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Sebenta Direito Processual Civil II

Direito Processual Civil (Universidade do Porto)

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Direit
o
Proce
ssual
Civil
II

Docente: Tiago Ramalho

2016/2017

FDUP

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3º Ano de Direito – 2016/2017

13/02/17
Programa e Bibliografia:
1. Pressupostos processuais: Apontamentos do Dr. Tavares de Sousa;
2. Tramitação processual: Ação declarativa comum do Professor Lebre de Freitas; Antigo
manual do Dr. Antunes Varela.

15/02/17
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
 Legitimidade Plural:
A legitimidade é um pressuposto processual. Traduz-se numa condição que se deve verificar
para que o tribunal conheça do mérito da ação. É um pressuposto que à semelhança dos restantes
pressupostos processuais se move no plano da admissibilidade da ação, e não do mérito da ação. Por
conseguinte, a falta de um pressuposto processual tem por consequência não a absolvição do
pedido, mas a absolvição da instância. A instância é a relação jurídica processual entre as partes (o
autor e o réu).
A legitimidade singular diz respeito a ações em que em cada lado da relação processual estava
apenas uma parte, de um lado o autor e do outro lado o réu. Deviam ser chamados para a concreta
ação aqueles que, nos termos da relação material controvertida, tal como delineada pelo autor na
petição inicial, figurassem como autor e réu. Devia haver uma certa correspondência entre as partes
na relação hipotética alegada pelo autor na petição inicial e nas partes concretamente chamadas à
ação.
A legitimidade singular trata-se de uma forma simples de uma ação judicial, de uma relação
processual. Mas a relação processual pode ser mais complexa. Da mesma forma que o autor é livre
de propor ou não a ação, ou seja, tem o direito de ação e é livre de o exercer, da mesma forma que
cabe ao autor fixar o pedido, alegar os factos/fundamentos à causa, da mesma forma que pode
formar o objeto do processo, o autor pode também, em certos termos, conformar as partes subjetivas
do processo. Como é que o faz?
Primeiro, consoante o modo como delimita a relação material controvertida e, depois,
consoante aqueles que pretende chamar à causa.
Também o réu pode contribuir para esta delimitação. Em certos casos, o autor propõe a ação
apenas contra o réu e é o réu que toma a iniciativa de chamar outros réus à instância. Esta
possibilidade de delimitar subjetivamente a instância está de tal maneira reservada para as partes,
que o juiz não pode oficiosamente chamar novas partes.
A expressão “iussu iudicis” significa chamar alguém ao processo por ordem do juiz.

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Isto não existe. Por ordem do juiz não se pode chamar alguém à instância. O juiz pode, em
alternativa, convidar as partes a regularizarem a instância no que toca aos seus elementos
subjetivos. No entanto, ele próprio não pode corrigir uma ilegitimidade.
Art. 6º/2 CPC: É o caso eventualmente da preterição das regras de legitimidade. O juiz não
tem poder oficioso de corrigir esta falha, devendo convidar as partes a fazê-lo. Via de regra,
chamando um ou vários sujeitos, é uma opção das partes.

 Vejamos Estes Exemplos:


Obrigação Solidária: O que caracteriza as obrigações solidárias, no caso da solidariedade
passiva, é o credor poder exigir a totalidade da obrigação a qualquer um dos codevedores solidários.
Inversamente, o cumprimento por parte de qualquer um dos codevedores solidários extingue a
obrigação de todos para com o credor nas relações externas. Este devedor que cumpre a obrigação,
em contrapartida, poderá exigir em regresso a qualquer um dos codevedores a parte que lhes
competia, dependendo da quota individual dos codevedores.
Havendo este direito subjetivo conferido pelo Direito objetivo material, o autor vai poder
optar por demandar apenas um dos codevedores, alguns dos codevedores, ou a totalidade dos
concretos codevedores solidários. A instância, no que toca aos seus elementos subjetivos, terá os
sujeitos indicados pelo autor.
Esta delimitação dos elementos subjetivos da instância pode ser por iniciativa do réu.
Imagine-se que o autor demanda apenas um dos réus, exigindo a totalidade da prestação. Esse réu
pode pedir a intervenção na instância dos demais corréus para que o caso julgado que se venha a
produzir e a todos vincule.
Na delimitação das partes subjetivas da instância estamos também a delimitar o âmbito
subjetivo do caso julgado, que é o ponto, o relevo da regra da legitimidade. Se alguém pretende
vincular ou colocar sobre os efeitos do caso julgado alguém, deve pedir a sua intervenção na
instância. Neste exemplo, o réu ao provocar a intervenção dos demais corréus, garante que ficam
vinculados pela primeira ação, e evita numa ação de regresso chegar a um caso julgado
contraditório e não conseguir reaver aquilo que pretende.
Exemplo: Temos um autor (a1) e vários réus (r1, r2 e r3), numa obrigação solidária. O r1 não
pede intervenção do r2 e r3. Se o r1 for condenado e procurar reaver em ação de regresso contra o
r2 e r3 aquilo que pagou ao autor, há o risco de caso julgado contraditório. Não vai conseguir
reaver. Os limites do caso julgado são dados pelos limites da instância. O primeiro caso julgado
apenas vai cobrir o autor e o r1 e, para alargar estes efeitos, tem que chamar o r2 e r3. Contudo, se o
caso julgado for favorável a um dos réus, os restantes podem aproveitar.

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 Dois Limites Subjetivos da Instância:


Nalguns casos, é a própria lei que exige a presença de uma pluralidade de partes no processo:
casos de litisconsórcio necessário ou coligação necessária. É a própria lei que perante uma certa
alegação e relação material vai exigir a presença de uma pluralidade de sujeitos. O propósito geral é
garantir uma uniformidade de julgados, nos casos em que se entenda que esse valor merece
proteção.
Exemplo: Uma ação de divisão de coisa comum (litisconsórcio necessário). Um determinado
bem pertence integralmente a vários sujeitos (A, B e C), em regime de compropriedade. Nesta ação
a coisa se puder ser fracionada, vai mesmo ser fracionada em várias partes. Imaginando que um
prédio rústico que pertencia aos três em compropriedade passa a estar dividido. Esta ação é uma
ação em que se exige a presença de todos os comproprietários, porque para no fundo partilhar
aquele bem comum, a única forma de garantir uma decisão útil, é delimitar em simultâneo as
parcelas de cada um. Ter uma parte é sempre ter alguma coisa por relação a todos os outros. Se C
não está na instância, por exemplo, a ação judicial entre A e B não vincula C. A delimitação da
propriedade entre A e B não é oponível a C, que também era proprietário. Só mediante a presença
de todos é que se vai repartir o bem, senão a primeira decisão tornar-se-ia inútil.
O princípio geral é a liberdade na conformação subjetiva da instância. Nalguns casos, essa
liberdade é restringida para garantir o efeito útil da decisão e impõe-se uma situação de
litisconsórcio necessário ou coligação necessária.

 Dois Grupos de Limitações:


Colocam-se alguns limites quanto às partes que podem ser chamadas à instância. Exige-se que
haja uma certa conexão entre as diferentes partes e entre as diferentes relações jurídicas que são
apreciadas na ação.
Exemplo: Alguém que pretende cobrar todos os seus créditos, não pode propor uma única
ação, deverá propor ações diferenciadas. Logo, exige-se uma certa conexão entre as diferentes
matérias apreciadas na concreta ação. A razão fundamental desta limitação é a ideia de
praticabilidade.
As situações de pluralidade de partes criam grande complexidade processual e, como é
evidente, geram mais delongas e ineficiências processuais. Por conseguinte, há limites quanto à
criação de situações de pluralidade subjetiva. Estão restringidas pela ideia de liberdade e de
praticabilidade.
As diferentes situações de pluralidade de partes podem ser classificadas de diferente

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forma:
1. Quanto ao polo da relação processual a que a situação de pluralidade respeita;
2. Quanto ao seu fundamento;
3. Quanto ao momento em que se constitui a situação de pluralidade;
4. Quanto à sua natureza.

1. Quanto ao Polo da Relação Processual a que a Situação de Pluralidade Respeita: A


situação de pluralidade de partes pode respeitar à qualidade de autor (ativa), à qualidade de réu
(passiva), ou a ambas as qualidades (mista).
a. Ativa: Encontra-se quando há uma pluralidade de partes a ocupar a posição de autor.
Exemplos: A e B, credores em regime de conjunção, demandam C, que é seu devedor conjunto.
Ou D e E, cônjuges, propõem uma ação de revindicação da sua casa de morada de família. As
ações devem ser propostas por ambos os cônjuges;
b. Passiva: Encontramos esta forma de pluralidade quando há várias partes do lado
passivo da relação processual, isto é, a ocuparem a posição de réus. Exemplos: A, credor,
demanda B e C, seus devedores, em regime de conjunção. Ou B demanda E, promissário, e F,
promitente, em simultâneo;
c. Mista: Haverá quando haja pluralidade de partes, quer do lado ativo, quer do lado
passivo da instância. Exemplo: Dois comproprietários demandam dois comproprietários do
prédio vizinho para constituírem um direito de servidão de passagem.

2. Quanto ao seu Fundamento: A situação de pluralidade de partes pode ter fonte voluntária
ou pode ser necessária.
a. Pluralidade de Partes de Fonte Voluntária: Constitui-se justamente quando o autor
opta por demandar vários réus, ou então quando seja o réu que toma a iniciativa de pedir a
presença de outras partes na instância. À partida busca o réu, mas também pode pedir outros
autores. Exemplo: Um bem em compropriedade detido por três autores (a1, a2 e a3) e um réu
(r1). A ação de reivindicação pode ser pedida por qualquer dos comproprietários. Corresponde a
um caso de legitimidade extraordinária. O réu pode chamar à instância os outros autores, para
precaver que um dos comproprietários, sendo improcedente a ação, venha reivindicar o bem. A
iniciativa do réu pode destinar-se não só a chamar outros réus, como também outros autores à
instância. O propósito é estender os efeitos do caso julgado. Esta opção do autor é, via de regra,
exercida na petição inicial (art. 552º/1 a) CPC). Nesta indicação o autor pode definir, desde logo,
uma situação de pluralidade de partes. Se o momento próprio para a criação desta situação é a

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indicação na petição inicial, também pode ser gerada em momento superveniente por via da
dedução do incidente de intervenção principal provocado (art. 316º/2 CPC). Com este
fundamento, a intervenção principal provocada pode ser pedida até ao termo da fase dos
articulados (art. 318º/1 b) CPC). A pluralidade de partes pode ser também por iniciativa do réu,
que exerce tal opção pelo chamamento de novas partes na contestação ou em requerimento
apresentado no prazo para a contestação (arts. 316º/3 e 318º/1 c) CPC). Mas se encontramos
estes casos de pluralidade de partes de fonte voluntária, outros há em que é necessária;
b. Pluralidade de Partes Necessária: Estamos perante uma situação de pluralidade de
partes com fundamento na necessidade ou imposição da lei quando a lei, mediante declaração
expressa, exija a presença de uma pluralidade de partes. Não significa ser automática, pois quem
tem iniciativa para chamar novas partes à instância é apenas o autor e o réu, não o juiz. O juiz
pode apenas convidar o autor ou o réu a corrigirem, a sanarem, a falta de um pressuposto
processual da legitimidade. Portanto, quando é desrespeitada a situação de pluralidade de partes
necessária, a consequência é o surgimento de uma exceção dilatória, o convite pelo juiz à
regularização da instância e, na eventualidade da instância não ser regularizada, a absolvição da
instância. Se for regularizada, a consequência, estando aqui em jogo um pressuposto processual,
é tão só o funcionamento normal da ação. O juiz avança para o conhecimento do mérito.

3. Quanto ao momento em que se constitui a situação de pluralidade de partes: A


situação de pluralidade de partes pode ser originária ou superveniente.
a. Originária: Constitui-se logo no início da ação, à partida em resultado do articulado do
autor (petição inicial);
b. Superveniente: Quando se gera em momento posterior. Regra puramente tendencial
porque há exceções. O último momento em que se gera a situação de pluralidade de partes é o
fim da fase dos articulados, a última fase para a dedução de incidente de intervenção principal
provocado.

4. Quanto à sua Natureza: Duas modalidades fundamentais de pluralidade de partes: 1)


Litisconsórcio (arts. 32º a 35º CPC) e 2) Coligação (arts. 36º a 38º CPC). A diferença fundamental é
que no litisconsórcio serve de base à ação apenas uma relação material controvertida, enquanto na
coligação encontramos várias relações materiais controvertidas, com uma certa relação entre elas. A
distinção não é comum a todos os direitos, sendo particular no Direito português.
a. Litisconsórcio: Única relação material controvertida com pluralidade de partes. Quando
o art. 32º CPC diz “Se a relação material controvertida” pressupõe-se uma única. O exemplo da

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solidariedade como obrigação plural dá lugar a um caso de litisconsórcio, justamente por se


subentender que se trata de um caso material de uma única relação jurídica, a relação solidária,
com pluralidade de partes. A qualificação processual do litisconsórcio é apenas uma tradução
processual de uma categoria material. Pressupõe-se um juízo sobre o próprio Direito material,
sobre a própria figura que está a ser apreciada. O que significa a palavra litisconsórcio? “Litis”:
Ação judicial, litígio/disputa (“lis/letis”). “Consórcio”: “Consortium” provém ele próprio de um
adjetivo denominado “consors”, que significa com a mesma sorte, com as mesmas consequências
(“cum sors/sortus”). Aqueles que estão sujeitos à mesma sorte num certo litígio;
b. Coligação: Várias relações jurídicas que são externamente ligadas ao abrigo de um
conjunto de critérios que são fixados na lei: 1) Identidade da causa do pedido; 2) Relações
jurídicas diferentes, mas com certa conexão entre si (art. 36º CPC). Pode ser voluntária ou
necessária, tal como o litisconsórcio. A estas hipóteses de pluralidade de partes, podemos
acrescentar duas hipóteses, com menos relevância, mas que gozam de certa autonomia: 3)
Oposição (art. 338º e segs. CPC) e 4) Intervenção Acessória;
c. Oposição: Incidente próprio. Temos uma ação entre o autor e o réu, via de regra, numa
situação de pluralidade de partes, em que intervém alguém que tem uma posição alinhada com o
autor e o réu. Exemplo: Intervém uma terceira pessoa que tem uma posição conflituante, mas
ocupa uma posição autónoma, quer com o autor, quer com o réu. Se o autor demanda o réu numa
ação de condenação e o réu quer cumprir a dívida, mas duvida que o credor seja o autor, pode
chamar o sujeito que julga eventualmente ser o real autor como opoente do primeiro autor. A
oposição do opoente é irredutível, quer à posição de autor, quer à de réu. Nas hipóteses de
oposição temos rigorosamente três polos processuais/tipos de posições jurídicas. São os casos
mais atípicos;
d. Intervenção Acessória: Autor (Sociedade comercial) e réu. Um dos sócios da
sociedade comercial (sócio minoritário) pretende intervir na ação, participar de alguma maneira.
Mas ele não pode ser parte principal porque o crédito pertence à sociedade comercial. Logo, vai
ocupar uma posição de assistente. Neste caso, há uma situação de pluralidade de partes, mas não
é de partes principais. Há uma parte principal e acessória, que têm posições diferentes. Não se
reconduz às regras de litisconsórcio e de coligação.
Em suma, temos duas modalidades fundamentais de pluralidade de partes (litisconsórcio e
coligação) e duas modalidades particulares, e não tão relevantes (oposição e intervenção acessória).

1) LITISCONSÓRCIO
 Litisconsórcio Necessário:

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É um pressuposto processual, enquanto o voluntário não é. Traduz-se numa técnica processual


destinada a que a decisão que venha a ser proferida vincule uniformemente um determinado
conjunto de sujeitos, procurando evitar-se casos julgados contraditórios. O âmbito subjetivo dos
efeitos do caso julgado está consagrado nos arts. 619º/1 e 581º/1 CPC. Os limites do caso julgado
são também os limites do sujeito da ação. Se impõe a chamada à ação de um determinado conjunto
de sujeitos garante-se que o caso julgado é o mesmo para todos, tem o mesmo valor para todos.
Evita-se a repetição da ação. Não é esta, porém, a única forma a que se recorre para garantir a
uniformidade dos efeitos das decisões. Uma outra forma pensável, em abstrato, seria estender os
efeitos da ação às partes que nela não participa. Quando se trata de um efeito desfavorável e
evidente, não se deve admitir esta possibilidade. O caso julgado produz efeitos entre as partes. Em
certos casos, admite-se a extensão dos efeitos quando ele aproveite outros sujeitos. Aproveitamento
dos efeitos favoráveis, e não prejudiciais.
Exemplos: Art. 522º CC: “O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível
aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes”. Os codevedores que não intervieram na
ação não são vinculados mas podem opor ao credor o caso julgado.
Art. 635º CC: Na fiança, a obrigação entre o credor e o devedor chama-se obrigação principal. A de
um terceiro sujeito (fiador) designa-se de obrigação acessória. A relação de acessoriedade traduz-se
em diferentes aspetos: Não pode ser superior, em termos de valor, à obrigação principal. Por
exemplo, se a obrigação principal é nula, a obrigação acessória é nula. Se a obrigação principal é de
500 euros, e a outra de 700 euros, passa a 500 euros. Há, no regime da fiança, uma regra específica
do caso julgado.
Estas hipóteses designam-se de aproveitamento do caso julgado (“secundum eventum litis”,
ou seja, segundo o resultado da lide). Se for favorável, aproveita; se for desfavorável, segue as
regras normais do caso julgado. Mas se nalguns casos o legislador prevê esta possibilidade,
naquelas hipóteses em que pretende uma real pluralidade de julgados, só se pode recorrer ao
litisconsórcio necessário.

 Pode ter Duas Fontes:


1. Fonte Legal: Quando é a própria lei que exige a copresença de uma pluralidade de
sujeitos;
2. Fonte Negocial: Também se exige essa copresença, mas só na sequência de um acordo
das partes, em que se prevê que num eventual litígio, deverão marcar todas presença na ação a
propor (art. 33º/1 CPC).

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1. Litisconsórcio de Fonte Legal: É a hipótese regra. Este pode dividir-se em dois grupos de
hipóteses: Nuns casos há uma disposição legal específica que diz que para esta concreta relação
jurídica deve marcar presença uma pluralidade de sujeitos. Num outro conjunto de casos, o
litisconsórcio legal resulta do preenchimento de uma cláusula relativamente indeterminada, do
efeito útil normal da ação (art. 33º/2 e 3 CPC).
1.1. Litisconsórcio Legal por Disposição Expressa: A referência à disposição da lei
consta logo do art. 33º/1 CPC. A aplicação deste art. pressupõe o conhecimento do direito
substantivo. Será o direito substantivo ou algumas regras processuais que o tenham em vista que
há de fixar esta necessidade de intervenção de várias partes.
Várias Hipóteses:
 Art. 34º CPC: Património ou certos bens integrantes do património dos cônjuges.
 Art. 351º CPC: Sucessão da instância, em que falece uma das partes da ação e se
torna necessário habilitar os seus sucessores. Há litisconsórcio necessário entre todos os
sucessores para substituírem a parte que morreu (litisconsórcio superveniente).
 Art. 841º/1 a) CC: Uma outra hipótese que conjuga o regime substantivo com o
regime processual é a consignação em depósito por incerteza quanto à pessoa do credor. O
modo normal do cumprimento da obrigação é a realização da prestação ao credor. Na
consignação, se o devedor não sabe quem é o credor e cumpre ao primeiro credor, o
primeiro cumprimento não é liberatório. Se vai realizar ao segundo credor e se vem a
provar que é o primeiro, também não é liberatório. Logo, é o único meio de defesa de que
o devedor se deverá servir. Assim, deposita judicialmente, e depois os dois credores
disputam judicialmente quem é o verdadeiro credor, mas a obrigação fica logo extinta. Há
uma ação especial prevista no CPC destinada a operacionalizar a consignação em depósito
(art. 916º e segs. CPC). É um exemplo dos vários processos especiais que se encontram no
CPC
 Art. 922º CPC: Todos os credores são chamados à instância porque esta é a única
forma de resolver definitivamente o problema da titularidade do direito. O devedor
continua sem se conseguir precaver quanto ao efeito liberatório no seu cumprimento
(litisconsórcio necessário). Existem várias razões que podem levar a que não se saiba quem
é o credor. Exemplo: D é devedor de C (credor 1), e depois aparece B (credor 2). C
alegadamente cedeu o crédito a B. B apresenta-se junto de D a dizer que o primeiro credor
lhe cedeu o crédito e, de acordo com o Código Civil, ele não tem que apresentar
documentos justificativos. Há assimetrias de informação.
 Art. 1412º/1º CC: Numa ação de divisão de coisa comum, para dividir a coisa

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comum há também uma ação especial que se encontra no art. 925º CPC. É a própria lei que
aqui reclama a presença dos demais comproprietários (“consortes” na designação antiga de
comproprietários) ao fixar o confronto dos demais consortes (litisconsórcio necessário).
 Art. 419º CC: Direito de preferência. Pertencendo o direito de preferência a
vários titulares, só pode ser exercido em conjunto por todos eles. É um caso de
litisconsórcio necessário ativo.
 Art. 535º/1 CC: Prestação indivisível com pluralidade de devedores. O critério de
indivisibilidade é um critério económico, e não jurídico. Quando socialmente a coisa é
olhada como unidade, é indivisível. É um caso de litisconsórcio necessário passivo.
 Art. 538º/1 CC: Segundo o art. 538º/1 CC, se houver pluralidade de credores,
qualquer um pode exigir a prestação. É um caso muito atípico de litisconsórcio. Sub-
rogação do credor ao seu devedor para exercer os direitos do devedor. Temos um credor,
um devedor e um terceiro. Nos termos da sub-rogação, o credor mediante certos
pressupostos materiais, vai poder exercer o direito que o seu devedor tem contra o terceiro.
Age em lugar do seu devedor (art. 606º CC). Exemplo: O devedor deve 10 mil euros ao
credor e o terceiro deve 30 mil euros ao devedor. O devedor não tem qualquer outro bem.
Se for essencial para a relação dos 10 mil euros que se exija os 30 mil euros ao terceiro,
este pode substituir-se ao devedor a reclamar este crédito. O titular do crédito perante
terceiro é o devedor, não o credor. Contudo, o terceiro vai ser admitido a agir, desde que
seja essencial ao seu crédito.
 Art. 608º CC: Na sub-rogação o credor substitui-se ao seu devedor, contudo, nos
termos do art. 608º CC, o devedor tem de ser citado para a instância. Há uma espécie de
litisconsórcio entre o devedor e o terceiro. Muito embora o credor se substitua, o próprio
credor vai ser chamado à instância. Ocupa uma posição híbrida. Por um lado, o devedor vai
ser interessado em opor-se ao credor quanto ao fundamento que avança para a ação sub-
rogatória, para não se substituir. Por outro, tem o mesmo interesse do terceiro em obstar
que o credor se substitua a ele.
 Art. 77º/4 CSC: Temos um sócio ou grupo de sócios, uma sociedade comercial e
um gerente ou administrador. O sócio ou grupo de sócios substitui-se à sociedade numa
ação de responsabilidade quanto ao gerente ou administrador. Mas a sociedade vai ter que
ser chamada à instância. A entidade subrogada é chamada para a instância e fica abarcada
pelos efeitos do caso julgado. Imaginando que a sociedade é detida por um sócio
dominante com 75% do capital, e tem uma relação próxima com o gerente, isto procura
evitar que haja ações de responsabilidade e protege o sócio minoritário.

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 Art. 2091º CC: Posições jurídicas relativas à herança. No art. 2133º/1 CC fixam-
se diferentes classes de herdeiros e cada classe prefere à classe seguinte. Quaisquer
posições jurídicas relativas à herança devem ser exercidas em conjunto por estes herdeiros.
 Art. 2078º/1 CC: Exceção: Art. 2078º/1 CC: Respeita à reivindicação da herança
de bens integrantes da herança. Esta regra tem o seu paralelo na compropriedade, que é
outra hipótese de titularidade plural de posições jurídicas.
 Art. 1405º/2 CC: Já na compropriedade se fixa que qualquer um dos
comproprietários pode isoladamente reivindicar a coisa (art. 1405º/2 CC). É um caso de
legitimidade extraordinária.
Estas são as hipóteses de litisconsórcio necessário por disposição legal expressa. Em todas
elas há uma regra que no diz que devem intervir na concreta ação vários sujeitos. Mas há outros
casos em que o litisconsórcio necessário legal decorre, não de uma disposição legal para uma certa
posição jurídica, mas do critério previsto no CPC, nos respetivos nº2 e 3 do art. 33º.

1.2. Litisconsórcio Legal por Produção do Efeito Útil Normal da Decisão: É um conceito
relativamente indeterminado. Quando reclame a presença de vários sujeitos, todos eles devem
intervir na ação. O critério é a definitiva resolução do litígio. Tal critério levanta certas dificuldades
operativas. De todo o modo, a sua finalidade é oferecer apenas um princípio geral de orientação que
nalguma medida ajude o intérprete a qualificar as relações.
Exemplo: Um testamento feito por B, com 5 deixas testamentárias para 5 pessoas diferentes
(d1, d2, d3, d4, d5). O herdeiro único (H) pretende ou anular o testamento ou pedir a declaração de
nulidade do testamento, mas pretende propor a ação apenas quanto a um dos beneficiários da deixa
testamentária.
Para a decisão produzir o seu efeito útil normal, será necessário a presença dos outros? Se H
propõe apenas a ação contra d1, resolve definitivamente o problema jurídico? Se propuser contra d1
há o risco de casos julgados contraditórios contra os outros, se se vier a propor uma nova ação
posterior, ou seja, há risco de conflito. Mas perante aquela pessoa é suficiente a presença na ação de
d1. A decisão já produz efeito útil, já resolve definitivamente a questão entre aquelas partes. Se
vierem a ser propostas novas ações não afeta o caso julgado contra d2, d3, d4 e d5, ainda que sejam
contraditórias. Isto leva à razão de ser do requisito da legitimidade como pressuposto processual.
Como pressuposto processual, o propósito do requisito da legitimidade é garantir a utilidade de
ação, na medida em que essa utilidade já está respeitada. Neste caso, porque as relações com d1
estão resolvidas.
Exemplo: O autor (A) alega na petição inicial que a sua relação jurídica é com B. Se ele

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propõe ação contra C, C tem legitimidade passiva porque nos termos da relação material quem
configura como devedor é D. A consequência é a absolvição da instância, e não do pedido, de C. A
razão de ser deste requisito é que esta ação não teria nenhum interesse útil, porque estava a apreciar
uma coisa fundamentalmente diferente da que foi pedida pelo autor. O pressuposto da legitimidade
é que haja uma correspondência entre as partes da ação. Enquanto tiver alguma utilidade, é
suficiente.
Os exemplos que usualmente se dão de litisconsórcio necessário para a ação produzir o seu
efeito útil normal, não nos ajudam muito nestes casos de litisconsórcio legal por causa de lei
expressa: Ações relativas à herança e ação de divisão de coisa comum. Mesmo assim conseguimos
encontrar exemplos. A própria lei já reclama a presença de vários sujeitos e há um caso que foi
concretamente apreciado nos nossos tribunais.
Exemplo: Um certo sujeito tem um certo prédio, uma porção delimitada do solo. Este prédio
está juridicamente encravado, logo, não permite ter acesso à via pública. Nestas hipóteses em que
há encravamento do prédio, pode constituir-se, nos termos do art. 1550º CC, uma servidão legal de
passagem (direito potestativo de criar um direito de passagem por outro prédio).
Há o próprio direito real de servidão legal de passagem, e há o direito potestativo a constituir
a servidão legal de passagem. O sujeito tem o direito potestativo de que se possa servir dos prédios
para chegar à via pública.
O sujeito propôs uma ação constitutiva apenas contra B (primeiro vizinho a tapar) e não
contra C e D (prédios seguintes). Desta forma, o caso julgado não garantia que ele conseguisse
chegar à via pública. Logo, dá lugar à absolvição da instância.
20/02/ 17
Retomando o litisconsórcio necessário de fonte legal para que a ação produza o seu efeito útil
normal. Estas hipóteses são também chamadas de litisconsórcio natural, por alguns autores, no
sentido de que é a natureza da relação jurídica que fixa o litisconsórcio.
Nos termos do art. 33º/3 CPC, uma decisão produz o seu efeito útil normal quando consiga
regular definitivamente as posições jurídicas das partes em face do pedido. Muitos dos casos que
integrariam esta previsão já são hoje litisconsórcio legal, por disposição expressa da lei.
Nomeadamente, a ação de divisão de coisa comum, em que é preciso em simultâneo delimitar qual
a parte do bem que fica na titularidade de cada um dos comproprietários. É a própria lei que o exige
neste momento.
Exemplos de litisconsórcio necessário para a produção de efeito útil normal da ação:
Caso de servidão em que um certo sujeito (A) tem um prédio encravado, isto é, sem acesso à
via pública, e o tal sujeito propõe a ação apenas contra B. O conteúdo deste direito potestativo é

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constituir uma servidão de passagem que garanta a A o acesso à via pública. Esse é o propósito da
atribuição por lei do direito potestativo de constituir uma servidão de passagem (art. 1550º CC).
Acontece que A propõe apenas a sua ação contra B (o seu prédio fica atrás de C). A ação podia,
neste caso, produzir o seu efeito útil normal? Se a ação procedesse garantia a possibilidade de A
aceder à via pública? Mesmo que a ação procedesse não estava garantido o aproveitamento jurídico
que se pretende que uma servidão de passagem ofereça, pois A não conseguia aceder à via pública
porque faltava C. O efeito útil pretendido com a atribuição daquela ação, direito potestativo de
constituir uma servidão de passagem, não era alcançado.
Mas pode haver uma variante deste caso, ainda no campo das servidões. Pressupondo que há
um segundo terreno de C (Significa que A pode demandar contra B ou C, sendo que ambos os
prédios encravam o dele, mas basta um). A servidão de passagem deve ser constituída de modo a
causar o mínimo de prejuízo aos prédios confinantes do prédio encravado nos termos do CC. Assim
sendo, a ação deve ser proposta contra quem? Sabe-se à partida qual o prédio menos onerado com a
servidão ou isso é algo discricionário, que resulta de um juízo feito pelo juiz?
Se A propuser a ação contra B apenas, o caso julgado não vincula C. A, em seguida, propõe
ação contra C, não vincula B. Assim, B pode dizer que é menos oneroso que a servidão seja
constituída no prédio de C, e C pode dizer o inverso. É uma questão de perspetiva. Pode haver um
encravamento de facto, que advenha de um encravamento jurídico.
Este direito legal é atribuído necessariamente para a ação proceder, mas para isso é necessário
que intervenham todos, porque com a separação das ações A tem o risco de não gozar de tal direito.
Nesta hipótese, as ações singulares até permitiriam resolver definitivamente as relações entre
aquelas partes, mas só mediante a produção de um resultado que a lei não pretendia ao atribuir o
direito legal a constituir uma servidão de passagem. O efeito útil normal tem em atenção a
finalidade com que a lei se preocupou ao atribuir tal tutela.
 Ação de Demarcação: Ação que tem por finalidade delimitar/demarcar as extremas
(limites externos) de um certo prédio. Havendo três prédios contíguos, a ação há de ser proposta
contra todos os vizinhos para que se possa regular em definitivo os limites de cada um dos
prédios.
 Ação de Preferência: Caso duvidoso. Na ação de preferência, a ação deve ser proposta
contra o adquirente do bem ou contra o adquirente do bem e o obrigado à preferência?
O propósito da ação de preferência, o seu efeito específico, é a colocação do titular do direito
de preferência na posição do adquirente de um certo bem de alguém que estava obrigado à
preferência.
Colocação de A (autor) na posição de C (adquirente). Temos A (titular do direito), B (obrigado

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à preferência) e C (adquirente).Basta que a ação tenha por partes A e C, ou é necessário que nela
intervenha também B? Isto sabendo que a causa da ação de preferência é a violação da obrigação de
comunicação do projeto de venda deste bem, porque se comunicar e A não decide exercer o direito,
já não há problema.
A ação deve ser proposta apenas contra C, ou também contra B? Há uma grande divergência
de entendimento a este propósito.
Do ponto de vista jurisprudencial prevaleceu o entendimento de que bastaria que a ação fosse
proposta contra o adquirente. Esta solução também teve certa adesão doutrinal. Contudo, foi uma
solução altamente criticada pelo Dr. Antunes Varela, que entendia haver aqui uma situação de
litisconsórcio necessário (posição também defendida por Menezes Leitão e Teixeira de Sousa).A
verdade é que a jurisprudência acabou por mudar o discurso e acabou por se entender que se tratava
aqui de litisconsórcio necessário. Há um acórdão de 91 (ver no Sigarra) que aparentemente mudou
esta posição. Ainda hoje prevalece o sentido de litisconsórcio necessário, mas doutrinalmente ainda
há divergência, continua a haver uma querela doutrinal.
Qual é o grande argumento a favor da presença apenas do adquirente? Um critério avançado
no art. 33º/3 CPC: A produção do efeito útil normal da ação apenas com a intervenção de C
(adquirente).
A ideia subjacente à suficiência da presença do adquirente é a de que o efeito produzido com a ação
já e regularmente/normalmente obtido. Porque se coloca A na posição de C e assim adquire a
titularidade do direito. Para isso é essencial que B esteja presente na ação. Na ação de preferência o
autor tem de depositar logo o preço e, portanto, C acabará por reaver esse valor. Se houver pedido
indemnizatório contra B ele também pode estar presente na ação mas aí já é uma situação de
litisconsórcio voluntario.
Quanto à copresença de ambos os autores, há vários argumentos que se podem avançar, mas
para o professor Tiago Ramalho só um parece realmente relevante: quem realmente dá causa à ação
é B, mediante o cumprimento de uma obrigação à preferência, logo deve marcar presença na ação.
É justo que sobre B recaiam as custas da ação, porque foi ele que deu causa à mesma, e é razoável
que haja uma uniformidade de julgados, e não contradição de julgados. Isto tem de ser visto à luz
dos princípios de Processo Civil. Contudo, há um grande argumento contra avançado pelo CC: o
efeito útil normal da ação é alcançado apenas com a presença do aquirente, não sendo necessário a
presença do obrigado à preferência. No entanto nada obsta a que não possa o autor demandar
também contra este último (critério da suficiência da presença de um certo sujeito quando isso basta
ao efeito útil normal da ação).
O único elemento que parece poder ajudar à posição de que devem ambos marcar presença na

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ação é a regra geral de legitimidade: Devem marcar presença na ação os titulares da relação material
controvertida tal como configurada pelo autor. Neste medida, teremos que considerar a própria
estrutura material dos efeitos que se pretendem produzir. Numa ação de preferência, o efeito
translativo de C para A há de produzir-se colocando o autor que exercer o direito de preferência na
posição de contraparte contratual do obrigado à preferência. Mas ele não adquire do terceiro,
adquire do obrigado à preferência.
O modo de operação da ação de preferência é através de substituição subjetiva na qualidade
de parte do contrato, e não introdução de uma nova transferência. Se assim for, por força da
relatividade contratual, talvez seja essencial à produção do efeito, que a contraparte (o obrigado à
preferência) esteja na ação, justamente porque o titular do direito de preferência não adquire do
terceiro, mas do obrigado à preferência.
Em suma, estes são os casos de litisconsórcio necessário legal (ou por força expressa da lei ou
por efeito normal da ação).

1.3. Litisconsórcio Necessário por Acordo/Convenção das Partes (pressupõe-se anterior à


propositura da ação (art. 33º/1 CPC). O litisconsórcio também pode ter na sua base um negócio
jurídico. Caso do depósito.
Exemplo: Certo bem é depositado por várias pessoas e acorda-se que terá que ser levantado
em conjunto por todas.

 Aspetos acerca do Regime do Litisconsórcio Necessário:


É nesta figura que se realiza mais claramente a ideia de que há uma comunidade processual
sujeita à mesma sorte, ao mesmo destino.
1. Quanto à citação, a falta da citação de um dos litisconsortes faz com que o processo não
possa avançar. A falta de citação de um dos litisconsortes obriga à anulação de tudo o que se
tenha processado depois da citação (art. 190º a) CPC). É assim para que todos os litisconsortes
gozem desde o início da mesma possibilidade de influenciar o processo;
2. A confissão (ato pelo qual alguém confessa como verdadeiro um certo facto) só pode
ser admitida como meio de prova caso provenha em simultâneo de todos os litisconsortes (art.
353º/2 CC). Contudo, mesmo que a confissão não provenha de todos os litisconsortes ou a
declaração de um dos litisconsortes não goze do valor específico atribuído à confissão, a
declaração pode ser livremente apreciada pelo jugador (art. 361º CC e art. 607º/5 CPC);
3. O que vale para a confissão, vale também para outros atos de disposição sobre o objeto
do processo. Nomeadamente, a confissão do pedido (confissão noutro sentido, isto é, o

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reconhecimento pelo réu do direito do autor), a desistência e a transação, que devem provir de
todos os litisconsortes (art. 353º/2 CC), justamente por toda a relação ter que ser considerada em
conjunto;
4. Em matéria de recursos, o recurso interposto por qualquer um dos litisconsortes
aproveita a todos eles (art. 634º/1 CPC);
Qualquer um destes aspetos revela a ideia de que qualquer um dos litisconsortes está sujeito à
mesma sorte processual. Desta forma se garante a inteira uniformidade de julgados.
O meio próprio para a constituição do litisconsórcio é, do ponto de vista ativo, a propositura
conjunta de uma certa ação.
Mas há aqui um problema operativo bastante relevante: No litisconsórcio ativo se um dos
autores recusar a propositura da ação, o que é que o outro autor pode fazer para a conseguir propor?
O único meio que tem ao seu dispor é requerer a intervenção principal provocada do outro autor,
para o chamar à instância. Se recusar exercer tal direito, a ação não poderá prosseguir.
Tratando-se de um litisconsórcio necessário passivo, o meio próprio para a sua constituição é
a indicação pelo autor na petição inicial de todos aqueles que configure como réus (art. 552º/1 a)
CPC). Com a citação de todos os réus, estes já são partes subjetivas da instância.

 Inobservância do Litisconsórcio Necessário:


A preterição/ inobservância do litisconsórcio necessário é causa de ilegitimidade, dando lugar
ao surgimento de uma exceção dilatória (art. 577º e) CPC). Não sendo suprida, deve o juiz abster-se
de conhecer do mérito da ação e absolver o réu da instância. Corresponde ao regime comum da falta
de um pressuposto processual (art. 278º/1 b) CPC).
Tratando-se de um pressuposto cuja falta é sanável, mas o juiz não tem poder para a suprir
oficiosamente, deve convidar as partes a fazê-lo (art. 6º/2 CPC). Salvo duas hipóteses.
Momento próprio para convidar as partes (despacho pré saneador- art. 590/2º a) CPC) e para
formular o juízo sobre a regularidade da instância (despacho saneador- art. 595º/1 a) CPC).
Quais os dois momentos diferentes? Eventualmente, poderá o juiz confrontar-se com a
ilegitimidade plural do despacho liminar. No art. 226º/4 CPC estão previstas as hipóteses que dão
lugar a despacho liminar, e eventualmente apenas na sentença se pronuncia sobre este momento
(art. 608º/1 CPC).
22/02/17
Havendo preterição de litisconsórcio necessário o julgador deve convidar o autor a regularizar
a instância, havendo duas formas de o fazer:
 Intervenção Principal Provocada daquele cuja presença tenha sido preterida (art.

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316º/1 CPC);
 Intervenção Espontânea Provocada daquele cuja presença tenha sido preterida (art.
311º CPC).
Quanto à primeira forma pode ser tal chamamento provocado pelo réu ou autor e pode ser
pedida até à fase dos articulados sem prejuízo do art. 261º CPC. Poderão ser três os articulados:
petição inicial, contestação e réplica; no entanto, normalmente são só dois. O despacho pré saneador
prepara o saneador. O termo da fase dos articulados será com a contestação ou réplica (sendo que
pode não existir réplica) ou o despacho pré saneador.
O art. 261º permite que a instância seja regularizada até uma fase mais tardia. Isto só para os
casos de litisconsórcio necessário. Nos casos de litisconsórcio voluntário já não se aplica o art.261º,
pelo que só se pode regularizar a instância até ao despacho pré saneador (que marca o fim da fase
dos articulados).
Na segunda forma (intervenção espontânea daquele cuja presença tenha sido preterida (art.
311º CPC): Nesta Intervenção Espontânea (porque da sua vontade) pode o terceiro intervir por mera
adesão aos articulados de uma das partes (art.313º CPC). E neste caso pode intervir a todo o tempo.
Mas pode também optar por apresentar articulado próprio. Neste caso só pode intervir até ao fim da
fase dos articulados (art.314º CPC).
Há a possibilidade de a ação ficar regularizada caso o terceiro intervenha espontaneamente,
sendo que neste caso o juiz já poderá conhecer do mérito da causa. Nada obsta portanto a que o juiz
no Despacho pré saneador (quando convida as parte à regularização da instância) faça referência ao
facto de que se o terceiro intervir espontaneamente ficar sanada a irregularidade.
Ao abrigo do art. 261º CPC no caso de absolvição da instância pode o Autor nas situações de
litisconsórcio necessário ou coligação necessária chamar aquele cuja presença tenha sido preterida
até ao trânsito em jugado da decisão (a decisão já foi tomada, mas ainda não transitou em julgado),
regularizando desta forma a instância, ou nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da
decisão (art.261º/2 CPC).

 Litisconsórcio Voluntário (art. 32º CPC):


Há litisconsórcio quando do ponto de vista material só há uma relação jurídica.
A matéria da legitimidade processual procura trazer para o processo a estrutura das diferentes
posições jurídicas.
No litisconsórcio voluntário há uma relação jurídica material com relativa autonomia/
visibilidade das posições jurídicas das partes, dos respetivos titulares. Neste sentido para se tratar de
litisconsórcio voluntário exige-se essa divisibilidade relativa das posições jurídicas dos diferentes

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titulares, a contrario, se essa divisibilidade referida não existir trata-se de um caso de litisconsórcio
necessário (art.32 º/1 CPC).
Outro Grupo de Casos no Âmbito do Litisconsórcio Voluntário: Situação de Pluralidade de
titulares, caso em que um deles tem legitimidade para agir sozinho em juízo, como ocorre na ação
de reivindicação no seio da compropriedade, sendo que tal legitimidade é conferida por lei.

Em suma, dois grupos de casos principais de Litisconsórcio Voluntário:


 1º Grupo: Art. 32º/1 CPC
 2º Grupo: Art. 32º/2 CPC
Quanto ao 1º Grupo ou Causa de Litisconsórcio Voluntário: Na medida em que haja uma
certa divisibilidade da relação jurídica material abre-se a possibilidade de cada um dos litisconsortes
poder conduzir por si só a ação, mas só na parte limitada ao seu interesse. Se a relação material for
divisível cada parte pode litigar na parte referente/respeitante ao seu interesse.
Esta característica permite estabelecer a diferença entre o litisconsórcio necessário e o
litisconsórcio voluntário. No primeiro, como a ação é unitária, não pode ser conduzida só por um
dos titulares do direito em causa no seu próprio interesse; enquanto no segundo, a ação já pode ser
conduzida só por um dos titulares no seu interesse, dado que a posição jurídica de cada um dos
titulares é relativamente autónoma e, logo, pode ser autonomamente apreciada (art. 35º CPC).
Nas hipóteses em que chame à ação os restantes titulares da relação jurídica aí estaremos na
presença de um caso de litisconsórcio voluntário, sendo que aqui o litisconsórcio não decorre de
uma exigência material, mas sim de uma opção das partes que, podendo agir sozinhas e
autonomamente, chamam os restantes à ação. Neste sentido é litisconsórcio voluntário, porque
resulta da iniciativa das partes. Diferente do litisconsórcio necessário, em que é a própria lei que
impõe a presença daquelas partes, sem as quais a ação não procede.
São muitas as hipóteses em que a lei prevê que um dos sujeitos da relação material possa
conduzir autonomamente a ação, a relação material (isto é, são muitas as hipóteses de litisconsórcio
voluntário). Apresentam-se como exemplos:
 Obrigações Solidárias (há pluralidade de sujeitos): Cada devedor responde pela
totalidade da prestação (art.512º CC). A opção do credor pode ser demandar os vários
codevedores, mas não é exigível.
 Se duas pessoas praticarem um certo facto ilícito culposo nos termos do art.490º CC,
todas elas respondem pelos danos que tenham causado. Há uma situação de responsabilidade
plural (art.497º/1 CC). Poderá o lesado demandar apenas um dos obrigados ou vários a título de
litisconsórcio voluntário.

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 Pluralidade de Credores de Prestação Indivisível: Nesse caso nos termos do art. 538º/1
CC qualquer um dos credores pode pedir a prestação por inteiro, mas para estender o efeito do
caso julgado é necessário que o devedor não tenha contra os restantes credores meios especiais
de defesa.
 Defesa da Posse ou da Propriedade: Para a defesa da composse, nos termos do art.
1286º CC, qualquer um dos compossuidores pode defender a composse. Nos termos do art.
1405º/2 CC, qualquer um dos comproprietários pode defender a compropriedade. Nos termos do
art. 2078º/1 CC qualquer um dos herdeiros pode recorrer à ação de petição da herança. Dizem
respeito à defesa de bem comum.
Todas estas hipóteses são casos em que a lei prevê a possibilidade de um só dos sujeitos da
relação jurídica material agir em juízo.
Temos o exemplo das Obrigações Conjuntas: Obrigações plurais quanto aos sujeitos que não
se encontra autonomamente regulada, mas é doutrinalmente reconhecida e pontualmente prevista
pela lei no CC. Na solidariedade responde-se pela totalidade ou pode exigir-se a totalidade a cada
um dos sujeitos da relação jurídica autonomamente considerados. Nas obrigações conjuntas não é
assim. Cada um responde pela sua parcela. Por exemplo, se a obrigação/prestação for de 1200 euros
cada um dos devedores só pode pagar 400 euros. As quotas de responsabilidade estão claramente
separadas. Caso estejam presentes todos os devedores estamos perante um caso de litisconsórcio
voluntário.
Outro caso merecedor de consideração é a Fiança: Não há menor dúvida de que o credor pode
demandar em simultâneo o devedor e o fiador (art. 641º/1 CC). A questão que se coloca é: Estamos
perante uma situação de coligação ou de litisconsórcio? A resposta que se venha a dar depende do
modo como configuramos a relação entre fiador e devedor principal.
O critério para distinguir o litisconsórcio da coligação é o critério da pluralidade (caso de
coligação) ou da unidade (caso de litisconsórcio) da relação jurídica. Assim se entendermos a
relação como una estamos perante uma situação de litisconsórcio, se se tratar de relações autónomas
estaremos perante uma situação de coligação.

Aspetos do Regime da Fiança:


 Acessoriedade da posição do fiador em relação à posição principal do devedor (art.
627º/2 CC). Manifesta-se em dois aspetos principais: nos termos do art. 631º CC a fiança não
pode exceder a dívida principal; e nos termos do art. 632º/1 CC a invalidade da obrigação
principal comunica-se à fiança;
 Segundo o art. 637º/1 CC o fiador pode invocar os meios de defesa previstos para o

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devedor, e se a sua obrigação é acessória, pode socorrer-se dos meios de defesa da obrigação
principal;
 Na solidariedade e conjunção as obrigações dos vários devedores eram paralelas.
Contrariamente na fiança as posições são diferentes: Um assume uma posição principal, outro
assume uma posição acessória;
 A obrigação principal e a acessória podem ter fontes diferentes. A primeira pode ser um
contrato e a segunda pode ser um ato autónomo. Quanto à constituição são portanto obrigações
diferentes. Mas, para efeitos de regime, formam uma certa unidade complexa.
Este regime da fiança pode ser considerado uma modalidade específica de relações plurais,
mas segundo Tiago Ramalho, é um caso atípico, pois a fonte da fiança não é a mesma que a da
obrigação acessória. Outro argumento: Havendo pluralidade de fiadores dispõe o art.649º/2 CC que,
à partida, todos respondem solidariamente. Segundo o professor Tiago Ramalho não parece fazer
sentido que os fiadores marcassem presença na ação na qualidade de litisconsortes e os devedores
na qualidade de coligados.
Pode dar-se o caso de o autor, muito embora só poder litigar sobre a sua quota-parte na
relação jurídica, formular um pedido respeitante à sua totalidade. Neste caso, nos termos do art.32º/
1 CPC, o juiz conhece apenas da quota-parte do interesse do autor, mesmo que o pedido seja
respeitante à totalidade. O mesmo acontece no caso inverso. E não marcando presença na ação os
restantes obrigados o juiz conhece apenas da sua quota-parte.
No caso de litisconsórcio necessário, se alguém quer agir em parte que não corresponda à sua
quota-parte, há uma limitação dos poderes de cognição do tribunal.
O litisconsórcio voluntário pode ser constituído, quer por iniciativa dos vários autores
(art.316º/2 CPC), quer por iniciativa do réu (316º/3 CPC). Sendo promovido pelo autor, e
pretendendo deduzir incidente por intervenção principal provocada, deve ser deduzido até ao
despacho pré saneador, fim da fase dos articulados. Sendo o chamamento da iniciativa do réu, deve
ser feito até à contestação ou no prazo previsto para esta (art.318º/1 c) CPC).
Tratando-se de litisconsórcio voluntário ativo não pode o autor chamar qualquer um dos
cotitulares à ação. Esta foi uma alteração introduzida com o novo CPC em 2013. Trata-se de uma
solução legal que permite respeitar de forma adequada a posição jurídica de cada um dos
cotitulares. Nenhum dos litisconsortes ativos pode forçar os outros a agir. Só não é assim quando o
chamamento dos restantes autores seja por iniciativa do réu. A liberdade de os autores proporem a
ação é restringida para que o réu possa ver definitivamente resolvido aquele litígio naquela concreta
ação. O réu pode forçar a presença dos restantes cotitulares na ação.

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Dois Aspetos a Salientar:


o Nada obsta a que os cotitulares possam interpor uma ação em conjunto; assim como
também nada impede que, estando a ação já proposta por um dos autores, o outro cotitular da
relação material intervenha espontaneamente na ação (art.311ºCPC). Trata-se de um regime que
tem em vista respeitar e proteger a autonomia individual de cada um dos sujeitos jurídicos. No
litisconsórcio necessário as posições jurídicas eram consideradas em conjunto (vistas como um
só). Não é assim no litisconsórcio voluntário em que há uma relativa autonomia, aqui a falta de
citação de um dos litisconsortes não leva à invalidade de todo o procedimento (art.190º b) CPC);
o Em matéria de confissão de factos desfavoráveis já se produz o efeito confessório
mesmo que a confissão só provenha de um dos litisconsortes (art.288º/1 CPC). O efeito
confessório não se estende aos outros litisconsortes.
No âmbito da desistência e transação (art.288º/1 CPC) são livres na medida do interesse de
cada um.
Por fim, em matéria de recursos vale à partida o princípio da personalidade, na medida em
que o recurso só aproveita àquele que o interpõe. Contudo, nos termos do art.634º/2 a) CPC, podem
os outros litisconsortes aderir ao recurso que tenha sido interposto por um deles. Se não aderirem,
os efeitos do recurso não os afetam.

2) COLIGAÇÃO
O que caracteriza a coligação, prevista nos arts. 36º a 38º do CPC ,é a presença na ação de
uma pluralidade de relações jurídicas com pluralidades de partes. Na medida em que há pluralidade
de relações jurídicas, são colocadas limitações jurídicas à constituição de coligações. Se porventura
tais limites não forem respeitados surge uma exceção dilatória (art. 577º f) CPC) que dá lugar,
eventualmente, à absolvição da instância (art. 278º/1 e) CPC).

Pressupostos para Haver Coligação:


 Art. 36º CPC: Existência de uma conexão relevante entre as relações jurídicas;
 Art. 37º/1 CPC: Verificação de compatibilidade formal entre a tramitação prevista para
as diferentes relações jurídicas;
 Art. 37º/4 CPC: Não rejeição da coligação pelo tribunal.
Verifica-se, portanto, um fator positivo (previsto no art. 36ºCPC) e dois negativos. Colocam-
se estes requisitos porque na coligação a relação processual torna-se extremamente complexa pela
pluralidade de partes e pela pluralidade de questões a serem apreciadas pelo Tribunal. Tal

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complexidade pode manifestar-se ao nível da eficácia processual, tendo efeitos na celeridade.

1º Requisito/Limite: Art. 36ºCPC: Conexão relevante entre as relações jurídicas.


Fatores:
 Unidade da Causa de Pedir: A causa de pedir é integrada pelos factos concretos
que servem de base a uma qualquer nota que permita sustentar o pedido do autor. Se a causa
de pedir for a mesma pode haver coligação. Por exemplo, C coage A a celebrar um contrato
com B (caso de coação de terceiro e não da contraparte), nos termos do art. 256º CC. O
responsável é C, o coator. Quanto a C será uma ação de condenação. Quanto a B será uma
ação constitutiva de anulação (pretende-se a destruição de um determinado efeito). Não há
litisconsórcio, são relações jurídicas diferentes. Contudo, a causa de pedir é a mesma.
Havendo identidade da causa de pedir pode haver coligação e pode o autor propor ação contra
ambos. Outro exemplo: A divulga uma série de factos falsos sobre B. B é proprietário de uma
sociedade comercial, que é C (tem personalidade jurídica autónoma). Ao divulgar tais factos
provoca danos não patrimoniais em B e uma série de danos patrimoniais em C, porque foi
abalada a imagem da própria sociedade comercial. Deve admitir-se coligação ativa entre B e
C contra A. A causa de pedir não tem de ser totalmente coincidente, mas tem de ser
fundamentalmente coincidente;
 Relação prejudicial ou de dependência entre os dois pedidos. Por exemplo: A e B
celebram um contrato de doação e B transmite o bem a C. A interpõe uma ação de anulação
contra B e uma ação de restituição contra C. Assim, o segundo pedido está dependente do
primeiro;
 Nos termos do art. 36º/2 CPC também se admite a coligação quando a procedência
dos pedidos principais depende essencialmente da apreciação dos mesmos fatores. Por
exemplo: A é proprietário de um prédio, B é o vigilante do prédio, e o cão é de C. C pode agir
contra A e C pode propor a ação contra B nos termos do art. 493º/1 CC. A fonte da
responsabilidade é diferente, são relações jurídicas diferentes, com pressupostos também eles
distintos. A ação não é totalmente coincidente, mas esta equivalência fundamental permite a
coligação. A ação depende da apreciação dos mesmos factos, logo permite-se a coligação.
Outro exemplo no âmbito da responsabilidade civil extracontratual: no caso de um acidente de
viação os vários transportados podem interpor a ação contra a transportadora em coligação
ativa, porque a indemnização é derivada daquele acidente coletivo;
 Art. 36º/3 CPC.

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Celebrando uma entidade contratos com teor igual com uma pluralidade de pessoas, pode
haver coligação ativa dos consumidores e também coligação passiva por parte da entidade. Esta
causa tem particular relevância nas ações de massa.
Mesmo havendo uma conexão relevante nos termos do art. 36º CPC são colocadas certas
limitações à coligação nos termos do art. 37º CPC. Segundo o art. 37º/1 CPC é necessário que se
siga a mesma forma do processo em relação a todos os pedidos. Mesmo que em relação a todos os
pedidos se sigam formas diferentes pode o juiz autorizar a coligação quando as formas não sejam
incompatíveis (art.37º/2 CPC). Fazendo-o deve adaptar as duas tramitações,
afirmando-se/traduzindo-se no exercício do poder-dever de gestão processual constante do art.6º/1
CPC.
Um pressuposto é a competência absoluta do tribunal perante todos os pedidos formulados
(art. 37º/1 CPC). Competência internacional em razão da matéria ou hierarquia de todos os pedidos
formulados.
Pode o juiz rejeitar a coligação quando verificados todos os pressupostos para a sua
constituição, devendo o despacho de rejeição ser fundamentado com os graves inconvenientes para
conhecer e julgar da causa (art. 37º/4 CPC).
 Art. 37º/4 CPC: No caso concreto o juiz irá averiguar se os critérios fixados pelo
legislador não conduzirão a uma solução do caso indesejável a dois níveis:
1º É fixado pelo legislador (caso geral e abstrato);
2º É fixado pelo juiz no caso concreto.
Neste sentido, no âmbito do art. 37º/4 CPC, os critérios fixados pelo legislador podem ser
questionados no caso concreto pelo julgador que pode rejeitar a coligação.
27/02/2017
COLIGAÇÃO (Continuação)
Pode acontecer não se verificar um dos pressupostos da coligação, que é a tramitação unitária,
mas o juiz pode introduzi-la com base no art. 37º/2 CPC. Pode ocorrer o inverso, estarem
preenchidos os seus pressupostos e não se admitir a coligação. Trata-se no 37º/4 CPC de uma
decisão vinculada. O juiz deverá fundamentar o seu despacho e só há fundamento para rejeitar a
coligação nos termos do art. 37º/4 CPC quando o inconveniente for grave. A coligação para ser
admissível tem de respeitar os critérios do art. 36º CPC e não ter nenhum obstáculo do art. 37ºCPC.
Arts.152º/4 e 630º/1 CPC – Nos termos destes artigos as decisões discricionárias não admitem
recurso, mas não é este o caso, porque a decisão não é discricionária, é sim vinculada.
Em que momento deve o juiz apurar da admissibilidade da coligação? Qual o momento em
que deve ser aferida a conveniência ou inconveniência?

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Segundo Lebre de Freitas tal juízo deve ser feito antes do despacho saneador. O despacho
saneador entre outros aspetos visa apurar da instrução da causa, da regularidade da causa, entre
outros aspetos.
Se o juiz só em fase mais avançada do processo concluir a grave inconveniência da coligação
segundo Tavares de Sousa pode ordenar a separação dos processos, ainda que o momento adequado
seja o despacho pré saneador, pode ainda ordená-lo noutro momento.
O pressuposto específico da coligação é não causar grave inconveniência para a ação. Quando
isso não se verificar considera-se perdido o fundamento para a coligação e o juiz poderá ordenar a
separação dos processos.
Nos termos do art. 37º/4 CPC o autor é notificado para indicar o pedido ou pedidos que
pretende que sejam apreciados naquela ação, para indicar a relação jurídica que pretende que seja
apreciada. Por força do princípio do pedido e pela circunstância de a modelação do objeto do
processo estar em exclusivo reservado às partes o juiz não se pode substituir ao autor para definir a
relação jurídica considerada.
Notificado o autor para dizer quais as relações jurídicas materiais a considerar naquela ação
cabe distinguir:
 Se o autor indica quais as relações que pretende ver apreciadas naquela concreta ação,
estas são apreciadas e o réu ou réus são absolvidos da ação em relação a outros pedidos (art. 38º/
3 CPC);
 Se houver pluralidade de autores deve ser a decisão tomada por acordo (art.38º/3
CPC);
 Se o autor não indicar nada todos os réus são absolvidos da instância relativamente a
todos os pedidos (art.37º/4 CPC);
 O Autor pode intentar nova ação contra os réus absolvidos e aproveitar os efeitos civis
decorrentes da ação anterior (art.37º/5 CPC).

Coligação Irregular:
Acontece quando falham os pressupostos da coligação regular, na medida em que esta só é
admissível quando preenchidos certos requisitos, sendo que a sua falta dá origem a uma exceção
dilatória (art. 577º f) CPC). Não se verificando os pressupostos da coligação cabe aplicar o regime
do art. 38º CPC destinado ao suprimento desta irregularidade.
Quando há uma exceção dilatória o juiz deve supri-la ou convidar as partes ao seu
suprimento. No caso da coligação não é possível suprir na totalidade a falta de tal pressuposto, o
máximo que se poderá fazer é separar aqueles dois pedidos para que sejam autonomamente

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apreciados (art. 38º CPC), valendo o princípio do pedido e do dispositivo.


Se o autor nada indicar são todos os réus absolvidos de todos os pedidos; caso o autor só
indique alguns são supridos daquelas ações aqueles sobre quem falta a respetiva indicação. O
tribunal não se pode substituir ao autor nas referidas indicações.
Se houver pluralidade de partes tem de haver uma decisão unânime; caso esta não exista são
absolvidos os réus de todas as ações.
Também neste caso pode existir um certo aproveitamento dos efeitos da primitiva propositura
da ação, nos termos do art. 279º/2 CPC. O regime é o mesmo que vimos para o caso da coligação
regular. O regime de suprimento da coligação irregular pelo juiz e o da não aceitação da coligação
pelo juiz é praticamente igual.

Coligação Necessária:
Trata-se de casos raros em que é a própria lei a exigir a tramitação conjunta de uma série de
relações jurídicas autónomas, em vez de haver um conjunto de relações jurídicas processadas em
separado.
O exemplo que se costuma dar é o do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (142º/1 deste
Regime), respondendo o segurado perante os vários lesados e, ultrapassando o montante das
indeminizações o valor máximo de seguro, é necessário que intervenham na ação todos aqueles que
têm créditos indemnizatórios para que tais créditos sejam reduzidos até ao valor máximo que estava
segurado. Apesar de serem casos diferentes de responsabilidade todos os créditos são considerados
em conjunto para dedução de indemnização.
Nestas hipóteses de rara verificação (coligação necessária) a sua não observância dá também
lugar a uma exceção dilatória, nos termos do art. 577º e) CPC. Neste caso, a exceção dilatória não é
por falta de verificação de um dos pressupostos, como ocorre no art. 577º g) CPC, é sim por uma
questão de ilegitimidade processual, pois a lei exige a presença de todos na ação.
A instância pode ser regularizada por todas as formas previstas para o litisconsórcio
necessário. A coligação necessária acaba por ter um regime semelhante ao do litisconsórcio
necessário na parte da legitimidade.
Caso particular no CPC: Art. 34º CPC (ações propostas por ambos os cônjuges ou contra
ambos os cônjuges).
Toma em especial o Direito Matrimonial. Por força deste regime tenta trazer ao processo
ambos os cônjuges. Trata-se de regras que regem as posições dos cônjuges perante os seus próprios
bens e de terceiros: regime das dívidas dos cônjuges é um desses regimes.

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Esse regime de Direito material tem duas preocupações fundamentais:


1. Proteger o património familiar mediante a introdução necessária de um dos cônjuges
para alienar certos bens, obter o consentimento do outro. Se do ponto de vista material se exige
isto, então, do ponto de vista processual, deve de alguma forma garantir-se que o consentimento
do outro cônjuge foi obtido ou suprido. Estas regras de Direito material que limitam a
possibilidade de dispor de certos bens que integram o património familiar foram antes
designadas de incapacidade. Acontece, porém, que se procurou fazer uma distinção entre regras
de capacidade e legitimidade. As regras de capacidade dizem respeito à habilitação física ou
psíquica para conduzir as próprias relações jurídicas (por exemplo: cegueira, anomalia psíquica).
As regras de legitimidade respeitam à relação de certa pessoa com certos bens, não se fundam na
habilitação física e psíquica das pessoas. Se assim é, estas regras são de verdadeira legitimidade,
e não de capacidade. Por exemplo: Pretendendo um dos cônjuges litigar acerca da casa de
morada de família deve também o outro cônjuge intervir. Para além disso, se tal se fundasse na
capacidade de um dos cônjuges desrespeitava-se o princípio da igualdade entre os cônjuges.
Nestes casos em que a lei exige para a disposição de determinados bens o consentimento
do outro cônjuge visa-se proteger a família, designadamente a subsistência dos membros do
agregado. Se tais regras estão colocadas ao serviço da proteção da família é possível exigir o
suprimento judicial do consentimento em causa quando a sua recusa seja injusta (art. 1684º/3
CC) e corresponde a um processo de jurisdição voluntária (art. 1000º CPC).
Isto significa que, muito embora estejamos à partida perante ações que exigem o
consentimento de ambos os cônjuges, pode o tribunal suprir a exigência do consentimento do
outro cônjuge, podendo a ação ser conduzida apenas por um. É este o regime constante do CC e
CPC;
2. Há um segundo grupo de causas: Em Direito da Família e Direito Matrimonial afirma-se
o princípio de que pelas dívidas de um dos cônjuges respondem os seus bens próprios e,
subsidiariamente, a sua menção dos bens comuns (art.1696º/1 CC). Cada cônjuge é titular em
exclusivo dos seus bens próprios e de metade dos bens comuns.
Pelas dívidas dos dois cônjuges respondem os bens comuns do casal e, na sua falta ou
insuficiência, os bens próprios de cada um. Pelas dívidas de ambos os cônjuges ou perante as
dívidas pelas quais respondam os bens de ambos os cônjuges, mesmo que contraídas apenas por
um, respondem os bens comuns (1695º/1 CC).
Art. 34º CPC.
01/03/17
Art. 34º CPC:

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 A primeira hipótese aqui prevista que exige a presença de ambos os cônjuges na


instância é respeitante à casa de morada da família. Neste caso a ação deve ser proposta por
ambos os cônjuges (art. 34º/1 CPC) ou contra ambos os cônjuges (por remissão do 34º/2). Tanto
do lado passivo como do lado ativo da ação deve decorrer com ambos os cônjuges. O art. 34º
transpõe o regime material dos arts. 1682º- A/2 e 1682º- B do CC. O objetivo é querer o
consentimento de ambos os cônjuges para situações onde se possa perder a casa de morada da
família. Esta proteção da casa de morada da família é uma grande preocupação do legislador. A
casa de morada da família e os móveis usados pela família (art. 1682º/3 a) CC) são aqueles bens
que gozam de uma maior proteção por parte do legislador. Há até quem discuta e diga que a casa
de morada de família deve ser impenhorável em razão de a casa de morada da família ser o bem
mais importante para a vida familiar. Em primeiro lugar é um espaço de intimidade que no seu
sentido último permite 1 convívio privilegiado entre os membros da família e uma separação dos
membros da família em relação ao mundo. Permite a convivência. Em segundo lugar é 1 espaço
de repouso, de defesa em relação ao mundo exterior. Em terceiro lugar é um lugar de memória ao
qual os membros da família associam a sua identidade, história, etc. A família perde uma parte de
si quando perde a casa de morada da família. Daí que ao nível do Direito material se exija
consentimento de ambos os cônjuges independentemente do regime de bens que entre eles vigore
e da propriedade ser de um ou de ambos os cônjuges, visto que o que está em causa é a dimensão
familiar. Daí que ao nível processual se exija o consentimento. Portanto, mesmo que a casa só
pertença a um dos cônjuges, exige-se o consentimento dos dois. DR= bens da família. Ao nível
do Direito material exige-se apenas o consentimento de ambos os cônjuges para quando se
pretenda celebrar negócios jurídicos com a casa de morada da família. Ao nível de Processo
Civil, do CPC, a intenção é a chamada à instância de ambos os cônjuges. Esta proteção é só dada
pelo DPC mas reflete-se no Direito material de igual forma. Nestas hipóteses torna-se necessário
formular um juízo sobre o potencial desfecho da ação. Considerada a petição inicial é necessário
considerar se aquela ação, caso proceda ou improceda, pode levar à perda da casa de morada da
família pelo que se exige o consentimento de ambos os cônjuges nesta situação. Esta é a primeira
hipótese do art.34º;
 A segunda hipótese é a que respeita a ações relativas a bens cuja disposição só possa
ser feita com consentimento de ambos os cônjuges (art. 34º/3 que remete para o 34º/1 do CPC).
A casa de morada da família é um caso especial onde é sempre necessário o consentimento. Em
qualquer um dos casos em que a casa de morada da família não esteja envolvida, isto é,
relativamente a outros bens, é necessário atender ao regime de bens que vigora entre os cônjuges,
saber quem tem o poder de dispor destes e saber se é necessário o consentimento ou não. Para

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tal, revela-se de grande importância, estudar e saber o regime de Direito material que não vamos
estudar na totalidade (só para o ano em Direito da Família). Encontra-se previsto nos arts. 1682º
a 1689º CC. Quando a titularidade do bem não coincide com o poder de administrar é necessário
consentimento do outro cônjuge, caso contrário não. É esta a ideia;
 Encontramos um terceiro grupo de casos: o alegado credor pretende propor uma ação
de condenação procurando assim responsabilizar o património do outro cônjuge, do cônjuge que
não praticou o facto que dá causa à ação. Art. 34º/3 CPC. Para que uma ação com esta natureza
proceda é necessário que haja uma norma de Direito material que reconheça esta possibilidade-
um exemplo de uma norma com esse teor é o art. 1691º/1 b) do CC (acorrer e não “ocorrer”
como está no art.). Art. 1691º/1 b) CC- por exemplo um cônjuge vai ao supermercado. É ele que
emite a declaração negocial de compra. No entanto, os bens foram adquiridos para fazer face a
encargos normais da família. Por isso, respondem ambos os cônjuges.
Regra geral: É a de que responde o titular da dívida, responde aquele que praticou o facto.
Admite-se, porém, ao nível do Direito matrimonial que, em determinados casos, ambos os cônjuges
respondam. Encontramos casos, porém, em que a legitimidade passiva depende da opção feita pelo
credor. Imaginemos a hipótese em que o credor quer responsabilizar um cônjuge por
incumprimento. Não é forçado a agir contra ambos os cônjuges, bastando-lhe a propositura da ação
contra o cônjuge que pretende responsabilizar (1ª opção). A regra do litisconsórcio necessário só se
aplicará então quando o alegado credor queira que responda o património dos dois cônjuges.
Consoante pretenda responsabilizar, ou poder responsabilizar, o património dos dois ou de apenas
um, estaremos perante caso de litisconsórcio necessário ou de legitimidade singular passiva do
cônjuge que praticou o facto que deu causa à ação. Neste caso, tal depende da opção que o credor
faça no exercício de um direito que lhe é conferido pela lei. Se no Direito material é possível fazer
uma separação, no Direito Processual também é possível essa separação.

Nas Ações em que se Exige para a Respetiva Propositura o Consentimento do outro


Cônjuge podemos pensar em duas hipóteses distintas (divisão básica):
1. Um dos cônjuges obter o consentimento do outro cônjuge para a propositura da ação.
É a regra. Art. 1684º do CC;
2. É a de este consentimento não ter sido obtido mas o tribunal suprir a falta de
consentimento em causa. Parece, apesar de o CPC não ser muito claro/detalhado, que este
suprimento pode ser obtido de duas formas diferentes: ou numa ação de jurisdição voluntária
destinada ao suprimento ou na própria ação. Ou seja, pode ser proposta uma ação autónoma
(2.1.) ou uma espécie de incidente da ação principal (2.2.).

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Nos termos do art. 1684º/1 CC o consentimento deve ser especial por um dos lados, deve
concretizar a ação cuja propositura visa obtê-lo. Obtido este consentimento, o cônjuge cuja
intervenção tenha sido autorizada, tem legitimidade para conduzir sozinho a ação. Segundo
Tavares de Sousa e Teixeira de Sousa trata-se de um caso de substituição processual, ou de
legitimidade extraordinária, porque uma ação que, à partida, deveria ser conduzida por ambos os
cônjuges passa a ser conduzida só por um- tal tem por base o consentimento, tem base negocial.
Em sentido diferente, Antunes Varela entendia que se tratava aqui de um caso de representação; a
um cônjuge é dado poderes de representação do outro. Segundo o professor Tiago não é seguro
oferecer um enquadramento unitário a estas hipóteses porque em termos materiais o regime dá
diferentes respostas: por vezes diz respeito à possibilidade de dispor de bens próprios, noutro
caso de dispor de bens comuns e nem sempre estas hipóteses são merecedoras da mesma
qualificação. Uma coisa é segura: todas estas hipóteses são tratadas ao nível substantivo de uma
forma unitária- encontram-se no âmbito das ilegitimidades conjugais. Ao nível processual é
necessário, à partida, o consentimento dos dois cônjuges e quando, com o consentimento do
outro, só é dirigida a ação por um.
Nos termos do art. 1684º/3 CC o consentimento pode ser judicialmente suprido. Se se
impõe o consentimento do outro cônjuge para apurar da conveniência de um certo ato admite-se
o seu suprimento quando a recusa seja considerada injusta, ou quando seja importante obter
consentimento. A ação que é necessário intentar (de suprimento da falta do consentimento)
consta do art. 1000º do CPC. Trata-se de um processo de jurisdição voluntária em que o juiz se
pode servir do poder associado a estas ações. Das diferentes características destes tipos de
processos o professor vai salientar dois aspetos:
- A circunstância de o tribunal não estar vinculado a critérios de legalidade estrita,
devendo tomar a decisão mais oportuna/conveniente (art. 987º CPC). É o tribunal que decide
e daí este ser um processo muito invasivo;
- O tribunal poderá livremente investigar os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos,
etc. (art. 986º/2 CPC). Isto para que o tribunal possa tomar a decisão mais conveniente;
3. Encontramos ainda uma terceira hipótese. Nesta hipótese não houve consentimento, nem
suprimento da falta de consentimento, e a ação foi diretamente proposta. O cônjuge inicia a ação
sem o consentimento do outro. O art. 34º/2 prevê que possa o tribunal decidir na ação proposta
sem consentimento do outro cônjuge sobre o suprimento do consentimento nesta ação,
aplicando-se o disposto no art. 29º. Este art. não é particularmente esclarecedor. Está previsto
para as hipóteses em que uma das partes adequadamente representada mas em que falta uma
autorização legalmente exigida, devendo tal ser obtida. Como é que adaptamos esta disposição

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(art. 29º) ao nosso caso? Isto é, aos casos em que as ações devem ser propostas por ambos os
cônjuges? Em primeiro lugar parece que o tribunal deve suspender de imediato a causa. Em
segundo lugar parece que o tribunal deve fixar um prazo para se obter o consentimento do outro
cônjuge ou a sua intervenção. O 34º/2 abre a possibilidade de suprir o consentimento, no 29º já
não se prevê essa possibilidade. À luz do princípio da adequação formal (art. 547º CPC) parece
que, havendo recusado suprimento e sendo o suprimento pedido pelo autor, deverá o juiz ajuizar
do suprimento do consentimento nos termos previstos no âmbito da jurisdição voluntária do art.
1000º CPC- aqui não é uma ação autónoma, é como se se tratasse de um incidente. A regra não é
a do suprimento- o tribunal só intervém em casos excecionais (excecionalmente pode superar-se
a recusa) e quando a recusa de consentimento for injusta. Pode acontecer que a ação não possa
seguir por falta de consentimento do outro cônjuge. Mas, a regra, é a de que o cônjuge dê o seu
consentimento e que, portanto, a ação seja conduzida pelos dois cônjuges. Excecionalmente pode
ser conduzida por um, sendo necessário superar a recusa. O juiz só tomará conhecimento desta
irregularidade da ação proposta por um só cônjuge terminada a fase dos articulados. Há um
princípio do CPC que é o princípio da concentração da defesa na contestação. O réu pode ter
interesse em não apresentar a sua defesa, em não apresentar contestação quando há uma
irregularidade na instância que ele não pode suprir. Parece que o réu (que se torna réu a partir do
momento em que é citado) poderá pedir a suspensão da instância no prazo para a contestação
para garantir que a ação não corre sem que esteja garantida a regularidade da instância.
Qual é a consequência da não verificação destas regras de legitimidade? Estando nós na
presença da falta de pressupostos processuais a consequência é o surgimento de uma exceção
dilatória. Arts. 577º e) e 278º/1 d) CPC. Todavia, quer num, quer noutro caso, estamos perante
um pressuposto processual cuja falta é sanável. Deve nos termos do art. 6º/2 CPC o juiz convidar
as partes à regularização da instância. Devemos distinguir falta de legitimidade ativa ou
ilegitimidade ativa de falta de legitimidade passiva ou ilegitimidade passiva. No primeiro caso a
irregularidade da instância pode ser sanada, do ponto de vista substantivo, caso se obtenha o
consentimento do outro cônjuge. Do ponto de vista processual encontramos a possibilidade que
vimos de suprimento do consentimento judicial do outro cônjuge. Outra possibilidade é a do art.
311º CPC em que o outro cônjuge toma a iniciativa de intervir na ação, isto é, intervenção
espontânea do cônjuge em falta que toma a iniciativa de intervir na ação. Por fim, temos o
incidente de intervenção principal provocada do 316º CPC. Uma e outra hipótese (estas últimas
referidas) não são suficientes para sanar por si só a irregularidade da instância porque, o que aqui
se pretende, é que os cônjuges mostrem o seu consentimento na ação, pois pode intervir para não
dar o seu consentimento. Por isso, trata-se de uma hipótese em que a simples intervenção não é

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meio suficiente para sanar a irregularidade da instância. Isto relativamente à ilegitimidade ativa.
Relativamente à segunda hipótese (ilegitimidade passiva): Quando alguém é parte passiva
de uma relação jurídica, por isso sem possibilidade de decidir sobre a ação que contra si é
emitida. Nestes casos há também uma exceção dilatória (art. 577º e) CPC), uma causa de
suspensão da instância (art. 278º/1 d) CPC), há também uma irregularidade que é sanável (art.6º/
2). Mas aqui há uma diferença. É a de que a intervenção do outro cônjuge é suficiente para sanar
a irregularidade da instância.

PLURALIDADE SUBJETIVA SUBSIDIÁRIA


Até agora vimos hipóteses em que a pluralidade de partes decorria do facto de se litigar de
uma posição jurídica plural. Assim, a instância, deveria ser também ela plural. Nalguns casos
deveria ser, em outros casos era opção do autor. Na pluralidade subjetiva subsidiária a pluralidade
de partes tem outra razão de ser. Neste caso, diferentes sujeitos, são demandados em posição de
subsidiariedade essencialmente como titulares da mesma relação jurídica, embora com dúvidas
relativamente àquele que é o seu verdadeiro titular. Para responder a estas hipóteses de dúvida sobre
o sujeito da relação jurídica/relação material controvertida criou-se esta figura do art. 39º CPC
(pluralidade subjetiva subsidiária). Tal dúvida pode ser anterior ao processo ou surgir no âmbito, no
decorrer da ação. No primeiro caso o titular da relação jurídica desconhece que é o sujeito passivo,
ou até pode não desconhecer, mas quer precaver-se de não conseguir provar o que alega. Exemplos:
Há um certo acidente de viação numa localidade, tendo o seu condutor fugido depois de
atropelar alguém. Naquela localidade há dois veículos com as mesmas características. Deve propor-
se a ação contra os dois em simultâneo ou não? O art. 39º permite que a ação seja proposta/dirigida
contra ambos em simultâneo.
Um contrato é celebrado pelo representante de uma certa pessoa. A declaração negocial é
emitida em nome de outrem. Para que a contraparte, autor, possa responsabilizar o outro é
necessário que a declaração negocial seja emitida em nome de outrem. O sujeito pode querer
precaver-se, dirigindo o pedido contra o representado e representante, e garante assim a procedência
da ação.
Outro grupo de hipóteses diz respeito àquelas situações em que a dúvida surge no decurso do
processo. Exemplo: A propõe ação contra o réu alegando que fez um contrato com o réu. Este diz
que não e que foi com um terceiro. O pedido de intervenção de outro sujeito no processo pode ser
formulado/feito até ao fim da fase dos articulados (art.318º/1 b) CPC que pressupõe o 316º/2).
Desta forma, pode o autor modelar a parte subjetiva da instância consoante os elementos
formulados/apresentados pelo réu, e consegue assim garantir que naquela relação processual se

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resolverá definitivamente a sorte da relação material controvertida.


Curiosidade: esta regra da pluralidade subjetiva subsidiária foi criada em 1995 ao mesmo
tempo que surgiu a da legitimidade (a legitimidade processual afere-se a partir da alegação do autor
mesmo que o réu não seja verdadeiramente parte material da relação jurídica). Por isso, introduziu-
se esta regra da pluralidade subjetiva subsidiária. Admite-se a chamada da verdadeira parte real da
relação jurídica. Isto é particularmente relevante até nas situações em que haja alguma morosidade
processual. A figura do art. 39º é assim muito interessante.
A pluralidade subjetiva subsidiária será possível nos casos de litisconsórcio (uma relação
jurídica) ou de coligação (várias relações jurídicas). Nos exemplos que vimos acima de
responsabilidade civil e de celebração de negócio jurídico havia uma só relação jurídica mas havia
dúvidas sobre o seu titular passivo.

Vamos ver agora a apensação de processos. Até agora vimos hipóteses em que a
pluralidade subjetiva subsidiaria se gerava no princípio da ação porque o autor da petição
inicial alega estar a exercer uma posição jurídica integrante de uma outra posição jurídica integral.
No art. 267º CPC regula-se uma matéria com uma certa proximidade com esta, mas diferente, que é
a da apensação de ações. Sendo diferentes ações propostas autonomamente admite-se, nos termos
deste art., que venham a ser apensadas para que possam ser tramitadas em conjunto. Há uma serie
de atos processuais que passam a ser tramitados em conjunto. Razões: economia processual e
garantia de uma certa uniformidade de julgados (conveniência). Obtém-se através da instrução,
discussão e julgamento conjunto das diferentes causas. Nos termos do 267º/1 a apensação é possível
quando se verifiquem os pressupostos do litisconsórcio (art. 32º e segs.), da coligação (art. 36º e
segs.), da oposição (art. 333º e segs. CPC) e da reconvenção (art. 266º CPC). Em alguns casos é a
própria lei que exige a apensação. Nos termos do art. 60º/2 do CSC as ações devem ser apensadas.
Não havendo regra expressa só contamos com os critérios do 267º.
Quem pode requerer a apensação? A apensação pode ser requerida por qualquer das partes
que nela tenha interesse atendível; interesse atendível é um conceito relativamente indeterminado
mas que tem de ser concretizado no caso. O preenchimento dos pressupostos do litisconsórcio,
coligação, oposição ou reconvenção são já um indício relativo. Havendo interesse atendível a
apensação/junção só deve ser rejeitada quando o estado do processo, ou outra razão, faça crer que é
inconveniente a apensação, mas inconveniente para a tramitação daquelas concretas ações, e não
para o juiz. Por exemplo, já aconteceu um juiz recusar a apensação por excesso de trabalho.
A apensação, em lugar de ser requerida por qualquer uma das partes, pode ser também

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ordenada pelo juiz. Assim é no caso em que as ações são autonomamente conduzidas pelo mesmo
juiz; em vez das ações em separado trata-as em conjunto. O fundamento da apensação é uma ideia
de economia processual, de conveniência. Se se vier a revelar em momento posterior que a
tramitação conjunta, a apensação, é inconveniente pode o juiz vir a ordenar a desapensação.
Segundo o professor devemos atender que alguns dos pressupostos da apensação, por exemplo
litisconsórcio, compreendem uma relação tao intensa entre as diferentes ações que a lei não permite
que as ações sejam tramitadas autonomamente; noutros casos como a coligação, havendo
pressupostos, pode o juiz ordenar a desapensação. Para esta hipótese o juiz, mesmo depois de
ordenar a apensação, pode ordenar depois a desapensação. O grande obstáculo a este entendimento
é que a decisão de apensação pode ter já transitado em julgado, formando caso julgado formal (e
não material) - a decisão tem força vinculativa dentro do processo. Por força do caso julgado os
processos não podem ser desapensados.
Contudo cabe referir outro aspeto: os limites do caso julgado são traçados pelos termos e
circunstâncias em que foi proferido. Art. 621º CPC. Se novas circunstâncias reclamam uma nova
solução que não foram consideradas na primeira decisão, porque não verificadas, então estamos já
fora dos limites do caso julgado. Este princípio geral encontra particular aplicação/concretização
nos processos de jurisdição voluntária. Art. 988º CPC (regra geral).
Nota: no caso da apensação não estamos perante um processo de jurisdição voluntária.
Mesmo depois de ordenada a apensação poderemos eventualmente ordenar/admitir a desapensação
quando novas circunstâncias mostrem que é inconveniente a tramitação conjunta das ações. Por
exemplo cinco ações estão a ser tramitadas em conjunto; suspensão da instância relativamente a
uma; desapensação e tratamento autónomo daquele processo.
Art. 267º/2 CPC. Os vários processos são apensados àquele que foi instaurado em primeiro
lugar. Trata-se de uma regra puramente formal e guiada por razões de ordem prática de certeza e
segurança jurídica.
06/03/17
INCIDENTES DE INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
São estes incidentes que provocam as modificações subjetivas da instância. São consideradas
as figuras do opoente (terceiro) e de parte acessória (tem uma posição subordinada à do autor ou do
réu). Não se confundem com autor e réu. Os incidentes de intervenção de terceiros são uma
modalidade específica de incidentes. Um incidente é uma tramitação processual meramente
eventual que não marca presença em todas as ações, mas que naquela concreta ação, carece de ser
introduzida para o conhecimento da ação principal, daí que seja eventual. Incidente = algo que
incide sobre outra coisa, neste caso é sobre a ação principal. Incidente é algo acessório, eventual.

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Engloba um conjunto de realidades muito diferentes. Art. 292º e segs. CPC (incidentes em geral),
em especial 296º e segs. Depois há incidentes atípicos que estão regulados em diversos lugares.
Os incidentes de intervenção de terceiros correspondem a um género específico de incidentes.
O objetivo destes incidentes é permitir/ possibilitar o ingresso na instância de uma certa pessoa que
é estranha a uma ação pendente, àquela relação jurídica. Nos termos do 259º/1 CPC a instância
inicia-se com a receção da petição inicial na secretaria. Nos termos do nº 2 a ação só produz efeitos
em relação ao réu depois de ser citado. A partir desse momento a ação considera-se estável (art.
260º). E deve manter-se estável quanto ao pedido, causa de pedir e partes. Os incidentes de
intervenção de terceiros permitem introduzir uma alteração a esta regra, permitindo que outras
pessoas que não o autor e o réu venham a integrar a instância (art. 262º b) CPC). Há alterações
subjetivas. A instância é aumentada nos seus elementos subjetivos.
Devemos distinguir o incidente de intervenção de terceiros do incidente de habilitação
de terceiros. No incidente de intervenção trata-se de aumentar o número daqueles que passam a
integrar aquela relação processual, acrescem pessoas àquelas que já estão na instância. No incidente
de habilitação (351º e segs. CPC) trata-se de substituir as primitivas partes processuais. Um
exemplo é a morte de uma parte. É necessário que os sujeitos intervenham.
Os diferentes casos de intervenção de terceiros podem agrupar-se segundo dois grandes
critérios: quanto à iniciativa e quanto à posição a ocupar pelos intervenientes.
 Quanto à Iniciativa: Pode ser espontânea ou provocada. Nos incidentes de intervenção
espontânea a iniciativa para o ingresso na ação é do interveniente. Nos incidentes de intervenção
provocada a iniciativa é das partes da instância- são elas que chamam o terceiro (“provocatio”
significa chamamento).
 A intervenção espontânea pode dividir-se em diferentes grupos (aqui quanto à
posição a ocupar pelo interveniente):
- Principal: Intervém no processo para ocupar a posição de parte principal (art. 311º
e segs.);
- Opoente: Uma parte principal autónoma, diferente de autor e réu (art. 333º e
segs.);
- Acessória: Art. 326º e segs.;
 Na Intervenção Provocada: Pode ser também como parte principal (316º e segs.),
como opoente (338º e segs.), ou como parte acessória (321º e segs.).
Esta é uma forma de distinguir os diferentes incidentes. Mas podemos adotar a oposta,
referindo primeiro a posição/qualidade adotada pelo interveniente e depois a modalidade de
entrada. Vamos adotar esta última que é também a posição do nosso CPC. O ponto de partida

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é considerar o incidente de intervenção principal. Este incidente destina-se a permitir a


entrada na instância de uma parte principal que venha a assumir uma posição paralela à de
autor ou à de réu.
Uma questão que já se suscitou nos nossos tribunais foi a seguinte: querendo certa
pessoa, ou sendo requerido que certa pessoa, intervenha como parte principal, mas apenas
estejam preenchidos os requisitos para ser parte acessória, deverá ser admitida a sua entrada
no processo ou não? A parte acessória tem uma posição subordinada à da parte principal. Não
pode haver prática de atos de disposição do objeto do processo. O regime não é idêntico.
Poderá ser admitida como parte acessória se estiverem preenchidos os pressupostos mas,
como parte principal não, porque não estão preenchidos tais pressupostos. Estando verificados
os pressupostos para ser parte acessória deverá o juiz admitir/permitir a entrada como parte
acessória; o juiz deverá porém interpretar.

 A Intervenção Principal Divide-se em Dois Grupos de Casos: Espontânea (311º e


segs. CPC) e provocada (316º e segs. CPC).

Intervenção Principal Espontânea (311º e segs.):


Espontânea porque a iniciativa é de um terceiro (“ex ponte”). Esta possibilidade é prevista
pelo 311º quando o interveniente tenha um interesse igual ao do autor ou do réu, quando o
interveniente possa ser litisconsorte de alguma das partes da ação. Esta regra tem que ser
interpretada com duas precisões. A primeira tem a ver com o adjetivo igual. Há casos em que os
dois litisconsortes não têm interesses necessariamente iguais. No entanto, na medida em que é
permitido o litisconsórcio, deve admitir-se a intervenção principal espontânea. Também há casos
raros de coligação necessária que são casos em que é a própria lei que prevê que sujeitos de relações
materiais distintas devem poder ser partes na mesma ação para que esta possa ser apreciada; todos
têm de marcar presença na ação com fundamento na identidade da regra no litisconsórcio
necessário. O que não se admite é a intervenção principal ao abrigo das regras de coligação
voluntária. Muito embora não seja admitida a intervenção principal espontânea nos casos da
coligação voluntária, pode haver uma identidade de tratamento- dá-se a apensação por razões de
economia processual mas mantém-se a sua autonomia.
A iniciativa do terceiro pode ter diferentes fundamentos, o conhecimento que ele tenha da
primitiva ação pode dar-se de diferentes formas. Encontra-se previsto em várias disposições do CC
o dever de uma das partes alertar a outra para a propositura de uma ação cuja procedência possa
afetar os seus interesses. Exemplo: art. 1038º h) CC. A mesma regra está prevista para o comodato

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(art. 1135º g) CC); para o depósito (art. 1187º b) CC); e regime de obrigações entre proprietário e
usufrutuário (art. 1475º CC); art. 1490º CC. Estas regras designam “litis denunciatio” (= denúncia
da lide); visa-se dar conhecimento da propositura da ação. Trata-se de regimes materiais que
antecipam demandas processuais.
A intervenção espontânea está sujeita a despacho liminar. Art. 315º/1 CPC. Perante o
requerimento de intervenção espontânea o juiz toma uma de duas decisões:
I. Recusa liminarmente o pedido de intervenção (por exemplo, por falta de preenchimento
dos pressupostos);
II. O juiz não indefere liminarmente e ordena a notificação das partes para responderem ao
requerimento. Obtidas as respostas o juiz decide: ou indefere o requerimento, ou admite a
intervenção. Neste último caso há uma mudança subjetiva na ação, há uma questão principal com
mais partes do que aquelas que tinha.
A intervenção espontânea de terceiro pode revestir duas modalidades principais
consoante o terceiro intervenha através de: apresentação de um articulado próprio em que apresenta
uma posição própria, ou então, mediante adesão aos articulados fazendo sua uma das posições
ocupadas pelas partes (art. 313º CPC). Se adere às posições de uma das primitivas partes o terceiro
está vinculado ao modo como o objeto do processo foi previamente delimitado. A intervenção por
adesão é mais fácil do que por articulado próprio porque não acrescem elementos novos. Aqui o
interveniente limita-se a aderir aos articulados previamente estabelecidos e faz sua uma das
posições ocupadas pelas partes. A intervenção por mera adesão encontra-se regulada no art. 313º
CPC. Tal possibilidade nos termos do 313º/1 é admitida a todo o tempo, enquanto não estiver
julgada definitivamente a causa. Porquê? Justamente por não introduzir qualquer elemento de
perturbação processual. Terminada a ação já não é possível aderir.

08/03/17
Modalidades de Intervenção Espontânea: Pode assumir duas modalidades:
i. Por adesão aos articulados de uma das partes, fosse réu ou autor;
ii. Ou mediante a apresentação de articulados próprios.
Intervenção por Adesão: Era admissível enquanto não estivesse definitivamente julgada a
causa. Também já não era admissível a partir da sentença sempre que mais alguém quisesse
beneficiar dos efeitos do caso julgado. Em todo o caso há uma limitação que se coloca à intervenção
por adesão que é a alegação fundada por parte de uma das primitivas partes da instância de que já
não poderá fazer valer um meio de defesa que tinha ao seu dispor contra o aderente. Qual o
momento próprio para avançar os próprios meios de defesa? O momento próprio é a fase dos

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articulados. A circunstância de o aderente, o interveniente que adere, intervir já depois de findada a


fase dos articulados pode fazer com que por exemplo o réu já não consiga usar meio de defesa
porque, por exemplo, aquele meio de defesa tinha que ser avançado por contestação.
O autor avança a petição inicial, o réu avança a contestação o processo continua. O aderente
intervém apenas depois da fase dos articulados. Já não pode o réu neste momento apresentar outro
articulado que permita introduzir meio de defesa e, por outro lado, o interveniente não apresentou
nenhum articulado próprio para essa resposta. Portanto, há aqui uma dificuldade processual que irá
obstar ao interesse do interveniente. Um exemplo que não é propriamente um direito de defesa é o
exercício do direito de compensação. Compensação é uma declaração unilateral pela qual alguém
extingue uma sua dívida mediante contra crédito que tenha em face do seu credor. Exemplo: o
devedor é credor do seu credor em 100. Se o credor exigir ao seu credor 100 (declaração negocial)
tem um crédito extinto por ter contra crédito. Em termos processuais o atual regime exige a
formulação de um pedido reconvencional. O autor, o credor, pede a condenação do réu e o devedor
na contestação reconvém e faz um pedido autónomo contra o credor. Ora, este pedido tem de ser
formulado ao tempo da contestação. Se um terceiro interviesse por adesão em momento posterior o
réu já não tinha a possibilidade de formular tal pedido porque já estava esgotado o momento
processual para a prática desse ato.
No caso da intervenção por adesão o aderente está sujeito a aceitar o estado da causa tal como
ela naquele momento se encontra. Só a partir do momento em que interveio é que pode começar a
modelar autonomamente a ação (art. 313º/3). Só partir da adesão é que é verdadeiramente
qualificado como parte principal.
O articulado é um meio específico para alguém apresentar a sua posição face à concreta ação.
Há um momento próprio da vida do processo que é destinado à apresentação destas peças
processuais que é a fase dos articulados. A fase dos articulados é a fase que se destina à composição
e à formação da instância. Ora, se assim é, e se o interveniente pretende intervir mediante a
apresentação de articulado próprio, então haverá um tempo específico para tal prática, para
apresentação deste requerimento e para a tempestividade deste requerimento que é a fase dos
articulados – art. 314º CPC. Para este efeito deve entender-se que a fase dos articulados termina
com a prática do primeiro ato da fase seguinte que é o despacho saneador. Portanto, até a prolação
do despacho pré saneador será admissível a intervenção do terceiro.
Enquanto estiver a decorrer a fase dos articulados tem então, no fundo, duas opções: ou
apresentar articulado próprio ou aderir a um dos articulados, à posição expressa de um dos
articulados já existentes ou de uma das partes. A partir do momento em que se esgota a fase dos
articulados já só tem uma possibilidade ao seu dispor que é aderir à posição de uma das partes e,

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mesmo assim, pode uma das primitivas partes opor-se a este ingresso na ação. Quando? Nas
hipóteses em que tenha meio de defesa contra o interveniente que já não possa exercer.
Como se afere da legitimidade para intervir espontaneamente na ação? Bastará então que o
interveniente seja um dos titulares da relação material controvertida tal como alegada pelas partes,
tal como formulada pelas partes na ação. Se o autor alega que é comproprietário de certo bem e na
petição inicial o terceiro, se alegar que é também um desses comproprietários, tal como o autor
havia alegado, pode também ingressar na ação como parte principal. O interveniente intervém na
ação nos termos e na medida em que os primitivos articulados já prevejam a existência da sua
posição. Diferentemente ocorrerá no caso da oposição em que apresenta uma posição conflituante
com aquela que vem prevista nos articulados.

Intervenção Principal Provocada:


Em comum com a hipótese anterior tem o facto de ser um incidente de terceiros que visa a
introdução de uma nova parte principal na ação, e parte principal a ocupar uma posição paralela à
de autor ou de réu. A diferença é que neste caso o ingresso de terceiro no processo não decorre da
sua própria iniciativa mas do impulso das primitivas partes da ação. O terceiro torna-se parte porque
as partes o chamaram, o provocaram a agir. Segundo o art. 316º CPC esta possibilidade de
intervenção principal provocada está prevista para três grupos de hipóteses:
1) Litisconsórcio necessário em que a intervenção pode ser pedida por autor ou por réu – art.
316º/1;
2) Litisconsórcio voluntário passivo por iniciativa do autor- art. 316º/2. Subsidiariamente
pluralidade subjetiva subsidiária;
3) Litisconsórcio voluntário ativo ou passivo por iniciativa do réu- 316º/3.
Havendo preterição de litisconsórcio necessário remete-se para esta matéria.
Pode, quer autor, quer réu, pedir a intervenção daquele que não esteja presente na instância. A
intervenção deste terceiro tem dois efeitos. O primeiro, que é comum a todos os incidentes de
intervenção, é a modificação subjetiva da instância. A instância que tinha apenas, por exemplo, duas
partes passa a ter mais sujeitos. O segundo efeito é que por via desta intervenção fica removida a
falta de um pressuposto processual. Se nos recordarmos, o litisconsórcio necessário era um
pressuposto processual nalguns casos, cuja não verificação dava lugar ao surgimento de exceção
dilatória, que se não fosse regularizada levaria à irregularidade de sentença seguida de absolvição
da instância. Ora, se o terceiro intervém fica regularizada a instância e pode prosseguir.
Como é que o incidente deve ser deduzido? Art. 318º/1 a). Diz este art. que tal incidente deve
ser deduzido até ao termo da fase dos articulados, ressalvando-se o disposto no art. 261º. Esta regra

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cria um problema. A primeira fase do processo é a dos articulados, segue-se a fase de gestão inicial
do processo, condensação e saneamento, depois instrução, discussão e julgamento. Isto são as fases
em primeira instância. Nos articulados encontramos a petição inicial, a contestação, eventualmente
réplica, e despacho pré saneador.
O momento previsto para a aferição dos pressupostos processuais e para o julgamento quanto
à verificação dos pressupostos processuais é o despacho saneador. É aí que à partida, sendo o caso,
o juiz absolve da instância. É por isso que o pré saneador convidava à regularização da instância
para, eventualmente, evitar a absolvição. O 318º/1 a) diz que o requerimento de intervenção
principal por terceiro cuja presença tenha sido preterida deve ser feito na fase dos articulados e
ressalva o art. 261º. O 261º é aquele que permite o chamamento depois de a ação ter sido julgada.
Há decisão de absolvição da instância e pode, ainda assim, a parte cuja presença foi preterida, ser
chamada mesmo depois de a decisão ter transitado em julgado. É uma regra especial. O momento
indicado para absolver da instância o réu é o despacho saneador. Mesmo depois do despacho
saneador, mas antes de transitado em julgado, pode o réu, por força do 261º, voltar a chamar aquele
cuja presença tiver sido preterida.
A absolvição pode ser na sentença final se não tiver sido apreciada antes a questão da
legitimidade e não houver caso julgado formal.
Uma aplicação puramente literal do artigo 318/1º a) levaria a que o juiz descobrindo aqui a
falta de pressuposto processual, tivesse de absolver da instância. Não parece fazer sentido. Se a
preocupação é salvaguardar a instância faz sentido que o juiz tenha de absolver para, em seguida,
ser regularizada a instância? Ou, por maioria de razão, devemos admitir que a instância possa ser
regularizada antes da absolvição por evidente economia processual? Há que fazer uma interpretação
expansiva deste art. Por maioria de razão, se se pode regularizar a instância depois da absolvição,
deve poder regularizar-se a instância antes mesmo de haver absolvição, obstante a permanência da
falta de pressuposto processual. É essa a preocupação fundamental que preocupou o Processo Civil.
Art. 6º/2 CPC. Ver acórdão no Sigarra relativamente a este ponto.
No 316º/ 2 CPC atribui-se ao autor a possibilidade de chamar à instância aquele que, no
momento da formação da instância, havia de demandar como litisconsorte do réu. Dito de outra
forma, a verificação dos pressupostos do litisconsórcio voluntário passivo é fundamento do
chamamento principal provocado. Depois há uma outra causa ligeiramente diferente que é a da
pluralidade subjetiva subsidiária. Qual é o grande interesse desta possibilidade? Isto parece permitir
que o autor, à luz de uma nova decisão, chame novos sujeitos à instância. Mas, o grande interesse
do art. não é este. O grande interesse é permitir que o autor adapte a instância nos seus elementos
subjetivos aos elementos que o réu introduziu na contestação.

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Vários exemplos: o autor propõe a ação contra o réu em que alega, por exemplo, que o réu
praticou um certo facto ilícito culposo. Portanto, alega que é lesado e que o réu é lesante. O réu
alega na contestação que não foi ele que praticou o ato, que foi um terceiro, ou então alega que não
praticou o ato sozinho, que o praticou com um terceiro, sendo a sua responsabilidade solidária (art.
500º CC) neste último caso. Estes são elementos com os quais o autor não podia contar no momento
em que apresentou a sua petição inicial. A intervenção principal provocada permite neste caso que o
autor, conhecendo estes novos elementos, vá englobando na instância aqueles que o réu afirma
serem também partes na relação material. A instância pode adaptar-se às diferentes alegações das
partes.
O autor propõe a ação contra o réu alegando que o seu prédio é encravado e tal não constitui
particular dificuldade à constituição de uma servidão sobre o prédio do réu. O réu alega que é
menos onerosa a constituição de servidão sobre prédio de terceiro. Tem poder para definir a sorte
daquela relação material controvertida. Interesse em adaptar a instância aos novos elementos que
vão sendo referidos.
Isto permite-nos ver que a legitimidade para a ação não decorre apenas da relação material
controvertida tal como alegada pelo autor; decorre também da relação material controvertida tal
como apresentada pelo réu. Evidentemente que para a primitiva definição da legitimidade do réu
apenas se encontra a apresentação da petição inicial pelo autor, não há mais nenhum articulado.
Mas, se o réu introduzir novos elementos, isso é suficiente para o autor poder chamar novos sujeitos
à instância.
Outro exemplo: o autor propõe uma ação contra o réu afirmando que o réu é seu devedor. O
réu alega que é devedor solidário. Com esta afirmação pode chamar à instância os codevedores
solidários. Não fica impedida essa possibilidade. Poderá fazê-lo para o exercício do direito de
regresso. Portanto, o articulado do réu é também, revela-se também, um elemento apropriado para a
definição da legitimidade para a ação, embora seja mais relevante o do autor.
Deve salientar-se que o autor não tem a possibilidade de chamar à ação os seus litisconsortes
ativos, só pode chamar os réus, não pode chamar outros autores. Porque é que não pode chamar
outros autores? Nos casos de litisconsórcio voluntário estamos a aplicar situações, posições
jurídicas materiais, relativamente autonomizáveis. Se tais posições são relativamente
autonomizáveis, então deve ser deixada ao seu titular a liberdade de as escolher exercer ou não. É
esta a ideia fundamental da autonomia privada, é ser senhor das suas posições jurídicas. Autonomia
privada é poder decidir a sorte das suas posições. Tanto é que no litisconsórcio voluntário se
consideram posições jurídicas relativamente autonomizáveis que no art. 35º CPC se afirma que “no
litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma

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posição de independência em relação aos seus compartes” enquanto no litisconsórcio necessário


havia uma simples ação. Por esta razão, porque as posições jurídicas são relativamente
autonomizáveis, cada um deve poder decidir da sua quota parte e nenhum pode forçar o outro à
ação. Este interesse só há de ceder, no confronto com o interesse do réu, num caso de litisconsórcio
voluntário, em pretender ver definitivamente resolvida a sorte daquela concreta relação jurídica. Isto
é, cada um dos cotitulares ativos não pode ser forçado por um outro cotitular a ter de intervir na
ação, mas o réu pode forçá-lo a intervir.
Exemplo: o autor é comproprietário. E reivindica a coisa do réu. O autor não chamara à ação
B, C e D, os seus comproprietários. Contudo, o réu pode provocar esta intervenção. Quer dizer, a
autonomia de cada um dos cotitulares desta posição jurídica é apenas restringida na medida do
contra interesse do réu, ou seja, na hora de pesar sobre quem deveria recair o risco de uma litigância
fora do momento desejado o legislador entendeu, e bem, que esse risco deveria recair sobre os
cotitulares, e não sobre o réu, porque os cotitulares ao menos são titulares ativos da posição jurídica
e o réu não pode decidir nada. Em segundo lugar, estas posições jurídicas materiais já permitem em
si, via de regra, a sua divisão. Portanto, se qualquer um destes comproprietários não quiser estar
sujeito a este risco, de ser envolvido numa ação em que pode perder o que é seu por iniciativa de
um dos outros comproprietários, se quer diminuir este risco tem um caminho ao seu dispor: peça a
divisão e torna-se proprietário único de uma parte. Quem não quer ficar sujeito aos riscos de uma
comunidade de bens pode sempre optar pelo caminho da divisão. Relativamente à compropriedade-
art. 1412º CC. Isto ocorre também no domínio do Direito Sucessório. As ações relativas à herança
devem ser propostas por todos os herdeiros e contra todos os herdeiros. Quem não quiser estar
sujeito a este regime pode pedir a partilha da herança. Tem esse direito potestativo, não precisa do
consentimento de qualquer outro herdeiro. Art. 2101º CC.
Nota: o regime da herança anda a paredes meias com o regime da compropriedade porque a
origem histórica das figuras é a mesma.
Quando é que pode ser requerida uma intervenção principal provocada? Nos casos de
litisconsórcio voluntário por iniciativa do autor. Nos termos do 318º/1 b) CPC tal intervenção deve
ser requerida até ao termo da fase dos articulados. Quando é que acaba a fase dos articulados?
Temos duas opções neste caso:
- Ou termina com a apresentação do último articulado que, via de regra, é a contestação;
- Ou termina com a prática do primeiro ato integrante da fase seguinte que é o despacho
pré saneador.
Enquanto não estiver iniciada a fase seguinte ainda não há qualquer obstáculo irremediável a
que se introduzam novas partes no processo. Ainda não se gera particular perturbação processual.

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Em segundo lugar, e sobretudo, esta é a única forma de permitir que se satisfaça a mais relevante
finalidade desta modalidade de intervenção que é o autor conseguir adaptar a instância, no que toca
às suas partes subjetivas, aos elementos avançados pelo réu na contestação. Ora, isto pressupõe que
possa fazê-lo depois da contestação e, portanto, que a fase dos articulados termine depois da
contestação. Quando? Com o primeiro ato da fase seguinte. A petição inicial é o primeiro momento
da marcha processual, segue-se a contestação, etc. Se não admitíssemos esta possibilidade a
intervenção principal provocada perderia grande parte do seu sentido.

Litisconsórcio Voluntário por Iniciativa do Réu:


É outra causa que justifica a intervenção principal provocada. Art. 316º/3 CPC; remete-se,
portanto, para os pressupostos do litisconsórcio voluntário, onde possa haver litisconsórcio
voluntário. Poderá tendencialmente o réu chamar à instância os demais titulares da posição jurídica.
Tal é concretizado de diferentes formas. No 316º/3 a) refere-se a possibilidade de o réu chamar à
instância outros litisconsortes necessários que sejam sujeitos passivos da mesma relação material
controvertida. Na alínea b) quando pretenda chamar possíveis cotitulares do direito invocado pelo
autor. Qual é o propósito desta possibilidade? É oferecer ao réu a possibilidade de, sendo
demandado ao abrigo da sua titularidade passiva de uma certa posição plural, conseguir forçar a que
a sorte dessa situação jurídica plural seja definitivamente resolvida naquela ação. Vamos analisar as
duas hipóteses suprarreferidas:
 Existência de alguns cotitulares passivos da obrigação: Um exemplo é o fiador pedir
a intervenção na instância do devedor principal, faculdade que é garantida pelo regime de Direito
material (art. 641º/1 CC). Qual o interesse que o fiador tem em chamar o seu devedor principal?
Garantir que o seu devedor fica abrangido pelos efeitos do caso julgado e, portanto, que a
questão da validade da fiança não mais será discutida. Outro exemplo é o das obrigações
solidárias que tem particularidades. Um dos codevedores solidários é demandado e pretende
chamar à instância os seus codevedores solidários. O 316º/3 a) refere porém mais um elemento:
que é necessário o réu ter interesse atendível, não se diz apenas que pode chamar à instância os
seus litisconsortes voluntários, mas deve ter interesse atendível nesse chamamento. Há um
princípio fundamental no CPC que é o de admitir à instância apenas aqueles que tenham algo a
ganhar ou a perder com a procedência do pedido. Se alguém não tem nada a ganhar ou a perder
com a procedência do pedido ou não é parte legítima, porque por exemplo não é parte da relação
material controvertida, logo absolvição da instância; ou não tem interesse em agir. Art. 30º/2
CPC. Deve o autor ou o réu ter algo a ganhar ou a perder respetivamente. O art. 316º/3 volta a
referir o interesse. Se o réu não tiver interesse no chamamento, se não tiver nada a ganhar na sua

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posição jurídica com o chamamento do terceiro, tal chamamento deve ser indeferido. Exemplo: o
credor demanda o fiador. Tem o fiador interesse no chamamento do devedor principal? A sua
obrigação é acessória face à do devedor principal. Nota adicional que não precisamos de saber:
se o fiador cumprir perante o credor fica subrogado esse credor ao fiador, ou seja, adquire o
direito do credor, contra o fiador, contra o devedor principal, pelo seu ato de cumprimento.
Como funciona a subrogação? O credor tem uma dívida. Se o fiador cumprir esta dívida porque
ele é fiador ele fica subrogado. Mais uma vez, como funciona a subrogação? Este crédito
transmite-se do credor para o fiador (transmissão de crédito) e o fiador, como agora é titular do
crédito que o credor tinha contra o devedor, vai conseguir reaver o que pagou. Isto é o
mecanismo da subrogação que é uma forma de transmissão de créditos.
Nota: subrogação e um termo polissémico. Isto é subrogação na titularidade de direitos.
Esta regra da subrogação encontra-se prevista no 592º CC. No caso da fiança temos o art. 644º
CC que é um caso específico de subrogação real. Ora, sabendo isto, tem interesse o fiador no
chamamento do devedor à instância? Se o fiador chamar o devedor à instância há um ponto que
o devedor nunca mais pode discutir com o fiador que é a existência desta obrigação. Já não se
pode discutir mais a existência da obrigação principal e, por essa razão, vai poder exigir do
devedor principal tudo aquilo que ele próprio pagou. Vamos agora pensar no caso oposto: o
credor demanda o devedor. Tem o devedor interesse no chamamento do fiador? Juridicamente,
ganha alguma coisa com o chamamento do fiador? Mesmo que o fiador seja chamado a
responder, em termos de regime de Direito material, a sua responsabilidade é subsidiaria mas,
sobretudo, se o devedor cumprir adquire algum contra direito contra o fiador? Não. Portanto,
neste caso, o chamamento do fiador pelo devedor é apenas no interesse do autor. Neste caso não
deverá ser atendido o chamamento. Quando muito o credor, o autor, se quiser, pode ele próprio
chamar o fiador. Agora, não se vê razão para ser o devedor principal a chamar o fiador porque é
uma posição jurídica autónoma.
Outro exemplo no âmbito da responsabilidade do comitente: imaginemos que apenas é
demandado o comissário. Pode o comissário chamar o comitente à demanda? Tem interesse? É
claro que o autor pode demandar os dois. Mas, e se tiver demandado só um? Art. 500º CC. A
responsabilidade comitente é uma responsabilidade puramente de garantia à partida. À partida
não tem interesse, isso deve fazer o autor. Questão diferente é, se por exemplo, o comissário
afirma que o comitente deu-lhe instruções que levaram à produção de danos e que, portanto, há
culpa do comitente e direito de regresso por tudo o que ele tenha pago. Aí sim, já tem um contra
direito, já tem interesse atendível em chamar o comitente. Estas hipóteses são hipóteses curiosas:
é que neste caso o pedido foi dirigido pelo autor apenas contra um sujeito, mas os sujeitos

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passivos do pedido são aumentados por iniciativa do réu, e não por iniciativa do autor. Por
iniciativa do réu serão condenados eventualmente mais sujeitos do que aqueles que o autor pediu
que fossem condenados; serão atacados pela instância mais sujeitos do que aqueles contra os
quais o autor decidiu mover a ação.
 Passemos à outra hipótese (existência de cotitulares ativos da obrigação): O art.
316º/3 b) CPC admite que o réu possa pedir a intervenção na instância de titulares ativos da
posição jurídica que serve de base à ação. O principal propósito, em regra, é permitir que o réu
tenha a possibilidade de se precaver contra a eventual propositura de novas ações com o mesmo
objeto mas com diferentes partes. Arts. 619º e 581º. Visa-se portanto obstar a repetição da lide.
Também neste caso é por iniciativa do réu que se aumentam as partes ativas do pedido. Certa
pessoa que não tomou a iniciativa do pedido é obrigada a figurar como sujeito ativo de uma
ação. Portanto, é autor alguém que não formulou o pedido. Estas hipóteses de intervenção por
iniciativa do réu são muito extravagantes. Exemplo no âmbito da compropriedade: A propõe
ação de reivindicação contra o réu. O réu pede a intervenção de B, C e D. O autor primitivo é A.
Os outros são autores, partes principais a partir do momento em que for admitida a intervenção.
B, C e D não formularam nenhum pedido contra o réu mas foram por ele chamados à instância.

Outro caso ainda mais extravagante é o das obrigações solidárias para o qual se prevê um
regime específico. O art. 317º regula apenas o direito de regresso nas obrigações solidárias. Nos
termos do 512º/1 do CC nesta modalidade de obrigações o credor pode exigir a totalidade da
prestação a qualquer um dos codevedores- é o chamado dever de prestação integral, pagamento
integral da prestação. Se um dos codevedores cumprir, a obrigação extingue-se nas relações
externas em face de todos- é o chamado efeito extintivo recíproco. Mas, na sequência disto, surge o
direito de regresso contra os outros codevedores solidários. Só ao nível das relações internas entre
os codevedores solidários é que há quotas de responsabilidade. Este art. 317º visa justamente
facultar ao codevedor solidário isoladamente demandado a possibilidade de sujeitar os outros
codevedores solidários aos efeitos deste caso julgado.
O credor demanda um dos codevedores solidários. Ele chama à instância os seus codevedores.
O propósito deste chamamento é que os seus codevedores solidários fiquem sujeitos aos efeitos
deste caso julgado no que respeita à obrigação solidária. O propósito é que se este codevedor
cumprir perante o credor adquire o direito de regresso contra os seus codevedores. Ele pretende
precaver-se de quê? Caso chame à instância numa outra ação contra os seus codevedores para exigir
em regresso aquilo que prestou pode ser vencido na questão da existência da obrigação solidária.
Assim, sujeitando aos efeitos do caso julgado, não corre este risco. Art. 317º/1. O art. 317º/2 prevê

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uma regra: se estes codevedores apenas impugnarem a solidariedade da dívida, e se também o


devedor não impugnar a solidariedade da dívida, isto é, se o devedor não puser em causa o direito
do credor e, chamando os codevedores, eles colocarem em causa apenas a solidariedade da dívida
mas não puserem em causa o direito do credor (só põem em causa que a obrigação é solidária mas
reconhecem que ela existe), o primitivo réu, que é o devedor, é logo condenado no pedido no
despacho saneador e a ação prossegue apenas entre o primitivo réu e os restantes codevedores
solidários.
Nota: o devedor pode ser condenado no pedido no despacho saneador; a decisão de mérito
pode excecionalmente ser tomada no despacho saneador, embora não seja essa a sua finalidade
principal.
Questão que se coloca é: temos aqui rigorosamente apenas um pedido ou mais do que um?
Temos uma questão que foi resolvida e outra que continua a ser apreciada/litigada. Ora, se assim é,
temos mais do que um pedido, temos dois pedidos diferentes:
1º Pedido: Autor contra réu, credor contra codevedor solidário;
2º Pedido: Pedido do devedor contra os seus codevedores solidários.
E o primeiro pedido pode proceder e o segundo não, o segundo pode improceder.
Segundo aspeto: os codevedores solidários são sujeitos passivos do pedido dirigido pelo
credor contra o codevedor solidário? Parece que não, porque se fossem sujeitos passivos do
primeiro pedido, o despacho saneador não se iria limitar a condenar o devedor, para além de que a
lei separa as duas hipóteses, os dois pedidos. Verdadeiramente, lendo o 317º/1, quem pede a
condenação é o reu, quem pede a condenação dos codevedores solidários e um codevedor solidário.
É o titular passivo da instância que pede a condenação dos outros cotitulares materiais da posição
jurídica. Assim, os codevedores solidários são réus em face do réu, assim como o réu é réu em face
do autor. É uma posição atípica. Do ponto de vista material é um autor mas, do ponto de vista
formal, é um réu a formular um pedido contra os restantes codevedores. Nota: todos os codevedores
têm posições conflituantes entre eles. É a estrutura atípica da relação material que vai dar lugar a
uma estrutura atípica da relação processual.
Último aspeto neste regime especial das obrigações solidárias: neste caso prevê o 317º que o
devedor que tenha sido demandado para satisfazer a totalidade da prestação possa chamar os
restantes codevedores. E se forem demandados apenas alguns codevedores? Por exemplo, um em
30, outro em 40, outro em 30, mas ficarem fora da ação outros codevedores solidários? Exemplo:
são cinco codevedores (A, B, C, D e E), cada um em 20%. São demandados A por 50 e B por 50%,
ou seja, se A pode exigir em regresso 30% A e B podem pedir o chamamento à instância, a
intervenção de C, D e E? Eles foram demandados apenas por uma parte da obrigação. Podem pedir

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o chamamento dos restantes? O professor Lebre de Freitas entende que esta regra tem por
fundamento oferecer ao devedor demandado uma compensação por poder ser demandado pela
totalidade da prestação. Já que corre o risco de ter de responder pela totalidade ao menos pode
chamar outros codevedores à instância. Mas este argumento não parece particularmente persuasivo.
O propósito da regra parece ser outro que é permitir que o réu coloque sobre os efeitos do caso
julgado os cotitulares da posição jurídica de que ele é titular. É este o fundamento dos incidentes de
intervenção. Se o fundamento for apenas aquele então ele vale, quer seja demandado um, quer
sejam demandados vários. Tem-se direito de regresso quer se seja demandado na totalidade, ou em
parte, se esta parte for superior à parte que lhe cabia. Se A fosse demandado apenas por 20 não tinha
interesse no chamamento, não tinha qualquer contra direito.

Tramitação do Incidente: Requerida a intervenção principal provocada deve o juiz ouvir a


parte contrária, ou seja, aquela que não deduziu o incidente (se tiver sido o autor ouve-se o réu e
vice-versa) - art. 318º/2 CPC. Ouvida a parte contrária o juiz decide. Se indeferir o requerimento o
tal sujeito não é chamado para a instância. Se admitir a intervenção o juiz ordena a citação que é a
forma pela qual se chama alguém à instância- art. 319º/1 CPC. A citação é precedida de despacho
do juiz que é um despacho liminar – art. 226º/4 d) CPC. Tal como acontecia na intervenção
espontânea, na intervenção provocada o terceiro pode intervir de duas diferentes formas: apresentar
articulado próprio ou aderir à posição de autor ou réu. Se for admitida a intervenção é dada ao
interveniente a possibilidade de apresentar articulado próprio no prazo para apresentar a
contestação- art. 319º/3. Este prazo é de 30 dias – art. 569º/1 CPC. Se não apresentar qualquer
articulado fica o interveniente sujeito aos articulados das primitivas partes- art. 319º/4 CPC.

Observação que não é preciso saber: neste ponto há uma diferença face ao regime anterior. no
regime anterior admitia-se o chamamento também nas hipóteses de litisconsórcio voluntário ativo.
Admitia-se, contudo, que o interveniente podia não intervir, recusava a intervenção porque tem uma
posição jurídica autónoma. Tratava-se de um simples convite a intervir. Neste momento não é
assim. Neste momento, admitido o incidente, e o pedido de intervenção, torna-se de imediato parte
da ação; se se torna parte da ação está sujeito desde logo aos seus efeitos, não tem opção. Pode
intervir caso pretenda apresentar as razões da sua posição mas, mesmo que não intervenha, já fica
sujeito aos efeitos do caso julgado, de ser parte. A prova de que já fica sujeito aos efeitos da ação é
o art. 320º CPC. Este regime do 320º vale. O caso julgado produz-se em relação às partes na ação.
Ora, se o terceiro é chamado para ser parte na ação fica sujeito aos efeitos do caso julgado. Esta
regra está em perfeita harmonia com os arts. 619º e 581º.

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13/03/17
Terminamos a matéria da intervenção principal provocada. Vamos considerar um novo
incidente.

Incidente para Oposição:


Art. 333º e segs CPC. Em todos os casos que consideramos até aqui uma nova parte ou uma
nova pessoa era chamada à instância para ocupar uma certa posição ao lado de uma das primitivas
partes da ação, ao lado de autor ou ao lado de réu. E portanto, de uma situação de unidade
passávamos para uma situação de pluralidade de partes. Na oposição acontece algo diferente. Na
oposição alguém é admitido para exercer uma posição jurídica total ou parcialmente incompatível
com a do autor, exercendo-a contra o réu. Por isso é que nos termos do art. 333º/1 se diz que o
opoente é admitido à ação para exercer um direito total ou parcialmente incompatível com a
pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte; reconvinte é o réu quando faz pedido autónomo
na reconvenção. O exemplo clássico de oposição é a intervenção na instância de alguém que alega
ser titular do direito que é objeto da ação. O principal exemplo no âmbito da oposição é a ação de
reivindicação. A reivindica a coisa de B. Perante esta ação o opoente é aquele que se afirma titular
do bem reivindicado, portanto a posição do opoente conflitua com a do autor e é dirigida contra o
réu. Nas situações de oposição nós temos sempre potencialmente uma situação de triangularidade
de partes, são verdadeiramente três polos processuais: autor, réu e opoente; há a posição de autor
que conflitua com a de réu; a de réu e de opoente que conflitua com as posições de autor e de réu:
com a de autor porque alega ser titular do direito, com a de réu porque quer exigir-lhe o direito
incompatível com aquele que o autor exerce. Nesta medida costuma dizer-se, com razão, que na
oposição há uma nova ação que se atravessa na primitiva ação. Há uma primitiva ação que é movida
pelo autor contra o réu e o opoente atravessa-se, exercendo uma posição jurídica própria que
conflitua com a das primitivas partes.
Parecem ser duas as razões que podem justificar a oposição:
 Economia processual: Em lugar de se proporem duas ações diferenciadas com o
mesmo objeto, o opoente é admitido a litigar naquela concreta relação processual, com efeitos
sobre a mesma;
 Preocupação com a verdade material: Sucede que se um certo terceiro se arroga titular
de um direito é conveniente que, na ação em curso, possa ser admitido a litigar para que, por
exemplo, seja reconhecido o verdadeiro titular do direito.
Um caso que já causou alguma controvérsia a propósito da oposição foi a possibilidade de um
titular de direito de arredamento poder intervir como opoente. Há decisões nos dois sentidos. Tudo

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depende de se considerar se o direito de arrendamento é ou não compatível com o direito exercido


pelo autor daquela concreta ação. Se o autor reivindica o bem, o titular do direito de arrendamento,
como o direito que onera é a propriedade, deve ter legitimidade para intervir como opoente porque
o seu direito é parcialmente incompatível com o do autor. O autor reivindica pleno poder sobre a
coisa e o titular do direito de arrendamento alega ter uma posição jurídica parcialmente
incompatível, a de poder gozar a coisa. Aliás, o titular do direito de arrendamento no Direito
português tem tutela possessória. Por isso, para efeitos de oposição, bastará tratar-se de um direito
incompatível sem que tenha de ser o mesmíssimo direito, só é exigido um direito que conflitua. Se
tivesse que ser o mesmo direito o art. não referiria direito parcialmente incompatível, pois nesse
caso seria-o totalmente. Admitida a intervenção do terceiro opoente a instância terá de sofrer
algumas modificações e, em síntese, abrem-se duas grandes possibilidades:
o A pretensão do opoente ser reconhecida pelo autor ou pelo réu. Neste caso, a ação
prossegue apenas entre o opoente e aquele que não reconheceu;
o Se, pelo contrário, nenhuma das partes reconhecer a pretensão do opoente passamos a
ter rigorosamente duas causas conexas.
Surgem, neste sentido três hipóteses:
 Primeira Hipótese: O opoente intervém e o autor reconhece a sua pretensão. A
instância prossegue apenas entre opoente e réu;
 Segunda Hipótese: O réu reconhece a pretensão do opoente, logo não há qualquer
conflito entre estes e, portanto, a instância prossegue entre opoente e autor;
 Terceira Hipótese: Nem o autor nem o réu reconhecem a pretensão do opoente. Neste
caso rigorosamente temos duas ações (ação entre autor e réu e ação do opoente contra autor e
réu). Neste caso a intervenção do opoente dá lugar a uma nova ação que é conexa à ação
pendente.
Legitimidade para Intervir como Opoente: Tem legitimidade para intervir como opoente
todo aquele que nos termos dos articulados das partes, ou nos termos por si próprio avançados, caso
se trate de oposição espontânea, alega ter um direito total ou parcialmente incompatível com a
pretensão deduzida pelo autor ou pelo reconvinte. Se o opoente alega ter um direito que não é
incompatível a sua intervenção não deve ser admitida. Distinguem-se três casos de oposição:
1- Oposição espontânea quando é por iniciativa do opoente: art. 333º/1 CPC;
2- Oposição provocada quando é uma das partes que chama o opoente para se opor à outra
parte: 338º CPC;
3- Modalidade especial da oposição que vamos referir muito brevemente porque é própria
da reação a atos executivos, ações executivas, embargos de terceiro: art. 342º e segs. CPC.
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Vamos analisar as três modalidades, começando pela primeira.

Oposição Espontânea prevista no Art. 333º e segs.do CPC:


A oposição espontânea é o caso mais clássico de oposição. Na oposição espontânea certa
pessoa, que não uma das partes da ação, requer a sua intervenção para se opor à posição jurídica do
autor. Nesta medida, afirma uma posição jurídica própria, há uma iniciativa de ataque e não uma
iniciativa de defesa. Por essa razão, porque se afirma uma pretensão própria, cumula um pedido
próprio. Ao articulado do opoente aplicam-se as regras vigentes para a petição inicial com as
necessárias adaptações, nos termos dos arts. 334º e 552º do CPC. O opoente não terá de indicar um
elemento que já o tenha sido nos primitivos articulados. Por exemplo, na petição inicial é necessário
indicar o domicílio do réu. Ora, se na petição inicial o autor já o indica, o opoente no seu articulado
não terá de repetir tal indicação, porque ela já se encontra no processo.
Uma oposição é à partida admitida a todo o tempo, enquanto não estiver designada data para a
audiência final em primeira instância segundo o art. 333º/2 do CPC. Nos termos da mesma
disposição, se não houver lugar a audiência final, a oposição é admitida enquanto não for proferida
sentença. Procura-se até a um momento muito tardio do processo garantir a oportunidade de o
terceiro intervir na ação para apresentar uma posição conflituante com as das partes.
Não há lugar a audiência final quando estejamos num caso de revelia operante (art. 567º
CPC); quando o juiz conheça do pedido no despacho saneador, caso em que o processo não avança
para a fase de audiência (art. 595º/1 b) CPC); e ainda nos processos especiais que não conhecem
audiência final.
O requerimento para oposição está sujeito a despacho liminar (art.335º/1 CPC). Não é um
despacho para citação porque a iniciativa é do próprio opoente. Se não for rejeitado liminarmente o
pedido de oposição, as partes primitivas são notificadas para contestarem o pedido deduzido pelo
opoente. Devem fazê-lo no mesmo prazo de que o réu dispõe para a contestação (art. 335º/1 CPC).
Se o opoente deduz uma pretensão própria, e se ao seu articulado se aplicam as disposições
específicas da petição inicial, é razoável que as primitivas partes da ação respondam nos mesmos
termos que o réu tem ao seu dispor para reagir à primitiva petição inicial. O opoente deduz um
pedido novo. As partes podem assumir duas atitudes fundamentais perante o pedido do opoente, tal
como já referido: podem reconhecer ou contestar o pedido: Se alguma das partes reconhecer o
pedido do opoente, este assume a posição dessa parte nos termos do art. 337º/1 CPC, intervindo
neste caso os princípios da confissão; Se, pelo contrário, ambas as partes impugnarem o direito do
opoente há duas ações/ causas conexas (art. 337º/2 CPC), caso em que a instância segue entre as

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três partes, havendo duas causas conexas (uma entre as partes primitivas e outra entre o opoente e
aquelas).

Oposição Provocada- art. 338º e segs. CPC:


A oposição provocada está prevista para uma hipótese material específica: hipótese em que o
réu se dispõe a cumprir aquilo que lhe é exigido, mas tem dúvidas quanto ao titular ativo do direito.
Mediante tal incidente o réu pode chamar à instância aquele que também julga que pode ser titular
do direito litigado.
Hipótese da cessão de crédito: o réu celebrou um contrato com certa pessoa, sem que a outra
pessoa, o cessionário, se apresentasse perante o réu dizendo que foi celebrado um contrato de
cessão de crédito e que ele, cessionário, é titular do direito. O réu celebrou o contrato com o
cedente. O réu suspeita que esse contrato possa na verdade nunca ter sido celebrado. Qual é o risco
que o réu corre ao cumprir perante o cessionário? Se cumprir perante o cessionário, e se este
contrato nunca tiver sido celebrado, se o cedente no dia seguinte exigir o crédito, o réu é obrigado a
prestar. Depois, o regime material da cessão de crédito é um regime que permite que esta
transmissão opere sem conhecimento do réu e que a notificação possa ser feita pelo cessionário, e
não pelo cedente.
Meio próprio de defesa do réu: sendo movida uma ação pelo cessionário, tendo o réu alguma
dúvida quanto à titularidade do direito, pede que o cedente intervenha como opoente. E o cedente é
chamado para eventualmente contradizer a posição do cessionário. Deste modo, fica resolvida a
questão da titularidade do direito entre cessionário e cedente e o réu tem a sua prestação como
realizada perante o legítimo credor, tomando a iniciativa de chamar à instância aquele que suspeita
que é o credor.
Se é assim por um lado, em contrapartida, o regime da oposição provocada pode representar
um momento de peso colocado aos ombros daquele que é provocado a agir, porque se trata de uma
ação relativa a uma sua situação jurídica ativa e não pode o opoente que é provocado a agir decidir
quanto ao momento da propositura da ação. E isto é importante porque o momento da propositura
da ação não é indiferente a nenhuma das partes, porque naquela concreta circunstância pode não ter
conseguido reunir elementos probatórios a curto prazo; e, não o tendo conseguido fazer, corre o
risco de improcedência da ação e de se ver vencido. Naquela possibilidade apenas o cessionário
gozaria da completa liberdade de exercer judicialmente os seus direitos. Neste caso, estamos
perante uma modalidade de ação que rigorosamente conjuga os princípios de uma ação contenciosa
com os princípios de confissão do pedido. Rigorosamente, neste caso, o réu confessa o pedido
perante aquele que o tribunal venha a designar titular do direito. A oposição só é admitida neste

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caso, em que o réu não contesta/impugna o direito que é reclamado, apenas coloca em causa quem é
o seu titular. Podíamos perguntar: não seria de admitir que o réu também pudesse chamar o outro
sujeito à instância para se opor mesmo quando não reconhecesse o pedido do autor?
Hipótese: o réu, por exemplo, pretende alegar que este contrato é nulo, portanto não há
credito nenhum. Mas alega também que mesmo que fosse válido o direito não seria do cessionário,
mas sim do cedente. Para esta hipótese devemos admitir a oposição provocada? Isto já foi
equacionado em comissões de revisão do CPC. E foi uma opção clara de política legislativa
restringir o incidente de oposição provocadas àquelas hipóteses em que o réu confessa o pedido na
totalidade. Portanto, o réu só poderá desencadear este incidente se estiver logo disposto a cumprir a
prestação na totalidade. Mas, há um outro requisito que é apontado que limita de forma muito
acentuada o interesse do recurso a este incidente: é que, para que o réu possa chamar o terceiro para
se opor, é necessário que proceda em simultâneo à consignação em depósito da quantia devida. O
propósito desta restrição foi evitar que a oposição provocada pudesse ser um expediente para criar
certa morosidade processual. Exige- se a consignação em depósito para garantir a seriedade do réu
em querer cumprir a prestação. A consignação em depósito é uma realização da prestação. Não
basta que o réu esteja disposto a cumprir, ele tem de realizar logo a prestação. Se, por exemplo, a
ação durar 10 anos o bem está depositado 10 anos. Há quem questione esta regra, perguntando se
isto não restringirá de forma excessiva o direito de acesso à prescrição.
O réu tem 30 dias para contestar. Numa ação de 25, 30 000 euros é muito difícil para a nossa
realidade que alguém consiga dispor deste valor em tão pouco tempo. É uma exigência
particularmente onerosa.
Para efeitos desta disposição do art. 338º CPC, prestação deve ser considerada em sentido
amplo. Prestação não tem de ser entendida aqui como satisfação de uma obrigação em sentido
técnico. Basta que seja satisfação da exigência que é formulada pelo autor na petição inicial.
Pensemos na seguinte hipótese: o autor demanda o réu em ação de reivindicação. O réu é
locatário e é demandado por alguém que não é o seu locador. Neste caso o réu pode chamar o seu
locador e dispor-se a entregar a coisa perante aquele que o tribunal afirmar que é o titular do direito.
O locatário tem particular interesse em chamar o locador porque nos termos do regime do contrato
de locação o locatário é obrigado a entregar a coisa no fim do contrato. Ora, se o réu fosse vencido
pelo autor, se entregasse a coisa ao autor, entraria em incumprimento deste contrato e não era este
caso julgado oponível ao locador. Tem interesse em chamar o locador para saber a quem teria de
entregar a coisa, se ao reivindicante, se ao locador. O reivindicante exige alguma prestação ao réu?
O réu não está obrigacionalmente adstrito perante o reivindicante. Contudo, justifica-se o incidente
de oposição provocada. O que está aqui em causa é qualquer coisa que é exigida ao réu pelo autor e

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em que o réu chama de forma provocatória alguém que possa ter uma posição conflituante com a
daquele autor; neste caso a posição do locador pode ser conflituante com a do reivindicante. Com
isto evita-se aquele risco que o incidente de oposição provocada pretende eliminar que é o risco de
alguém realizar uma certa prestação, ou um certo ato, perante dada pessoa que o coloque em
situação de incumprimento perante pessoa diferente. Admitida a oposição o terceiro é citado para
deduzir a sua pretensão em prazo igual àquele que foi concedido ao réu (art. 339º do CPC). Tal
citação do opoente é precedida de despacho judicial, que é o despacho liminar, porque se trata de
admitir terceiros na instância (art. 226º/4 d) do CPC). Caso o citado, o opoente, não se oponha a
obrigação é declarada extinta a favor do autor.
Neste caso, pergunta-se porque é que não há uma ação de condenação, mas uma simples
declaração de que a obrigação é extinta. O autor demanda o réu. O réu pede a oposição de um
terceiro, trata-se de oposição provocada, e se o terceiro não se opuser a obrigação é declarada
extinta a favor do autor. Porque é que é assim? Porque é que não há uma condenação? Não é preciso
condenação, porque para o incidente ser deduzido era necessário a consignação em depósito. Ora,
se o bem já está consignado em depósito, o locatário não tem de ser condenado a restituir nada
porque já colocou o bem à ordem daquele que o tribunal declarasse titular do direito. Para coisas
imóveis esta imobilização (em sentido económico e não em sentido físico) dos bens representa um
grande custo económico. Em alternativa, o opoente/ terceiro que foi citado para se opor pode
contestar a posição do primitivo autor, deduzindo a sua própria pretensão. Nesse caso, nos termos
do art. 341ºCPC, aplica-se o disposto no art. 922º/3 CPC e a ação prossegue entre o primitivo autor
e o opoente. Aquele que venha a vencer a ação é aquele que será declarado titular do direito que é
exercido.

15/03/17
Pequena curiosidade: temos ideia de que a justiça em Portugal é muito lenta. No entanto, os prazos
médios em Portugal são mais curtos do que a média na Europa. Só há morosidade das decisões dos
tribunais em dois casos, em dois grupos de matérias: nas execuções (é normal, pois só há execuções
se o devedor não cumpre voluntariamente); e casos de Direito Penal que envolvem criminalidade
económica, financeira e política, que são os casos que conhecemos pelos meios de comunicação
social. Os Órgãos de Policia Criminal (OPC) não têm meios para investigar de forma célere.

Incidente de Embargo de Terceiro (terceira modalidade de oposição): Art. 342º e segs.


CPC
Prevê-se um meio de reação a atos judiciais que ofendam a posse ou direito real de um

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terceiro relativamente à ação em que a prática do referido ato foi ordenada. Encontra-se igualmente
previsto no CC no art. 1285º.
A diferença entre os embargos de terceiro e os incidentes anteriores é o seu objeto. Nos
incidentes anteriores o opoente intervinha numa ação declarativa para obter uma declaração do
direito a seu favor, podia intervir espontaneamente ou de forma provocada. Nos embargos de
terceiro o interveniente visa já reagir a um ato executivo, a um ato que fisicamente ofende o seu
domínio absoluto sobre aquela coisa. Trata-se assim de um incidente próprio das ações executivas
ou das providências executivas.
Nota: mesmo no âmbito de uma ação declarativa pode haver pontualmente medidas
executivas, por exemplo mediante uma providência cautelar de arresto. Vamos ver brevemente mas
fica a referência de que se trata também de um incidente de terceiros.

Incidentes de Intervenção Acessória, previstos nos Arts. 321º e segs. do CPC:


Os incidentes de intervenção acessória têm por propósito permitir que um terceiro intervenha
na instância para ocupar a posição de parte acessória, esta é uma posição específica da relação
processual que não se identifica com a de parte principal.
 Especificidades desta Posição Processual:
 Em Primeiro Lugar: Não arcam nem suportam os efeitos principais da procedência
do pedido (não são sujeitos nem ativos nem passivos do pedido);
 Em Segundo Lugar: Ocupam uma posição subordinada a uma das partes principais;
 Em Terceiro Lugar: Ficam sujeitos em certos termos ao âmbito do caso julgado na
ação em que intervenham.
No regime da intervenção acessória cria-se afinal uma situação de pluralidade de partes,
simplesmente não se trata de pluralidade de partes principais, de vários sujeitos com posições
paralelas e com o mesmo estatuto processual, mas de pluralidade de partes em que uma delas ocupa
uma posição subordinada à outra e que, portanto, só de forma muito limitada pode modelar a
instância.
São Três as Modalidades de Intervenção Acessória consoante a Iniciativa:
 Assistência ou Intervenção Acessória Espontânea (art.326º e segs.do CPC): caso em
que é da iniciativa do assistente o ingresso na ação;
 Intervenção Acessória Provocada (art. 322º e segs.do CPC): em que o chamamento é
dirigido por uma das partes da ação;
 A estas Duas Modalidades Acresce uma Variante Específica da Intervenção
acessória: a intervenção acessória do Ministério Público (MP) (art. 325º do CPC).

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O regime geral é o da intervenção acessória espontânea, devemos seguir este, uma vez que o
regime da intervenção provocada remete para o regime da intervenção espontânea.

Intervenção Acessória Espontânea- art. 326º e segs.:


Esta modalidade de intervenção acessória também se designa de assistência e, por isso,
aquele que intervém designa-se assistente.
Vimos esta figura em Processo Penal, mas é diferente. A assistência pressupõe uma regra de
legitimidade específica que consta do art. 326º/1 do CPC. Esta disposição fala num “interesse
jurídico numa decisão favorável à parte a quem assiste”. Fala-se de interesse em agir, e não no
sentido de legitimidade. Este conceito de interesse jurídico não parece ter grande determinabilidade.
Interesse é uma palavra omnipresente que é necessário concretizar consoante o contexto em que
aparece. É uma palavra profundamente polissémica, é um dos termos mais polissémicos do mundo
jurídico. Vamos concretizar o conceito de interesse nesta hipótese especial. Etimologicamente
interesse significa “estar entre”. Não é suficiente tratar-se de um puro interesse intelectual ou
humanitário ou simples curiosidade. Não tem interesse na ação, no sentido que nos interessa para a
assistência, um jurista que pretenda que certo entendimento prevaleça. Assim como também não
tem interesse uma simples pessoa que está afetivamente ligada a uma das partes da ação e que a
quer ajudar ou auxiliar. Deve tratar-se portanto de algo mais do que um simples interesse intelectual
ou afetivo. Não nos podemos esquecer da ideia de Processo Civil que nos diz que tem interesse
quem tem a ganhar ou a perder alguma coisa. Se não é suficiente um interesse de cariz tão genérico,
também não é necessário que seja um interesse paralelo ao da parte principal, quer seja ela autor ou
réu, porque se assim fosse o incidente apropriado seria a intervenção principal.
Parecem ser dois os interesses que tendem a justificar a intervenção acessória
espontânea:
 Primeiro grupo de interesses: a titularidade pelo assistente, titularidade pessoal de
uma certa posição jurídica que está em relação de dependência da posição jurídica que é litigada
na ação principal sem que tenha legitimidade para intervir na ação principal;
 Segundo grupo de casos: a titularidade pelo assistente de uma posição jurídica cuja
consistência económica já não é propriamente jurídica, e esteja dependente da posição jurídica
litigada na ação principal.
Relativamente ao primeiro grupo de interesses, esta formulação visa cobrir os casos de
celebração de contratos sucessivos e de forma subordinada com o mesmo objeto. A e B celebram
um contrato e B e C outro. O segundo contrato está em certos termos subordinado ao primeiro
contrato. Exemplos: locação e sublocação (A loca um certo bem a B e B loca o mesmo bem a C,

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sendo que esta locação é feita com base nos poderes que B adquiriu ao abrigo deste contrato);
empreitada e subempreitada (A acordou com B a construção de um certo imóvel. B, que é uma
grande sociedade comercial de construção civil, subcontrata com C por exemplo a realização das
obras de carpintaria especificamente); mandato e submandato (A contrata com B a aquisição de uma
série de imóveis numa dada zona do território, atos praticados por conta de A. B contrata com C,
um especialista naquela região, a aquisição dos mesmos imóveis). Nestas hipóteses a procedência
ou a improcedência da primeira ação pode ter consequências sobre a segunda relação jurídica.
Vejamos em cada um dos exemplos: A propõe a ação de anulação do contrato de locação contra B.
Se a ação proceder B perde o seu direito sobre o bem objeto de locação. A cessação de efeitos do
primeiro contrato tem em termos materiais efeitos sobre o segundo contrato (art. 1051º c) CC); se o
primeiro contrato deixa de produzir efeitos, o segundo deixa de ser celebrado com parte legítima.
Exemplo a propósito da empreitada: se C, subempreiteiro, realiza de forma defeituosa a obra, quem
é que A pode demandar (A, dono de obra, B, empreiteiro ou C, subempreiteiro)? A pode demandar
apenas B que é sua parte contratual. Perante A, C é um simples auxiliar. Ora, C pode sempre
pretender auxiliar B na sua defesa para que este último não seja condenado; porque se B não for
condenado C também não vai ser.
A estes casos de sucessão de contratos com o mesmo objeto podemos acrescentar duas
hipóteses particulares:
 A primeira hipótese é a da possibilidade de o sócio de uma sociedade comercial poder
intervir como assistente nas ações em que a sociedade comercial seja parte ativa ou
passiva. A sociedade comercial celebra um contrato com um qualquer terceiro, por
exemplo F. Se a ação proceder, à partida, a situação económica da sociedade comercial
melhora; caso contrário piora. A sociedade comercial não tem existência por si, o que
realmente existe são os seus sócios, trabalhadores. Se o sócio tiver interesse na
procedência desta ação não pode ser parte principal pois o crédito ou a dívida é da
sociedade comercial. Contudo, o sócio tem pelo menos interesse económico na
procedência desta ação porque se proceder aumenta a possibilidade de a sociedade
comercial ter lucros e de ele obter mais dividendos. A possibilidade de o admitir (o
sócio) na instância é como parte acessória. A sociedade comercial é parte principal, o
sócio é parte acessória. Tem uma posição jurídica eventual que é o direito a dividendos
que está dependente, ou parcialmente dependente, da sorte da ação principal. Tem essa
posição jurídica ao abrigo da participação social de que é titular.
Último exemplo: o devedor é declarado insolvente e os seus bens formam a massa insolvente.
Vão ser tais bens administrados pelo administrador de insolvência que vai procurar fazer frutificar e

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alienar estes bens para satisfação das dívidas do devedor. Vai liquidar e executar este património no
interesse dos credores da insolvência. Quem tem legitimidade exclusiva para propor estas ações é o
administrador da insolvência. Este é um caso de legitimidade extraordinária porque os bens ainda
pertencem ao devedor, mas quem pode litigar é apenas o administrador da insolvência. Mas o
devedor tem interesse em que as ações sejam bem conduzidas, porque, em primeiro lugar, quanto
melhor forem conduzidas maior será o passivo satisfeito, e depois, porque se o devedor cessar a
situação de insolvência, readquire todas as posições jurídicas que deixou de poder exercer. Quer que
o seu património esteja em bom estado, logo também têm interesse em ser assistentes os credores da
insolvência, uma vez que quanto melhor forem conduzidas as ações maior será a fatia dos seus
créditos satisfeita.
Há uma regra no Código da Insolvência que levanta alguma suspeita, pois refere que o
administrador da insolvência só pode ser responsabilizado por outro administrador de insolvência.
Na verdade nenhum administrador de insolvência tem interesse em atacar outro, pois amanhã
também pode ser atacado. Como é evidente os credores de insolvência e o devedor podem não
achar graça a esta situação e, para conseguirem influenciar minimamente a sorte desta ação de
responsabilidade, têm ao seu dispor um meio processual que é o de intervirem como partes
acessórias;

 Relativamente ao segundo grupo de casos que permite a assistência ou intervenção


acessória espontânea: há 50 anos causou bastante polémica, mas hoje está resolvido no
CPC. São hipóteses em que o assistente tem uma posição jurídica que é apenas afetada
economicamente pela procedência da ação principal, e não juridicamente. Exemplo: A
é credor de B, e contra B foi proposta uma ação por parte de C. C é autor e B é reu
numa ação de condenação. Se esta ação de condenação proceder em nada afeta a
posição de A pois este continua a ser titular do crédito que tinha em face de B. Só que
pode pôr em causa a garantia patrimonial que A tem e que é património do seu
devedor; a garantia patrimonial comum de qualquer credor é o património do seu
devedor. Ora, se proceder a ação movida por C contra B, sobretudo se for respeitante a
um crédito de elevado montante, pode afetar de forma significativa os bens que A pode
executar em caso de incumprimento por parte de B. O interesse na intervenção de A
não é um interesse propriamente jurídico. Se o crédito era de 100 continua a ser de
100. O que mudou é que, em caso de incumprimento por parte de B, o seu património
que era de 100 reduziu-se para 20 com a execução por parte deste terceiro. Portanto, o
interesse de A em constituir-se assistente é ajudar B na defesa para que o substrato

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económico que garante o seu próprio crédito não seja afetado. Para estas segundas
hipóteses foi especialmente introduzido há cerca de 50 anos o art. 326º/2 CPC. Basta
que o assistente A seja titular de uma posição jurídica, por exemplo este crédito, cuja
consistência prática dependa da posição do assistido. Por exemplo, esta primeira ação
tem o montante de 1000. Se esta ação procede B passa a ter dívidas no montante, por
exemplo de 1000. Se este credor executar primeiro a dívida sobra alguma coisa para
A? Não, rigorosamente nada. Continua a ser titular do crédito, mas não o consegue
satisfazer. O crédito é o direito de A a uma prestação. O crédito ainda não é garantia de
que se vai ter a prestação, mas só de que se pode exigir a prestação. Se se vai obter ou
não a prestação depende do cumprimento voluntário, e caso não haja cumprimento
voluntario de a execução ser bem sucedida.

Tempo para requerer a assistência: a assistência é admitida a todo o tempo, nos termos do
art. 327º/1 CPC. Contudo, de acordo com a mesma norma, o assistente tem que aceitar a ação no
estado em que ela se encontra, e por essa razão não causa qualquer perturbação processual. O
requerimento para assistência (o pedido de assistência) está sujeito a despacho liminar, segundo o
art. 327º/3 CPC. Portanto, a assistência pode ser liminarmente indeferida. Não sendo liminarmente
indeferida ordena-se a notificação da parte contrária, isto é, a contraparte da parte assistida, e só
nesse momento é que o juiz decide da admissibilidade da assistência.
O efeito normal da assistência é a colocação do assistente na posição de auxiliar da parte
principal e desempenhando uma atividade puramente subordinada à da parte principal. Como diz o
professor Lebre de Freitas, o assistente completa a atividade da parte principal mas não a supre nem
a contraria. Por esta razão, em caso de conflito entre a posição da parte principal e a posição do
assistente, prevalece a posição da parte principal (art. 328º/1 CPC). Portanto, a oposição do
assistente à parte principal é irrelevante.
Desta forma a intervenção do assistente não prejudica a liberdade das partes principais de
disporem do objeto do processo. Os atos de disposição sobre o objeto do processo são a confissão
(ato de disposição por parte do réu), a desistência (ato de disposição pelo autor) e a transação (ato
contratual de disposição). Art. 331º CPC.
Em qualquer outro aspeto o assistente é qualificado como parte, gozando dos mesmos direitos
e estando sujeito aos mesmos deveres que a parte assistida, como refere o art. 328º/2 CPC, podendo
fazer uso de quaisquer meios de prova.
Em matéria de recurso, via de regra, apenas as partes principais podem tomar a iniciativa de
interposição de recurso, nos termos do art. 631º/1 CPC. E, portanto, via de regra, o assistente pode

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apenas acompanhar a interposição de recurso pela parte principal. Relembremos que o assistente
não é sujeito ativo ou passivo. Contudo, nos termos do art. 631º/2 CPC, admite-se excecionalmente
a interposição de recurso pelo assistente caso tenha sido direta e efetivamente prejudicado pela
decisão. Quanto ao exemplo que vimos, no âmbito da locação em termos materiais a procedência da
primeira ação põe em causa diretamente o direito do sublocatário. Este é o efeito normal da ação,
mas há um efeito eventual, que ocorre caso a parte assistida seja revel, situação em que o assistente
é substituto processual do assistido (art. 329º CPC), assumindo a posição da parte principal. Trata-se
aqui de uma modalidade de substituição processual em que alguém é, a título extraordinário,
admitido a conduzir uma relação jurídica alheia. O assistente, porém, não pode praticar nenhum ato
que o assistido tenha perdido o direito a praticar. O assistente não goza dos poderes de composição
do objeto, em especial não pode confessar nem pode transigir, porque não é o titular do interesse, o
interesse é da parte principal. Na medida em que o assistente não é parte principal da instância, não
é sujeito passivo do pedido. O objeto da ação não tem de ser rigorosamente o mesmo. Se o autor
propõe ação de condenação contra certa pessoa e o terceiro é admitido como assistente do réu, o
autor tem título que apenas permite a condenação do réu.
Qual é então o âmbito e os efeitos da assistência? O assistente fica apenas vinculado a
aceitar a matéria de facto e o julgamento de direito que tenha sido realizado na primeira ação (art.
332º CPC). Só assim não é em dois casos que vêm previstos nesta disposição: se o assistente alegar
e provar em causa posterior que no momento em que interveio no processo estava já impedido de
fazer uso de alegações ou meios de prova que pudessem influir na decisão principal; ou, caso
mostre que desconhecia a existência de alegações ou de meios de prova que pudessem influir na
decisão final e que o assistido não invocou.
Tudo considerando que a assistência espontânea envolve bastantes riscos porque, à exceção
destas duas hipóteses, alguém fica sujeito a aceitar a matéria de facto que estava na ação quando
não pode delimitar o objeto da mesma, quando ocupou uma posição meramente subordinada
relativamente a uma das partes. Tem também as suas vantagens na medida em que tudo quanto foi
apreciado nessa ação, na parcela relativa à assistência se tem por definitivamente apreciado (nas
relações entre o assistente e o assistido). Mas, tudo considerando que se trata de uma posição que
tem os seus riscos e, por isso, esteja dependente do consentimento do assistente, na modalidade de
intervenção espontânea.
Diferente é o caso da intervenção acessória provocada que passamos agora a considerar.

Intervenção Acessória Provocada- art. 321º e segs. CPC:


Na intervenção acessória provocada a iniciativa para o ingresso na instância é das partes da

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ação, em especial do réu, só este pode exigir a intervenção acessória de alguém, nos termos dos arts.
321º/1 e 322º CPC. Tal possibilidade da intervenção acessória provocada está sujeita à
verificação de dois requisitos:
 Em primeiro lugar um requisito negativo: deve faltar ao chamado legitimidade para
intervir como parte principal; se tiver legitimidade para intervir como parte principal
deve ser chamado ao abrigo do incidente de intervenção principal provocada;
 Em segundo lugar um requisito positivo: só pode ser chamado um terceiro contra o
qual o réu tenha ação de regresso para ser indemnizado no prejuízo que lhe cause na
perda da demanda, segundo o art. 321º/1 CPC. Para estes efeitos a ação de regresso
não deve ser identificada como um direito de regresso em sentido técnico, mas sim
como qualquer direito que surja na esfera do réu que tenha por finalidade integrar a
perda resultante da procedência da ação principal, por exemplo da sua condenação. O
exemplo clássico de ação de regresso para estes efeitos é o do chamamento à demanda
pelo réu daquele a quem adquiriu certa coisa que lhe é reivindicada. O autor demanda
o réu em ação de reivindicação, e este último pretende chamar à instância aquele de
quem adquiriu o bem, por exemplo o vendedor. Porque é que pode chamar o
vendedor? Pode, pois ao abrigo do regime da venda de bens alheios, previsto no art.
892º e segs. CC, caso o vendedor não tivesse legitimidade para a alienação está
obrigado a indemnizar o comprador. Na ação de reivindicação o autor sairá vitorioso
se se conseguir demonstrar que ele é titular do direito. Na reivindicação, alguém, o
titular do direito, pede a condenação do detentor ou do possuidor. Mas, se o autor é
titular do direito, o vendedor não é titular do direito, ou é uma ou é outra, não pode ser
os dois. Se não é titular do direito a sua alienação foi feita sem legitimidade, logo
constitui-se direito na esfera do réu caso proceda a primeira ação. Em resumo: a
primeira ação procede caso o autor seja, em princípio, titular do direito; se o autor é
em princípio titular do direito, então é porque o vendedor não o era. Por isso,
constitui-se o direito do réu a ser indemnizado pelo vendedor por ter alienado um bem
que não era dele. Para efeitos do art. 321º CPC isto é uma ação de regresso. É este
também o caso de serem contratos com o mesmo objeto. Ao segundo contrato dá-se a
designação técnica de subcontrato. Exemplo: o autor, dono da obra (aquele que é
credor da obra realizada pelo outro empreiteiro), demanda o empreiteiro em ação de
condenação. O empreiteiro para a realização da obra, que estava mal realizada, havia
contratado um subempreiteiro. Portanto, para além do contrato de empreitada temos
também um contrato de subempreitada. O empreiteiro é, por seu lado, dono da obra

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em relação ao subempreiteiro. Por exemplo, o empreiteiro é contratado para fazer uma


casa e, por seu turno o subempreiteiro celebra com o empreiteiro um contrato para
construção do telhado da casa.
Nota: Perante o dono da obra a contraparte contratual é apenas o empreiteiro, que responde
perante quaisquer atos praticados pelos seus auxiliares. Perante o dono de obra o subempreiteiro é
um auxiliar. Se o dono de obra demandar o empreiteiro por atos praticados pelo subempreiteiro, o
empreiteiro, réu na ação, tem interesse em ser ressarcido pelo seu subempreiteiro que foi quem
praticou o facto ilícito e danoso que deu causa à ação de indemnização. Mas, o subempreiteiro não
tem legitimidade para ser parte principal na ação. A única forma de o empreiteiro chamar à instância
o subempreiteiro e vinculá-lo aos efeitos do caso julgado é chamá-lo na qualidade de parte acessória
para o assessorar e o vincular aos efeitos do caso julgado. É importante vincular aos efeitos do caso
julgado para não correr o risco de ser condenado na primeira ação e, depois, numa segunda ação
que decorre contra o terceiro subempreiteiro se concluir que afinal nenhum facto lesivo foi
praticado. Se for chamado à primeira ação pelo menos essa questão de facto fica resolvida e na
segunda ação não vai ter de ser discutida de novo.
A esmagadora maioria das relações de empreitada tem muitas situações de subcontratação.
Uma questão que já se suscitou foi a seguinte: se o réu não tiver a certeza de quem praticou
o facto danoso pode chamar à instância como partes acessórias todos aqueles que suspeita que
tenham praticado o facto, sabendo que só um deles o terá praticado, isto é, pode aplicar-se o regime
da pluralidade subjetiva subsidiária aos casos de intervenção acessória? Por exemplo, não se sabe se
é o dono da obra o responsável ou quem pôs as telhas, ora, a pluralidade subjetiva subsidiária está
rigorosamente prevista para pedidos formulados pelo autor contra o réu. Na intervenção acessória
não há nenhum pedido que seja formulado pelo réu contra o terceiro. Como a grande finalidade
desse instituto é permitir que a ação se consiga adaptar a certas situações de incerteza quanto às
partes da relação material controvertida, e se a finalidade do incidente é esta (permitir a adaptação
do processo à incerteza quanto à titularidade das posições da relação material controvertida), então
este fundamento vale tanto para a intervenção principal, como para a intervenção acessória. Por
conseguinte, é de admitir o chamamento de diferentes partes acessórias, não tanto em relação de
subsidiariedade, mas para estarem copresentes na ação e para que o caso julgado se produza em
relação a elas.
Note-se que também nesta hipótese a legitimidade do terceiro para intervir na instância
resulta de uma alegação do réu, e este alega que tem um direito de regresso contra o terceiro, sendo
este mais um exemplo de que as partes legítimas da ação são também aquelas a quem o réu confere
legitimidade.

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Além destes requisitos encontram-se dois pressupostos adicionais:


 Em primeiro lugar, o juiz tem que ficar convencido quanto à viabilidade potencial da
ação de regresso (art. 322º/2 CPC). Deve formular um juízo previsional quanto à procedência de
uma futura ação de regresso que pudesse ser proposta. Trata-se, no fundo, do requisito do “fumus
bonis iuris” (aparência de bom direito);
 Em segundo lugar, afirma-se a não perturbação indevida do normal andamento do
processo (art. 322º/2 CPC). Pretende-se desta forma evitar que a intervenção acessória provocada
seja um expediente processual para introduzir indevidas delongas na apreciação da ação principal
Uma particularidade deste incidente é que a iniciativa do chamamento é do réu. Se a primeira
iniciativa do chamamento tem que provir do réu, o chamado pode, por seu lado, pedir a intervenção
na instância de outras partes acessórias. O réu pede o chamamento de terceiro, o empreiteiro pede o
chamamento do subempreiteiro. O chamado pode chamar aquele contra o qual tem ação de
regresso.
Qual é o risco destes chamamentos progressivos/ sequenciais? É uma vez mais introduzir
grande complexidade processual. Por isso o art. 324º CPC refere que o autor dentro de certas
circunstâncias pode exigir que a instância prossiga mesmo que este processo de chamamento ainda
esteja em curso.
O momento próprio para a dedução do incidente de intervenção acessória provocada é a
contestação. E portanto, é na contestação que o autor deve indicar as razões, em seu entender,
justificativas do incidente e as razões que possam convencer o tribunal da viabilidade potencial da
ação de regresso. A parte contrária é ouvida antes que se decida da intervenção (art. 322º/2 CPC), só
aí é que o juiz decide do incidente e, caso decida positivamente, ordena a citação do terceiro (art.
223º/1 CPC). Trata-se de mais um caso em que a citação de terceiro é precedida de despacho do juiz
(despacho liminar), art. 226º/4/d) CPC (é precedida porque se trata de admitir um terceiro em ação
pendente); todos esses casos são precedidos de despacho liminar. Uma particularidade desta decisão
é que se trata de uma decisão irrecorrível, nos termos do art. 322º/2 CPC. Recusando o juiz a
intervenção acessória não gozam as partes de qualquer meio jurídico para conseguirem uma sua
modificação, o que é decerto uma restrição excessiva do direito de ação. Há o risco de alguém ser
condenado numa certa ação e ficar absolutamente privado de não conseguir vincular o terceiro aos
efeitos do caso julgado, de conseguir reaver em regresso aquilo que prestou.
20/03/17
Intervenção Acessória do MP- Terceira Modalidade de Intervenção Acessória:
Vamos fazer uma referência breve, porque não vai ser objeto de avaliação. A intervenção
acessória do MP, prevista no art. 325º CPC, deve distinguir-se de outras formas de atuação

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processual do MP; por exemplo, nos termos do art. 21º CPC o MP pode em certos termos assumir a
posição de assistente do incapaz, tratando-se na intervenção acessória de modalidade diferente
desta.
Quando é que o MP intervém como parte acessória? O MP é um órgão do Estado que tem
de proteger um conjunto de interesses, cuja proteção lhe é confiada por lei, e deve intervir naquelas
hipóteses em que o respetivo Estatuto fixa a necessidade da sua intervenção. Por conseguinte, só
mediante a consulta do Estatuto do MP se consegue consultar aquelas hipóteses em que deve
intervir com esta qualidade processual. As causas que levam a tal intervenção estão consagradas no
art. 5º do Estatuto do MP. No art. 5º/4 fixam-se os casos em que deve intervir como parte acessória.
Só nestas hipóteses é que o MP intervém como parte acessória. Se intervier como parte acessória o
MP goza dos poderes que tipicamente aproveitam a um interveniente acessório – art. 325º/2 CPC.
Contudo, é sempre garantida a legitimidade do MP para recorrer da decisão, seja para defender o
interesse público, seja para defender os interesses do assistido na ação (art. 325º/3 CPC). Pode o MP
recorrer mesmo que os assistidos não o façam. Por outro lado, goza da possibilidade, em qualquer
momento do processo, de alegar oralmente e por escrito (art. 325º/2 CPC). Em Portugal a posição
do MP acaba por ser uma posição ambivalente: por um lado é parte acessória, por outro goza de um
conjunto de poderes que lhe permite agir de forma autónoma relativamente à parte assistida,
adotando uma verdadeira posição processual própria. Trata-se de um conjunto de poderes de que
uma parte comum não goza e que se entende por se estar na presença de interesses públicos
normalmente. Estando na presença de um desses casos que reclama a intervenção do MP a
propositura da ação é oficiosamente notificada ao MP (art. 325º/1 e art. 259º/1 CPC). Se por acaso
não for dado conhecimento da ação ao MP nasce uma nulidade processual (art. 194º/1 CPC) de
conhecimento oficioso (art. 196º CPC). Esta nulidade considera-se sanada nos termos do art. 194º/1
CPC se a parte assistida tiver feito valer os seus direitos desde o princípio da ação por intermédio do
seu representante específico. Portanto, só há nulidade se estiverem conjugados dois aspetos: não for
dada notificação de ação ao MP; e se a parte assistida não fizer valer os seus direitos na ação.

SUCESSÃO DE PARTE
A ação considera-se estável a partir da citação. A partir deste momento a instância deve
manter-se inalterada quanto ao pedido, causa de pedir e partes; a exceção é a litispendência. Pedido,
causa de pedir e partes delimitam o objeto da ação. Mas, em dadas circunstâncias, admite-se a
modificação subjetiva da instância, em que certas pessoas estranhas à posição de autor ou de réu
acresciam a um dos polos da relação processual (art. 262º/b CPC).
Vamos agora considerar outra modalidade de modificação subjetiva da instância: a hipótese

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de ser necessário substituir uma das primitivas partes. Esta Possibilidade está Prevista para Três
Hipóteses:
 Uma delas é a Morte: Com a morte desaparece um pressuposto processual,
nomeadamente a personalidade jurídica. A morte é a primeira causa de sucessão (art. 351º
CPC);
 Uma variante muito parecida com a morte é a da Extinção da Personalidade Jurídica de
uma Pessoa Coletiva ou Sociedade (art. 354º/3 CPC);
 Transmissão de Coisa ou Direito em Litígio, tratando-se da sucessão na titularidade
daquele direito (arts. 263º e 356º CPC).
Para responder ao problema de sucessão de partes recorre-se aos incidentes de habilitação.
São incidentes de habilitação porque se cria para novos sujeitos um título próprio de ingresso
naquela ação. Esse título é o reconhecimento de que sucederam às partes anteriores na titularidade
da posição jurídica exercida na ação.
Comum aos incidentes de habilitação está uma finalidade específica: a de garantir que as
modificações materiais na relação material controvertida que serve de base àquela ação sejam
vertidas no processo, por forma a que o caso julgado venha a titular no momento em que se forma
as verdadeiras partes da relação material controvertida. Trata-se, portanto, de trazer para o curso da
instância modificações que a relação material entretanto sofreu.
João de Castro Mendes dizia que estes incidentes de habilitação se destinam a certificar que
determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica por esta ocupada. É curioso, porque aponta
para uma pequena decisão de mérito, o tribunal entra no mérito desta relação material controvertida
só para aferir se terá havido transmissão.

Vamos começar pelo incidente mais relevante de todos: o incidente de habilitação para
responder ao problema da morte de uma das partes, previsto no art. 351º CPC
Tal incidente é uma verdadeira regra de Direito sucessório. Oliveira Ascensão escreve que “o
Direito das Sucessões destina-se a dar a continuidade possível ao descontínuo causado pelas
partes”. É justamente esta a finalidade deste incidente: procurar dar a continuidade possível aquela
concreta relação processual causada pelo descontínuo da morte de uma das partes e, portanto, pelo
desaparecimento de um pressuposto processual que é o da personalidade judiciária.
O incidente de habilitação não só modifica as partes na instância como é uma forma de suprir/
corrigir a falta de pressuposto processual que é, neste caso, a personalidade judiciária, que se afere
pela personalidade jurídica, que nos termos do CC se extingue com a morte. Deve Distinguir-se
Diferentes Modalidades de Habilitação, pelo menos Quatro Modalidades Diferentes:

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1ª Habilitação Ação: Isto é, uma ação que é especificamente dirigida a habilitar os


sucessores de alguém que morreu para que seja reconhecida a sua qualidade de sucessor. Esta
ação de habilitação será uma ação de simples apreciação. No atual Direito é uma ação que tem de
ser dirigida contra alguém que nega esta qualidade. Uma variante desta hipótese é a ação de
petição da herança que é uma ação de reivindicação da herança. Na ação de reivindicação da
herança o bem é reivindicado com fundamento no reconhecimento da qualidade de herdeiro.
Essencial na ação de petição de herança é o duplo fim a que ela visa: por um lado, o
reconhecimento judicial da qualidade sucessória que o autor se arroga; por outro, a restituição e
integração dos bens que o demandado possui no ativo da herança ou da fração hereditária
pertencente ao herdeiro. É uma ação em que qualquer herdeiro pode recorrer;
2ª Habilitação Legitimidade: Respeita a hipóteses em que antes da propositura da ação
morre uma das partes da relação material controvertida e em que os sucessores do “de cujus”
pretendem agir sobre essa mesma posição/relação. Ora, na petição inicial terão de alegar aqueles
concretos factos que terão permitido a sua aquisição daquele direito litigado ou daquela relação
litigada. Esses factos são a morte do anterior titular do direito e a sucessão aceite por parte dos
sucessores. Trata-se aqui de uma forma de habilitação que integra a própria petição inicial;
3ª Habilitação Incidente: É a que aqui importa. Nesta estamos a considerar uma
tramitação eventual da instância destinada a substituir 1 das primitivas partes;
Hipótese 1: Ação proposta por A contra B e A morre. Os sucessores de A, C e D, podem
ingressar na instância pelo incidente de habilitação (habilitação incidente).
Hipótese 2: A morre e C e D pretendem propor uma ação contra B. C e D são partes da
instância porque foram eles que propuseram a ação. Agora, na petição inicial, terão que alegar
que sucederam a A (hipótese de habilitação legitimidade).
4ª Habilitação Notarial (art. 82º e segs. do Código do Notariado): Permite certificar, de
um certo número de pessoas, os sucessores de alguém que morreu, certificação esta que se torna
título suficiente para a prática de um amplo conjunto de atos
O incidente de habilitação destina-se a substituir uma parte que morreu na pendência da ação.
Em alguns acórdãos já se suscitou a questão: qual o regime aplicável àqueles casos em que é
proposta uma ação contra alguém que já morreu? Portanto, no momento em que a ação é proposta
não existe o réu. Pode acontecer que o autor saiba ou não, mas o regime é o mesmo, num caso e
noutro caso dá-se a mesma solução. Segundo o que tem sido decidido pelos nossos tribunais a ação
pode ser proposta contra alguém que já morreu. O autor deve à partida alegar que há falta de
pressuposto processual. São, mediante o decurso da ação, chamados à instância pelo incidente de
habilitação os sucessores daquele réu. Desde logo o autor consegue beneficiar do modo de

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funcionamento deste incidente específico. A morte de uma das partes, que é o que dá causa a este
incidente, representa também o desaparecimento de um pressuposto processual.
Pressupostos processuais são aquelas condições que se devem verificar para o tribunal se
pronunciar sobre o mérito da causa. Por essa razão a morte de uma das partes é também uma causa
de suspensão da instância (art. 269º/1/ a) CPC). Enquanto a parte não for substituída os termos da
causa não prosseguem. Mais ainda, a instância suspende-se imediatamente, simplesmente as partes
devem juntar ao processo documento comprovativo da morte de uma delas, nos termos do art. 270º/
1 CPC. Não só a instância se suspende a partir deste momento como também são nulos todos os
atos praticados a partir desse momento, desde que se trate de atos que admitissem o contraditório
por parte daquele interveniente (art. 270º/3 CPC); se são atos de mero expediente conservam a sua
validade. O propósito desta regra é que a posição jurídica de uma das partes não fique prejudicada
pela morte do seu titular. A posição é transmitida aos seus sucessores.
Qualquer uma das partes tem o dever de dar a conhecer no processo o facto da morte da sua
comparte (no caso da pluralidade de partes deve dar a conhecer a morte de um dos seus
litisconsortes ou autores ou réus solidários) ou ainda a da contraparte; trata-se aqui de um
verdadeiro dever de colaboração das partes para com as outras, e para com os seus sucessores, que
caso seja incumprido dá lugar a responsabilidade civil para remoção dos danos gerados pelo
respetivo incumprimento. Entende-se ainda que se pode exigir a cada um dos sucessores as
informações necessárias relativas aos novos sucessores para que se possa requerer a habilitação.
Exemplo: certa pessoa tem cinco filhos, A, B, C, D e E, se o autor já sabe que C morreu, mas
propuser ação contra este último, significa que antes da propositura da ação se tem que inteirar das
pessoas dos seus sucessores, o seu domicílio, porque caso contrário não vai conseguir citar aqueles
elementos necessários à identificação dos vários sucessores. Se A, contudo, propuser ação contra C
sabendo que este já faleceu, de imediato se abrirá o incidente de habilitação e a ação suspende-se e
pode pedir a colaboração de qualquer um dos sucessores para dar conta do paradeiro, a obtenção
dos elementos necessários e a identificação dos outros.
A grande utilidade disto é poupar tempo. A ação é proposta mas falta um pressuposto
processual: a personalidade judiciária. A suspensão da instância só cessa quando haja a habilitação
dos sucessores da parte falecida (art. 276º/1 a) CPC) porque só a partir desse momento se voltou a
verificar o pressuposto da personalidade judiciária. Tudo isto permite concluir que o incidente de
habilitação, por um lado permite a modificação subjetiva da instância e, por outro, é um instrumento
de regularização processual que, pelo menos o autor, tem grande interesse em requerer, porque se
não requerer a instância continua a sua suspensão e pode, no limite, ser declarada extinta por
deserção; a deserção é quando durante um período de 6 meses não há qualquer impulso processual.

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Portanto, o autor tem aqui o ónus de requerer a habilitação dos sucessores para evitar a extinção da
instância por deserção (arts. 277º c) e 281º CPC).
Este incidente, nos termos do art. 351º/1 CPC, pode ser requerido quer por qualquer das partes
ativas, quer por qualquer das partes passivas, quer por qualquer dos sucessores, e é requerido contra
todos eles; todos são chamados pelo incidente de habilitação. Trata-se de uma modalidade de
litisconsórcio necessário por prescrição legal expressa; há uma só relação jurídica processual e
trata-se de modificá-la.
Quem são os sucessores? Devem considerar-se sucessores aqueles, que nos termos do regime
material aplicável, sucedam na titularidade das posições jurídicas litigadas. À partida serão os
herdeiros, mas poderão ser também os legatários. Se o objeto da instância é um certo bem legado a
alguém, então o legatário poderá ser admitido como sucessor, porque a modificação material
entretanto ocorrida o afetou em particular.
O critério para a habilitação é o âmbito da modificação material entretanto ocorrida, mas é
necessário ter sido afetado por ela, esse será admitido à instância.
Um pormenor do regime de Direito Sucessório é que alguém só adquire a qualidade de
herdeiro quando aceita a sua vocação sucessória. Pergunta-se então, se o requerente do incidente de
habilitação deve alegar, eventualmente provar, a aceitação da herança por parte dos sucessores. Os
nossos tribunais têm entendido que não, que basta a designação dos sucessores. Estes, se o
pretenderem, alegarão em exceção que repudiaram a herança.
Deduzido este incidente ele pode assumir duas modalidades fundamentais, consoante a
habilitação já tenha sido ou não reconhecida num documento ou noutro processo. Se já tiver sido
vale o regime do art. 353º CPC; no caso de não ter sido vale o regime do art. 354º CPC. Se a
habilitação já estiver reconhecida em documento ou noutro processo deve ser apresentada naquela
concreta ação a certidão da sentença em que se decidiu da habilitação ou escritura da habilitação
notarial, nos termos do art. 353º/1 CPC. Das duas uma: caso se trate de um reconhecimento judicial
da habilitação as partes dessa concreta ação não podem mais impugnar a questão da habilitação (art.
353º/2 CPC); caso se trate de habilitação notarial as partes da escritura de habilitação já não a
podem mais invocar. Em relação a quaisquer outras partes a habilitação pode ser contestada e, nesse
caso, depois de ser apresentada contestação, depois de ser realizada a atividade instrutória
necessária, o juiz decide do incidente (art. 353º/3 do CPC).
Portanto, no incidente de habilitação distinguem-se estes dois grupos de casos: ou já foi
reconhecida ou ainda não foi reconhecida: se já foi reconhecida, entre as partes desse incidente não
se volta a discutir a questão. Perante terceiras partes é necessário formular um juízo sobre a
verificação dos seus pressupostos. Na outra hipótese, caso a habilitação não esteja reconhecida nem

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em sentença nem em escritura, só vale esta última possibilidade: deverá iniciar-se prazo para
contestação e, se necessário, deverá realizar-se a produção da prova requerida, valendo aqui as
regras dos arts. 293º e segs. do CPC, e por fim o juiz decide. No caso de a habilitação ser admitida
a consequência é a modificação subjetiva da instância e a ação prossegue entre as partes habilitadas
e a contraparte que se mantém a mesma.

22/03/17
Habilitação (Continuação):
A qualidade de sucessor, daquele que for parte, ser objeto de uma ação pendente (por exemplo
art. 354º CC numa ação de anulação em relação aos herdeiros- devem ser admitidos como
sucessores as pessoas que no momento da habilitação já se possam considerar como tal).
Uma particularidade respeita ao caso julgado. Ao contrário da regra do CPC, a improcedência
da habilitação não obsta a que possa ser requerida uma nova habilitação da mesma pessoa. Ou seja,
não obsta a que a pessoa que requereu a improcedência possa ser considerada habilitada em
momento posterior, desde que hajam novas provas para os mesmos factos. Ou possa vir a ser
habilitada em momento posterior desde que alegue novos factos/ provas. Esta, no entanto, não é a
regra. Permite-se a modificação da decisão.
A habilitação é uma causa de suspensão da instância. Se durante o período de 6 meses não
houver qualquer atividade processual a instância considera-se deserta (art. 281º CPC) e o juiz pode
declará-la extinta (art. 281º/4 CPC).
O autor tem o ónus de requerer a habilitação. Se não o fizer corre o risco de a instância ficar
extinta por deserção.
A deserção é uma causa de extinção da instância. Vale também para responder ao problema da
extinção da pessoa coletiva. No caso de extinção de pessoa coletiva extingue-se/desaparece também
um pressuposto processual, o da personalidade judiciária, por se extinguir a entidade que estava
personificada. Também neste caso a extinção da pessoa coletiva é causa de suspensão da instância
(arts. 269º/1 e art. 354º/3 CPC). Se, por exemplo, se extingue uma associação todos os associados
devem ser habilitados. No art. 354º/3 CPC ressalva-se o disposto no art. 162º do CSC. A maior parte
das nossas pessoas coletivas são sociedades comerciais. No art. 162º CSC prevê-se, em caso de
extinção da sociedade, que a sociedade seja substituída pela generalidade dos sócios, mas
representada pelos liquidatários. De tal forma que não é necessário chamar à instância cada um
desses sócios, basta que estejam os liquidatários. O próprio art. 162º do CSC refere que não é
necessária a habilitação, mas que esta deve ser entendida aqui como a habilitação dos sócios. Esta
figura da generalidade dos sócios não deve ser interpretada como o conjunto dos sócios, isto é, uma

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figura técnica. Neste caso não é necessário habilitação. Basta que os liquidatários marquem
presença na instância. Os liquidatários são quem representa a generalidade dos sócios. São
representados pelos liquidatários, mesmo que um sócio individualmente tenha um interesse
conflituante. Podem intervir como partes acessórias.
Em qualquer um destes casos, quer na habilitação mortis causa, quer na habilitação por
extinção da personalidade jurídica de pessoa coletiva, vimos que se tratava também de uma causa
de suspensão da instância. Mas, em certos casos, pode ser verdadeiramente uma causa de extinção
da instância, e quando o for, não há lugar ao incidente de habilitação porque não há ninguém para
habilitar.
Em que casos é que pode haver extinção da instância? Nos casos em que a morte de
alguém seja causa de extinção da posição jurídica/relação jurídica litigada e não haja lugar a
quaisquer novos efeitos a produzir. Exemplo: certa pessoa propõe contra outra uma ação de inibição
à prática de certo facto. Art. 1276º CC: que é uma modalidade de ação inibitória. Se o possuidor
tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, e este, réu, morrer e desaparece este
risco, a instância deve-se julgar extinta por inutilidade completa, superveniente. Se morreu aquele
que é causa do receio então deixa de haver fundamento para a ação. Portanto, nestes casos
manifestamente excecionais a morte de alguém não é causa de suspensão, mas sim causa de
extinção.
Assim como o incidente de habilitação serve para enquadrar as situações de sucessão mortis
causa, serve também para enquadrar as hipóteses de sucessão inter vivos, de transmissão de coisa
ou de direito em litígio. Neste caso procura-se adaptar a instância à eventual modificação da
titularidade do direito litigado. Vale o disposto no art. 356º CPC. Exemplo: A propõe ação de
reivindicação contra B. Na pendência da ação aliena o bem a C. O incidente de habilitação neste
caso tem por propósito chamar C à instância como sucessor de A para poder litigar contra B. A este
propósito já houve Direitos que historicamente tinham uma solução diferente: na pendência de uma
ação não se podia dispor do objeto do direito. O problema desta solução é que introduzia um
elemento de imobilização dos meios jurídicos. A solução do nosso Direito não é essa.
Primeira Regra: Enquanto não houver incidente de habilitação o transmitente conserva-se
como parte legítima. Deste modo, seja ou não seja o adquirente admitido a litigar, a ação produz
efeitos em face de si (art. 263º/3 CPC).
Pegando na nossa hipótese: A promove ação de reivindicação contra B, e este transmite o bem
a C. Enquanto C não for admitido a litigar A conserva-se como parte legítima. Portanto, procedendo
ou improcedendo, a ação vinculará C. Resultado: quando adquirirem algum bem correm o risco de
perder o bem caso aquele que alienou o bem esteja a litigar sobre o bem e não diga nada. É esta a

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solução da nossa lei.


Qual é o conflito de interesses que está aqui a ser resolvido?
Apresentam-se duas hipóteses:
A primeira solução é considerar o transmitente parte legítima para àquela ação, isto é, mantém
legitimidade processual. Nesse caso é o adquirente que arca com o risco de não ter sido realizada a
habilitação. A solução oposta seria considerar que a partir deste momento deixa de ser parte
legítima. C podia ser habilitado à instância. Nesse caso, quem arcaria com o risco de não ter sido
realizada a habilitação é o réu. No limite, C podia propor uma nova ação contra B e o réu seria
demandado duas vezes com o mesmo objeto, só que por pessoas diferentes. Outro problema aqui é
que sempre que o autor estivesse em risco de perder uma ação transmitia a coisa e o adquirente
propunha uma nova ação. Para resolver este problema diz-se que o primeiro autor é sempre parte
legítima para a ação. Dessa forma, perante o réu, o litígio pode ser definitivamente resolvido.
A partir do momento em que se realiza a transmissão o autor passa a ser substituto processual
do adquirente do bem. A partir do momento em que o autor transmite, o bem pertence na realidade a
C. Portanto, a partir desse momento (em que transmitiu o bem) A está a agir em defesa de um
direito de outrem. E é admitido a fazê-lo como substituto do adquirente.
Os únicos casos em que o réu não poderá opor ao adquirente os efeitos da primitiva ação são
aqueles casos em que a ação esteja sujeita a registo e o adquirente haja registado a sua aquisição
antes de ter sido feito registo o da ação. Exemplo: a ação de A-B foi proposta no dia 5 e foi
registada no dia 12. Esta transmissão foi feita no dia 7 e foi registada também no dia 7. Neste caso o
adquirente não podia contar com a propositura daquela ação e, portanto, o seu registo vai prevalecer
sobre aquela ação. O réu aqui não sofre qualquer risco porque pode promover o registo da ação no
momento da propositura. O réu propôs uma ação relativa a um bem sujeito a registo e pretende
garantir que aquela ação resolverá perante qualquer terceiro a sorte da titularidade daquele bem- só
tem de fazer uma coisa: promover o registo da ação e, assim, poderá sempre opor os efeitos daquela
ação a qualquer terceiro que venha a adquirir o bem litigado (art. 263º/3 CPC). Ora, se assim é, se
vale este regime de que o transmitente se conserva como parte legítima para a ação, é de grande
interesse recorrer ao incidente de habilitação. Este, neste caso, tem por finalidade admitir o
adquirente a litigar sobre o bem que agora lhe pertence.
Nos termos do art. 263º/2 CPC há que distinguir duas diferentes hipóteses:
 Haver acordo entre as primitivas partes da ação: se autor e réu concordarem que
um deles deve ser substituído por alguém a quem transmitiu o direito objeto de ação, então a
substituição é sempre admitida. Se as partes estão de acordo não há nenhuma razão fundamental
que deva obstar à admissão de novo sujeito;

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 Haver desacordo: nesse caso a substituição só deve ser recusada caso se entenda que
foi realizada com o intuito de prejudicar a posição da contraparte (art. 263º/2 CPC). Não é
suficiente que prejudique o interesse da contraparte, é necessário para que se recuse, que a
finalidade tenha sido prejudicar. Portanto, mesmo que prejudique, caso não se conclua que foi
essa a finalidade da transmissão entretanto realizada, a habilitação deve ser admitida.
O meio próprio para habilitar o adquirente é o incidente constante do art. 356º CPC.
Podemos colocar uma última questão, já não propriamente processual mas material: Quais
são os meios de defesa/pretensões que nascem na esfera do adquirente quando a habilitação
não tenha sido admitida? Uma hipótese será a eventual anulação do contrato que celebrou com o
transmitente quando, por exemplo, ignorasse que o bem que adquiriu é um bem litigado. Uma outra
hipótese será, por exemplo, a consequência da não admissão do incidente e a perda do direito sobre
a coisa será a aplicação do regime da venda de bens alheios por identidade de razão, e esse regime
tem por fundamento a venda realizada sem legitimidade. Mas, qual é a solução que podemos dar
nas hipóteses em que o adquirente conhecia que o bem era litigado, conhecia os riscos do
negócio? Nesse caso, tem que arcar com as consequências do negócio; não há qualquer outra
solução. É um risco da vida, é um risco do tráfego negocial.

Acabamos a matéria relativa às partes da ação (o que vimos até agora).

INTERESSE EM AGIR
É outro pressuposto processual. Está longe de ser claro e de ter um sentido preciso.
Por interesse em agir entende-se a necessidade objetiva de tutela da posição jurídica que o
autor pretende fazer valer na ação. A aceitar-se que é um pressuposto processual (o professor Tiago
Ramalho tem dúvidas), trata-se de um pressuposto processual que se define apenas por referência à
posição do autor. Se o autor tem interesse em agir, o réu terá efetivamente interesse em contradizer.
Através da posição do autor este pressuposto define-se para as duas partes. Não se trata de um
interesse subjetivo em agir: que o autor tem interesse subjetivo em agir é ponto que resulta da
petição inicial, se apresenta esta é porque pretende que os tribunais garantam ou protejam a sua
posição.
No interesse em agir o que se pergunta é se se deve colocar uma limitação à pretensão do
autor, não haverá razões objetivas que podem limitar este intuito de litigar processualmente? Que
razões são estas?
Em geral alude-se a duas razões:
 Garantir, proteger e conservar a autoridade e o prestígio dos tribunais, procurando

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evitar que os tribunais se enredem na apreciação, discussão e julgamento de casos jurídicos que
não merecem qualquer tutela. O pensamento subjacente a estas afirmações é que nos tribunais
está em jogo a força pública do Estado, isto é, os recursos públicos, e se assim é, esta atuação
deve estar limitada àquelas hipóteses que carecem realmente de tutela. Não se trata apenas de
economia de recursos, trata-se também de proteção do prestígio, da força. A força para ser
respeitada deve ser utilizada apenas quando necessária, sendo típico de um Estado despótico usá-
la quando é desnecessária;
 Tutela do Réu: Se não houver necessidade objetiva de tutela não é então necessário que
aquele réu tenha de estar sujeito aos efeitos de uma relação processual com tudo o que isso
implica (perda de tempo, de recursos, incerteza, etc.). Portanto, o réu pode ter interesse em
invocar a falta de interesse em agir do autor para obstar ao conhecimento daquela ação. Serão
fundamentalmente dois os casos em que há falta de interesse em agir:
- Os primeiros casos são aqueles em que se trata de uma situação jurídica ou de facto
que não merece objetivamente qualquer tutela judicial. São aqueles em que há carência
objetiva de interesse em agir;
- Os segundos casos são aquelas situações que a ordem jurídica reconhece como dignas
de tutela mas considera excessivo o recurso à via judicial, devendo antes ser seguido um
diferente caminho, por exemplo um meio alternativo de resolução de litígios. Neste caso já
não se trata de carência de tutela judicial, mas sim de inadequação de tutela judicial.
No nosso Direito o interesse em agir não está normativamente autonomizado como
pressuposto processual, mas apenas doutrinalmente e jurisprudencialmente. Não consta do elenco
de exceções dilatórias presente no art. 577º CPC; também não o refere o art. 278º/1 CPC relativo às
causas de absolvição da instância. Apenas encontramos algumas regras casuisticamente previstas,
como a regra constante do art. 30º/2 CPC. Tal como interpretado, por exemplo pelo professor
Tavares de Sousa, este nº 2 respeita ao interesse em agir. Em todo o caso, o atual Direito português
não é o mais claro para a defesa deste pressuposto, nem para a defesa da sua relevância.
O professor Castro Mendes entende que o interesse em agir não é nenhum pressuposto
processual, não tem qualquer autonomia no nosso Direito.
O professor Tiago Ramalho diz que é preciso olhar para os concretos tipos de ação, para os
diferentes casos que se vão suscitando e que vão convocando a categoria do interesse em agir e, a
propósito desses casos, procurar determinar o regime mais adequado. Este caminho, que para o
professor parece ser o melhor, foi aliás o caminho histórico percorrido para a afirmação deste
pressuposto processual. Este começou a ser convocado para enquadrar uma série de casos
patológicos que não se reconduziam ao regime aplicável àquela que é a ação paradigmática – ação

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paradigmática é a ação de condenação ao pagamento de prestação vencida. (esta é a ação de


condenação ao pagamento de prestação vencida).
A existir este pressuposto será de conhecimento oficioso ou apenas de conhecimento
provocado? Trata-se de mais um ponto que não é pacífico. Há quem entenda que é de
conhecimento oficioso, há quem entenda que não. Tudo depende do caso: nos casos em que o
propósito da regra seja proteger sobretudo o interesse do Estado, da comunidade política em não
haver litigância em relação a certas posições jurídicas, porque por exemplo há MRAL, parece que
se trata de um meio de conhecimento oficioso, pois pretende-se limitar a própria liberdade das
partes; já nos casos em que se vise proteger o interesse do réu em não ter de intervir numa ação em
que objetivamente a posição do autor não carece de tutela naquele momento, neste caso já parece
que se trata de um pressuposto processual que carece de invocação pelo réu.

Análise no Âmbito dos Diferentes Tipos de Ação Quanto ao Respetivo Fim:

Ações de Condenação Pressuposta a Violação do Direito em Momento Anterior ao da


Propositura da Ação Inicial. Trata-se/pode tratar-se aqui de duas hipóteses fundamentais:
 Uma ação proposta contra o réu para o cumprimento de certa ação vencida e não
cumprida, ou de condenação do réu ao cumprimento das consequências resultantes da
violação de certo direito absoluto ou de crédito;
 Ação de indemnização.
Para qualquer uma destas hipóteses o interesse em agir não tem, via de regra, qualquer
autonomia porque, da simples afirmação de que o réu violou o direito do autor já decorre o interesse
em agir daquela concreta ação. Portanto, o interesse em agir não tem que ser positivamente
demonstrado; já se considera presente na ação pela simples afirmação de que o réu violou o direito
do autor. Quando muito, a falta de interesse em agir poderá resultar em casos muito particulares, na
circunstância de haver sido previsto um certo meio alternativo para fazer valer o direito litigado.
Exemplo: procedimento especial de despejo de arrendamento (art. 15º do Novo Regime do
Arrendamento Urbano- NRAU). Nestes casos, a falta de interesse em agir decorre simplesmente de
uma opção legislativa para este concreto tipo de ações, para ações com este objeto o titular do
interesse dever recorrer a um meio que não um meio judicial para fazer valer o seu direito. Este
procedimento especial de despejo funciona junto do Balcão Nacional de Arrendamento. Neste
último caso particular, sendo proposta ação judicial, parece que está presente uma exceção dilatória
atípica, não especialmente prevista na lei, mas sujeita ao mesmo regime que aparentemente será
causa da absolvição da instância.

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Ação de Condenação Prevendo a Violação de um Direito, em que Quando o Autor


Propõe a Ação não Afirma que o Réu já Violou o Direito. Está a Procurar Precaver-se Contra
o Futuro: Nalgumas hipóteses, a lei processual admite especificamente que o autor possa litigar em
defesa de uma posição jurídica ainda não completamente constituída.
 A primeira hipótese é a do art. 557º/1 CPC. Admite-se, nos termos desta disposição,
que o autor, caso litigue sobre uma obrigação periódica (mas também pode valer para
uma obrigação duradoura), peça a condenação do réu não só nas prestações vencidas,
mas também nas prestações vincendas, isto é, em que simultaneamente pede a
condenação do réu pressuposta a violação do seu direito (quanto às obrigações
vencidas) e pressupondo a possível violação futura do direito quanto às obrigações
vincendas. A grande utilidade desta possibilidade de pedir a condenação “in futurum”
do réu afirma-se no caso de o réu entrar em incumprimento relativamente às
prestações vincendas, tendo nesta situação o autor título executivo também para as
executar. A ação é proposta no momento 1, a sentença à partida sairá no momento 5, o
contrato vigora até ao momento 7. Se o autor só pudesse litigar pelo seu direito
constituído até este momento (momento 1), isso significaria que se quisesse propor
uma execução no momento 7 apenas tinha título para executar esta prestação. Podendo
pedir uma condenação “in futurum” poderá litigar por todas as prestações que se
venham por aí adiante a constituir. Poderá executar o réu também para estas
prestações, sem necessidade de propositura de uma nova ação.
Note-se que neste caso, apesar de litigar por um lado quanto a prestações vencidas, e por
outro quanto a prestações vincendas, trata-se sempre da mesma obrigação que está a ser litigada,
trata-se sempre da mesma relação obrigacional; trata-se da mesma fonte e, por outro lado, trata-
se de um caso em que se torna evidente o interesse em litigar: se o réu já está em incumprimento
das prestações vencidas o mais provável é entrar em incumprimento das prestações vincendas;
 O segundo caso está previsto no art. 557º/2 CPC. Admite-se que o autor peça a
condenação do réu numa prestação futura quando demonstre o seu interesse em
despejar o réu de certo prédio no momento em que findar o arrendamento (é uma
hipótese diferente da que consideramos há pouco), ou ainda, quando demonstre que a
falta de título executivo no momento do vencimento da prestação lhe causa prejuízo
grave. Trata-se portanto de casos em que o autor já prevê o incumprimento do réu e
demonstra a necessidade objetiva de no momento em que se constitui o seu direito
poder executar o réu;

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 Encontra-se ainda uma terceira hipótese prevista no art.610º/1 CPC. No momento da


sentença, caso se conclua que a obrigação é inexigível, pode o réu ser condenado a
prestar a obrigação no momento em que ela se considere exigível. A consequência é a
absolvição do pedido, no entanto, a condenação no pedido é para o futuro,
aproveitando-se os efeitos daquela concreta ação.
Em qualquer uma destas hipóteses que acabamos de considerar, o tribunal conhece de um
direito ainda não constituído e condena o réu apesar de este ainda não estar em incumprimento,
vigorando para o futuro. Pergunta-se: E nos casos em que este requisito não está preenchido? Pode
o autor litigar em defesa de um direito futuro livremente? Considera-se, via de regra, que o autor
tem falta de interesse em agir caso não demonstre positivamente o seu interesse e a sua necessidade
de agir em juízo. Trata-se aqui de um meio de defesa do réu, este nunca incumpriu o contrato, logo
deve poder obstar a que uma ação seja movida contra ele quando não deu causa à ação.
Regime Aplicável: Este requisito do interesse em agir será de conhecimento oficioso ou
de conhecimento provocado? Quem é que visa proteger? Parece que, neste caso, visa proteger
essencialmente o interesse do réu em não ser demandado quando não põe em causa qualquer direito
do autor. Se assim for, e se assim se entender, isto significa que a invocação da falta de interesse em
agir deve ficar reservada ao réu se for com este fundamento; a questão deve ser colocada à
apreciação do réu. Se entendermos o oposto, ou seja, que é de conhecimento oficioso, já deveria
haver indeferimento liminar. O professor Tiago Ramalho diz que isto depende de como
qualificamos o interesse em agir: se qualificamos como de conhecimento provocado então ele não
vê razão para haver indeferimento liminar, se o juiz ajuizar da falta de interesse em agir parece que
o réu deve ser absolvido da instância caso se prove a falta de interesse em agir do autor ou o réu a
invoque (art. 595º/1 a) CPC); se for possível conhecer do mérito da ação sem necessidade de
quaisquer provas adicionais, o juiz deve proferir sentença de mérito no despacho saneador (art.
595º/1 b) CPC), absolvendo o réu do pedido.
Mais ainda: nos termos do art. 610º/2 CPC se o réu não contestar a existência da obrigação,
muito embora possa ser condenado segundo o art. 610º/2 a) CPC, o autor é condenado nas custas e
a satisfazer os honorários do advogado do réu.
Como alternativa: pode o réu manifestar interesse na prossecução da ação quando, desde
logo, não argua a falta de interesse em agir do autor. A partir deste momento deve o tribunal
conhecer do mérito da ação por razões de economia processual.
Este requisito do interesse em agir deve ser ainda positivamente demonstrado no âmbito
das ações inibitórias. Exemplos: art. 70º/2 CC (defesa da personalidade) e art.1276º CC (defesa da
posse). Em tal caso só há interesse em agir na estrita medida em que o autor alegue que o réu

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ameaça o exercício de um direito seu. Se o autor não o fizer deve o réu ser absolvido da instância
por falta de interesse em agir do autor. Se o tribunal tiver elementos no despacho saneador pode
absolver ou condenar o réu. Este caso permite ver como os limites deste pressuposto estão longe de
ser traçados.

Ações Constitutivas: São aquelas destinadas a produzir uma mudança na ordem jurídica.
Normalmente, a não verificação do requisito do interesse em agir nas ações constitutivas resulta de
o meio judicial ser um meio excessivo para fazer valer o direito. Não há duvidas que quando se trata
de um direito potestativo de exercício judicial, em que a própria lei preveja que é necessária uma
ação judicial para que se produza o interesse constitutivo, há interesse em agir. Exemplos de ações
constitutivas que exigem uma ação judicial: impugnação pauliana, ação de preferência, ação de
anulação (esta última para a maioria da doutrina).
O problema está nas hipóteses em que o regime de Direito material permite que o direito
potestativo possa ser exercido por simples declaração. Exemplo: direito de resolução (art. 436º/1
CC). A pergunta que se coloca a partir da regra prevista no art. 436º CC é se a resolução se pode
fazer mediante simples declaração à contraparte e se tem o titular do direito de resolução interesse
em agir, em recorrer a um meio judicial para se produzir este efeito quando tem um meio material
muito mais simples para obter a mesma finalidade? Não haverá aqui uma excessividade de tutela?
Cabe distinguir entre várias hipóteses:
Há casos em que não há nenhuma dúvida de que o autor tem interesse em agir. Imaginemos
que o autor materialmente resolve o contrato, pede a restituição de tudo aquilo que foi prestado e o
réu recusa-se a restituir aquilo a que está obrigado; em que, portanto, há conflito quanto à causa da
resolução. Não há menor dúvida que o autor pode propor uma ação de condenação do réu em que,
como pressuposto do seu direito, invoca o direito de resolução já exercido. O fundamento da
resolução pode ser conhecido como questão prévia numa outra ação. Disso não há dúvida, porque é
a regra da ação de condenação. A dúvida é: pode o efeito constitutivo enquanto tal ser gerado por
uma decisão judicial? Do ponto de vista do professor Tiago pode, mas apenas quando o autor
demonstre interesse nessa declaração. O autor tem interesse na declaração judicial quando, por
exemplo, há disputa entre autor e réu quanto à causa da resolução. A partir do momento em que há
esta disputa há uma causa jurídica de que o tribunal pode conhecer.
Regime Aplicável: É o mesmo que já referimos. No caso de não haver interesse em agir,
haver excessividade de tutela, não haver conflitos de interesses merecedor de tutela jurídica, pode o
réu suscitar a falta de pressuposto processual, sendo absolvido da instância.

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Ações de Simples Apreciação: São aquelas que têm por finalidade a declaração de existência
ou inexistência de um direito ou de um facto. O interesse em agir afere-se pelos efeitos negativos,
desfavoráveis, prejudiciais, que aquela situação de incerteza produz sobre a posição do autor. O
autor só tem, portanto, interesse em agir na medida em sofra de alguma forma consequências
desfavoráveis com aquela situação de incerteza. Neste caso, uma vez mais, há absolvição da
instância se não há interesse em agir. Caso o réu pretenda discutir aquela situação a ação prossegue
para a consideração do mérito da causa.

PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
Também é um pressuposto processual. Por patrocínio judiciário entende-se a atuação
processual, em nome e por conta de outra pessoa parte da ação, de uma pessoa habilitada para o
exercício da prática forense.
O patrocínio judiciário que designa este instituto pode ser obrigatório ou facultativo. É
obrigatório quando seja a própria lei a impor, para que se aja processualmente em defesa de
determinada posição jurídica, que a parte seja representada por alguém dotado das qualificações
necessárias à prática forense. É voluntário ou meramente facultativo quando a lei não o impõe e
quando é, portanto, da iniciativa das partes da ação a atribuição a alguém da qualidade de
mandatário judicial.
Quais são as razões que fundamentam o patrocínio judiciário? Costumam apontar-se
duas razões fundamentais que justificam este recurso: uma razão de ordem psicológica e uma
razão de ordem técnica ou prática:
 Razão de Ordem Psicológica: O patrocínio judiciário seria um meio para garantir um
certo distanciamento entre as partes e o objeto do litígio na medida em que as partes são titulares
das posições jurídicas materiais envolvidas na lide, pois são as partes que arcam com as
consequências da procedência ou da improcedência da ação, logo é natural que estejam
emocionalmente afetadas pelo litígio e que nutram um conjunto de sentimentos que dificultam de
forma acentuada a resolução do conflito (raiva, agressividade, impaciência, etc.). No Processo
Civil, mas não só, também no Processo Penal, o processo é um lugar de resolução de litígios
segundo a palavra, segundo a razão e, por isso, é fundamental refrear a posição daqueles que
agem na ação, recorrendo a intermediários qualificados. Mais ainda: não basta a parte afirmar
que tem razão, tem que demonstrar os fundamentos que levam a que em seu entender tenha
razão, e para isso, é preciso objetividade, paciência, distanciamento, isto é, para seu próprio
interesse pode ser recomendado o recurso a um terceiro. Da mesma forma, o recurso ao
patrocínio judiciário pode facilitar a resolução do conflito de forma consensualizada, por

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exemplo, em resultado de uma tentativa de conciliação (art. 594º CPC);


 Razão de Ordem Técnica: Respeita aos conhecimentos que só alguém habilitado à
prática forense detém, conhecimentos de dupla natureza: por um lado conhecimentos
estritamente práticos (relativos ao modo de expor uma dada posição, à própria praxe judicial);
por outro, elementos materiais (relativos ao conhecimento do Direito aplicável, à distinção de
problemas jurídicos, etc.).
Ora, por força do princípio da especialização do trabalho é de grande conveniência que aquele
que não reúna, ou que não tenha estes conhecimentos, se socorra de alguém qualificado. Por
exemplo, nos termos do art. 40º/2 CPC, mesmo nos casos em que é obrigatória a constituição de
advogado as próprias partes podem fazer requerimento em que não se levante matéria de direito.
Estas duas razões valem, quer para o patrocínio facultativo, quer para o patrocínio
obrigatório. Mas, relativamente a este último, estas regras são verdadeiramente limitativas da
liberdade das partes, são regras restritivas da autonomia de cada um de nós. São motivos que
levam a que o Estado, a comunidade política, restrinja de forma significativa a possibilidade de
cada um pretender fazer valer o seu direito.
Qual o interesse do Estado em obrigar as partes numa concreta ação a terem de se
socorrer de um patrono, de um mandatário judicial? Segundo o professor Tiago Ramalho
são duas razões principais, sendo que, dependendo do caso, vale mais uma do que outra:
 Interesse público do Estado em que os litígios sejam conduzidos por pessoas
tecnicamente qualificadas. Porque a qualificação dos diferentes intervenientes
processuais é um fator de redução da complexidade do processo. Se os advogados
souberem bem dispor da causa, bem delimitar as posições jurídicas, a atividade do
julgador encontra-se muito facilitada. O grande interesse em haver mandatários
judiciais é garantir que todos os intervenientes processuais falam a mesma linguagem
e, falando a mesma linguagem, entendam-se com mais facilidade;
 Trata-se de regras que visam defender os próprios membros da comunidade jurídica.
O sistema jurídico é extremamente complexo. E tem uma complexidade que muitas
vezes é ignorada pelos membros da comunidade jurídica. A obrigatoriedade de
patrocínio judiciário tem, por isso também, a finalidade de garantir que cada um dos
membros da comunidade jurídica goza de efetiva defesa na ação. Por seu efeito, se
alguém não conhece o modo de funcionamento do sistema jurídico, não conhece
também os meios que tem ao seu dispor para se defender, daí que se imponha o
recurso a um profissional qualificado para que a pessoa possa agir no processo.
Podemos dar ainda uma terceira razão, mas que não deverá ser atendida, e não deve

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justificar em nenhum caso o patrocínio judiciário obrigatório. Poder-se-ia pensar na simples


proteção corporativa no interesse de advogado e solicitador. Uma restrição à liberdade das partes
com este fundamento deve ser, evidentemente, afastada.
Os únicos fundamentos legítimos são: o bom funcionamento do sistema de justiça e proteção
efetiva das partes. Tudo o que vai além disto é excessivo e é uma verdadeira restrição ao Estado de
Direito.
Em auxílio dos membros da comunidade jurídica são sinalizados, mediante a concessão de
um título específico, aqueles que estão habilitados ao exercício da prática forense e, em especial, o
patrocínio judiciário. Essa sinalização é feita mediante a atribuição de um título profissional de
advogado, que é um título que só aqueles que estão qualificados como advogados podem utilizar
(art. 70º/1 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Via de regra, o patrocínio judiciário tem justamente que ser exercido por um advogado.
Consideram-se advogados todos aqueles a quem a Ordem dos Advogados confira esse título. O
Estatuto da O.A. atualmente vigente foi aprovado pela Lei 145/2005, de 9 de setembro. A O.A. é, do
ponto de vista estrutural, uma associação pública profissional (não é uma associação privada, é uma
associação pública integrada por profissionais privados) que integra a chamada Administração
Autónoma do Estado. Trata-se uma pessoa coletiva de Direito Público. Uma das suas atribuições é
justamente a de atribuir título de advogado e de regulamentar o acesso e exercício a essa profissão
(art. 3º c) do Estatuto da O.A.). Desta forma, só podem agir como advogados aqueles que tenham
inscrição vigente na O.A. (sendo que a inscrição pode ser suspensa), nos termos do art. 66º/1 da
O.A.
Além dos advogados estão também habilitados para assumir o patrocínio de certa causa os
advogados estagiários e os solicitadores de execução. Há uma ordem profissional específica- a
Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução-, cujo Estatuto foi aprovado pela Lei 154/2015 ou
2005, de 14 de setembro. Antes chamava-se Câmara dos Solicitadores, mas entendia-se que esta
designação não era digna o suficiente. Esta Ordem, à semelhança da O.A., tem a competência para
atribuir o título profissional de solicitador e de agente de execução (art. 3º/2 c)), sendo que é
incompatível nos termos do Estatuto da O.A. (art. 85º/1) ser simultaneamente advogado e
solicitador. Para ser solicitador é necessário ser licenciado em Direito ou em Solicitadoria.
Através destas Ordens, que são associações públicas, o Estado sinaliza aqueles que considera
serem aptos para o exercício de profissões forenses. Trata-se de entidades com poderes de
autorregulamentação; os advogados determinam aquelas competências que entendem necessárias
para o exercício da sua atividade. Num e noutro caso há uma Lei que fixa os atos que só os
advogados e solicitadores podem praticar- é a chamada Lei dos Atos Próprios de Advogados e de

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Solicitadores (Lei 49/2004, de 24 de agosto). Nos termos desta Lei, os atos que só advogados e
solicitadores podem praticar são: o exercício de mandato forense e a consulta jurídica, estando
tipificado como crime o exercício desta última atividade por parte de outros sujeitos.

27/03/17
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO (Continuação)
Há uma última razão que pode levar a que o Estado estatua em alguns casos o patrocínio
judiciário obrigatório: a ideia seria levar as partes a aconselharem-se junto de um profissional,
informarem-se sobre a consistência das suas relações jurídicas e, desta forma, evitarem a
propositura de ações inúteis. Tal argumento tem a sua força. Contudo, também deve tomar-se em
linha de consideração que uma das principais razões para a propositura de ações pode ser, e é muitas
vezes, o interesse de advogados em litigarem. Aliás, por esta mesma razão, no art. 106º do Estatuto
da O.A. se proíbe que o advogado seja remunerado apenas em função do sucesso da ação, para não
ter um incentivo exclusivo em litigar. E este risco de haver ações que são movidas apenas pelo
interesse dos advogados em litigar, e contanto que também sejam remunerados por via dos
honorários, é um risco real, tão mais real quanto maior for a comunidade de advogados. Nos EUA
há fundos de investimento em que se investe na propositura de ações de classe. Portanto, os
investidores serão remunerados se houver ações de responsabilidade civil a procederem. As próprias
ações jurídicas são tornadas objeto de mercado e objeto de especulação.
Nota (a título de cultura geral, não é preciso saber) - vimos que uma das razões que
justificavam o patrocínio judiciário era o interesse do Estado em ter advogados qualificados de
forma a que a resolução do litígio fosse mais simples, uma vez que assim todos dominam a mesma
linguagem, a mesma praxe. Ora, nalguns Estados, que não Portugal, é mesmo necessário uma
licença especial para litigar junto de certos tribunais. Por exemplo, na Alemanha, em 2011, havia
apenas 41 advogados que podiam litigar junto do Supremo Tribunal. Em Inglaterra também fazem
esta distinção entre os advogados de primeira instância e os que podem agir junto dos tribunais
superiores e é sempre com o mesmo fundamento: o de que para agir junto de determinado tribunal é
preciso ter uma certa qualificação. É uma forma mais simples de se resolver os litígios.
Uma questão que se coloca a este propósito, a respeito da restrição à prática forense, é a
delimitação das regras que deverão franquear a possibilidade de agir em juízo. Um aspeto
absolutamente central da política de justiça de qualquer Estado é justamente a da qualificação dos
respetivos agentes de justiça, dos respetivos profissionais de Direito, uma questão afinal da
formação jurídica. Parece evidente, numa análise global daquelas que são as restrições que hoje se

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colocam ao acesso e à prática forense, que a qualidade dos profissionais do foro parece estar longe
de ser uma das primeiras preocupações na legislação sobre estas matérias.
Ao nível pré universitário multiplica-se/aumenta a falta de conhecimentos necessários ou
convenientes para o curso de Direito, situação que se tem vindo a agravar. Ao nível universitário, os
diferentes cursos de Direito têm uma quantidade excessiva de alunos por docente. Multiplica-se, da
mesma forma, o número de universidades sejam elas públicas ou privadas. Daqui decorre um
enorme risco para a comunidade jurídica e para a própria sobrevivência da comunidade jurídica
com adequados níveis de qualidade, que é o risco de já não conhecer gente habilitada à sua
conservação. O argumento que se dá, no fundo, para minorar os riscos que daqui decorrem, é o de
que o mercado seria capaz de distinguir os bons dos maus profissionais. O problema é que para esta
afirmação ser correta é necessário num modelo teórico que se reúna um conjunto de condições que
estão longe de se verificar. A condição mais importante de todas é a de não haver assimetrias de
informação, cada membro da comunidade, em qualquer momento, ter ao seu dispor informações
sobre toda a gente, o que não se verifica. Há grandes assimetrias de informação. No caso específico
das relações de mandato, ou de prestação de serviços, ou mandato judicial, esta circunstância é
particularmente grave devido uma nova situação: a de o adquirente do serviço pouco saber quanto
ao serviço que é prestado e não conseguir controlar tecnicamente a atividade do prestador. Desta
forma, entrega-se às mãos do prestador de serviços, o que significa que diminuir abaixo do desejado
os níveis de formação dos profissionais de Direito é, afinal, colocar os membros da comunidade
jurídica sem qualquer defesa e sem qualquer possibilidade de controlo nas mãos de quem
eventualmente não goza da menor capacidade para cuidar dos interesses de outrem. Isto pode não
ser grave para uma sociedade comercial, mas para a maior parte dos indivíduos a sua vida pode ser
arruinada. A única solução para este problema seria evidentemente melhorar a qualidade do Direito,
da formação jurídica (universitária e pós universitária). Mas isto não acontece, porque conflitua
com interesses particulares: da parte dos estudantes afirma-se o interesse de não serem sujeitos a
novos exames; da parte de muitos advogados o de não serem excluídos da prática forense. Isto
opõe-se também ao interesse das faculdades de Direito pois estas podem ter ambição em reforçar o
seu orçamento.
Portanto, há aqui uma sucessão, um concurso de interesses particulares que levam a que, no
conjunto, haja uma gravíssima diminuição daquela que é a grande garantia de um Estado de Direito
e, decerto, a única: a de haver gente formada, qualificada, convencida da sua importância e do seu
relevo. O Estado de Direito não existe por si só, existe na medida em que atuemos de forma tal que
a todos garantimos a possibilidade de agir e de se defender de acordo com as regras de Direito.

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Feitas estas observações gerais importa agora considerar o Regime do Mandato Forense. É
pelo mandato forense que se constitui o patrono judiciário e que se atribui poderes a alguém- o
mandatário judicial- para agir em juízo, em defesa ou em lugar de uma das partes (art. 43º CPC). O
mandato judicial é, portanto, um negócio jurídico pelo qual se coloca alguém na posição de
mandatário judicial.
No CPC não há distinção técnica entre mandato e procuração. Qual é a diferença entre os
dois?
O contrato de mandato tal como previsto no CC, nos termos do art. 1557º e segs., é o contrato
que regula a relação obrigacional entre mandante e mandatário, relação nos termos da qual o
mandante tem o direito a exigir que o mandatário aja por sua conta e, nos termos da qual, por sua
vez, o mandatário tem o direito a exigir ao mandante que assuma as consequências da atividade do
mandatário e, eventualmente, a receber uma certa remuneração a que se chama no âmbito deste
contrato de honorários (tal designação vem do Direito Romano e correspondia ao valor pago pela
honra de ter servido outrem, daí que não se chame salário ou remuneração).
Questão Diferente é a da Procuração: Por Procuração ou poderes de representação entende-
se a posição jurídica de alguém- o procurador- nos termos da qual, por sua simples declaração, pode
vincular a esfera do representado (art. 258º e segs. CC).
Rigorosamente no mandato judicial trata-se de uma e de outra coisa. No mandato judicial
trata-se de uma modalidade de mandato com representação. As duas matérias não estão claramente
distinguidas, segundo o professor, pela circunstância de o CPC ter sido elaborado ainda sob
influência francesa e esta distinção ser de origem alemã. Remonta a Laband (autor do século XIX).
O regime do mandato judicial tem rigorosamente três grandes fontes (do especial para o
geral) vale em primeiro lugar o Estatuto da O.A, em segundo o CPC e, por fim o CC para as
matérias não reguladas nas fontes anteriores.
Como é que o mandato judicial se pode constituir? O mandato é um contrato, a procuração
é um negócio unilateral. No CPC faz-se uma mistura entre os dois aspetos para constituição do
mandato forense (art. 43º CPC); entre a legislação especial há que considerar o DL 267/92, de 28 de
novembro. Nos termos deste DL o mandato pode ser conferido por documento particular, devendo o
advogado aprovar. Se o mandato judicial pode ser conferido por instrumento público ou por
documento particular significa isto que pode, à partida, ser conferido por declaração unilateral, à
semelhança do que vale para a procuração. Contudo, nos termos do art. 44º/4 CPC, para que o
patrocínio judiciário seja eficaz é necessário que seja aceite por parte do mandatário, seja no ato de
concessão, seja por facto concludente. O dever de agir por parte do mandatário só se constitui,
portanto, a partir do momento em que o mandato seja eficaz, isto é, a partir do momento em que o

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mandatário o aceite.
O âmbito do mandato judicial é fixado nos arts. 45º e 46ºCPC. Nos termos do art. 45º/1 CPC,
que remete para o art.44º/1CPC, o mandato atribui ao mandatário poderes para representar a parte
em todos os atos e termos do processo principal e seus incidentes, mesmo perante os tribunais
superiores. O mandato estende-se portanto à prática de todos os atos necessários à condução
daquela ação, excetuam-se apenas os atos para os quais se exijam poderes especiais. Um desses
domínios em que se exige poderes especiais encontra-se regulado no art. 45º/2 CPC. Para a prática
de atos de disposição sobre o objeto do processo (confissão, desistência e transação) exige-se que
sejam conferidos poderes especiais ao mandatário, isto é, se não forem conferidos expressamente
tais poderes não se considera que o mandatário possa praticar tais atos. O propósito desta exigência
é garantir que a decisão sobre as próprias relações jurídicas esteja reservada ao titular das mesmas; é
garantir, no limite, que cada um possa ser senhor de si, senhor das suas relações jurídicas, não sendo
substituído por um procurador. É garantir também que não recai sobre a parte o risco de o
procurador não ultrapassar os seus poderes.
Na intervenção do notário, prevista no art.43º a) CPC, procura-se muitas vezes garantir que
haja um terceiro imparcial que aconselha as partes quanto às consequências do contrato. O notário é
um especialista em Direito, é um especialista em contratos que, analisando as consequências do
contrato/ ato que se está a realizar, adverte a parte para as consequências desses atos. Esse tipo de
controlo prévio hoje em dia não existe. Portanto, hoje em dia, a precaução que se pretende
introduzir com a necessidade de passar poderes especiais pode, por uma via indireta, não ter
qualquer sucesso porque o beneficiário dos poderes especiais é aquele que está autorizado a
autenticar um ato, que é o próprio mandatário.
Regime especial merece a confissão do facto (diferente da confissão do pedido), previsto no
art. 46º CPC. O valor probatório que se atribui à confissão de factos está ligado à verosimilhança de
ter acontecido certo facto desfavorável ao confidente. Ninguém, à partida, inventa um facto que não
lhe aproveita. Por essa razão a confissão (o seu valor, etc.) está diretamente ligada à confissão
efetuada pelo próprio, sendo por isso natural que as confissões feitas pelo mandatário não se
estendam ou não prejudiquem o mandante. Só não é assim na fase dos articulados. Para a fase dos
articulados vale o disposto no art. 46º CPC, sendo que esta disposição é uma regra justificada.
Dentro do âmbito dos poderes do mandatário encontra-se ainda o poder de subestabelecer o
mandato, segundo o art. 44º/2 CPC. Quer dizer, o mandatário pode, por seu lado, atribuir poderes a
outro mandatário para agir em seu lugar. É mais um caso de subcontrato. Exemplo: A constitui um
mandatário, B. B subestabelece em C. Se B subestabelece em C, este pode agir como mandatário.
Um caso especial encontra-se no art. 50º/1 CPC que refere a possibilidade de um advogado,

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durante a produção de prova ou discussão da causa, se socorrer de certa pessoa dotada de aptidão
técnica para o debate relativo à prova ou à discussão. Pensemos, por exemplo, numa ação de
responsabilidade civil por negligência médica no recurso que um advogado faz a um médico para
discutir certos factos (altamente técnicos) que, a verificarem-se, permitem a condenação do réu.
Pensemos também na possibilidade de uma ação de indemnização por realização defeituosa de um
dado prédio, no recurso que o advogado faz a um engenheiro civil para discutir certos factos que, a
verificarem-se, permitem a indemnização. Quer dizer, as razões que justificam que em certos casos
haja patrocínio judiciário, são essas mesmas razões que justificam que o próprio advogado possa
socorrer-se de um técnico quando se trate de uma daquelas questões cujas especialidades técnicas o
advogado não domina.
Este técnico ou assistente técnico previsto no art. 50º CPC é um verdadeiro mandatário
judicial para este efeito específico, e apenas para este efeito: para a discussão técnica para a qual
está particularmente qualificado. É uma forma atípica de mandato judicial. Tal intervenção pode ser
recusada pelo juiz nos termos do art. 50º/3 CPC.
Como é que cessa a relação de mandato judicial? Nos termos previstos no CC,
nomeadamente no art. 1170º o mandato ou procuração podem cessar por ato unilateral. Do lado do
mandante trata-se do ato unilateral de revogação. Do lado do mandatário trata-se do ato unilateral
de renúncia. Trata-se de atos unilaterais que permitem extinguir uma relação contratual, são atos
cuja finalidade e cujo sentido só se compreendem por referência a este tipo de relações. Estas
relações contratuais são relações de atuação por conta de outrem. Significam elas que certa pessoa,
entre outros aspetos, está obrigada a aceitar todas as consequências do ato praticado por outrem mas
por sua conta.
Se não se admitisse a possibilidade de fazer cessar a relação contratual a todo o momento isto
significava, no limite, que certa pessoa alienava a sua autonomia a outra e ficava verdadeiro servo
de outrem, porque suportaria todos os efeitos decididos por outrem. Inversamente, aquele que atua
por conta de outrem pode renunciar a todo o tempo à sua atividade. O princípio fundamental aqui
presente é o de que ninguém deve ser obrigado irrestritamente a colocar as suas capacidades ao
serviço de outrem.
O mandato pode cessar por revogação do mandante e por renúncia do mandatário. A
revogação por parte do mandante é, à partida, admissível a todo o momento (art. 1170º/1 CC),
mesmo que tenha sido acordado o contrário. No caso de haver sido acordada a irrevogabilidade há
simplesmente lugar à obrigação de indemnização (art. 1172º CC). Portanto, a revogação é sempre
eficaz; quando muito pode haver tutela indemnizatória da contraparte. Quanto ao mandatário, via de
regra, pode renunciar livremente ao mandato. Essa é a regra do CC. Mas há uma restrição a essa

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liberdade que se relaciona com o estatuto específico do advogado: nos termos do art. 100º/1 e) do
Estatuto da O.A. o mandatário tem o dever de não fazer cessar sem justa causa o patrocínio das
questões que lhe foram confiadas e, mesmo se tiver justa causa para fazer cessar as relações de
mandato, não o deve fazer de forma a impossibilitar que o cliente consiga obter em tempo útil a
assistência de outro advogado (art. 100º/2 do Estatuto da O.A.). Renunciando, apesar de não dever
renunciar, desde que respeitados os termos do CPC e do CC, a renúncia, segundo o professor Tiago
Ramalho é eficaz, quando muito há o dever de indemnizar o mandante.
Como é que deve ser realizada a revogação e a renúncia? Nos termos do art. 47º/1 do CPC,
quer a revogação, quer a renúncia, devem ter lugar no próprio processo e devem ser notificadas quer
ao mandatário, quer ao mandante, quer à parte contrária. Assim, se é o mandatário, deve ser
notificado o mandante e a parte contrária; se é o mandante, deve ser notificado o mandatário e a
parte contrária. Para que a relação de mandato seja considerada extinta basta que se integre no
processo e seja comunicada à contraparte, contra a qual se pretende fazer valer o efeito extintivo. Se
o mandatário pretende fazer extinguir o mandato, para a eficácia da extinção basta que a renúncia
seja feita junto ao processo e que seja notificado o mandante. Se for o mandante a pretender revogar
o mandato basta que a revogação seja junta ao processo e que seja notificado o mandatário. A
notificação à contraparte tem valor meramente notificativo/informativo; não é essencial para a
eficácia do mandato. Deste modo, quando no art. 47º/2 CPC se dispõe que “ os efeitos da revogação
e da renúncia produzem-se a partir da notificação” trata-se apenas da notificação à contraparte da
relação de mandato porque à contraparte da ação não é essencial a notificação e, por isso, nesse
caso tem valor puramente informativo.
29/03/17
Lei da Organização do Sistema Judiciário- atualizada em dezembro de 2016

Última nota quanto ao regime do mandato judicial: o mandato tem por característica
introduzir uma relação de atuação por conta de outrem, de tal forma que o mandatário é obrigado a
suportar (diretamente se houver representação e indiretamente se não houver) na sua esfera jurídica
as consequências da atividade do mandante. Por essa razão o próprio regime substantivo introduz a
possibilidade de o mandante dar instruções ao mandatário (art. 1161º a) CC). Esta regra
compreende-se: se alguém é obrigado a suportar a atividade de outra pessoa pode, pelo menos,
definir o sentido que a atividade do agente deve ter. É necessário, todavia, colocar aqui uma certa
restrição em atenção à circunstância de se tratar de mandato judicial. No mandato judicial quem tem
a competência técnica é o mandatário. Por conseguinte, deve ao mandatário ser reconhecida a
autonomia para definir o melhor modo de condução do direito, da defesa (se for réu) ou da ação (se

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for autor). Isto é, ao mandante cabe definir o fim pretendido com a atividade através de instruções
verdadeiramente vinculantes, salvo se ilegais, caso em que a indicação é nula; mas, ao mandatário é
dada autonomia técnica para escolher o melhor meio para satisfazer as finalidades pretendidas pelo
mandante. Esta autonomia técnica encontra-se ressalvada e protegida no Estatuto da O.A. Em boa
medida, a colocação dos advogados como sujeitos a um certo Estatuto específico visa justamente
garantir esta mesma autonomia.

Vimos como se constituíam os poderes de representação e como cessavam. Mas há também o


problema da falta de poderes de representação, seja porque nunca existiram, seja porque foram
entretanto revogados. Quais as consequências que daqui decorrem?
No art. 48º/1 CPC fala-se em procuração e não em mandato (razão de indefinição processual).
A falta de poderes de representação pode decorrer de três problemas específicos:
1. Nunca ter havido qualquer procuração ou ela ter sido revogada ou renunciada, isto é,
pode haver completa falta de poderes para representar o mandante. Este é o problema da falta de
procuração;
2. Haver, de facto, uma procuração para a prática de certos atos, mas não haver para os
concretos atos que estão a ser praticados pelo mandatário. Neste caso, para aquele concreto
efeito, também há falta de poderes representativos;
3. Há uma procuração, mas com inobservância da forma legalmente prescrita, afirmando-
se aqui como consequência a nulidade (art. 220º CC). E, portanto, a concessão de poderes
representativos não produz qualquer efeito.
Podemos acrescentar pontualmente uma outra causa, que se traduz no abuso de representação.
O regime aplicável no caso de haver falta de poderes de representação consta do art. 48º/2
CPC. Segundo este deve o juiz fixar um prazo para ser suprida a falta de poderes de representação,
ou o vício do negócio, pelo qual se concedem esses poderes. Se a falta não for corrigida ficam sem
efeito todos os atos praticados pelo mandatário, apresentando-se esta como a primeira
consequência. A segunda consequência traduz-se na situação de o mandatário ser condenado a pagar
as custas respeitantes aos atos que tenha praticado sem poderes, pois é dele a iniciativa da prática
dos atos que se vieram a revelar inúteis. Se tiver agido culposamente é responsável pela
indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa. Desta forma o advogado tem verdadeiramente
o ónus de controlar a regularidade dos poderes de representação que lhe são atribuídos, sob pena de
sofrer alguma das consequências suprarreferidas. No art. 90º/2 c) do Estatuto da O.A. refere-se
mesmo que o advogado deve verificar a identidade do cliente e dos seus representantes, deve
comprovar os poderes que lhe são conferidos. Convém não esquecer que pode haver uma sucessão

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3º Ano de Direito – 2016/2017

de representações, sendo necessário controlar esta sequência de atos.


No caso de não ser regularizado o mandato deve tal situação ser comunicada/participada à
Ordem dos Advogados (houve incumprimento de um dever deontológico do advogado), nos termos
do art. 48º/3 CPC.

No que respeita à prática forense uma última referência lateral: a prática forense pode também
ser exercida em sociedades de advogados sujeitas a um regime muito específico, arts. 213º e segs.do
Estatuto da O. A., sendo que há mais legislação específica.

O mandato judicial é, à partida conferido, no que respeita aos poderes de representação, por
negócio unilateral do cliente e, quanto à eficácia, carece de aceitação pelo mandatário/advogado.
Significa isto que pode dar-se o caso de o cliente não encontrar advogado que queira patrocinar a
sua causa, afirmando-se neste caso o princípio da liberdade contratual (sendo isto hoje muito
improvável). Temos um regime específico para enquadrar esta hipótese: no caso de não haver
ninguém que se predisponha a patrocinar a causa deve ser pedido à Ordem dos Advogados que
designe oficiosamente um advogado. Não se trata aqui dos advogados oficiosos para efeitos do
apoio judiciário, esta é outra figura distinta. Trata-se sim de designar um advogado quando nenhum
outro advogado, ainda que a título remunerado, aceite patrocinar certa causa. Este dever de
patrocinar uma causa tem natureza pública, e não privada. Não há um dever de contratar, nem se
afirma a necessidade de justificar essa recusa. O ponto de partida de toda a liberdade contratual é
este poder de dizer não.
Nos termos do art. 3º b) do Estatuto da O.A. a Ordem dos Advogados tem por atribuição
assegurar a todos os membros da comunidade jurídica o acesso ao Direito. Neste sentido, afirma-se
o art. 51º/1 CPC, segundo o qual a parte solicita o desígnio de tal advogado oficiosamente. No
seguimento do art. 51º/2 CPC o advogado só se pode escusar a exercer este patrocínio judiciário
caso tenha uma causa legítima; se não tiver causa legítima para recusar o exercício do patrocínio
judiciário está sujeito a procedimento disciplinar.
A competência para esta designação é dos Conselhos Regionais da O.A., nos termos do art.
54º/1 o) do Estatuto da O.A. (há Conselhos Regionais da O.A. no Porto, Lisboa, Coimbra, Évora,
Faro, Madeira e Açores).
Apoio judiciário é um caso diferente. Dificilmente alguém que queira e tenha condições de
remunerar tem dificuldade em arranjar um advogado. A dificuldade real tem a ver com dificuldades
económicas. Este direito de acesso à justiça está no nosso Direito constitucionalmente garantido no
art. 20º/2 CRP e arts. 26º/1 e 2 da LOSJ (alterada pela Lei 40-A de 2016, de 22 de dezembro e

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regulamentada pelo DL 86/2016 de 27 de dezembro). Nos termos deste art. 26º/1 e 2 visa-se
garantir que a justiça não possa ser denegada por falta de recursos económicos.

Modalidades do Patrocínio Judiciário:


O patrocínio judiciário pode ter diferentes modalidades: uma delas é para a nomeação e
pagamento de patrono judiciário (art. 16º/1 b) da Lei 34/2004).
Nos termos do art. 30º da Lei 34/2004 a designação do patrono é realizada pela O.A.
Nestas situações o solicitante não tem meios económicos para se socorrer do auxílio de um
advogado, sendo que o risco de recorrer a profissionais não qualificados afigura-se, sobretudo para
estas pessoas que têm que recorrer ao apoio judiciário.
Afirma-se um aspeto importante: o patrocínio judiciário não é nenhuma benesse, nenhum
favor àqueles que são apoiados. É a comunidade política que chama a si a aplicação do Direito,
sendo ela que cria um Direito tal que a pessoa não consegue defender-se sozinha. Isto tem custos
para que todos possam participar no respetivo processo de realização.
Até aqui Vimos as Seguintes Modalidades de Exercício do Mandato Judicial:
 Concessão por negócio unilateral aceite pelo mandatário: forma-se contrato de
mandato;
 Nomeação oficiosa de advogado;
 Apoio judiciário que pode constituir uma diferente modalidade de designação oficiosa;
 Como quarta e última modalidade de exercício do mandato judicial apresenta-se a
Gestão de Negócios (modalidade de atuação judicial em nome de outrem). Para efeitos
processuais, em que só se conhece a gestão de negócios representativa, a diferença entre a gestão
de negócios e representação sem poderes/falta de poderes é que nesta última a falta de poderes é
feita saber pelo advogado.
Segundo o art. 49º/1 CPC a gestão de negócios só pode existir em caso de urgência, tendo de
ser alegada a urgência por parte daquele que assume o patrocínio a este título.
Também neste caso deve ser fixado um prazo para a ratificação da gestão e para a
regularização da atuação processual. Caso a gestão não seja ratificada o gestor é condenado nas
custas que provocou e a indemnizar o dano que tenha causado, portanto, afirma-se um regime
semelhante ao da falta de poderes de representação.
O interesse desta gestão de negócios em termos práticos verifica-se, por exemplo, na situação
de o advogado recorrer à gestão de negócios quando está em risco a caducidade de um certo prazo ou
prescrição de um determinado direito e, não conseguindo em tempo útil obter uma procuração por
parte do mandante, propõe de imediato a ação.

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3º Ano de Direito – 2016/2017

Patrocínio judiciário (outras considerações):


Dentro da matéria do mandato judicial importa saber quando é que o patrocínio é obrigatório.
Querendo alguém agir em juízo, o único meio que tem ao seu dispor é recorrer a um mandatário
com poderes para o efeito e com os conhecimentos técnicos necessários. Por essa razão, quando não
se suscite uma questão de direito podem ser feitos requerimentos (mesmo nos casos em que é
obrigatória a constituição de advogado) por advogados estagiários, por solicitadores e pelas próprias
partes (art. 40º/2 CPC). Não se justifica a necessidade de um profissional qualificado, porque não se
suscita uma questão de direito.
O patrocínio judiciário é exigível nas hipóteses constantes do art. 40º/1 do CPC:
 Art. 40º/1 a) CPC (1ª Hipótese): Devemos interpretar a regra no sentido de considerar
exigível o patrocínio obrigatório nas ações de valor superior à alçada dos tribunais de primeira
instância, sendo que tal alçada encontra-se fixada no art. 44º/1 LOSJ; a alçada é um valor que
limita o recurso ordinário;
 Art. 40º/1 b) CPC (2ª Hipótese): Causas em que seja sempre admissível o recurso,
mesmo que o seu valor seja inferior à alçada da primeira instância. Como exemplo cita-se o art.
629º/3 CPC que é um dos casos em que se admite sempre recurso, independentemente do valor
Um aspeto importante é o facto de poder ser apenas pela contestação que se introduz esta
matéria no objeto da ação. O autor reivindica um bem, o réu contesta com fundamento
num contrato de arrendamento. Neste caso o problema do arrendamento é suscitado pelo
réu mas passa, com a introdução desta matéria, a ser necessário o patrocínio obrigatório;
 Art.40º/1 c) CPC (3ª Hipótese): Recursos e causas diretamente interpostas nos
tribunais superiores. As causas que devem ser propostas junto dos tribunais superiores constam
dos arts. 68º e 69º do CPC e art. 55º LOSJ (quanto ao STJ) e art. 73º LOSJ (quanto aos
Tribunais da Relação). Exemplo: ação proposta contra um juiz de direito, isto é, de primeira
instância. Esta ação deve ser proposta junto do Tribunal da Relação. Opera o Tribunal da Relação
como tribunal de primeira instância. Nos julgados de paz o patrocínio judiciário só é obrigatório
nos casos previstos no art. 38º/2 da Lei dos Julgados de Paz. Nos julgados de paz passa-se o
oposto do que se passa nos tribunais judiciais porque, só nestes casos muito excecionais, é que o
patrocínio judiciário é obrigatório

As consequências da falta de patrocínio judiciário não são iguais para autor e réu. Não
constituindo o autor um mandatário judicial no momento em que propõe a ação, a petição inicial
que devia referir o mandatário (art. 552º/1 b) CPC) deve ser recusada pela secretaria (art. 558º/1 c)

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3º Ano de Direito – 2016/2017

CPC) porque não refere um elemento essencial, que é o mandatário judicial, numa ação em que ele
é obrigatório. Mesmo que não seja identificada nesse momento a falta de mandatário judicial
constituído, nasce uma exceção dilatória (art. 577º h) CPC) que é fundamento da absolvição do réu
da instância (art. 278º/1/e) CPC).
Sendo detetada a falta de constituição de advogado em momento posterior ao da receção da
petição inicial por parte da secretaria, vale portanto aquela regra do CPC de que a falta de
pressuposto processual não dá lugar à absolvição da instância, mas deve o juiz regularizá-la, ou
convidar as partes à sua regularização. Nos termos do art. 41º CPC o juiz deve fixar um prazo para a
regularização do patrocínio, se não o fizer a consequência é a absolvição do réu da instância. Isto se
houver despacho liminar. Não havendo despacho liminar, isto é, só conhecendo o juiz dos
articulados já depois de terminada essa fase, deve ser fixado um prazo, nos termos do art. 41º CPC,
se não for regularizada afirma-se a absolvição do réu da instância.
Há um regime diferente para as hipóteses em que de facto houve mandatário constituído, mas
na pendência da ação o mandatário tenha renunciado ao mandato (art. 47º/3 a) CPC).
Caso não haja regularização da instância no prazo de 6 meses, isto é, caso não se constitua
um novo mandatário judicial no referido prazo que ponha fim à causa de suspensão, a instância
pode extinguir-se por deserção nos termos do art. 281º/1 CPC.
O professor Tiago Ramalho acredita que há uma hipótese que não foi pensada pelo legislador
e que precisa de solução: é que este regime da suspensão da instância pode ser do interesse do réu,
mas ele pode ter interesse em que a instância prossiga e que, portanto, o tribunal profira um juízo de
mérito. Por isso é que, por exemplo, caso o autor desista da instância, a desistência para ser eficaz
carece do consentimento do réu. Por conseguinte, segundo o professor Tiago Ramalho, o réu deve
ter a possibilidade de requerer a continuação da instância, isto é, a cessação da suspensão da
instância.
Outro regime diferente se afirma no caso da não constituição de advogado por parte do réu e
não por parte do autor, sendo que o regime é fundamentalmente o mesmo (isto é, deve ser fixado
um prazo para a constituição de advogado, etc.), mas a consequência da não constituição de
advogado é a ineficácia da defesa do réu (art. 41º CPC), aplicando-se o regime da revelia previsto
no art. 567º/1 CPC. Quer dizer que, neste caso, não há qualquer suspensão da instância, a ação
prossegue como se o réu não apresentasse qualquer defesa; é irrelevada a defesa do réu.
Caso se trate de cessação da relação do mandado judicial em momento superveniente vale o
regime constante do art. 47º/3 b) CPC.
Podemos ver já uma pequena diferença entre a falta de poderes de representação e a gestão de
negócios. Se for admitida a gestão de negócios representativa a secretaria, enquanto durar a

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urgência, não deve recusar a petição inicial. É admitida esta atuação extraordinária durante um
período de tempo, findo o qual deve ser fixado um prazo para a regularização do patrocínio.
Regime especial tem a cessação do mandato por morte do mandatário: em tal caso o fator
que leva à extinção da relação do mandato é um facto natural e, em certo sentido imprevisível. Não
resulta de qualquer manifestação de vontade das partes e, por isso, a parte representada não podia
contar com a cessação do mandato naquele momento. Por essa razão, nos termos do art. 269º/1 b)
CPC, a morte do mandatário, ou a sua impossibilidade absoluta em exercer o mandato, é causa de
suspensão da instância, sendo a instância suspensa logo que seja feita a prova deste facto (art. 271º
CPC). A suspensão da instância cessa quando seja constituído novo advogado ou quando termine a
impossibilidade (art. 276º/1 b) CPC). Caso haja demora nesta regularização da relação do mandato
pode a contraparte requerer que seja fixado um prazo para a constituição de novo advogado (art.
276º/3), sob pena de se aplicar o regime do art. 41º CPC.

Outro aspeto do patrocínio judiciário: admite-se pacificamente que, caso a parte seja
advogada, em caso de suspensão em vigor pode advogar/litigar em causa própria. Isto nas ações
civis. Esta realidade é admitida ainda que não expressamente prevista no CPC.

Último aspeto: Como é que podemos qualificar o patrocínio judiciário obrigatório?


Rigorosamente o patrocínio judiciário obrigatório é um pressuposto de atuação processual. Ou seja,
a parte se não constitui um patrono não está autorizada a agir e os seus atos, no limite, serão
considerados sem efeito. Quando ele existe é um pressuposto de relevância da atuação processual
da parte. A não constituição de patrono judiciário no momento da propositura da ação é também um
pressuposto processual. Nesse caso, a não constituição de patrono judiciário pelo autor no momento
da propositura da ação é não só um pressuposto de atuação processual, como também um
verdadeiro pressuposto processual.

JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA
É o último pressuposto. A relação jurídica processual tem rigorosamente três polos: autor, réu
e tribunal (que é mais do que o juiz). O autor apresenta a petição inicial que é recebida pela
secretaria, considera-se proposta a ação e a secretaria, que integra o tribunal, cita o réu. O reu é
constituído parte da instância. A partir daí a instância considera-se completa, estável. Até aqui
vimos pressupostos processuais atinentes às partes materiais da ação. A competência é relativa ao
tribunal.
Em primeiro lugar importa distinguir os dois termos: jurisdição e competência.

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3º Ano de Direito – 2016/2017

Vamos começar por considerar o termo jurisdição. No Direito português o termo jurisdição é
usado com uma certa polissemia: etimologicamente, jurisdição é o poder de dizer o direito de cada
um, o que pertence a cada um, que é o que faz o tribunal na jurisdição contenciosa. O poder
jurisdicional é, nas comunidades modernas, um poder que o Estado chama a si próprio para o
exercer em monopólio. A soberania é um termo introduzido para traduzir a palavra latina “maiestas”
(isto é, qualidade daquilo que não tem nada acima de si; majestade). Os dois aspetos/dimensões em
que mais se releva/se manifesta a soberania do Estado são o exercício da força propriamente dita e o
exercício da jurisdição, isto é, pronunciar-se sobre qualquer assunto. A deusa da justiça é
apresentada na sua iconografia com uma balança e com uma espada. Esta iconografia mostra como
estas ideias estão estruturalmente associadas. O monopólio da jurisdição é um atributo do Estado
moderno, e a luta do Estado moderno foi acima de tudo, ou em boa medida, uma luta pela
afirmação do monopólio da jurisdição. O Estado moderno, no seu conflito com uma série de
poderes intermédios (das autarquias locais, de corporações profissionais, de diferentes confissões
religiosas), procurou afirmar-se como aquele que oferecia proteção, o monarca apresentava-se como
aquele que dava proteção, e depois o Estado, como comunidade organizada, como a entidade que dá
a justiça aos cidadãos. Mesmo quando o Estado reconhece MRAL chama a si a competência para
dizer quais são esses meios alternativos a que reconhece valor. Por jurisdição entendemos este
poder que o Estado chama a si de dizer a última palavra sobre qualquer litígio. No nosso Direito, a
este sentido amplo de jurisdição que engloba o conjunto dos tribunais acrescentamos um outro
sentido mais restrito de jurisdição, que engloba as diferentes categorias de tribunais ou as diferentes
ordens jurisdicionais. Este poder de dizer o direito está repartido por diferentes entidades: por um
lado encontramos o TC, a quem cumpre o exercício da jurisdição em matéria constitucional (art.
221º e segs. CRP e 30º LOSJ) e o Tribunal de Contas, a quem cabe garantir/controlar a regularidade
da despesa pública realizada por aquelas entidades que estão sob a sua tutela (arts. 214º CRP e 29º/1
c) LOSJ. Têm o TC e o Tribunal de Contas um âmbito de jurisdição mais restrito.
Por outro lado encontramos duas ordens jurisdicionais com diferentes graus hierárquicos: a
dos TAF e a ordem dos tribunais judiciais.
A ordem dos tribunais judiciais é integrada pelo STJ, pelos Tribunais da Relação e pelos
tribunais de primeira instância (art. 211º da CRP e art. 31º e segs. LOSJ).
A Ordem dos TAF é integrada pelo STA e pelos demais TAF (arts. 212º CRP e 29º/1 b)
LOSJ).
As diferentes ordens jurisdicionais articulam-se em termos de especialidade/residualidade.
Quer dizer, certas ordens têm competência específica, outras têm competência comum ou residual.
A competência residual significa que, à falta de competência especialmente atribuída a outra ordem

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judicial, a jurisdição residual é da ordem dos tribunais judiciais (arts. 211º/1 CRP, 64º CPC e art.
40º/1 LOSJ).
Portanto, jurisdição num sentido mais restrito é o conjunto de poder que é atribuído a um
certo grupo de tribunais para se pronunciar sobre questões que lhe sejam suscitadas; e, nesta aceção
mais restrita, temos diferentes ordens jurisdicionais.
A competência designa a fração de poder que é atribuída a cada tribunal concretamente
delimitado. Por razões organizativas o tribunal divide a sua rede judiciária em diferentes tribunais,
repartindo assim o poder de julgar por esses diversos tribunais. A competência designa portanto o
quantum de jurisdição que é atribuído a cada tribunal ou a cada juízo, em que a competência do
tribunal se desdobra. A jurisdição designa o conjunto dessas matérias que são colocadas à
apreciação do conjunto dos tribunais. A competência designa a parcela de jurisdição que cada
tribunal tem. A terminologia é um pouco fluida mas estes são os sentidos precisos.
Quais são as razões que orientam a organização judiciária, que levam à criação de jurisdições
ou de tribunais específicos? Desde muito cedo que as comunidades políticas procuram criar certas
jurisdições especializadas ou certos tribunais com competência específica, esta é uma questão de
sempre (já desde o DR). Pergunta-se: quais as razões subjacentes a este entendimento? A principal
razão que vem sendo avançada é a ideia de especialização, a ideia de que os juízes devem ser
especializados em dadas matérias específicas para conseguirem oferecer a melhor resolução
possível aos litígios cuja apreciação lhes seja suscitada. Ao princípio da especialização opõem-se
duas razões:
o A primeira razão é a proximidade: é fundamental que haja tribunais que funcionem em
todo o território nacional. A proximidade da justiça é também uma proximidade real. Isto
é, a especialização não deve ser feita à custa do isolamento de certas frações do território,
não é razoável que alguém se desloque durante horas para ir ao tribunal;
o A segunda razão é que, a partir de certo momento, a especialização passa a ser
contraproducente porque é um elemento de destruição da unidade do sistema jurídico. A
única forma de garantir realmente a unidade do sistema jurídico é assegurar que os
diferentes julgadores têm condições para considerar o Direito na sua unidade, no seu
conjunto e, para isso, devem poder pronunciar-se sobre as diferentes matérias. Isto pode
afetar a qualidade das decisões. O juiz tem que conhecer o caso na sua complexidade
real. Outra razão pode ter a ver com a atinência política das matérias em causa que
justificou a separação dos tribunais (TC, Tribunal de Contas, etc.), mas não vamos ver.
Na definição das regras de competência há que formular vários juízos de oportunidade, de
conveniência. Respeitam estes juízos ao exercício de uma função soberana do Estado. Por essa
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razão a organização judiciária é matéria da competência reservada (reserva relativa) da AR (art.


161º/1 b) CRP).
Quanto às Regras de Competência e Jurisdição que Valem no Direito Português são
apontados Quatro Critérios (art. 37º/1 LOSJ e art. 66º e segs. CPC), em Razão da:
 Matéria
 Valor e Forma do Processo
 Hierarquia
 Território
Mediante a fixação destas regras consegue-se garantir uma certa independência dos tribunais
e uma certa transparência no seu funcionamento. A competência é fixada por lei no momento da
propositura da ação (art. 38º LOSJ). E desta forma garante-se que no processo de designação do juiz
não intervêm quaisquer preferências pessoais, mas que é designado por lei e, à partida, não é
tentado a fazer prevalecer a posição de qualquer uma das partes. Este é o princípio do juiz natural,
que dita que a competência do juiz é fixada por lei.
Quanto ao juízo sobre a própria competência vale o princípio de que cada juiz tem
competência para se pronunciar sobre a própria competência (“kompetenz- kompetenz”).
A competência há de ser um pressuposto processual, isto é, uma condição que se tem
concretamente de verificar para que o tribunal se possa pronunciar sobre o fundo da causa e possa
proferir uma decisão de mérito. A falta de competência dá lugar ao surgimento de uma exceção
dilatória (art. 577º a) CPC) que obsta a que o tribunal conheça do fundo da causa. Esta exceção
dilatória pode conhecer duas consequências diferentes: nos casos de incompetência absoluta dá
lugar à absolvição da instância (art. 278º/1 a) CPC); nos casos de incompetência relativa dá lugar à
remessa do processo para o tribunal competente (arts. 576º/2 e 105º/3 CPC).

Competência em Razão da Matéria:


Em função da matéria do processo, isto é, em função do problema jurídico que é colocado à
apreciação do tribunal. É necessário interpretar, qualificar o pedido para, em função desta
qualificação, se determinar qual é a instância competente. As regras de competência em razão da
matéria importam para dois diferentes efeitos:
 Em primeiro lugar, para determinar a ordem jurídica competente;
 Em segundo lugar, uma vez fixada a jurisdição competente, importa determinar
dentro dessa ordem jurídica qual é o concreto tribunal que pode conhecer do fundo da
ação. A relação entre as diferentes ordens jurisdicionais encontra-se em termos de
residualidade/especialidade, tendo competência residual a ordem dos tribunais

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judiciais. Se a competência para conhecer de uma certa ação não for atribuída em
especial a uma certa ordem jurisdicional cabe na ordem dos tribunais judiciais. Ou,
dito de outra forma, os tribunais judiciais têm competência para conhecer das causas
que lhe sejam especificamente acometidas e daquelas que não sejam acometidas a
mais nenhuma ordem jurisdicional (art. 211º/1 CRP, art.40º/1 LOSJ e art. 64º CPC).
Em particular, importa-nos a repartição de jurisdição entre os TAF e os tribunais
judiciais. Se se trata de uma relação de residualidade/especialidade, então os TAF serão
competentes apenas para aquelas matérias que especificamente lhe são atribuídas e todas as demais
matérias, ressalvando as do Tribunal Constitucional e Tribunal de Contas, são atribuídas aos
tribunais judiciais. As matérias fixadas no art. 4º do ETAF são as que são exclusivas destes
tribunais. O ETAF foi modificado pelo DL 214-G /2015, de 2 de outubro.
Em especial, pode provocar um certo conflito a competência para apreciar ações de
responsabilidade movidas contra entidades públicas. Tratando-se de um ato praticado por uma
entidade pública (facto ilícito e culposo) dá lugar a responsabilidade civil. Mas, qual é o regime que
se aplica? Há que distinguir: tratando-se de um ato integrante de uma função própria do Estado
(legislativa, jurisdicional ou administrativa), e compreendendo-se para efeitos de responsabilidade
que só é função administrativa os atos ou omissões praticados no exercício de prerrogativas de
poder público, tratando-se de um desses casos, vale o regime da responsabilidade civil
extracontratual do Estado (art. 1º/2 do Regime da Responsabilidade Extracontratual do Estado).
Ora, aplicando-se este regime, compreendendo-se para estes efeitos que só é ato da função
administrativa aquele praticado no exercício de poderes de autoridade, nesse caso tem competência
para conhecer da causa os TAF (art. 4º/1 h ETAF); tratando-se, pelo contrário, de ato praticado pelo
Estado no exercício de atividade de poderes públicos já será competência dos tribunais comuns.
Agora, a delimitação do que é uma coisa e do que é outra pode ser muito problemática, havendo
portanto conflitos de jurisdição entre os tribunais comuns e os tribunais administrativos.

03/04/17
Na semana passada vimos a repartição de jurisdição entre os tribunais judiciais e os
tribunais administrativos, embora ela também tenha de ser feita também rigorosamente face ao
Tribunal de Contas e ao Tribunal Constitucional.
Outro problema é a repartição de competências entre os tribunais do Estado, mais
concretamente para o Processo Civil os tribunais judiciais, e os tribunais eclesiásticos. Porque esta
repartição de jurisdição levanta um problema específico muito diferente da delimitação de
jurisdição entre tribunais da ordem jurídica do Estado. Qual é o problema de repartição de

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competências entre os tribunais eclesiásticos e os tribunais do Estado? Há uma Concordata


celebrada entre Portugal e a Santa Sé de 2004. Nos termos dessa Concordata o Estado português
reconhece pessoas jurídicas canónicas e reconhece também a jurisdição dos tribunais eclesiásticos.
A Concordata foi aprovada pela Resolução da AR 74/2004 e entrou em vigor na ordem interna
portuguesa com um tratado solene. Nos termos da Resolução da AR 74/2004 no art. 2º/1: “A
República Portuguesa reconhece à Igreja Católica o direito de exercer a sua missão apostólica e
garante o exercício público e livre das suas atividades, nomeadamente as de culto, magistério e
ministério, bem como a jurisdição em matéria eclesiástica”. É esta última parte que nos importa.
Se nos recordarmos de História do Direito, no nascimento do Direito no espaço europeu houve duas
ramificações: o Direito Civil e o Direito Canónico.
São dois os problemas que normalmente fazem surgir um possível conflito entre a
jurisdição do Estado e a jurisdição eclesiástica, quanto à determinação da jurisdição competente.
São dois tipos de conflitos:
1. Apurar qual é o tribunal competente para a declaração da nulidade de
casamento/matrimónio católico. Não há qualquer dúvida neste caso quanto à jurisdição competente
- são os tribunais eclesiásticos (art. 1625º CC). Portanto, se alguém pretender a declaração da
nulidade de um matrimónio canónico, só pode propor a ação junto de um tribunal eclesiástico. Se a
ação é proposta junto de um tribunal civil há incompetência. Nem é necessário recorrer à
Concordata porque, nos próprios termos do Direito interno, é reconhecida a competência destes
tribunais. Depois só é preciso um reconhecimento que se encontra previsto nos termos do art. 16º da
Concordata;
2. Ações relativas a irmandades de misericórdia. E porquê? Porque as irmandades de
misericórdia têm uma enorme vertente social, são essencialmente constituídas por fiéis leigos, e,
portanto, pretendendo impugnar uma certa deliberação, é verdadeiramente um tribunal civil. A
jurisprudência do STJ está dividida quanto à exclusividade ou não exclusividade da competência
dos tribunais eclesiásticos. Nos termos da Concordata parece que, e parece ao professor, que na
medida em que se trate de uma ação relativa a uma entidade integrante da Igreja católica, e à vida
interna desta entidade, é da jurisdição exclusiva dos tribunais eclesiásticos o conhecimento da
questão. Arts. 2º/1 e 9º/1 da Concordata. Há muito recentemente um parecer do professor Bacelar
Gouveia de 2016, defendendo apenas a jurisdição dos tribunais civis. Mas, parece ao professor
Tiago, que não considera propriamente os termos da Concordata. A resposta a este caso depende
essencialmente do sentido da Concordata, do sentido que se dê à Concordata. Na ordem jurídica
interna a Concordata vigora nos termos do art. 8º/2 da CRP tendo, de acordo com a unanimidade da

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doutrina, valor supralegal e infraconstitucional. Vale na medida em que regularmente aprovada,


ratificada e publicada.

REPARTIÇÃO DA COMPETÊNCIA DENTRO DA ORDEM DOS TRIBUNAIS


JUDICIAIS
A repartição da competência dentro da ordem dos tribunais judiciais supõe previamente
resolvida a questão da repartição de competências entre diferentes ordens judiciais. Depois de
concluído que é competente para a causa a ordem dos tribunais judiciais teremos que considerar
qual tribunal, dentro da ordem dos tribunais judiciais, é competente para conhecer da ação. A lei
serve-se para o efeito de vários critérios:
 Hierarquia
 Matéria
 Valor e Forma do Processo
 Território (É um pouco diferente e, por isso, só vamos ver mais à frente)

Competência em Razão da Hierarquia:


Ora, como sabemos, a ordem dos tribunais judiciais encontra-se hierarquicamente
organizada. Esta organização hierárquica serve duas finalidades:
 A primeira finalidade, e que é a finalidade principal, é a que está na base da criação de
tribunais com lugar hierárquico diferente, é permitir o funcionamento de um sistema
de recursos. A criação de tribunais superiores permite que as sentenças proferidas
pelos tribunais superiores nesta organização hierárquica possam ser sindicadas. Esta
finalidade encontra-se referida no art. 42º/1 da LOSJ;
 A segunda finalidade é permitir que os tribunais superiores funcionem como primeira
instância para um conjunto de causas particulares em que se justifica que o seu
conhecimento não seja de um tribunal de segunda instância. Quais causas? Por
exemplo, uma ação de responsabilização de um juiz de direito, isto é, um juiz de
primeira instância. Ora, para não colocar um juiz a julgar um seu par jurídico, a ação é
do conhecimento do Tribunal da Relação, e aí serão os juízes desembargadores que
conhecerão da ação em primeira instância. Por exemplo, arts. 55º c) LOSJ (quanto ao
STJ) e 73º b) (quanto aos Tribunais da Relação).
Ora, no que respeita à delimitação da competência, a competência em razão da hierarquia não
nos coloca grandes dificuldades para estes efeitos: a ação, via de regra, deve ser proposta junto

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de um tribunal de primeira instância. É competente para conhecer da ação os tribunais de


primeira instância, salvo aqueles casos especialmente previstos de atribuição de competências ao
STJ e aos Tribunais da Relação.

Delimitação da Competência em Razão da Matéria:


Em razão da matéria cabe em primeiro lugar distinguir entre dois grupos de tribunais: os
chamados tribunais de competência territorial alargada e os tribunais de comarca. A repartição de
competências entre estes dois grupos de tribunais é feita em função da matéria. Se, porventura, o
objeto da ação respeitar a uma matéria da competência dos tribunais de competência territorial
alargada não consideramos sequer a competência de qualquer um tribunal de comarca. Caso a
matéria não esteja atribuída a um dos tais tribunais já consideramos os tribunais de comarca. O
caminho será sempre este na aferição da competência do tribunal: da especialidade para a
residualidade. Em primeiro lugar é preciso ver se há ou não algum tribunal com competência
especializada para este efeito.

Tribunais de Competência Territorial Alargada: Quais são eles? Na LOSJ (art. 83º/3)
encontram-se previstos três tribunais de competência territorial alargada:
I. Tribunal da Propriedade Intelectual (art. 83º/3 a) LOSJ): é um tribunal que tem
sede em Lisboa (anexo III da LOSJ) e que tem competência para todo o território nacional. Quando
é que o Tribunal da Propriedade Intelectual é competente para conhecer de certa causa? Quando a
ação diga respeito a qualquer uma das matérias constantes do art. 111º. O anexo III remete para o
art. 111º. Se se tratar de uma matéria que abstratamente diga respeito à propriedade intelectual, mas
não esteja prevista no art. 111º, o tribunal já não é competente; a matéria tem que estar
especificadamente prevista;
II. Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (art. 83º/3 b) LOSJ): este art.
remete para o 112º relativo às competências. Tem sede em Santarém e tem também competência
para todo o território nacional. Qual é a matéria de que este tribunal conhece? No essencial o seu
objeto são ações de natureza administrativa, na ordem dos tribunais judiciais, mas são ações de
natureza administrativa relativas à impugnação de atos praticados por autoridades reguladoras
independentes. Isto é possível porque a regulação não é feita em geral, é feita especialmente. No
ETAF não está fixada a competência de tais tribunais para conhecerem destas ações, logo não são
competentes os TAF. Mas está fixada na LOSJ como tribunal de competência territorial alargada;
III. Tribunal Marítimo (art. 83º/3 c) LOSJ): As suas competências estão no art. 113º.
Tem sede em Lisboa e é competente para o conhecimento das ações atinentes ao território do

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departamento marítimo do norte, centro e sul. Portanto, se for relativo ao departamento marítimo
dos Açores ou da Madeira já não é competente. Não tem assim competência sobre todo o território
nacional.

Ora, se a ação não for da competência de nenhum destes tribunais, se o conhecimento da


matéria não estiver especificadamente previsto no art. 111º, 112º ou 113º, a ação é da competência
do tribunal de comarca. A comarca é a unidade básica da organização judiciária portuguesa. Em
Portugal há 23 comarcas. Só que dentro da própria comarca, a competência para o conhecimento da
causa é desdobrada por diferentes juízos. As comarcas podem ter uma enorme dimensão territorial.
A ideia que estava na base da lei era tendencialmente cada distrito uma comarca. Há comarcas que
englobam o território de 10, 15 municípios. Dentro de cada comarca a competência é desdobrada
por diferentes juízos. Portanto, o tribunal de comarca divide-se em juízos. E nesta repartição por
diferentes juízos cabe uma vez mais distinguir a competência em razão da matéria. E temos que
distinguir os diferentes juízos de competência especializada. Nota: esta designação dos juízos foi
introduzida no final do ano passado e, por isso, não encontramos esta designação nos manuais nem
no Código; encontramos a designação de secções. A designação de juízos é melhor.
Vamos distinguir dois tipos de juízos (distinção que o professor fez mas que não está na
lei): juízos de competência puramente especializada e juízos de competência residual.
Quais são os juízos de competência puramente especializada que estão previstos na ordem
judiciária portuguesa? O elenco geral dos juízos de competência puramente especializada constam
do art. 81º/3 da LOSJ que refere diferentes juízos de competência especializada. Nota: para
Processo Civil não vamos considerar aqueles juízos que são de competência especializada em
matéria penal ou criminal porque não interessa. Nesses juízos quais são aqueles que têm
competências puramente especializadas?
o Juízos de Família e Menores (arts. 81º/3 g) e 122º a 125º). Estes juízos conhecem
apenas das causas constantes dos arts. 122º a 124º;
o Juízos de Trabalho (arts. 81º/3 h) e 126º e 127º);
o Juízos de Comércio (arts. 81º/3 i) e 128º);
o Juízos de Execução (art.81º/3 j) e 129º).
Em qualquer um destes casos é absolutamente fundamental olhar as competências que são
especificamente atribuídas a cada um. Há questões relativas ao Direito Comercial que não são da
competência dos juízos de Comércio. Porquê? Porque não constam do art. 128º. Há questões até
que não são comerciais e são da competência dos juízos de Comércio; por exemplo a declaração de

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insolvência de um não comerciante. Por isso, o nosso ponto de partida não é qualificar em abstrato a
ação mas olhar concretamente para as causas.
Ponto interessante: porventura na base desta especialização estão também as formas de
processo. Exemplos: muitos processos de Família e Menores seguem uma forma processual
específica – jurisdição voluntária e aquelas que estão previstas na Organização Tutelar de Menores.
Trabalho também tem um Código Processual próprio que é o Código de Processo do Trabalho. A
insolvência tem uma lei processual específica. Quanto à Execução aplica-se o CPC, mas o Processo
Executivo, e não o Processo Declarativo. Por isso, é que às vezes também convém não andar no
alargamento das competências, porque a razão prevista pelo legislador pode ser muito diferente
daquela a que o intérprete chega. Se se verificar uma destas causas é da competência dos juízos de
competência especializada; se não se verificar é da competência dos tribunais com competência
residual. Quais são os juízos com competência residual? Encontram-se previstos dois tipos de
juízos:
 Juízos centrais cíveis (art. 81º/3 a) LOSJ); art. 117º;
 Juízos locais cíveis (art. 81º/3 b) LOSJ); art. 130º.

Como é que se reparte a competência entre os juízos centrais cíveis e os juízos locais cíveis?
Entre estes dois juízos a competência reparte-se rigorosamente em função do valor e da forma do
processo.
 Forma do Processo: Se o processo seguir forma especial é da competência de um
juízo local. Se seguir a forma comum a competência entre os juízos centrais e os juízos locais
reparte-se em razão do valor do processo;
 Valor: Os juízos centrais cíveis são competentes para conhecer das ações de valor
superior a 50 000 euros. Os juízos locais cíveis são competentes para conhecer de todas as outras
ações, de valor inferior a 50 000 euros. Portanto, na ordem judiciária portuguesa, qual é o juízo com
competência residual? É o juízo local cível.

Em Suma: A competência residual é da jurisdição dos tribunais judiciais. Dentro da jurisdição


dos tribunais judiciais é dos tribunais de comarca. Dentro dos tribunais judiciais é dos juízos locais
cíveis.
Pode haver ainda juízos de competência genérica. Simplesmente aí conhecem apenas de
matéria cível mas também de matéria penal/criminal. Mas, no que toca ao Processo Civil, é
exatamente o mesmo.

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Temos que fazer três coisas:


1º Aspeto: pertence ou não pertence a algum destes tribunais;
2º Aspeto: caso não pertença vamos ao tribunal de comarca e perguntamos: pertence ou não
pertence a algum dos juízos com esta competência puramente especializada;
3º Se não pertence razão destes dois.
São três degraus que se resolvem sucessivamente.

Dois aspetos que também marcam a organização judiciária portuguesa são os seguintes:
1. Os tribunais com competência territorial alargada têm competência, não só para ações
declarativas, como para as executivas relativas às mesmas matérias;
2. Se não houver, por exemplo, um juízo de Comércio, e se a ação tiver valor superior a
50 000 euros, a competência para conhecer a questão é do juízo central.
Portanto, o juízo central estende a sua competência às ações de comércio de valor superior a
50 000 euros e, ainda, os juízos centrais cíveis são sempre competentes para as ações executivas de
valor superior a 50 000 euros.

Última referência: Dentro de cada comarca os tribunais podem estar organizados de uma
forma muito variada. E o âmbito territorial da competência de cada juízo não tem de ser
coincidente. Exemplo a partir da comarca de Sintra: a comarca de Sintra engloba o território de
cinco municípios (Amadora, Cascais, Mafra, Oeiras e Sintra). E dentro desta comarca há cinco
juízos locais cíveis e, contudo, só há dois juízos centrais cíveis. Portanto, o âmbito territorial da
competência dos diferentes juízos em que se desdobra a competência do tribunal de comarca, não é
inteiramente coincidente; no caso da comarca de Sintra os juízos centrais são o juízo central de
Sintra (engloba Amadora, Mafra e Sintra) e o juízo central de Cascais (engloba Cascais e Oeiras).
Ora, a ideia desta organização judiciária foi exatamente esta- dentro de cada comarca ter tribunais
de competência especializada, e com competência que se estendesse a todo o território ou a grandes
porções de território. Para as pequenas causas ter juízos locais com competência restringida a um,
dois, três municípios, para desta forma conseguir que os tribunais de competência especializada
marcassem presença em grandes porções do território. No regime anterior em que nos tínhamos
centenas de comarcas (porque era mais ou menos coincidente com o território do município) era
muito mais difícil porque pouquíssimas comarcas tinham a possibilidade de ter tribunais com
competência especializada. A partir do momento em que temos 23 comarcas basta haver para os 20
e tal municípios um juízo de Família, que já tem de facto causas suficientes para conhecer, e já

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consegue englobar o conjunto daquela porção de território. Isto é ser muito distante das populações.
Isto é a organização judiciária portuguesa.

Próxima figura mas que não é verdadeiramente um juízo: são os chamados juízos de
proximidade (arts. 130º/5 e 6). Mas os juízos de proximidade não são verdadeiros tribunais ou
centros decisórios. São uma mera repartição administrativa dos tribunais onde alguns atos
processuais podem ser praticados. Mas não são um centro decisório. Portanto, rigorosamente, não
fazem parte da organização judiciária. São extensões de juízos já existentes.

Organização Judiciária Portuguesa (Esquema)

1. Tribunais Judiciais e Outras Jurisdições: Critério para distinguir é o da matéria


2. Tribunais Judiciais: Critério para repartir a competência e o da matéria
(1) Tribunais de Competência Territorial Alargada
(2) Tribunais de Comarca: Critério é, mais uma vez, o da matéria
a) Tribunais de Competência Puramente Especializada
b) Tribunais com Competência Residual: O critério é o valor e forma
do processo. Este valor e forma do processo foi um critério de
repartição de competência que o legislador formalmente quis
eliminar, mas na verdade funciona.

05/04/17
Aula lecionada pelo professor Rui Dias da universidade de Coimbra
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Sebenta do professor Tavares de Sousa (página 173 e segs.) mantém-se atualizada como
elemento de estudo.
Até agora vimos a competência interna (em razão do território, da matéria, da hierarquia).
“Quid iuris”, porém, se estivermos perante uma situação internacional, isto é, uma situação que
esteja simultaneamente em contacto com mais de uma ordem jurídica. Se um determinado
comerciante português vende uma mercadoria a um comerciante francês, um deles não cumpre a
obrigação a que se vinculou. Isso coloca questões. A parte credora precisa de recorrer a um tribunal
para fazer valer a sua pretensão. Qual é tribunal competente para um tal litígio, um litígio que está
ligado em simultâneo a duas ou mais ordens jurídicas? Este é o problema da competência
internacional. No fundo, saber quando é que os tribunais portugueses têm competência para

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julgar/dirimir um litígio emergente de uma relação privada internacional. O que é que acontece se
não há competência internacional e o tribunal julga na mesma? Já sabemos que a falta de
competência internacional gera uma incompetência absoluta nos termos do 96º do CPC. Portanto, a
incompetência absoluta distingue-se do desrespeito de regras de competência interna que gera
apenas uma incompetência relativa nos termos do art. 102º CPC.
Onde é que se encontra regulado o problema da competência internacional? Os arts.
fundamentais do CPC são o 62º, 63º e 94º, para além das remissões que vamos ver ainda. Mas isto
não significa que seja essa a fonte primordial de regras jurídicas sobre a competência internacional.
Isto porque há instrumentos internacionais, convencionais portanto, e sobretudo atos legislativos da
UE que vinculam Portugal e que, dentro dos seus respetivos âmbitos de aplicação, terão prioridade
sobre as regras do CPC; no art. 59º o legislador faz uma referência a tais normas. Este art. 59º deixa
claro que a regulação da competência internacional que consta deste Código só se aplica na medida
em que não prejudique, não esteja substituído, por regras resultantes de regulamentos europeus ou
de instrumentos internacionais. Há quem chame a isto uma espécie de norma atípica porque não tem
verdadeiro valor precetivo, no sentido de que não dá um verdadeiro comando jurídico em sentido
próprio; mas está a esclarecer o intérprete, deixando-lhe esse alerta de que deverá estar atento à
hierarquia das várias fontes normativas que vinculam o Estado português.
O que é que resulta então destas regras? Vamos analisar o art. 62º e as suas três alíneas. Há
uma espécie de remissão na alínea a) para as regras que estão mais à frente, a partir do art. 70º,
acerca da distribuição de competências em razão do território. Esta alínea a) consagra o princípio da
coincidência. Porquê coincidência? Porque o critério que está no art. 70º e outros arts. segs., até
essencialmente ao 84º, estes arts., distribuindo dentro da ordem jurisdicional portuguesa a
competência em razão do território, dizendo por exemplo que o domicílio do réu, salvo regra
especial, será regra de incompetência territorial relevante, isto é, se eu quero demandar alguém em
Portugal eu devo demandá-lo no seu domicílio, estas regras como que vão preencher uma segunda
função no plano internacional, neste sentido: se tivermos um litígio internacional e, caso ele fosse
meramente interno, destas regras resultasse que o tribunal competente estaria situado em território
português, então o tribunal português será internacionalmente competente. Art. 80º CPC (regra
geral). Isto significa que se A, autor, que pretende demandar o réu, e o autor é uma pessoa coletiva
sediada em Portugal e o réu é uma pessoa coletiva sediada em Marrocos, resulta do art. 62º a) a
competência do tribunal português? A resposta é não. Porque nesse caso, nos termos desta regra do
art. 80º, transpondo esta regra para uma situação internacional, isso significaria que o tribunal
português só teria competência internacional se o réu estiver domiciliado em Portugal. Ora, se é o
autor português sediado em Portugal que demanda o réu sediado em Marrocos, não existe

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competência internacional em Portugal para demandar esse réu marroquino; pelo menos não na
base deste art. 62º a). Já se for o inverso, se for a sociedade marroquina que pretende demandar o
seu devedor, sociedade portuguesa, e quer saber se de acordo com as regras de Processo Civil
Internacional portuguesas pode ou não fazê-lo em Portugal, a resposta do art. 62º a) é positiva; ele
(sociedade marroquina) pode demandar em Portugal a sociedade portuguesa porque a sociedade
portuguesa está domiciliada/sediada em Portugal. Como agora falamos em sociedade, e não em
comerciante, a base desta coincidência já não é o art. 80º, passa a ser o art. 81º (em especial o nº2).
Outro exemplo é o do art 71º/2: imaginemos que se trata de uma responsabilidade delitual relativa a
um facto ocorrido em Angola. Tem competência o tribunal português? Não, com base no princípio
da coincidência porque o princípio da coincidência, que manda aplicar o art. 71º/2 por força do 62º
a), nos diz que é competente o tribunal do lugar onde o facto ocorreu. Já se for dois sujeitos, e há
uma pretensão extracontratual delitual devido a um facto ocorrido em Portugal, então, na
conjugação deste art. 71º/2 com o 62º a), haverá competência internacional dos tribunais
portugueses. Nota: a razão de ser das regras do art. 70º e segs. não é distribuir competência
internacional, não é determinar a competência internacional dos tribunais portugueses. O que o
legislador faz é, através do art. 62º a), aproveitar-se de todos esses critérios para fixar também, para
além da competência territorial que resulta diretamente dessas regras, aproveita essas regras para,
também com base nelas, fixar a competência internacional dos tribunais portugueses. Isto pode
significar, porém, que nem todos esses critérios sejam adequados à internacionalização da relação
jurídica. Por exemplo, se virmos este art. 80º/1 é evidente que o domicílio do réu é uma
importantíssima conexão. Mas se virmos os nºs 2 e 3, sobretudo o 3, se o réu tiver domicílio em
país estrangeiro esta regra não faz muito sentido aplicar-se no quadro desta coincidência. Portanto,
há que verificar em face de cada um destes requisitos de competência, destes fatores de atribuição
de competência territorial, se ele de acordo com a sua intencionalidade normativa é ou não
adequado a ser estendido, a ser aplicado também a uma situação internacional, para fixar a
competência internacional dos tribunais portugueses. O que significa que, por outras palavras, o art.
70º e segs. estabelecem indícios revelares da adequação/razoabilidade destes fatores de atribuição
de competência (Tavares de Sousa). Mas é necessário verificar se naquele caso se justifica
verdadeiramente essa atribuição. Aqui, Tavares de Sousa dá um passo largo ao dizer o seguinte, não
sendo acompanhado por grande parte da doutrina portuguesa: ele diz-nos que eventualmente esta
será uma área onde pode intervir a figura do chamado “forum non conveniens” (expressão latina
que à letra significa foro não conveniente). É um tema especialmente interessante na perspetiva do
Direito Comparado, numa análise do DPC Internacional da UE, sobretudo em comparação com
Direito de jurisdição dos países de “common law”. Porque em grande parte dos países de “common

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law” esta doutrina do “forum non conveniens” está bem estabelecida. De maneira muito grosseira,
significa que o tribunal, mesmo que resulte da lei a sua competência internacional, o tribunal poderá
declinar essa competência se entender que existe um outro tribunal de uma outra ordem jurídica, de
um outro Estado, mais bem colocado para resolver aquele litígio. No fundo, o tribunal diz que não é
o foro mais conveniente para dirimir aquele litígio e que há um foro bem mais competente; e
declina a sua competência internacional em favor de outro tribunal. Nem sequer é preciso verificar
se aquele tribunal no caso concreto se considera competente, simplesmente eu faço um juízo sobre a
inadequação da minha competência. É uma ideia com muitas virtualidades, sobretudo se tivermos
muita confiança no judiciário porque dá uma margem para o juiz ponderar, para definir se é ele o
juiz que está mais habilitado para resolver o litígio, mas deixa uma margem de conformação, de
decisão, de discrição ao juiz a que os países continentais não estão habituados. Aliás, isto gerou um
autêntico litígio intraeuropeu num caso em que um tribunal inglês pretendeu fazer isto. A verdade é
que o Tribunal de Justiça da UE veio dizer que o tribunal inglês não o podia fazer, porque o tribunal
inglês está vinculado às regras de Direito da UE que não prevê esta margem de discricionariedade
aos tribunais. O caso chama-se Owusu v. Jackson.
Agora vamos passar à análise da alínea b) do art. 62º. No fundo, existe um dever, um ónus de
as partes indicarem quais são os factos em que baseiam a sua pretensão (causa de pedir); e pode
suceder que os factos em que baseiam a sua pretensão tenham sido praticados em diversos
ordenamentos jurídicos. Por exemplo um contrato que foi celebrado em Portugal mas o lugar da
execução ou do cumprimento da obrigação era em França. Há aqui vários factos que integram a
causa de pedir que estão localizados em ordens jurídicas distintas, em territórios distintos. Ora, o
que o art. 62º b) prevê é que se um determinado facto que integra a causa de pedir foi
praticado/ocorreu em território português, isso é quanto baste para atribuir competência
internacional aos tribunais portugueses. Isto é aquilo a que chamamos o princípio da causalidade. É
preciso alguma cautela na interpretação deste princípio. Ele mantém-se mais ou menos sem grandes
alterações desde os anos 60. Mas, a verdade, é que ele sofreu sempre muitas críticas. Se na causa de
pedir sou eu que configuro os factos, lendo à letra o art. 62º b) basta esse facto para fundar a
competência internacional do tribunal português. Aqui a doutrina aconselha alguma razoabilidade
aos juízes na interpretação deste art. porque a sua grande amplitude literal traz riscos de o foro
português acabar por ser na prática um foro exorbitante, um foro que não tem verdadeiros
fundamentos para ser um foro onde se resolve um litígio internacional.
Alínea c) do 62º. Princípio da necessidade. Não é total impossibilidade, é “dificuldade
apreciável” nos termos do art. Conexão pessoal é entre os sujeitos da relação jurídica; real é entre o
objeto dessa relação jurídica. Portanto, no que toca aos sujeitos ou ao objeto, tem que haver alguma

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conexão com a ordem jurídica portuguesa para que o juiz possa lançar mão desta base de jurisdição
relativamente excecional que constitui o foro de necessidade (forum necessitatis”). É uma regra de
jurisdição que deixa alguma margem de decisão ao juiz, uma margem de apreciação sobre o
preenchimento ou não destes vários conceitos. Duas consequências: em primeiro lugar, o legislador
europeu não gosta destas regras; nas matérias civis e comerciais não existe um foro de necessidade.
E outra consequência tem a ver com o facto de esta ser uma regra que tem que ser interpretada de
maneira relativamente restritiva. Claro que há situações limite em que o juiz português verifica que
no seu dever de realização de justiça esse dever só é cumprido se ele assumir a jurisdição nesse caso
porque, por exemplo, tal caso dificilmente encontrará um tribunal imparcial e equitativo que o
resolva, tendo em conta os vários ordenamentos jurídicos envolvidos (por vezes há alguma
desconfiança que nós, mais ou menos legitimamente, podemos ter perante tribunais de alguns
Estados). E, portanto, uma justificação última desta regra é essa afirmação do dever do Estado de
realização da justiça. Pode-se ancorar essa fundamentação em várias regras de cariz constitucional
ou para constitucional como a do art. 20 da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva), art.
6º da CEDH (que prevê o direito a um processo justo e equitativo) ou ainda o art. 47º da CDFUE.
Qualquer uma destas regras prevê um direito a uma tutela jurisdicional efetiva ou o direito a um
processo justo que, em dadas circunstâncias, pode eventualmente apenas ser garantido através do
tribunal português. E, nesses casos, o tribunal português assume jurisdição. Há uma discussão em
que entra o professor Tavares de Sousa. Tavares de Sousa acaba por levantar uma questão: será que
ainda entra no foro da necessidade aqueles casos em que um juiz verifica que, de acordo com a
decisão provável de um juiz estrangeiro, a pretensão daquele autor não vai proceder? Será que o
juiz pode incluir este juízo material, este juízo sobre a própria procedência da ação, no quadro deste
foro de necessidade? Isto é, ele pensa: se eu não assumir jurisdição então a parte até pode ter acesso
formal a outro tribunal mas, na verdade, não vai ter a sua pretensão a ser-lhe dada. Há muitas
dúvidas. O professor Tavares de Sousa diz que há margem neste art. 62º c) para ir tão longe quanto
isso. E já o Doutor Ferrer Correia escrevia isso também. E o Doutor Tavares de Sousa usa um
argumento literal interessante que é: hoje diz-se quando o “direito invocado não possa tornar-se
efetivo”; antes só se falava em quando o direito não possa tornar-se efetivo acrescentou-se o termo
“invocado”). Portanto, estamos a chamar a atenção para a maneira como a própria parte interessada
configura o direito. Argumento desta leitura ampla do art. relativo ao foro de necessidade.

Vamos analisar agora o art. 63º que diz respeito à competência exclusiva dos tribunais
portugueses. Se no art. 62º se previam regras de competência internacional, que definem quando é
que o juiz português é competente para dirimir um litígio emergente de uma relação privada

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internacional, já no art. 63º prevemos situações em que apenas são, da perspetiva do legislador
português, exclusivamente competentes os tribunais portugueses que têm competência para dirimir
os litígios a que ele diz respeito. Hoje em dia o legislador português acabou por fazer quase uma
cópia do que está nos regulamentos europeus. Portanto, o que o legislador faz nas várias alíneas é
uma cópia desses regulamentos. O problema é ser uma cópia mal feita porque, primeiro no seu
fundamento: porquê fazer uma cópia destas regras? Há quem diga em defesa disso que, no fundo, é
para lhes dar mais vigência e pôr em acordo com os regulamentos europeus mas, na verdade, esse é
um fundamento que faz muito pouco sentido porque os regulamentos europeus têm o seu âmbito de
aplicação próprio e também o CPC tem o seu âmbito de aplicação. Isso não é justificação. E, às
vezes, o legislador português não pensa numa coisa muito importante que é: do ponto de vista de
uma perspetiva mais macro a influência que estas regras do CPC têm em muitos outros países de
língua portuguesa, o que acaba por influenciar a própria conformação de leis do Processo Civil de
outros países. Países que cultural ou juridicamente sofram a nossa influência. Há, não só no caso
português, pouco cuidado com esta exportação de normas. Uma outra crítica é que algumas regras
estão mal escritas (por exemplo alínea b)); esta regra não faz sentido porque Portugal é um Estado
unitário. Esta regra tem-se por não escrita.

Art. 94º. Que é a regra que diz respeito aos pactos de jurisdição. Os pactos de jurisdição são
aqueles acordos/contratos pelos quais as partes atribuem competência internacional a determinado
tribunal ou a determinados tribunais. Ou contratos pelos quais as partes retiram competência
internacional a tribunais que, na ausência dessa estipulação, seriam internacionalmente
competentes. Portanto, a função do pacto de jurisdição pode ser a de atribuir novas bases de
jurisdição, novas bases de competência internacional, e/ou pode ser a de privar de competência
internacional certos tribunais, certa ordem jurídica, certo Estado, que na ausência desta estipulação
das partes seriam, de acordo com as regras de conexão objetiva, internacionalmente competentes.
Ou seja, podemos ter pactos atributivos de jurisdição e pactos privativos de jurisdição (art. 94º). Art.
94º/1. No art. 95º prevê-se uma possibilidade de as partes nas situações puramente internas
estabelecerem a jurisdição competente para dirimir um conflito. Por exemplo: sociedade de
Coimbra e sociedade do Porto celebram um contrato de compra e venda de mercadorias. Podem
estabelecer que um tribunal no Porto é o tribunal competente para todos os litígios que
eventualmente surjam desta relação jurídica. É a chamada competência convencional. Nota: muitos
dos sites que utilizamos no dia a dia contêm no fim uma cláusula de foro competente, determina-se
qual o foro competente para qualquer litígio que surja. Em abstrato isto são regras, são pactos de
jurisdição que nós estamos a celebrar dentro do pacote de condições gerais ou cláusulas contratuais

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gerais. Prevê-se no art. uma certa determinação do litígio ou da relação jurídica. E a situação tem
que ser internacional. Art. 94º/2 (“competência exclusiva ou meramente alternativa”); as partes
podem fixar que o tribunal que escolhem é o único tribunal que vai poder dirimir o litígio
(competência exclusiva) ou, diferentemente, podem dizer que além dos que resultam já do art. 62º
(princípio da coincidência, da causalidade, etc.), além do que já resulta das conexões objetivas,
além dessas bases de jurisdição, nós vamos acrescentar alternativamente mais uma, duas ou três. Só
que por vezes as cláusulas não são assim tão bem redigidas e, por isso, resulta a dúvida sobre se as
partes quiseram substituir o que resulta da lei supletivamente, ou se quiseram acrescentar outras
alternativas/ possibilidades para lá das que já resultam da lei. Ora, o art. 94º/2 parte final resolve o
problema com a seguinte presunção: em caso de dúvida, a escolha que as partes fazem na cláusula
de escolha de foro, no pacto de jurisdição, é uma escolha exclusiva- só esse tribunal é competente.
Deixam, portanto, de ser competentes aqueles tribunais cuja competência resultaria das regras do
art. 62º. Nota: esta regra foi alterada em 2013. Antigamente a presunção era exatamente oposta,
resultaria alternativa. Mas esta foi alterada em 2013 para ficar em linha com o que resulta do
regulamento. Isto significa que as partes estão a ter uma liberdade muito significativa em fixarem
elas próprias quais são os órgãos de soberania que vão, ao fim e ao cabo, decidir se uma ou outra
têm razão, se uma ou outra tem uma pretensão juridicamente válida resultante de uma determinada
relação jurídica. Portanto, é um instrumento de afirmação da autonomia privada que temos no art.
94º. Ora, como instrumento de afirmação da autonomia privada, ele não poderia naturalmente
prever-se sem salvaguardar certos interesses fundamentais. É isso que faz com que não seja possível
que as partes celebrem pactos atributivos de jurisdição em matéria de competência exclusiva dos
tribunais portugueses. Ora, se a lei portuguesa no art. 63º diz que para aqueles litígios são
exclusivamente competentes os tribunais portugueses, isso significa que existe um interesse público
muito importante que o Estado pretende salvaguardar, fazendo com que apenas os seus tribunais
tenham competência internacional para resolver qualquer litígio que diga respeito àquela matéria.
Ora, se isto é assim, então não faria sentido que as partes pudessem contornar esta regra de
competência exclusiva através de um pacto convencional, isto é, que celebrassem uma convenção
entre elas que pusesse em causa uma regra dotada desta imperatividade. É por isso que esta é uma
das várias condições de validade dos pactos de jurisdição nos termos do art. 94º/3. Requisitos
enumerados pelo art. 94º/3 que se têm de verificar cumulativamente para que o pacto de jurisdição
seja válido, para que a escolha do foro seja admitida: tem que se tratar de matéria que esteja dentro
da disponibilidade das partes (alínea a)); tem que ser aceite a escolha pelo tribunal designado
(alínea b)); à partida tem que corresponder a um interesse sério de ambas as partes e, se o interesse
for predominantemente de uma delas, ao menos isso não pode causar um inconveniente grave à

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outra. No fundo, se houver um inconveniente grave para uma das partes isto é um indício de que
houve ali algum abuso na escolha do foro e, portanto, essa escolha do foro não deve ser admitida
(alínea c)). Nota: há uma matéria semelhante a esta que rege as CCG (cláusulas contratuais gerais)
no DL 446/85 que prevê as cláusulas relativamente proibidas no art. 19º. Neste art. prevê-se que é
relativamente proibida uma cláusula de escolha do foro que envolva graves inconvenientes para a
outra parte. É, portanto, uma regra próxima da que vimos; não incidir sobre matéria da competência
exclusiva dos tribunais portugueses (alínea d)); e, por fim, exigência de redução do acordo a escrito
(alínea e)).

Quer quando resulte da competência internacional ou das regras objetivas do 62º ou do 63º,
quer quando resulte da escolha, da convenção pelas partes do 94º, o resultado do preenchimento das
regras destes preceitos é que os tribunais portugueses terão competência internacional. Isto tem
ainda outros efeitos laterais. É que, a partir do momento em que o juiz português é
internacionalmente competente, isso significa também que o juiz português vai aplicar as regras do
Processo Civil portuguesas. Isto poderia parecer evidente mas a verdade é que podem existir
dúvidas entre regras de Direito probatório material ou meramente formal; estas distinções podem
ser relevantes neste domínio. O segundo efeito lateral também muito importante é o de que se o juiz
português é internacionalmente competente, se o juiz português vai portanto dirimir este litígio,
então pode surgir o problema, e surgirá provavelmente, de saber qual é a lei material/ substantiva
aplicável a esse litígio. Qual é a lei, qual é o conjunto de normas jurídicas materiais que vai resolver
aquele litígio? É o CC português, francês, espanhol, italiano, etc.? Este problema, o facto de o juiz
ser internacionalmente competente, significa que o juiz português vai aplicar as suas próprias regras
de conflitos de leis, isto é, o juiz português vai determinar a lei aplicável de acordo com as suas
próprias regras de conflitos. Significa isto, então, que os juízes portugueses são chamados a aplicar
lei estrangeira? Sim. Há casos em que os juízes portugueses, para resolver o litígio que lhes é
apresentado pelas partes vão aplicar, não o Direito Civil/Privado português, mas sim o Direito Civil/
Privado de outras ordens jurídicas. De quais? Daquelas ou daquela que as nossas regras de conflitos
de leis (que vamos estudar em DIP) determinarem como as normas jurídicas materiais competentes.

Há uma regra de competência, que é uma Regra de Competência Importantíssima em


qualquer país, em quase todos os sistemas, que é: o Tribunal do Domicílio do Réu tem
Competência. Isto é, o tribunal do domicílio do réu tem que ter competência. Se queremos
demandar alguém temos que demandá-lo no seu domicílio. É uma regra prática que faz muito
sentido: se nós não sabemos à partida quem tem razão, há que dar àquele que tem que se defender

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(ao réu) alguma vantagem (“actor sequitur forum rei” = o autor segue o foro do réu, o autor tem que
ir atrás do foro do réu e, portanto, propor a ação no domicílio do réu). Esta é uma regra que em
Portugal resulta do princípio da coincidência. O art. 62º a) remete para o 80º. O problema do art. 80º
é que o art. não diz que é sempre competente o domicílio do réu; basta que uma outra regra se
aplique (por exemplo relativas ao lugar do cumprimento da obrigação) para que deixe de estar
disponível, nos termos do princípio da coincidência, a regra do domicílio do réu. Não faz sentido
nenhum. A nossa lei esteve bem entre 97 e 2013. Antes de 97 não havia uma previsão expressa
autónoma para o domicílio do réu, surgiu com a reforma de 96/97 mas em 2013 voltou a
desaparecer. Já não temos uma alínea do art. 62º como tínhamos antes que diga que o tribunal
português é internacionalmente competente quando o réu está domiciliado em Portugal; já não
temos essa regra geral. Claro que na prática pode resultar de outras regras a competência do
domicílio do réu. Imagine-se que algum dos factos que integra a causa de pedir foi praticado no
lugar do domicílio do réu, então tem competência internacional esse tribunal, mas não é por ser o
domicílio do réu, é por ser o lugar da prática desse facto. Portanto, autonomamente, não tem
qualquer valor o domicílio do réu.

Aplicam-se as regras do CPC, de acordo com o art. 59º, apenas sem prejuízo do que está
previsto em regulamentos europeus e instrumentos internacionais. Devemos, por isso, dar
primordial atenção ao que resulta dos regulamentos europeus. Em bom rigor, o que é mais
importante, não só em termos de hierarquia normativa, mas também na prática, é isto que vamos ver
agora, que são as regras que estão previstas nos regulamentos europeus.
Há uma outra convenção que vincula o Estado português que também prevê regras de
jurisdição. É mais comum haver regras sobre o reconhecimento de sentenças, e não regras sobre a
competência internacional. Mas também as há. Um exemplo muito recente em termos de entrada
em vigor é a Convenção da Haia de 2005 sobre as cláusulas de escolha do foro exclusivas. Esta é
uma convenção que no fundo regula o problema que já vimos no art. 94º CPC, isto é, em que
condições se pode atribuir por vontade das partes competência internacional a um determinado
tribunal. Esta convenção resume-se a esse problema, de quais são as condições de validade de uma
cláusula de escolha do foro, de um pacto atributivo de jurisdição. Em Portugal esta convenção
entrou em vigor em 1 de outubro de 2015, sendo que não foi Portugal, Estado soberano, a ratificar
ou a assinar esta convenção internacional. Esta convenção vincula o Estado português porque foi
assinada, e depois ratificada, pela UE. Portanto, é a UE que tem hoje competência exclusiva para a
celebração de acordos internacionais que digam respeito a esta matéria de conflitos de
leis/jurisdições. E isto é sabido desde que houve um famoso parecer pedido pelas instituições

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europeias; surgiu porque houve uma convenção em que, quando surgiu o processo da sua
negociação, colocou-se a dúvida de saber se eram os Estados membros que tinham de celebrar essa
convenção ou se tinha que ser a UE; e houve um parecer, o parecer 1/03 ou 1 de 2003, que esclarece
que a competência para celebrar este tipo de convenções é apenas da UE, logo a UE celebrou,
ratificou, assinou (foram cumpridos todos os procedimentos exigíveis em Direito Internacional
Público) e ela entrou em vigor; para todos os Estados da UE está em vigor. A ideia é que ela cresça.
Não está em vigor nos EUA porque eles assinaram mas não ratificaram. A nível global isto é muito
positivo porque os Estados terem regras iguais no que toca à competência internacional, e também
no que toca ao reconhecimento das sentenças dos outros tribunais existirem regras uniformizadas
sobre este problema, é um passo fundamental para a previsibilidade das relações jurídicas, para a
certeza e para a segurança jurídica dos particulares, para a continuidade e estabilidade das relações
privadas internacionais. É evidente que se eu sei que as regras de competência internacional dos
meus tribunais são iguais às de outro tribunal de outro país, e se eu sei que o meu tribunal vai
reconhecer a sentença emitida por um tribunal estrangeiro tal como ele também reconhecerá a
sentença emitida pelo meu tribunal, tudo isto gera uma confiança muito maior nas relações
comerciais em que entram os particulares. E tudo isto evita um mal que surge que é o do “forum
shopping”, que é andar-se “às compras” quanto ao foro competente, vamos procurar qual é o
tribunal que me é mais favorável porque de acordo, seja com as suas regras processuais seja, mais
importante, com as regras de conflitos de leis que ele vai aplicar (as regras que ele prevê quanto ao
Direito material aplicável), eu sei que é aquele/ele que me vai dar a melhor solução- isto gera uma
“race to the court”, uma corrida aos tribunais – aquela parte que em primeiro lugar demanda vai ter
vantagens porque, depois, o tribunal que for demandado em segundo lugar, em princípio, terá que
suspender, ou até extinguir a instância, por respeito a esta litispendência internacional. Portanto, é
muito bom que existam estas regras ao nível global, ou pelo menos ao nível da UE já geram muitos
ganhos de eficiência, de previsibilidade, de estabilidade, etc.
O que é que nós temos ao nível do Direito europeu? Podemos fixar o início desta evolução,
desta integração, numa convenção celebrada em 1968 que é a Convenção de Bruxelas sobre
competência judiciária e reconhecimento de execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e
comercial. Isto começou por ser uma convenção celebrada entre os Estados. Isto era possível, nos
termos de um art. que hoje já desapareceu do Tratado de Lisboa, que previa a possibilidade de os
Estados estabelecerem uma cooperação intergovernamental, uma espécie de incentivo a que os
Estados estabelecessem uma cooperação a esse nível que resultou na Convenção de Bruxelas. É
interessante que as discussões técnicas para a celebração da Convenção de Bruxelas começaram
com a intenção de criar uma convenção que dizia respeito, não à competência internacional (que é o

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que estamos a falar) mas ao outro grande problema dos conflitos de jurisdições que é o problema do
reconhecimento e da execução das sentenças estrangeiras, que é o problema de saber: eu, tribunal
português, sobre que condições posso ou devo reconhecer um ato jurisdicional estrangeiro, um ato
de outro tribunal, e dar-lhe o mesmo valor que tem uma sentença dada pelo meu próprio tribunal?
Resultou dessas mesmas discussões técnicas que os Estados tinham muitas dúvidas em concordar
em regras uniformizadas sobre o reconhecimento de execução de sentenças emitidas pelos outros
tribunais sem que estivessem simultaneamente harmonizadas/uniformizadas as regras de
competência internacional para a decisão sobre esses mesmos litígios. Portanto, se inicialmente os
Estados se propunham a celebrar aquilo a que se costuma chamar uma convenção simples, uma
convenção que apenas tratava da matéria do reconhecimento de execução de sentenças, resultou da
evolução das discussões que ela evoluísse para uma convenção dupla em que se trata não apenas o
reconhecimento de execução de sentenças, mas também a competência internacional, o que foi um
grande desenvolvimento no sentido da previsibilidade e certeza jurídica. As coisas foram evoluindo.
É celebrado em 1997 o Tratado de Amesterdão e, com ele, a Comunidade passa a ter competências
partilhadas em matéria de conflitos de leis e em conflitos de jurisdição. Isto resulta dos arts. 67º e
81º do TFUE (na versão atual). Este Tratado entra em vigor em 99 e, em 2000, surgiu uma série de
diversos regulamentos europeus nestas matérias de conflitos de leis e jurisdição:
- É aqui que surge em primeiro lugar o Regulamento nº 44/2001 que é aquele que vem
substituir a Convenção de Bruxelas de 1968. Era aplicável às ações intentadas/propostas a partir de
1 de março de 2002. Contudo, entretanto, já foi feita uma reformulação deste Regulamento- está
hoje em vigor o Regulamento 1215/2012. O 44/2001 é conhecido (apesar de não constar do
Regulamento) como o Regulamento de Bruxelas I porque, no fundo, foi o Regulamento que veio
substituir a Convenção de Bruxelas. O Regulamento de 2012 é conhecido por Bruxelas I- A, ou
Bruxelas I bis, ou Bruxelas I reformulado. Este Regulamento também é aplicável às ações propostas
a partir de 10 de janeiro de 2015. É aí fixado o seu âmbito temporal de aplicação o que significa
que, a vários litígios que hoje estão ainda pendentes junto de tribunais portugueses, a eles seja ainda
aplicável ao menos o Regulamento 44/2001 (a todas as ações intentadas depois de 1 de março de
2002 e antes de 10 de janeiro de 2015 aplica-se este Regulamento Bruxelas I)
Este não é o único Regulamento nesta matéria, há mais regulamentos, designadamente os
seguintes:
- Regulamento 2201/2003 sobre a matéria de divórcio e de responsabilidade parental.
Está em vigor desde 2005;
- Regulamento 4/2009 sobre obrigações alimentares. Aplicável desde junho de 2011;

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- Regulamento das sucessões que é muito importante na prática. É o Regulamento


650/2012. Estabelece regras sobre competência internacional, lei aplicável, reconhecimento de
sentenças em matéria sucessória. Está em vigor desde agosto de 2015;
Tudo isto são matérias de Direito Privado em que as regras de competência internacional não
estão no CPC português.
- Regulamento sobre os processos de insolvência é o Regulamento 2015/848. Entrará em
vigor em junho de 2017, sendo que vem substituir um outro de 2000;
- Regulamento sobre regimes de bens no casamento e Regulamento sobre os efeitos
patrimoniais das parcerias registadas. São dois regulamentos aprovados, ambos em 24 de junho
de 2016, mas que só vão entrar em vigor em 2019.
Isto, só para saber que há uma série de matérias que nos permite dizer que hoje em dia a fonte
primordial de regras de competência internacional não é o CPC, mas é a série de regulamentos
europeus que versam sobre matérias de Direito Privado.

REGULAMENTO DE BRUXELAS I Reformulado- Como vimos ele é de 2012, entrou em


vigor em 2015. Quanto ao âmbito temporal de aplicação: aplica-se a ações intentadas a partir de 10
de janeiro de 2015 (arts. 66º e 81º). E quanto ao seu âmbito material de aplicação, a que matérias é
que ele se aplica? A resposta é dada pelo art. 1º. Nesse art. 1º utiliza-se um conceito geral- “em
matéria civil e comercial”. Este Regulamento trata da matéria civil e comercial independentemente
da natureza da jurisdição. Depois há uma série de exclusões no nº 2. Quando falamos de matéria
civil e comercial é um conceito que não devemos/podemos interpretar no sentido estrito ou técnico-
jurídico nas noções de Direito Civil ou Comercial portuguesas. Não faria sentido que o regulamento
europeu utilizasse um conceito que pretende uniformizar um conjunto de regras, e ficasse
permeável ao exato conteúdo que lhe fosse emprestado por cada um dos sistemas nacionais. É por
isso que todos estes instrumentos de Direito da UE estão sujeitos àquilo a que chamamos uma
interpretação autónoma, isto é, a interpretação dos vários conceitos que estão nos vários
regulamentos europeus tem de ser feita de modo autónomo, e não colado ao significado que seja
dado ao nível interno. Quanto ao espaço: art. 4º/1. Este art. diz-nos que a regra fundamental é, mais
uma vez, a do “actor forum sequitur rei”, ou seja, o domicílio do réu é o tribunal competente. Esta é
a regra fundamental/geral de competência internacional. Sendo que no Regulamento o domicílio do
réu tem uma dupla função que é: por um lado ele é o fator geral de atribuição de competência
internacional, mas é mais do que isso: o domicílio do réu é ainda um pressuposto geral de
aplicabilidade de quase todas as regras do Regulamento. Isto é importante para compreendermos a
relação entre este art. 4º e o art. 7º deste mesmo Regulamento. Prevê o art. 7º aquilo a que o próprio

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Regulamento chama de competências especiais. Serão estas as competências concorrentes, não vão
elas substituir a competência do domicílio do réu, elas vão acrescer, vão aditar-se, vão acrescentar-
se à competência geral do tribunal do domicílio do réu. Portanto, preenchidos os requisitos de
aplicação destas regras, o tribunal ou os tribunais internacionalmente competentes para os litígios
em causa serão, não apenas o tribunal do domicílio do réu, mas também as várias regras de
competência do art. 7º que acrescentam a competência geral; nesse sentido não são competências
especiais em termos de derrogarem uma regra, são competências concorrentes.
Vamos percorrer o Capítulo II relativo à competência e ver como ele se organiza. Temos uma
1ª secção com disposições gerais. E temos uma secção 2ª que tem as competências “especiais” ou
concorrentes. Depois temos três secções (3ª, 4ª e 5ª) que têm características muito peculiares. Elas
preveem regras de jurisdição que estão imbuídas de uma intenção de proteção da parte mais fraca,
portanto, proteção da parte estruturalmente mais fraca na relação jurídica. De que é que estamos a
falar? Se atentarmos na secção 3ª (competência em matéria de seguros); aqui, o segurado, ou o
tomador de seguro, ou o beneficiário do seguro, terão regras mais favoráveis de competência em
seu favor do que o segurador que é estruturalmente a parte mais forte desta relação jurídica. Por
exemplo- art. 14º; pelo contrário, o segurado ou o beneficiário do seguro tem várias opções à sua
mercê: pode propor no domicílio do réu (ou seja, do segurador) mas também pode propor no seu
próprio domicílio. Os casos em que o autor propõe a ação no seu próprio foro são os casos de
“forum auctoris”, o autor propõe no seu próprio foro a ação. Esta última hipótese consagra casos
mais raros. Os casos de “forum auctoris” existem normalmente quando há certas características
muito particulares no que toca à matéria em causa ou, sobretudo, quando há esta desproporção entre
a força das partes. Secção 4º: a mesma coisa (quanto aos contratos com consumidor); secção 5ª
(contratos de trabalho); nos contratos com consumidor habitualmente o consumidor é a parte fraca;
nos contratos de trabalho o trabalhador é a parte fraca perante o empregador. Estas fragilidades
estruturais de uma das partes nestas relações jurídicas acaba por ter reflexo, não apenas como todos
sabemos no Direito material (por exemplo que as regras do Direito do Trabalho devem ser
interpretadas em favor do trabalhador, que existem regras de proteção do consumidor e não do
profissional, que existem regras de proteção do segurado e não do segurador). Ora, esta perspetiva
material acaba por ter reflexo também num ramo que tradicionalmente era visto como um ramo
axiologicamente neutro. A secção 6ª diz respeito às competências exclusivas. Art. 24º. Art. 4º/1-
São casos em que o Regulamento Bruxelas I Reformulado é aplicável mesmo que nenhuma das
partes seja domiciliada num Estado membro da UE. Isso não significa que não haja uma ligação
efetiva com o espaço da UE. Por exemplo, quanto às pessoas coletivas. Imagine-se que se coloca

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um problema de validade de uma deliberação social. Se a sociedade está sediada num dos Estados
membros então há competência exclusiva, independentemente do domicílio das partes.
Nota: Quando falamos do domicílio do réu é relativamente fácil determinar para a
pessoa singular (corresponde normalmente à sua residência habitual); já, porém, quanto às
pessoas coletivas pode haver dúvidas: Será que deve ser no lugar da sua sede tal como ela consta
dos Estatutos- é uma hipótese. Será que deve ser o lugar da Administração Central, isto é, onde os
órgãos de direção daquela sociedade atuam? É uma segunda hipótese. Será que é no lugar onde está
o estabelecimento principal daquela sociedade? Qual é que deve ser a conexão relevante quanto ao
domicílio da pessoa coletiva? O art. 63º diz que qualquer um deles serve, qualquer um deles é
fixador do domicílio da pessoa coletiva. São três conceitos muito importantes de Direito europeu.
Art. 54º TFUE- nos termos deste art. esses são os requisitos que fixam a possibilidade de uma
sociedade beneficiar da liberdade de estabelecimento.
Secção 7ª prevê as regras sobre os pactos de jurisdição, portanto, uma regra paralela à que
temos no art. 94º do CPC com algumas particularidades que não vamos referir.

Matéria contratual- há um foro concorrente em matéria contratual, sendo que o foro


competente é normalmente o do lugar do cumprimento da obrigação (nº1). No nº2 temos uma regra
especial quanto à matéria extracontratual. Aqui é essencial saber o que diz a jurisprudência porque,
se nos recordarmos, a UE reúne várias sensibilidades muito diferentes em termos metodológicos e o
Tribunal de Justiça acaba por fixar verdadeiros precedentes sobre a aplicação destas regras. A
jurisprudência da UE vai evoluindo. Há muitas regras eu nós só conseguimos verdadeiramente
aplicar conhecendo bem a jurisprudência produzida sobre essas regras. O art. 8º contém uma regra a
que não se costuma dar muita atenção mas a que, segundo o professor Rui Dias, se deve dar,
sobretudo numa perspetiva macro comparativa com outros sistemas. Exemplo: uma pessoa com
domicílio num território de um Estado membro também pode ser demandada se houver vários
requeridos, isto é, vários réus perante o tribunal de domicílio de qualquer um deles. Portanto, basta
que um deles tenha domicílio num dos Estados membros, que os outros que têm domicílio noutros
Estados também poderão ser demandados naquele Estado, apesar de não terem nenhuma ligação
com aquele Estado; os pedidos estão ligados entre si por um nexo tão estreito que há um interesse
em que sejam instruídos e julgados simultaneamente. Esta regra pode ser uma violência para
corréus não domiciliados naquele Estado. A perspetiva americana é uma perspetiva diferente, é uma
perspetiva muito constitucional, analisam todos estes casos de uma perspetiva do Direito
Constitucional. Porquê? Porque cada Estado faz o seguinte: eu posso julgar aqui todos os litígios
que não sejam incompatíveis com a cláusula do processo equitativo e justo, a chamada “due process

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clause”. Isto são os chamados “long arm statues”, isto é, regras que estendem o máximo possível a
competência internacional de cada Estado (aplica-se mais ou menos aos 50 Estados). Isto faz com
que o TC, o supremo, tenha na prática muitas vezes de decidir se os Estados estão a ir muito longe
na afirmação da competência internacional ou se aquilo não respeita a “due processo of law”.
Reparemos que a regra do art. 8º não passaria na Constituição americana porque esta regra diz-nos
que: um réu, mesmo que não tenha qualquer ligação com aquele foro vai ter de ser demandado
naquele Estado. Isto quer dizer que cada um destes dois polos, se quisermos comparar a UE com os
EUA, tem regras diferentes, perspetivas diferentes. A perspetiva americana é muito fundada na
visão de cada um dos réus; a perspetiva europeia é mais fundada numa boa organização judiciária.

19/04/17
Repartição da Competência em Razão do Território:
A função do critério de repartição de competência é alocar/repartir o conhecimento de certas
ações a tribunais espalhados pelo território nacional, pelas diferentes comarcas em que se reparte o
território nacional. Esta é uma das finalidades deste critério de repartição de competência. A
segunda finalidade é dentro de cada comarca repartir a competência pelos diferentes juízos aí
existentes. O âmbito territorial da competência de cada comarca e de cada juízo está na
regulamentação da LOSJ (DL 86/2016, de 27 de dezembro).
Como é que se reparte a competência em razão do território? Através da criação de elementos
de conexão, isto é, através da identificação de certas características da relação jurídica litigada (por
exemplo o lugar onde se encontra um imóvel que é litigado), associando tais fatores ou tais
elementos a uma certa comarca específica- por exemplo, as ações relativas a um bem imóvel devem
ser propostas na comarca em que se situa o imóvel; o fator de conexão é o lugar em que se situa o
imóvel, conexão à comarca em que tal imóvel se situa. Contudo não temos propriamente de entrar
no mérito das posições jurídicas. Devemos sim interpretar a petição inicial, interpretar a relação
jurídica e os elementos de facto que são alegados e, em função dessa qualificação, é que vamos
determinar qual é o tribunal competente- art. 38º/1 da LOSJ. Por conseguinte, é por interpretação da
petição inicial que vamos determinar qual é o tribunal competente para o conhecimento da causa.
Quais são as linhas diretrizes das regras de repartição da competência em razão do território?
A primeira preocupação fundamental é garantir que conheça da causa um tribunal que esteja
fisicamente próximo, ou do(s) lugar(es) em que se praticaram os factos que integram a causa de
pedir (exemplo: lugar em que se praticou o facto ilícito danoso), ou então do lugar em que se
encontra o bem objeto do pedido (exemplo: uma ação relativa a bens imóveis ser proposta no lugar
onde tais imóveis se encontram). Procura-se como segunda finalidade a proteção do réu. À falta de

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uma razão especial que justifique que certa ação deva correr em certo lugar do território vale a
segunda preocupação que é a de proteger o réu. Procurando-se proteger o réu, à falta de um critério
especial, a ação deve ser proposta na comarca do domicílio do réu. Protege-se o réu ajudando a
facilitar as técnicas de defesa. Para estas regras de repartição de competência pelo território a lei
serve-se de elementos de conexão que podem ser objeto de diferentes classificações- vamos ver
quatro:
a) Fonte legal ou convencional. Tem fonte legal quando é a própria lei que determina
qual é o tribunal competente para o conhecimento de certa causa. Mas o fator
atributivo de competência pode ter fonte convencional, excecionalmente, quando são
as partes por acordo que, nos limites da lei, permitidos pela lei, o convencionam,
convencionam qual o tribunal competente para conhecer da causa- são os pactos de
competência ou de aforamento;
b) Natureza especial ou residual. Têm natureza especial quando a atribuição de
competência a certo tribunal dependa da verificação de uma característica concreta da
relação jurídica alegada. Exemplo: ação relativa a direito real sobre imóvel. É esta
característica (tratar-se de um imóvel ou de um direito real) que determina a
competência. Residual: quando a competência de certo tribunal resulte da ausência de
qualquer critério especial atributivo de competência. Exemplo: critério supletivo da lei
que é o domicílio do réu;
c) A competência pode ser também exclusiva ou concorrente. É exclusiva quando fixe
apenas um tribunal competente para conhecer da causa. É concorrente quando permita
ao autor a escolha do tribunal em que pretende propor a ação. Normalmente a
competência é exclusiva, pontualmente é concorrente e dá-se esta liberdade de
escolha;
d) Pode ser objetiva ou subjetiva. Objetiva, quando o elemento de conexão respeite a
uma característica da relação jurídica litigada. Por exemplo, lugar do imóvel, do
cumprimento da obrigação. Subjetiva, quando o elemento de conexão respeite a uma
característica do autor ou do réu, isto é, dos sujeitos da relação processual.
Característica do autor: o domicílio do autor. Característica do réu: o domicílio do réu.

Vamos começar por ver as regras de repartição da competência em razão do território de fonte
legal e, dentro delas, os critérios especiais, dentro destes vamos ver depois o critério residual.
Depois vemos a competência convencional.

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Regras especiais (de fonte legal de repartição de competência em razão do território):


Ações reais ou ações relativas a bens imóveis- é o chamado “forum rei sitae” (foro= tribunal
competente; rei= coisa; sitae= encontrar-se), o foro da situação da coisa. Art. 70º/1 do CPC. Nos
termos deste art. devem ser propostas no foro em que os bens se encontram as seguintes ações:
ações respeitantes a direitos reais de gozo sobre imóveis. Exemplos de direitos reais de gozo sobre
imóveis: propriedade (art. 1302º do CC), usufruto (1439º e segs. CC), uso e habitação (1434º e segs.
CC), superfície (1524º e segs. CC) e servidão de prédios (art. 1543º e segs. CC). Assim, uma ação
de reivindicação (1311º CC) de qualquer um dos bens objeto destes direitos deve ser proposta no
lugar em que os bens se encontrem, desde que se trate de bens imóveis. Art. 1315º CC. No art. 70º/1
refere-se a ação de preferência e a ação de execução específica sobre imóveis. Num e noutro caso o
objeto da ação é provocar a aquisição do direito. Caso que pode levantar certa dúvida é o das ações
possessórias. Por identidade de razão também estas ações devem ser propostas no “forum rei sitae”.
Não se enquadra no nº 1 ações relativas a bens móveis. De acordo com a doutrina dominante, quase
unânime, também não se enquadra ações de anulação do contrato relativas a bem imóvel. Aplica-se
o critério supletivo do foro do réu. No nº1 do art. 70º estão em causa direitos reais ou pessoais de
gozo sobre imóveis. O “forum rei sitae” aplica-se também a direitos pessoais de gozo sobre
imóveis. Exemplo: art. 1022 e segs. do CC e 1129º e segs. do CC. Um outro exemplo mais caricato
é a posição do chamado parceiro pensador na chamada parceria pecuária. Mas o direito pessoal de
gozo no âmbito da parceria pecuária não se enquadra no art. 70º, não se aplica o foro da situação
dos bens porque o foro da situação dos bens aplica-se quando o objeto da ação é um bem imóvel; na
parceria pecuária o objeto da ação não é um bem imóvel, é um direito contratual relativo a bens
móveis que são no caso os animais. Aos animais aplica-se por analogia o regime das coisas com as
devidas adaptações. Se, porventura, esta ação de anulação disser respeito a uma universalidade de
facto ou vários bens móveis ou imóveis localizados em várias circunscrições diferentes, a ação deve
ser proposta no tribunal onde se encontrem os bens imóveis de maior valor- art. 70º/3. O “forum rei
sitae” aplica-se ainda a ações de reforço, substituição, redução ou expurgação de hipotecas – art.
70º/1 parte final. Contudo, se esta ação disser respeito a navios ou aeronaves (art. 70º/2) deve ser
instaurada na circunscrição em eles se encontrem.

Segundo o critério de repartição de competência em razão do território- vale o “forum


rei”, isto é, o foro do réu, ou vale o lugar do cumprimento da obrigação (o chamado “forum
obligationis”). A regra é que estas ações devem ser propostas no domicílio do réu, que corresponde
ao critério supletivo. Contudo há uma exceção no 71º/1 2ª parte: se o réu for uma pessoa coletiva ou
se o credor e réu tiverem domicílio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, nesse caso a ação

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também pode ser proposta no lugar onde a obrigação deveria ser cumprida. A área metropolitana de
Lisboa e do Porto encontra-se fixada no anexo II da LOSJ.
Qual é o lugar do cumprimento da obrigação? Depende. Ele pode ter sido especificamente
convencionado pelas partes, ou então pode resultar de uma regra supletiva- art. 772º e segs. do CC.
Supletivamente, o princípio geral é o de que o cumprimento deve ser realizado no domicílio do
devedor. Art. 774º CC. Nas obrigações pecuniárias, quando aplicamos a regra do lugar do
cumprimento, significa isto que o autor pode propor a ação no lugar do seu próprio domicílio.

Obrigações extracontratuais. Art. 71º/2. Fala-se aqui no “forum commissi delicti” (onde foi
cometido o delito). Para as ações de responsabilidade extracontratual vale a regra de que a ação
deve ser proposta no lugar da prática do facto danoso. E se se tratar de uma hipótese de
responsabilidade pré negocial, de culpa in contrahendo? Segundo alguns autores seria de aplicar
também esta disposição. Contudo, é também claro que do ponto de vista substantivo a
responsabilidade pré negocial decorre já da existência de vínculos específicos entre as partes que
representa um caso intermédio entre a responsabilidade extracontratual e a responsabilidade
contratual. Por essa razão, ao professor parece que nalguns casos será de equacionar a aplicação do
critério supletivo geral. Questão que também se pode colocar: no 71º/2 refere-se também que é
competente… E se o facto que dá origem a responsabilidade civil é um facto complexo que é
praticado em diferentes circunscrições do território? Nesse caso, por identidade de razão com a
regra que vimos para a circunstância de haver vários imóveis, parece que a ação deve ser proposta
no lugar onde tenham sido praticados os factos mais relevantes para a responsabilidade civil. Caso
não seja possível fazer esse juízo tal é deixado à escolha do autor.

Divórcio e separação de pessoas e de bens- é aquele ou aquela que se quer divorciar que
pode escolher propor a ação no seu próprio foro. Tradicionalmente no Direito português não se
admitia o divórcio. Num segundo momento passou a haver casamento civil, mas este copiou o
regime canónico e também não admitia o divórcio. Num terceiro momento passou a admitir-se, mas
em casos excecionais. O propósito da regra era evitar que o cônjuge que se pretendia divorciar,
incumpridos com gravidade deveres conjugais, tivesse de se deslocar ao foro do cônjuge que tinha
incumprido tais deveres. Procura-se assim proteger a parte mais fraca. O regime do CC foi no
entanto muito modificado- art. 1181º/1 d) CC. Continuando a aplicar esta regra do CPC isto
significa que, no limite, se pode agravar a posição do cônjuge mais debilitada e mais fraca. Por
força de uma excessiva especialização, quando se fazem alterações não se tem em consideração o
conjunto do sistema. Pode haver aqui um grande desajuste.

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Ação de honorários (art. 73º/1). Manuel de Andrade usa aqui a expressão “forum
conexitatis”. A ação de honorários deve ser proposta na comarca em que foi prestado o serviço pelo
mandatário judicial ou pelos técnicos judiciais- art. 73º/1. Já, caso se trate de uma ação relativa por
exemplo a uma simples consulta jurídica que não deu lugar a nenhuma ação judicial, vale a regra
geral das obrigações contratuais (art. 71º/1).
Há uma questão que se coloca nos nossos tribunais que é a seguinte: sendo proposta certa
ação num tribunal de competência especializada, a ação relativa a honorários deve ser proposta
nesse tribunal ou não? A nossa intuição básica seria dizer que sim porque foi nesse tribunal que
decorreu a causa principal. Contudo, não nos podemos esquecer que os tribunais de competência
especializada têm competência em razão da matéria e nós estamos a falar aqui de competência em
razão do território. Por conseguinte, a ação de honorários será por certo para competência da mesma
comarca, mas não daquele juízo, mas do juízo de competência residual.

Uma outra hipótese de competência em razão do território que nos interessa é a


competência para a propositura de procedimentos cautelares e diligências anteriores à ação
principal. Nesse caso vale o art. 78º/1 c)- a ação deve ser proposta no tribunal em que devesse ser
proposta a ação principal. Caso a providência cautelar seja pedida na pendência da ação principal
vale o mesmo regime, mas agora por força do 364º/3.
Encontram-se ainda outros casos especiais de competência em razão do território que não
vamos aqui estudar. Exemplos: ações relativas a navios (arts. 74º e 77º); a competência para
execuções – (art. 85º a 90º); etc.

Quando estamos a tratar da competência temos que ver primeiro se há algum critério especial
de competência. Se não houver nenhum destes critérios especiais, nenhuma destas conexões
especiais, vale a regra residual- arts. 80º e 81º CPC. À falta de uma conexão especial a ação
deve ser proposta no domicílio do réu. Nos termos do 82º/1 do CC o domicílio do réu é o lugar da
residência habitual. Se o réu não tiver residência habitual, ou se a sua residência for incerta ou
ausente, é demandado no tribunal do domicílio do autor (art. 80º/2), salvo nos casos em que se
requeira a curadoria dos seus bens e a ação deve ser proposta no tribunal do seu último domicílio.
Trata-se aqui do instituto da ausência- art. 89º e segs. do CC.
Outra hipótese especialmente regulada é a de o réu ter residência ou domicílio em país
estrangeiro (art. 80º/3). Há aqui três regras:

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 Se, apesar de ter domicílio ou residência em país estrangeiro, se encontrar em Portugal


momentaneamente é competente o lugar do tribunal onde se encontra;
 Se não se encontrar em território português é competente o tribunal do domicílio do
autor;
 Se o próprio autor residir em país estrangeiro, isto é, se quer autor, quer réu, residirem
em país estrangeiro, é competente o tribunal da comarca de Lisboa.
Isto para o réu pessoa singular.
Para o réu pessoa coletiva vale o seguinte:
 Se o réu pessoa coletiva for um Estado é competente o tribunal do domicílio do autor
(81º/1);
 Se for uma outra pessoa coletiva ou sociedade deve ser demandada no lugar da sede da
administração principal ou na sede da sucursal, agência, filial, delegação ou
representação, caso a ação seja deduzida contra elas. Art. 13º/1 do CPC. Elas têm
personalidade judiciária nos termos deste art.

Nós vimos que o foro do réu é a regra residual. Que ações é que aqui se enquadram?
Formalmente, já sabemos a resposta: aquelas que não se reconduzam a qualquer critério especial.
Materialmente, vamos ver dois exemplos:
o Ações de declaração de nulidade, de anulação de um contrato, ou de nulidade ou
anulação de uma deliberação social;
o Ações relativas a bens móveis.
Num e noutro caso não temos nenhum critério especial de competência porque se diz que vale
esta conexão residual.

Qual o regime aplicável às hipóteses em que haja pluralidade de réu? Nesse caso, nos termos
do art. 82º/1, a ação deve ser proposta no tribunal do domicílio do maior número de réus. Uma outra
hipótese é a da cumulação do pedido. Havendo cumulação do pedido, e sendo competentes tribunais
diferentes no que toca ao território, pode o autor escolher qualquer um desses tribunais para propor
a ação – art. 82º/1, salvo em duas circunstâncias:
1ª O conhecimento de um pedido depender de prévio conhecimento de outro pedido, isto é, os
pedidos estarem em relação de dependência ou de subsidiariedade, caso em que a ação deve ser
proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal;
2ª Quando a regra de competência de certo tribunal para o conhecimento da causa seja de
conhecimento oficioso. Nesse caso a ação deve ser proposta nesse tribunal.
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São duas hipóteses em que não há possibilidade de escolha.

Atribuição de Competência em Razão do Território de Fonte Convencional:


Até agora vimos os critérios especiais e depois vimos o critério residual. Tudo isto se
enquadrava nos fatores legais de repartição de competência em razão do território. Veremos agora a
atribuição de competência em razão do território de fonte convencional. As regras de competência,
à partida, são regras de interesse público resultantes de certas ponderações sobre a conveniência de
a ação ser apreciada por tribunais com proximidade aos elementos integrantes da causa. Em todo o
caso, de uma forma ou de outra, com mais ou menos amplitude, os diferentes sistemas jurídicos
admitem em certos termos que os fatores atributivos de competência sejam modificados por acordo
das partes. Tais acordos têm duas designações e estão sujeitos a dois regimes diferentes consoante o
seu objeto: se disserem respeito à competência internacional designam-se pactos de jurisdição e
vale o art. 94º do CPC. Encontramos também, quando o objeto do acordo sejam as regras internas
de repartição de competência os chamados pactos de competência ou pactos de aforamento. Agora
vamos estudar os pactos de competência/aforamento, e não os de jurisdição. Vimos que o
sistema jurídico podia admitir com maior ou menor amplitude. No nosso Direito não se admite a
modificação da competência em razão da matéria, da hierarquia ou do valor da causa. Também não
se admite o afastamento das regras de repartição da competência em razão do território de
conhecimento oficioso. Ou seja, o que é que se admite (agora pela positiva)? Só se admite o
afastamento das regras de competência em razão do território que não sejam de
conhecimento oficioso. Art. 95º/1. Trata-se de um grupo muito exíguo de casos.
O Pacto de Competência ou o Pacto de Aforamento está Sujeito a Quatro Requisitos- art.
95º/1 e 2:
i. Só podem ter por objeto o afastamento de regras de competência em razão do
território que não sejam de conhecimento oficioso nos termos do art. 104º;
ii. Art. 95º/1. A declaração negocial deve ser expressa. A noção de declaração expressa
encontra-se no 217º/1 do CC;
iii. Deve observar a forma do contrato para cujo litígio dele emergente fixa certa
competência (art. 95º/2). Em todo o caso, deve tal pacto de competência ser reduzido a
escrito- 95º/2. Isto é, mesmo que o contrato seja verbal/oral o pacto deve ser escrito,
podendo observar alguma das formas constantes do 94º/4;
iv. Deve fixar o critério para a determinação do tribunal competente- art. 95º/2, e deve
também designar as específicas questões para cujo conhecimento determina o tribunal
competente – mais uma vez, art. 95º/2. Esta designação das questões que fixam

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competência judiciária pode ser feita através da especificação do facto jurídico que as
possa originar.
Se faltar algum desses requisitos a convenção é nula por força, ou do art. 280º, ou do 294º
do CC. Se, pelo contrário, se verificarem todos estes requisitos considera-se competente para
o conhecimento da causa o tribunal escolhido pelas partes. Portanto, a designação
convencional da competência é valida, é eficaz. Trata-se de um efeito que não é propriamente
obrigacional, ou real, ou pessoal, mas é um efeito verdadeiramente processual porque respeita
a um pressuposto processual. Por esta razão os pactos de competência, os pactos de
aforamento, são designados negócios jurídicos processuais quanto aos seus efeitos. Portanto, a
fixação da competência é válida, é eficaz, é vinculante, deve ser observada, e fica sujeita ao
mesmo regime da competência legal (art. 95º/3). Além destas hipóteses, o pacto de
aforamento pode ser considerado nulo com base nos fundamentos gerais de Direito Civil, em
especial importa mencionar o art. 19º g) do DL 446/85 e art. 20º do mesmo diploma, art.
segundo o qual os pactos de aforamento são considerados uma cláusula relativamente
proibida quando envolvam graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses
da outra o justifiquem.

INCOMPETÊNCIA
Vista a competência, é preciso apurar da incompetência. Quais são as consequências de não
se verificarem estas regras que temos considerado? Portanto, não se respeitarem as regras de
competência legal ou convencional, e considerando ainda que a competência não é só em razão do
território, é ainda em razão da hierarquia, da matéria, do valor e da forma do processo. Qual é a
consequência da violação das regras de competência? A competência é um pressuposto
processual, isto é, uma condição que se deve verificar para que o tribunal conheça do fundo da
causa. Por conseguinte, a não verificação das regras de competência tem por consequência o
surgimento de uma exceção dilatória- art. 577º a) CPC. Contudo, nem sempre a consequência da
verificação desta exceção dilatória é a absolvição da instância. Depende. No CPC distinguem-se
dois tipos de incompetência: a incompetência absoluta e a incompetência relativa. Nuns casos a
consequência é a absolvição da instância. Nos outros casos a consequência é a remessa do processo
para o tribunal competente. Art. 576º/2 CPC. Há portanto dois regimes de incompetência: os
regimes de incompetência absoluta e os de incompetência relativa. Os regimes não são

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completamente homogéneos mas, no essencial, distinguimos a gravidade da violação. E, por se


entender que nuns casos a violação é mais grave, o próprio regime será diferente quanto ao
conhecimento (se é oficioso ou se é provocado); quanto ao tempo para ser conhecida a questão da
incompetência; quanto aos efeitos da incompetência. No regime do CPC os casos de incompetência
absoluta correspondem às hipóteses em que se entende terem sido violadas as regras mais
importantes de competência. Por conseguinte o regime procura facilitar a despunição daquela
relação processual. Não se pretende que o tribunal efetivamente dela conheça. Porquê? Porque é
gravemente incompetente. Já nos casos de incompetência relativa não é assim.
O momento próprio para o conhecimento da competência distingue-se consoante o
tribunal se entenda incompetente ou competente. Se o tribunal se entender incompetente deverá,
à partida, conhecer da incompetência antes do despacho saneador; nalguns casos pode até conhecer
depois. Mas o momento ideal é este. Porquê? Porque o despacho saneador é um despacho pelo qual
se afere da legalidade do processo, mas prepara também as fases subsequentes do processo. Por
conseguinte, pretende-se que este despacho seja proferido pelo juiz competente para conhecer da
causa, para não haver nenhuma perda de economia processual. Pelo contrário, se o tribunal se
considera competente, já não há nenhum obstáculo a que conheça da questão da competência no
momento do despacho saneador. Surge a este propósito um problema que é um problema geral:
muitas vezes, quase sempre ou mesmo sempre, quer os juízes, quer os advogados, servem-se de
formulários processuais. Quando precisam de redigir uma peça processual não a redigem a partir do
nada, mas sim a partir de um modelo. Estes formulários processuais têm duas finalidades essenciais:
poupança de tempo (o juiz ou o advogado não está sempre a redigir do zero os elementos da peça) e
a outra é fazer com que o advogado ou o juiz se lembre de um conjunto de elementos (se do seu
formulário já consta um certo número de elementos, naquela concreta ação tratar de os considerar).
Nestas fórmulas, que se designam fórmulas praxísticas, os juízes usam muitas vezes, como no
despacho saneador têm de conhecer das exceções dilatórias, uma formulação do mesmo género, que
são fórmulas que se usam sempre porque constam dos formulários, e porque é essa a função do
despacho saneador. Contudo, para evitar que se forme caso julgado formal sobre esta matéria
quando o juiz efetivamente não conheceu daqueles pressupostos processuais, dispõe o 595º/3 que o
despacho saneador, no que toca ao conhecimento das exceções dilatórias, constitui caso julgado
formal quanto às questões concretamente apreciadas. Não basta, portanto, que refira que é
competente. É fundamental que suscite concretamente a questão da competência, que justifique
porque é que é competente, porque se não o fizer não há caso julgado formal. Na origem desta regra
está os formulários que são um excelente instrumento auxiliar, contudo têm esta dificuldade. Temos

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de ver caso a caso: se o juiz efetivamente se pronunciou pela competência- caso julgado formal; se
é uma referência meramente nominal ou formulária não há caso julgado formal.
Passamos então a considerar, quer o regime da incompetência absoluta, quer o regime da
incompetência relativa. Um e Outro Regime serão Considerados em Função de Quatro Elementos:
1. Causas;
2. Depois o Regime Propriamente dito que se Divide em Três Aspetos:
2.1. Regime de Arguição;
2.2. Tempo de Arguição;
2.3. Efeitos da Verificação da Incompetência.

Incompetência Absoluta:
Vamos começar com a incompetência absoluta. Quais são as causas de incompetência
absoluta? Encontram-se elas fixadas no art. 96 do CPC. As causas tradicionais de incompetência
absoluta são as regras de repartição da competência em razão da matéria, da hierarquia e da
competência internacional (art. 96º a) CPC). Na última reforma que deu origem ao atual CPC (novo
CPC) introduziu-se a alínea b) que refere o pacto privativo de jurisdição e a preterição do tribunal
arbitral. Trata- se de uma hipótese muito diferente das outras, sujeita também a um regime muito
diferente. Na matéria, hierarquia e competência internacional está em jogo o interesse público; no
pacto privativo de jurisdição, ou na preterição do tribunal arbitral, está em jogo o interesse das
partes e, por isso, não se justificaria esta recondução ao regime da incompetência absoluta.
Vamos agora ao regime de arguição. Quem pode arguir a incompetência absoluta? A
incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes, mas pode ser conhecida oficiosamente pelo
tribunal- art. 97º/1 e 578º CPC. Esta é a regra. Qual é a exceção? Justamente, o pacto privativo de
jurisdição e a preterição de tribunal arbitral voluntário porque são casos em que a incompetência
decorre de um simples acordo privado, neste caso tem de ser arguida pelas partes.
Tempo de arguição: atendendo à gravidade da violação destas regras, o tribunal pode
conhecer da incompetência a todo o momento. Pode, portanto, fazê-lo até ao trânsito em julgado da
decisão relativa ao fundo da causa (art. 97º/1). É possível que a questão da incompetência seja
suscitada apenas, por exemplo, junto do tribunal? Esta é a regra mas há uma exceção- tratando-se de
regras de competência em razão da matéria, a questão só pode ser arguida ou conhecida até ser
proferido o despacho saneador ou até ao início da audiência final (art. 97º/2). Encontramos, se
quisermos, três graus de gravidade: as hipóteses mais graves são a violação das regras da hierarquia
e da competência internacional; depois, matéria; depois, pacto privativo de jurisdição e tribunal
arbitral. Momento para conhecer desta questão: idealmente, nos termos do art. 98º, a incompetência

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absoluta deve ser feita antes do despacho saneador ou no despacho saneador? Antes do despacho
saneador, sobretudo nas hipóteses em que o tribunal se pretenda declarar incompetente; no
despacho saneador quando se pretenda declarar competente. O despacho saneador tem várias
finalidades. Ora, se há uma incompetência absoluta a consequência será a absolvição da instância
que, à partida, não é sanável, é dos poucos casos em que uma exceção dilatória não é sanável.
Porque é que se o tribunal pretender declarar-se incompetente deve fazer antes do saneador? Para
não forçar as partes, quando o próprio tribunal é incompetente, a praticarem uma série de atos que
se hão de revelar necessariamente inúteis. Essa é a razão. Já se se pretende declarar competente, não
há nenhum problema que o faça no despacho saneador porque não houve nenhuma perda de
economia processual.
Duas notas: se houver despacho liminar, indeferimento liminar como é evidente. Exceção
dilatória que é insuprível. Se não for conhecida no saneador só pode ser conhecida na sentença- a
sentença deve absolver da instância.
Efeitos: quais são os efeitos da verificação da incompetência absoluta? Nos termos do 99º/1:
absolvição da instância, indeferimento liminar consoante os casos. Qual é o valor desta decisão? A
decisão sobre a competência é uma decisão que diz respeito à relação processual. Quando uma
decisão diz respeito à relação processual produz-se caso julgado formal, tem valor portanto apenas
dentro do processo; por conseguinte, se for proposta uma nova ação, à partida, o novo tribunal não
está vinculado por esta primeira decisão e pode declarar-se competente.
Segundo aspeto relevante quanto ao caso julgado formal: se o tribunal se declara competente
no despacho saneador, e se esta decisão transita em julgado, não pode voltar a ser suscitada naquela
ação porque tem força vinculante dentro do processo. Para que a decisão no despacho saneador, ou
eventualmente noutro momento do processo, para que a decisão no despacho saneador tenha força
vinculante, é necessário que o tribunal se pronuncie concretamente sobre a competência, não basta
uma pronúncia de natureza geral.

24/04/2017
Quanto à matéria da organização judiciária- ver artigo da autoria do professor Teixeira de
Sousa (contém as atualizações introduzidas após o CPC 2013) no endereço blogippc.blogspot.com.

Regime da Incompetência Absoluta (Continuação):


Estávamos a ver os efeitos da incompetência absoluta. A consequência própria da
incompetência absoluta é a absolvição da instância. Via de regra, a decisão sobre a incompetência
absoluta produz caso julgado meramente formal, porque o seu objeto é a relação processual, o juiz

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diz que para aquela concreta relação processual aquele tribunal não é competente- arts. 620º/1 e
100º CPC. Contudo, há aqui uma exceção. A exceção é o Tribunal da Relação declarar-se
incompetente e ser interposto recurso para o STJ. Neste caso o STJ, quando considere que o
primeiro tribunal é incompetente (o tribunal de primeira instância) deve fixar qual é o tribunal que
considera competente- art. 101º/1 CPC. Portanto, temos um tribunal de primeira instância, recurso
para a Relação, recurso para o Supremo. Hipóteses:
i. A Relação diz que o tribunal de primeira instância é incompetente; recurso para o
Supremo; o Supremo considera que o tribunal de primeira instância é competente-
como tal o processo prossegue;
ii. Relação considera incompetente, STJ considera incompetente. O processo não pode
seguir no tribunal de primeira instância. Se vier a ser proposta nova ação, pela regra
geral este caso julgado não pode ser feito valer na nova ação. O problema que daqui
decorre é que, não se podendo opor os efeitos deste caso julgado na nova ação por se
considerar o tribunal incompetente, na segunda ação o outro tribunal diferente pode
também ele declarar-se incompetente. Não se podendo opor os efeitos do caso julgado
na nova ação, no limite, uma vez mais, o autor vai ter que arcar com os efeitos da
incompetência. Daí que se abra esta exceção: quando o STJ considera que o tribunal
de primeira instância é incompetente, deve indicar qual é que considera que é o
tribunal competente e este caso julgado, excecionalmente, vale também na segunda
ação. Portanto, nesta segunda ação o juiz já não pode conhecer da questão da
incompetência em razão de qualquer uma das causas que estejam aqui previstas. Trata-
se aqui de uma limitação ao princípio da competência- competência (“kompetenz-
kompetenz”), isto é, da competência que o juiz tem para fixar a sua própria
competência. Segundo esta regra, o juiz que venha a conhecer da segunda ação que é
proposta está vinculado à decisão sobre a competência que haja sido tomada pelo STJ
na primeira ação.
Na incompetência absoluta a consequência é a absolvição da instância, contudo, há
possibilidade de o autor no prazo de 10 dias, contados do trânsito em julgado da decisão, requerer a
remessa do processo para o tribunal em que a ação devia ser proposta (art. 99º/1). Contudo, goza o
réu da possibilidade de oferecer oposição justificada. A oposição do réu é justificada quando, por
exemplo, o réu, por causa de incompetência absoluta, que é uma exceção dilatória, não se defendeu
quanto ao mérito da causa. O réu limita-se a avançar uma defesa quanto à relação processual sem
entrar no mérito da causa. Neste caso, apenas os articulados podem ser aproveitados. Se o processo
está numa fase mais avançada, se já passou a fase de instrução, se já passou a fase de audiência,

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toda esta atividade não pode ser aproveitada pelo segundo tribunal, por conseguinte, só os
articulados se aproveitam.
Por fim, é sempre admissível recurso com fundamento na violação das regras de competência
absoluta (art. 629º/2 a) CPC).

Incompetência Relativa:
O regime da incompetência relativa vale para os casos de violação das regras de competência
fundadas no valor da causa, na divisão judicial do território, ou do pacto de competência/pacto
convencional- art. 102º do CPC.
Vamos ver os três aspetos relevante: regime de arguição, tempestividade da arguição,
efeitos da arguição.
Regime da Incompetência Relativa: A regra da incompetência relativa é a de que depende
de arguição por parte do réu- art. 103º. O momento próprio para arguir é a contestação, oposição
ou resposta, em síntese, é a primeira oportunidade que o réu tem para se pronunciar quanto à
incompetência (art. 103º/1), admitindo-se que o autor possa exercer o contraditório adequado nos
termos do 103º/2, e é sempre admitida esta possibilidade de contraditório. No caso de haver vários
réus, caso um argua a incompetência relativa podem os outros contestar a incompetência, isto é,
podem os outros contestar a invocação daquela exceção dilatória. Pode haver, portanto, uma
posição conflituante entre aqueles réus. Mas, sendo que a incompetência relativa (casos menos
graves), via de regra, depende de arguição pelo réu, há um conjunto de casos em que pode ser
oficiosamente conhecida- são os casos constantes do art. 104º. Este art. 104º releva também para
saber quando é que pode haver um pacto convencional. Tal pacto só pode acordado para as causas
que não sejam de conhecimento oficioso. Que causas podem ser de conhecimento oficioso? Mais
uma vez- art. 104º.
Art. 104º/1 a)- refere um conjunto de arts. no âmbito dos quais se enquadra um conjunto de
ações relativas ao foro da situação dos bens (art. 70º), ao lugar do cumprimento da obrigação
quando deva a ação ser proposta no domicílio do réu (art. 71º/1, 1ª parte), quanto as ações de
responsabilidade civil (art. 71º/2). Remissão destes arts. para o 104º/1 a) para sabermos que são de
conhecimento oficioso;
Art. 104º/1 b)- processos cuja decisão não seja precedida da citação do requerido;
Art. 104º/1 c)- as causas que por lei devam correr como dependência de outro processo.
Exemplo: a ação de honorários do art. 73º/1 que deve correr por a rede? à ação em que forem
prestados os serviços forenses.

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Também a incompetência em razão do valor da causa é sempre de conhecimento oficioso- art.


104º/2.
Quando é que o tribunal deve conhecer da incompetência? A incompetência relativa só
deve ser conhecida até ao despacho saneador, sendo que se pretende que o despacho saneador seja
já proferido pelo juiz competente para a causa. Por conseguinte, cabe distinguir:
- Quando o juiz se pretenda declarar incompetente para conhecer da causa deve fazê-lo antes
do despacho saneador;
- Caso, pelo contrário, se pretenda declarar competente pode fazê-lo no despacho saneador
(art. 104º/3).
Efeitos da decisão de incompetência relativa: a decisão relativa à incompetência relativa
resolve definitivamente a questão da competência (art. 105º/2), embora se admita recurso para a
Relação (art. 105º/4). Qual é a consequência desta decisão? Aqui estamos também perante uma
exceção dilatória, contudo a decisão não é a de absolvição da instância, mas da remessa do processo
para o tribunal competente – art. 105º/3. Ora, se o primeiro tribunal resolve definitivamente a
questão, se remete para o tribunal competente, isto significa que o segundo tribunal já não pode
reabrir a questão da incompetência relativa porque entretanto se gerou um caso julgado formal. É
justamente pela combinação destes dois aspetos que se pode dizer que a questão da incompetência
fica completamente resolvida com base neste regime. E na medida em que o segundo tribunal está
vinculado à decisão do primeiro não pode haver lugar, em nenhuma circunstância, a um conflito de
competências. Porquê? Porque o segundo está vinculado à primeira decisão. É um regime que obsta
ao surgimento de um conflito de competências.

MARCHA PROCESSUAL, SEQUÊNCIA PROCESSUAL


Por marcha processual entendemos esta sequência de atos que devem ser praticados para que
o tribunal conheça da sorte de uma certa relação material controvertida. A marcha processual goza
de diferentes formas. Podemos distinguir entre formas comuns e formas especiais- art. 546º/1
CPC. A regra é que se aplica a forma comum do processo, sendo que só há uma forma comum no
processo declarativo- arts. 546º/1 e 548º CPC. Em versões anteriores do CPC havia várias formas: o
processo abreviado, o sumário, o sumaríssimo. Hoje em dia há apenas uma forma. Mas pode, nos
casos especialmente previstos na lei, haver lugar a uma forma especial. O próprio CPC prevê
diferentes formas especiais no art. 878 e segs. CPC. E há diferentes razões para existirem estas
formas especiais; muitas vezes são formas mistas entre ação declarativa e ação executiva e essa é a
razão da especialidade. Além das formas especialmente previstas no CPC, há formas especiais

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previstas fora do CPC. O principal caso é o processo especial para o cumprimento de obrigações
pecuniárias emergentes de contratos (DL 269/98, de 1 de setembro). Este processo especial para o
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos vale para a exigência de
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15 000
euros.
Outros exemplos de processos especiais não previstos no CPC, mas de grande interesse
prático, são: o processo de insolvência e de recuperação de empresas (previsto no CIRE e que
respeita justamente à declaração de insolvência, aos efeitos da declaração de insolvência) e o
processo de inventário que tem grande relevo para litígios sucessórios. Num e noutro caso estavam
previstos no CPC mas hoje constam de regulação autónoma.
Qual é o caminho que devemos adotar para definir a forma de processo? Perante o pedido
formulado pelo autor na petição inicial, há que analisar se se encontra prevista alguma forma
especial; caso não se encontre prevista nenhuma forma especial aplica-se a forma comum
residual.
Segunda nota de bastante relevo: a forma comum residual aplica-se subsidiariamente aos
processos especiais (art. 549º CPC). Há processos especiais que só têm duas disposições a regulá-
los. Em tudo o mais aplica-se a forma comum. Por exemplo, a petição inicial só é regulada na forma
comum.
O que nós vamos estudar aqui é a marcha processual do processo comum, da forma comum
de processo. A forma comum de processo é matéria de conhecimento oficioso (art. 196º CPC). A
nulidade decorrente da violação, do erro na forma de processo, consta do art. 193º. Vamos portanto
considerar a forma comum de processo. E devemos começar por considerar as suas diferentes fases.
Quais são as fases do Processo Civil, quais são os grandes momentos desta sequência processual?
Distingue-se doutrinalmente entre duas noções de fase. Fase em sentido cronológico e fase em
sentido lógico ou teleológico. Fase em sentido cronológico designa o conjunto dos atos que
decorrem num certo momento temporal do processo. Fase em sentido teleológico designa o
conjunto dos atos processuais que visam satisfazer uma certa finalidade. Tendencialmente há
coincidência entre estas duas noções, isto é, aquilo que se passa numa certa fase cronológica do
processo à partida tem uma certa finalidade específica, mas nem sempre a coincidência é total, mas
há tendência. Esta equivalência- em cada fase praticam-se atos que progressivamente nos permitem
aproximar de uma solução final.
Quais são as grandes fases do processo? Como é evidente pode haver diferentes
classificações mas nós vamos considerar cinco fases:
1. Fase dos Articulados;

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2. Fase da Condensação e Saneamento;


3. Instrução;
4. Discussão e Julgamento;
5. Sentença.

Fases (breve referência):


A finalidade dos articulados é colocar a apreciação dos litígios à apreciação do tribunal. A
finalidade dos articulados é modelar o objeto do processo, apresentar o objeto do processo,
constituir a relação processual.
Relativamente à fase de saneamento e condensação. Saneamento: só na fase que se segue aos
articulados é que o juiz contacta com as peças processuais. Por conseguinte, a primeira coisa que
verá – saneamento, verá se há alguma exceção dilatória que obste ao conhecimento da causa. Caso
não haja há de procurar determinar quais são as questões de facto e as questões de direito
relevantes- é a condensação do processo. Esta fase é designada pela lei de gestão inicial do
processo- art. 590º a 598º CPC. O pré saneador e o saneador integram esta fase.
O que é que se segue? Se o processo não terminar nesta fase, porque o processo pode terminar
nesta fase com uma absolvição da instância, ou eventualmente com uma decisão de mérito, se não
terminar a causa continua. E o que é que o tribunal deve fazer a seguir? Havendo necessidade de
atividade instrutória, isto é, havendo dúvidas quanto à verificação de certos factos é necessário
fazer prova sobre eles- é a fase da instrução. A fase da instrução tem em vista a produção de prova
da verificação dos factos controvertidos. O autor diz que pagou; o réu diz que não pagou; é preciso
fazer prova. Feita esta atividade probatória falta apenas a discussão sobre a causa, segue-se a
discussão e julgamento da causa. As partes dão conta das razões que em seu entender justificam que
a sua posição deva ser atendida. As partes procuram, então, convencer o juiz. Qual é o ponto em
que culmina toda esta sequência processual? Na sentença.
Nota: se repararmos, a sequência processual vai progressivamente afunilando as questões
controvertidas. No primeiro momento há articulados que referem uma série de elementos. A partir
da fase da condensação e saneamento já não se discutem, à partida, exceções dilatórias. A partir da
instrução já não se discute, à partida, matéria de facto. No fim da discussão e julgamento já
nenhuma das partes tem nada a dizer. Cada fase vai excluindo atividades processuais. É uma
sequência também de progressiva simplificação do objeto, justamente pela série de decisões que
progressivamente se vão tomando e da série de entendimentos que progressivamente se vão
afirmando. O momento final na ação em primeira instância é o da sentença. Se na sentença não for
interposto recurso ordinário, ela transita em julgado e produz caso julgado material.

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3º Ano de Direito – 2016/2017

Para estas diferentes fases a lei processual prevê uma série de atos que devem ser praticados,
assim como o respetivo regime. Contudo, no atual Direito prevê-se também o chamado princípio da
gestão processual (art. 6º/1) que tem como particular concretização o princípio da adequação formal
(art. 547º). Significa isto que a forma do processo pode ser modificada no caso concreto por força
de uma decisão do juiz. Agora, esta regra deve ser compreendida com muita cautela. A forma
processual é uma garantia das partes, é uma garantia com a qual as partes podem contar. Por isso, se
para uma concreta finalidade já houver uma forma processual prescrita, à partida o juiz não a pode
não observar, isto é, deve observá-la. A finalidade deste poder dever de adequação formal não é o
juiz substituir-se ao legislador na delimitação do processo aplicável à causa. Se fosse esse o
entendimento isso era manifestamente violador da separação de poderes entre poder judicial e poder
legislativo. A finalidade deste poder dever de adequação processual, de gestão processual, é o juiz
conseguir adaptar o processo às circunstâncias do caso, pressupondo o conjunto da lei processual e
das valorações subjacentes ao conjunto da lei processual. Isto é, não é um poder de afastar a lei, é
um poder de complementar, de desenvolver, de adaptar. Portanto, estamos aqui a falar de uma
possibilidade de o juiz adaptar o processo “praeter legem”, e não “contra legem”. Claro que no caso
até pode concluir que é de afastar a lei, mas apenas numa circunstância: quando conclua que a
hipótese prevista na lei, apesar de aparentemente enquadrar aquele caso, no seu sentido não se lhe
adapta; mas se é uma simples discordância do juiz com a solução processual não pode,
evidentemente, mudar a forma de processo, sob pena de violar a separação de poderes entre poder
judicial e poder legislativo, e também violar um aspeto puramente central em Processo Civil que é o
da previsibilidade das formas. As formas são uma garantia das partes. É fundamental as partes
saberem o que podem fazer em cada momento.

Para esta matéria da sequência processual seguimos o livro do professor Lebre de Freitas
intitulado “Ação Declarativa Comum”, cujo objeto é apenas a tramitação processual. Os
apontamentos de Tavares de Sousa não estão muito desenvolvidos.

26/04/2017
MARCHA, SEQUÊNCIA PROCESSUAL (Continuação)
Na última aula vimos brevemente as diferentes fases do processo. Em todas essas fases do
processo praticam-se atos processuais. Atos processuais são atos que se inserem na sequência
processual e que visam conformar o processo nalguma medida. Portanto, um ato processual é uma
certa atuação que visa produzir efeitos processuais e que se insere no processo, integra a própria

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marcha/sequência processual. Por exemplo, o pacto de competência. O pacto de competência é um


ato que visa produzir efeitos processuais, mas não se insere no processo, é anterior ao processo.
Quem é que pratica atos processuais? Os intervenientes no processo. Em primeiro lugar as
partes, normalmente através dos seus mandatários, mas também o tribunal através do juiz e através
da secretaria. Eventualmente, pode haver mesmo outros sujeitos que praticam atos processuais- por
exemplo, na ação executiva é muito comum que o agente de execução pratique atos processuais. No
processo de insolvência é muito comum que o administrador de insolvência pratique atos
processuais. Mas, em primeira linha quem pratica geralmente atos processuais são as partes
(normalmente através de mandatário), o juiz e a secretaria (o juiz e a secretaria integram o tribunal).
Ora, os atos processuais encontram-se regulados em geral no 130º e segs CPC. Regras gerais
relativas a atos praticados pelos mandatários (144º e segs.); atos processuais praticados por
magistrado, especialmente pelo juiz (131º e segs.); atos praticados pela secretaria (art. 157º e segs.).
São dois os princípios fundamentais desta matéria de atos processuais. O primeiro princípio
indiciado no 195º/1 CPC é o de que não se deve praticar nenhum ato que a lei não admita.
Inversamente, e pela positiva, não se deve omitir a prática de nenhum ato que a lei prescreva. Vale
depois uma outra regra fundamental, sobretudo para a prática daqueles atos que não são de
verificação necessária mas meramente eventual: o princípio geral que rege esta matéria é o princípio
da proibição da prática de atos inúteis (art. 130º CPC). Em razão de economia processual proíbe-se
a prática de atos inúteis- art. 130º.
Qual é a forma que devem revestir estes atos? A lei processual serve-se uma vez mais de
um princípio geral: os atos processuais, nos termos do 181º/1 CPC, devem ter a forma que mais
bem se adeque ao fim que visam atingir. Acontece que muitas vezes esta forma já está pré
delimitada pela lei, a própria lei já fixa que forma aquele ato deve observar para atingir uma certa
finalidade. Um exemplo é a petição inicial. Não se pode modelar a petição inicial de forma
indiferente consoante o que se pretende. Há um regime específico para a petição inicial. Contudo,
quando não haja esta forma especialmente prescrita vale este princípio geral: deve adotar-se aquela
forma que mais bem se adeque ao fim que o ato visa atingir.
A língua dos atos é no Processo Civil português a língua portuguesa (art. 183º/1). Tratando-se
de estrangeiro, ou até de português que não fale português que é perfeitamente possível (por
exemplo, adquiriu a nacionalidade por via do casamento), qual é o regime que vale para os não
falantes da língua portuguesa? Nesse caso deve nomear-se intérprete caso seja necessário, e apenas
na medida do necessário (art. 133º/2 e 3). Quer dizer, é possível que se trate de um falante de língua
estrangeira para o qual não se designe intérprete, por exemplo um espanhol, se não houver

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3º Ano de Direito – 2016/2017

dificuldade de compreensão não é necessária esta designação. Se houver dificuldade de


compreensão é necessária esta designação, e apenas na medida da necessidade.
Importa distinguir os atos escritos dos atos falados. Porquê? Porque consoante o ato seja
escrito ou seja oral está sujeito a um regime diferente. Os atos processuais escritos devem, nos
termos do 144º e 146º (quer quando praticados pelas partes, quer quando pelo juiz), devem ser
tramitados eletronicamente e devem ser comunicados por via eletrónica. Há um sistema informático
que se designa Citius, através do qual todas estas comunicações se processam. Quando se trate de
atos processuais apresentados por mandatário judicial é mesmo obrigatório que sejam comunicados
por via eletrónica através deste sistema. Qual é o regime dos atos processuais orais? A audiência
final, e portanto os atos processuais praticados na audiência final, a audiência final é sempre
gravada (art. 155º/1). E se a audiência final é sempre gravada, gravados são os atos processuais
orais que nela sejam praticados. Tratando-se de outros atos processuais que sejam praticados pelo
juiz presidido (presidido= sentado à frente), portanto são atos praticados na presença do juiz, com o
juiz a dirigir a prática dos trabalhos, a sua realização e o seu conteúdo devem ser documentados em
ata (art. 155º). Quer dizer, mesmo tratando-se de atos orais, o seu conteúdo fundamental vai ser
reduzido a escrito. Porque é que há esta preocupação de reduzir a escrito? Há um provérbio que diz
que “as palavras voam mas os escritos permanecem”. Há esta grande preocupação de reduzir a
escrito, não só por causa da memória, mas para permitir o controlo da decisão por um terceiro. Se
os atos são reduzidos a escrito, se têm um certo suporte escrito, ou um certo registo físico (no caso
de uma gravação oral), um qualquer terceiro que não o primeiro julgador vai poder, em certos
termos, controlar a primeira decisão. Diz-se que “o que não está escrito não está no mundo”- traduz
a ideia de que é necessário criar memórias para conseguir reconstruir/reformular decisões, e daí este
regime de redução a escrito, possibilidade de rever no futuro o que se passou no passado.
Ora, temos por um lado uns certos princípios que orientam os atos processuais, temos por
outro lado os que formam os atos, regras também relativamente ao tempo e lugar da prática dos
atos. Mas em sede geral importa agora ver pela negativa. Quais são as consequências da
inobservância destas regras? Da mesma forma que a nível material temos a categoria da
invalidade, a nível processual teremos a categoria da nulidade processual que é uma mistura entre o
que é a nulidade e o que é a anulabilidade do regime material, é um regime misto mas que se
designa de nulidade (art. 186º e segs.). Contudo, há uma diferença contextual entre a nulidade
processual e a nulidade de Direito material. Qual é a especialidade da nulidade processual? Como
sabemos, a palavra processo aponta para a ideia de avanço, de progresso. Quando falamos de uma
marcha processual falamos realmente de uma sequência de atos que nos visam aproximar
paulatinamente de uma certa solução final. Processo significa avanço, progresso. Se assim é, isto

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significa que cada ato processual por um lado aponta para o futuro, e por outro lado pressupõe uma
série de atos anteriores. Vamos ver alguns exemplos. Por exemplo, a petição inicial é um ato que é
apresentado tendo em vista todos os atos seguintes do processo (a contestação, o despacho pré
saneador, o despacho saneador, a atividade instrutória, etc.). Este é o primeiro ato. Vejamos agora
alguns atos que ocorrem no decurso do processo. A contestação pressupõe a petição inicial e é
pressuposto dos atos seguintes. A citação pressupõe a petição inicial e será pressuposto da
contestação. O despacho pré saneador pressupõe os articulados e é pressuposto do saneador. O
saneador pressupõe o que está antes e é pressuposto da instrução e dos atos processuais
subsequentes. Quer dizer, todos os atos estão concatenados, estão em sequência para satisfazer uma
finalidade que é comum. Qual é o problema que daqui decorre? Se os atos estão todos em sequência
a invalidade de um certo ato corre o risco de lançar uma mancha para todos os atos subsequentes
porque os atos subsequentes pressupõem o ato anterior e, por isso, numa hipótese limite uma
invalidade do primeiro ato processual, do segundo ato processual, pode destruir o processo até à
sentença. Não é assim que funcionam as invalidades em Direito material mas passa-se algo
semelhante em Direito Administrativo.
Quando é que nós temos uma nulidade processual? Há casos específicos de nulidade e há
uma regra geral, aqui estamos a ver a regra geral. A regra geral consta do art. 195º/1 CPC. Temos
que distinguir pressupostos da nulidade, efeitos da nulidade; uma coisa é a previsão da norma, outra
coisa são as consequências. Previsão da norma: quando é que se prevê que há nulidade? Quando se
verificam dois requisitos:
1. A prática indevida ou a omissão indevida de certo ato processual. A prática indevida é
praticar um ato que o processo não permite. Na omissão indevida não é praticado um ato cuja
prática está prevista;
2. A omissão desta formalidade poder influir sobre o exame ou sobre a decisão da causa,
em síntese, poder influenciar o julgamento (em sentido amplo, no sentido de apreciação) da causa.
Esta restrição é importante justamente para que o efeito da nulidade não afete a consistência
do processo quando não está a proteger qualquer valor material junto do réu. Se a omissão da
formalidade não influi concretamente na apreciação da causa não há qualquer valor digno de tutela
que justifique a opção pelo cessar contratual.
Quais são efeitos da nulidade? Art. 195º/2 CPC. Nota: a linguagem do CPC oscila entre
nulidade e anulabilidade. Portanto, em termos técnicos é uma linguagem muito mais imprecisa do
que aquela que está na base do CC. No 195º/2 refere-se: “quando um ato tenha de ser anulado”,
portanto já seria a designação das anulabilidades. É um caso de imprecisão terminológica. Qual é a
consequência? Quando um ato é anulado (art. 195º/2) anulam-se também todos os termos/atos que

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dele dependam. É assim, justamente por esta ideia de sequência processual: se cada ato processual
se ancora no ato anterior, então a anulação do ato antecedente tem de ter consequências sobre o ato
subsequente, mas só se anulam os atos que dependam daquele que foi anulado. Um ato posterior
que não dependa daquele por qualquer razão não tem de ser anulado.
Último aspeto digno de referência a propósito das nulidades: o regime de arguição. A regra é
que a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância de certa formalidade
processual (art. 197º/1), sendo que não pode ser arguida por aquele que lhe deu causa ou que tenha
renunciado à arguição (art. 197º/2). Portanto, a regra geral aponta para um regime de arguição que
se aproxima das anulabilidades de Direito material. Contudo, nos casos previstos no 196º a nulidade
é de conhecimento oficioso- são os casos de nulidade mais grave. Só podem, porém, ser conhecidas
oficiosamente enquanto não estiverem sanadas, porque é possível em certos termos a sanação da
nulidade. Exemplos desses casos referidos no 196º: a ineptidão da petição inicial (art. 186º) é uma
nulidade de conhecimento oficioso; art. 191º/2, 2ª parte – nulidade da citação quando tenha sido
citação edital que é um caso específico.
Qual é o tempo para arguição das nulidades? É um regime bastante complicado porque não
é unitário e encontra-se regulado no arts. 198º e 199º. Nos termos do 198º/2, a falta de citação nos
termos do 187º, e a falta de vista ou exame ao MP como parte acessória nos termos do art. 194º,
podem ser conhecidas a qualquer momento. Nos termos do 198º/1, e enquanto a nulidade não seja
conhecida, a nulidade pela ineptidão da petição inicial (art. 186º) e pelo erro na forma do processo
(art. 193º/1) só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado. À partida são conhecidas
no despacho saneador (art. 200º/2). Nota: elas só podem ser arguidas na contestação, contudo elas
são sempre de conhecimento oficioso. Pode ser difícil harmonizar estes dois elementos. Qual é o
regime que vale para os outros casos? Nos outros casos as nulidades devem ser invocadas na
primeira oportunidade (199º/1). Quando é que é a primeira oportunidade? No momento em que a
nulidade for cometida, enquanto o ato não terminar; portanto, a nulidade pode ser arguida até ao fim
da audiência final. Se a parte não estiver presente, o prazo para a arguição conta-se a partir do
momento em que a parte tome conhecimento do ato ou da omissão que deu origem à nulidade-
também 199º/1. Ao conhecimento equipara-se a possibilidade de tomar conhecimento. Portanto,
mesmo que não tenha conhecido, caso tenha tido a possibilidade de tomar conhecimento já começa
a contra este prazo. Qual é este prazo? Vale a regra geral. Art. 149º/1- é de 10 dias. Sempre que a lei
não prescreva expressamente qual é o prazo para a prática de um ato, tratando-se de ato das partes,
vale a regra de que o prazo é de 10 dias- art. 149º/1.

Fase dos Articulados:

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É a primeira fase do processo. A fase dos articulados é a fase em que se forma a relação
jurídica processual, mas em que essencialmente se apresenta ao tribunal o litígio cuja apreciação
se pretende. Com efeito, é nesta fase que se designam as partes, e são designadas as partes a partir
do momento em que é apresentada a petição inicial (art. 259º/1 CPC), embora a formação da
instância só seja oponível ao réu a partir da citação; é também nesta fase que se modela o objeto do
litígio, quer através das partes que já vimos, quer através da formulação do pedido e da indicação da
causa de pedir; e é também nesta fase que se designa o tribunal para conhecer da causa, e mesmo
que seja designado um tribunal incompetente, o tribunal incompetente tem pelo menos a
competência para se declarar incompetente. Dentro do tribunal, é também na fase dos articulados
que se designa o juiz competente para julgar da causa, importante seria o poder jurisdicional na
esfera funcional de certa pessoa. Portanto, os grandes protagonistas desta fase são claramente as
partes.
De onde é que vem esta designação de fase dos articulados? Advém esta designação
precisamente de ser esta a fase em que se apresentam certas peças processuais que se designam
articulados- art. 147º/1 CPC. Os articulados são peças processuais em que o autor formula os
fundamentos da ação e os pedidos, em que o réu expõe os fundamentos da defesa. O réu pode ele
próprio, em certos termos, dirigir um pedido contra o autor que é quando usa da possibilidade de
reconvenção. Esta designação de articulados vem da circunstância de que no que toca à matéria de
facto o autor ter, e o réu na contestação, ter de apresentar a matéria de facto por artigos. Esta
obrigação impõe-se apenas quando haja mandatário constituído, pressupõe-se que apenas alguém
com certa qualificação prática consegue deduzir por artigos- art. 147º/2, exige-se uma capacidade
técnica para o articulado. Um articulado é a apresentação de uma matéria de facto por proposições,
por orações, por frases isoladas/separadas. Artigo 1º, 2º, 3º, etc.- isto é a dedução por articulados. A
informação está separada por artigos para facilitar a atividade de impugnação por parte do réu e a
atividade de condensação por parte do juiz. No que toca à atividade de impugnação por parte do
réu: se isto está separado, então, o réu ao olhar para esta peça vai poder dizer por exemplo: eu não
tenho nada a opor aos articulados 4, 5, 6, 7, 8 e 9 mas o 3 é falso; se isto fosse um texto corrido era
muito mais difícil fazer esta indicação. Portanto, a razão de ser dos articulados é pura e
simplesmente a simplicidade processual. A segmentação visa facilitar o acesso à informação. Isto é
o sentido da palavra articulado. Quanto à origem etimológica: a palavra articulado vem diretamente
de um substantivo latino que é “articulus”, “articulatus”, que significa membro, e esta palavra vem
de uma outra que é “arthos” que também significa membro. Então, o que é um “articulus”
(diminutivo de “arthos”)? É um membrozinho. Portanto, articular é expor a matéria de facto por
pecinhas pequeninas.

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Quais são os articulados que estão previstos no CPC? Há várias distinções que se podem
fazer, mas para nós interessam-nos três tipos de articulados: os articulados normais, os articulados
eventuais e os articulados supervenientes.
Articulados normais: normais, porque normalmente é neste sentido de regularidade que
devem existir, ou pelo menos é dada oportunidade que existam. Toda a ação, à partida, tem estes
dois articulados, ou pelo menos tem a possibilidade de serem apresentados. Os dois articulados
normais são a petição inicial e a contestação. A petição inicial existe sempre; já a contestação não
existe sempre, não existe quando o réu não contesta, o réu não é obrigado a contestar (pode, por
exemplo, o réu reconhecer razão ao autor). Mas, à partida, o processo tem estes dois articulados. A
petição inicial serve para a formulação do pedido. A contestação serve para obstar ao pedido.
Petição vem do latim “petitio” = pedido. Na contestação pode ser formulado um contra pedido pelo
réu- nesse caso chama-se contestação- reconvenção.
Articulado eventual: o articulado eventual é a réplica. Para que é que serve a réplica? A
réplica tem duas finalidades, mas a finalidade principal é: serve para contestar a reconvenção. Dois
princípios fundamentais em Processo Civil são o princípio do pedido e o princípio da contradição.
O autor dirige pedido contra o réu através de articulado próprio que é a petição inicial- princípio do
pedido. O réu pode defender-se através de articulado próprio que é a contestação- princípio da
contradição. Mas se o réu dirige um contra pedido contra o autor, o autor tem que se defender e aí
temos a réplica. Teremos de ver mais à frente se não será de admitir outros articulados eventuais
para uma finalidade que veremos depois. Que articulados serão esses? Serão o articulado para o
autor se defender das exceções invocadas pelo réu, e também um eventual articulado para o réu se
defender das exceções invocadas pelo autor na réplica.
Pode haver, por fim, articulados supervenientes: os articulados supervenientes são os
articulados admitidos excecionalmente nos termos dos arts. 588º e 589º, que são apresentados já
depois de terminada a fase dos articulados. Porque é que eles são admitidos? A sua justificação
geral é respeitarem a factos verificados já depois de verificada a fase dos articulados.
Os articulados consideram-se praticados na data da expedição – art. 144º/1 e 7 CPC. Ora,
nesta fase dos articulados os grandes protagonistas são as partes. Mas há nesta fase também dois ou
três atos muito relevantes que não são praticados pelas partes que são: o ato da distribuição, que é a
atribuição do processo a um certo juízo, a uma certa secção, a um certo juiz (art. 203º), um eventual
despacho liminar (art. 226º/4) CPC) e a citação (art. 219º e segs. CPC). Qual é então em termos
cronológicos a sequência da fase dos articulados?
1) O primeiro ato é a petição inicial. A petição inicial é endereçada ao tribunal, podendo
eventualmente ser recusada pela secretaria;

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2) Segue-se a distribuição em que o processo é atribuído a um certo juízo, a uma certa


secção do tribunal no caso da Relação, etc. Mas em que no limite se designa o juiz que
será encarregado da causa;
3) Despacho liminar, quando há lugar; a regra é que não há despacho liminar;
4) Mas sobretudo a citação. A partir da citação a instância é oponível ao réu que pode
contestar;
5) E eventualmente há lugar a réplica, quando o réu conteste, quando o réu dirija um
pedido reconvencional, o autor pode replicar.

A iniciativa começa por ser do autor com a petição inicial. Depois o tribunal intervém para
pôr o réu em relação com o autor. A partir do momento em que o réu foi colocado em relação com o
autor formou-se a relação processual, a instância. A partir do momento em que a instância está
formada, autor e réu estão sujeitos aos efeitos de uma eventual decisão que venha a ser tomada. Ora,
o processo visa justamente regular os termos mediante os quais se vai chegar a esta tomada de
decisão e se vai resolver este litígio.

 Petição inicial: como a designação indica é o pedido que inicia o processo que motiva
a ação, que concretiza o princípio do pedido- art. 3º/1 do CPC- ora, o meio processual
que se presta à formulação deste pedido é justamente a petição inicial. Art. 552º CPC.
É este o primeiro ato da sequência processual, o ato que põe em funcionamento
toda a engrenagem do sistema de justiça? A partir do momento em que é apresentada a
petição inicial considera-se constituída a instância (art. 259º), embora ainda não seja
oponível ao réu, ao réu só será oponível com a citação. Nos termos do 259º/1
considera-se constituída a instância logo que a petição inicial seja recebida na
secretaria. Ora, esta regra tem de ser hoje harmonizada com os meios eletrónicos de
comunicação. Por força do 144º/1 e 7, alíneas b) e c) sobretudo, os atos a praticar por
via eletrónica pelas partes consideram-se praticados na data da expedição. Por
conseguinte, a instância, se se inicia pela petição inicial, e se a petição inicial é eficaz
logo que seja expedida, então é o momento da expedição o momento que marca a
formação da instância. Todo o regime da tramitação eletrónica dos dados, dos
processos, é regido pela Portaria 280/2013, de 26 de agosto.
Um efeito material da propositura de uma ação e da apresentação da petição inicial é impedir
a caducidade do direito exercido- art. 331º/1 do CC. Exemplo: se se tratar da anulação de um
negócio a apresentação da petição inicial no último dia ao fim de um ano, no último antes de

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perfazer um ano do litígio, obsta a que o direito caduque. É importante referir este ponto da
caducidade porque na prescrição o regime é diferente. A prescrição necessita da citação.
Quais são os elementos que devem constar da petição inicial? Os elementos que se
encontram no art. 552º do CPC. Em particular importa ressalvar que é na petição inicial que se
identificam as partes- 552º/1 a). É na petição inicial que se expõem os factos que constituem a causa
de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação- alínea d). E é na petição inicial
que se formula o pedido- alínea e). Portanto, é na petição inicial que se modela o objeto do
processo, e modelando-se o objeto do processo todo ele deve ser conhecido por parte do juiz, o juiz
é chamado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação- art. 608º/2
CPC. E da mesma forma o juiz não pode ocupar-se de questões não suscitadas pelas partes, e
sobretudo não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido- art. 609º/1;
caso o faça a consequência é a nulidade da sentença- art. 615º/1 d) e e) CPC.
Elementos essenciais da petição inicial. Começamos pelas partes. Geralmente para nos
referirmos às partes falamos no autor e no réu, mas num sentido mais amplo há uma terceira parte
que é o tribunal, simplesmente numa posição completamente diferente; autor e réu são aqueles que
sofrem as consequências da procedência ou improcedência do pedido; o tribunal é aquele que
conhece do pedido. Todos estes elementos acabam por dever ser identificados na petição inicial- art.
552/1 a). Este art. faz referência ao número de identificação civil, fiscal, profissão e local de
trabalho; porquê esta referência? Para efeitos da citação, pode ser importante saber qual o local de
trabalho do réu para o conseguir citar. O que é que o autor pode fazer quando não saiba onde reside
o réu? Nesse caso deve indicar o réu como ausente ou em parte incerta- art. 236º/3 CPC. Isto tem
consequências a nível do modelo de citação- caso o réu esteja ausente ou em parte incerta segue-se
um modelo diferente de citação. Caso o autor constitua mandatário judicial deve ser indicado o
respetivo domicílio profissional- art. 552º/1 d). Se repararmos, estas designações permitem aferir já
de uma série de pressupostos processuais- personalidade judiciária, capacidade judiciária,
representação judiciária (nos casos em que é necessária), patrocínio judiciário (nos casos em que é
obrigatório), competência judiciária, e mediante confronto do pedido e causa de pedir- legitimidade
para a ação. O ponto de partida é a interpretação da petição inicial porque é nela que estes
elementos são indicados.
Outro elemento essencial na petição é o pedido. Na petição inicial o autor formula um pedido.
O pedido pode ser sujeito a múltiplas classificações. O pedido pode ser uno (apenas um) ou ser
múltiplo. A regra é o autor formular apenas um pedido, caso em que o pedido deve ser certo,
individualizado e concretizado. Mas admitem-se algumas exceções. Uma exceção é a formulação de
pedidos alternativos- 553º- quando o direito que o autor pretenda exercer se possa exercer em

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alternativa; o exemplo de referência são as obrigações alternativas- art. 553º. Exemplo: o réu
obrigou-se a escrever um livro ou a compor uma música. A condenação do réu pode ser a escrever
um livro ou a compor uma música.
Segunda possibilidade: formulação de pedido genérico ou ilíquido (art. 556º CPC); o pedido
genérico não tem nada a ver com as obrigações genéricas. Quando é que é possível um pedido
genérico ou ilíquido? Quando nos termos da alínea a) do 556º/1 o objeto mediato da ação seja uma
universalidade de facto ou de direito. Exemplos de uma universalidade de facto: um rebanho, uma
biblioteca. Exemplo de universalidade de direito: a herança. O mesmo regime deve valer por
identidade de razão, apesar de não estar especificado, para o estabelecimento comercial. Segunda
hipótese: alínea b) do 556º/1- quando não seja possível determinar, de modo definitivo, as
consequências de certo facto ilícito- 554º/2 2ª parte; ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe
confere o art. 569º do CC, permite este art. que uma ação de responsabilidade seja proposta sem se
indicar o montante dos danos, e depois no decurso da atividade instrutória se determine os danos.
Em qualquer um destes casos em que se formule um pedido líquido ou ilíquido o objeto da
condenação, da possível condenação, deverá ser concretizado através do incidente de liquidação-
art. 358º e segs. CPC. Caso não haja esta liquidação, este apuramento do quantitativo devido, o
tribunal condena no que vier a ser liquidado e, neste caso, a liquidação será feita já depois de
terminada a ação declarativa- 609º/2 CPC.
Último caso: alínea c) do 556º/1- pode ser formulado um pedido ilíquido quando a fixação do
quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo
réu. A obrigação de prestação de contas é uma obrigação que marca presença nas relações de
atuação por conta de outrem- caso do mandato. Está sujeita a processo especial- 941º e segs. do
CPC.
Podem também ser formulados vários pedidos. Importa referir a possibilidade de
cumulação de pedidos- 555º CPC. Quando é que é admitida a cumulação? Quando não se
verifiquem as circunstâncias que impedem a coligação. As circunstâncias que impedem a coligação
são os requisitos que constam do art. 37º do CPC. Outra possibilidade é formular pedidos
subsidiários- 554º CPC; portanto, um pedido que é formulado apenas para as circunstâncias de o
pedido anterior não proceder. A formulação de pedidos subsidiários está subentendida na
pluralidade subjetiva subsidiária em que se formulam pedidos subsidiários dirigidos contra réu
diferente; às vezes pode ser o mesmo pedido- exemplo: pedido de indemnização.
O terceiro elemento fundamental da petição inicial é a causa de pedir. A causa de pedir é
integrada por aqueles factos a partir dos quais o autor quer desencadear a aplicação de uma certa
norma que permita a procedência do pedido (teoria da substanciação). Desta forma, a causa de

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pedir permite afinal delimitar o modo como o autor compreende o pedido. Ele pede aquilo por
causa daqueles factos, ele interessa-se por aqueles factos em vista daquilo que pretende pedir. Nós
não devemos olhar a causa e o pedido como dois elementos que nada têm que ver um com o outro.
Um tem a ver com o outro porque um é o antecedente que permite a aplicação do outro, e daí que
ambos sirvam para a delimitação do objeto do processo. No que toca ao objeto do processo há um
ponto importante que são as razões de direito. Art. 552º/1 d). As razões de direito motivam a
determinada solução. O autor também deve indicar isso. Qual é a importância das razões de
direito? Em primeiro lugar, enquanto o tribunal está limitado ao pedido e à causa de pedir
apresentado pelo autor, e em certos termos pelo réu, o tribunal não está limitado na determinação do
Direito aplicável- art. 5º/3 CPC. Portanto, as partes são soberanas na delimitação do objeto do
litígio, mas o juiz é soberano na sua resolução, inclusive na possibilidade de livremente qualificar
os factos. Se assim é, se o juiz tem liberdade na qualificação dos factos, ao contrário do que
acontece com o pedido e com a causa de pedir, ele pode perguntar: então qual é o interesse em as
partes apresentarem as razões de direito, e bem? O professor diria que há três vantagens
principais:
 Tentar persuadir o juiz, tentar convencer o juiz;
 Informar o juiz. Quanto melhores forem os articulados das partes, quão melhor as
razões de direito forem avançadas, melhor o material com que o juiz conta para
tomar a sua decisão. Se nós pretendemos que o juiz tenha grande qualidade a
decidir, devemos apresentar já formulados com grande qualidade para a decisão;
 Se forem apresentadas estas razões de direito o juiz, mesmo que com elas não
concorde, deve tomar posição sobre elas. Isto é, a apresentação de uma certa
argumentação jurídica força a pronúncia por parte do juiz- 608º/2 CPC. E se por
ventura o juiz não se pronunciar sobre estas razões de direito há lugar a uma causa
de nulidade da sentença- art. 615º/1 d). A decisão judicial é um ato de vontade, o
juiz decide sempre de certo modo. Mas para conformar a vontade o juiz tem
sempre de fundamentar. A operação de fundamentação funciona como
mecanismo de controlo da própria decisão, de própria razoabilidade da decisão, para
apurar se aquela decisão é conforme a certa regra ou a certo sistema. Daí, portanto,
o dever de fundamentar a decisão- art. 154º CPC. Todas as decisões proferidas
sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida devem ser fundamentadas para
que o juiz se controle sempre. A autoridade do juiz não é uma autoridade
carismática, é uma autoridade delegada; o juiz está ao serviço da lei. Esta terceira
razão traduz a fundamental importância de apresentar razões de direito, e sobretudo

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de forçar o juiz a sobre elas tomar posição. “Iura (plural de ius) nobit (conhece)
curia (tribunal) = o tribunal conhece direitos.

Vamos agora ver outros elementos que devem constar da petição inicial, mas que não são
tão importantes. A forma do processo aplicável- art. 552º/1 c) e 546º e segs. CPC; o valor da causa
(552º/1 f) CPC), o valor da causa determina-se nos termos do art. 296º e segs.; deve também indicar
o agente de execução ou mandatário responsáveis pela citação (alínea g) – esta indicação é uma
indicação meramente eventual, não é uma menção obrigatória. Além destes elementos convém
referir a apresentação do rol de testemunhas, isto é, o conjunto de testemunhas que pretende chamar
para a prova testemunhal- art. 552º/2 CPC; deve apresentar os documentos destinados à prova dos
factos que alegue- art. 423º/1 CPC; e deve também indicar já a prova que pretende que seja
constituída na fase da instrução.

Valor da causa: Importa conhecer quais são os seus critérios. O valor da causa é fixado
justamente no momento em que a ação é proposta- art. 299º/1 CPC. E é determinado em função
da utilidade económica do pedido (art. 296º/1 CPC). Estes dois pontos relacionam-se. Quais são
as regras mais importantes de determinação do valor da causa?
 Exigindo-se quantia em dinheiro o valor da ação é igual a esse montante que se visa
obter (art. 297º/1)
 Havendo cumulação de pedidos atende-se à soma de valores (art. 297º/2);
 No caso de pedidos alternativos atende-se ao pedido de maior valor (297º/3);
 No caso de pedidos subsidiários atende-se ao que se formula em primeiro lugar (297º/
3 2ª parte).
Segunda regra que importa:
 Se estiver em causa a existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de
um ato jurídico, isto é, se estiver em causa a consistência de um ato jurídico atende-se ao valor
desse ato tal como determinado pelas partes- 301º/1 CPC. Por exemplo, contrato de mandato. Os
honorários são no valor de 20 000 euros. Pretende-se a declaração da nulidade do mandato. Ora, o
valor acordado foi de 20 000 euros, logo o valor da ação será também este. No caso de direito de
propriedade sobre uma coisa, qual é o valor da ação? É o valor da coisa (art. 302º/2 CPC). E vale o
mesmo para a ação de divisão da coisa comum (302º/2). A última hipótese tem a ver com as ações
relativas ao estado de pessoas (art. 303º/1 CPC).
O valor é indicado pelo autor na petição inicial e pode ser impugnado pelo réu na
contestação (art. 305º/1 CPC). O momento em que se fixa definitivamente o valor da causa é o

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despacho saneador (306º/1). As regras do valor importam diretamente para: determinar a


competência do tribunal (art. 296º/2 CPC); a forma do processo de execução; e a relação da causa
com a alçada, que importa para o funcionamento do sistema de recursos; noutro plano importa para
efeitos de custas processuais.

Vícios da Petição Inicial:


A petição inicial pode sofrer de vícios próprios. A falta de qualquer um destes elementos
constitui um vício da petição inicial. Mas há um vício, que é o mais relevante e o mais grave de que
a petição inicial pode padecer: é o vício da ineptidão da petição inicial. A consequência da
ineptidão da petição inicial (a petição inicial não é apta para iniciar o processo) é a nulidade de todo
o processo. E, como veremos, as causas de ineptidão revelam uma gravidade tal que o juiz se
revela incapaz de compreender e conhecer aquilo que o autor afinal pretende. As causas de
ineptidão da petição inicial constam do art. 186º/2 CPC:
o Primeira causa (alínea a): quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou
da causa de pedir. Se nada é pedido o juiz nada tem de conhecer. Se não há causa de
pedir, não há factos a partir dos quais se possa aplicar uma qualquer norma. Por
conseguinte, ineptidão da petição inicial;
o Alínea b): o pedido está em contradição com a causa de pedir. Exemplo: o autor pede
o cumprimento do contrato e a causa de pedir é a nulidade do contrato. O juiz não
consegue a partir da nulidade do contrato concluir pelo cumprimento do contrato
porque é manifestamente impossível;
o Alínea c): quando se formulem causas de pedir ou pedidos substancialmente
incompatíveis. Exemplo: o autor pede a nulidade do contrato e pede o cumprimento.
Isto é incompatível. O juiz não pode declarar a nulidade e condenar no cumprimento.
E podíamos pensar: ou tribunal vai fazer uma coisa ou vai fazer outra- também não o
pode fazer por causa do princípio do pedido.

Portanto, estas causas elencadas no 186º/2 são causas que tornam impossível ao juiz
conhecer o objeto da ação. E se é impossível conhecer o objeto da ação neste momento iniciático,
pelo menos da petição inicial, então os efeitos desta incapacidade, desta inaptidão da petição inicial,
prolongam-se por toda a ação, e daí a consequência: todo o processo é nulo (art. 186º/1 CPC). Só
há um caso em que a ineptidão da petição inicial pode ser sanada- é o caso em que o réu
compreendeu a finalidade do autor- art. 186º/3, porque aqui, a partir dos elementos avançados pelas
partes, o julgador já consegue compreender qual é o objeto da ação e aí já tem um objeto sobre o
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qual se pronunciar. Um caso que levanta algumas dúvidas é o seguinte: e qual é o regime aplicável
quando seja possível compreender qual finalidade que o autor prossegue, ou quais são os grandes
factos da causa de pedir, mas não se encontra suficientemente densificado? Neste caso, mas apenas
quando já seja possível compreender esta finalidade fundamental a perseguir pelo autor, pode
eventualmente admitir-se que o juiz convide o autor a suprir certas insuficiências ou imprecisões na
concretização da matéria de facto- 590º/4, que portanto profira despacho de aperfeiçoamento da
petição inicial, mas apenas quando já seja possível compreender pedido e causa de pedir, porque se
não for possível compreender estaria, rigorosamente, a ser formulado um novo pedido, ou estaria a
ser apresentado um novo objeto do processo sem relação com o objeto anterior. Em todo o caso,
deve ser sempre dada ao réu a possibilidade de contraditar, de oferecer a devida oposição.
A ineptidão da petição inicial é causa de nulidade de conhecimento oficioso – art. 196º, e
deve ser conhecida logo que possível. Se houver despacho liminar (art. 226º/4 CPC) a petição
inicial deve ser indeferida liminarmente; se não houver despacho liminar deve o juiz conhecer da
ineptidão no despacho saneador- art. 200º/2 CPC, devendo anular todo o processo (art. 186º CPC) e,
finalmente, absolver o réu da instância- art. 278º/1 b) CPC.
Nesta primeira fase da ação, à partida, não há contacto com o juiz, mas com a secretaria. Ora,
a secretaria pode recusar-se a receber a petição inicial, caso faltem alguns dos elementos constantes
do art. 558º CPC. Trata-se de elementos puramente externos, não obrigam ao conhecimento do
fundo da causa. Desta recusa da petição pela secretaria cabe a possibilidade de reclamação para o
juiz (art. 559º/1), depois recurso para a Relação (caso o juiz confirme a recusa) - art. 559º/2. Em
todo o caso, mesmo que seja recusada a petição inicial, pode o autor apresentar uma outra petição
inicial nos 10 dias subsequentes à recusa pela secretaria, aproveitando os primitivos efeitos da
propositura da ação (art. 560º CPC); esta segunda petição também pode ser recusada.

03/05/2017
DL 86/2016, de 27 de dezembro (Lei de regulamentação da LOSJ) - é muito importante, pois
refere os juízos para os quais os tribunais são competentes.

Petição Inicial (Continuação):


A secretaria, quando verificadas algumas das causas do art. 558º CPC, recusa a petição inicial,
se o faz o processo não prossegue (não é chamado o réu e não chega a ser constituída uma relação
jurídica processual), se não recusar o processo continua.

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À petição inicial segue-se a distribuição, art. 203º e segs. CPC.

 Distribuição:
A distribuição é o ato da secretaria pelo qual se designa quem é competente para julgar
uma causa. Por regra, a distribuição é aleatória, é uma garantia de imparcialidade a de se designar o
juiz aleatoriamente, e é a partir do momento em que se faz o ato de distribuição que se cria o poder
jurisdicional na esteira funcional de um certo juiz.
A distribuição encontra-se também regulada pela Portaria 280/2013, de 26 de agosto.
Nota: quando se fala de relação processual, esta é constituída em primeiro lugar pelas partes e,
posteriormente, por um tribunal, dentro deste é designado o juiz competente para julgar a causa. No
entanto, o tribunal não se reduz ao juiz, a secretaria também se enquadra no tribunal.

 Despacho Liminar:
Uma vez havendo juiz para a causa, segue-se o despacho liminar, sendo que este só tem lugar
num grupo restrito de casos, os constantes do art. 226º/4 CPC. Trata-se de um despacho
meramente eventual, nem todas as ações contam com esse despacho.
Não há no CPC uma regra que fixe, pelo menos os conteúdos mínimos do despacho liminar
no âmbito de uma ação declarativa (há essa regra na ação executiva, mas não na declarativa). No
entanto, afirmam-se os critérios gerais, e neste sentido podemos pensar nos seguintes conteúdos
típicos: o primeiro conteúdo é ordenar a citação do réu, se a petição inicial não padece de qualquer
vício ou irregularidade, se não dá lugar a qualquer exceção dilatória, não há obstáculos a que o
processo prossiga e ordena-se a citação do réu e a instância estabiliza-se. Não obstante, pode
sempre o juiz decidir pelo indeferimento liminar da petição inicial, quando o pedido seja
manifestamente improcedente, caso em que não se justifica que os tribunais conheçam da causa, ou
quando haja exceção dilatória insuprível, porque quando presentes na ação obstam ao conhecimento
do mérito da causa e logo, e de imediato, apresenta-se o indeferimento liminar. Nestes casos, pode o
autor propor uma nova ação no prazo de 10 dias (art. 560º CPC), beneficiando dos efeitos da
propositura da primitiva ação.
Além destas duas hipóteses, que são os conteúdos mais frequentes do despacho liminar
(citação ou impedimento), podemos pensar num terceiro grupo de casos: havendo exceções
dilatórias supríveis, pergunta-se se o juiz poderá ordenar a regularização da instância, ou convidar a
parte (o autor) a regularizá-la. Quanto ao primeiro ponto, se o juiz tem poderes oficiosos para tal
deve fazê-lo, assim manda o princípio da economia processual; quanto ao segundo aspeto, pode
convidar as partes à regularização, pois é essa a regra do Processo Civil, constante do artigo 6º/2

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CPC. Contudo, só deve ordenar a citação do réu depois de a instância ser regularizada, porque as
exceções dilatórias são um obstáculo para o conhecimento do mérito da ação. Assim que se detete a
presença de uma exceção dilatória o processo não segue os seus trâmites normais e deve suspender-
se até que se regularize a instância. Se existirem exceções dilatórias supríveis, deve o juiz convidar
o autor à regularização da instância e só depois citar o réu e o processo seguir.
Pergunta-se se além destes casos previstos no art. 226º/4 CPC poderá a secretaria suscitar
oficiosamente que o juiz profira despacho liminar, isto é, se a secretaria detetar uma falha manifesta
de um pressuposto processual, poderá, antes de desencadear as operações para a citação do réu,
apresentar a petição inicial e o despacho liminar? Na antiga versão do CPC essa possibilidade
estava garantida no art. 234º-A/5, na atual versão não está. Contudo, há o princípio geral do art.
157º/2 CPC, segundo o qual incumbe à secretaria realizar oficiosamente as diligências necessárias
para que o fim dos atos por si praticados possa ser prontamente alcançado. Os atos da secretaria
estão subordinados à finalidade do processo, e se ressalva do CPC que não se pretende a
procedência de um processo se este contiver uma exceção dilatória, parece que a secretaria com este
fundamento da existência de uma exceção dilatória pode apresentar o processo com o despacho
liminar.
A distribuição e a citação têm de existir sempre, o despacho liminar é que é eventual,
pode não existir, quando exista é entre a distribuição e a citação.

 Citação:
É através da citação, se esta for eficaz, que se constitui alguém réu na ação. A citação está
definida no art. 219º/1 CPC (e segundo o professor Tiago Ramalho bem definida). A citação é uma
variante da notificação. Na citação pretende dar-se a conhecer a alguém que foi contra si movida
uma certa ação; então, no ato da citação deve ser dada a possibilidade de conhecer todos os
elementos que interessam à pessoa constituída réu; os elementos que devem ser dados a conhecer ao
citado constam do art. 227º CPC.
A citação tem efeitos processuais e efeitos materiais.
Efeitos processuais:
- O grande efeito processual da citação é a perfeição da instância: a partir do momento em que
o réu é citado a instância é-lhe oponível (art. 259º/2 CPC), a instância torna-se estável- arts. 260º e
564º b) CPC- (este último referente aos efeitos da ação). Se a instância se torna estável significa que
a partir desse momento surge a exceção dilatória da litispendência, não se podendo propor uma
nova ação com o mesmo fundamento (arts. 564º, 577º i) e 580º CPC).

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Um caso que se pode suscitar é o autor propor uma ação contra o réu, e antes de este ser
citado propor uma ação contra o autor. Neste caso pergunta-se qual a ação que deve ser conhecida.
Uma instância é uma relação entre autor e réu. Exemplo: o autor propõe uma ação contra o réu no
dia 1 e este último só é citado no dia 30. O réu só é reu a partir do momento em que é notificado. E
o réu propõe uma ação no dia 15 contra o autor, que foi citado no dia 29. Neste caso prevalece a
segunda ação proposta, porque o réu foi citado mais cedo, no dia 29.
Atendendo que a instância só é oponível ao réu quando este seja citado, prevalece a ação cujo
réu foi citado mais cedo, art. 582º/2 CPC. O art. 582º/3 CPC contempla um caso especial em que os
dois réus são citados ao mesmo tempo, no mesmo dia, neste caso recorre-se à data da petição inicial
e prevalece a primeira ação a ser proposta.
Este é o primeiro grande efeito da citação: a ação torna-se estável quanto às partes, ao
pedido e à causa de pedir, torna-se oponível ao réu e nasce a exceção da litispendência;
- Segundo efeito: início da contagem do prazo para a contestação do réu. Se o réu não
contestar sofre consequências negativas, art. 567º CPC. O prazo para a contestação é em regra de 30
dias (art. 569º/1 CPC).
No entanto, a citação também produz efeitos materiais:
- No art. 564º a) CPC é referido um desses efeitos: a citação faz cessar a boa fé do
possuidor, porque a partir desse momento já sabe que o bem poderá pertencer a terceiro;
- A citação interrompe o prazo de prescrição nos termos do art. 323º/1 CC, e para
adquirir por usucapião, art. 1292º CC. Neste caso, mesmo que haja absolvição da instância ou
venha a haver, pode aproveitar-se estes efeitos da citação, que se designam os efeitos civis da ação.
Caso o autor proponha nova ação e o réu for para ela citado, a contar do prazo de 30 dias do trânsito
em julgado da sentença de absolvição da instância;
- A citação provoca o vencimento de obrigação pura (obrigações puras são aquelas que não
são sujeitas a prazo e vencem mediante interpelação). A citação é um modo idóneo de provocar o
vencimento de uma obrigação, art. 610º/2 b) CPC e art. 805º/1 CC. Este caso é um regime
particular, só tendo o réu conhecimento da interpelação pelo ato de citação;
- A citação pode valer como notificação do devedor para efeitos de cessão de créditos,
art. 583º/1 CC. Este art. não refere a citação. A citação é um meio idóneo para realizar esta
notificação, aplicando-se por ordem de razão o regime do art. 610º/3 CPC (quanto às custas). A
cessão de créditos ocorre quando há um credor e um devedor, há uma relação obrigacional entre
credor e devedor, e logo o cumprimento a realizar pelo devedor só é liberatório se realizado perante
aquele credor. Nos termos do art. 577º CC o credor pode transmitir o seu crédito a outrem (credor
2), sem necessidade de consentimento do devedor, se cede o seu crédito há um contrato de

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transmissão (pode ser por interesse de uma compra e venda de crédito); se cede o seu crédito passa
a haver um novo credor, C2. Assim o devedor não é notificado de que houve transmissão do crédito
do credor 1 para o credor 2, se cumprir perante o credor 1 é liberatório, pois o devedor não sabe que
houve transmissão de crédito, nem tinha de saber, porque confia que o seu credor é o titular do
crédito. O CC faz depender a eficácia da cessão no que toca às relações com o devedor da
notificação, uma por parte do C1e outra por parte do C2. Se em lugar de haver uma notificação o
novo credor propõe uma ação judicial contra o devedor a citação pode equivaler à notificação.
A citação deve ser realizada oficiosamente, ou pelo menos é essa a regra. Quem deve
controlar o processo de citação é a secretaria, arts. 226º/1 e 562º CPC, embora se valha do serviço
postal. Se não for efetuada no prazo de 30 dias deve o autor ser informado das razões de não haver
citação no prazo (art.226º/2 CPC). Correndo um novo prazo de 30 dias deve o processo ser levado
ao conhecimento do juiz. Mas a regra é de que a responsabilidade de todo este processo é da
secretaria.

Diferentes Modalidades da Citação:


Há várias modalidades de citação. A distinção fundamental é entre citação pessoal e
citação edital (art. 225º/1 CPC).
A citação pessoal pode ser dividida em citação pessoal e citação quase pessoal.
Na citação pessoal ou quase pessoal procura-se que haja apesar de tudo um qualquer tipo de
contacto pessoal com o réu.
Na citação pessoal propriamente dita é o réu que é contactado.
Na citação quase pessoal é um terceiro que é contactado, mas que assume ele próprio a
responsabilidade de contactar o réu. A particularidade é que se introduz um prazo dilatório de 5 dias
para defesa do réu- art. 245º/1 a) CPC.
Este é o objetivo da citação pessoal ou quase pessoal: procura-se que de uma ou outra
forma a ação chegue ao conhecimento do réu.
A citação edital é um pouco diferente, no entanto a finalidade também é dar a conhecer a
propositura da ação ao réu, e por isso se chama citação.
Contudo, a citação edital vale justamente para aqueles casos em que não se consegue
descobrir o paradeiro do réu, e por conseguinte a ação é noticiada a um amplo conjunto de
pessoas. Todos nós, o público, somos destinatários da citação edital, o que demonstra a sua
fragilidade. Contudo a citação edital é subsidiária e só se recorre a ela quando não é possível a
citação pessoal.

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Modalidades de citação pessoal e quase pessoal:


- Citação por via postal (sendo esta a regra);
- Citação por agente de execução ou funcionário judicial;
- Citação por mandatário judicial;

Citação judicial por via postal: opera por envio de uma carta através dos serviços postais. A
carta deve seguir um certo modelo judicial e deve ser dirigida ao citando e ser endereçada à sua
residência ou local de trabalho, art. 228º/1 CPC. Assim, via de regra, deve ser dirigida à residência
ou local de trabalho do réu. Também pode ser dirigida ao mandatário constituído pelo citando com
poderes especiais para receber a citação, desde que a procuração seja passada há menos de quatro
anos, art. 225º/5 CPC.
Como casos particulares temos a situação dos incapazes, pessoas coletivas, sociedades,
condomínios, entre outras, enfim, entidades que careçam de representante. Nestes casos, nos termos
do art. 223º/1 CPC a citação deve ser feita aos representantes legais, caso haja mais do que um
representante basta que um deles seja citado, art. 223º/2 CPC, trata-se do que se designa de
representação disjunta. Por exemplo, numa associação de estudantes basta que seja citado um dos
elementos da direção, mesmo que seja aquele que só está lá por cautela, a citação já é eficaz,
ocorrendo igualmente o mesmo com uma sociedade comercial. Ainda no caso de pessoa coletiva ou
sociedade considera-se que está citada na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou
local onde funciona normalmente a administração. Esta regra carece de uma interpretação restritiva,
e neste sentido, impõe-se que se deve dar-se conhecimento a uma pessoa ligada à estrutura
representativa e administrativa.
O aviso de receção deve ser assinado pelo destinatário. Daqui advém a questão de saber quem
pode assinar o aviso de receção: em primeiro lugar, qualquer uma das pessoas já indicadas antes,
nesse a citação é já eficaz, contudo, pode um terceiro assinar o aviso de receção, art. 228º/2 CPC. A
carta pode ser entregue a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho ou em
condições de a entregar ao citando, neste caso o distribuidor do serviço postal deve indicar o
terceiro que assina o aviso de receção (art. 228º/3), devendo também adverti-lo de que deve entregar
de imediato ao réu tudo aquilo que tenha recebido (o articulado da petição inicial, os documentos
que a acompanham, etc.), nos termos do art. 228º/4 CPC, sob pena de responder em termos
equivalentes aos da litigância de má fé (art. 228º/1 CPC). Estes casos são os casos de citação quase
pessoal, em que é citado para a ação não pessoalmente, mas por intermédio de terceiro.
Por precaução é enviada uma segunda carta ao réu, mas sem aviso de receção no prazo de
dois dias úteis, art. 233º CPC.

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Assim, no nosso Direito é possível citar-se alguém sem ser pessoalmente e sem lhe conceder
sequer a hipótese de escolher quem lhe dará o conhecimento da propositura da ação.
Não sendo possível citar-se, e deixado um aviso ao citando, a carta permanece 8 dias em
estabelecimento postal identificado, ou seja, na estação dos correios, art. 228º e segs. CPC.
Nos termos do art. 228º/6 CPC havendo recusa da assinatura o distribuidor toma nota do
incidente.
Considera-se eficaz e realizada a citação do réu, e logo considera-se o réu constituído
para a instância, logo que se mostre assinado o aviso de receção, art. 230º/1 CPC. A citação
considera-se realizada mesmo quando o aviso de receção é assinado por um terceiro, isto é, quando
a Autoridade Pública não contactou diretamente o citando. O presumível citando, neste caso, poderá
ilidir a presunção de que teve conhecimento da ação que sobre si impende, art. 188º/1 e) CPC, mas
presume-se que teve conhecimento. Qualquer pessoa da comunidade jurídica pode ter o encargo de
informar outro da citação, que o constitui réu na ação.
Particularidades para algumas hipóteses:
Nos termos do art. 229º CPC: quando se trate, primeiro de ação para cumprimento de
obrigações pecuniárias; segundo, essas obrigações sejam emergentes de contrato redigido a escrito
(exigência de forma especifica); terceiro, em que haja domicílio convencionado; quarto, em que o
valor da ação não exceda a alçada do Tribunal da Relação, salvo se se tratar de fornecimento
continuado de bens e serviços, bastando neste caso que a carta seja dirigida para o domicílio
convencionado e, mesmo que haja recusa para assinar o aviso de receção ou em receber a carta, a
citação tem-se como realizada, mediante a certificação desta recusa pelo distribuidor postal, nos
termos do art. 229º/3 CPC (portanto, os pressupostos constam do art. 229º/1 e a consequência do
artigo 229º/3 CPC).
Este mesmo regime vale para as pessoas coletivas que estejam inscritas no registo nacional de
pessoas coletivas, art. 246º/3 a 5 CPC. Neste caso, a carta deve ser endereçada para a sede inscrita
no registo nacional de pessoas coletivas, art. 246º/2 CPC.
Nestas hipóteses de domicílio convencionado ou de pessoas coletivas inscritas no registo
nacional de pessoas coletivas, mesmo que haja recusa de assinatura a citação considera-se eficaz.

Segunda modalidade de citação: Citação por agente de execução ou mandatário judicial:


O paradigma da citação é a citação por agente de execução, e depois as disposições valem por
identidade de razão e com as devidas adaptações para o mandatário judicial.
A citação por agente de execução ou funcionário judicial tem lugar em dois grupos de casos:

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-Primeiro: Quando se tenha frustrado a citação pessoal, isto é, quando ninguém tenha assinado
o aviso de receção;
-Segundo: Quando seja o próprio autor na petição inicial a declarar que pretende desde o
início que a citação seja realizada pelo agente de execução, art. 231º/8 CPC, ou pelo funcionário
judicial, art. 231º/9 CPC.
O agente de execução pode ser designado pelo autor, ou seja, pode ser o autor a escolher o
agente de execução para realizar a citação, art. 552º/1 g) CPC. O agente de execução, que é um
profissional liberal, pode aceitar ou recusar, sendo que para a recusa vale o art. 552º/8 CPC.
O agente de execução ou funcionário judicial podem realizar a citação de dois modos
diferentes:
-Primeiro modo: Contacto pessoal: ao citando devem ser dados a conhecer todos os elementos
fundamentais da citação (art. 231º/3, quanto aos elementos rege o art. 227º CPC). Neste caso, se o
citando se recusar a assinar a certidão do ato de citação ou a receber o duplicado, o agente de
execução dá a conhecer que o duplicado do processo se encontra ao dispor do réu na secretaria do
tribunal (art. 231º/4 CPC), e é enviada oficiosamente uma carta pela secretaria com essa mesma
informação (que o processo se encontra na secretaria do tribunal para consulta do réu), nos termos
do art. 231º/5 CPC.
A diferença entre este regime de recusa e o regime de recusa pessoal é que neste caso, muito
embora o réu se recuse a assinar a certidão da citação, a citação considera-se eficaz, pois o agente
de execução e o funcionário judicial exercem poderes públicos e logo a sua declaração de que
contactaram efetivamente o réu é suficiente para considerar a citação eficaz.
A partir deste momento em que há um contacto pessoal, o réu já sabe que a ação foi movida
contra si;
-A segunda forma de realizar esta citação: é a chamada citação com hora certa, prevista no art.
232º CPC: Se o agente de execução ou funcionário judicial descobrirem o endereço do réu ou local
de trabalho fixa-se um dia e uma hora certa para o citando comparecer naquele mesmo local, e é
nesse local onde é fixado o dia e a hora em que o citando deve comparecer, portanto é lá deixado
um aviso. No dia e hora designados pode acontecer uma de três coisas:
1- Pode comparecer, ser citando e a citação é eficaz, caso em que o agente de execução
deve dar conhecimento de todos os elementos relevantes;
2- Citar a pessoa que esteja em melhores condições de dar a conhecer a propositura da
ação ao réu, art. 232º/2 b) CPC, sendo que neste caso se a pessoa não comunicar ao réu incorre num
crime de desobediência;

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3- Quando não possa contactar pessoalmente e não encontre ninguém que se encontre
numa posição capaz de informar o citando, deve segundo o art. 232º/4 CPC, na presença de duas
testemunhas, afixar a nova citação naquele local.
Qualquer uma destas modalidades é suficiente para a citação ser eficaz.
Em qualquer um destes últimos casos, em que não é contactado pessoalmente, deve o tribunal
enviar uma carta com os elementos fundamentais- art. 233º CPC.
Esta citação com hora certa considera-se pessoal, art. 232º/6 CPC.

Terceira modalidade de citação: Citação por mandatário judicial:


Aplica-se o regime da citação por agente de execução com as necessárias adaptações, arts.
237º e 238º CPC. Não tem grande utilização prática.

Citação Edital (isto é, “para publicidade”):


A última finalidade é chamar para a ação um réu que se encontre em parte incerta.
Neste caso, procura-se determinar o último paradeiro ou residência de domicílio, art. 236º/1
CPC.
Não sendo possível contactar o réu a citação é colocada mediante a afixação de um edital
numa página de acesso público que se encontra determinada, art. 240º/1 CPC, e à porta da última
residência ou da última sede conhecida, art. 240º/2 CPC. A citação considera-se feita no dia da
publicação deste anúncio, art. 242º/1 CPC, contando-se a partir daí um prazo dilatório de 30 dias
para a publicação da licença, art. 245º/3 CPC.
A citação edital, com todas estas características, é uma citação que dá pouquíssimas
garantias de que o réu venha de facto a conhecer da propositura da ação. Por esta razão haverá
um regime específico para a proteção do réu. Se a ação for movida contra ausente e incapaz o MP é
encarregado da respetiva defesa, art. 21º/1 CPC.

Regime dos vícios da citação:


A citação pode padecer de certos vícios, sendo que o vício mais grave é a falta, a ausência
de citação; os vícios menos graves são as nulidades comuns da citação (há nulidade quando seja
praticado um ato que não deveria ter sido praticado ou seja omitido um ato que deveria ter sido
praticado). Há falta de citação quando se verifique alguma das circunstâncias previstas no art. 188º/
1 CPC.
A citação é de extraordinária importância para o processo, e se assim o é, a falta de citação
terá de ter uma consequência particularmente enérgica: então a consequência será a anulação de

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tudo o processado depois da petição inicial, nos termos do art. 187º a) CPC. Assim, quando o réu
não tenha sido citado terá de ser anulada toda a tramitação que se tenha seguido.
O artigo 187º a) CPC pode ser interpretado restritivamente, no sentido de que têm de ser
anulados os atos posteriores à citação, e não os atos anteriores, pois estes últimos não padecem de
qualquer vício.
A falta de citação é, evidentemente de conhecimento oficioso, art. 196º CPC, podendo ser
arguida em qualquer estado do processo, art. 198º/2 CPC.
Se o réu intervier no processo sem arguir a falta de citação considera-se sanada a invalidade
(art. 189º CPC).
Há sempre a possibilidade de a ação prosseguir e ser lida a sentença sem o réu ter sido citado
e há a regra do caso julgado, portanto se não for interposto recurso ordinário produz caso julgado
(quando se fala de caso julgado refere-se esse elemento do recurso ordinário); depois há o recurso
extraordinário de revisão quando já se tenha formado caso julgado, e justamente uma das causas
que permite o recurso extraordinário é a falta de citação do réu, art. 696º/1 e) CPC. Se o processo
tiver decorrido à revelia do réu, isto é, sem que o réu tenha apresentado contestação e se conclua
que não tenha havido citação há fundamento para este recurso extraordinário.
Os outros casos menos graves, são aqueles de nulidade de citação, valendo aqui a regra geral
das nulidades processuais. O fundamento para a nulidade é, em primeiro lugar a de não ter sido
observada alguma formalidade prevista na lei, e em segundo, como segundo requisito, tal facto ter
prejudicado a defesa (art. 191º/4 CPC).
A nulidade de citação, via de regra, não é cognoscível oficiosamente, terá de ser suscitada
pelo réu (art. 196º 2ª parte e 197º/1 CPC), e deve ser arguida no prazo para a contestação (art. 191º/
2 CPC).
Exceciona-se uma hipótese: tratando-se de citação edital, ou não sendo indicado o prazo para
a defesa, a nulidade é arguida a todo o momento e conhecida oficiosamente até que seja sanada
mediante intervenção do réu com imediata arguição (arts. 191º/2 e 196º CPC).
Para o processo continuar deve ser feita uma nova citação, repetindo-se aqueles atos que
tenham sido afetados pelo vício.
Nota: Da mesma forma que a falta de citação é fundamento do recurso de revisão é também
fundamento de oposição à execução (artigo 729º d) CPC).
Com a citação, certa pessoa é constituída como ré e começa agora a contar-se o prazo para a
contestação.
A partir do momento em que o réu foi citado é já sujeito passivo de um caso julgado que se
possa vir a produzir.

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 Contestação:
Importância: Sabemos desde o início que o tribunal não pode conhecer de uma certa ação sem
que tal lhe seja pedido e daí a petição inicial. Mas o art. 3º/1 CPC fala da necessidade de
contradição. O tribunal não necessita rigorosamente da contradição, mas necessita de conceder ao
réu a possibilidade de contrariar o autor, se o réu não o quiser fazer é já uma opção sua, e por isso se
afirma o art. 3º/1 2ª parte CPC.
O art. 4º CPC que permite a dedução de oposição é a contestação.
O prazo para a contestação é o prazo de 30 dias a contar da citação (temos que saber as
regras quanto à citação, pois só se considera citado quando a citação é eficaz), nos termos do art.
569º/1 CPC. O prazo só começa a contar a partir do termo de qualquer dilação, neste sentido, se
existir algum prazo dilatório conta-se primeiro este e só depois o prazo perentório, art. 245º CPC.
No caso de haver vários réus, todos beneficiam do prazo que termina em último lugar (art.
569º/2 CPC).
Excecionalmente este prazo pode ser prorrogado por mais 30 dias, quando haja motivos
ponderosos que impeçam ou dificultem a contestação (art. 569º/4 CPC).
No nosso Processo civil o prazo para a contestação encontra-se no benefício do réu para lhe
oferecer a sua defesa. Contudo, verdadeiramente há um ónus de contestação, o réu pode sofrer
consequências negativas quando não conteste. Caso o réu não conteste consideram-se confirmados/
existentes e admitidos pelo réu os factos alegados pelo autor na petição inicial (art. 567º/1 CPC).
Aspeto muito importante: Vale o princípio de que o réu deve concentrar toda a sua defesa
na contestação.
Com a citação cria-se o ónus de contestação, e aqui das duas uma: ou o réu apresenta a
contestação ou não apresenta, se optar por esta última entra em situação de revelia.
A revelia é alvo de duas classificações:
 Quanto à extensão/âmbito da revelia distingue-se entre revelia absoluta e revelia
relativa. Na revelia absoluta o réu não desencadeia qualquer atividade processual. Na
revelia relativa o réu limita-se a não contestar, mas realiza alguma atividade
processual, como por exemplo, constitui um mandatário judicial. A diferença entre os
dois casos está na circunstância de no primeiro caso, isto é, de revelia absoluta, o
tribunal deve verificar se a citação terá sido feita de modo regular (art. 566º CPC).
Quer na revelia absoluta, quer na revelia relativa o efeito da revelia para a ação é o
mesmo, isto é, consideram-se admitidos os factos alegados pelo autor (art. 567º/1
CPC). Em Processo Civil “quem cala consente”;

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 Quanto aos efeitos da revelia distingue-se entre revelia operante e revelia inoperante.
O efeito da revelia não é necessariamente a procedência da ação, consideram-se
admitidos os factos alegados pelo autor, contudo o juiz continua a ter que conhecer do
direito e pode concluir que daqueles factos não decorre a consequência que o autor
deles queria retirar, por exemplo no caso de caducidade, como esta é de conhecimento
oficioso a ação devia improceder. Assim, o efeito da revelia não é a procedência
automática da ação, é sim a admissão dos factos alegados pelo autor. O direito é de
conhecimento oficioso por parte do juiz. Nestes casos a ação conhece uma tramitação
muito complicada, art. 567º CPC (não vamos ver de perto). Estas hipóteses são
aquelas em que a revelia se diz operante, porque produziu estes efeitos, mas nalguns
casos a revelia é inoperante. A revelia é inoperante naqueles casos em que o legislador
exclui a produção desses efeitos, esses casos são os constantes do art. 568º CPC. Por
aplicação analógica do art. 574º/2 CPC não podem ser provados os factos física ou
legalmente impossíveis e os notoriamente inexistentes, art. 354º/c) CC. O art. 574º/4
CPC remete para o art. 354º c) CC.

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