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CENTRO DE ESTUDOS NOTARIAIS E REGISTAIS INSTITUTO DE REGISTRO IMOBILIARIO DO BRASIL SEPARATA DE II SEMINARIO LUSO-BRASILEIRO DE DIREITO REGISTRAL (Coimbra — 10 e 11 de Maio de 2007) MARGaRIDA Costa ANDRADE Coimbra Editora 2009 A PROPRIEDADE FIDUCIARIA (*) MARGarIDA CosTA ANDRADE 1. INTRODUGAO. NOTAS HISTORICAS E DE DIREITO COMPARADO No dia 1 de Maio de 1500, foi a El-Rei D. Manuel I dirigida uma missiva que assim comega e parece descrever 0 dia de hoje. Nao ape- nas porque mais uma vez festejamos o encontro entre dois mundos juri- dicos que tem muito de comum e muito para ensinar um ao outro, mas também porque sao o mote adequado para o tema que me foi proposto tratar. “Senhor, Posto que o Capitao-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitées escrevam a Vossa Alteza a noticia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegag4o achou, nao deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer! Todavia, tome Vossa Alteza minha ignoranica por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui no ha-de por mais do que aquilo que vi e me pareceu. (*) 0 texto que ora se apresenta corresponde a apresentagao proferida no Il Con- nresso Luso-Brasileiro de Direito Registal e Notarial. As notas bibliogriicas nfo foram, 0, objecto de qualquer ac ‘io, estando embora cientes de que outros tex- ados, entre nds ¢ além fronteiras, sobre o tema ent wos de grande importineia foram publ que nos fol proposto. 56 Margarida Costa Andrade Da marinhagem e das singraduras do caminho nao darei aqui conta a Vossa Alteza — porque nao o saberei fazer — e os pilotos devem ter esse cuidado. E, portanto, Senhor, do que hei-de falar comego.” A propriedade fiduciaria € uma propriedade funcionalizada com sustento numa relagdo pautada pela confianga (fiducia) e pela boa fé. Na verdade, o fiducidrio recebe o direito de propriedade para a concretiza- cio de um objectivo determinado pelo fiduciante, que naquele procura um administrador do seu patriménio ou de um bem singular (temos 0 caso do trust), embora também possa a propriedade ser transferida com um fim garantistico (e af temos a alienagdo fiducidria em garantia) (!). Sobre a propriedade fiducidria se pronunciam duas teorias, a romanista © a germanista, cada uma propondo um diferente modelo para o instituto. A primeira cresceu sobre a fiducia do Direito Romano (*); a segunda sobre a Salman, antiga figura juridica alema que deu lugar a Treuhand (3). Na fiducia romana, a propriedade era transmitida ao fiducidrio para a realizagdo de uma variedade aprecidvel de fins, distinguindo-se duas modalidades, consoante 0 que no pactum fiduciae (associado ao acto de alienagio) se fixasse ser a fungao da propriedade (4). De um lado, havia a fiducia cum creditore, em que a propriedade se transmitia para garantia de um crédito (5); do outro, a fiducia cum amico, vocacionada (°) Assim se compreende a definigdo ensaiada por Lerre pe Camros © Vaz ‘Tome: “a propriedade fiducidria € 0 diteito de propriedade atribufdo ao fiduciério que administra e dispée desse direito no interesse do beneficiério ou para qualquer outro fim de protecgio legal.” A Propriedade Fiduciéria (Trust) — Estudo para a sua Consa- gracdo no Direito Portugués, Almedina, Coimbra, 1999, pag. 327. @) Esta teoria é atribuida a REGELSBERGER € durante muito tempo dominou em absoluto 0 pensamento juridico. Cfr. ORLANDO DE CARVALHO, Negécio Juridico Indirecto (Teoria Geral), Separata do vol. X do Suplemento av BFDUC, 1952, pag. 98. ©) A teoria germénica associa-se a nomes como ScuuLtze, SCHONY ou RUMPF, tendo sido também adoptada por importantes autores do direito privado italiano, entre ‘os quais se destacam AsCaRELLI, GRECO ou De GENNARO (idem, ibidem). . ©) AnrOxto A. Viena Cura, Fiducia cum Creditore (Aspectos Gerais), Suple- mento BFDUC, Coimbra, 1990, pags. 11-14. (8) E tida como a mais antiga garantia real das obrigagdes no Direito Romano, precedendo, portanto, o pignus — a sua manutengio depois do aparecimento deste jus- A propriedade fiducidria : 37 para o cumprimento dos mais diversos objectivos, como o de depésito. de comodato ou de doagio mortis causa (). Comum as duas modal: dades era 0 facto de o fiducidrio adquirir uma propriedade (nao neces- sariamente a posse) “com o contetido absolutamente idéntico ao de qualquer outro proprietario” (7), do que resultavam duas importantes consequéncias: — a validade ¢ eficdcia de actos dispositivos, tanto perante tercei- ros como perante o proprio fiduciante; — eo direito de execugio do objecto confiado pelos credores do actual proprietério Ou seja, o que o fiduciante entregava era integralmente absorvido pelo patriménio do fiducidrio, nao sendo Aquele reconhecida qualquer tutela real. O novo proprietdrio estava apenas obrigado ao cumprimento das disposigdes do pactum fiduciae e a pautar 0 seu comportamento: pelo principio da boa £6, cujo incumprimento poderia ser fundamento para uma indemnizacio do fiduciante, mas j4 nfo para uma reivindicagéo de terceiro adquirente (6). Jé a doutrina germanica entende a propriedade fiducidria como excepgao ao principio que proibe a constituigao de dois direitos reais de propriedade sobre uma mesma coisa, porque nela se separa a propriedade juridica da propriedade econémica, a primeira transferindo-se para 0 fiducidrio, e a segunda permanccendo com o fiduciante (°). Daqui tificou-se, precisamente, pela inerente transferéneia da propriedade, permitindo ao fidu- cifrio recorrer & acco de reivindicagto c salvaguardar a coisa de tentativas de frustra- ¢40 01 diminuigio do seu valor (pela alienagZo ou constituigao de encargos reais) — idem, pags. 158 € ss. (©) Idem, pags. 40 € ss. @) Idem, pag. 212. (®) Lette pe CAMPos, A Locagdo Financeira — Estudo preparatério de uma referéncia legislativa, Lex, Lisboa, 1994, pigs. 34 ¢ ss., Vieira Cura, Fiducia cum Creditore, cit, pags. 211 € 88., PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atipicos, Alme- dina, Coimbra, 2002, pag. 264 ©) Baur, Frrvz, JORGEN Baur, ROLF STORNER, Baur/Stiirner Lehrbuch des Sachenrechis, Verlag C. H. Beck, Munique, 1999, 17." Edigdo, pags. 18-19. No mesmo sentido, VOLKER EMMERICH (Aktien- und GmbH- Konzernrecht Kommentar, EMMERICH / 58 Margarida Costa Andrade resulta que 0 fiducidrio se apresenta perante terceiros como proprietario, embora adstrito, por causa de uma acess6ria relagdo de natureza obri- gacional, & utilizacio da coisa apenas no sentido determinado pelo acordo de fidiicia (!) e por isso se diz que a propriedade esta sujeita a uma condig&o resolutiva: se o fiducidrio violar os seus deveres ou desaparecer 0 escopo da fidiicia, a propriedade plena regressa ao fidu- ciante ('!), embora, curiosamente, este tenha apenas uma pretensiio de cardcter obrigacional para a restituigdo da coisa (!2). Depois, o fidu- ciante esté protegido contra os credores do fiducidrio, porque o bem confiado se mantém separado do patriménio deste (13) (14), J Hanersack, Verlag C. H. Beck, Munique, 2001, 2.° Edigfo, § 16 AktG, Anm. 13, pag. 30). (9) WOLFGANG HEFERMEAL, Schlegelberger — HGB, AA. VV., vol. IV, Verlag Franz Vahlen, Munique, 1982, 5° Edigdo, § 382, Anm. 181, pég. 326. Pepro Pals DE Vasconcrtos ensina ainda que a decadéncia da fidticia foi resultado de um proceso de barbarizagao e, simultaneamente, da propria evolugao do direito romano. Daquele pri- meiro momento terd, porém, resultado a fiddcia germanica (Contratos Atipicos, cit., pag. 265). @)y pe Campos e Vaz Tomé (A Propriedade Fiducidria..., cit., pag. 202), ORLANDO DE CARVALHO (Negdcio Juridico Indirecto, cit., pgs. 99-100), M. J. ALMEIDA Costa (“Alienagao fiducidria em garantia e aquisigio de casa prépria — Notas de direito comparado”, Direito e Justica, 1, 1980, pags. 44-45). Na opinido deste dltimo autor, esta seria razo suficiente para questionar a natureza fiducidria da Trevhand, por no estar 0 fiduciante dependente de o fiducirio se mostrar digno da confianga nele depo- sitada, (2) Lemme pe Campos, A Locagdo Financeira, cit., pag. 37 (3) Karsten Scuwipr, Gesellschaftsrecht, Carl Heymanns Verlag, Colénia, Ber lim, Bona, Munique, 2002, 4.* Edicdo, pag. 1833, (') Para melhor compreender 0 que acabou de afirmar-se, sera conveniente recordar © sistema de transmissao da propriedade no direito alemao. E que a obtengao deste efeito implica a reunio de dois actos distintos (§§ 929 ¢ 930 BGB): um, de natu- reza obrigacional, pelo qual as partes acordam, justamente, a transferéncia da proprie- dade; outro, de natureza real ¢ abstracto, que vem executar esse acordo. Na alienagio fiducidria, aquele primeiro acto vem circunscrever os poderes do fiduciério na medida em que se trata de um convénio de garantia ou de administragao. No direito germa- nico, como explica MANUEL DE ANDRADE (Teoria Geral da Relagdo Juridica, t. Il, Almedina, Coimbra, 1960, pag. 177), “por efeito da mera vontade de transmitir, porventura revestida de certo formalismo (documento, pelo menos quanto aos iméveis) ¢ comple- mentada por certos actos (registo, para os iméveis; tradigGo, para os méveis). Nessas legislagdes a eficdcia da transmissao (inter partes ¢ em face de terceiros) abstrai da A propriedade fiduciéria 59 Actualmente, nos ordenamentos jurfdicos continentais, assiste-se a uma renovada discussao sobre os negécios fiducidrios, que se desen- rola entre os autores que pugnam pelo modelo romanista ('5), conside- rado verdadeiramente fiducidrio na medida em que coloca o disponente na efectiva dependéncia da lealdade do cessiondrio, ¢ os autores que consideram preferivel o modelo que é oferecido pela Trewhand, este flanco da disputa ganhando cada vez mais adeptos, seduzidos pela pro- tecgdo que concede ao fiduciante, em especial, pela separagio patrimo- nial do objecto fiduciado (!%). respectiva causa; produz-se e subsiste independentemente do motivo ou escopo directo ¢ imediato que levou as partes a concluir a transmissio; independentemente da combi- hagdo negocial mais vasta (venda, doagdo, efc.), que necessariamente a coenvolve — pois ninguém quer transmitir por transmitir. A consideragao dessa causa (motivo ou escopo directo ou imediato da transmissao; combinagZo negocial mais ampla em que esta neces- satiamente se integra) no tira que o adquirente obtenha a titularidade dos respectivos bens ou direitos, s6 podendo sujeité-lo as correspondentes obrigagées para com o trans- mitente. Nao contende com 0 efeito proprio da transmissao, esgotando todas as vir- tualidades no plano obrigacional. Compreende-se, portanto, que valha plenamente segundo a vontade das partes, como qualquer outra, a transmissio fiduciae causa.” ('5) A maioria da doutrina ¢ da jurisprudéncia espanhola (a primeira sentenga apro- vando um negécio fidueidrio foi emitida pelo Supremo Tribunal ¢ data de 23 de Maio 1935), por exemplo, aceita a validade dos negécios fiducidrios, que fundamenta no prinefpio da liberdade contratual, sustentando uma teoria do duplo efeito, de raiz roma- nista, O negécio fiducidrio seria um acto complex, composto por um negécio de efei- 108 reais, pelo qual a propriedade se transmitiria plenamente para o fiduciario, ao qual estatia associado um acordo de natureza meramente obrigacional, que determinaria os poderes do proprietério-fiduciério em relagdo & coisa. Daqui, quaisquer actos exercidos pelo proprietario seriam de validade e eficdcia inquestionavel pelo fiduciante (dependente do merecimento da confianga do fiducidrio), a quem se reconhecia 0 direito a receber a coisa terminado o fim fiduciério (ou uma indemnizagao no caso da impossibilidade de cumprimento da obrigago de restituigo). Cir. José Purc BRUTAV, “Negocio fiducia- rio”, Nueva Enciclopedia Juridica, vol. XVI, Editorial Francisco Seix, Barcelona, 1982, pags. 204-205. Em sentido divergente, argumentando a necesséria causalidade dos negécios juridicos no direito espanhol (¢ a causa de administragio ou de garantia no jjustificaria a transmissio da titularidade dos bens), PawtaLfon Prirto, “Copropiedad, ust fructo, prenda y emargo (Articulos 66 a 73 de la Ley de Sociedades Anonimas)”, Comentario al Regimen Legal de las Sociedades Mercaniiles, A. Menen- dez ¢ M, Olivencia, t. IV, vol. 3, Civitas, Madrid, 1992, 2.’ Edigao, pag. 26. (9) Assim, referindo-se especificamente ao direito italiano onde recentemente se ste 2 intensificagio do tratamento doutrinal desta matéria ¢ em que a tendéne 60 Margarida Costa Andrade Para nos situarmos nesta disputa, mantenhamos em mente a alie- nagio fiducidria em garantia no direito brasileiro, tio brilhantemente apresentada pelo Dr. Francisco Rezende, e consideremos, ainda que sem pretensdes de exaustivo tratamento, a figura do trust de origem anglo-sax6nica. Se na alienagio fiduciéria em garantia a propriedade desempenha uma fungao garantistica, no trust ela esté associada primordialmente a um fim de administragio patrimonial (!7). Teremos, entio, um sujeito — o trustee — ao qual pertence a propriedade formal ou legal title, ¢ que esta, por isso, autorizado a administrar e dispor dos bens ou direitos que lhe foram confiados pelo settlor, assim como um outro sujeito que vai receber as vantagens da titularidade do direito (o beneficidrio), podendo mesmo perseguir a coisa ou direito fiduciados onde eles se encontrem, j4 que pode opér © seu direito contra terceiros adquirentes (A excepgiio dos que adqui- riram onerosamente e de boa fé, ou seja, ignorando a existéncia do trust). Como € do conhecimento geral, 0 trust desempenha uma multipli- cidade de fungées, em constante mutagiio © renovagio. S6 para ficar- mos com uma ideia, ainda que muito genérica e, por isso, fragmentéria, da classificagdo a que pode estar sujeito, veja-se que, logo a partida, 0 trust pode ser ptiblico ou privado. Sera ptblico se for um meio para a realizagao de interesses publi cos que beneficiam a sociedade em geral (dai a designagio de charita- ble trust), uma sentenga de 1871 tendo distinguido quatro classes: a) trust for the relief of poverty; b) trust for the advancement of education; ¢) trust manistica é (ainda) minoritaria, BARBARA LANIELLO, “Intestazione fiduciaria di parteci- pazioni sociali ¢ responsabilita del fiduciario”, Le Societa, 2000, pig. 706. (7) De entre as varias definigdes que foram sendo dadas pela doutrina continental © anglo-saxénica, podemos optar por esta: trust € uma “relagdo fiduciaria que tem por objecto a propriedade, em que uma pessoa (0 srustee) conserva a propriedade (a trust res), para beneficio de outra pessoa (0 beneficiério), com especiais deveres relacionados com 0 modo por que o frustee deve lidar com a propriedade” (definigao de REUTLINGER, citado por Lerre DE Campos ¢ Vaz Tom, A Propriedade Fiducidria, cit., pig. 19, trad. nossa). Definigao esta, alids, muito préxima, como veremos dentro em pouco, da adop- tada pelo legislador portugues A propriedade fiducidria ol for the advancement of religion, d) trust for other purposes beneficial to the community not falling under any of the preceding heads ('*). O trust j4 sera privado se for constituido em beneficio de uma ou varias pessoas privadas. O trust privado, que pode constituir-se quer por yontade manifesta do settlor (express trust) quer por decisio judicial (implied & constructive trusts), € cujo titulo constitutivo pode ou nio conter uma descri¢io pormenorizada dos poderes que siio transmitidos ao proprietario fiducidrio (instrumental ou discretionary trusts), desti- nar-se-4 a proteger bens de incapazes, desempenhando uma fungio seme- Thante A tutela (spendthrift trusts), a conservar o patriménio familiar, atendendo ao desejo do settlor de designar pessoas que beneficiaraio do seu patriménio com a sua morte (family trusts), ou mesmo a desenvol- ver uma actividade comercial, de forma muito préxima da sociedade comercial, sendo aos administradores concedidos poderes de trustee, ¢ sendo os sdcios (normalmente os préprios settlors) identificados como beneficidrios dos proveitos auferidos (muitas vezes sio emitidos certi ficados transmissiveis, com fungdes e modos de transmissio similares is acgGes ou As quotas) — sio os business trusts ('°). Conforme a finalidade que vise perseguir-se com a constituigio do trust assim se demarcario as linhas de fronteira dos poderes de admi nistraco e de disposigio do proprietario fiducidrio. Ou seja, 0 trustee est4 autorizado a praticar quaisquer actos relativos aos bens ou direitos que Ihe foram confiados, até porque se apresenta como titular deles perante os terceiros; todavia, os seus amplos poderes esto permanen- temente condicionados pela destinagio que o titulo constitutivo definir. Todos os negécios que o trustee realizar com esses bens ou direitos tém de guardar rigorosa conformidade com o fim determinado pelo fiduciante. Caso esta administragio escrupulosa se nao verifique, 0 fiducidrio seré responsdvel por todos os danos que causar, nomeada- mente indemnizando o beneficidrio. (8) PzpRo Pals DE VASCONCELOS, Contratos Atépicos, cit., pag. 269 (561). (9) Meum Namem Cuataun, Trust — Perspectivas do Direito Contempordneo na Transmissdo da Propriedade para Administracdo de Investimentos e Garantia (Ins irwmenios de Protecedo Contratual ¢ Patrimonial; Propriedade Fiducidria; Patriménio de Afectagéo), Renovar, Rio de Janciro-Sio Paulo, 2001, pigs. 34 ¢ ss. 02 Margarida Costa Andrade Por outro lado, tem de salientar-se aquilo que jd se intuiu certa- mente: saindo do patriménio do settlor o bem ou direito fiduciados, deixardo os credores dele de poder assegurar-se com esses bens trans- leridos, a nao ser, naturalmente, que o trust tenha sido constituido jus- tamente para defraudar a garantia patrimonial. Por outro lado, esse patrimonio que foi transferido para a administragio do trustee nao vai responder, apesar do formal title, pelas dividas pessoais deste, assim como nao integra a sua massa concursal em caso de insolvéncia. Em caso de insolvéncia do trustee, 0 beneficidrio tem privilégio sobre os cre- dores comuns — pode retirar da massa as coisas em frust e os fundos que pertengam ao trust (2), J4 os credores do beneficiério podem obter a satisfag&o dos seus créditos mediante excussio dos bens ou direitos que sio objecto de trust, na medida em que sejam atribuiveis ao beneficidrio. Para além de outras causas de extingiio dos negécios juridicos em geral, 0 trust extinguir-se-4 quando estiver esgotada a finalidade para a qual foi criado, quando seja revogado pelo settlor ou quando tenha expi- rado 0 prazo estabelecido pelo titulo constitutivo. Nesse momento, os bens que constitufam objecto do trust passam, em regra, para a titulari- dade do beneficiario, a nao ser que o titulo constitutivo noutro sentido tenha disposto — pode suceder, por exemplo, que os bens ou direitos fiduciados devam retornar ao préprio setilor. Naturalmente, caberé ao trustee 0 cumprimento da obrigacgio de prestar contas e de transmitir a propriedade e a posse para o beneficid- rio ou para © settlor, conforme as circunstancias. 2. A INTEGRACAO DA ALIENACAO FIDUCIARIA EM GARANTIA E DO TRUST NO ORDENAMENTO JURI- DICO PORTUGUES Descritas as duas figuras que constituem os eixos desta exposigao, che- gamos ao ponto em que elas se unem: os obstdculos que inevitavelmente terao de ultrapassar para poderem ser introduzidas no ordenamento juri- () PepRo Pais DE VASCONCELOS, Contratos Atipicos, cit., pag. 270. A propriedade fiduciérla 63 dico portugués. Spinost (7!) considera uma empresa arriscada a adapta cio do trust ao seu direito patrio, ponderando que esta figura se desen volve no ambiente juridico de maleabilidade do direito anglo-saxénico, assente na mentalidade anglo-americana de confianga, em tudo contrastante com a rigidez do direito continental e com a mentalidade latina da des: confianga. Todavia, como bem entende PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, ser pobre esta argumentagdo, se se considerar que a rigidez do direito con- tinental no é uma qualidade mas um defeito que urge corrigir, e que a tutela da confianga ganha cada vez maior vigor no direito continental (72). Ora, tanto a alienagio fiducidria em garantia como o trust se con frontam com, pelo menos, estas objeccdes: — poderemos admitir a propriedade fiducidria num sistema juridico sujeito, por um lado, ao princfpio do numerus clausus ou da tipicidade dos direitos reais e, por outro, ao principio da cau salidade dos negécios juridicos? — Nao implicaré a aceitagdo de tais institutos que se det principio da unidade patrimonial? — A assimilagdo daquela garantia, ultrapassando estas barreiras, nao esbarraré contra a proibic&io do pacto comissério? ‘ogue 0 Para ensaiarmos respostas para estas perguntas, alguns factor importantissimos tém de ser enunciados. Em primeiro lugar, e olhando especificamente para o periodo de vigéncia do Cédigo de 1867, veremos que as vozes que se levantaram contra a alienacio fiducidria em garantia eram pujantes e definiram de modo bem vincado os obstaculos a que nos referimos € que, alids, sao comuns aos ordenamentos juridicos continentais. Alias, ter sido de tal forma veemente 0 reptidio dos negécios fiducidrios, que eles deixaram de ser celebrados, ou melhor, deixaram as partes de usar tal denomina- cao para baptizarem os seus acordos, embora os continuassem a celebrar ea cumprir (23), C1) Citado por Pepro Pals DE VASCONCELOS, Contratos Atipicos, cit., pig. 272 (568). (@) Idem, ibidem. @) Idem, pig. 278. 64 Margarida Costa Andrade Depois, viajando ja até aos dias de hoje, observamos que a figura do trust € admitida no nosso direito, embora cirscunscrita aos trusts destinados a actividades off shore na zona franca da Madeira. O legis- lador foi até bem cuidadoso no Predémbulo do Decreto-Lei n.° 352-A/88, de 3 de Outubro, diploma que introduziu tal instituto entre nds, ao afir- mar 0 seguinte: “s%io consabidas as diligéncias levadas a cabo pelos varios paises dos dois sistemas jurfdicos — da common law e romano germanico — visando uma convergéncia assente na estipulagio de dis- posigdes comuns relativamente a lei aplicdvel ao trust e ao seu reconhe- cimento por cada Estado. O objectivo deste diploma, no entanto, visa {o-somente a instituigéo de trusts apenas destinados a actividades off- -shore, ou seja, com base num critério de extraterritorialidade, sem qual- quer interferéncia no ordenamento juridico interno ¢ exclusivamente protagonizado por pessoas colectivas — as trusts companies — que usufruem do mesmo estatuto.” (74) No art. 2.° deste Decreto-Lei, esto identificadas as caracterfsticas do trust madeirense: a) os bens do trust constituem um patriménio separado e nio inte- gram 0 patriménio do trustee; 5) 0 titulo relativo aos bens do zrust ficaré em nome do trustee ou de quem o represente; ¢) 0 trustee fica investido no poder e sujeito 4 obrigagao — da qual deverd prestar contas — de administrar, gerir ou dispor dos bens, nos termos do instrumento do trust e das regras que Ihe sejam impostas pela lei que o regula. O acto de constituigdo do zrust est4 sujeito a forma escrita e deve ser registado, bem como, naturalmente, os actos de modificagio ou extingdo dele (5), sob pena de pagamento de coima (26). Todos estes factos devem ser publicados no jornal oficial da Regido Auténoma da Madeira, para onde a conservatéria envia oficiosamente o extracto do registo. 4) Sublinhado nosso. @5) Arts. 6° 9.° do Decreto-Lei n.° 352-A/88. @) Art. 4.° do Decreto-Lei n.° 149/94, de 25 de Maio. A propriedade fiducidria 65 Em terceiro lugar, hd que nio esquecer que o legislador consagrou, omisso. Nos ter sem contestago, 0 instituto de matriz, sucesséria da fides mos do art. 2286.° CCy, pode o testador impor ao herdeiro instituido o encargo de conservar a heranga, para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem — ao herdeiro gravado com 0 encargo dé-se a designagiio de fiducidrio; ao beneficidrio, a de fideicomissdrio. O fiduciario & proprie tario dos bens, mas temos aqui uma propriedade bem especial, niio ape nas por se tratar de uma propriedade temporaria (7”), mas particularmente quando o protétipo é 0 da descrigio encontrada no art. 1305.° CCy. De facto, a lei reconhece-o como titular do direito de gozo e dos poderes de administragéio do patriménio fideicomissado (art. 2290.° CCv), assim como © autoriza a alienar ou onerar os bens, mas sujeita estes poderes i neces- sitia autotizagao do tribunal, que apenas a poder conceder em caso de evi- dente necessidade ou utilidade para os bens da substituigdo fideicomiss4- ria ou para o proprio fiduciério sem que os interesses do beneficidrio possam ser afectados (art. 2291.° CCv) (8). Por outro lado, os bens con- fiados nao podem ser atingidos pelos credores pessoais do fiducidrio (art. 2292.° CCy). Finalmente, note-se também que o destino do acervo de bens aqui em causa dependerd da vontade do beneficiario: ou recebe a heranca com a morte do fiduciario ou recusa-a e os bens ficam defini- tivamente com 0 fiducidrio desde a morte do testador (art. 2293.° CCv). J4 olhando particularmente para a alienagdo fiducidria em garan tia trés outros factores sero de considerar. Primeiro. A propriedade é usada como garantia em alguns institu- tos sobejamente conhecidos no direito portugués. Lembremos, pois, a compra e venda com reserva de propriedade, a venda a retro e a loca- cdo financeira (7%), @) Porque sempre dependente da morte do fiduciério. Note-se que parece ter sido este instituto o especialmente visado com a permissio da propriedade tempordria no art. 1307. CCy (cft. PIRES DE LIMA e ANTUNES VaRELA, Cédigo Civil Anotado, vol. HII, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, 2.* Edigiio, pag. 105). 5) Mas, 0 beneficidrio também nao esta aulorizado a dispor deles (art, 2294,” cCy) @) Na primei ciante que vende bens com diferimento do prego, reserva p até a0 cumprimento parcial ou total das obrigagbes do adquir a, prevista no art, 409." CCy, 0 alienante, normalmente um comer si a propriedade da coisa pte ow alé A verifivagiio 06 Margarida Costa Andrade egundo. Com a publicagao do Decreto-Lei n.° 105/2004, de 8 de Maio, 0 ordenamento jurfdico portugués foi enriquecido com duas moda- lidades de acordos de garantia financeira: o penhor financeiro e, preci- samente, a alienagdo fiducidria em garantia. As duas figuras sao distin- guidas na lei, onde se define esta Ultima como implicando a transmissdo da propriedade do objecto da garantia para o respectivo beneficiério (art. 2.°9/2 do DL n.° 195/2004), o que é bastante para levar o legislador a afirmar no Preambulo que o numerus clausus pressuposto pelo art. 1306.° CCy é alargado, chegando ao fim a inseguranca jurfdica que resultava da necessaria requalificagio desses acordos como meros contratos de penhor. Esta alienagfio fiducidria em garantia, todavia, tem o seu Ambito de actua- gao bem delimitado, pois que apenas poderd ter por objecto numerdrio ou instrumentos financeiros (art. 5.° do DL n.° 195/2004). E é também de primordial importancia salientar as consequéncias que resultarfio do incumprimento pelo devedor-fiduciante: a propriedade do bem alienado em garantia consolida-se na esfera juridica do respectivo beneficidrio. Mas, tera de proceder-se 4 avaliagio do objecto da garantia no momento do vencimento da obrigagdo garantida, ficando 0 beneficidrio obrigado & devolugiio do excesso, se 0 valor apurado for superior ao da obrigagio garantida (art. 14.° do DL n° 195/2004) (9). A juventude desta figura ainda nfo nos permite ter uma impressao bem marcada dos termos em que tem sido aceite pelos agentes econé- micos, € muito menos dispomos de tratamento jurisprudencial sobre ela. Contudo, e merecendo o quarto lugar no nossos destaques prévios, fora do mercado dos valores mobilidrios, os nossos tribunais j4 foram cha- mados a resolver litigios em que estava em causa a constitui¢io de uma garantia nfo especificamente classificada pelas partes como alienagdo fidu- de qualquer outro evento, Na venda a retro (arts. 927.° e ss. CCy), a propriedade tam- bém pode ser usada como garantia, quando se a sujeita a uma condigdo resolutiva, como 0 n&io cumprimento da obrigagio de pagar o prego. E a propriedade resoliivel é admitida sem restrigdes no direito portugues (art. 1307.° CCy). Jé na locagao financeira, a instituigdo financeira adquire, cla propria, o bem pretendido, mantendo a propriedade até 20 pagamento integral das prestagGes periddicas € exercicio da opgio de compra (cfr. art. 1° do DL n° 149/95, de 6 de Junho) ©) Cf. ISABEL ANDRADE DE Matos, 0 Pacto Comissério — Contributo Para 0 Estudo da Ambito da Sua Proteccao, Almedina, Coimbra, 2006, pags. 187 c ss. A propriedade fiducidria cidria em garantia, mas em que algo de muitissimo semethante aconte cia. Vejamos um dos casos sub iudice que serve de paradigma. Uma instituigio financeira requer ao tribunal que, para efectivagio da penhora sobre um veiculo automével, se ordene a apreenstio deste, em processo de execugdo para pagamento de quantia certa. Porém, 0 tribu nal é confrontado com o facto de sobre o dito automével existir reserva de propriedade em nome dessa mesma instituigao financeira, declarando que 0 exequente deve juntar aos autos certidao do registo automével onde conste o cancelamento da respectiva reserva. A instituigdo finan ceira que, na verdade, € mutuante num contrato de financiamento de aquisigio do veiculo em causa, recorre de tal decisio, declarando ter abdicado da reserva'de propriedade por renéincia expressa (isto & opta pelo pagamento coercivo da divida em detrimento da resolugdo do contrato e do funcionamento da reserva da propriedade para chamar a si o bem sobre 0 qual a mesma incide), tendo, por isso, 0 tribunal de, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam: Ora, tem a Relagdo concedido raziio ao tribunal a quo, afirmando ser necessario o cancelamento do registo daquela clausula de reserva da propriedade para que possa dar-se seguimento A pretensdo executiva do mutuante. Assim se salvaguarda a hipétese de o adquirente em sede de execugio comprar uma coisa que nfo é do executado e sujeitar-se a uma acgio reivindicatéria pelo titular do registo da reserva de proprie- dade. E acrescenta-se: 1. “O tribunal nao pode consentir aquilo que seria uma fraude a lei (art. 280.° Cy): proceder-se-ia & alienagio de vefculo pro- priedade da entidade mutuante como se ela o pudesse fazer por dispor de uma propriedade resoltivel que Ihe impde a venda no caso de nao pagamento pelo devedor fiduciante.” 2. “Com efeito, permitindo-se 0 prosseguimento da a executiva estaria a permitir-se instrumentalizar 0 processo exe- cutivo para a realizagao coerciva de um direito real de garantia que ‘a nossa lei nao reconhece: tal é 0 caso da alienacao fiducidria em garantia.” (1) 10 @) Ac. RL 12 de Dezembro de 2002, www.dgsi.pt 68 Margarida Costa Andrade Este material fornecido pelos tribunais ilustra bastante bem o con- xlo em que se tem sentido a necessidade de recorrer a alienacio fidu- cidria em garantia, e que alids justifica a rendigdo do legislador brasileiro a esta figura, e a vontade de alguns autores portugueses em trazé-la para © nosso direito em termos bem mais genéricos que os admitidos desde 2004. De facto, neste momento é comum encontrar entre os autores refe- réncia crise das garantias tradicionais, cujas causas tém sido recon- duzidas fundamentalmente a trés fendmenos @2). Em primeiro lugar, 0 extraordindrio incremento da producdo indus- tial, 0 aumento da circulag&o de bens e a expansio no recurso ao cré- dito, nomeadamente para a aquisigio de bens de consumo duradouros (que, de outro modo, seriam inalcangdveis), exigem soluges diferentes das tradicionais, assegurando ao credor o recebimento do montante financiado e, simultaneamente, atenuando 0 sacrificio do devedor, por per- mitirem a diminuigao da taxa de juro. Em segundo lugar, e com este primeiro fenémeno intimamente rela- cionado, temos a necessidade de encontrar formas eficientes, simples expeditas de execugdo das garantias em caso de incumprimento do deve- dor, jd que no € possivel ao credor salvaguardar 0 seu direito apro- priando-se da coisa objecto da garantia. E que o Processo executivo nao s6 € moroso, como é ineficiente. Recordemos estas palavras de LEITE DE Campos: “a garantia representada pelo penhor ou pela hipoteca acaba, com frequéncia, por ficar desprovida de significado. A coisa é vendida & pressa, sem se escolher a devida oportunidade, sem negociagées prévias, e sabendo de antemio 0 adquirente do ‘estado de necessidade’ do vendedor. Tudo nos antipodas de uma operacio econémica minimamente adequada. Daqui a venda a vil prego, susceptivel de todos os enganos — amide veri- ficados — em prejuizo do credor, do devedor ou de ambos.” (33) Finalmente, em terceiro lugar, temos que as garantias reais tradi- cionais ndo resistem ao ntimero crescente de credores privilegiados (0 ©) Acompanhamos de perlo Isantt. ANDRADE DE Matos, O Pacto Comissério, iL, pags. 11 ¢ 58, ) “A Alienagio em gavantia”, Estudos em Homenagem ao Banco de Portugal 150.° Aniversario, Lisboa, Banco de Portugal, 1998, pag. 9. A propriedade fiducidria 09 Fisco, a Seguranga Social, os trabalhadores), cujos créditos preferem aos credores hipotecdrio e pignoraticio. E que estes, apesar de terem acautelado o seu crédito, podem ver-se ultrapassados pelos credores pri vilegiados, protegidos por uma garantia oculta, nao registada ¢ talvez, até de duvidosa constitucionalidade. E estes trés factores aparecem elevados 4 poténcia se considerarmos. que as relagées tipicas do contrato de mutuo sao despersonalizadas, ja que o mutuante nao conhece nem tem como controlar 0 mutudrio, sendo por isso mais arriscado o empréstimo de dinheiro. Que, alids, nem sequer pertence 4 instituigdo financeira mutuante, mas dqueles que lhe confiaram a pecunia em depésito, cuja administragdo tem de ser pautada por critérios de prudéncia e de sobriedade (*4), a) A proibigio do pacto comisério Ora, diagnosticada que foi a crise das garantias reais tradicionais, diversas foram as formas encontradas por varios ordenamentos juridicos para a ela responder. Por serem as mais pertinentes para 0 que hoje nos ocupa, salientemos, por um lado, a atribuigdo do fim garantistico a ins- titutos que até ao momento o nfo tinham (0 que parece mais ligado ao principio da tipicidade dos direitos reais), ¢, por outro, o renascimento do pacto comissério, que comega a ser admitido expressamente — embora no direito portugués tal solugdo esteja confinada ao penhor financeiro — e cujo estudo regressa aos palcos juridicos, especialmente para descobrir se serd de considerar 0 principio da sua proibicéio extensivo as novas garantias (55), Ou seja, trata-se, no que especificamente concerna ao nosso ordenamento juridico, de saber se a proibigfo constante do art. 694.° CCy ird ou nao para além das garantias reais tradicionais, sendo inega- vel que, apesar de inserido no regime juridico da hipoteca, este artigo atinge também o penhor e a consignagio de rendimentos. Se assim for, nao teremos que a alienagiio fiduciéria em garantia é entre nds inad- missivel, por levar 4 consolidagio da propriedade na esfera juridica do fiducidrio em caso de inadimplemento do fiduciante? @)— Lerre pe Campos, “A alienagio em garantia’, eit, pag. 4 5) Isanet ANDRADE DE Matos, O Pacto Comissdrio, cit, pags. LE 8s 10 Margarida Costa Andrade Sempre poderia dizer-se que a alienagio fiducidria em garantia nada tem a ver com o pacto comissério. B que este pressupde uma compra & venda cujos efeitos esto condicionados A verificagéio de um facto futuro e incerto (o incumprimento), ao passo que naquela a trans- lerencia do direito de propriedade se dé imediatamente pelo acordo de yontades entre o fiduciante-devedor e 0 fiduciario-credor. Assim, 0 que ‘a a fronteira da validade seria 0 momento da transmissio do 1 propriedade transferindo-se imediatamente, 0 acordo de garan- tia seria vélido por n&o violar a proibigdo do pacto comissério que declara ser nula a transmissio do direito como consequéncia do incum- primento. E poder-se-ia convocar a experiéncia italiana para apoiar tal posigao, ja que foi este o fundamento usado tanto pela doutrina como pela pela jurisprudéncia durante um largo perfodo de tempo dominantes para aceitar a validade da fiducia cum creditore (), Porém, a verdade é que, desde uma inaugural decisio da Cassa- cione de 1983, deu-se uma mutagio, quer na jurisprudéncia, quer na doutrina, passando a fazer-se depender o juizo de licitude ou ilicitude da alicnagao fiduciéria em garantia n’o apenas tendo em conta 0 momento da transmissao da propriedade, mas também de outros indicios, desta feita de natureza material, presentes no acordo sub iudice. Isto para distin- gulr Os casos em que a compra ¢ venda apenas pretende esconder um fraudulento pacto comissério. Assim, diz-se, premir-se-4 0 gatilho que faz funcionar a nulidade quando: 1) haja uma relagdo obrigacional garan- tida de modo oculto ou manifesto; 2) prevendo-se a transferéncia auto- matica para o credor de um direito real, sem possibilidade de negocia- sao dos aspecios econdmicos; 3) verificando-se um nexo funcional entre incumprimento e transferéncia do direito real (nexo teleolégico de garan- lia). E esta viragem da jurisprudéncia italiana associa-se a uma recente revisdo da ratio de proibigo do pacto comissério de garantia. Se se con- siderasse valido © pacto comissério, a coisa seria transmitida para a esfera juridica do credor sem que posteriormente ao incumprimento se ma direito: (%) Clr. Uso Carwevat, “Negozio giuridico — IIT) Negozio fiduciario”, Enci- clopedia Giuridica, vol. XX, IDEI, Roma, 1990, pig, 7, Riccardo GENGHINI, “Patto comissorio € procura a vendere", Contratto ¢ Impresa, 1995, pags. 261 e ss., STEFANO D” Excoue, “Sull’alienazione in garanzia", Conrratto ¢ Impresa, 1995, pags. 230 ¢ ss A propriedade fiduciéria 1 verificasse a congruéncia entre o valor da coisa e 0 valor do débito, sem, \Giio. portanto, preocupagées relativas a tutela do devedor. Ora, da apli desta ideia a alienagio fiducidria em garantia resulta que ela também nio permite este controlo de proporcionalidade, se a coisa que & objecto da garantia for transferida imediatamente, sem mais, para a propric dade do credor. Ou, de outro modo, a alienagio fiduciéria em garan- tia s6 podera admitir-se nos casos em que se assegure um controlo de proporcionalidade entre o valor do objecto da garantia e o valor da divida garantida (37). Tal como acontece, alids, no direito brasileiro e na alienagio fiducidria como contrato de garantia financeira. E auxi- liemo-nos ainda do art. 675.°/2 CCv, pelo qual se consente ao credor que atinja a propriedade da coisa que € objecto do seu direito de garan- tia, desde que se dé a intervengdéo de um rbitro fixando o valor da coisa ¢ que a diferenca entre este e 0 valor do débito seja remetida ao devedor (38). ©) Idem, ibidem ©8) Afastam-se assim as posigdes mais tradicionais, designadamente: — aque fundamenta unicamente a proibigiio na tutela do devedor, para que niio possa ser coagido pelo credor, aproveitando-se da especial necessidade de cré- dito daquele ou da necessidade de prorrogagéo do prazo para cumprimento da obrigagio. E que sempre se poderd contrapér que hé outros meios dispo- nibilizados pelo legistador para atingir aquele mesmo objectivo, nenhum deles determinando a sangZo de nulidade, mas de anulabilidade, tornando deste modo a tutela do devedor dependente de uma manifestagao de vontade. Conside- rem-se, pois, os negdcios usuratios (art. 282.° CCv) ¢ os negécios ados sob coacgio moral (arts. 255.° e 256° CCv) — efi. ISABEL ANDRADE DE Matos, O Pacto Comissério, cit., pags. 58 ¢ ss. Por outro lado, condenar a coacgio tinha por pressuposto que se tivesse provocado uma declaragio de vontade do devedor, em contraste com o que sucede no pacto comiss6rio, pois que aqui uma eventual ameaga teria por consequéncia o exercicio negativo da autonomia privada pelo potencial credor (STEFANO D'ERCoLE, “Sull’alienazione in garan’ zia”, cit., pags. 236-237); — aque, acolhendo consenso entre os autores portugueses, afirma ser proibido o acto comissério por ser um negécio usurério e, por isso, imoral. A ela tem-se respondido com a incongruéncia que existe na sangio cominada para os dois, contratos. Isto é, se a proibigiio do pacto comissério tem o mesmo funda mento da proibigilo do negdcio usurdrio, entio porque sera este anuldvel, a0 passo que aquele ¢ nulo? Se ambos tivessem a mesma razio justificando-os, 72 _ Margarida Costa Andrade Uma parte da doutrina que se tem debrugado sobre a alienagio com efeitos de garantia tem considerado serem-lhe extensivas as normas do penhor, dado que aquela cessiio desempenha uma fungio andloga deste direito real de garantia. Mas, simultaneamente, hd também quem exclua algumas normas fundamentais do penhor, como sejam a do neces- sario desapossamento do devedor pignoraticio e a da proibigio do pacto comissério. Sobre isto dizia Vaz SERRA: “se se estipular que, nado sendo paga a divida no prazo fixado, o fiducidrio fica com a coisa ou com o crédito transmitidos fiduciariamente, (...) a situagdo coincidira pratica- mente com a do penhor acompanhado do pacto comissério ¢ afigura-se, Por isso, que aquela estipulagao deve ser nula.” (3%) O que jé no suce- derd, porém, se se aplicarem por analogia as regras do penhor relativas ai realizagao do penhor, ou seja, obrigando o credor fiducidrio a actuar como qualquer credor pignoraticio, assim tendo necessariamente de rea- lizar 0 valor da coisa depois do vencimento da divida e em hasta publica. “Contudo, acrescenta 0 mesmo autor, pode porventura, acontecer que as coisas se passem de maneira a poder considerar-se legitima a operagio, por ser determinada por finalidades legitimas.” (40) ngo deverfamos ter a mesma forma de invalidade sancionando-os? Neste sen- tido, Isapri, ANDRADE DE Matos, O Pacio Comissério, cit., pigs. 62 ¢ ss. ~~ ou aqueloutra que recorre a regra par conditio creditorum, dizendo que 0 pacto comiss6rio dela constituiria uma violagdo por com ele se oferecer a um espe- cial credor um meio de satisfagio nao disponivel para outros, Porém, também esta solugdo tem sido afastada, quer porque esta regra de protecgao dos credores actua através da revogaco da alienagao em fraude aos credores, nao pela nuli- dade (StEFANO D'ExcoLs, “Sull’alienazione in garanzia”, cit, pag. 238); quer Porque tal entendimento equivaleria a estabelecer uma inadmissivel limitagio do poder de disposi¢ao dos seus bens pelo devedor (cfr. ISABEL ANDRADE DE Matos, O Pacto Comissdrio, pags. 54 ¢ ss. € 70); — hé também quem sustente que © pacto comissério implica a violagio do Principio do numerus clausus das garantias reais por permitir que um credor satisfaga 0 seu crédito sem recurso aos normais meios de execugio, quando © proceso executivo é inerente 2o regime jurfdico de cada uma das garan- tias — i. e., 0 pacto comiss6rio conformaria um direito real de gatantia atipico Quanto a este problema, vide infra (©) “Cessio de eréditos ou de outros direitos”, BMJ, 1955, mimero especial, pags. 190-191 () Idem, tbiddem Al A propriedade fidueidvia E nfo resistimon a langar Wing dliinie dela quanto a esta questio. A proibigiio do pacto Orlo & Wdiclonatmente entendida como forma de tutela do devedor wen, ee se dificultan a criagio de novas uranga ao credor garantias que concedan wn fore pentinente dese a0 eredor Ado se estar, justamento, w projudiew porigio do devedor? Nao ha divida nenhuma quanto ay faclo de que uiilizayio da propriedade como garantia, transmitida antes on depois do ineunmprimento, sera meio eficiente de tutela da posigio crediticin, wisi estando os detentores do capital mais seguros e confiantes ni concensiio de ¢ rédito. _Consequen- temente, o devedor tera, niio 86 um mix faicil acesso vo crédito, mas tam- bém a juros mais baixos, facilitando-se, assim também, o cumprimento rigoroso dos contratos de inanciamento b) Principio do numerus clausus Porém, mesmo que a alienagio fiduciéria em garantia passe pelo fil- tro da proibigdo do pacto comissério incdlume, ela tera ainda de supe- rar © principio do numerus clausus ou da taxatividade dos direitos reais e 0 principio da causalidade dos negécios juridicos. Alias, tal como 0 trust. _. E corrente, pois, afirmar-se a necessidade de a transferéncia do direito de propriedade ser justificada numa causa especifica legalmente prevista, o que, nao sucedendo na alienagao em garantia, determinaria a impossibilidade desta. ; Foi justamente partindo deste princfpio que BELEZA pos Santos chegou 4 conclusio de que os negécios fiducidrios seriam, entre nds, inad- missiveis. Nos negécios fiducidrios ha, diz, um acto de transmissio que pressupde uma causa juridica; mas, 0 pacto fiducidrio revela que ess causa, essa fung&o econdémico-juridica, ndo é aquela que a lei pressupoe para lhe atribuir os efeitos. A lei liga a transferéncia da propriedade sobre uma coisa A recepgaio de uma quantia em dinheiro (na compra ¢ venda), a uma vontade de beneficiar 0 adquirente (na doagio) ou ao recebi mento de uma outra coisa (na permuta). Mas, na aliengio fidueidria a transferéncia da propriedade esté ligada A realizagio de fins que nllo estio tipicamente previstos como ligados a tal cfeito, As partes (ans: ferem a propriedade para fins de garantia ou para fins semelhantes sox do mandato, que nada tém a ver com a causa da compra e venda, da dow 4 Margarida Costa Andrade gio ou da permuta, negdcios reais quanto aos efeitos. “Por isso deve concluir-se (...) que € nula a [a venda] com pacto fiducidrio de garan- tia.” 41) (4) (BY Em sentido divergente se manifestou Vaz SERRA, para quem seria talvez duvidoso aceitar a alienagao fiducidria de coisas, uma vez que a transmissio da propriedade destas deveria estar sempre ligada a uma causa especifica prevista na lei — haveria um numerus clausus de negs- cios reais quanto aos efeitos, 0 direito s6 protegendo as causas que jul- gasse dignas de tutela. Todavia, Vaz SERRA admite uma orientagio diversa e diz: “saber se uma causa é iusta, isto 6, se 6 bastante para jus- tificar a transmissiio da propriedade, é um problema susceptivel de rece- ber solugdes diversas com os tempos, pois podem variar as ideias acerca da utilidade social das fungdes que as diferentes causas desempenham. (...) A lei, do mesmo modo que consente os contratos inominados obri- gacionais, quando merecedores de tutela, também [pode admitir] contratos @) BELEZA Dos Santos citado por Vaz SrRRA, “Cessio de créditos ou de outros direitos”, cit., pags. 159-160. ©) J& Cunna Goncatves (citado por Vaz Serra, idem, pig. 160) partia da proibicio da venda a retro — constante no Cédigo de Seabra — para afirmar a proi- bigtio entre nés da cessio de créditos em garantia ou da alienago de coisa em garan- Ua: “o nosso direito é inconcilidvel com a concepgao duma propriedade provisdria que no seja claramente condicional, mas dependente unicamente da boa {€ do adquirente.” (8) _ Na opinigo de OrLaNpo DE CARVALHO 0 negécio fiducidrio € insusceptivel de ser actuado através de um negécio causal (Negécio Jurtdico Indirecto, cit., pag. 106). B que a causa fiduciae (“forga que consegue fazer de um proprietério pleno praticamente um mandatério ou um hipotecdrio, que consegue vincular a propriedade nos limites do crédito, superando o ‘contrassenso’ juridico que representa equiparar os dois termos”, idem, ibidem) € incompattvel com a compra e venda: ou porque, tendo esta um fim garantis. tico ¢ admitindo o pacto a retro, néo haverd porque recorrer a uma ideia de fidiicia ou de confianca, uma vez que “s6 por si ela desempenha aquele escopo” (idem, pag. 107); 0u porque, produzindo o pacto de retrovendendo apenas efeitos obrigacionais, se trataré, pura ¢ simplesmente, de um negécio translativo, intervindo a relago de fidiicia entre 0 fiduciante ¢ 0 fiduciario apenas num sentido psicolégico ou econémico. Por causa da Quantia fornecida pelo fiduciério ¢ da recepedo, por este, da propriedade de uma coisa vinda da esfera juridica do fiduciante, “a situagdo € equilibrada aos olhos da lei, a venda foi real ¢ to real que o alienante néo pode ser obrigado a volver o preco da coisa © a adquiti-la, quando estiver em condiges de o fazer. Nao hi, desta sorte, aos olhos do Direito, um contra-senso l6gico que importe o recurso a uma ideia de “fiducia’ em sentido técnico” (idem, pag. 108). A propriedade fiducidria um inominados reais que se julpuem dignos de protecgio, como \ negécio fiducidrio de transmisio.” (“) E continua: “uma vez admitido que as partes podem fazer os contratos que bem thes parecerem, desde que o seu fim seja merecedor de tutela juridica (...) néo se a igura haver, em princfpio, obstdculo decisivo a que elas recorram a negécios fiducidrios cujo fim nao seja ilicito ou ndo seja merecedor, por outro motivo, de tutela do direito.” (45) E atentemos ainda nos ensinamentos de PEDRO Pals DE VASCON- CELOS, detentor de uma das posigées mais recentes da doutrina portuguesa sobre o tema dos negécios fiducidrios, e, na nossa opiniao, com uma perspectiva assaz, clarividente. ; Para este autor (4°), além de ndo serem estranhos ao direito portu- gués os contratos abstractos, sendo disto exemplo necessatio os negocios cambidrios, 0 facto de nos negécios fiducidrios o fim tido em vista pelas partes ndo ser coincidente com a fungio tipica do tipo contratual adoptado nao pode ter por consequéncia, diferentemente do postulado por BELEZA DOS SANTOS, a ilicitude, mas sim a atipicidade. Depois, havera que investigar se 0 que pretende conseguir-se com o negécio fiducisrio € merecedor de tutela juridica ou de um juizo positivo de mérito. Ou seja, hé que distinguir dois problemas. Por um lado, temos que saber se 0 interesse concretamente perseguido pelas partes corresponde efec- tivamente ao interesse tipificado — e esta é uma questio de qualifica- gio. Por outro lado, serd de investigar se o interesse concretamente perseguido é digno de tutela juridica — e esta é uma questiio de licitude. Concretizando: na alienagao fiducidria em garantia, a divergéncia enth e a funcao tipica da compra e venda e a fungio concreta do negécio fiducidrio, que é a da garantia, tem apenas como consequéncia a con- clusiio de que 0 contrato nfo é uma compra e venda, mesmo que esta seja — erradamente — a designagiio usada pelas partes. Seguidamente, © contrato deverd ser alvo de um juizo de mérito que poderd redundar, ou nao, numa conclusao de ilicitude, por ser, por exemplo, atentat6rio da proibicdo do pacto comissério. Assim, teriamos um contrato atipico (4) “Cessiio de créditos...”, cit, pags. 171-172, (3) Idem, pags. 172-173. (8) Contratos Atipicos, ., pgs. 282 © 9s 16 Margarida Costa Andrade com efeitos reais, dada a transferéncia da propriedade para o fiducidrio, com fins garantisticos ou com fins administrativos. Ao admitirmos um negécio atipico com efeitos reais, chegaremos 4 admissibilidade de uma propriedade com efeitos garantisticos ou com efeitos administrativos. No estaremos aqui agora confrontados com uma derrogacao necessariamente invlida do principio do numerus clau- sus? Tanto 0 trust como a alienacdo fiducidria em garantia envolvem, necessariamente, a divisdo, entre varias pessoas, dos diferentes poderes que o direito de propriedade inclui: 0 poder de dispor, 0 poder de admi- nistrar e o poder de gozar os rendimentos e proveitos auferidos. Se nao, vejamos. __ No trust, a0 trustee pertence a titularidade juridica do bem (a pro- priedade formal, se se quiser), estando autorizado a praticar os actos de administragao e de disposi¢do que se afigurem necessétios. Na alie- nagGo fiduciéria em garantia, o proprietario fiduciario recolhe a pro- priedade do bem apenas com o preciso objectivo da garantia (47). Isto quer dizer que o proprietario fiducidrio 6 titular de uma propriedade to especial que nunca chega a compreender o usus, 0 fructus ¢ 0 abu- sus (48), Do outro lado, temos, no trust, o beneficidrio, que pode nao sé responsabilizar 0 proprietério-fiducidrio por qualquer violac&io dos seus deveres fiducidrios (direito que assume uma natureza crediticia), mas também agir contra terceiros adquirentes de mé fé (direito, desta feita, de natureza real). Ora, seré a autonomia da vontade alicerce forte o bastante para sustentar esta polaridade? Pode a tradicional unidade do direito de pro- priedade ser bifurcada sob a égide da liberdade contratual de modo a ser aceite entre nds a propriedade fiduciéria? E deixaremos de parte a tarefa de questionar o principio da tipicidade dos direitos reais, eviden- temente ociosa, porque ele, queira-se ou nao se queira, é marca indelé- vel do nosso Direito das Coisas. () Podendo che, doutrina, (8) Cli, Ler: pi: Caos ¢ Vaz "Tom, Propriedade Fiducidria, cit., pigs. 75 ¢ ss. ar-se um penhor com desapossamento, como sugere alguma A propriedade fiducidria 1 Para enfrentar esta barreira Gm ox autores que advogam a consa- gragio da propriedade fiducidria entre nos para além dos casos ja des- critos (4%) admitido que o fiduciario pode ter-se como titular de um ver- dadeiro direito de propriedade onerado com uma obrigagao, que 0 encarrega de atribuir ao beneficidrio todas as utilidades derivadas do bem confiado ou de fazer retornar a esfera juridica do devedor a pro- priedade uma vez cumprida a divida. Do que decorre a concessio ao beneficidrio do trust ou ao devedor de um direito de crédito. E em auxilio desta posigio € convocado 0 art. 1306.° CCy, nos termos do qual sio nulos os negécios de que resulta o desmembramento da pro- priedade, mas que admite como vélidas as restrigdes impostas ao direito de propriedade ainda que tenham apenas eficdcia obrigacional. Isto sig- nifica, pois, que 0 fiduciério pode ser reconhecido como titular de um direito real de propriedade, embora obrigacionalmente onerado pelo acess6rio pactum fiduciae, assim se admitindo uma propriedade fiducié- ria nos termos romanisticos (5%), ¢) Autonomia de patriménios Como observimos, a constituiggio da propriedade fiducidria pode set acompanhada da separacio dos bens ou direitos sobre os quais incida, assim se criando um patriménio auténomo, objecto de tratamento des- tacado face ao “restante” patriménio do fiduciério. E é precisamente por ()V., por exemplo, PEDRO Pals DE VASCONCELOS, Contratos Atipicos, cit., pags. 275 ¢ ss (©) PEDRO Pals DE VASCONCELOS acrescenta a este respeito divas outras idelas, Lin primeiro lugar, mesmo quanto ao conteiido, os tipos reais apresentam alyumna elastic’ dade, clasticidade esta que facilmente sustentaré um pactun fidueiae O que ainda mais facilmente se observa se o fiduciante, em vez. de transferit a propriedade, const tui a favor do fiducidrio um direito real limitado de gozo, nomendamiente any Haiti um direito de uso, um direito de habitagdo ou uma servidiio, 0 pact /idiueiie wenile inserido no respectivo titulo constitutive. Neste caso, haveri ale Yankee de A Vil) culagio fiducidria se tornar oponivel face a terceiros polo repli 0 que Whe @ jinwelvel naquela primeira modalidade, a nfo ser indirectamente, con a publieidide enhnepiiile com a escritura piblica de tansmissdo da propriedasle, Hin pepunlls Lieto feel rio pode ser investido numa posigiio juridiea que nilo de nauirers feul, CHINE HeNnteee na fiducia sobre ttulos de erédito (Consratos Anpieos, ely Phil ATE MY ® Margarida Costa Andrade esta razio que este modelo de propriedade fiduciéria tem seduzido as dou- (inas italiana e francesa que fazem a apologia da integragao positiva da Jiducia nos seus respectivos ordenamentos juridicos. No direito francés, por exemplo, parece que tal ainda nio sucedeu, hao por causa de um principio proibitivo desta forma de propriedade — porque af é dominante a doutrina do numerus apertus dos direitos reais —, mas pela impossibilidade de constituigio de um patriménio de afectag&o auténoma, que permita tutelar a posicdo do fiduciante. A este respeito diz FRANCOIS XAVIER-LUCAS: “a verdade é que nada jus- tifica que, em nome da regra moribunda da unidade do patriménio, 0 direito francés seja privado da fidticia. Mas uma outra verdade é esta: direito positivo € um dado que se impée aos particulares para quem so indiferentes as consideragées de oportunidade.” (5!) Consideramos agora uma excepcio ao princfpio da unidade e indi- visibilidade do patriménio, ndo se admitindo por regra uma pluralidade de patriménios numa mesma pessoa, por forma a tutelar a garantia dos credores, na medida em que a totalidade dos bens e direitos de um determinado sujeito responde pelas suas dividas. Isto mesmo retiramos do art. 601.° CCv: “pelo cumprimento da obrigacio respondem todos os bens do devedor susceptiveis de penhora”. Mas, esta norma continua ainda: “sem prejuizo dos regimes especialmente estabelecidos em con- sequéncia da separagio de patriménios.” De facto, para assegurar a protecg’o de determinados interesses, aquela regra tem sido flexibilizada, permitindo-se a criagdo de mas- sas especiais para cumprimento de finalidades especificas, As quais icam tais acervos vinculados. Segundo a teoria da afectagéio, con- cebe-se uma espécie de divisio do patriménio pelo encargo imposto a certos bens votados a um fim determinado. A utilidade pratica da criago de um patriménio separado € facil de perceber. Por um lado, reservam-se determinados bens a uma destinagio exclusiva. Por outro lado, guarda-se para um certo grupo de credores um determinado nticleo de bens, sobre os quais possam eles satisfazer-se com exclu- silo dos credores gerais, embora também sé tenham acgao sobre esse GY) Les Transferts Temporaires de Valeurs Mobiliéres — Pour une fiducie de valeurs mobiliéres, LGDJ, Paris, 1997, pag, 310. A propriedade fiduetdria ” niicleo (52). Criam ini, day climaray estanques de responsabi- lizagao separada (°") / Contudo, como vimos, a eonsituigie de un patrimdnio de afecta~ cdo 86 € admitida nas hipdteses previstas na lei © com as limitagdes por ela prescritas, precisamente para que possi assegurar-se a compati- bilidade desta técnica com a garantia peral dos credores, necessaria~ mente reduzida com a existéncia de um patrimdnio especialmente des- tinado (4). Além disso, a formagio destes patriménios separados sé fara sentido se o tratamento atribuido 4 ma patrimonial segregada for oponivel a terceiros, sendo, por isso, essencial atribuir-lhe publicidade registal. O que vem também contribuir para sustentar o principio de taxa- tividade na formagao destes patriménios (55). Mais uma vez, nao estamos perante algo que seja completamente estranho ao direito portugués. Recordemos, apenas a titulo de exemplo, 0 patrim6nio sucessério indiviso, o Estabelecimento Individual de Res- ponsabilidade Limitada, o patriménio do ausente, a massa insolvente ou a sociedade por quotas unipessoal. E porque nfo juntar-lhes a pro- priedade fiducidria, consagrada em termos mais genéricos do que o trust off shore ou a fideicomisso, também eles constituindo patriménios sepa- rados? d) Conclusées prévias Chegou, pois, o momento de retirarmos algumas conclusdes do que fomos dizendo. ; Olhando para aquilo que tem acontecido recentemente nos siste- mas juridicos congéneres ao nosso, a propriedade fiducidria, quer com fins garantisticos, quer com fins administrativos, é uma figura nfo legal- mente admitida, mas crescentemente exigida pelos operadores econd- (2) Messineo, citado por MeLiim, Trust, cit., pag. 122 (3) Ricarpo A. S. Costa, Sociedade por Quotas Unipessoal no Direito Port gués: Contributo para o Estudo do seu Regime Jurtdico, Almedina, Coimbra, 2002, pig. 97 (n. 55), (4) MELHIM, Trust, cit., pags, 126-127. (5) Idem, pigs. 127-128. 80, Margarida Costa Andrade micos A tesposta a tal necessidade tem sido dada, na auséncia de uma intervengao legislativa positiva, pela doutrina e pela jurisprudéncia, que assumiram o encargo de construir og negécios fiduciérios usando como Pedra de toque © principio da liberdade contratual ¢ de modo tal que pudessem encaixar-se nos respectivos ordenamentos juridicos sem ferir os principios irrefutdveis e caracterizadores da dogmatica civil ¢ que se encontram igualmente consagrados entre nés. Serd talvez entio a nés, estudiosos e priticos do direito, que caberd abrir o mundo fiducidrig ao mundo do direito, assegurando a validade destes negécios dentro dos principios estruturantes do nosso sistema juridico, para assim asse- Surar a certeza € a proteccdo das partes. O obstéculo que imediatamente se vislumbra para a consagragao da alienagao fiduciéria em garantia ¢ 0 da proibigio do pacto comissorio. Tal como estio as coisas neste momento, podemos aceité-la? Talvez, Desde que 0 acordo de garantia Preveja um modo de controlo da rela- Gao entre o valor da divida garantida e 0 valor da coisa que € objecto da garantia, quer prevendo os préprios contraentes valores de referén- cia que servirdio de base ao cdlculo de compensagdes mtituas entre o cre- dor ¢ 0 devedor uma vez vencida e nao cumprida a obrigacao, quer garantindo uma intervengio arbitral, 4 semelhanea do que sucede no Penhor. Se a ratio da proibigio do pacto comissério & a tutela do devedor, entio, desde que esta esteja garantida, porque nao aceitar tal direito de garantia? Claro esté que, © nosso legislador dispondo-se a legislar ex novo Sobre esta figura sempre poderia afastar a proibi¢ao do pacto comiss6- Ho como fez para o penhor financeiro, garantindo, porém, aquela pro- porcionalidade de valores, e Obrigando o fiduciario-credor a uma alienag imediata apés a consolidagdo da propriedade, apoiando-se, porque nio, na experiéncia muitissimo bem sucedida do legislador brasileiro, Vimos ainda que os principios da causalidade e da tipicidade nao ‘ém de ser celindrados pela propriedade fiducidria. As partes so, antes dle mais, livres de constituir direitos reais por qualquer meio juridico, jé que o principio da tipicidade no abrange os modos de constituigdo dos direitos reais. Transferida que seja a propriedade para um fiduciério, este serd tido como proprietério pleno do bem ou bens confiados — titular, portanto, de um direito real pleno —, embora comprometido obrigacio- nalmente perante © fiduciante ou aquele que este pretenda beneficiar, BL \ propriedade fiducidria com causa/fungio garantistica ou administrativa, dependendo do auc a estipular no pactum fiduciae. Ou seja, temos pois como a mis dh direito portugués a propriedade fiducidria constituida & imag mda fi cia romana. Constituida por contrato atipico licita, des Ie we ‘s 3 prossecugao de fins tutelados pelo direito e nao viole disposig6es imp en nao nos impede, contudo, de sugerir que quer 0 trust quer ‘ ae nagio fiducidria em garantia permitam, a criagao c uum patring ° separado, para maior atractividade do instituto, seguin " a tendered doutrina continental. Embora esta opg4o tenha de ser deixada zl riamente para o legislador. CONSEQUENCIAS DA INFIDELIDADE er ari Estando 0 direito portugués apetrechado — a nosso ver para receber a propriedade fiduciéria, parece-nos Pertinente avangar com algumas notas sobre as consequéncias da infidelidada le. stido ape Sendo 0 fiducisrio um verdadeiro proprietério comprometi ane nas obrigacionalmente face ao fiduciante, que meios esto dispor deste para assegurar 0 cumprimento do pactum Siduciae? ve repro Pas DE VASCONCELOS que nestes negécios os riscos so sul eet ‘ay nent nulos — porque o fiduciante confia na seriedade e ee von bade de m prir daquele que recebe a sua propriedade —, mas ol yc ame vados (°6). E, como acautelava WILLIAM SHAKESPEARE, ‘na acredite nem nos que pedem emprestado, nem nos que emprestamy po ‘ql tas vezes perde-se o dinheiro e o amigo... € o empréstimo. vasit con A tutela do fiduciante (7), porém, é forte, dado que Pode rae Fon tra o infiel recorrendo 4 tutela penal, que sanciona aque! e ae ind ardilosamente outrem a confiar nele com a intengao deo enganar (or " de burla), bem como aquele que, nao tendo inicialmente a v0 tae enganar, acaba por fazé-lo depois de investido na titularidade da priedade (crime de infidelidade). () Contratos Atipicos, cit. pag, 285. eas (57) Seguiremos de perto, PEDRO PAIS DI VASCONCHLOS, fa 6 8 a Margarida Costa Andrade Margarida Costa Andrade usar do art. 830.° CCy, nos termos do qual “se alguém se tiver obrigad a celebrar certo contrato e nao cumprir a promessa, pode a outre parte, @ ue Ge Convengio em contrario, obter senten¢a que produza os efei- ' Sclaragio negocial do faltoso, sempre que a isso se nao 0 onha & natureza da obrigagio assumida.” Assim como pode reconen ao: arts. 443.° € ss. CCv, nos termos dos quais 0 Promissario de uma obi, também ao beneficirio da promessa. _ 0 facto de considerarmos o fiducidrio como Proprietario plen: implica, igualmente, que ele possa obter 0 registo do seu direito. co ‘ Sequentemente oponfvel perante terceiros. Isto significa que se dis . ser ou onerar a coisa confiada, tal acto sera plenamente eficaz, imesmno contra ° fiduciante. Este, porém, podera recorrer ao expediente indem nizatorio, com fundamento em incumprimento contratual embor: The esteja vedada a acgio reivindicatéria. E esta parece ser a solu 4 di . quada mesmo que © terceiro esteja de mé £6, isto €, mesmo que ° ade i Tente esteja ciente de que a coisa tinha sido tao-somente fiductada, Nada obsta, contudo, que o fiduciante ataque esta alienacgdo recorrend ; aos por Vezes esquecidos instrumentos de Protec¢do de confianga, 3 cabega dos quais temos 0 art. 334.° CCv, punindo 0 abuso de dein “Na sua aparente simplicidade, comentava ANTUNES VARELA (58), o art. 334. ° CCv constitui, ‘a verdade, um manacial inesgotavel de solugdes através das quais a jurisprudéneia pode cercer muitos abusos, harmonizando o: Poderes do proprietério com as concep¢ées actuais e futuras acerca da Propriedade. Cada um dos limites assinados genericamente ao exercj- cio do direito, para salvaguarda da sua legitimidade, constitui um filo Precioso de restrigées, cujo conhecimento abre largas perspectivas a prudente exploracao, tanto dos tribunais como da escola sobretudo NO Seu conjunto, servindo como instrumento de continua renovagao do (8) Comentério a0 a "CO 7 ’ ips, 92.03 int. 1305.° Cv, no Cédigo Civil Anotado, Vol. IM, cit, A propriedade fiducidria _ ordenamento juridico quanto ao exercicio e tutela dos direitos, 0 art. 334.” constitui uma arma de gume tao afiado que s6 a maos prudentes cla poderia ser entregue sem risco de o preceito ferir gravemente a seguranga do comércio juridico.” E aquela carta dirigida a D. Manuel I assim terminou: “E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco me alonguei, Ela me perdoc Porque 0 desejo que tinha de Vos tudo dizer, me fez por assim ‘pelo mitido. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que do Vosso servigo for, Vossa Alteza hd-de ser de mim muito bem servida. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta feira, primeiro dia de Maio de 1500.” PERO VAZ DE CAMINHA BIBLIOGRAFIA ANDRADE, MANUEL DE, Teoria Geral da Relagdo Jurfdica, t. Il, Almedina, Coimbra, 1960. Baur, Frrrz, JURGEN BAUR € ROLF STURNER, Baur/Stiirner Lehrbuch des Sachenrechis, Verlag C. H. Beck, Munique, 1999, 17.* Edig@o. Brurav, José Puic, “Negocio fiduciario", Nueva Enciclopedia Juridica, vol. XVI, Edi torial Francisco Seix, Barcelona, 1982, pags. 204 e ss. 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