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onic 209 Fat a eee pela 0 19.0 ‘sci le, Saas le a shai Bt en vende lcuepe 2 renee Que Parao Alfredo “luce itll, pena damore 1 A SunsTANcia SocraL Da MeMOta Histbria ¢ Cronica [A historia que estudamos na escola nfo abords 0 passa recent ¢ pe parecer aos olhos do aluno uma suoesso nl near de Tas de classes ou de tomadas de poder por diferentes Forgas. Ela alasta, como se fossem de menor importincia, os aspectos do quotidian, of mierocarnportamentos, que So fun ‘damentzis para a Psicologia Socal, Estes aapectos sia sbrangidos pelo que chamavam na Kade [Média de “erdinien” (nfo esquecer ruiz chronos = tempo), anedies, teva de pequenos sucesss, de episiios breves da fami, de cenas de rua vividas por andnimos ‘As Comunasmedievaistiveram sens cronistas que narravamt episédios agradaveis,ptorescos, enfim, aquilo que podemos cchamar de erGnica urbana, Levando em conta somente 0s cr nists italianos,ctemos, em Milo, Landolfo Senior ¢ Junior, autor de Historiae Mediolanenses, om latim vulgar (séeulo Xi); em Genova, of Anais de Ciro di Rustico (culo XI} fm Parma, © Chronicon (sSculo XI), em latim vulgar, onde Pereebemos 0 humor maldizente da Irmo Salimbene da Par- ‘ma, ob rca em pequenos episdios, em conversas de rua, de ‘uma janela para out, ‘A cidade de Florenca conserva o registro de dois cronistas do séevlo XIV: Dino Compagni, que, nt Cronica dele cose ‘occorrens ne” temp suo ata da vida familia e polities da ci- ‘dade, onde Dante se inspiron para descrever seus contempori- ‘eos e prometer a ida de alguns a inferno; e Giovanat Vila, ‘autor da Nuova Cronica que curiosamente come histria de Florenga pela desrigio da Torre de Babel. Eis alguns cronistas| do pavo ou da pequena burguesianascente. Na verdad, eles reistraram a membria oral. Provando a oralidade das fontes, 08 dicionéiosialianos basearam nos cronstasflorentinos as Palavras em uso na Mace Média, ‘Quando, para vencer as “comporagies dos ofcios” assign rie se instal, a burguesia concentea seu poder nos centos "urbanos: os Dora etn Génova, o¢ Vendramin em Venez, os Co- onna em Roma os Medici em Florenga, os Visconti eas Sforza 1m Milo, os Grimaldi em Ménaco... A histrindestascidades ‘€ toma uma histria poi compacta e vai registrar 0 poder das prandes familias, dos reinos, da guerra entee os estados. A.crénica sera relegada como um género literrio mer, gue Irabatha com o aspecto descontinuo dos eventos. Uma “vonti- ‘nuidade” costurada pelo presente surge, unit ¢teleolégica, como se todos os eventos tivessem um fim: a glia de Luts XIV, de Napoledo, das monarquias nacionais et, ‘Quando nos anos 1970, as grandes teorias dahistéra, coma 8 teoria evolucionista, a teoria hegeliano-marxistaentram em crise, entra em crise também o sentido ds Histria Politica, O ‘ocean de pequenas estérias tomard seu lugar, como a est ria do descontinuo, do pontual, do que parece fragmentério, 0 ponta de exquecer otecido histrico que sustenta os Fos, ‘come ¢ 0 casqul psicologia dos mierocomportamentos. Por que 4 cxtnieae a tradigdo oral extio de novo valor zadas? ‘A meméria orl é um instrument precioso se desejamos consttuira erdniea do quotdiano, Mas ela sempre come 0 rio de eae numa “ideotogizagdo” da histria do quotidiano, como se cata fsse 0 avesso ocalto da histria politica hegem@nica (Os vethos, as mulheres, of negros, os trabalhedores ma rss, cama da populagio excluidas da histriaensinaa na ficold tomam a palavra. A histéria, que se apoia unicamente «emt documentos ois, io pode dar conta das paixses indivi dss que se escondem ats dos episédios. A iterturaconhe: cia jf esta pation pelo menos desde o Romantismo: Victor Hugo faz surge Notre Dame de Paris mm quado popular me- ioral que histérin oficial haviadesprozado, ‘A momnéria dos velhos pode ser trabalhada como um media dor entre a nossa geragho as testemunkas do pastado. Ela 6 © inermodisrio informal da cultura, visto gue existe media- los pelasinstituigbes (a eseola, ores formalizados constita a igrea, 0 partido politico ete.) e que existe a trasmnissto de valores, de contetdos, de attudes,enfim, os consituintes da cultura ‘A meméria oral, Jonge da unilateralidade para a qual ten ‘erm certs instituigoes, faz intervi pontos de vista contradi- ‘érios, pelo menos distintos entre cles, e ai se encontra a sua maior rgueza. Ela nfo pode atingir uma tori da histéra nem protender tal ato: ela iustta 0 que chamamos hoje a Histéria ‘das Menilidades, « Historia das Sensibilidades, A memria wera cone, no espgo, geso, imagem ¢ ob ‘6. hist eis apenas contin tempera voles elas ene as cosas A pesquisa me petmitiu coher alguns resultados sobre a ‘meméri familar,» memsra politica, a meméria do trabalho, ‘fim, sobre a substancia social da meméria; expoaho agora ‘lgomas reflexdes com libenlade na eleigo dos temas que me ‘to caros,liberdte que gostaria de compartlhar com leit. Histéria Oral, Historias de Vide © movimento de recuperagio da meméria nas cinco hu ‘manas seré moda academies ox tem origem mais profunds como a necessidade de enraizamento? Do vinculo com a pas- sudo se extra aforg para frmago de dented. Simone Weil julga esse vinculo um Direito Homano seme~ hate otros direitos igados a sobrevivencia. Fontes de outras ocasrepropdem quesces sobre o presente. Simone Weil, para enfrentar os tempos sombrios do nazis, lit e relia Herédoto, ‘Tucidides, Platareo, César, Tito Livio, Tico... Ba Mada, Es. ‘ilo, S6foces, que atngiram motivagtes tio profundas que "esistivam até nosss dias; mergullou no Lévre dos Mortos dos ‘elfcios, na Biblia, no Bhagavad Gi, procurando ouvir nos rignas sinsritos © babitonicos@ mesmo antigo grit: ‘Quando s= tata da histéria recente, feliz peaquisador que 5 pode amparar em testemunhos vivose reconstituircomupor nk, ac Tes Pe ne steer repeat Ri tamentos sensbilidades de uma época! O que se dé se 0 pes quisador for stent is tenses implicitas, 40s subentendids, 30 {que foi x6 sugerido e encaberto pelo medo ‘Um exemplo que pave parecer pouco dramitico & 0 relate ‘de uma reunito “ficial” de que o depoente participou, Se for registro em documento sera esquematizadio, empobrecido © sobretudo feito para agradaro poder em exerciio ou a fuego prestigiada no momento, As aas de reunies oficiais suprimuem 28 disionineias coma impetinéncias,e os conltes so apa ‘zados como digressGes initeis. Onde a razio que vacilou, ga- eu e no soube se expressar? Tas registos no eefletem a ‘mierossociologia do poder as edes de influéncia endo captam 4 “atmosfera” do grupo: 0 campo mutuamente compartilhado dos gestaltstas cujos contomas slo definidos pelos olhates © cxpressbes faci ‘Mas nfo vl alguém pensar que as testemunas ors seam sempre mais “auténticas” que a versio oficial, Muitas vezes ‘io dominadas por um processo de estereotipi © se dobram & emda institucional ‘Ou, numa mesa redonda, Michae} Hall contar que quando ‘entrevista um lier sindical que haviaencabesado um movi mento operrio, este, para desespero do historiador, 0 aalhou ~ “0 senhor vate outro dia estou despreparad, Queso le 0 que se escreve sobre 0 movimento para me informar e responder diveito as suas pergunts" ude perceber essa forga da meméria coletiva, trabalhada pela ideologia, sobre a meméria individual do recordador, 0 que ‘core mesmo quando este paticipou etestemunkou 0s fatos « pavleriaportanto nos dar uma descriglo diferencia ¢ viva. Parece que hé sempre uma NARRATIVA COLETIVA prvile- iad no interior de um mito.ou de una ideologia. Bessa nara- tivaexplicadorae legisimadarn serve ao poder que a transite cdifend, ‘A Universidade também tem o poder de contre interpretar ‘os eventos que se passam no mundo operério 08 nos meio populares, em geral Ha portanto uma meméria coletiva produzida no interior ‘de uma classe, mas eom poder de dfs, que se alimienta de imagens, sentimento, dei e valores que do identidade Aguela classe ‘A meméria oral também tem seus desvios, sus precon- eto, su inautentiidade. Exemplos no falta: como a dos franceses que colaboraram com 0 nazistas durante a guerra dos alemées durante ascensio de Hitler. Quem aclamava 0 ater nos estios? Que mulkdo erguia milhares de beagos? Seriam honecos ou méscaras de Enso? E alguns judeus ao relembrar 0 Holocausto esquecem os inte mithoes de soviticns saerifeados pelo nazismo. Enicevisteijaponeses que se dizem paciisas mas que se ‘eewsam a pensar em Hiroshima e Nagasaki CCabe-nos intepretar tanto a lembranga quanto 0 esqueci- squecimento, omissies, os techos desfiados de narativa so exemplo sgniieaivos de como se de a incidéneia do ato histéico no quotdiano das pessons. Dos tragos que deixow a ensiblidade poplar daguela épocs, ‘Sempre me intrigou a vivacidade a siqueza de detalhes com. «gue os velhos paulistanos embram a Revolugio de 1924, a do Isidoro. Nao nos surpreenderemos mais contudo, a0 verifier. ‘mos quantas cass e quintis foram metralhados nos bairos de Sto Paulo. Houve um &xodo de furiias que se refugiram no imterior com parentes que os acolheram enquanto durou a revol- ‘a. F apesar de tudo houve simpatia da populago pelos tenentes revotosos. Seis anos depois, as professoras do Bris, da. Mooca, «da Lapa, comozaram a alfaetizar muitos Isideros que haviam ‘nscido em 1924 ( presente, enfregue as sas inceteras e volad apenas para faruro imediatn, seria uma pristo. Seo tecicismo einantequer-nos convencer que anos 6 sentiment ini, la, no entant fa parte da manidade do homen ¢teria dvsitos de cidadania entee as, na opinito de Alin Finkietiraut ‘A téenica cia redes de globalizagio mas 0 mundé feito de teritris, nagées, paisagens. 0 feticisma da tenica no con. segue explicar por que nada substitu a reflexti slitria. A in feragdo wio exgotao alcance da comunicagdo, Casa contrévio, 16s nos comonicarfamos apenas com contemporineos 0 que seria uma grave perda, F If formas de comunicacso insubs ttuiveis como a conversa esprituosa entre amigos em volta da mess, cso charme a técnica nfo conseguiria reproduzie’ Grande méfito dos depoimentos éa revelagio do desnivel, assustador de experigncia vvida nos seres que compartitharam mesma época; ado miltante penetrado de consciénciahist6- rica € dos que apenas buscartm sobreviver.Podemos colher ‘enorme quantidade de informagdes factusis mas o que importa 6 delas Fazer emerge uma visio do md ‘Como arancardo funda do oceano das idades um “fat. puro”™ ‘memorizado? Quando puxarmos a rede veremos o quanto la ‘vom carrgad de rpresentagies ideo\gicas. Mais que o docu: ‘mento urilinear, a naraiva mostra a complexidade do aconoc ‘mento. Fa via prvilegiada para chegar até ponto de ariulagdo «da Historia coma vida quotdiana. Colne ponts de vista diver $0, 8 vezes opostos, € uma recomposigo constante de dads. [Ni esquegamos que a meméria parte da presente, de un presente dvido pelo passado, ena pereepeo “é a apropriagio veemente do que nés sabemos que no nos pertence mis ‘A fonte orl sugere mais que aie, eaminba em curvas © desvios obrigando a uma interpreta Sutil rigorosa “Marguerite Yourcenarconfessou que s6 consepuiarecompor o passado com um pé na erudigdo e outro na magia. Mas sem enveredar por esse caminbo, poderemos empregar um expres- So como “sensbilidage diacrOniea, 0 que deve tro cientista ve, além de observaro jogo sincrbnico das oposigées, procura nos fendmenos «sucesso eo devi, Segundo Benjamin, os adivinhos achavam que dentro do tempo exists algo a ser extraido; o tempo € io homogéneo € vazio, mas replto de indices. Os profetas apelavam para as ligdes da meméria porque “o passadoarrasta consigo um indice Secreto que o remete&salvagio" (© mago que transmuta © passado em futuro deve ter mio rida para capturar 0 Tempo no timo da sua cognosiili ‘de porque ele fulgura um instante e se desvanece. Se o olhar ‘demorae fix, retém o esterestipo, no uma coisa viva como a imager que sobe do passado com todo 0 seu frescor. Chamada

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