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A ZONA CINZENTA DA RESPONSABILIDADE: LIMITES E POSSIBILIDADES DE UM CONCEITO=CHAVE DO DIREITO E DA ETICA CONTEMPORANEOS THE GRAY ZONE OF RESPONSIBILITY: LIMITS AND POSSIBILITIES OF ‘A.KEY CONCEPT OF CONTEMPORARY LAWY AND ETHICS Dioco Jusnino DDoutor e Mestre em Teora¢ Filosofia do Dirlto pela UER Integrante do Laboratério de criticaseslternativas&priso (LabCap) ssa Idelatrazern consign conceitos 0 definidos, desde responsabilidad Vdualizadas até resporsabiliades cole eas, genércas. A concepedo individual ca talvez sea aquela mais bem difundida his icamente, com um conceito semehante 20 de atribuigdo individual ou imputagdo. Responsével ‘ria aquele que assume pessoalmente uma con- iad se rnaviauatiou. Pea’ ‘junta buscaremos os si ponder 8 ess per- ifcados histéricas do ‘oneeito. Posteriormente,analisaremos 3 PAVAvens-ciaves Responsabifidade ~ Punigdo ~ Imputagio » Indivicualizagdo ~ Atribuigao siagop's@gmal.com dividual attibution or imputation, Responsibie is the one who personaly undertakes conduct However, the first meanings ofthe term point to ‘other places, leaving the question as to how the concept of responsibilty nas been individualized, ‘sto ansier ths question we will seek the his- reanings of the cancept. Subsequently, ye te recent attempts 1 collectvize «spo lacing this concept ina poiysemy. Final it willbe possible to the contours ofthis idea, its limits and possii- ites, Kewwronos: Responsibility ~ Punishment - Impu- 32 1. Intropugdo (O debate sobre a responsabilidade ¢ central no direito, mas também na ética ena politica, Para Reyes Mate, por exemplo, cada tempo possui uma construcao ética que se move em torno de um eixa espectlico. Nos antigos, a virtude. Nos modernos, o dever. E para n6s, contemporaneos, a responsabilidade.* Segun- do Klaus Gunther, em cada época ha palavras as quais se vincula mais intima- ‘mente o espitito objetivo de uma sociedade. Isso se percebe pelo uso frequente ¢, especialmente, porqite sett uso nao recebe nenhuma objecao, nem ao menos a pergunta sobre sew significado, Atualmente a palavra responsabilidade parece desempenhar esse papel? Responsabilidade fiscal, politica, coletiva, social, individual, ambiental; cri- me de responsabilidade, responsabilidad ao diigir, responsabilidade na acade- mia ete. Muitos termos se agregam a essa idela, oferecendo contornos diferentes €, por vezes, contraditorios. O conceito de responsabilidade, chave para o direl- to, paraa ética e para a sociedade atual, em geral, nao ver dotado de contetdo. Se mostra autoevidente. Todos parecem entender. Na realidade, todos parecem possuidores de responsabilidade. Ninguém dira “sou irresponsavel”. Este artigo pretende tentat compreendera construgao hist6rica desse concelto, suas nuan- ces, suas perspectivas individuais e coletivas. Para muitos autores, o século passado marcou uma virada de intepretacio do conceito de responsabilidade, observavel nao mais, ou nao apenas, como atri- buicdo individual de atos. Seria uma responsabilidade pelo que ndo fizemos*. A partir da memoria das tragédias do século XX, por exemplo, muitos pensadores defenderao que em termos éticos ou filoséficos seria possivel pensar responsabi- lidades historicas, coletivas ou politicas.' Sem duvvida estamos diante de um no- 1, MATE, Reyes, Tratado de lainjusticia, 2011. p. 246. 2. GUNTHER, Klaus. Teoria da responsabilidade no esta pl 3. Para uma critica ao uso moderno da palavra respons ética, geracional ou historica, ver RICOEUR, Paul, O justo I: justica como regra mi ‘como instituicio, 2008. p.33,34, 55-57. demacratico de direito, 2009. Direro Pew «33, vo momento da responsabilidade, no entanto, seria uma virada interpretativa, uma ruptura ou um retorno as origens? Para responder tal questo buscaremos suas origens edefinigdes. Tentaremos compreender, inicialmente, como aparece aresponsabilidade no direito (se individual ou coletiva) e quais movimentos his- toricos nos fizeram chegar ao conceito atual, Depois, trataremos da divisao entre responsabilidade civil e penal, com suas diferengas e semelhancas, muitas vezes esquecidas pelos tedricos do direito, sendo certo quea responsabilidade aparece, cada vez mais, como um conceito decisivo para as ciéncias criminais, sendo rela- cionada de muitas maneiras as ideias de individualizagdo, imputagao, culpabili- dadeeatribuicdo, Por fim, procuraremosapresentar concepcdes diferentessobre oreferido conceito, que ora se aproximam, ora se afastam do conceito jurfdico. 2. A INVENGAO DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL, A responsabilidade € habitualmente definida em termos individuais, Sua natureza seria individual. José Mora, no Diciondrio de filosofia, conceitua res- ponsabilidacle como obrigacao de responder por seus préprios atos, sendo fun- damentada na liberdade da vontade. Assim, em um mundo onde os fendmenos estivessem inteiramente determinados nao haveria responsabilidade.’ Ha uma vinculacdo entre liberdade individual eresponsabilidade. Talvez seja possivel di- zer que a ideia mais difundida de responsabilidade seja individual (por seus pr6- priosatos), Todavia, mesmo do ponto de vista da origem, essa nogo ¢, a0 menos, polemica. Segundo o verbete de Luis Antonio Cunha Ribeiro, responsabilidade se ori- ginano latim responsum, que, por sua vez, tem origem em respondere, que possuit muitos significados: prometer, responder, responder por, fazer eco, estara face de etc." O termo surge modernamente e teria sua primeira mengio em um contexto politico comos Federalistas.’ Nilo Batista, igualmente, mostrara que. direito an- tigo ignorou os termos responsavel e responsabilidade.* Responsavel aparece so- historico, la respuesta deberta ser, al menos, colectivao politiea” (MATE, Reyes. Memo- riade occidente. Actualidad de pensadores judios olvidados, 1997. p. 264. 5. MORA, José. Diciondrio de ilosofa, 2004. .1V (Q-2).p. 2522. 34 Revista Brasitsna ne Ci 2019 © RBCCai ‘mente no inicio do século XIV e significava algo que pode servir como refutagio (um argumento, por exemplo); algo que pode resistir (uma fortaleza, por exem- plo) owalguém que estaria obrigado a comparecera justica’. Jaa palavra respon- sabilidade somente foi registrada na segunda metade do século XVII, atribuida na Franca a Jacques Necker (um banqueiro que fundava.a confianga em um titu- puiblico na responsabilidade do governo) e na lingua ‘ico ¢ de quem planejava a organizacio p lca que, apartando-se de sua origindria vertente teorica li ‘dora do poder punitivo, desempenhara a estratégica fungaio de conceber ares- penal ‘condenado como devedor eo exerciciodo poder vo como um direito do soberano ou da Repiblic fazendo um trajeto historico do termo responsal ditara que a polissemia do termo corresponde & sua evolucao.” A ideia s6 po- de ser compreendida mediante apresentacao das vi mas de pensamento aos quiais pertencem o termo." Na mente, ha um sentido especificamente juridico. Todavia, apesar do sucesso contemporineo da palavra responsabilidade, ela nao existiu no direito romano. Sua ascensto s6 se dard no século XIX,"Jéa palavra responsdvel é mais antiga (sé- culo XIII) e provém de responsum, cerivada de respondere."* Respordere, por sua 9. BATISTA, Nilo, fmputacion para principiantes(brasilenos), 2008. p.6. 10. lo. Imputacion para principiantes (brasilenos), 2008. p.6, 11, “Es asf que en el siglo XV 1 de quien ejereia el poder econsmico y {de quien planificaba la organizacion politica, se recomponey se denomina la categoria jjuridica que, apartandose desu originariayertiente tebica limitadoradel poder puniti- vo, desemperiar laestratégica funcion de concibirla respuesta penal como obligacion, jo de poder punitive como derecho del soberano Imputacion para principiantes (brasitenos), 2008, p. 7. 2 1esur le mot responsable. Archives de philosophie du 1977.1.22. La Responsabilite, p. 45. 13, se historique sure mot responsable. Archives de philoso M4. Dineito Pewat tro. O termo repondre implicaria uma ideia de garantidor de eventos futuros. [esse sera o significado socialmente difundido, para além da linguagem juridica, século XVII da palavra respondere.!* origem do termo Respon: uma culpa individual ow a existencta de um sujeito passivo. O termo ma rota parecida com outros tais como obrigacéoe contrato. Foramatrat- linguagem moderna para o direito.* Responsdv (0, inicialmente ar na moral cristi?! para depois passar & uma moral laica. Como substi- Deus aparecem a humanidade, a sociedade, o futuro e o nosso coracdo Em matéria de responsabilidade criminal, da Idade Média até a Anti- aga, a justica do principe sempre copiow a justica divina.® No direito ». VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable. Archives de philosophie du 977. 22. La Responsabilite. p. 46-47. 35 36 Revista Bras civil nao seria diferente. Reformulado modernamente como um prolongamento da moral, tem como axioma contratual a regra crista-estoica de que todos devem cumprir suas promessas, e como mandamento geral outra regra abundantemente presente na moral crista, dos escoldsticos espanhois a Sao Tomds de Aquino, da obrigacao de restituir e reparar os danos causados por culpa propria.** De que forma entio a ideia de responsabilidade ¢ introduzida no direito? Raymond Saleilles diferencia uma concep¢ao popular de uma concepeao cientifi- ca da responsabilidade. A concepeao popular tem origem no cristianismo, sendo aideia de falta imputavel ao individuo o fundamento da nogao de pecado. Essa res- ponsabilidade moral se estendeu pelo mundo, impregnando as almas e espirituall zando (ou moralizando) a ideia de delito.** Contudo, seria necessério separar essa nocao de responsabilidade vaga, mas certa e viva nas pessoas, com o que a filoso- fia espiritualista nomeou mais tarde de livre-arbitrio e, contraditando a doutrina da predestinacao, gerou.a responsabilidade.”” Esse o ponto de virada em que no diret- to candnico surgira a responsabilidade penal, como ponto de vista subjetivo: “enquanto o direito anterior nao via além do dano social ou individual, 0 ato ‘material em sua brutalidade, o direito eanonico vers, sobretudo, 2 alma que cometeu o mal, e, para empregar sua linguagem, aalma que pecou e que sera preciso sanar, purificar, elevar por expiacto e através da pena” 2* A sangao subsiste como expiacao. Porém uma explacao nova, nao mais dirt- gida a uma divindade, mas agora como um mal que atue sobre a alma. De todo ‘modo remontando a sua origem que se situa em Deus. Com o poder de punir pertencendo a Deus, ninguém tem poder sobre o homem, sabre sua liberdade ou. sua vida, nem mesmo a sociedade — a nao ser por delegacao divina, e igualmen- te a escola positivista dira que a sociedad nao pune, se defende.” Nesse ponto ILLEY, Michel. Esquisse historique sure mot responsable. Archives de philosophie du droit, 977. 1.22, La Responsabilité. p.55. 25. Propaga-se sob a forma de uma idela da qual todos tem conseienela, que todos viven- iam; mas nao € analisada, néo € esclarecida, Nao se faz dela uma nogio cientifca LLES, Raymond. A indivtdualiaacao da pena, 2006. p.51. 26, SALEILLES, Raymond. Aindividualizacao da pena, 2006, p.51 27. SALEILLES, Raymond. A individualizacao da pena, 2006. p. 51-52, 28. Aqui SaleillescitaPellizar,Ildelito ela sclencia moderna (1896). p. 441, Apud SALEWL LES, Raymond. A individualizacdo da pena, 2006. p.53 SALEILLES, Raymond. A individualisaca 29, 30, Dinero Pena. = 37 es propde uma relagto entre direito penal candnico e a escola criminolé- psitivista, Punir é mais do que exercer um poder de homem para outro ho- € penetrar nas consciéneias, julgar a esséncia da personalidade e a partir por sobre vida e a liberdade. Nesse caso, o homem nao teria outro juiz Deus. Essa sera a base nao dita da escola positiva.® Ao contrério, quem é pativel coma dignidade humana e fere a liberdade individual ¢ a doutrina ‘ndo ha prineipios nem verdades racionais, nem liberalisma ou raciona- ie concordem ematribuira sociedade o direito de punire alegitimar seu io". ireito candnico também esté o fundamento do direito penal subjetivo. jente o germe, e sima propria aplicacio, tendo penetrado nos tribunais € nos juizos civis. Parece ser posstvel, segundo Saleilles, que a ideia de wsabilidade tenha sido um dos pretextos que determinaram a introdugio ura: “para punir eram necessarias provas, nao 6 do ato, mas da falta”? ortura provocam-se confiss6es ¢ fixa-se a culpabilidace moral e mate~ No direito penal, todo ato de vontade seria um ato de responsabilidade, iscutindo se o ato de volicao foi determinado ow condicionado—vontade le, Vontade mais liberdlade € responsabilidade.®* Entretanto, em termos nsabilizacao individual, a liberdade ea vontade serdo moduladas poste- inte, O quanto de liberdade se coloca em uma acao equal a intensidade da lc determinardo o grau de responsabilidade."* 1 serd a principal ideia que marcard a responsabilidade civil (vontade + li- , ndo sendo acaso, como anota Jacques Henriot, que o aparecimento do bstrato responsabilidade corresponda exatamente ao interesse dominante s anos do século XVII, tendo como marea a ideia de que a responsa- de todos” garante o direito de cada um, ou seja, a possibilidade de que im responder por seuss atos individuais, garante o direito de cada um.” 1 ser tesponsaivel sendo por sua propriaculpa, ou porsua propriaagao—0 ', Raymond. A individualizacao da pena, 2006, p. 54. licacao da pena, 2006. p. 54. lizagao da pena, 2006. p.55. licacao da pena, 2006. p.55. 38 Revista Brasiena v€ Ceénoas Ci paraiso da liberdade individual’, De fato, dir4 Villey, apesar de ser uma palavra hibrida, o sentido mais difundido para responsabilidade é 0 que deriva da moral individualista moderna.» Para este autor, o significado antigo parece mais ade- quadoasnecessidades especificas do direito,do que osentido moralista, queolha apenas o individuo, concentrando-se em suas intengdes subjetivas. Enquanto 0 juuista deve ter uma visto mais ampla, buscando as relagdes entre uma plurali- dade de sujeitos: Vitimas, autores, sociedade.” Doutrinadores da responsabilidade civil também apontam a origem do termo no latim spondeo, tendo sentido muito préximo da obrigacao, Emrealidade, oque se leva em conta éa violagao da obrigacao, do dever ou mesmo da norma, Assim, 86 existe responsabilidad com o desvio.* Spondeo era, no direito romano, o vin= lo entre credor ¢ devedor nos contratos verbais. Dessa raiz teria respondere, a obrigacdo peranteas consequencias da atividade*, Assim define um civilista bra- leiro contemporaneo: “a responsabilidade €, portanto, resultado da agao pela qual o homem expres- ‘sa0 seu comportamento, em face desse dever ou obrigacdo, Se atua na forma. indicada pelos canones, nao ha vantagem, porque supérfluo, em indagar da responsabilidade dat decorrente. Sem ciivida, continua o agente responsével pelo procedimento. Mas a verificagio desse fato nao The acarreta obrigacto nenhuuma, isto é nenhum dever, traduzido em santo ot reposigao, como substitutivo do dever de obrigacao prévia, precisamente porquea cumpriu.” ‘Outro fato relevante no ambito da responsabilidade em termos juridicos € rago entre responsabilidade civil ¢ penal. Conceitualmente nao haveria di- nga clara entre os dois tipos de responsabilidade. Ambos dizem respeitoa im- \cAo individual de condutas. A diferenca aparece no tipo de conduta tutelada_ forma mais clara, na resposta as condutas desviantes, sendo o direito penal com resposta mais violenta. 98, VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable, Archives de philosophie di roft, 1977. 1,22. La Response VILLEY, Michel, Esquise historique sur le mot responsable. Archives de philosophie du it, LOTT. t,22. La Responsabilit. p58, VILLEY, Michel, Esquisse historique sur le motresponsable. Archives de phifosophie di 1977, 22, La Responsabilié.p. 8. #1, CAVAL 1, Sérgio. Programa de esponscbi 12, GAGLIA} 43, DIA Diseino Pert Andre Tune explora esse assunto com mais cuidado em La responsabilité ivile. Apesar das distingdes estarem um pouco mais claras nos dias de hoje, ela ve obscura por séculos. De fato, nas sociedades primitivas havia um s6 con- * Em certo momento do desenvolvimento das sociedades ha uma divisao ‘¢ a compensagdo €a puni¢ao. A compensacao, uma espécie de multa paga erano, somente tnais tarde sera dirigida a vitima e, ainda mais tarde, sera ida da acao criminal. Por muito tempo as acoes estiveram unidas e julga- lo mesmo juiz (até os dias de hoje a mesma conduta pode gerar as duas 3) No direito primitivo, frise-se, 20 modelo da vinganca privada acoplou-se rie de institutos com pretensdes de promover a paz social eevitara esca- de violencia, Um deles era o pagamento de um valor a vitima ou a sua fa- «t. Com o passar do tempo, as coletividades acordaram valores especificos, \espécie de regulagao anterior dos conflitos. Nesse momento, interessa no- » surgimento da figura do wergeld, o prego pago pela ofensa alguem. No en- formulagio do prego variava de acordo coma vitima, ou melhor, coma ncia social da vitima (quanto mais importante for esta, maior a indeni- ; temos, assim, um primeiro ensaio de individualizacao que levaem conta ‘ode vista da vitima, e ndo do autor da ofensa. Na realidade, prescinde-se iente da individualidade do autor, no sentido de sua personalidade, pois tho do mal varia de acordo com a posicao social do ofendido® e ha um ‘al objetivo: “scomal éindividual,o ofendido nio tem que considerar seseu adversévio quis ‘ou no 0 mal realizado. A lei Ihe oferece umn prego de composigto. Se 0 dano € publico, a coletividade, os deuses, querem uma expiacio, O mal est feito, & nnecessario uma vitima expiatdria, Nao se penetra nos detalles das vontades; analisaa intenc2o, Serautor material de um ato significa ser moralmente sudo pelo ato”.”” mento, todavia, era completamente estranho 0 conceito moderno idacle, sendo o modelo penal baseado na ideia de falta e risco."® 1989. p. 47. onsabilitecivle, 1989. p.47. ml. A individualizagao da pena, 2006. p. 41-42. 10 dapena, 2006, p. 48. 39 is 2019 ¢ RBCCans 161 Pune-se mesmo em casos nao intencionais, nao pretendidos, imprudentes, ou. seja, com auséncia de vontade. O importante era o dano material e 0 preco a ser pago era o prego do risco (da liberdade) fixado de antemo.” Atualmente, segundo Tunc, nao haveria muitas dificuldades na separacao en- tte responsabilidade civil e penal, do ponto de vista dos objetivos. Na acao ci a reparacao do dano, naagao penal, a exemplaridade por meio de sangao ou me- dida de seguranga.”* A acdo civil lidaria com interesses privados, enquanto que .agao penal com interesses puiblicos, havendo nuances nessa separacio e dife- rentes graus de fungoes comuns: prevencao da conduta antissocial, satisfagao da vitima e punigdo do autor de dano, sendo que algumas sangdes assumem tragos caracteristicos da nogio que nao pertencem, Por exemplo o dano moral puniti- vo." Outras diferencas seriam os julgamentos por esferas separadas do Judiciario ecritérios diferentes de tomada de decisao.” O mais importante da construcao tedrica de Tune sera a convergencia entre os objetivos das responsabilidades civil e criminal. Os fundamentos dasduas formas de responsabilidade estao evoluindo ¢ cada vez menos distantes, embora seja im- posstvel prever uma uniao total.” O objetivo classico da responsabilidade penal seria a punicao de umculpado, com objetivosde defesa sociale prevencao. Nares- ponsabilidade civil, a ideia de reparacao de danos também se agrega a prevencao de comportamentosantissociais coma ameaga da sancao.* Historicamente, seria posstvel distinguir cinco fungdes da responsabilidade civil, intimamente ligadas: a) punicao de um culpado, b) vinganga, c) compensacao da vitima, d) restauracao da ordem social ee) prevengao do comportamento antissocial™ Tancaponta como um dos fatores que afetaram diretamente as funcdes da res- ponsabilidade civil, as pesqquisas da criminol6giapositivista do século XIX (aliado aestudos contemporaneos), que afirmam uma incapacidade de julgar o homem, Isso alasta as fungdes de punigao, restauragdio da ordem social e vinganea da viti- ma, Mantendo-se a compensagio ea prevencao por dissuasio.** Genevieve Viney 49. SALEILLES, Raymond. A individualizacao da pena, 2006. p. 50. 50. TUNC, André, La responsabilité civil, 1989. p. 48, 51. TUNG, André, La responsabilit civile, 1989. p. 49. 52, TUNG, André, La responsabi 1989, p. 48, 53. TUNG, André, La responsabi 1989. p. 49. 54, TUNG, André, La respo 1989, p. 50. 55 1989, p. 133, Peval 41 eguue o mesmo trajeto ao trabalharas semelhancas entre responsabilidade civile nal. Afirmard que foram os penalistas e crimindlogos que colocaram elemen- 'sfandamentais no debate sobre responsabilidade em geral™, sendo a influen- \ da criminologia positivista italiana importante para 0 desenvolvimento da sponsabilidade civil hoje; pasando para segundo plano a apreciacdo da cul- lade e enfocando a defesa social e, eventualmente, a reinsercao social do nndenado.® ipabilidade e responsabilidade est4o em segundo plano porque a escola naapresenta uma reaao contra. tese do livre-arbftrio, olhando 0 delito co- roduto natural, sem espaco para a ideia da liberdade.® O crime ¢ 0 produto |, seja de seu temperamento patolsgico (Lombroso), seja de seu meio social Assim, a pena nao pode ter o carater de sancao nem de reprovacao so- ‘A pena passa aser uma medida de defesa e seguranca puiblica—o problema ¢ 0 crime em si, mas sim o criminoso € 0 perigo que ele representa. A indi (clo esta fundada na periculosidade, endo existe responsabilidade, ca-se os delinquentes, nao os delitos, Adapta-se as penas a natureza criminoso, nao a gravidade do crime, Por fim, separa-se os individuos recu- € 05 irrecuperaveis."' Para os tltimos, a neutralizagao/eliminacao, Pa- primeiros, uma individualizagao com objetivos de cura, levando em conta icterfsticas pessoais.” Isso gera uma conclusto paradoxal:“livrar da pena as pessoas que tivessem delinquido e, a0 contraio, sobretudo, punir de an- ividuos que nunca delinquiram”.* A formula gera dois novos grupos: [sos criminosos ~ primarios para quem o delito teria sido um acidente (cti- lade externa e juridica) eos criminosos naturais, crOnicos (criminalidade € ndo necessariamente juridica). Outra contradi¢ao. De um lado um ‘0 real, porém sem delito ¢, portanto, em suspeita. De outro um agente \que, porém nao € criminoso, vieve. Tratado de derecho civil: introduciéna la respansabil Posicio 2416. eve. Tatado de derecho civil: introduciona laresponsabilidad, 2007 (ver- 02424. , Raymond. A nond. A ind |, 2007 (ver- iduaizacao da pena, 2006. p. 100. iduallzagao da pena, 2008. p. 11. izaco da pena, 2008. p. 112. zacao da pena, 2006. p. 113 13 42 Annocao de responsabilidade desaparece, sendo substitutda pela individuali- zagdo. A pena deixa de ser sangao ao crime e passaaser uma medidade prevengao contra a criminalidade; de cura, se possivel, e eliminaggo, se nao houver recupe- ragao, A individualizacao ¢ definida como “apropriagio dos meios repressivos ao fim proposto, que éa eliminacao da eriminalidade, quer pela reforma do crimi noso, quer pelo seu afastamento, caso seja irrecuperavel”.® Corroborando a relagao entre responsabilidade civil e criminologia positivis- ta, Viney abordaré o incremento de formas d de cunho pu- nitivo ou exemplar, que consagram condenacdes que na realidade sao formas de penas privadas. Alia-se aissoa transformagio relacionadaao risco eaos seguros ‘com novas formas de indenizacao baseadas em seguros diretos ou mesmo na se~ guridade social, Assim,a funcao de prevencao tendease tornara mais {e, tal qual ocorte no direito penal. Haveria uma jungao das fungoes.*" A légicado risco desresponsabiliza a responsabilidade, cada vez mais vista como uma entre as varias formas de compensacio. Enquanto que no direito civil vemos uma desculpabilizacdo™, com a nogio de culpa desaparecendo (agorase fala em responsabilidadeindependente de cul- pa,a partir do risco™ ou da “solidariedade”) ¢ a substituigao da ideia de ilicitude (violagao ao direito) por dano injusto”, no direito penal o conceito de culpebi- lidade esté em crise, dada a impossibilidade de comprovacao cientifica do poder agirde outro modo eos problemas éticos gerados pela ideia de reprovacao, também sendo possfvel falar, como anota Viney, em uma tendéncia de desculpabilizagao da responsabilidade penal (responsabilidade penal objetiva) ¢a responsabiliza- ‘cao penal pelo risco”, algo que vem sendo demonstrado pelas pesquisas atuais sobre politica criminal atuarial. tzacao da pena, 2006. p, 123-124, Introduciona laresponsabilidad, 2007 (ver- 67. TUNG, André, Laresponsabiltéciile, 1989. p. 50. 68. RICOUER, Paul, Ofusto 1: justiga como regra moral ecomo instituigto, 2008. p. 49. Dinero Pena, 43 3. CoLETIVIZAR A RESPONSABILIDADE? Vimos no capitulo anterior que a ideia de responsabilidade, originalmente, ndo possui vinculo necessario coma atribuigao pessoal de condutas, inexistinda uma nogao de culpa individual por detras ou mesmo um sujeito passivo. Havia sentidos diversos que se conformarama partir de um determinado caminho -0, desembacando nos séculos XVIII e seguintes com o conceito ind lista e individualizante de responsabilidade. Aconteceque,apartirdo século XX, sobretudo apésaSegunda Grande Guerra eratura humanista pOs-nazismo, ressurge com forca o debate sobre respon- lidades coletivas, politicas, hist6ricas etc. Um debate realizado no campo da ctica, que pode influenciar o direito decisivamente. O filosofo espanhol Reyes Mate fundamenta sua ideia de responsabilidacle no nculo hist6rico entre passado e presente, sendoa memoria um instrumento her- eutico que atualiza as injusticas, primetro como reconhecimento das injus- Licas do pasado”, e segundo como responsabilidace das geracoes futuuras com as syeragdes passadlas, Na relacao histOrica comum, da qual todos somos herdeiros, sta um presente construido as custas dos que morreram & margem da historia ovos origindrios, negros escravizados, mulheres, comunistas, judeus). Recusar 0 apelo do passado significaria garantir as bases que nos mantém na loigica de injustica e dominacao. Existe, portanto, um continuum entre os vence- res de um lado, ¢ os vencidos de outro, pois aqueles que uma vez dominam sto herdeiros de todos os que dominaram até aquele momento”, Devido a isso, -egundo Walter Benjamin, nao ha um tinico documento de cultura que nao seja também um documento de barbarie. Alguns herdam fortunas, ¢ outros, infortti- hiios. Entre ambas as herangas existe uma relacao historica, que fundaa responsa- hilidade'*. Uma responsabilidade pelo que nao fizemos. Iniciaremos a abortlagem das formas de responsabilidade por esta que se fundamenta em uma relacao historica, que esta dentro do que chamamos ante- mente de responsabilidade pelo quenao fizemosem sentido contrarioao dares- ponsabilidade como atribuicao individual. vencia del olvido, Ensaios en torno de la razén compassiva, 2008, (o de historia”. BENJAMIN, Walter, Magiae técnica, arte e po- is 2019 © RBCCH 161 Estamos diante de uma responsabilidade diferente do habitual, que vai além dos significados juridicos ou sociais do termo, Mate nos mostra que em termos :08 ott filoséficos seria possivel falar em responsabilidades hist6ricas, cole- tivas ou polfticas: “Algo para mim esté claro: que eu nao posso fugir do mal do mundo e que se é certo que sto muitas as agdes individualizadas que concorrem emum tinico ato histérico, a resposta deveria ser, pelo menos, coletiva ou polfti- ca.” (Lradugao nossa)? Aqui ja podemos notar a diferenca entre a responsabilidade jurfdica e a res- ponsabilidade no ambito moral”. A responsabilidade jurtdica diz respeito a im- putar a alguém uma conduta danosa, forcando-o a sofrer uma pena ou reparar 0 dano, No Ambito moral existiria uma polissemia. Fala-se em responsabilidade pelo proximo, pelas geragoes futuras, em responsabilidade histérica ou respon sabilidade politica. A idemtificacao do autor ou sujeito do ato pode ser 0 ponto de partida, mas nem todo o problema de responsabilidade se reduz a isso. Filoso- ficamente, a ideia de responsabilidade alcangaria muito mais do que nossa von- tade ow intengao podem saber. Aprofundando anogio de responsabilidade, um conceito dificil defundamentar, porém fundamental, Mate dira que se trata de tomar em conta o outro, inaugurando uma nova relacdo com os limites que impdem o tempo e o espaco”. A responsa- bilidade juridica, portanto, ao se preocupar com as vitimas e agtessores do aqui agora, deixa de fora a reparagao as vitimas do passado”, Existiria uma respon- sabilidade que expandisse as nogdes de tempo e espaco? Na filosofia moral kan- tiana, desenvolve o filésofo espanhol, o importante sera aatribuicdo de uma acao reprovavel a um sujeito que precisa responder. Somos responsaveis apenas pelo que fizemos. Que nao nos pecam conta do que nao fizemos”. Ao contrario, busca- -se uma responsabilidad pelo que ndo fizemas. Caberia uma responsabilidade dos 75. “Algo sf me queda claro: que no me puedo desentender del mal del mundo y que sie certo que son nruchas las acctones individualizadas que concurren em um tnico acio histbrico, larespuesta deberia ser al menos, colectiva o politica” (MATE, Reyes. Mé ria de occidente Actualidad de pensadores judios olvidados, 1997. p. 264), 16. MATE, Reyes. Memoriade occidente, Actualidad de pensadores juctios olvidados, 1997. 250-264, TT. MATE, Reyes, Tratado de injustica, 2011. p.246. 78. MATE, Reyes, Tratado de injustica, 2011. p. 247. 79. pode se esgotar apenas no ato, pora tos podendo prolonger-se no Dinero Pena netos pelo que fizeram seus avbs? E os atos que ocorrem ao nosso redor, dos quais, somos apenas espectadores? Aqui, seria 0 caso de dividir osatos em contempora- hneos e passados. Quanto aos atos contemporaneos ha extensa bibliografia sobre a conduta dos alemaes durante o perfodo nazista e acepcoes de culpa e/ou respon sabilidades coletivas ou individuats. Karl Jaspers, por exemplo, no livro A questao da culpa (el problema de la culpa™) se pergunta sobre o aleance da responsabilida- le le todos osalemes pelos fatos do nazismo, Haveria tres tipos de culpa (ou res- ponsabilidade)*: 1) moral, porque ha condutas nao previstas na lei que seriam bjetos de responsabilidade. A indiferenca, por exemplo; 2) politica, dos cidadaos que eram membros de um Estado criminoso, inclusive dos descendentes; 3) me- fisica, uma responsabilidade universal pelos desastres do mundo eriados pela ado humana’, A culpa metafisica teria um nivel maior deexigencia, Umasolida- iedade da espécte contra o sofrimento, uma responsabilidade pelo que ocorre a0 »ss0 redor™, A responsabilidade com o passado seria diferente e deve cumprir requisitos: que as injusticas do passado sigam vigentes, e que haja uma rela entre o passado injusto e nosso presente", Responsabilidade é um conceito muito usado, porém escorregadigo, est no ireito e na Moral. No Direito, significa por na conta de alguém uma acao conde- vel, referidaa obrigacao ou proibicao de fazer algo. Ea figura da imputatio®. Ma- rresenta algumas criticas a esse modelo de responsabilidade. Primeiro, que a lcia de assumir responsabilidade esta contaminando todasas condutas sociais, no ‘do indenizat6rio. Responsabilizar-se significa cada vez mais indentzarmate- nente. Segundo, a reparacdo material dos presentes deixa fora as injusticas do sado, Esse modelo de responsabilidace nao lida como problema das vitimasda a. Terceiro: sem um sujeito moral, torna-se dificil analisar outros aspectos ie nao se resolvem coma indenizacao™, e completamos, coma puni¢ao. JASPERS, Karl. El problema de laculpa, 1998. p, 79.90, Shut, titeralmente culpa, € traduzido como responsabilidade por Mate, porque atual- 's claro que a culpas sto individuals, € as responsabilidades podem ser atalo de injustica, 2011, p. 249-250. ‘Tratado de mnjustica, 2011, p. 250. de injustica, 2011. p. 250. lidad historica? In: MATE, Reyes (Ed.) Responsa- E, Reyes (Ed) Response 24 45 1 Citncias Criminais 2019 ¢ RBCCri¥ No ambito da filosofia moral aparece Kant, que fala na atribuigdo a um su- mediante o qual alguém é considerado causa livre de uma agao. Assim, somos responsaveis somente pelos nossos atos, derivados de uma a¢ao livre™, Mate di- 4 que uma acdo reprovavel pode ser vista sob dois pontos de vista: 1) Se atra- lo alei e, portanto, sou merecedor de sano; 2) Se atrayesso o sinal vermelho ¢ atropelo um homem cujo de seu salario sobre ‘uma familia e, depois, 0 filho em dificuldades financeiras encontra o caminho do crime, significa que a responsabilidade nao se esgota no ato. Ha uma cadeia deacontecimentos"*. Essa dupla dimensto explica duas éticas da responsabilidade. Uma hegelia- na, preacupada com as consequencias (da qual Hans Jonas seria o ultimo episs- dio), € uma kantiana, centrada na violagdo da lei (no caso a lei moral)”. As duas formas de responsabilidad sao fundamentadas na liberdade e no que fizemos Essa a forma de pensar moderna. Todavia, Mate busca uma responsabilidade que olhe para tris. Acabamos de ver uma forma de olhar a responsabilidade a partir do passado. Ha outra maneira de ver a responsabilidade pelo que nao fizemos, no entanto, com vistas ao futuro —“o horizonte relevante da responsabilicade ¢ fornecido muito ‘ais pelo futuro indeterminado do que pelo espaco contemporaneo da acao™®, Atese de Hans Jonas nos impoe uma responsabilidade para com as proximas ge- racoes, Se atualmente, com o avango da tecnologia, somos capazes de destruir 0 mundo; temos o dever de evité-lo. A responsabilidade se dirige a um poder fazer e, quanto maior o poder, maiora responsabilidade. Jonas apresentaas muitas formas de olhar a responsabilidade, Primeiro, exis- tiria uma responsabilidade como imputacao causal de atos realizados. © agente deve responder por seus atos ¢ os danos causados devem ser reparados”, Entre- tanto, dina o fildsofo, a ideia de compensacao legal confundin-se coma da puni- ‘20, que possui origem moral, O castigo aplicado nao visaria compensagao, mas 87. MATE, Reyes, ¢Existe una responsabilidad hist6rica?. In: MATE, Reyes (Ed.) Responsa- lad historica?. In: MATE, Reyes (Ed.) Responsa- ‘viejo mundo, 2007, p. 336. Dire Pena 47 o restabelecimento da ordem moral". A diferenca entre responsabilidade legal e moral refletiriaa diferenca entre Direito civil (compensacdo como responsal dade) e Direito penal (pena pela culpa). Acssa ideia agrega-se a nogao de responsabilidade pelo que se faz, ou seja, que nao diz respeito a um calculo apés o fato. E uma determinagao do que se tema fa- er, uma virtude nao pela conduta ou suas consequéncias, sendo pelo objet idica meu agir®, Essa a forma de responsabilidade que, noambito da ‘nguntara sobre o que significa agir de forma responsav Para este autor, a ideia de responsal lade, A natureza nao era objeto da responsal ide, o “artefato social onde homens lade humana e, diante de- m_com ho- nediatismo da agao ética: ama ao teu ia que eles fizessem a ti; nesmos etc, Mandamentos em que o sujeito que age e o Outro pa ‘smo presente”, Fsse quadro sofre uma modificacdo decisiva coma técnica moderna, que in- iu na ago humana uma ordem inédita de grandeza®. A primeii ico tema ver com a vulnerabilidade da natureza provocé “€um outro que tem menos chance de comigo) ado atodos os anscend tro, ndo como algo incomparavelmente melhor, mas como nada mais do que 2 JONAS, Hans. O principio responsal , Hans. O principio responsal LAS, Hans. O principio respons lidade, 2006. p. 165-166. 2008, p.39. ’ 48 Revsta Brasisiaa ve Cifcias Cnnivns 2019 © RBCCRa 161 ele mesmo emseu proprio direito esem que essaalteridade possa ser superada por uma aproximacio minha em sua direcao, ou vice-versa, Exatamente essa alteridade se apossa da minha responsabilidade.”:® Jonas, tal qual Adorno, também apresenta seu novo imperative categérico. Em Kant, o imperativo significa agir de modo que sua maxima se torne lei geval. Essa formulagao nao contraditoria como fim da existéncia na Terra, ou como fim da propria Terra, Ouseja, quea felicidade das geragbes presentes possa ser pagacom a infelicidade ou inexistencia das geragdes futuras; ou mesmo o contratio ~ “0 sacrificio do futuro em prol do presente nao € logicamente mais refutavel do que o sacrificio do presente afavor do futuro”.’® Assim, o imperativo maisadequado seria: agir de modo que os efeitos de sua aco sejam compativeis com a perma- nencia de uma autentica vida humana sobre a terra; ou de forma negativa, agir de modo que os efeitos de sua acao nao sejam desirutivos paraa possibilidade fu- tura de uma vida auténtica'”, Um imperatiyo mais politico que o kantiano. Um imperativo que, deliberadamente, se pauta no medo. O medo do perecimento, dadestruicao, O primeiro dever da Etica do futuro é visualizaros efeitos de longo prazo—“o que deve ser temido ainda nao fol experimentado”. As teses apresentadas neste capitulo, que trabalham a responsabilidade em perspectiva moral, ética, geracional ou histérica, nfo a reduzem a imputagao individual. Alguns autores yeem dificuldades nestas nogdes. Paul Ricoeur, por exemplo, falando especificamente sobre Jonas, vai apontar como wma dificulda- deo prolongamento no tempo da cadeia de consequéncias da agdo!™, que levaria ‘a. uma responsabilidade inapreenstvel ou injustamente socializada. Outro pro- blema estaria relacionado ao “avango"™ (aspas minhas) do Direito Penal no que diz respeito a individualizacao da pena’, Ricoeur afirma uma perplexidadecom relagao aos empregoscontemporaneos do termo responsabilidade, © fildsofo inicialmente vai destacar as definigoes 100, JONAS, Hans. O prineiplo responsabilidad, 2006. p. 159, 101. JONAS, Hans. 0 princtpio responsabilidad, 2006. p. 47. 102. JONAS, Hans. O principio responsabilidade, 2006. p. 47-48, 103. JONAS, Hans. 0 princtplo responsabilidad, 2006. p.72 104, RICOEUR, Paul, Ojusio 1: a justiga como regra moral e como inst 105. Segundo a tese de Raymond Saleilles, que veremos adiante, ain Dinero Pena, 49 comuns no direito. Chamando de uso juridico cldssico do termo, definira a res- ponsabilidade civil como obrigacao de reparar danos causados por nossa culpae em certos casos determinados pela lei e a responsabilidade penal comoa obriga- ‘to de suportar o castigo. A ideia mais importante é obrigacao—obrigacao de parar ou de sofrer a pena®®, Para além desse uso, anota Ricoeur, ha uma proli- siglo e dispersao dos empregos do termo, indo distante dos limites do uso ju- ico, sao formulagdes que em ultima instncia nos torna responsiveis por tudo. © por todos. O dilema entre individualizar ou coletivizar a responsabilidade mbém é trabalhado por Klaus Gunther. Gunther defence que apenas em umasociedade humana organizada de manel- legitima podem os atos serem imputados legitimamente a seus autores." Des- « modo, a existéncia de um regime injusto, tornando penosa a vida das pessoas, com opressoes e discriminacdes arbitrarias, ou, ainda, a existencia de um quadro

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