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DOI: 10.18468/estcien.2016v6n3.

p127-136 Ensaio

A pesquisa no ensino superior: um ensaio sobre metodologia científica

Fernando Castro Amoras1 e Aluana Vilhena Amoras2


1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Graduado em Ciências Sociais, ambos os cursos pela Universidade Federal do Amapá.
Técnico em Assuntos Educacionais da Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: fernandogentry@hotmail.com
2 Especialista em Metodologia do Ensino de Língua Francesa e das Literaturas de Expressão Francesa pela Faculdade APOENA e
Graduada em Letras – Francês pela Universidade Federal do Amapá. Professora do Governo do Estado do Amapá, Brasil. E-mail:
aluana.amoras@hotmail.com

RESUMO: Este artigo objetiva debater o processo de pesquisa científica alinhavada ao proces-
so de educação no ensino superior. Desta forma, procura explanar sobre a atividade de inicia-
ção científica que ocorre nas universidades, dentro da perspectiva constitucional do tripé aca-
dêmico de ensino, pesquisa e extensão. Será discutida a utilidade da história da ciência como
forma de apresentar os feitos científicos aos alunos. A caracterização dos tipos de conheci-
mentos e as categorias de pesquisa e de procedimentos científicos são outros itens apresenta-
dos, didaticamente por meio de exemplos reforçadores, para favorecer a compreensão dos
conceitos envolvidos na realização dos processos de pesquisa.
Palavras-chaves: Ciência. Educação. Métodos. Universidade.

Research in higher education: an essay on scientific methodology


ABSTRACT: This article aims to discuss the process of scientific research aligned with the pro-
cess of education in higher education. In this way, it tries to explain about the activity of scien-
tific initiation that occurs in the universities, within the constitutional perspective of the aca-
demic tripod of teaching, research and extension. The usefulness of the history of science as a
way of presenting scientific achievements to students will be discussed. The characterization
of the types of knowledge and the categories of research and scientific procedures are other
items presented, in a didactic way through reinforcing examples, in order to favor the unders-
tanding of the concepts involved in carrying out the research processes.
Keywords: Science. Education. Methods. University.

1 INTRODUÇÃO de conclusão de curso e monográficos, es-


tudos individuais e em grupos e participa-
As instituições de ensino superior de- ção em eventos científicos (GOMES; ALVES,
sempenham a função de formar profissio- 2017).
nais graduados e pós-graduados por meio Objetiva-se, por meio deste artigo, e com
da viabilização de ações integradoras, arti- uma abordagem de fácil compreensão, de-
culando o ensino, a pesquisa e a extensão, bater sobre a ciência presente no nosso dia-
com o envolvimento do seu corpo docente, a-dia. A partir da afirmação de que a pes-
discente e técnico-administrativo. Os aca- quisa científica é um aliado ao processo de
dêmicos envolvem-se na pesquisa científica ensino, principalmente nas universidades,
por meio de uma iniciação que se dá em neste artigo tratar-se-á sobre a presença do
aulas teóricas e práticas, palestras, colabo- fazer ciência no meio acadêmico, debaten-
ração em projetos experimentais e de pes- do inicialmente sobre a prática da iniciação
quisa, monitorias, elaboração de trabalhos científica alicerçada dentro do tripé consti-

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tucional das universidades brasileiras, de tra a importância do programa de iniciação


ensino-pesquisa-extensão. Em seguida, será científica para o estudante do ensino supe-
abordada a utilização didática da história da rior, enfatizando o papel complementar de
ciência, como estratégia que facilite e atraia melhoria da sua análise crítica, maturidade
os jovens para a atividade de pesquisa. Os intelectual, compreensão da ciência e pos-
tipos de conhecimentos e de pesquisa, bem sibilidades futuras tanto acadêmicas como
como os procedimentos científicos, serão profissionais. É destacada a necessidade de
apresentados com o auxílio de exemplos formação de gente capacitada nas áreas
ilustrativos, para favorecer a assimilação técnicas e científicas como premissa para o
dos conceitos que estão presentes na práti- desenvolvimento social e econômico.
ca científica. A Constituição Federal do Brasil de 1988
comunica que as universidades realizarão
2 INICIAÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO SUPE- atividades de ensino, pesquisa e extensão
RIOR (BRASIL, 1988). O ensino acontece em sala
de aula, por meio das várias disciplinas que
Durante o período de participação na ini- os alunos cursam, das palestras que assis-
ciação científica, desenvolvem-se capacida- tem, dos cursos que frequentam e das ca-
des mais diferenciadas nas expressões es- pacitações técnico-científicas em que se
crita e oral, e a aprendizagem de conheci- envolvem.
mentos que marcam a vida escolar dos in- A pesquisa dá-se por meio de práticas ci-
divíduos. Por exemplo, os estudantes pas- entíficas e metodológicas, aplicadas a de-
sam a ler bibliografias de forma crítica, tor- terminadas circunstâncias visando obter
nando-se referencial para os outros alunos. algumas conclusões e soluções para dificul-
A iniciação científica não existe somente dades fenomenais que possam surgir e para
a partir do ensino superior, nem apenas em algumas que se requer solução. As ativida-
um tipo de atividade que é a pesquisa cien- des laboratoriais envolvem a pesquisa, bem
tífica, da qual se participa sob a orientação como a elaboração dos trabalhos finais de
de um professor-pesquisador. Ela está vin- conclusão de curso, tais como os monográ-
culada a todas as atividades acadêmicas e ficos individuais e coletivos.
começa, em todas as áreas das ciências, A extensão está presente em situações
muito antes do ensino superior. A ação e- em que são realizadas ações que não se
ducativa não se faz apenas na transmissão referem diretamente ao ensino nem à pes-
de conhecimentos, mas, e principalmente, quisa, como, por exemplo, as ações sociais
na interação entre aluno-professor, de mo- realizadas junto da população do entorno
do que o resultado seja a formação de indi- da universidade, os eventos científicos e
víduos conscientes de seus papéis sociais, acadêmicos feitos, como os congressos e
como agentes ativos de transformação da seminários. Também se enquadram na ex-
sociedade. tensão as ações realizadas pelas instituições
A iniciação científica está presente na vi- objetivando dotar os discentes de estrutu-
da das universidades, principalmente públi- ras que favoreçam as suas respectivas per-
cas, fato discorrido por Fava-de-Moraes e manências na instituição e a conclusão do
Fava (2000) em um artigo em que demons- curso, como as capacitações para cursos de
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idiomas, elaboração de trabalhos acadêmi- social e biopsiquíco. O conhecimento se
cos, os auxílios financeiros para fins didáti- amplia, e muitas informações novas são
cos, e o próprio restaurante universitário. somadas e apenas utilizamos aquelas que
Durante o período universitário, os alu- sejam mais necessárias às nossas necessi-
nos estarão envolvidos em diversas situa- dades imediatas.
ções que perpassarão necessariamente pelo Às vezes, tanto o objeto cognoscível tor-
tripé universitário (SOUSA SOBRINHO, na-se capaz de fazer-se inteligível, como
2017). A atividade de ensino será feita nas também o objeto intangível pode tornar-se
disciplinas que cursarão, a participação nas elemento de nossa capacidade de abstra-
aulas, com as leituras dos materiais didáti- ção, pois esta é ilimitada. Dependendo da
cos, dos livros, dos vídeos, e outros meios esfera de conhecimento que estamos nos
de ensino. A pesquisa dar-se-á quando dire- referindo o cognoscível alia-se ao incognos-
cionadas pelos professores, para a realiza- cível, pois no caso religioso, a fé é um as-
ção de alguma tarefa que envolva prática pecto que retira as limitações sensoriais e
de pesquisa científica, e principalmente no precisamos trabalhar com o desconhecido.
fim do curso com a elaboração do trabalho Isto se dá até mesmo no conhecimento ci-
de conclusão de curso. A extensão será feita entífico, pois existem muitas informações
nos eventos científicos que frequentarem, que não são possíveis de tratamento cientí-
principalmente porque precisam cumprir a fico adequado, com uma fundamentação
carga horária das atividades acadêmicas mais rígida, porém os dados capturados não
científicas e culturais. são descartados, esperando uma oportuni-
Na prática, é mais fácil entender-se estas dade de receberem a descrição acadêmico-
três situações quando já se está de longo científica devida.
prazo inserido no ambiente acadêmico. Por
exemplo, um aluno neófito apresentará di- 3 USO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA NO ENSI-
ficuldades para descrever o que vem a ser a NO
extensão e a pesquisa, sendo que pelo sen-
so comum a pesquisa é unicamente aquela A transmissão do conhecimento deve ter
realizada nos laboratórios científicos, e, por sempre como objetivo a formação de cida-
experiência própria, sabemos que não é dãos responsáveis e conscientes das deci-
bem assim. A realização de leituras e es- sões que nos afetam e afetam os outros. O
quematizações de conteúdos são passos conhecimento científico é perpetuado com
importantes e integrantes e presentes na sua transmissão de uma geração de profis-
pesquisa científica. sionais para outra, sendo esta transmissão
O tripé acadêmico do estudante universi- feita algumas vezes por meio de manuais,
tário deve estar em constante interação, em que se prioriza o que parece ser o mais
pois as experiências por que passarem se importante naquele momento. Desta for-
agregarão aos seus Know-hows, e assim não ma, muita coisa é deixada de lado, sem a
se as podemos descartar e nem alterá-las devida consideração epistemológica. Se se
sobremaneira. O que acontece é uma com- repassassem aos estudantes todo um con-
plementação do que temos, que entende- teúdo histórico-filosófico da ciência, com
mos como um processo de aprimoramento certeza o tempo necessário seria curto, da-
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da a imensidão do desenvolvimento cientí- de má qualidade, já que uma seleção da


fico que há. Mas, há certa importância em história dos assuntos de determinado ramo
se adotar tal metodologia didática, pois do conhecimento será sempre um subcon-
permitirá ao aluno ter uma ideia da conjun- junto de um intrincado emaranhado de e-
tura social e política que o cientista estava ventos que possuíam dinamicidade ativa na
vivenciando para formular suas teorias. Isto época em que ocorreram (ALFONSO-
permite que ao aluno saber os problemas GOLDFARB, 2004). Porém, não se deve su-
que permeavam o imaginário científico de bordinar a história da ciência aos objetivos
épocas passadas, e fazer um comparativo únicos do ensino, qual seja o de dar uma
com a época atual, vendo como a ciência visão geral dos assuntos aos alunos, facili-
evoluiu e o conhecimento se transformou. tando o aprendizado dos conceitos científi-
Certamente que há vertentes contrárias cos, pois se estaria fazendo um mau uso da
à utilização da história da ciência no ensino, história, que pode propagar uma imagem
pois há dificuldade em se saber qual parte distorcida e até vulgarizar muitos dos mais
da mesma deve ser salientada e qual deve impressionantes avanços do conhecimento
ser descartada. Ainda há a dificuldade exis- científico. Chega-se até a desfigurar o traba-
tente de qual perspectiva deve ser vista: a lho do cientista, apresentando-o numa rea-
do historiador ou a do cientista? E não se lidade distante da que ocorreu.
deve esquecer para quem se está ensinan- A história da ciência quando aplicada de
do, para qual faixa etária. Assim, deve-se forma adequada ao ensino permite muitas
adotar uma história simplificada, mas com possibilidades, e devemos sempre buscar
fundamentação sólida; que busque incre- metodologias que proporcionem conforto
mentar a cultura geral do aluno e ser-lhe no esclarecimento das pessoas quanto ao
útil com a problemática das concepções real uso da ciência, que não deva ser vista
alternativas. como bem exclusivo de uma parcela da so-
A utilização didática da história da ciência ciedade, os cientistas.
permite desmistificar ao aluno a crença de
que as concepções de mundo outrora acei- 4 OS TIPOS DE CONHECIMENTO
tas não são mais nem menos científicas do
que as atuais. O fato é somente este: que o Não se pode esquecer que o ato de estu-
pensamento científico se modifica com o dar dá-se em diversos ambientes, e o mais
tempo, e que os diferentes conjuntos de comum é pensar-se que só acontece em
crença, teorias e concepções estruturam a estabelecimentos de ensino regulares. No
história do pensamento científico. Também entanto, mesmo as pessoas que concluíram
não se pode superdimensionar a contribui- o ensino formal, com certeza que não dei-
ção da história junto ao ensino, pois se ali- xaram em nenhum momento de estudar,
mentaria algumas expectativas que não se- pois as leituras que fazemos, todos os dias,
riam devidamente respondidas, tendo em dos diversos aspectos que se antolham à
vista que todo relato histórico pressupõe nossa volta são estruturas processuais inte-
uma interpretação subjetiva do fato. lectivas que caracterizam a continuidade do
Acontece, algumas vezes, de apresentar- fluxo de aprendizado. Quando não estuda-
se aos estudantes uma história da ciência mos, estamos envolvidos em outras ativi-
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dades, e estaremos sempre buscando a camos justificar as propriedades de certas
continuidade de nossas motivações inter- coisas em forças sobrenaturais, em que a-
nas, seja para o aspecto familiar, religioso, firmamos que algo acontece sem que seja
profissional etc. por motivação humana, mas sim, por um
O ser humano possui características que ente desconhecido e abstrato capaz de e-
lhe diferenciam do restante do reino ani- xercer uma ação sobre algo, de tal forma
mal. Falamos do raciocínio, que é a capaci- que se torna uma explicação que pode ser
dade da intelecção inerente a todos os se- aceita também por outros indivíduos, e nes-
res humanos, sendo que nos demais ani- te caso se torna incontestável, com o pre-
mais é muito reduzido, tomando o ser hu- ceito da autoridade. Assim, o tecido social
mano um referencial comparativo máximo. constituído com crenças comuns de que os
Além do mais, nos outros seres do reino mortos possuem outras oportunidades, por
animal, principalmente na classe dos mamí- meio de seus espíritos, de retornarem à
feros, há a presença preponderante do ins- condição anterior à morte, ou seja, à vida, é
tinto, que é um mecanismo que faz os ani- um conhecimento do aspecto religioso que
mais agirem por impulso, por motivação julgamos proveitoso citá-lo aqui.
biológica, e outras formas, que não a reali- Conhecimento filosófico: quando, em vez
zada sob deliberação consciente. No caso de explicarmos o mundo sem o uso do sen-
dos seres humanos, fazemos uso de nosso so-comum (sensorial) nem do aspecto reli-
cérebro, para buscarmos compreender o gioso, e tentamos argumentações que se
meio que nos cerca. Todas as informações direcionam a afirmações abstratas, com
que apreendemos tomam a forma de co- jogo de palavras e raciocínio contemplativo,
nhecimento, sendo que de acordo com al- absorto, estamos utilizando o conhecimen-
gumas peculiaridades de cada tipo de expe- to filosófico, que é uma forma de explicar as
riências que temos, podemos classificar o circunstâncias e estruturas a partir de ponto
conhecimento em algumas categorias analí- de vista questionador, algumas vezes com
ticas, quais sejam: extrema meditação, mas que podem levar a
Conhecimento popular: é aquele resul- conclusões amplas. Tal se dá com a explica-
tante das impressões mais imediatistas de ção da medida do sol, que algum filósofo
nossos sentidos, ou seja, é o conhecimento disse que teria o mesmo tamanho da sola
que não se sabe explicá-lo conforme o pa- do pé dele, e, no entanto, sabemos que o
drão científico estabelecido, de causa e e- mesmo filósofo estava deitado no solo, e
feito. Dizemos que algo é cheiroso apenas conseguira cobrir o espectro solar apenas
por conta do olfato, sem sabermos das mi- juntando os dois pés em direção ao sol, daí
núsculas interações dos neurônios nem das sua tese de que o sol teria a medida de seus
pupilas olfativas. Algo é cheiroso e ponto dois pés.
final. Exemplo: o perfume de uma flor. To- Conhecimento científico: é aquele pro-
camos a flor assim como tocamos outras veniente da formulação de ideias, com ex-
coisas, mas a flor exala uma fragrância a- perimentação e comprovação, daí a formu-
gradável ao olfato, e por isso dizemos logo: lação de uma tese sobre algo. É o caso da
é cheirosa. modificação do estado líquido da água para
Conhecimento religioso: é quando bus- o estado sólido, cuja causa é devido à redu-
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ção da temperatura para valores abaixo ou mento como pertencente ao senso-comum,


igual à 0ºC, em que nesta circunstância as ou ao conhecimento filosófico. De fato, o
moléculas da água terão menor motilidade, conhecimento científico é o que está mais
estarão praticamente inertes, e aos nossos próximo na maior parte das vezes de quem
olhos, no nível macro, assumem a forma de vivencia o ambiente universitário, mas que
gelo ou água sólida. no ambiente familiar nós nos dispomos em
Por mais que saibamos, mais sabemos contato com o senso-comum, e com o co-
que não sabemos o suficiente, e assim con- nhecimento religioso, e a dificuldade em
tinuamos sempre aprendendo com as pes- reconhecer o conhecimento filosófico vem
soas que nos estão próximas. Espera-se que mais da postura de ignorarmos o mesmo,
este texto tenha como resultados esta dis- por só considerarmos os outros tipos de
cussão das categorias do conhecimento, conhecimento suficientes para a explicação
pois há momentos em que acontece certa do mundo.
confusão de querermos entender algo que Por exemplo, há pessoas que afirmam
está no conhecimento religioso pelo ponto certas informações que não estão adequa-
de vista científico, e assim não dá não. Em damente classificados, mas que o pesquisa-
outros momentos não queremos saber do dor mais experiente pode direcionar a dis-
bê-á-bá filosófico, e pensamos que as in- cussão de modo a que haja a busca do es-
formações do momento é que são as mais clarecimento do que eles estavam pensan-
importantes, e assim esquecemos que o do, principalmente quando se trata do co-
conhecimento pode ter as suas várias cate- nhecimento do herbário amazônida, que
gorias de classificação, e que ao classificar- tanto pode estar elencado no senso-
mos, facilitamos o modo como entendemos comum, como no conhecimento científico,
o mundo. dependendo de que aspecto está em análi-
Toda esta discussão tem como principal se, mas que não podemos enquadrar estri-
contribuição possibilitar a que tenhamos a tamente no religioso.
oportunidade de conhecermos esta peque-
na porém importante peculiaridade: que o 5 OS TIPOS DE PESQUISA
conhecimento humano é imensamente
grande, com grandes variações, e que foi Conforme Zanella (2009), o processo de
possível efetuar uma classificação em tipo- pesquisa científica tem por fim apresentar
logias do conhecimento, para possibilitar a determinadas conclusões, ou os seus indí-
organização e estudo do conhecimento. É cios, para a sociedade, objetivando propor-
assim que os pesquisadores têm tido a ex- cionar a solução ou o esclarecimento de
periência de debaterem sobre as formas de determinada situação. Assim, não iremos
divisão do conhecimento, porque sempre explicar as formas sistemáticas para se fazer
houve confusão em se comparar os conhe- pesquisa, mas dentro de um contexto her-
cimentos científicos e religiosos, e tentar menêutico, apresentaremos uma epistemo-
saber qual seria o mais superior ao outro. logia do processo de pesquisa, ou seja, as
Nota-se que muitas pessoas têm feito re- suas classificações e apresentações.
latos em que se podem verificar quais mo- Deste modo, conforme Zanella (2009), a
mentos que eles percebem um conheci- atividade de pesquisa teve uma divisão em
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torno dos grandes agrupamentos possíveis um dos pontapés para a da criação do tele-
da pesquisa científica, a qual foi segmenta- fone, do rádio e da televisão por outros in-
da em duas grandes categorias: a pesquisa ventores. O físico brasileiro, César Lattes
pura e a pesquisa aplicada. Apesar desta (1924-2005), conseguiu comprovar a exis-
distribuição fechada, não devemos conside- tência da partícula subatômica méson pi
ra-las como separadas, incomunicáveis, mas por meio de experimentos que envolviam
são pontos de contatos próximos que pro- chapas fotográficas, e assim, a ideia das
piciam suas ligações, e em alguns momen- menores unidades da matéria, que antes
tos seus exclusivismos. Portanto, haverá eram apenas três (próton, elétron e nêu-
situações em que estará discernível apenas tron), passou a ser de subunidades menores
a pesquisa pura, e em outras a pesquisa ainda, os mésons, que foram inicialmente
aplicada, mas com certeza é possível a o- idealizados pelo ganhador do Nobel de Físi-
corrência interligada de ambas. ca, Hideki Yukawa (1907-1981).
A pesquisa pura é aquela que é realizada Quanto ao método e forma, a pesquisa
muito dentro do campo teórico, com suas pode ser classificada ainda em: qualitativa e
formulações intangíveis, mas que buscam quantitativa. Na qualitativa, são analisados
consolidar informações acerca de algo. Por os dados a partir de suas qualidades, ou
exemplo, o físico brasileiro Marcelo Gleiser seja, não serão notados os aspectos estatís-
(1959-) realiza pesquisas sobre os segundos tico e matemático do objeto estudo, mas
iniciais da formação do universo. Este tipo suas disposições idiossincráticas, sendo su-
de pesquisa é exclusivista teórica, mas que as falas analisadas, seus modos, comporta-
abriu novas informações sobre um campo mentos, usos de imagens, ilustrações diver-
com poucos dados, que é a física do efeito sas e histórias. Na pesquisa quantitativa o
big-bang. Outro físico, britânico, Stephen que prevalece são as medições do objeto,
Hawking (1942-), estudou os buracos ne- para notar como ele se comporta dentro de
gros do universo, e possibilitou, ele, com- certo período e sob algumas condições. A
plementar a teoria dos buracos negros, e pesquisa quantitativa visa apresentar o tra-
afirmar que são geradas partículas subatô- tamento estatístico adequado do objeto,
micas nos buracos negros, e ampliou a teo- enquanto que a pesquisa qualitativa apre-
ria da radiação cósmica. sentará os pontos de vista dos participantes
A pesquisa aplicada é aquela que visa um e do pesquisador. O ideal é o uso de uma
objetivo mais prático, tal a construção de ou de outra ou ambas conforme sejam ne-
determinada tecnologia que possa ser de- cessárias para aclarar o objeto analisado.
senvolvida e disseminada. Assim, por e- A pesquisa pode ser também explorató-
xemplo, foi utilizada a teoria da transforma- ria, descritiva ou explicativa. Serão explora-
ção da energia em suas diversas modalida- tórias quando os dados e informes sobre o
des. Alexander Grahan Bell (1847-1922) objeto selecionado forem muito escassos.
propôs a utilização de uma película sobre Deste modo, a pesquisa exploratória permi-
um dispositivo elétrico cônico e criou um tirá a captação das primeiras informações
tipo de microfone, sendo que este é a trans- sobre algo, como aconteceu, por exemplo,
formação da energia sonora em energia no começo da década de 1980 os primeiros
elétrica. Esta ideia, cujo fim foi prático, foi registros de AIDS pelo mundo. Os pesquisa-
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dores só conseguiram apresentar dados Pesquisa bibliográfica – feita muito sobre


seguros apenas seis anos depois – a aprova- fontes bibliográficas apenas, como foi o ca-
ção do primeiro medicamento a combater o so de um pesquisador que descreveu o am-
HIV ocorreu em 1987 –, e só obtiveram biente das penitenciárias, apenas com os
propostas de tratamento mais de oito anos informes dos livros e textos a que teve a-
depois, ou seja, em 1995 com os coquetéis cesso, sem nunca ter visitado uma cadeia
de drogas antirretrovirais para impedir a na vida (AMORAS, 2009).
progressão do HIV (SANTI; VITA; GARATTO- Documental – presente nas situações em
NI, 2013). que são utilizados documentos de diversas
A pesquisa descritiva visa proporcionar categorias para comprovar-se algo ou rela-
informações suficientes sobre algo, de mo- tar uma determinada situação. É o caso dos
do a descrever este algo. É o que acontece investigadores que tentam determinar indí-
muito na Amazônia, com os biólogos e na- cios de fraudes bancárias a partir dos regis-
turalistas, que estão sempre descrevendo o tros documentais impressos e eletrônicos
herbário amazônida, algumas vezes compa- de agências bancárias.
rando-o com o de outras regiões, e disse- Pesquisa por levantamento (surveys) –
minado tais informações para que mais feita quando se quer informações popula-
pessoas tenham acesso a estes conheci- cionais, e neste caso confunde-se muito
mentos tão importantes. Também é o caso com um censo, sendo que este um quer
de um pesquisador que está fazendo pes- apenas a descrição populacional, enquanto
quisa descritiva do comportamento das su- que o levantamento requer algo a mais, tais
perfícies das folhas das plantas, em torno como as motivações de certas situações, os
de suas reações quando expostas à radiação pontos de vistas dos consultados etc.
solar e à umidade. Assim, esse pesquisador Estudo de caso – realizado quando dese-
descreve que as superfícies das folhas apre- ja-se conhecer apenas uma situação parti-
sentam um comportamento de maior rugo- cular de alguma coisa. Por exemplo, faz-se
sidade em certa situação e outro em outra uso de estudo de caso para saber-se porque
circunstância, mais lisa, e deste modo espe- uma turma em particular de um curso de
ra-se utilizar estas informações na confec- graduação apresentou muita dificuldade em
ção dos equipamentos de mergulho e das relacionar-se bem com certo professor, e a
roupas dos competidores de natação. mesma situação não se registrava nas ou-
A pesquisa explicativa é aquela que obje- tras turmas. Neste caso, o estudo possibili-
tiva apresentar explicações sobre algo, co- tou a descoberta de indícios de antipatia de
mo nos casos dos psicólogos, que em seus parte da turma com o docente e vice-versa,
diálogos com adolescentes, buscam com- e tal comportamento foi disseminado com
preender os porquês da adoção de certos todos os colegas da mesma turma, e gerou
comportamentos característicos da fase muita tensão no grupo estudado.
juvenil. Pesquisa experimental – está presente
quando se quer verificar o comportamento
6 OS PROCEDIMENTOS CIENTÍFICOS de certo fenômeno por meio de experimen-
tos. É o caso do pesquisador que diz desco-
Quanto aos procedimentos, teremos: brir se o chorume da lixeira pública possuía
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elementos radioativos ou não, e neste caso trevista é basicamente esta: o pesquisador
fez frequentes medições da eletrorresistivi- elabora um guia de perguntas, seleciona
dade do solo para obter dados que possibi- arbitrariamente uma amostra de pessoas, e
litassem uma conclusão. A mesma técnica submete-as à arguição planejada.
da medição de eletrorresistividade está No caso de serem efetuadas coletas de
presente nas escavações arqueológicas, dados, ou seja, obtenção de informações
quando em vez de fazer enormes buracos necessárias para complementar o trabalho,
no solo, inicialmente verifica-se a presença é necessário planejar o detalhamento dos
de elementos enterrados no subsolo ape- atos que serão efetuados. Por exemplo,
nas pela variação da tensão elétrica do solo caso preveja-se visita a órgãos públicos,
(FRAZÃO; MOURA, 2017). deve-se selecionar quais setores e/ou de-
Ex-post-facto – feita quando o fato já partamentos e indivíduos serão abordados.
houve, que foi o caso da morte do ator Bru- Caso realizem-se entrevistas, é bom deline-
ce Lee (1940-1973), que após o fato, ten- ar como dar-se-ão as mesmas, se gravadas
tou-se averiguar se foi morte natural ou por meio de áudio ou se vídeo, se aplicarão
outros fatores que causaram sua morte. No formulários de questionários impressos ou
caso, muito tempo depois, foi possível afir- por e-mail, se vão tirar fotografias digitais
mar que o uso de certo medicamento anal- ou filmagens etc. Quanto mais projetarem-
gésico causou um edema cerebral no ator se a metodologia da pesquisa, melhor é pa-
de Hong Kong. ra entender os atos que precisarão ser
O processo de pesquisa científica é reali- cumpridos, e assim o planejamento poderá
zado com planejamento, e instrumentos e ser facilitado pela visualização do passo-a-
técnicas apropriadas a cada situação, para passo que pretende-se fazer.
favorecer o atingimento do objetivo sele-
cionado. Por exemplo, na técnica de pes- 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
quisa do experimento, um cientista expõe
um grupo de pessoas a certas situações Espera-se que as informações apresen-
previamente planejadas, objetivando ob- tadas neste ensaio tenham ressonância na
servar algum tipo de comportamento que compreensão do processo de produção ci-
se quer analisar. Na técnica de aplicação de entífica do conhecimento. O discurso ora
questionário, o pesquisador pode focar de- apresentado pauta-se muito no debate de
terminadas variáveis que quer analisar, e é como fazer ciência, suas metodologias,
útil quando não se tem os dados sobre de- sendo que os resultados são as informações
terminadas características da população, que recebemos diariamente pelos meios
opiniões e comportamentos. científicos e também nos produtos do
Algumas vezes, acontece de nem o expe- mesmo, sejam obras literárias ou produtos
rimento nem o questionário serem as técni- decorrentes da aplicação prática da ciência.
cas mais apropriadas para a coleta de da- Geralmente, é no ambiente universitário
dos, e pode-se recorrer à entrevista, sendo que ocorre o primeiro contato direto com a
que esta é mais útil quando se quer conse- prática de pesquisa científica. Entretanto,
guir opiniões, fatos ou testemunhos sobre mesmo no Ensino Médio ou no Ensino Fun-
determinada questão. A estratégia da en- damental pode haver atos de produção do
Estação Científica (UNIFAP) https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao
ISSN 2179-1902 Macapá, v. 6, n. 3, p. 127-136, set./dez. 2016
136 Amoras e Amoras

conhecimento, com o suporte metodológi- Exatas: resultados dos projetos de iniciação


co, principalmente quando há acadêmicos científica da Universidade Federal do Ama-
realizando as disciplinas de docência, e que pá (2012-2016). Macapá: UNIFAP, 2017. p.
porventura intentem aproveitar a oportuni- 83-96.
dade para a realização esclarecida de expe- GOMES, D. da S.; ALVES, M. J. dos S. Tradu-
rimentos, sejam por meio de mostra de ar- ção, négritude e recepção nos poemas de
tefatos ou pela coleta de dados. Por isso Léopold Sédar Senghor: abordagem crítico-
que o formato de curso de licenciatura ou literária no modernismo. In: BRITO, A. U.;
de bacharelado apresentam suas segmen- DALMÁCIO, C. E. da C.; SIMÕES, H. C. G. Q.
tações que lhes amoldam suas estruturas Educação e Linguística: resultados dos pro-
curriculares, e o licenciado passa pela expe- jetos de iniciação científica da Universidade
riência de ministrar aula em escolas, con- Federal do Amapá (2012-2016). Macapá:
quanto ao bacharel há a introdução do UNIFAP, 2017. p. 151-164.
mesmo nos laboratórios e estágios profis- SANTI, A. de; VITA, V.; GARATTONI, B. A cu-
sionais em empresas. ra da AIDS. Super Interessante, São Paulo,
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outubro de 1988, atualizada até a emenda
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constitucional de revisão n.º 06 de 07 de access article distributed under the terms of the Creative
junho de 1994 e até a emenda constitucio- Commons Attribution License, which permits unrestricted
nal n.º 90 de 15 de setembro de 2015. Dis- use, distribution, and reproduction in any medium, pro-
vided the original work is properly cited.
ponível em: <http://www.planalto.gov.br/c
civil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.h
Artigo recebido em 13 de dezembro de 2016.
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CIO, C. E. da C.; SIMÕES, H. C. G. Q. Ciências 6, n. 3, p. 127-136, set./dez. 2016.
Estação Científica (UNIFAP) https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao
ISSN 2179-1902 Macapá, v. 6, n. 3, p. 127-136, set./dez. 2016

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