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Sumário

1 ÉTICA .....................................................................................................................................5
1.1 Conceito geral......................................................................................................................... 5
1.2 Teorias éticas fundamentais................................................................................................... 6
1.2.1 Sofistas............................................................................................................................... 6
1.2.2 Sócrates (470-399 a.C)....................................................................................................... 6
1.2.3 Platão (427-347 a.C.) ......................................................................................................... 6
1.2.4 Aristóteles (384-322 a.C.) .................................................................................................. 6
1.3 Valor da ética .......................................................................................................................... 7
1.4 Problemas éticos .................................................................................................................... 9
2 A ÉTICA E AS OUTRAS FORMAS DE COMPORTAMENTO HUMANO .....................................11
2.1 Ética e religião ...................................................................................................................... 11
2.2 Ética e política ...................................................................................................................... 11
2.3 Ética e direito........................................................................................................................ 12
2.4 Ética e trato social ................................................................................................................ 12
2.5 Ética e ciência ....................................................................................................................... 13
3 ÉTICA E CIDADANIA .............................................................................................................13
3.1 Política e cidadania ............................................................................................................... 13
3.2 Ideologia ............................................................................................................................... 14
3.2.1 O conceito da ideologia ................................................................................................... 14
3.2.2 Ideologia: Desejo, vontade, necessidade ........................................................................ 15
3.3 Alienação: (des) humanização do homem no trabalho ....................................................... 16
3.4 Ética e civilização .................................................................................................................. 17
3.4.1 Racionalidade e liberdade ............................................................................................... 17
3.4.2 Civilização e valores ......................................................................................................... 18
3.5 O corpo ................................................................................................................................. 19
3.6 Sexualidade: o nome da coisa .............................................................................................. 20
3.7 Liberdade .............................................................................................................................. 21
3.8 Estética ................................................................................................................................. 21
3.9 Ética e cidadania na sociedade tecnológica ......................................................................... 22
4 O DESAFIO DA ÉTICA ATUAL E O CÓDIGO DE ÉTICA DO CORRETOR DE IMÓVEIS.................23
4.1 Os círculos intelectuais ......................................................................................................... 23
4.2 A proposta de uma ética da responsabilidade solidária de karl otto apel ........................... 24
4.3 Crise da modernidade e espiritualidade .............................................................................. 25
4.4 Código de ética profissional dos corretores de imóveis ...................................................... 25
4.4.1 Código de ética profissional ............................................................................................ 25
1 ÉTICA

1.1 Conceito geral

Frequentemente, utiliza-se a palavra “ética” como sinônimo do que chamamos de “moral”, ou seja,
conjunto de princípios, normas, preceitos e valores que regem a vida dos povos e dos indivíduos. A palavra
“ética” procede do grego ethos, que significava originariamente “morada”, “lugar em que vivemos”, mas
posteriormente passou a significar o “caráter”, o “modo de ser” que uma pessoa ou um grupo vai
adquirindo ao longo da vida.
Por sua vez, o termo “moral” precede do latim mos, moris, que originariamente significava
“costume”, mas em seguida passou a significar também “caráter” ou “modo de ser”. Desse modo, “ética” e
“moral” confluem etimologicamente em um significado quase idêntico: tudo aquilo que se refere ao modo
de ser ou caráter adquirido como resultado de pôr em prática alguns costumes ou hábitos considerados
bons.
Dadas essas coincidências etimológicas, não é de estranhar que os termos “moral” e “ética”
apareçam como intercambiáveis em muitos contextos cotidianos: fala-se, por exemplo, de uma “atitude
ética” para designar uma atitude “moralmente correta”, segundo determinado código moral; ou se diz que
um comportamento “foi pouco ético” para significar que não se ajustou aos padrões habituais da moral
vigente. Esse uso dos termos “moral” e “ética” como sinônimos está tão difundido que não vale a pena
tentar impugná-lo. Mas convém ter consciência de que esse uso denota, na maioria dos contextos, o que
aqui denominamos a “moral”, ou seja, a referência a algum código moral concreto.
Assim, chamamos de “moral” esse conjunto de normas e valores que cada geração transmite à
geração seguinte na confiança de que se trata de um bom legado de orientações sobre o modo de se
comportar e viver uma vida boa e justa. E chamamos de “Ética” essa disciplina filosófica que constitui uma
reflexão de segunda ordem sobre os problemas morais. A pergunta básica da moral seria então: “O que
devemos fazer?”, ao passo que a questão central da ética seria antes “Por que devemos?”, ou seja, “Que
argumentos corroboram e sustentam o código moral que estamos aceitando como guia de conduta?”
A moral é um saber que oferece orientações para ações em casos concretos. Já a ética é normativa
em sentido indireto, pois não tem uma incidência direta na vida cotidiana; quer apenas esclarecer
reflexivamente o campo da moral.
Por exemplo: vamos supor que alguém nos peça para elaborar um “juízo ético” sobre o problema
do desemprego, ou sobre a guerra, ou sobre o aborto, ou sobre qualquer outra questão moral das que são
objeto de discussão em nossa sociedade. Para começar, teríamos de esclarecer que, na verdade, estão nos
pedindo um “juízo moral”, ou seja, uma opinião suficientemente pensada sobre a bondade ou a malícia das
intenções, dos atos e das consequências implicados em cada um desses problemas.
Em seguida, deveríamos esclarecer que um juízo moral sempre se faz a partir de alguma concepção
moral determinada e, uma vez que tivermos anunciado qual delas consideramos válida, poderemos passar
a formular, a partir dela, o juízo moral que nos pedem.
Dessa forma, podemos deduzir que a moral é um sistema de normas, princípios e valores, segundo
o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal
maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e
conscientemente por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal. Além
disso, na moral, as normas e sanções mudam de acordo com as transformações da sociedade, refletindo a
atual visão de mundo.
Já a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade; é uma reflexão
teórica que analisa, critica e legitima os fundamentos e princípios que permeiam a vida moral. Tem
conteúdo universal e parte do princípio da igualdade dos seres humanos e dos seus direitos inalienáveis à
paz, ao bem estar e à felicidade individual e coletiva. Suas manifestações concretas são a cooperação e a
solidariedade numa organização social pluralista e de democracia participativa.
A ética, propriamente dita, restringe-se ao campo particular do caráter e da conduta humana à
medida que esses estão relacionados aos princípios morais. As pessoas geralmente caracterizam a própria
conduta e a de outras pessoas empregando adjetivos como "bom", "mau", "certo" e "errado". A ética
investiga justamente o significado e escopo desses adjetivos tanto em relação à conduta humana como em
seu sentido fundamental e absoluto.

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Ela se ocupa dessas questões justamente porque cada indivíduo que deseja agir corretamente é
constantemente chamado a responder questões como, por exemplo, "Que ação particular atenderá os
critérios de justiça sob tais e tais circunstâncias?" ou "Que grau de ignorância permitirá que esta pessoa
particular, nesse caso particular, exima-se de responsabilidade?" A consciência moral tenta obter um
conhecimento tão completo quanto possível das circunstâncias em que a ação considerada deverá ser
executada, do caráter dos indivíduos que poderão ser afetados e das consequências (à medida que possam
ser previstas) que a ação produzirá, para então, em virtude de sua própria capacidade de discriminação
moral, pronunciar um juízo.
As doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades
como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações entre os homens, e, em particular, pelo
seu comportamento moral efetivo. Existe, assim, uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a
realidade humana e social, sujeita historicamente à mudança. Dentro desta conceituação, as doutrinas
éticas não são consideradas de modo isolado, mas dentro de um processo de mudança e de sucessão que
constitui propriamente a sua história.

Texto adaptado da obra:


CORTINA, Adela; MARTÍNEZ, Emilio . Ética. São Paulo: Loyola, 2005.

1.2 Teorias éticas fundamentais

1.2.1 Sofistas

Defendem o relativismo de todos os valores. Alguns sofistas, como Cálicles ou Trasimaco, afirmam
que o valor supremo de qualquer cidadão era atingir o prazer supremo. O máximo prazer pressupunha o
domínio do poder político. Ora, este só estava ao alcance dos mais fortes, corajosos e hábeis no uso da
palavra. A maioria eram fracos ou inábeis, estando condenados a ser dominados pelos mais fortes.

1.2.2 Sócrates (470-399 a.C).

Defende o caráter eterno de certos valores, como o Bem, Virtude, Justiça e Saber. O valor supremo
da vida é atingir a perfeição e tudo deve ser feito em função deste ideal, o qual só pode ser obtido através
do saber. Na vida privada ou na vida pública, todos tinham a obrigação de se aperfeiçoarem fazendo o
Bem, sendo justos. O homem sábio só pode fazer o bem, sendo as injustiças próprias dos ignorantes
(Intelectualismo Moral).

1.2.3 Platão (427-347 a.C.)

Defende o valor supremo do Bem, o ideal que todos os homens livres deveriam tentar atingir. Para
que isso acontecesse, deveriam ser reunidas, pelo menos, duas condições:
1. Os homens deviam seguir apenas a razão, desprezando os instintos ou as paixões;
2. A sociedade devia de ser reorganizada, sendo o poder confiado aos sábios, de modo a evitar que
as almas fossem corrompidas pela maioria, composta por homens ignorantes, e dominadas pelos instintos
ou paixões.

1.2.4 Aristóteles (384-322 a.C.)

No campo da ética, segundo Aristóteles, todos nós queremos ser felizes no sentido mais pleno
dessa palavra. Para obter a felicidade, devemos desenvolver e exercer nossas capacidades no interior do
convívio social.
Aristóteles acredita que a autoindulgência e a autoconfiança exageradas criam conflitos com os
outros e prejudicam nosso caráter. Contudo, inibir esses sentimentos também seria prejudicial. Daí surge

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sua célebre doutrina do justo meio, pela qual a virtude é um ponto intermediário entre dois extremos, os
quais, por sua vez, constituem vícios ou defeitos de caráter.
Por exemplo, a generosidade é uma virtude que se situa entre o esbanjamento e a mesquinharia. A
coragem fica entre a imprudência e a covardia; o amor-próprio, entre a vaidade e a falta de auto-estima, o
desprezo por si mesmo. Nesse sentido, a ética aristotélica é uma ética do comedimento, da moderação, do
afastamento de todo e qualquer excesso.
Para Aristóteles, é a ética que conduz à política. Segundo o filósofo, governar é permitir aos
cidadãos viver a vida plena e feliz eticamente alcançada. O Estado, portanto, deve tornar possível o
desenvolvimento e a felicidade do indivíduo. O indivíduo só pode ser feliz em sociedade, pois o homem é,
mais do que um ser social, um animal político - ou seja, que precisa estabelecer relações com outros
homens.
Na filosofia aristotélica, a política é um desdobramento natural da ética. Ambas, na verdade,
compõem a unidade do que Aristóteles chamava de filosofia prática. Se a ética está preocupada com
a felicidade individual do homem, a política se preocupa com a felicidade coletiva da pólis. Desse modo, é
tarefa da política investigar e descobrir quais são as formas de governo e as instituições capazes de
assegurar a felicidade coletiva.
Texto adaptado do artigo:
CORRÊA, Sílvia Saldanha. A ética e sua aplicabilidade na prática docente. Disponível
em:<http://www.webartigos.com/articles/10245/1/A-Etica-E-Sua-Aplicabilidade-Na-Pratica-
Docente/pagina1.html>. Acesso em 15 mar 2012.

1.3 Valor da ética

A ética é entendida, tradicionalmente, como um estudo ou uma reflexão, científica ou


filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os costumes ou sobre as ações humanas. Mas
também chamamos de ética a própria vida, quando conforme aos costumes considerados corretos. A
ética pode ser o estudo das ações ou dos costumes e pode ser a própria realização de um tipo de
comportamento.
Enquanto uma reflexão científica, que tipo de ciência seria a ética? Tratando de normas
de comportamentos, deveria chamar-se uma ciência normativa. Tratando de costumes, pareceria
uma ciência descritiva. Ou seria uma ciência de tipo mais especulativo, que tratasse, por
exemplo, da questão fundamental da liberdade?
Didaticamente, costuma-se separar os problemas teóricos da ética em dois campos: num, os pro-
blemas gerais e fundamentais (como liberdade, consciência, bem, valor, lei e outros); e no segundo, os
problemas específicos de aplicação concreta, como os problemas da ética profissional, da ética política, de
ética sexual, de ética matrimonial, de bioética, etc. É um procedimento didático ou acadêmico, pois na vida
real, eles não vêm assim separados.
As questões da ética nos aparecem a cada dia. Poderíamos nos perguntar se, num país capitalista, o
princípio do lucro poderia ou deveria situar-se acima ou abaixo das leis da ética. Em épocas mais difíceis,
muitas vezes, nos perguntamos se uma lei injusta de um Estado autoritário precisa ou não ser obedecida. E
quando nós temos um "problema de consciência", quando estamos com um "sentimento de culpa", coisa
que ocorre a todos, não se torna importante saber se este sentimento corresponde de fato a uma culpa
real? Cabe à reflexão ética perguntar se o homem pode realmente ser culpado ou se o que existe é apenas
um sentimento de um mal-estar sem fundamento.
Há uma outra questão, especificamente ética, que parece ser absolutamente fundamental. Os
costumes mudam e o que ontem era considerado errado, hoje pode ser aceito, assim como o que é aceito
entre os índios do Xingu pode ser rejeitado em outros lugares, do mesmo país até. A ética não seria, então,
uma simples listagem das convenções sociais provisórias?
Se fosse assim, o que seria um comportamento correto, em ética? Não seria nada mais do que um
comportamento adequado aos costumes vigentes e enquanto vigentes, isto é, enquanto estes costumes
tivessem força para coagir moralmente. Quem se comportasse de maneira discrepante, divergindo dos
costumes aceitos e respeitados, estaria no erro, pelo menos enquanto a maioria da sociedade ainda não
adotasse o comportamento ou o costume diferente. Quer dizer: esta ação seria errada apenas enquanto
ela não fosse o tipo de um novo comportamento vigente.

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É claro que, de qualquer maneira, a ética tem pelo menos, também, uma função descritiva: precisa
procurar conhecer, apoiando-se em estudos de antropologia cultural e semelhantes, os costumes das
diferentes épocas e dos diferentes lugares. Mas ela não apenas retrata os costumes; apresenta também
algumas grandes teorias, que não se identificam totalmente com as formas de sabedoria que geralmente
concentram os ideais de cada grupo humano. A ética tem sido, também, uma reflexão teórica com uma
validade mais universal, como ainda veremos.
Quanto aos costumes, para partirmos do real e não do ideal propriamente dito, é preciso reco-
nhecer, desde logo, uma séria restrição: a humanidade só reteve por escrito depoimentos sobre as normas
de comportamentos (e teorias) dos últimos milênios, embora os homens já existissem há muito mais
tempo. Como se comportavam eticamente os homens das cavernas há mais de trinta mil anos? Como era a
sua ética sexual, que tipos de normas políticas vigoravam na pré-história? É extremamente difícil dizê-lo.
Quanto às grandes teorizações, há documentos importantíssimos pelo menos desde os gregos
antigos, há uns dois mil e quinhentos anos. Mas é importante, então, lembrar que as grandes teorias éticas
gregas também traziam a marca do tipo de organização social daquela sociedade. Tais reflexões não
deixavam de brotar de uma certa experiência de um povo, e, num certo sentido, até de uma classe social.
Tais enraizamentos sociais não desvalorizam as reflexões mais aprofundadas, mas sem dúvida ajudam a
compreender a distância entre as doutrinas éticas escritas pelos filósofos, de um lado, e os costumes reais
do povo e das diferentes classes, por outro lado, tanto no Egito quanto na Grécia, na Índia, em Roma ou na
Judeia.
Em certos casos, só chegaremos a descobrir qual a ética vigente numa ou noutra sociedade através
de documentos não escritos ou mesmo não-filosóficos (pinturas, esculturas, tragédias e comédias,
formulações jurídicas, como as do Direito Romano, a política, como as leis de Esparta ou Atenas, livros de
medicina, relatórios históricos de expedições guerreiras e até os livros penitenciais dos bispos medievais).
Como não se admirar diante da diversidade dos costumes, pesquisando, por exemplo, o que os
gregos pensavam da pederastia1, ou os casos em que os romanos podiam abandonar uma criança recém-
nascida, ou as relações entre o direito de propriedade e o "não cobiçar a mulher do próximo" dos judeus
antigos, ou a escala de valores que transparece nos livros penitenciais da Idade Média, quando o
casamento com uma prima em quinto grau constituía uma culpa mais grave do que o abuso sexual de uma
empregada do castelo?
O que acabamos de mencionar coloca a questão nos seguintes termos. Não são apenas os
costumes que variam, mas também os valores que os acompanham, as próprias normas concretas, os
próprios ideais, a própria sabedoria, de um povo a outro.
Mas alguém poderia argumentar que, embora só conheçamos as normas éticas dos últimos
milênios, certamente deve haver um princípio ético supremo, que perpasse a pré-história e a história da
humanidade. Não seria, quem sabe, o princípio que proíbe o incesto (sexo entre parentes)? Mas até esta
norma tão antiga e tão importante carece de uma verdadeira concreção, de uma formulação bem
determinada. Afinal, a definição concreta dos casos de incesto constantemente variou.
Voltemos ao exemplo da Idade Média. Ao redor do ano 1000, a relação incestuosa atingia até o
sétimo grau. Casar com uma prima de até sétimo grau era um crime e um pecado. Mas, se a quase
totalidade era analfabeta, como conhecer bem a árvore genealógica? O costume então era bastante astuto:
os nobres se casavam sem perguntar pela genealogia, e só se preocupavam com o incesto quando
eventualmente desejassem dissolver o casamento, anulando-o. Não era difícil, então, conseguir um monge
letrado ou mesmo testemunhas compradas, para demonstrar o impedimento e anular o casamento. Graças
ao incesto, o nobre podia tentar várias vezes até conseguir ganhar um filho homem, o que era, muitas
vezes, a sua real preocupação, por causa da linhagem, do nome e da herança.
Se formos pesquisar estes costumes mais a fundo, descobriremos então talvez que, por trás das
normas explícitas, havia outros valores mais altos, tais como a linhagem, as alianças político-militares, e
quem sabe até a paz social, dentro de uma estrutura baseada na luta, na competição e na guerra, por
questões de honra, da religião ou de herança. Mas então temos de nos perguntar qual a importância desta
regulamentação ética para nós hoje, numa época de capitalismo avançado (ou mesmo selvagem), onde a
grande maioria se sustenta ou empobrece graças exclusivamente ao seu trabalho pessoal, à sua força de
trabalho, independente de linhagem e de herança.

1
O termo pederastia designa o relacionamento erótico entre um homem e um menino. Por extensão de sentido, o termo é
modernamente utilizado para designar, além da prática sexual entre um homem e um rapaz mais jovem, também qualquer
relação homossexual masculina.

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Mesmo nos dias de hoje, numa mesma sociedade, não notamos nítidas diferenças de costumes
entre as classes da mais alta burguesia, a pequena burguesia e o proletariado, para não falar dos
camponeses ou agricultores.
Não seria exagerado dizer que o esforço de teorização no campo da ética se debate com o
problema da variação dos costumes. E os grandes pensadores éticos sempre buscaram formulações que
explicassem, a partir de alguns princípios mais universais, tanto a igualdade do gênero humano no que há
de mais fundamental quanto as próprias variações. Uma boa teoria ética deveria atender a pretensão de
universalidade, ainda que simultaneamente capaz de explicar as variações de comportamento,
características das diferentes formações culturais e históricas (...).
Neste grande rio, se movimentam pensadores do porte de Platão e Aristóteles, Santo Agostinho
e Santo Tomás de Aquino, Maquiavel e Spinoza, Hegel e Kierkegaard, Marx e Sartre, enfim, quase todos os
grandes pensadores que nós, ocidentais, conhecemos, assim como, no meio deles, todos nós, que a cada
dia enfrentamos problemas teóricos e práticos, éticos ou morais. E que temos de resolvê-los, com ou sem
ajuda, mas de preferência com alguma ajuda daqueles que mais pensaram sobre tais questões.
Antes de continuarmos, porém, um alerta: há muito pensador importante, principalmente hoje em
dia, que considera que o estudo da ética é a região mais difícil, e aquela para a qual o pensamento reflexivo
e discursivo está atualmente menos preparado. Mas então, o que fazer? Adotar, como propunha
Descartes, uma moral provisória para cuidar primeiro das questões teóricas, resolvendo as questões
práticas do jeito que der?
Ou, quem sabe, seria melhor simplesmente ignorar as questões éticas, cuidando apenas dos
assuntos técnicos, tais como: arranjar dinheiro, arranjar-se na vida, progredir na vida profissional, gozar o
que for possível, conseguir força suficiente para dominar e não ser dominado? Ou, quem sabe, não seria
melhor ainda simplesmente deixar-se levar pelo sistema e pelos acontecimentos?
Mas, neste caso, nós, homens, não estaríamos abdicando e renunciando ao nosso anseio de
liberdade?

Texto adaptado da obra:


VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, p. 7-23, 1994.

1.4 Problemas éticos

Nas relações cotidianas entre os indivíduos, surgem continuamente problemas como estes:
[1] Devo cumprir a promessa que fiz ontem ao meu amigo, embora hoje perceba que o
cumprimento me causará certos prejuízos?
[2] Se alguém, à noite, se aproxima de mim de maneira suspeita e desconfio que vá me atacar, devo
agredi-lo primeiro a fim de não correr o risco de ser agredido, aproveitando que ninguém descobrirá o meu
ato?
[3] Com respeito aos crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, os
soldados que os executaram, cumprindo ordens militares, podem ser moralmente condenados?
[4] Devo dizer sempre a verdade ou há ocasiões em que devo mentir?
[5] Quem, numa guerra de invasão, sabe que o seu melhor amigo está colaborando com o inimigo,
deve calar, por causa da amizade, ou deve denunciá-lo como traidor?
[6] Podemos considerar bom o homem que se mostra caridoso com o mendigo e com instituições,
mas que, como patrão, explora impiedosamente os operários e os empregados da sua empresa?
Em todos estes casos, trata-se de problemas práticos, isto é, de problemas que se apresentam nas
relações concretas entre indivíduos ou quando se julgam certas decisões e ações dos mesmos. Trata-se, por
sua vez, de problemas cuja solução não concerne somente à pessoa que os propõe, mas também a outras
pessoas que sofrerão as consequências da sua decisão e da sua ação. As consequências podem afetar
somente um indivíduo (devo dizer a verdade ou devo mentir a X?). Em outros casos, trata-se de ações que
atingem vários indivíduos ou grupos sociais (os soldados nazistas deviam executar as ordens de extermínio
emanadas de seus superiores?). Enfim, as consequências podem estender-se a uma comunidade inteira,
como à nação (devo guardar silêncio em nome da amizade, diante do procedimento de meu amigo
traidor?).

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Em situações como estas que acabamos de enumerar, os indivíduos se defrontam com a
necessidade de pautar o seu comportamento por normas que se julgam mais apropriadas ou mais dignas
de ser cumpridas. Estas normas são aceitas intimamente e reconhecidas como obrigatórias. De acordo com
elas, os indivíduos compreendem que têm o dever de agir desta ou daquela maneira.
Nestes casos, dizemos que o homem age moralmente e que, neste seu comportamento, são
evidenciados vários traços característicos que o diferenciam de outras formas de conduta humana. Sobre
tal comportamento, que é o resultado de uma decisão refletida e, por isto, não puramente espontânea ou
natural, os outros julgam de acordo também com normas estabelecidas e formulam juízos como os
seguintes: “X agiu bem mentindo naquelas circunstâncias”; “Z devia denunciar o seu amigo traidor”, etc.
De um lado, temos atos e formas de comportamentos dos homens em face de determinados
problemas, que chamamos morais. De outro lado, há juízos que aprovam ou desaprovam moralmente os
mesmos atos. Todavia, tanto os atos quanto os juízos morais pressupõem certas normas que apontam o
que se deve fazer. Assim, por exemplo, o juízo: “Z devia denunciar o seu amigo traidor” pressupõe a norma
“os interesses da pátria devem ser postos acima dos da amizade”.
Na vida real, defrontamo-nos com problemas práticos do tipo dos enumerados, dos quais ninguém
pode eximir-se. Para resolvê-los, os indivíduos recorrem a normas, cumprem determinados atos, formulam
juízos e, às vezes, se servem de determinados argumentos ou razões para justificar a decisão adotada ou os
passos dados.
Tudo isto faz parte de um tipo de comportamento efetivo, tanto dos indivíduos quanto dos grupos
sociais e tanto de ontem quanto de hoje. De fato, o comportamento humano prático-moral, ainda que
sujeito à variação de uma época para outra e de uma sociedade para outra, remonta até as próprias
origens do homem como ser social.
A este comportamento prático-moral, que já se encontra nas formas mais primitivas de
comunidade, sucede posteriormente – muitos milênios depois – uma reflexão sobre ele. Os homens não só
agem moralmente (isto é, enfrentam determinados problemas nas suas relações mútuas, tomam decisões
e realizam certos atos para resolvê-los e, ao mesmo tempo, julgam ou avaliam tais decisões), mas também
refletem sobre esse comportamento prático e o tomam como objeto da sua reflexão e de seu pensamento.
Dá-se, assim, a passagem do plano da prática moral para o da teoria moral; ou, em outras palavras,
da moral efetiva para a moral reflexa. Quando se verifica esta passagem, que coincide com o início do
pensamento filosófico, já estamos propriamente na esfera dos problemas teóricos morais ou éticos.
Diferentemente dos problemas práticos morais, os problemas éticos são caracterizados pela sua
generalidade. Se na vida real um indivíduo enfrenta uma determinada situação, deverá resolver por si
mesmo o problema de como agir de maneira a que sua ação possa ser boa, isto é, moralmente valiosa. Será
inútil recorrer à ética com a esperança de encontrar nela uma norma de ação para cada situação concreta.
A ética poderá dizer-lhe, em geral, o que é um comportamento pautado por normas ou em que
consiste o fim visado pelo comportamento moral, do qual faz parte o procedimento do indivíduo ou o de
todos. O problema do que fazer em cada situação concreta é um problema prático-moral, e não teórico-
ético. Ao contrário, definir o que é o bom não é um problema moral, cuja solução caiba ao indivíduo em
cada caso particular, mas um problema geral de caráter teórico de competência do investigador da moral,
ou seja, do ético.
Sem dúvida, a investigação teórica não deixa de ter consequências práticas, porque, ao se definir o
que é o bom, se está traçando um caminho geral para que os homens possam orientar sua conduta nas
diversas situações particulares. Neste sentido, a teoria pode influir no comportamento moral prático.
Muitas teorias éticas organizaram-se em torno do problema da definição do bom, na suposição de
que, se soubermos determinar o que é bom, poderemos saber o que devemos fazer ou não fazer. As
respostas sobre o que é o bom variam, evidentemente, de uma teoria para outra: para uns, o bom é a
felicidade ou o prazer; para outros, o útil, o poder, a auto-criação do ser humano, etc.
Juntamente com o problema da definição do bom, colocam-se, também, outros problemas éticos
fundamentais, tais como o de definir a essência ou os traços essenciais do comportamento moral que o
diferencia de outras formas de comportamento humano, como a religião, a política, o direito, a atividade
científica, a arte, o trato social, etc.
Os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos problemas
morais da vida cotidiana, que são os que se nos apresentam nas situações concretas. Mas, desde que a
solução dada aos primeiros influi na moral vivida, a ética pode contribuir para fundamentar ou justificar
certa forma de comportamento moral.

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Texto adaptado da obra:
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 13ª Ed. Tradução de João Dell’Anna. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, p. 5-12, 1992.

2 A ÉTICA E AS OUTRAS FORMAS DE COMPORTAMENTO HUMANO

2.1 Ética e religião

Afirma Oliveira (1993, p. 182): “A vida humana é a experiência da transcendência permanente... É


precisamente a consciência do absoluto que faz emergir a provisoriedade estrutural da vida humana”. E
Keller (1993, p. 25) pondera: “Uma reflexão sobre esta capacidade de autodeterminação do homem
desperta a atenção pela sua insaciabilidade; o homem nunca está contente com o que realizou ou
conquistou”.
O homem tem dentro de si um chamado para o Absoluto, o Infinito, o Transcendente; ele não se
contenta com o relativo, o infinito, o imanente, mas quer sempre ir além, inclusive de si mesmo. Toda
pessoa procura uma realidade ou um ser que satisfaça esta tendência. A forma mais comum é apresentada
pelas religiões no encontro com um ser supremo, comumente chamado Deus.
Cada religião é uma tentativa de tornar Deus um ser com características bem definidas através de
revelações e iluminações, onde são feitas propostas através de doutrinas, ritos e éticas para que o homem
se sinta bem e feliz na convivência com seu Deus e com a comunidade que nele crê.
Assim, a aceitação de uma religião surge de dentro da pessoa, de um desejo ou de uma
necessidade de realização do ser humano: “Senhor, nosso coração está inquieto enquanto não repousar
em ti” (Santo Agostinho); “no mais profundo da alma, o homem é um ser religioso (Jung); “não sabíeis que
vosso corpo é o templo de Deus” (São Paulo).
Por isso, toda religião deve ser vista como um instrumento para o homem explicitar seu encontro
interior com Deus, manifestando a experiência desta realidade e fortificando-a. A fé não pode significar
uma imposição exterior de atos que não significam nada para quem os pratica.
Mesmo o aspecto social das religiões não representa um mero aglomerado de pessoas ignorantes e
inconscientes, mas deve ser a reunião de quem participa em atos e que sua inteligência considera
razoáveis, que sua vontade decidiu práticas e que foram impulsionadas pelo amor, sendo, portanto, uma
atitude de doação a Deus e ao próximo.
Destas considerações, deduz-se que é fundamental, para a ética, refletir sobre a necessidade da
realização da dimensão espiritual ou religiosa do ser humano. Muitas situações devem ser questionadas
para saber até que ponto o homem está sendo valorizado, como acontece em certos ritos, magias,
superstições e crendices, os quais, freqüentemente, são uma simples exploração da ingenuidade alheia.
Além disso, diversas perguntas devem ser feitas: Por que continuam existindo guerras em nome
das religiões? Por que existem regimes teocráticos que não respeitam os direitos de igualdade entre o
homem e a mulher? Por que ainda existem empresas, cujo dono é de uma religião, que impõem a todos os
empregados os modos de se vestir e comportar-se conforme a sua crença?

2.2 Ética e política

Política, em sentido amplo, significa a procura do bem comum da “cidade” (da palavra grega
“polis”). Sob esse aspecto, qualquer pessoa pode e deve se interessar pela política, procurando viver não
apenas para si, mas tendo em vista, em suas ações, o benefício de todas as pessoas, seja no ambiente
doméstico, no trabalho, na escola, na ciência, no governo, etc.
A política implica uma teia de relações dos indivíduos entre si, dos indivíduos com os grupos e dos
grupos entre si, em escalas local, regional, nacional e internacional. Abrange toda a vida da pessoa; é a
superação do sentimento egoísta com vistas a atingir o horizonte do outro, do bairro, da cidade, do Estado,
da nação, e, enfim, do mundo.
Política, em sentido restrito, significa a procura e o exercício do poder; é o estabelecimento de
estratégias para comandar na sociedade. Sendo assim, aquele que chega ao poder deve ver, a si mesmo,

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como um instrumento para o bem comum, sendo uma espécie de coordenador das aspirações do povo
para solucionar seus problemas básicos.
Sabe-se que a maioria da população não possui um chamado específico para a política em sentido
restrito; não obstante, deve entender que é responsável por ela. Em primeiro lugar, todos devem ser
esclarecidos da real situação de seu país para poder avaliar as propostas de eventuais candidatos aos
poderes. Cabe a cada um conhecer a vida dos postulantes a cargos públicos a fim de que as escolhas destes
sejam por merecimentos de capacidade e idoneidade. Também se faz necessária vigilância, fiscalizando
como os governantes conduzem o bem comum.
Daqui se infere que participar da política é, em certo sentido, um dever ético de todos,
principalmente porque depende das decisões políticas a solução de múltiplos problemas comuns, tais
como: transporte, moradia, emprego, alimentação, instrução, lazer, etc. Interessar-se pelo comando da
comunidade é interessar-se pelo próprio bem pessoal, não de uma forma individualista, mas de uma forma
conjugada com o bem de cada um dos integrantes da sociedade.
Cabe ao governo a autoridade verdadeira e eficaz a fim de garantir o bem comum, em consonância
com as leis vigentes. As pessoas detentoras de cargos políticos precisam recordar que são mandatárias do
povo; seu poder existe na medida e no tempo em que lhes foi confiado e, portanto, devem prestar contas
públicas de suas ações.
A política, como qualquer outro aspecto da vida humana, exige uma educação constante da
população, a fim de que as pessoas tomem consciência de seus direitos e deveres, recebam chances para
uma educação geral e vivam a política a partir de sua participação nos diversos setores da vida, como na
escola, na família, na empresa, na religião, etc. A política é uma construção constante de participação das
pessoas nas decisões pertinentes a todos.

2.3 Ética e direito

Toda lei deve ser uma ordenação da razão em vista do bem comum, sendo promulgada por quem
tem o cargo de chefia na comunidade. Aqui, entende-se lei no sentido mais genérico do termo, incluindo
decretos, portarias, regulamentos, normas, estatutos, códigos, regimentos, etc. O autor da lei deve usar de
sua razão que capta e define as relações existentes na realidade a ser normatizada, visando o bem comum
da população.
No intuito de satisfazer o conteúdo ético, toda lei deve primar pela justiça, isto é, deve prescrever o
que está de acordo com a natureza e a dignidade do ser humano. Assim, ao determinar várias horas extras
de serviço, por exemplo, deve-se questionar se tal medida não trará prejuízos à saúde do trabalhador. Em
seguida, deve-se prever a possibilidade de tal lei ser cumprida; assim, não é viável estabelecer um horário
para o início de um trabalho quando se sabe, de antemão, que poucos poderão cumpri-lo.
Além disso, a lei deve preencher uma utilidade ou necessidade real; assim, se a questão pode ser
resolvida através do diálogo, não se faz necessária a elaboração de um decreto. Finalmente, toda lei deve
ter uma certa estabilidade ou um tempo de duração; deve ser pensada a fim de não ser facilmente
modificada.

2.4 Ética e trato social

O homem é um ser social; é chamado a conviver em grupo. Nenhum ser humano pode ser uma ilha
isolada no mundo, mas forma, junto com os outros, um grande arquipélago, vivendo mais ou menos
próximo e distante dos outros, facilitando ou dificultando as correntezas da água entre si. É um processo de
interação contínua e constante das pessoas que vai moldando a existência de cada um.
Embora cada pessoa seja única, irrepetível e, até certo ponto, insondável em sua individualidade,
precisa conviver com outras pessoas para se desenvolver enquanto “ser humano”, não apenas por
necessidade física, mas por uma questão afetiva de intersubjetividade. Toda pessoa sente necessidade de
penetrar na intimidade psíquica de uma outra pessoa e deixar-se penetrar por ela.
Assim, sociedade não é uma mera justaposição de corpos; é formada por pessoas na medida em
que se inter-relacionam, formando uma teia de laços interiores, dinamizando-se mutuamente e
respeitando cada individualidade.

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Este pensamento é corroborado por Lisboa (1996, p. 16): “Sem dúvida, viver em sociedade é
inerente à condição humana, atributo que visa assegurar a sobrevivência, e, portanto, a continuidade da
própria espécie”; e também Jolivet (1966, p. 220): “A pessoa é uma espécie de absoluto, mas não o
Absoluto; as condições concretas de sua existência mostram com clareza que ela só pode expandir-se
plenamente na comunhão com outras pessoas”. Keller (1993, p. 27), por sua vez, acrescenta: “O fato é que
o homem tem a propensão de viver junto com os outros, seus semelhantes, e comunicar-se com eles,
tornando-os participantes de suas próprias experiências e desejos, ficando, portanto, mais próximo deles,
convivendo e partilhando emoções e bens”.
Diante disso, várias questões devem ser levantadas e estudadas pela ética sob o aspecto social. Em
primeiro lugar, é importante que as pessoas se associem como um direito e um dever, pois na medida em
que se formarem grupos e movimentos de pessoas conscientes é que surgirão transformações. Neste
contexto, estão as associações de bairro, as associações profissionais, os sindicatos, os partidos políticos, os
grêmios estudantis, os clubes esportivos, as assembleias religiosas.
Em segundo lugar, várias perguntas devem ser feitas: quantas empresas não só favorecem, mas até
impedem o convívio social dos empregados? Quantos dos chamados “líderes” são, na prática, chefes
autoritários que manipulam as pessoas nos grupos sociais? Quantos membros de grupos só participam
destes por interesses individualistas e egoístas?

2.5 Ética e ciência

O homem é um ser teorizante. Ele procura sistematizar e colocar em ordem as explicações das
coisas, tanto as naturais como as criadas por ele; preocupa-se com o conhecimento lógico e com o
desenvolvimento de sua mente e se interessa pela clareza das ideias, dos juízos e dos raciocínios na busca
da verdade.
Esta é uma conformidade da mente com a realidade; ela nunca é completa ou definitiva, mas
relativa às situações em que o homem vive. O poder da mente é limitadíssimo face à grandeza da realidade,
o que garante que a organização teórica do conhecimento esteja em constante evolução, tanto no plano
individual quanto coletivo.
Teoria não é uma mera especulação distante da realidade, mas uma ordenação interior,
conceptual, que explica e interpreta os objetos como são conhecidos pelo sujeito.
Neste sentido, as coisas determinam as teorias, fornecendo a estas a matéria-prima para a sua
construção. Mas o homem é o artífice ou o engenheiro que coloca em ordem os elementos, contribuindo
para a construção de teorias diferentes sobre uma mesma realidade.
É um dever ético para o homem, teorizar a fim de não se tornar meramente passivo perante o
mundo que o rodeia. Por outro lado, deve evitar o puro academicismo, em que a mente mergulha apenas
em reflexões distantes do contexto, levando o homem a não perceber o dinamismo do mundo que o
envolve. Assim, toda mentalidade fechada empobrece o ser humano; a abertura de espírito é importante
para uma teorização adequada.

Texto adaptado da obra:


CAMARGO, Marculino. Fundamentos da ética geral e profissional. Petrópolis: Vozes, p. 46-64; 83-
84, 1999.

3 ÉTICA E CIDADANIA

3.1 Política e cidadania

Convivendo com outros homens, os conflitos de vontades e interesses são sempre inevitáveis. No
momento do impasse, que é uma luta entre diferentes desejos, um indivíduo quer impor ao outro a sua
vontade. Normalmente, quem vence esse conflito é aquele mais bem aparelhado: dependendo da
circunstância, pode ser o mais forte, o mais inteligente, o mais jovem, o mais bonito.
A capacidade de transformar as vontades dos outros na sua vontade é aquilo que chamamos de
poder. Numa primeira aproximação, o poder seria a capacidade de realizar qualquer ato ou ação; um

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aspecto importante é que ele pressupõe até mesmo a oposição, constituindo, então, a capacidade de
superar essa oposição pela forma, impondo-se a ela. De modo geral, o poder seria a potência para realizar
determinado desejo ou vontade.
O jogo de poder apresenta-se, assim, como um jogo de vontades, no qual a vontade de um – o mais
forte, por alguma razão – acaba se impondo sobre a vontade de outro ou outros. A noção de poder implica
também a capacidade de ter suas ordens obedecidas. Aquele que é investido de poder – um indivíduo ou
uma instituição – tem a chance e os instrumentos para potencializar suas vontades, transformando-as em
atos.
Não podemos, entretanto, julgar que a ação do poderoso dá-se unicamente no sentido de subjugar
e neutralizar a (as) vontade (s) alheia (s). Embora em casos bastante específicos a ação hegemônica do
poder só seja possível por meio da neutralização das demais vontades – é o caso do totalitarismo –, de
modo geral, o poder age pelo convencimento e pela manipulação das vontades alheias. Assim, em vez de
agir pela neutralização das vontades, o poder age muito mais por meio de sua transformação; tomar o
conjunto das vontades diferentes e torná-las uma, a vontade do poderoso, com a qual os demais devem
concordar.
Se apenas um tem o poder, todos os outros indivíduos não têm poder algum: é uma sociedade
servil. Mas de onde viria o poder desse indivíduo? Por que todos o obedecem?
Um filósofo do século XVI chamado Etienne de la Boétie, num pequeno livro, o Discurso da servidão
voluntária, forneceu a pista para entender a charada: quando um indivíduo manda, seu poder não vem
dele mesmo, mas dos outros que se submetem. De sua perspectiva, o que sustenta o tirano não é a sua
própria autoridade, mas a entrega dos súditos, isto é, a dominação só é possível com o concurso direto dos
próprios dominados. Segundo ele, em torno do tirano constrói-se uma rede de interesses. O tirano tem 6
assessores diretos, cada um deles tem mais de 60 empregados e assim por diante, de modo que toda a
sociedade acaba envolvida nessa rede de interesses.
Desse modo, o que garante o poder do tirano é uma rede de micropoderes e interesses que se
constrói à sua volta, o que, ao invés de enfraquecer esse poder central pela diluição, fortalece-o, sendo seu
próprio sustentáculo e sua própria garantia.
Mas, se os indivíduos se recusarem a servir, acaba o poder do tirano. Portanto, a sociedade servil
depende do consentimento dos indivíduos; se eles resolverem não mais obedecer a um rei e solucionar
seus próprios problemas políticos, eles podem construir novas formas de relação social.

3.2 Ideologia

3.2.1 O conceito da ideologia

A palavra ideologia foi criada no começo do século XIX para designar uma “teoria geral das ideias”.
Foi Karl Marx quem começou a fazer uso político dela quando escreveu um livro junto com Friedrich Engels
intitulado A ideologia alemã. Nessa obra, eles mostram como, em toda sociedade dividida em classes,
aquela classe que domina as demais faz tudo para não perder essa condição. Uma forma de manter-se no
poder é usar a violência contra todos aqueles que forem contrários a ela. Mas a violência pode voltar-se
também contra ela: a violência pode gerar a revolta do povo. É, então, muito mais fácil e mais eficiente
dominar as pessoas pelo convencimento.
É aí que entra a ideologia: ela constituirá um corpo de ideias produzidas pela classe dominante que
será disseminado por toda a população, de modo a convencer a todos de que aquela estrutura social é a
melhor ou mesmo a única possível. Com o tempo, essas ideias se tornam as ideias de todos; em outras
palavras, as ideias da classe dominante tornam-se as ideias dominantes na sociedade.
Essa classe que se encontra no poder vai fazer uso de todos os mecanismos possíveis e imagináveis
para distribuir suas ideias para todas as pessoas, fazendo com que acreditem apenas nelas. Numa
sociedade de dominação, essa é a função dos meios de comunicação, das escolas, das igrejas e das mais
diversas instituições sociais. Onde houver pessoas reunidas, ou mesmo sozinhas, haverá uma forma de
ideologia em ação.
A ideologia passa a dominar todos os nossos atos. Quando nos convencemos da verdade dessas
ideias, passando a agir inconscientemente guiados por elas, ou seja, o corpo de ideias constituído atravessa
nosso pensamento sem nos darmos conta e passamos a desejar o que o outro determina: quando compro

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um sabonete ou creme dental, estou fazendo uma “escolha” que me foi determinada pela propaganda.
Quando voto num candidato a prefeito, estou fazendo também uma “escolha” determinada pela
propaganda, pois, na democracia representativa, os discursos são construídos de forma ideológica para
convencer o eleitor de que aquele candidato é o melhor. Não foi por acaso que filósofo Herbert Marcuse
afirmou que “na nossa sociedade, os políticos também se vendem, como sabonetes”.
Quando uma ideologia funciona de fato, ela se distribui por toda a sociedade, de forma a fazer com
que cada indivíduo, em cada ato, reproduza aquelas ideias. O triunfo de uma ideologia acontece quando
todo um grupo social está definitivamente convencido de sua verdade. Se todos estão convencidos,
ninguém questiona e a sociedade pode manter-se sempre da mesma maneira; de certo modo, o sucesso da
ideologia está relacionado com o processo da alienação.

3.2.2 Ideologia: Desejo, vontade, necessidade

Mas que o faz com que o poder de convencimento da ideologia seja tão forte? Se ela é constituída
por ideias que falseiam a realidade para que na sociedade tudo continue como está, por que as pessoas
simplesmente não se revoltam contra ela?
É, parece que a coisa não é assim tão simples. Se fosse, não estaríamos imersos em todo esse
processo de denominação e submissão das pessoas. Para tentar entender o processo de “funcionamento”
da ideologia, voltemos à questão da propaganda. O que leva alguém a consumir um produto que trabalha
com a imagem de sucesso? Por que essa pessoa não se dá conta de que seu sucesso não depende dos
produtos que ela consome ou deixa consumir?
É claro que todo indivíduo deseja ter sucesso na vida. Mas também é evidente que, numa
sociedade de dominação e desigualdades, o sucesso não é possível para todos. Para que alguns possam ser
muito bem-sucedidos, é necessário que muitos outros permaneçam na miséria. Se for alardeado pelos
meios de comunicação que o sucesso não é possível para todos, certamente teremos uma boa dose de
inconformismo social que pode levar até mesmo a violentas revoltas. A ideologia trata então de disseminar
a idéia de que vivemos numa sociedade de oportunidades e de que o sucesso é possível, bastando que,
para atingi-lo, cada indivíduo se esforce ao máximo. Em contrapartida, vemos milhões de pessoas vivendo
na miséria...
Às vezes, alguém se esforça ao limite, mas nada de chegar ao sucesso. Ele permanece como um
ideal, um sonho quase inatingível, mas do qual não abrimos mão, do qual jamais desistiremos. Quando esse
indivíduo vê o belíssimo comercial do produto que estampa a imagem do sucesso, algo desperta, bem lá no
íntimo de seu ser. Inconscientemente, ele associa a imagem do produto à imagem do sucesso, e renova
suas forças na busca de obtê-lo. Consumir esse produto é ser bem-sucedido, embora, na verdade, ele
continue insatisfeito com seu trabalho, com seu salário, com seu casamento...
Você já deve ter conseguido perceber o que estamos tentando explicar: a ideologia funciona tão
bem porque age atravessando e invadindo o íntimo das pessoas. E embora seja um corpo de ideias, não
domina pela ideia, mas pelas necessidades criadas por essas ideias, pelos desejos que elas despertam. O
discurso ideológico é aquele que consegue tocar nas vontades e ambições mais íntimas de cada indivíduo,
dando-lhe a ilusão de sua realização. Alguns passam a ver seu patrão como um ideal a ser alcançado, como
alguém que gostaria de ser, imaginando que ele alcançou o sucesso, tem tudo o que quer e é feliz; alguém
tem vontade de tomar a vitamina Eletrizan para ter mais energia; alguém quase careca usa xampu que lhe
promete uma abundante cabeleira, e assim por diante.
Para sermos mais enfáticos, além de lidar com as necessidades e as vontades e de influenciar os
desejos das pessoas, a propaganda produz outras necessidades e administra sua satisfação, de modo que
cada um tenha uma ilusão de felicidade, uma ilusão de prazer e se acomode à situação vivida de sempre
querer mais. O consumismo nada mais é do que a afirmação dessa realidade de realizar os desejos dos
outros como se fossem nossos. Por que você sempre precisa usar uma roupa de grife? Ou cortar o cabelo
de acordo com a moda? Enquanto você consome, suas vontades vão sendo realizadas, mas, ao mesmo
tempo, novas necessidades vão sendo criadas, de forma que é praticamente impossível escapar dessa
“roda viva”. Enquanto você consome, não questiona a sociedade na qual vive nem o que o leva a consumir
tanto.
No âmbito da política, a ideologia aparece da mesma forma. Observe as propagandas em época de
eleições. Elas sempre tocam nas necessidades básicas das pessoas. Os candidatos que saem vencedores nas

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eleições são sempre aqueles que melhor conseguiram tocar nos desejos dos eleitores, que conseguiram
produzir neles a ideia de uma satisfação futura. Desse modo, nem sempre votamos nos candidatos que
poderiam defender melhor nossos interesses sociais; na maioria das vezes, ao contrário, votamos naqueles
que, de algum modo, prometeram uma satisfação para nossos desejos.

3.3 Alienação: (des) humanização do homem no trabalho

O conceito de alienação significa, etimologicamente, tornar-se estranho a si próprio. Deriva do


latim alienare, alienus, que significa “que pertence a um outro”. A pessoa alienada, de certa forma, não se
reconhece em suas atividades, essas atividades constituem uma ação automática, não reflexiva, não
criativa. O alienado não se realiza em suas atividades, pois estas lhe são totalmente estranhas.
Em Marx, encontramos o conceito de alienação utilizado para designar uma relação artificial do
operário com sua atividade produtiva. O trabalho é exterior ao operário, ou seja, não pertence a ele, não é
expressão de sua criatividade; o trabalho não é fruto do operário. Por consequência, o trabalhador não se
afirma no trabalho, muito pelo contrário, nega-se nele. Há alienação no trabalho quando, perdendo o
domínio da produção de um objeto, o trabalhador vê o resultado de seu trabalho se tornar estranho a ele
mesmo.
Em todo trabalho moderno, seja nas indústrias, seja no setor de serviços, constatamos o fenômeno
da alienação. Ela começa na própria produção. Um bom exemplo, mas que poderia acontecer em qualquer
outro tipo de fábrica, é o da indústria automobilística: o operário é contratado para executar uma única
tarefa o dia todo. Cada trabalhador, ou grupo de trabalhadores, executa uma tarefa específica, não
interferindo em outro setor produtivo. Esse é o modo de produção capitalista moderno, baseado na divisão
social do trabalho: muitos executam o trabalho braçal, sendo que este é dividido em dezenas de etapas e
poucos executam o trabalho teórico, de organizar burocraticamente a produção.
Nesse processo, a alienação acontece porque o trabalhador não domina todo o processo produtivo,
mas apenas uma parte dele. Seguindo com nosso exemplo, o trabalhador não sabe produzir todo o carro,
sabe apenas fixar a barra de direção no chassi. O operário produz, mas não sabe produzir; não vê o produto
como criação sua; o operário não se enxerga no produto. Na indústria, o trabalhador produz, mas aquilo
que produziu não lhe pertence; produzimos e não somos donos do produto. Você já imaginou se esse
operário, ao receber seu salário, for tentar comprar um dos veículos que ele ajudou a produzir? Aquilo que
produzimos é estranho a nós mesmos. O trabalho torna o homem estranho a si mesmo.
Numa indústria, o trabalhador não determina as horas a serem trabalhadas, nem o ritmo do
trabalho, nem o que e como produzir, nem as roupas a serem usadas; em última instância, tudo é exterior
ao homem; tudo já está predeterminado. Numa linha de produção, o homem converte-se num átomo,
apenas um dente no meio de dezenas de engrenagens que funcionam como o capitalista quer. Na
produção, o trabalhador ocupa um lugar preciso e se comporta de um modo predeterminado. Todos os
seus movimentos já estão previstos pela função a ser executada. No nosso exemplo, o trabalhador se
tornou algo rotineiro e irreflexivo, pois perdeu o direito de criar e pensar. A capacidade criadora, a
curiosidade e o raciocínio foram suprimidos pela produção. A vida humana aqui é negada, pois torna o
homem submisso, sem criatividade, impede-o de usar exatamente aquilo que o diferencia dos animais: sua
capacidade intelectual.
Com efeito, o processo de alienação vai ainda mais longe: no universo do capitalismo, o próprio
trabalhador torna-se um trabalhador-mercadoria. Ele é colocado numa perspectiva de mercado. O que o
trabalhador tem como sua propriedade (a sua força de trabalho, sua força física) é transformado em mais
uma mercadoria. Isso porque o trabalhador precisa vender sua força de trabalho em troca de um salário
com que possa sobreviver. Transformado em mercadoria, o trabalhador acaba depreciado: quanto mais o
trabalhador produz, menos tem para consumir; quanto mais valor ele cria, menos valioso se torna; quanto
mais aperfeiçoado o seu produto, mais grosseira sua situação; quanto mais civilizado o produto, menos o
trabalhador é humano; quanto mais poderoso o trabalho, mais frágil o trabalhador; quanto mais
inteligência revela o trabalho, mais o trabalhador decai em sobrevivência e se torna um escravo da
natureza.
Portanto, o trabalho humano produz maravilhas para os ricos e produz privação para o trabalhador;
o trabalhador é quem cria a riqueza de um país, transforma a matéria-prima, produz a beleza, os palácios e

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as máquinas; no entanto, para o próprio trabalhador, resta somente a miséria, a marginalização social e
cultural, o feio e a sua substituição pela máquina que ele mesmo produziu.
Marx denunciou tal realidade em seus estudos, ainda em meados do século XIX, quando, na
maioria dos casos, os trabalhadores chegavam a trabalhar 18, 20 horas por dia dentro de uma fábrica. E
isso valia até mesmo para as mulheres e para as crianças. Em outras palavras, o trabalho, que deveria ser
um símbolo da dignidade humana, transformava o trabalhador num verdadeiro animal. Com pequenas
alterações em termos estruturais, ainda são essas as mesmas condições que governam a realidade do
trabalho nos dias de hoje.

3.4 Ética e civilização

Os seres humanos agem conscientemente e cada um de nós é senhor de sua própria vida. Mas
como resolvemos o que fazer? Você, em algum momento, já pensou em como toma as decisões sobre o
que fazer em determinada situação? Você age impulsivamente, fazendo “o que der na telha”, ou analisa
cuidadosamente as possibilidades e as consequências, para depois resolver o que fazer?
A filosofia pode nos ajudar a pensar sobre nossa própria vida. Chama-se ética a parte da filosofia
que se dedica a pensar as ações humanas e os seus fundamentos. Um dos primeiros filósofos a pensar a
ética foi Aristóteles, que viveu na Grécia no século IV a.C. Esse filósofo ensinava numa escola à qual deu
nome de Liceu e muitas de suas obras são resultado das anotações que os alunos faziam de suas aulas. As
explicações sobre a ética foram anotadas pelo filho de Aristóteles chamado Nicômano, e por isso esse livro
é conhecido por nós com o título de Ética a Nicômano.
Em suas aulas, Aristóteles fez uma análise do agir humano que marcou decisivamente o modo de
pensar ocidental; o filósofo ensinava que todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem. O bem é a
finalidade de toda ação. A busca do bem é o que difere a ação humana da de todos os outros animais.
Ele perguntou: Qual é o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação? E como
resposta encontrou: a felicidade. Essa resposta formulada pelo filósofo encontra eco até nossos dias. Tanto
o homem do cotidiano como todos os grandes pensadores estão de acordo que a finalidade da vida é ser
feliz. Identifica-se o bem viver e o bem agir com o ser feliz.
No entanto, disse Aristóteles, a pergunta sobre o que é a felicidade não é respondida igualmente
por todos. Cada um de nós responde de uma forma singular. Essa singularidade na resposta é partilhada
por outros indivíduos com os quais convivemos. Portanto, no processo de nossa educação familiar, religiosa
e escolar aprendemos a identificar o ser feliz com os valores que sustentam nossas ações.
Toda produção histórica dos seres humanos consiste em criar condições para que o homem seja
feliz. Todas as religiões, as filosofias de todos os tempos, as conquistas tecnológicas, as teorias científicas e
toda a arte são criações humanas que procuram apresentar condições para a conquista da felicidade. O
processo civilizatório iniciou-se com a promessa da felicidade.

3.4.1 Racionalidade e liberdade

O mesmo Aristóteles caracterizou os humanos como seres racionais que falam. A dimensão anímica
ou psíquica (psiqué = alma) dos humanos foi concebida pelo filósofo como um composto de duas partes:
uma racional e outra privada de razão. A primeira se expressa pela atividade filosófica e matemática; a
segunda, por seus elementos vegetativos e apetitivos. Isso permitiu a hierarquização dos seres vivos.
Pela segunda parte da alma, somos iguais a todos os outros animais. Movidos pelos instintos
primários (fome, sede, sono, reprodução), somos guiados pela necessidade de sobrevivência. Todos os
seres vivos têm em comum um problema único a resolver: como sobreviver. Necessitamos de alimentos
para aplacar nossa fome; de água para saciar a sede; dormir para descansar o organismo; nos reproduzir
por meio de atividade sexual e assim perpetuar a espécie. Mas o que nos diferencia dos outros animais?
Segundo Aristóteles, é a racionalidade. Nós somos capazes de planejar nossas ações, de realizar escolhas e
julgá-las, determinando seu valor. Agimos acreditando que estamos fazendo o bem e, mesmo quando
julgamos mal nossas ações, é sempre o bem que estabelece o critério de tal julgamento.
Assim, os seres humanos identificam-se como tais pelas distinções que são capazes de estabelecer
com os outros animais e, por conseguinte, com todo o reino da natureza. Os seres humanos definem-se

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pela capacidade de pensar, falar, trabalhar e amar. Ainda com Aristóteles, podemos identificar três coisas
que controlam a ação: sensação, razão e desejo. A primeira não é princípio para julgar a ação, pois também
os outros animais possuem sensação, mas não participam da ação.
A ação é um movimento deliberado, isto é, a origem da ação é a escolha. Os homens diferem dos
demais animais porque são capazes de realizar escolhas. O desejo está na raiz dessas escolhas; a razão é o
seu guia. Para Aristóteles, o desejo é a força motriz, o impulso gerador de todas nossas ações. Mas essa
força motriz deve seguir o curso traçado pela razão. A razão guia, conduz o desejo ao encontro de seu
objeto.
Realizar escolhas é eleger objetos para o desejo. O critério das escolhas é sempre racional. O
motivo é sempre emocional, ou seja, impulsionados pelo desejo, movemo-nos em direção aos objetos.
Nesse sentido, a capacidade racional de realizar escolhas permite-nos afirmar nossa condição de liberdade.
O exercício da liberdade é a capacidade de escolher. Nisso, os humanos podem se desviar do determinismo
que rege o mundo da natureza. Os animais jamais podem escolher. Suas ações são determinadas pelo
padrão genético de suas espécies. Quando olhamos um filhote de cachorro, por exemplo, somos capazes
de dizer seu comportamento futuro. Ao olhar para um bebê é impossível prever seu comportamento, suas
ações e suas intenções.
É a escolha que define o caráter de um ser humano. Suas virtudes se manifestam nas escolhas que
realiza no curso de sua condição mortal. Aqui se apresentam algumas questões éticas de grande relevância:
Quais os critérios que norteiam as escolhas que um homem faz em sua vida? Quais os valores que pautam
suas ações? Quais objetivos pretende atingir e com quais meios efetivará sua realização? Afirma-se que
toda ação deve ser justa e boa. Mas, o que determina a justiça e a bondade? O que é ser justo? O que é ser
bom?
No exercício da liberdade, cada um de nós se relaciona com outros indivíduos e dessas relações
emerge a realidade social. Chamamos sociais nossas relações com os outros no mundo. A sociedade é uma
construção histórica pautada numa lei fundamental: é proibido matar o semelhante. No entanto, numa
rápida olhada em qualquer jornal, por exemplo, descobrimos que o assassinato é praticado das mais
diferentes formas: guerras, fome, assaltos, atentados terroristas etc. Vez ou outra, ouvimos dizer que essas
ações são desumanas. Mas como, se foram praticadas por seres da mesma espécie, animais racionais?

3.4.2 Civilização e valores

A civilização parece não respeitar a lei fundamental que criou para que pudesse existir: É proibido
matar! Se existem práticas homicidas, os critérios de bondade e justiça não são cumpridos. Os assassinatos
revelam o conflito irremediável entre a liberdade e a lei. A lei foi construída para garantir o exercício da
liberdade. No entanto, acaso deveríamos julgar livres os indivíduos que praticam crimes? Seriam eles livres
em suas ações ou não? O critério de justiça determina a prisão (perda da liberdade) para quem cometer
homicídio. Mas por que só os pobres são condenados à prisão? Por que os chamados “crimes de colarinho-
branco” não são punidos com a prisão? Observe que essas questões remetem ao campo da reflexão ética.
Em 1930, um médico vienense chamado Sigmund Freud – o criador da psicanálise – publicou um
livro com o sugestivo título O mal estar da civilização. Nessa obra, Freud fez um diagnóstico do processo
civilizatório e constatou que os seres humanos estão condenados a viver nesse conflito irremediável entre
as exigências pulsionais (a liberdade) e as restrições sociais (as leis).
Freud retoma a clássica questão aristotélica que atravessa toda a história ocidental: O que os
homens pedem da vida e o que desejam nela realizar? A resposta é categórica: a felicidade. Os homens
querem ser felizes e assim permanecer. Toda ação tem em vista a conquista da felicidade.
Para analisar por que nos afastamos desse propósito, Freud apresenta uma reflexão decisiva para
pensarmos a Ética civilizatória como promessa de felicidade: “Grande parte das lutas da humanidade
centraliza-se em torno da tarefa única de encontrar uma acomodação conveniente – isto é, uma
acomodação que traga felicidade – entre essa reivindicação do indivíduo (liberdade) e as reivindicações
culturais do grupo (leis) e um dos problemas que incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal
acomodação pode ser alcançada por meio de alguma forma específica de civilização (religião, ciência,
filosofia, arte) ou se esse conflito é irreconciliável” (p. 116). A posição de Freud é clara: o conflito é
irremediável.

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A tarefa da civilização é humanizar esse animal racional chamado homem. Acompanhando os
argumentos de Freud na obra citada, podemos encontrar elementos para caracterizar o processo
civilizatório construído pelos seres humanos. A civilização é concebida como tudo aquilo por meio do que a
vida humana se elevou acima de sua condição animal. Os humanos são seres de cultura. A cultura é a
morada do homem. O acesso aos bens culturais produzidos em toda a história é o que define nossa
condição humana. O homem é um animal cujo maior desejo é tornar-se humano.
A elevação apontada por Freud é o que nos diferencia dos outros animais. A vida humana difere da
vida dos animais em dois aspectos: os conhecimentos e as capacidades adquiridas para controlar as forças
da natureza; e os regulamentos (leis, normas, regras) para ajustar as relações dos homens uns com os
outros.
Na luta pela sobrevivência em um mundo sombrio e assustador, o animal racional teve de enfrentar
três grandes desafios: o poder superior da natureza, que nos ameaça com forças de destruição; a
fragilidade de seu próprio corpo, condenado à dissolução; e as leis que regulam suas ações sociais. Os
conhecimentos científicos e tecnológicos procuram responder a esses desafios. As práticas religiosas, os
sistemas de crenças também. As teorias filosóficas e as produções artísticas inserem-se nessa tarefa de
encontrar caminhos para esses desafios humanos.
A conclusão derradeira de Freud é que “a civilização tem de ser defendida contra o indivíduo e que
seus regulamentos, suas instituições e suas ordens dirigem-se a essa tarefa (...) fica-se assim com impressão
de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu
como obter a posse dos meios de poder e coerção” (p.117). Todos nós estamos submetidos ao processo
civilizatório. Desde o nascimento até a morte, somos atravessados pelos critérios que sustentam a
civilização: o bem e a justiça.
Finalmente, como relacionar ética (instância individual) e civilização (instância coletiva)? A ética,
pensada no campo da lei, leva-nos à mesma conclusão de Freud. Ao obter a posse dos meios de poder e
coerção, uma minoria impõe seus valores à grande maioria que resiste. O poder é concebido como essa
imposição de uma minoria à grande maioria. Mas a conclusão de Freud nos permite pensar o poder
também como resistência por parte da maioria. Nesse caso, o Estado aparece como o grande gerenciador
desse conflito, por meio de seu sistema de leis e práticas de coerção (prisão, por exemplo).
Há também outra possibilidade de pensarmos a ética: como exercício estético. Em meio a esse
conflito irreconciliável entre as exigências individuais por liberdade e as restrições impostas pelo
regulamento social, podemos criar condições para instaurar uma ética da beleza: fazer da vida uma obra de
arte, criar condições para que cada um produza sua própria vida como quem esculpe o mármore ou pinta
uma tela. O mármore ou a tela seriam as imposições/ restrições impostas pela civilização e das quais não
podemos escapar; mas, como sujeitos de nossa vida, podemos esculpir/ pintar com o formão e o pincel de
nossa liberdade, construindo nossa própria existência.

3.5 O corpo

A ciência busca uma explicação racional e particular para entender o corpo dentro da concepção
biológica, na qual o interesse geral é um entendimento científico da realidade, preconizando um
conhecimento materializado no avanço tecnológico do corpo humano. As ciências mantêm um poder sobre
o corpo, que se torna objeto postado submissamente diante das instituições médicas (médicos e
cientistas), em que ele não é percebido dentro da dinâmica da afetividade nem no contexto das situações
sociais e culturais.
Já a filosofia procura compreender o corpo humano como fenômeno corporal, uma abordagem
concreta que explicita o aspecto contraditório do corpo na sua relação de manifestação com o mundo
exterior. Entender o corpo é colocá-lo em uma perspectiva dialética, em que sentimentos, percepção,
afetividade, emoção, razão e comportamentos estão inseridos no complexo horizonte da existência, não se
preocupando apenas em buscar definições para as coisas que acontecem com o corpo.
Como então falar em corpo senão em corpo total? Como podemos separar as instâncias
psicológicas, biológicas, neurológicas e sociológicas do processo evolutivo do homem? O corpo não é coisa
e nem é separado de nosso eu, não é uma coisa que temos, mas aquilo que somos. (...)
Ao entendermos o corpo concreto, localizado e inserido cotidianamente, é preciso tomar cuidado
com certos discursos e propagandas que procuram induzir as pessoas a uma visão de “corpo belo e

19
saudável”, cuja meta é sempre o lucro à custa da alienação de todos. Vivemos em uma sociedade que
procura induzir os comportamentos corporais na busca do “corpo belo e saudável”, mas, na verdade, as
pessoas estão ficando cada vez mais preocupadas, feias e doentes. Feiúra e doença causadas pelos
modismos físicos e gestuais alienados que nos são passados por academias, instituições, escolas... Basta
prestar atenção nos meios de comunicação para verificar certas aberrações que são feitas contra o corpo:
filmes, fotos, novelas, documentários, propagandas e outras influências que colocam o corpo como um
objeto de uso, um utensílio, uma ferramenta a ser usada conforme os interesses econômicos, políticos e
ideológicos de grupos que manipulam o poder na busca de sua satisfação mercadológica.
Esse “culto ao corpo” que assistimos hoje, quando as pessoas invadem as academias, compram
pelo telefone produtos milagrosos anunciados na televisão para fazer com que seu corpo fique igual ao dos
atletas dos comerciais, mais do que fazer com que atentemos para nosso corpo, o que seria de fato
desejável, na verdade, significa uma alienação ainda maior. Longe de apontar para uma conscientização
geral, mostra que continuamos a perceber o corpo como algo que arrastamos, como uma “pedra em nosso
caminho”, que tentamos diminuir ou embelezar a cada dia. Como escultores, queremos transformar a
“pedra bruta” que é nosso corpo numa obra de arte; nosso martelo e nossa talhadeira são os
anabolizantes, as vitaminas importadas, os aparelhos de exercícios, as dietas e os produtos para
emagrecer...
Mas, mais do que tornar o corpo belo e saudável, estamos envenenando-o e violentando-o, muitas
vezes com exercícios que estão além de nossas capacidades. Nessa busca de uma beleza impossível, porque
fabricada pela propaganda, ficamos mais feios e perdemos a saúde.
O corpo humano é o corpo que sente, percebe, fala, chama a atenção para o corpo que somos e
vivemos. O corpo é presença concreta no mundo, porque veicula gestos, expressões e comportamentos das
ações individuais e coletivas de um grupo, comunidade ou sociedade. Assim, vivemos um contexto histórico
que busca fazer dos corpos máquinas de competição, voltadas para o lucro de uma sociedade pragmatista.
Precisamos fazer do corpo um elemento de resistência, que nos liberte do negativismo e do pragmatismo.
Um corpo que nos coloque em frente a nossa realidade, confrontando-nos com problemas e situações. Um
corpo que nos coloque no mundo e que seja capaz de “aventurar-se” para vivenciarmos novas e
impensadas perspectivas para a vida.

GALLO, Sílvio (coord). Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 16ª Ed. Campinas: Papirus, p. 25-67,
2008.

3.6 Sexualidade: o nome da coisa

O homem é um ser pertencente a um determinado gênero: masculino ou feminino. Isto não é, em


primeiro lugar, uma questão de genitalidade ou sexualidade, mas de personalidade; ex: Antônio é
masculino em todo seu ser pessoal; Filomena é feminina em todo o seu ser pessoal. É certo que faz parte
desse “ser” o instinto com a finalidade de prazer e de procriação, mas é o homem, no todo de seu ser, que
deve assumir estes objetivos do instinto e integrá-los no todo da sua existência.
Mais ainda, será o amor de doação pessoal, que vai além de uma mera paixão, que deverá viver o
gênero masculino ou feminino a fim de que o ser humano se desenvolva. Desta forma, por si só, não
existem, a priori, “problemas sexuais”, mas situações de falta de integração da pessoa consigo mesma,
explodindo tais desarranjos. Um velho provérbio afirma que “o primeiro órgão sexual é o cérebro”, ou seja,
tudo depende da harmonização e unificação da pessoa de acordo com os objetivos estabelecidos para sua
existência.
Antes de cada gênero buscar sua complementaridade com um outro, é importante estar bem
consigo mesmo e com seus valores específicos; cada um tem que se sentir “homem” ou “mulher”, crescer
nas suas características, perceber o outro gênero como um sujeito e não como um objeto de prazer ou
procriação. Esta complementaridade não se realiza exclusivamente pela integração no casamento, mas
cada gênero pode trazer contributos preciosos para a vida social.
Existem questões clássicas a serem estudadas neste ponto, envolvendo vicissitudes no caminhar da
realização dos gêneros, onde valores se misturam com angústias e frequentemente na falta de
perspectivas; não se trata de preconceitos ou marginalizações, pois qualquer ser humano, em qualquer

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situação e antes de tudo, é uma pessoa de igual dignidade. Mas estas questões devem ser enfrentadas
exatamente para a pessoa encontrar o caminho mais conveniente para seu crescimento.
Além destas situações, outras indagações sérias devem ser levantadas pela ética: o que dizer do
assédio sexual, especialmente nas empresas? Como encarar a pornografia e o pansexualismo reinante,
onde o sexo é reduzido a um objeto, isolado do ser humano? O que dizer do machismo ou do feminismo,
onde um gênero se considera superior a outro?

CAMARGO, Marculino. Fundamentos da ética geral e profissional. Petrópolis: Vozes, p. 48-49, 1999.

3.7 Liberdade

Dos filósofos de nosso tempo, o que mais se dedicou a pensar a liberdade foi o francês Jean-Paul
Sartre, muito famoso porque escreveu também vários romances e peças de teatro.
Para Sartre, a liberdade é o próprio fundamento do ser do homem. Ela está na raiz de seu
comportamento, porque sempre temos de escolher. Nesse sentido, o homem é essencialmente livre, não
pode abdicar da liberdade. Como disse Sartre, o homem está “condenado a ser livre”.
Você poderia dizer o seguinte: nem sempre eu posso escolher. Às vezes, uma das condições é a
morte: ou faço determinada coisa ou morro. Ora, morrer para não abrir mão de alguma coisa é uma
escolha. Mesmo a morte é uma escolha, e optar por ela é parte de meu exercício de liberdade...
Essa liberdade de que fala Sartre é integral e só pode ser assim. Não podemos falar em “graus” de
liberdade, eu não posso ser mais livre ou menos livre. Eu não posso escolher “mais ou menos” entre duas
ou mais coisas. Ou eu escolho ou não escolho; ou sou integramente livre ou não o sou.
Você certamente conhece aquele ditado que diz que “a minha liberdade termina onde começa a
liberdade do outro”. Você já pensou a respeito? Será que uma liberdade que termina na liberdade do outro
é, de fato, uma verdadeira liberdade?
Ora, se minha liberdade é limitada pela do meu vizinho, significa que a dele também é limitada pela
minha. Em outras palavras, nem ele nem eu somos livres. Se pensarmos bem, tal ideia de liberdade significa
que apenas somos livres se vivemos sozinhos, isolados de outras pessoas.
No entanto, a vida em sociedade é uma condição humana. Ser homem significa viver junto com
outras pessoas. E viver junto é conviver (compartilhar a vida, os espaços, os sonhos, as alegrias, as
tristezas...) e não apenas coabitar (dividir o mesmo espaço; uma casa, por exemplo). Dessa maneira,
devemos esquecer a hipótese de uma liberdade absoluta, na qual somos donos de nossos narizes porque
não existem outros como nós para nos ameaçar. E, além do mais, que graça teria eu ser livre se não
houvesse outras pessoas para reconhecer em mim essa liberdade?
Se, por outro lado, pensamos a liberdade como atributo de um indivíduo que é parte de um grupo
social, aquele ditado citado acima perde todo seu sentido. Uma liberdade que só existe porque escraviza o
outro não é uma verdadeira liberdade.
A liberdade só pode ser de fato se possível para todos. No século passado o russo Mikhail Bakunin
já escrevia que “a liberdade do outro eleva a minha ao infinito”, o que seria confirmado filosoficamente
depois por Sartre. Só posso ser livre se todos aqueles que convivem comigo também forem livres. Assim,
minha liberdade não termina onde começa a do outro, mas ambas começam juntas e, uma
complementando a outra, podem crescer ao infinito.

GALLO, Sílvio (coord). Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 16ª Ed. Campinas: Papirus, p.77-80,
2008.

3.8 Estética

Nos dias de hoje, a palavra estética é usada em vários sentidos; todos eles, porém, partem do
conceito original usado pelos gregos antigos, ou seja, designar aquilo que tenha a ver com os sentimentos,
com os sentidos, com a percepção. Assim, a estética também está ligada à atividade artística, já que se
preocupa com as obras que o ser humano faz com a finalidade de serem belas e com os sentimentos que

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elas provocam em nós. Em termos gerais, podemos dizer que a estética é a área da filosofia que estuda a
arte e suas relações com o ser humano.
Frequentemente, ouvimos dizer que arte é uma coisa inútil, ou vemos pessoas zombando de certas
obras de arte de características pouco comuns em nosso dia-a-dia. Isso se dá porque elas não conseguem
entender o que a obra significa, ou qual a “mensagem” que o artista quis passar. É preciso deixar claro que
o ser humano, pelas suas características biopsicossociais (o seu corpo, a sua razão e a sua convivência com
outras pessoas), tem a tendência de se manifestar no mundo de maneira estética, procurando estabelecer
em sua vida uma relação de beleza com tudo que o cerca. Essa manifestação, em alguns casos, tende a ser
muito pessoal, pois o artista irá colocar sua impressão a respeito de um fato social ou da natureza
retratando-a na obra.
De acordo com Gallo (2008), o artista pode determinar funções para sua obra. Algumas delas são:
- Políticas: A obra toma uma posição crítica a respeito de um fato ou problema social, denunciando
uma injustiça, propondo uma ideologia política, ou simplesmente retratando a realidade de uma sociedade;
- Religiosas: Servem às necessidades místicas das pessoas, para afirmar determinada proposta
religiosa; fazem parte do próprio culto em alguns casos, tal como as imagens sagradas da religião católica;
- Pedagógicas: Têm uma função social de colaborar na educação das pessoas, levando-as a
compreender o mundo por meio dos objetos artísticos;
- Naturalistas: A obra tem a finalidade exclusiva de retratar a realidade. Os critérios de sua
avaliação são a correção, a inteireza e o vigor. Por exemplo, faz-se uma pintura para refletir fielmente uma
montanha.
- Formalistas: Preocupam-se exclusivamente com a técnica usada naquele tipo de arte. Respeitam
os princípios que regem a organização interna da obra, os elementos de sua composição e as relações entre
eles. Por exemplo, o pintor executa sua obra levando em conta as características e os tipos de tinta, as
proporções geométricas, os contrastes, etc.
O homem vive à procura de harmonia, da coerência, da beleza, da perfeição das formas, da
unidade das coisas. Para isto, ele possui e desenvolve uma intuição pessoal que visa a entender o que cada
realidade é em si mesma e no conjunto com as demais; é uma percepção de relações que caminha para
uma síntese na compreensão do mundo. É uma faculdade de se sentir totalizante.
Sua base é a imaginação em constante criatividade, que vai além do imediato, inventando novas
possibilidades não só numa linha convergente, mas também divergente diante de um leque infinito de
respostas a um problema. É por isso que diferentes pinturas podem representar um mesmo panorama.
Esta dimensão estética do homem o faz sair do terreno seguro da repetição do já conhecido,
fazendo-o ver o todo sem preconceitos e sem temor de errar, assumindo riscos. Assim, quanto mais
remexer as crenças estabelecidas, mais fecunda será, trazendo uma nova organização relevante para a
situação em questão.

GALLO, Sílvio (coord). Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 16ª Ed. Campinas: Papirus, p.84-86,
2008.
CAMARGO, Marculino. Fundamentos da ética geral e profissional. Petrópolis: Vozes, p. 56-58, 1999.

3.9 Ética e cidadania na sociedade tecnológica

Os valores são criações humanas e não entidades abstratas e universais, válidas em qualquer
tempo e lugar. Já a ética pode ser compreendida como uma estética de si, isto é, como a atividade de
construir nossas próprias vidas como um artista pinta seu quadro. Isso significa que construímos nossos
próprios valores, colocando nós mesmos como valor fundamental.
O fato de afirmarmos que devemos, cada um de nós, construir a própria vida não deve ser
entendido, porém, como um apelo ao individualismo. A afirmação da individualidade, da singularidade de
cada pessoa, que deve ser respeitada em suas opções e ações, não significa que cada um deva viver isolado
dos demais. A singularidade e a criatividade podem e devem ser preservadas em meio à coletividade. Mas
o indivíduo pode ser solidário com seus semelhantes: o filósofo Jean-Paul Sartre dizia que, quando elejo a
mim mesmo, estou escolhendo toda a humanidade.
Vamos refletir um pouco sobre esta afirmação. Se escolho a mim mesmo como valor, isto é, como
fundamento de minhas escolhas e de meus atos, resolvendo construir minha vida como singularidade,

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como obra de arte, estou, ao mesmo tempo, assumindo que essa condição é possível para todo e qualquer
ser humano. Não posso escolher a mim mesmo negando os outros, afirmando que a condição de minha
criatividade, de minha diferença, seja a de que todos os outros sejam uma “massa” uniforme. Minha
singularidade não pode ser construída sobre a “mesmice” dos outros. Se escolho a mim mesmo, escolho
todos os outros que são tão humanos quanto eu, o que faz com que eu deva aceitar que a singularidade
seja possível para todos e a sociedade torne-se uma multiplicidade de diferentes indivíduos criativos.
O que estamos afirmando é que compreender a ética como uma estética da existência não deve ser
visto como uma atitude solitária, particular, mas, sim, como um empreendimento coletivo, solidário: buscar
o meu prazer e a realização do outro.
A sociedade tecnológica, se foi capaz de causar tantos problemas para o homem é, por outro lado,
a possibilidade de realização da singularidade.
Até aqui, vivemos a massificação. A criação e o desenvolvimento de meios de comunicação cada
vez mais potentes e abrangentes e o desenvolvimento da informática têm contribuído para que a alienação
e a falta de criatividade e, consequentemente, a dominação sejam cada vez mais intensas. (...)
Mas a realidade não precisa ser essa. Depende de nossas escolhas e de nossas ações o que faremos
de nossas vidas e do mundo em que vivemos. Se vivermos como marginais da política, não assumindo
nossas responsabilidades pelas decisões de cunho mais amplo, acabaremos por viver um mundo que não
queremos e uma vida que não escolhemos. Mas, se resolvermos agir como sujeitos de nossa vida e de
nosso mundo, podemos pintar os quadros que nossa criatividade permitir.
Se recolocarmos o ser humano como valor fundamental, a ciência e a tecnologia podem nos
permitir ações antes impossíveis. Com as redes de computadores, podemos hoje nos comunicar com
qualquer parte do mundo de forma praticamente instantânea. Se tivermos terminais de computador de
fácil acesso a toda a população, teremos uma infinidade de informações disponíveis para todos e para
qualquer um, o que certamente revolucionará as possibilidades de educação. (...)
É urgente que o ser humano seja recolocado no centro da problemática dos valores. Se formos
capazes de fazer isso, a ciência e a informática podem ser instrumentos poderosos tanto para possibilitar
uma ação cidadã efetiva quanto para minimizar os problemas da miséria, material e espiritual, que nos
assola.

GALLO, Sílvio (coord). Ética e Cidadania: Caminhos da Filosofia. 16ª Ed. Campinas: Papirus, p.108-
110, 2008.

4 O DESAFIO DA ÉTICA ATUAL E O CÓDIGO DE ÉTICA DO CORRETOR DE IMÓVEIS

4.1 Os círculos intelectuais

Para os gregos, a ideal ético estava ou na busca teórica e prática da ideia do Bem, da qual as
realidades mundanas participariam de alguma maneira (Platão), ou estava na felicidade, entendida como
uma vida bem ordenada, uma vida virtuosa, onde as capacidades superiores do homem tivessem a
preferência e as demais capacidades não fossem, afinal, desprezadas, na medida em que o homem, ser
sintético e composto, necessitava de muitas coisas (Aristóteles).
Para outros gregos, o ideal ético estava no viver de acordo com a natureza, em harmonia cósmica.
Esta ideia, modificada, foi depois adotada por teólogos cristãos, no seguinte sentido: viver de acordo com a
natureza seria o mesmo que viver de acordo com as leis que Deus nos deu através da natureza.
Os estóicos insistiram mais nesta vida natural. Já os epicuristas afirmavam que a vida deveria ser
voltada para o prazer: para o sentir-se bem. Tudo o que dá prazer é bom. Ora, como certos prazeres em
demasia fazem mal, acabam por produzir desprazer. Dessa forma, uma certa economia dos prazeres,
sabedoria, refinamento e moderação ou temperança eram exigências da própria vida de prazer.
No cristianismo, os ideais éticos se identificaram com os religiosos. O homem viveria para conhecer,
amar e servir a Deus diretamente e através dos seus irmãos. O lema socrático do "conhece-te a ti mesmo"
volta à tona em Santo Agostinho, que agora ensina que "Deus nos é mais íntimo que o nosso próprio
íntimo". O ideal ético é o de uma vida espiritual, isto é, do acordo com o Espírito, vida de amor e
fraternidade.

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Historicamente, porém, muitas formas dualistas, que separavam radicalmente, por exemplo, o céu
e a terra, esta vida e a outra, o amor a Deus e o amor aos homens, acabaram dificultando a realização dos
ideais éticos cristãos.
Com o Renascimento e o Iluminismo, ou seja, aproximadamente entre os séculos XV e XVIII, a
burguesia que começava a crescer e a impor-se, em busca de uma hegemonia, acentuou outros aspectos
da ética: o ideal seria viver de acordo com a própria liberdade pessoal e, em termos sociais, o grande lema
foi o dos franceses: liberdade, igualdade, fraternidade.
No século XX, os pensadores da existência, em suas posições muito diversas, insistiram todos sobre
a liberdade como um ideal ético, em termos que privilegiavam o aspecto pessoal ou personalista da ética:
autenticidade, opção, resoluteza, cuidado, etc.
Já o pensamento social buscou como ideal ético a ideia de uma vida social mais justa, com a
superação das injustiças econômicas mais gritantes. A ética se volta sobre as relações sociais, em primeiro
lugar, esquece o céu e se preocupa com a terra, procurando, de alguma maneira, apressar a construção de
um mundo mais humano, onde se acentua tradicionalmente o aspecto de uma justiça econômica, embora
esta não seja a única característica deste paraíso buscado.

Texto adaptado da obra:


VALLS, Álvaro L. M. O que é ética. São Paulo: Brasiliense, p. 43-47, 1994.

4.2 A proposta de uma ética da responsabilidade solidária de karl otto apel

Vivemos, em nossa sociedade atual, uma situação de crise de valores; com o avanço das ciências e
da globalização, nossa prática individual adquiriu uma projeção de nível mundial e a nossa sociedade
passou por profundas mudanças em suas bases e estruturas.
A questão dos princípios globais que fundamentem, não apenas a nossa prática individual, mas
também, as instituições sociais como um todo, instituída outrora pelos antigos gregos, recebe agora uma
nova ressignificação e uma nova formulação diante de tais questões. Qual o papel que a ética e a política
devem assumir hoje diante do contexto de sociedades informatizadas, plurais e secularizadas como as
nossas?
Nunca na história da humanidade as ações particulares dos homens e das mulheres tiveram
consequências tão abrangentes. Da mesma forma, é inédita a situação de sermos colocados diante de uma
questão comum e que afeta a todos igualmente, responsabilizando-nos. Daí a necessidade e a urgência de
um novo marco teórico, ou seja, uma ética capaz de pensar questões que afetam a humanidade como um
todo e a nossa responsabilidade por elas.
Tais inquietações e motivações podem ser percebidas nos escritos do filósofo alemão Karl-Otto
Apel, diante da premência de um novo marco teórico para fundamentar a nossa práxis histórica. Para Apel
o desenvolvimento científico e tecnológico alcançado pela humanidade, bem como o fenômeno da
globalização, trouxeram enormes desafios éticos.
Karl-Otto Apel visa uma ética da responsabilidade, isto é, uma ética que leva em conta as
consequências e efeitos colaterais dos atos dos sujeitos agentes. O meio pelo qual se chega a normas
consensuais na moral e no direito é o discurso argumentativo, exercido por todos os indivíduos. Isso os
tornará co-responsáveis pelas consequências de suas ações.
A reflexão para Apel não se limita a repensar as nossas ações individuais, mas destaca a
importância de uma profunda renovação em nossas instituições e organizações sociais. Seu grande mérito
foi ter explicitado, com enorme lucidez e clareza, o verdadeiro método da filosofia, que é a reflexão sobre
os princípios últimos do pensar e agir humanos, e por ter trazido à tona a discussão para o campo da ética
e, dessa forma, contribuído enormemente para o desenvolvimento da mesma.

RODRIGUES, Adriano Messias. A ética do discurso de Karl Otto Apel. Marília: Kínesis, v. II, n. 4, dez.
2010.

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4.3 Crise da modernidade e espiritualidade

Uma questão que pode ser considerada uma crise ética da modernidade e espiritualidade é
identificar quais as dificuldades para chegar a um conjunto de princípios capazes de reger a vida do homem
moderno. Segundo o filósofo Karl Otto Apel, “É preciso distinguir atitudes individuais de condições
universalistas para a vida em grupo. Cada pessoa deve procurar o que é melhor para si. É o indivíduo quem
faz sua própria escolha profissional, por exemplo: vivemos num espaço livre para a individualidade. Por
isso, não posso dar, nessa perspectiva, um universo de princípios ou prescrições a serem seguidas. Todos
têm que tentar encontrar seu único e autêntico caminho. As regras universalistas dizem respeito a áreas
como a justiça, em que há co-responsabilidade coletiva, o que quer dizer que estamos inscritos numa
fundação de princípios universais”.
Mas, o que impede que sejam postos em prática princípios éticos que fundamentem uma
responsabilidade universal e solidária? Para Apel, o principal impedimento vem da incapacidade do ser
humano em se preocupar com o coletivo. O indivíduo dá importância apenas ao que interessa a ele. Não
sabemos utilizar a razão estratégica para alcançar propósitos coletivos. Em nossa comunicação, por
exemplo, o homem não procura entrar em contato como outro. Ele se esforça para fazer barganhas. Eu
digo o que faço por você e espero saber o que você fará por mim. São diálogos estratégicos. Isso acontece
no mundo da política, dos negócios, da economia, em que as pessoas barganham o tempo todo.
Outro fato a ser tratado é que as sociedades atuais possam ser incapazes de encontrar seus
princípios morais de forma racional. Segundo Apel, é muito difícil resolver as dificuldades morais.
Precisamos pensar em responsabilidade conjunta das sociedades, não específica. A busca dos princípios
morais é uma questão de todos os seres humanos.

4.4 Código de ética profissional dos corretores de imóveis

O corretor de imóveis é o profissional especializado e habilitado que atua na intermediação da


compra, venda, permuta ou locação de imóveis, agindo com imparcialidade, honestidade e lealdade aos
padrões de ética. Sua função é a de intermediário e mediador na transação imobiliária, devendo trabalhar
em função da aproximação das partes para a concretização de uma transação imobiliária.
O Código de Ética Profissional dos Corretores de Imóveis, aprovado pela Resolução COFECI n.
326/92, tem por objetivo fixar a forma pela qual deve se conduzir o corretor de imóveis no exercício de sua
profissão, na qual não se deve praticar nem permitir que se pratiquem atos que comprometam a sua
dignidade.
Dessa forma, tem a finalidade de reger a conduta dos membros da comunidade dos Corretores de
Imóveis, de acordo com os princípios de convivência geral.
Segue abaixo texto integral do Código de Ética:

4.4.1 Código de ética profissional

Art. 1º - Este Código de Ética Profissional tem por objetivo fixar a forma pela qual deve se conduzir
o Corretor de Imóveis, quando no exercício profissional.

Art. 2°- Os deveres do Corretor de Imóveis compreendem, além da defesa do interesse que lhe é
confiado, o zelo do prestígio de sua classe e o aperfeiçoamento da técnica das transações imobiliárias.

Art. 3°- Cumpre ao Corretor de Imóveis, em relação ao exercício da profissão, à classe e aos
colegas:
I - considerar a profissão como alto título de honra e não praticar nem permitir a prática de atos
que comprometam a sua dignidade;
II - prestigiar as entidades de classe, contribuindo sempre que solicitado, para o sucesso de suas
iniciativas em proveito da profissão, dos profissionais e da coletividade;
III - manter constante contato com o Conselho Regional respectivo, procurando aprimorar o
trabalho desse órgão;

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IV - zelar pela existência, fins e prestígio dos Conselhos Federal e Regionais, aceitando mandatos e
encargos que lhes forem confiados e cooperar com os que forem investidos em tais mandatos e encargos;
V - observar os postulados impostos por este Código, exercendo seu mister com dignidade;
VI - exercer a profissão com zelo, discrição, lealdade e probidade, observando as prescrições legais
e regulamentares;
VII - defender os direitos e prerrogativas profissionais e a reputação da classe;
VIII - zelar pela própria reputação mesmo fora do exercício profissional;
IX - auxiliar a fiscalização do exercício profissional, cuidando do cumprimento deste Código,
comunicando, com discrição e fundamentadamente, aos órgãos competentes, as infrações de que tiver
ciência;
X - não se referir desairosamente sobre seus colegas;
XI - relacionar-se com os colegas, dentro dos princípios de consideração, respeito e solidariedade,
em consonância com os preceitos de harmonia da classe;
XII - colocar-se a par da legislação vigente e procurar difundi-la a fim de que seja prestigiado e
definido o legítimo exercício da profissão.

Art. 4º - Cumpre ao Corretor de Imóveis, em relação aos clientes:


I - inteirar-se de todas as circunstâncias do negócio, antes de oferecê-lo;
II - apresentar, ao oferecer um negócio, dados rigorosamente certos, nunca omitindo detalhes que o
depreciem, informando o cliente dos riscos e demais circunstâncias que possam comprometer o negócio;
III - recusar a transação que saiba ilegal, injusta ou imoral;
IV - comunicar, imediatamente, ao cliente o recebimento de valores ou documentos a ele
destinados;
V - prestar ao cliente, quando este as solicite ou logo que concluído o negócio, contas
pormenorizadas;
VI - zelar pela sua competência exclusiva na orientação técnica do negócio, reservando ao cliente a
decisão do que lhe interessar pessoalmente;
VII - restituir ao cliente os papéis de que não mais necessite;
VIII - dar recibo das quantias que o cliente lhe pague ou entregue a qualquer título;
IX - contratar, por escrito e previamente, a prestação dos serviços profissionais;
X - receber, somente de uma única parte, comissões ou compensações pelo mesmo serviço
prestado, salvo se, para proceder de modo diverso, tiver havido consentimento de todos os interessados,
ou for praxe usual na jurisdição.

Art. 5° - O Corretor de Imóveis responde civil e penalmente por atos profissionais danosos ao
cliente, a que tenha dado causa por imperícia, imprudência, negligência ou infrações éticas.

Art. 6º - É vedado ao Corretor de Imóveis:


I - aceitar tarefas para as quais não esteja preparado ou que não se ajustem às disposições vigentes,
ou ainda, que possam prestar-se a fraude;
II - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos em lei e em
Resoluções;
III - promover a intermediação com cobrança de “over-price”;
IV - locupletar-se, por qualquer forma, a custa do cliente;
V - receber comissões em desacordo com a Tabela aprovada ou vantagens que não correspondam a
serviços efetiva e licitamente prestados;
VI - angariar, direta ou indiretamente, serviços de qualquer natureza, com prejuízo moral ou
material, ou desprestígio para outro profissional ou para a classe;
VII - desviar, por qualquer modo, cliente de outro Corretor de Imóveis;
VIII - deixar de atender às notificações para esclarecimento à fiscalização ou intimações para
instrução de processos;
IX - acumpliciar-se, por qualquer forma, com os que exercem, ilegalmente, atividades de transações
imobiliárias;
X - praticar quaisquer atos de concorrência desleal aos colegas;
XI - promover transações imobiliárias contra disposição literal da lei;

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XII - abandonar os negócios confiados a seus cuidados, sem motivo justo e prévia ciência do cliente;
XIII - solicitar ou receber do cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas;
XIV - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou autoridade dos
Conselhos, em matéria de competência destes;
XV - aceitar incumbência de transação que esteja entregue a outro Corretor de Imóveis, sem dar-
lhe prévio conhecimento, por escrito;
XVI - aceitar incumbência de transação sem contratar com o Corretor de Imóveis, com que tenha de
colaborar ou substituir;
XVII - anunciar capciosamente;
XVIII - reter em suas mãos negócio, quando não tiver probabilidade de realizá-lo;
XIX - utilizar sua posição para obtenção de vantagens pessoais, quando no exercício de cargo ou
função em órgão ou entidades de classe;
XX - receber sinal nos negócios que lhe forem confiados caso não esteja expressamente autorizado
para tanto.

Art. 7º - Compete ao CRECI, em cuja jurisdição se encontrar inscrito o Corretor de Imóveis, a


apuração das faltas que cometer contra este Código, e a aplicação das penalidades previstas na legislação
em vigor.

Art. 8º - Comete grave transgressão ética o Corretor de Imóveis que desatender os preceitos dos
artigos 3º, I, V, VI e IX; 4º, II, III, IV, V,VII, VIII, IX e X; 6º, I, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII,XIII, XIX e XX, e
transgressão de natureza leve o que desatender os demais preceitos deste Código.

Art. 9º - As regras deste Código obrigam aos profissionais inscritos nos Conselhos Regionais.

Art. 10 - As Diretorias dos Conselhos Federal e Regional promoverão a ampla divulgação deste
Código de Ética.
Brasília-DF, 25 de junho de 1992
WALDYR FRANCISCO LUCIANO
Presidente

RUBEM RIBAS
Diretor 1º Secretário

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