caracteriza a
tentativa. Assim, no caso do estupro (art. 213) necessário não se faz para a
configuração do conatus, que o sujeito ativo esteja praticamente no acesso
carnal id est: que já tenha desnudado o seu órgão genital e com ele procure o
da vítima. A simples efetivação da violência ou grave ameaça, com o fito e
escopo voltados ao amplexo sexual, corporifica a tentativa do crime”11.
Nas lides forenses, em termo de iniciativa da acusação ou no juízo de
admissibilidade, encontramos posições, segundo as quais a violência ou a
grave ameaça, cimentada pelo fim inequívoco de conjunção carnal, não
ultrapassa os limites de atos preparatórios.
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lei, mais sentido ela alcançaria, vista sob o ângulo de sua interpretação, a
concretizar-se no momento processual de aplicação, pela via judicial,
resultante de correta invocação da tutela jurisdicional.
O sujeito passivo material, nessa conduta típica, não pode ser
postergado, afastado para um plano pouco operante, no momento
processual da individualização da resposta penal. O comportamento, seu
papel, na eclosão do crime, traduz avançada conquista da criminologia, no
capítulo da vitimologia, hoje, com base normativa, expressamente, com
assento no art. 59, última passagem, já presente, de forma implícita no art.
42 do CP, parte geral revogada.
A vítima, seu papel no quadro da individualização penal, deve passar
por uma leitura mais abrangente, na qual seja relacionada no quadro
dramático do crime, principalmente, em se tratando de crimes que se
destacam pelas formas e motivos de sua perpetração (arts. 213/214 do CP).
Ainda hoje, nos dias correntes, a despeito da chamada emancipação
feminina, o crime mencionado, cuja subjetivação passiva material venha a
recair sobre vitima, uma jovem virgem, uma esposa ou que tenha
companheiro, etc., as conseqüências, um dos parâmetros da
individualização penal, podem assumir, e não raro tal ocorre, aspectos
desastrosos, de difícil superação, conseqüências a ultrapassar limites do
sofrimento da vítima, alcançando a família e amigos.
Conveniente a observação, segundo a qual, o legislador procurou
cuidar da individualização penal, para isto antecipando-se ou reforçando a
tarefa jurisdicional, quando da descrição dos tipos penais, emoldurados nos
arts. 215, parágrafo único, e 216, parágrafo único, do CP, levando em
consideração como critério de majoração penal, a pessoa da vítima em mais
de um aspecto.
Sujeito material, receptáculo da ação criminosa, é mulher, sem
qualquer distinção, como ocorre nos tipos acima citados. Seu
comportamento, coloca bem a matéria o goiano NEY MOURA TELES, nome
que promete, nos arraiais da cultura jurídica: “Poderá ser levado em conta,
como circunstância favorável ao agente, no momento da fixação da pena-
base”13. Como pode ser tomado em detrimento da pretensão do acusado,
pesando, também na balança da dosimetria penal, solução haurida em
fontes vitimológicas
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14 SIQUEIRA, Geraldo Batista de; SIQUEIRA, Marina da Silva. Estupro e Aborto Humanitário.
Autorização Judicial. Ciência Jurídica, 41/15; Revista Jurídica, de Porto Alegre, 169/30; Livro de
Estudos Jurídicos, 1/375; Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, 473.
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15 SIQUEIRA, Geraldo Batista de; SIQUEIRA, Marina da Silva. Ação Penal nos Crimes contra os Costumes.
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9 – A SPECTOS P ROCESSUAIS
Os aspectos processuais, aqui expostos, prendem-se ao exercício da
ação penal, sua titularidade. A ação penal, o ato mais relevante do processo
penal, porque originário, em regra, é pública e incondicionada ou plena, à
exceção nos crimes contra os costumes (arts. 213/218 do CP), quando a
iniciativa acusatória se formaliza, mediante atividade processual do
ofendido ou de seu representante legal (art. 225 do CP). Essa diretriz sofre
as exceções, previstas no § 1º, incisos I e II, daquele artigo, quando a
legitimidade para a acusação é atribuída ao Ministério Público.
Antes de passar à frente: querem impor condição à ação penal
incondicionada!
A redação que dá forma ao artigo acima brilha pela clareza, clareza
solar, acerca da titularidade da ação penal conforme expusemos, em nosso
livro Ação penal nos Crimes contra os Costumes, lançamento da Editora Del
Rey16, não fosse a exegese jurisprudencial, principalmente, a partir de
decisões da Suprema Corte, chegando ao clímax com a Súmula 608, cujo
verbete é o seguinte: “No crime de estupro, praticado mediante violência
real, a ação penal é pública condicionada”.
Afasta-se o crime de estupro da abrangência da ação penal pública,
quando realizado por meio de grave ameaça ou por hipótese da figura
presumida. Aliás, do STF, Relator o Ministro Célio Borja, excluindo a
incidência da ação penal pública quando a consumação do crime realizar-se
pelas vias da grave ameaça.
Após a edição da súmula, que excluía a grave ameaça, uma das
possíveis elementares normativas do tipo penal estupro, a Suprema Corte,
um pouco contraditoriamente, vem estendendo a iniciativa processual do
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10 – C ONCLUSÕES
I. O estupro estrutura-se, segundo a mais ampla subjetivação passiva
material, resultado da convergência entre objeto jurídico e o verbete que o
expressa.
II. A exclusividade da subjetivação passiva material, a recair sobre a
mulher, alheia a qualquer restrição, no resguardo de seu direito, não guarda
qualquer incompatibilidade com a individualização da resposta penal,
especialmente, levando-se em consideração a realidade da vítima, matéria
concernente à vitimologia.
III. Conduta, exigente de resultado dela conseqüente, como requisito
do momento consumativo, o estupro erige-se em crime material.
IV. No estupro, temos um modelo penal pluriofensivo, porém, na
descrição de um modelo simples, ausente o amálgama, formador de outra
figura penal, integradas por tipos penais autônomos, os crimes-membros.
V. Parte da doutrina e, predominantemente, a jurisprudência
reconhecem, no estupro, a forma delitiva complexa, no sentido amplo,
mesmo assim produzindo reflexos significativos na legitimidade processual.
VI. O tipo penal, constrangimento ilegal (art. 146 do CP), eleva-se à
tipicidade estupro, graças à qualificação que impregna o resultado,
especificamente individualizado.
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