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[Aula 1]

Èÿù, ẹnu ti o jẹ ohun gbogbo - Ôkànrán Méjì

[Exu, a boca que tudo come]

Conta-se que, quando Èÿù nasceu, teve uma fome sem fim. Seus pais, Orunmilá
e Iemanjá, lhe davam de um tudo para aplacar a sua fome, mas sem sucesso.
Primeiro ele sugou todo o leite dos peitos de sua mãe Iemanjá e continuou
berrando de fome:

—Mo fç jç! (Eu quero comer!)

Orunmilá trouxe o que havia de mantimento na despensa e ofereceu ao filho


que, escancarando uma bocarra de jacaré, engoliu tudo sem nem mastigar e
continuou:

—Mo fç jç! (Eu quero comer!)

Veio gente de todo canto trazendo grãos, frutas, verduras. Ofertaram aves,
peixes, quadrúpedes, bois inteiros, e até um búfalo velho da carne bem dura
trouxeram, para ver se conseguiam aplacar a fome sobrenatural do recém
nascido.

Mas nada saciava a fome de Èÿù, o inssasciável!

Já sem alimentos, o povo viu assombrado Èÿù avançar sobre os telhados, as


paredes das casas, as árvores, os matos e próprio chão. A tudo tragava com uma

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avidez que só parecia aumentar, na medida em que engolia o que encontrava


pela frente.

Não demorou para se voltar contra as pessoas, e comeu delas um bocado, antes
que sua própria mãe, Iemanjá, se interpusesse a sua frente. Sem nem titubear,
Èÿù engoliu sua mãezinha, de uma só lapada, e continuou, sempre em frente,
comendo tudo que surgia. Era uma fome interminável.

Orunmilá, Òrìÿà do destino, consultou o jogo de Ifá e descobriu um jeito de


dar fim aquela avidez existencial, com pouco Èÿù era bem capaz de devorar o
Aiyè inteiro e avançar ainda sobre os seres do Ôrun.

Com uma espada afiada, o Òrìÿà do destino investiu contra seu filho faminto e
o partiu ao meio. Mas de cada banda nasceram mais dois outros Èÿù,
iguaizinhos ao primeiro. Confuso, Orumilá atacou mais uma vez, e outra e ainda
mais outra. A cada talho, as partes remanescentes se levantavam serelepes,
multiplicadas em mais e mais Èÿù.

E foi um dia inteiro de torar Èÿù para renascer mais outros, gerados do pedaço
anterior. E já era uma multidão de Èÿù quando Orunmilá, esgotado,
compreendeu que não havia meio de vencer quem já tinha provado o gosto de
tudo que existe. Como deter aquele que faz os mundos girarem?
Era necessário um acordo. Não haveria reparação sem oferta. Fizeram então
um trato. Orunmilá cessaria com os ataques e Èÿù se comprometeria de
devolver tudo que engolira, principalmente sua mãe tão necessária ao equilíbrio
das cabeças humanas. Èÿù deu uma grande gargalhada e aceitou o acordo. Já
eram 200 Èÿù que nasceram da luta entre seu pai e ele.

Daquele dia em diante, todos os Èÿù, produzidos a golpe de espada, se


espalhariam pelo mundo, com a obrigação de zelar cada qual por um ser vivo e
acompanhar o Òrìÿà que lhe é protetor.

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Todos os seres vivos possuiriam uma porção de Èÿù dentro de si – Èÿù Yangi
e Orunmila seu pai pediu igualmente que fosse alimento, vida, movimento e
seus olhos no mundo da corporeidade.

E todos deveriam atender as ordens de Orunmilá e de seu jogo de Ifá, aquele


que conhece todas as curvas e volteios do destino e em tudo sabe dar jeito.

E desde então, é assim que é. Èÿù é o único Òrìÿà que não recusa comida de
tipo nenhum. Como tudo devorou, tudo compreende e aceita, tudo que existe
está incorporado a sua própria natureza profunda.

Como disse lá o outro, Èÿù não estranha nada que é humano.

Fonte: esta versão, recontada por mim, tem como base a versão apresentada no
livro de Juana Elbein1 associada à tradição oral do povo de terreiro por meio de
conversas com alguns Babalorixás, Iyalorixás e seus filhos e filhas.

1
DOS SANTOS, Juana Elbein. Os Nàgô e a morte: Pàde, Asèsè e o Culto Ègùn na Bahia.
Fetrópolis, Vozes, 1976.

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