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São Paulo
2013
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São Paulo
2013
1
CDD 410
2
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
A DEUS, meu melhor amigo, pela presença constante e absolutamente necessária. Se não
fosse por Ele, eu não teria vencido esta batalha.
Aos meus pais, Leslie e Maria, que me ensinaram, com simplicidade e humildade, a ser uma
pessoa correta, forte e feliz. Eles são a minha joia rara, raríssima.
Aos meus irmãos, Leslie, Anayale e Reiller, por fazerem parte da minha vida e por torná-la
mais agradável a cada dia.
Às minhas crianças, Marina, Miguel, André, Manuela e John, pela pureza infantil que me faz
sorrir até nas adversidades.
À Profa. Dra. Elaine Cristina Prado dos Santos, pela confiança, incentivo e amizade, mas
principalmente por acreditar na minha capacidade.
À Profa. Dra. Silvia Etel Gutierrez Bottaro, por ser uma amiga que, sempre que necessário,
contribui carinhosamente para minha formação.
À Profa. Dra. Elisa Guimarães Pinto, pelas sabias palavras de cada encontro, palavras que
tranquilizam o coração, alegram a alma e acenam com a possibilidade de vitória.
À Profa. Dra. Marisa Philbert Lajolo, que participou ativamente desse processo chamado
Mestrado, pela coerência, pelos ensinamentos, pelas oportunidades e pelas conversas que
tanto me engrandeceram como pessoa e como profissional.
Aos professores que gentilmente aceitaram compor a banca examinadora desta Dissertação:
Profa. Dra. Vanda Maria da Silva Elias, pelas contribuições valiosas à pesquisa, pela
disponibilidade e pela atenção para comigo.
À FAPESP pelo apoio à pesquisa (Processo nº 2011- 14555/9) e, principalmente, por tornar
possível a realização de um sonho: meu título de Mestre.
5
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de analisar, do ponto de vista das relações enunciativas, o
estabelecimento da cadeia referencial em diferentes sequências textuais (narrativas, descritivas e
dissertativas) do gênero romance, no Brasil. Numa perspectiva funcionalista (HALLIDAY 1964;
1973; 1978; 1989; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; DIK, 1997; NEVES, 2004, 2007) que
aproveita desenvolvimentos da linguística do texto e da linguística cognitiva, a proposta se dirige
à língua em função, numa visão discursivo-textual da gramática. Na realização da pesquisa,
instituiu-se como campo central da análise a cadeia referencial endofórica, vista sob o ângulo da
enunciação, com suas categorias triádicas. Nessa proposta, objetivou-se, especificamente, a
verificação e a interpretação: dos diferentes preenchimentos fóricos das casas em que se opera a
referenciação textual (sintagma nominal, pronome, zero); da relação entre o modo de
preenchimento das casas e o modo de criação e manutenção da rede referencial; do jogo
enuncivo-enunciativo que se monta nessa rede, segundo as sequências textuais selecionadas em
romances de diferentes escolas literárias. A busca de verificação dirigiu-se para: nas sequências
narrativas, o tipo de preenchimento fórico usado para referência às personagens e, em relação a
isso, o grau de identificação dessas personagens, em correlação com esse tipo de preenchimento;
nas sequências descritivas, a introdução e a manutenção dos elementos fóricos que contribuem
para construção espacial das cenas em que se operam as descrições; nas sequências dissertativas, a
introdução e a manutenção dos elementos fóricos usados na construção do ponto de vista do
enunciador. Os resultados dessas análises, dentre outras coisas, mostram (i) nas sequências
narrativas: a relevância dos sintagmas nominais na composição descritiva das personagens; o uso
não canônico do pronome pessoal que apareceu, mais de uma vez, introduzindo referente; (ii) nas
sequências descritivas: uma proporção muito maior de sintagmas nominais e, em contrapartida,
um número pouco significativo de pronome ou da referenciação textual zero; a introdução de
novos referentes associada à descrição do espaço; (iii) nas sequências dissertativas: em que, na
maioria das vezes, o autor introduz sua opinião, uma contribuição especial do conhecimento do
contexto de situação para a construção do sentido do texto. Dentro da proposta aqui instituída,
conclui-se que qualquer que seja a sequência textual, nela há elementos que constituem uma rede
referencial, pela qual entram na constituição da coesão e de todo o sentido do enunciado.
Entretanto, ficou evidente que diferentes sequências textuais e, especialmente, diferentes inserções
das obras e dos autores em diferentes contextos de situação condicionam conduções específicas
na montagem das cadeias referenciais textuais.
ABSTRACT
This dissertation analyzes, from the viewpoint of enunciative relations, referential chains in
different textual sequences excerpts (narrative, descriptive and argumentative) of Brazilian
novels. Anchored in functionalism (HALLIDAY 1964; 1973; 1978; 1989; HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004; DIK, 1997; NEVES, 2004, 2007), related with text linguistics and
cognitive linguistics, this proposal analyzes language in function – a textual-discursive view of
grammar. In the realization of this research, it was established as central to the analysis the
chain of endophoric reference and its triadic categories. In this proposal, it was aimed at
verifying and interpreting: the different fillers for referential slots in the text (noun phrases,
pronouns, ø); the relation between the filler of the referential slots and the creation and
maintenance of the referential network; the interplay of enuncive-enunciative categories set up
in this network, according to selected textual sequences from different novels of different
literary periods. The verification had its focus on: in narrative sequences, the type of phoric
filler used in reference to the characters; in descriptive sequences, the introduction and
maintenance of phoric elements on the spatial construction of the descripted scenario. The
results of the analysis showed, among other things, (i) in narrative sequences: the relevance of
noun phrases in creating descriptive traits of characters; the non-canonical use of personal
pronouns, which were used to introduce referents; (ii) in descriptive sequences: a great number
of noun phrases and a very low number of pronominal forms and zeroes; the introduction of
new referents associated with to the description of space; (iii) in argumentative sequences: in
which, most of the times, the author opines, there is a special contribution . It was concluded
that in any textual sequence there are elements that construct the referential chain, through
which these elements are made part of the construction of the cohesive meaning of the
utterance. However, it became evident that in different textual sequences and, specially,
different novels from different literary periods are a conditioning factor to the construal and
maintenance of referential chain in the text.
RESUMEN
Este trabajo tiene el objetivo de analizar, desde el punto de vista de las relaciones enunciativas, el
establecimiento de la cadena referencial en diferentes secuencias textuales (narrativa, descriptiva y
disertativa) del género romance, en Brasil. Desde una perspectiva funcionalista (HALLIDAY 1964;
1973; 1978; 1989; HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004; DIK, 1997; NEVES, 2004, 2007) la cual
se vale del desarrollo de la lingüística de texto y de la lingüística cognitiva, la propuesta se dirige a
la lengua en función, en una visión discursiva-textual de la gramática. En la realización de esta
investigación, como campo central de análisis se instituyó la cadena referencial endofórica, vista
bajo el ángulo de la enunciación, con sus categorías tríadicas. En esta propuesta, se objetivó,
específicamente, la verificación y la interpretación: de las diferentes realizaciones fóricas de las
casas en que se opera la referencia textual (sintagma nominal, pronombre, cero); de la relación entre
el modo de realización de las casas y el modo de la creación y mantenimiento de la red referencial;
del juego enuncive-enunciativo que se arma en esta red, según las secuencias textuales
seleccionadas en romances de diferentes escuelas literarias. La búsqueda de verificación se dirigió
hacia: en las secuencias narrativas, el tipo de realización fórica usada para la referencia de los
personajes y, en relación a esto, el grado de identificación de estos personajes, en correlación con
este tipo de realización; en las secuencias descriptivas, la introducción y El mantenimiento de los
elementos fóricos que contribuyen en la construcción espacial de las escenas en que se operan las
descripciones; en las secuencias disertativas, la introducción y el mantenimiento de los elementos
fóricos usados en la construcción del punto de vista del enunciador. Los resultados de estos análisis,
entre otras cosas, muestran (i) en las secuencias narrativas: la relevancia de los sintagmas nominales
en la composición descriptiva de los personajes; el uso no-canónico del pronombre personal que
apareció, más de una vez, introduciendo al referente; (ii) en las secuencias descriptivas: una
proporción mucho mayor de sintagmas nominales y, por otro lado, un número poco significativo del
pronombre o de la referenciación textual cero; la introducción de nuevos referentes asociada con la
descripción del espacio; (iii) en las secuencias disertativas: en que en la mayoría de las veces el
autor introduce su opinión, una contribución especial del conocimiento del contexto de la situación
para la construcción del significado del texto. Dentro de la propuesta aquí establecida, se concluye
que cualquiera que sea la secuencia textuale, en esta hay elementos que constituyen una red
referencial por la cual entran en la constitución de la cohesión y de todo el sentido del enunciado.
Sin embargo, se hizo evidente que diferentes secuencias textuales y, especialmente, diferentes
inserciones de las obras y de los autores en diferentes contextos de situación condicionan
conducciones específicas en el montaje de las cadenas de referencia textuales.
Palabras-clave: funcionalismo; referencia; cadena referencial; secuencias textuales.
10
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 14
REFERENCIAL .................................................................................................. 60
5.4 Uma recuperação das bases teóricas de direcionamento das análises ............ 158
INTRODUÇÃO
pudesse escolher autores e obras significativos em suas respectivas escolas literárias. A partir
dessa pesquisa, foram selecionados os seguintes romances:
Romantismo – Senhora, de José de Alencar, 1985 (publicado originariamente
em 1875), e O Seminarista, de Bernardo Guimarães, 1990 (publicado
originariamente em 1872).
Realismo – A carne, de Júlio Ribeiro, 1996 (publicado originariamente em
1888), e O cortiço, de Aluísio Azevedo, 1988 (publicado originariamente em
1890).
Modernismo – Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade, 2008
(publicado originariamente em 1927), e Alma1, de Oswald de Andrade, 1978
(publicado originariamente em 1922).
Contemporaneidade – O filho eterno, de Cristovão Tezza, 2010 (1ª edição
publicada em 2007) e Vozes do Deserto, de Nélida Piñon, 2006 (1ª edição
publicada em 2004).
Uma vez escolhidas as obras, partiu-se para a definição dos excertos, que foram
selecionados a partir de leitura prévia realizada com o objetivo de escolher trechos que
servissem aos propósitos da análise: sequências narrativas 2, descritivas e dissertativas.
Dada a dificuldade em selecionar tipos textuais puros, estabeleceu-se o princípio de
que todas as sequências poderiam ser híbridas, independentemente da extensão ou de haver ou
não a predominância de um tipo textual3. Os trechos híbridos foram mantidos na transcrição
dos excertos, para que as sequências não perdessem a totalidade e o sentido.
Para análise das narrativas foram selecionadas oito sequências (uma de cada obra).
Partiu-se do fato de que em um romance, em geral, as personagens são os elementos a partir
dos quais e em torno dos quais a história acontece. Por essa razão, nessas sequências, o
objetivo de análise do preenchimento fórico foi, especificamente, as personagens, e o campo
dessa análise foi definido como o início de cada romance, especificamente a primeira página
de cada uma das obras. Para tanto, foram cumpridas as seguintes etapas:
a) Identificaram-se as personagens que participam de cada sequência.
b) Verificou-se qual o tipo de preenchimento fórico adotado para introduzi-las ou
recuperá-las (sintagma nominal, pronome pessoal ou zero). Quantificaram-se os sintagmas
1
Este romance faz parte da trilogia reunida no romance Os condenados, de Oswald de Andrade, 1978.
2
O primeiro cuidado foi não contemplar na análise, os diálogos, que, ao mesmo tempo que compõem a
narrativa, distinguem-se fundamentalmente dela quanto à organização.
3
Em grande parte dos trabalhos para o português, os termos tipo textual e sequência textual são usados
indiferentemente (MARCUSCHI, 2008). É o que ocorrerá neste trabalho.
17
nominais compostos por Det. + Nome e Det. + Nome + Mod., nos quais os determinantes
estão representados por pronomes demonstrativos, possessivos ou artigos definidos e
indefinidos4. As menções com nome próprio foram contabilizadas especificamente, dada a
diferente natureza de referenciação, conforme explicitado em Neves (2011), bem como foram
contabilizadas especificamente as menções por determinantes possessivos, pois estes
expressam uma relação bipessoal (Neves, 2011: 471).
c) Verificou-se o grau de identificação das personagens, com apoio em Neves (não
publicado):
grau máximo de identificação – nome próprio;
grau intermediário de identificação – sintagma nominal com núcleo
composto por substantivo comum;
grau baixo de identificação – pronome pessoal e determinante pronome
possessivo;
grau zero de identificação – casa fórica vazia ( ).
O que se considera ―grau máximo de identificação‖ (o do ―nome próprio‖) diz respeito
não à possibilidade de obter-se uma soma significativa de informações sobre a personagem,
mas apenas à possibilidade de reconhecer-se como instaurada inequivocamente uma
personagem, com ―nome e sobrenome‖ (mesmo que não ocorra o ―sobrenome‖), ou seja, uma
pessoa única no universo discursivo criado.
Na análise de cada sequência, procedeu-se da seguinte maneira:
Identificaram-se as personagens e atribuiu-se a cada uma delas um índice
subscrito.
Enumeraram-se as linhas da sequência, para auxiliar no reconhecimento de
algumas indicações referentes ao tipo de preenchimento fórico e, por
conseguinte, ao grau de identificação de cada personagem.
Apresentaram-se os tipos fóricos usados para introduzir e recuperar as
personagens e as respectivas linhas em que eles foram usados.
Dispuseram-se em quadros os tipos fóricos usados para introduzir e recuperar
as personagens: primeiro, contabilizou-se quantas vezes a personagem foi
referida por um determinado tipo fórico; segundo, especificaram-se esses tipos
fóricos, de acordo com as referências feitas às personagens (sendo a primeira
referência correspondente à introdução e as outras referências correspondentes
4
Estes últimos, como explicitado no subitem 3. 3. 3 O papel referencial do artigo definido e o artigo
indefinido, nunca recuperam, mas podem introduzir referentes textuais.
18
A etapa de produção referente ao suporte teórico comporta uma visão das seguintes
questões: princípios funcionalistas gerais; perspectiva sociointeracionista, que abrange as
noções de contexto de cultura e contexto de situação; a linguística do texto; os aportes
cognitivistas; mecanismos de coesão; a enunciação e suas categorias; estabelecimento da
cadeia referencial; categorização e recategorização; modos de preenchimento fórico; a noção
de gênero discursivo.
O resultado das pesquisas e das análises desenvolvidas está disposto da seguinte forma
neste trabalho:
1. As bases teóricas – Nesta parte, vêm tratados: a teoria funcionalista da perspectiva
sociointeracionista (em que se discorre sobre o processo de interação verbal; o contexto de
situação e o contexto de cultura, a relação texto/contexto e os papéis na interlocução); os
aportes teóricos da linguística do texto; o suporte cognitivista; a enunciação e suas categorias.
2. O processo enunciativo-enuncivo da referenciação – Esta parte é dedicada ao
processo de referenciação na interação verbal e na construção textual; além disso, tratam-se a
coesão textual e os mecanismos coesivos implicados na construção do enunciado.
3. Fundamentos operacionais de análise – Nesta parte, trata-se o estabelecimento da
cadeia referencial, com atenção às estratégias de referenciação implicadas em sua construção
e aos diferentes modos de preenchimento fórico.
4. A pertinência da noção de gênero discursivo e sequência textual no
estabelecimento da cadeia referencial – Nesta parte, trata-se a noção de gênero, que
compreende a perspectiva interacionista e a perspectiva funcionalista, e, além disso, tratam-se
as sequências textuais e o gênero romance.
5. A análise das sequências textuais – Esta parte é dedicada à análise das sequências
textuais (narrativas, descritivas e dissertativas) selecionadas para o trabalho. Cada seção de
análise se encerra com conclusões.
6. Considerações finais – Esta parte diz respeito às considerações finais deste
trabalho.
7. Referências Bibliográficas – Por último, apresentam-se as fontes bibliográficas
consultadas para o desenvolvimento da pesquisa.
20
1. AS BASES TEÓRICAS
Segundo Dik (1997), o usuário de uma língua natural, ao comunicar-se, faz uso de
capacidades que interagem constantemente no ato de comunicação: a capacidade epistêmica,
a capacidade lógica, a capacidade perceptual e a capacidade social. É dessa forma que o
usuário consegue produzir e interpretar as expressões linguísticas do enunciado. A partir das
reflexões desenvolvidas em Dik (1997), entende-se que a capacidade epistêmica permite
produzir, arquivar e explorar uma base de conhecimento organizado. Na capacidade lógica, o
usuário parte de seu conhecimento e, por uma dedução lógica, busca novos conhecimentos. A
capacidade perceptual permite ao falante, após reconhecer o ambiente no qual está inserido,
ter percepção para adquirir conhecimento, produzir e interpretar as expressões linguísticas
envolvidas na situação discursiva. Por meio da capacidade social, o falante consegue fazer uso
da linguagem ideal para cada situação comunicativa em que estiver envolvido.
Entende-se por aí que um enunciado não pode ser compreendido apenas pela forma,
mas por todos os elementos envolvidos no processo da enunciação. Neves (2004: 79),
explicitando Dik (1980), diz que ―a forma dos enunciados não é entendida, pois,
independentemente de sua função: uma descrição completa inclui referência ao falante, ao
ouvinte e a seus papéis e estatuto dentro da situação de interação determinada
socioculturalmente‖.
Para Halliday, desde suas obras iniciais (1973, 1978), essa multiplicidade se reflete na
organização dos aspectos internos da língua, que são responsáveis pela estrutura sintática e
semântica do enunciado. Nesse ponto de vista, a língua é um sistema funcional que mantém
lado a lado o sistêmico e o funcional. De acordo com o autor, a linguagem tem a propriedade
de transmitir e manter a ordem social, bem como de potencialmente modificá-la, e, por essa
razão a linguagem é funcional e possui componentes que permitem sua efetivação na
interação verbal. É nesse processo que se ativam as três metafunções da linguagem propostas
em Halliday (1973, 1978): função ideacional, função interpessoal e função textual.
Por meio da função ideacional, o falante e o ouvinte conseguem comunicar-se,
incorporando suas experiências de mundo, e isso inclui as experiências do mundo interno
(suas reações, cognições, percepções) e também seus atos linguísticos da fala e compreensão
(HALLIDAY, 1973: 106). Dentro dessa função, Halliday (1973, 1978) distingue duas
subfunções distintas, a experiencial e a lógica. A função experiencial está relacionada ao
‗conteúdo‘ da linguagem, ou seja, ―é a linguagem como expressão dos processos e de outros
fenômenos do mundo externo, incluindo o mundo da própria consciência do falante, o mundo
22
dos pensamentos, sentimentos e assim por diante‖5 (HALLIDAY, 1978: 48). A função lógica
é expressa por estruturas recorrentes, o que a diferencia de todas as outras funções no sistema
linguístico, as quais são expressas por estruturas não recorrentes. Segundo o autor, a função
experiencial representa as experiências do falante/ouvinte, enquanto o componente lógico
efetiva essas experiências por meio de coordenação, condição, modificação, etc. A relação
entre a função experiencial e a função lógica constitui a forma como os interlocutores
expressam suas experiências no ato de interação verbal, ou seja, as ideias e as experiências do
falante/ouvinte são organizadas de modo lógico.
A função interpessoal é ao mesmo tempo interacional e pessoal, serve como veículo de
organização e expressão do mundo interno e externo do falante. Diz Halliday (1973) que na
função interpessoal a linguagem é usada como mediadora de papéis, incluindo, por um lado,
as expressões internas e pessoais dos interlocutores e, por outro lado, as formas de interação
social com outros participantes do discurso.
A função textual, finalmente, contextualiza as unidades linguísticas, tornando o
discurso possível. De acordo com Halliday (1973: 66) ―é esse componente que permite ao
falante organizar o que está dizendo de tal forma que faça sentido no contexto e cumpra a sua
função como uma mensagem‖6. Neves (2004), explicitando Halliday (1985), afirma que a
função textual confere relevância às funções ideacional e interpessoal.
A proposta deste trabalho envolve a interação verbal vista especialmente por esse
modelo sistêmico-funcional, cuja primeira versão, apresentada – segundo Matthiessen (1989),
explicitado em Neves (2004) – em Halliday (1961), compreende a linguagem como a
capacidade de ‗significar‘ e a relaciona com o ambiente em que se instaura. Nessa concepção,
Halliday (1978) considera que texto e contexto são elementos indissociáveis, acrescentando
que a situação, ou os contextos sociais, são gerados pela cultura. Por essa explanação é
possível compreender que cultura e contexto são elementos imprescindíveis à observação da
linguagem. Um exemplo do que propõe o autor será mostrado no subitem 1.2.1,
especificamente em uma sequência de Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade.
5
As traduções deste trabalho são de responsabilidade da mestranda. Texto original: It is language as the
expression of the processes and other phenomena of the external world, including the world of the speaker‘s own
consciousness, the world of thoughts, feelings and so on.
6
Texto original: It is this component that enables the speaker to organize what he is saying in such a way that it
makes sense in the context and fulfils its function as a message.
23
Segundo Halliday; Matthiessen, (2004: 27), ―os textos variam de acordo com a
natureza dos contextos em que são usados‖.7 Na relação texto/contexto, o texto cria o
contexto, bem como o contexto cria o texto (HALLIDAY, 1989), ou seja, um pressupõe o
outro. Nesse propósito, a observação da linguagem se concentra não só na produção
propriamente dita do texto como também no contexto em que o texto foi produzido.
Essa atenção para a importância do contexto na produção linguística, encontrada na
teoria sistêmico-funcional de Halliday, mostra bem sua origem no contextualismo
desenvolvido por Malinowski em 1923, referido no próprio Halliday (1989). Em sua
investigação, realizada com os habitantes das Ilhas Trobiand, Malinowski observou que seria
impossível traduzir palavra por palavra um texto produzido pelos habitantes das Ilhas, bem
como compreender o sentido desse texto, sem que houvesse algumas informações relativas ao
ambiente em que eles foram produzidos. A partir dessas considerações, o autor observou a
existência e a relevância de dois contextos, o contexto de cultura e o contexto de situação, o
primeiro, relacionado ao conjunto aberto de possibilidades de uso da língua, e o segundo,
restrito à seleção que é feita dentre as opções de uso linguístico.
Explicitando Malinowski, Eggins (2010) desenvolve a noção de que a língua de um
povo só pode ser compreendida quando é colocada em seu contexto de situação. Assim, um
estudioso que se disponha a pesquisar a língua de uma sociedade que vive em condições
diferentes e possui uma cultura diferente precisa considerar, além da língua, a cultura e o
ambiente em que vive essa sociedade. Só assim conseguirá compreender os significados
expressos pela linguagem da sociedade em estudo.
Ao tratar o contexto de cultura e o contexto de situação, Malinowski identificou três
funções da linguagem, ―uma função pragmática (linguagem como forma de ação), uma
função mágica (linguagem como meio de controle do ambiente) e uma função narrativa
(linguagem como estoque de informação preservada na história)‖ (NEVES, 2010:80), mas,
segundo Eggins (2010), ele não as relacionou à organização funcional da língua.
Defendendo a correlação entre a organização da língua e as especificidades
contextuais, Halliday, McIntosh e Strevens (1964) propuseram três variáveis para descrever as
7
Texto original: Texts vary according to the nature of the contexts they are used in.
24
Entende-se, a partir de Neves (2010), que há ―uma relação sistemática entre o texto, o
sistema linguístico e a situação‖. Nesse sentido, a situação é interpretada ―não como ambiente
material, mas como estrutura semiótica cujos elementos são significados sociais‖ (NEVES,
2010:84)
A observação de um texto, de qualquer gênero, tem de fixar-se não só nas metafunções
(ideacional, interpessoal e textual), mas também nas variáveis do registro (campo, modo e
relação), pois o estudo delas permite identificar a relação entre linguagem e contexto. Nessa
relação entre contexto e linguagem, Halliday (1978) associa cada variável do registro a uma
metafunção da linguagem. Assim, o campo corresponde à função ideacional, o modo associa-
se à função textual e a relação corresponde à função interpessoal.
A presença das metafunções ou variáveis do contexto de situação pode ser observada
nesta sequência do romance Amar, verbo intransitivo:
Considerando-se que essa sequência é parte de uma obra do gênero romance, pode-se
dizer que a linguagem se realiza no ―campo‖ ficcional e, como é transmitida pelo ―modo‖
escrito, a ―relação‖ entre os interlocutores é indireta (não há interação face a face). Nesse tipo
de relação não é possível identificar, por exemplo, a distância hierárquica entre os indivíduos
implicados no processo de interação.
Por outro lado, no uso da linguagem são observados elementos relevantes do contexto
de situação, pois, como mostrou Halliday, o ambiente no qual a linguagem se instaura pode
estar manifesto no texto. No caso, os elementos usados na construção do texto relevam dois
contextos de situação: as expressões pequenos Lieder populares, pecinhas de Schubert,
alegros de Haydn, a "Canção da estrela", do Tannhäuser e o Tannenbaum trazem
elementos que remetem ao país em que nasceu e viveu por alguns anos Fräulein (uma das
personagens principais do romance), enquanto as expressões maxixes e foxtrotes remetem ao
contexto de situação brasileiro.
As expressões que revelam esses diferentes contextos são condicionadas por fatores
linguísticos e extralinguísticos do ambiente no qual a obra foi produzida (os padrões de
27
10
A coesão, importante elemento da referenciação textual, será tratada mais especificamente no processo
enunciativo de referenciação (no item 2.3 A referenciação e a coesão textual).
28
Beaugrande e Dressler (1996) notam que a questão mais importante é a forma como os
textos funcionam em interação humana, uma vez que o texto – que é um sistema real
composto por vários elementos da língua enquanto sistema virtual – requer uma interação
entre as restrições da língua e as restrições do contexto em que ele se desenvolve
(BEAUGRANDE, 1997). É a conectividade entre os elementos que compõe a textualidade
que gera a significação do texto. De acordo com Beaugrande (1997), o princípio de
textualidade compreende ―sete modos de conectividade‖: coesão, coerência, intencionalidade,
aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e a intertextualidade. Ainda segundo o autor,
esses modos designam as mais importantes formas de conectividade e não as fronteiras entre
textos e não textos. Dessa forma, caso falte um desses modos, o texto poderá ser considerado
como não apropriado a determinada situação, mas não deixará de ser um texto. Koch (2004)
pontua que mesmo que o texto pareça a princípio incoerente, se o interlocutor aceitar a
manifestação linguística do parceiro, ele fará o possível para atribuir-lhe um sentido.
Marcuschi (1983) sugere que se incluam nesses modos os fatores de contextualização
(os contextualizadores propriamente ditos e os prospectivos), pois são eles os responsáveis
pela ancoragem do texto em uma determinada situação discursiva, bem como, muitas vezes,
eles são decisivos para a interpretação do texto.
Interpretando essas reflexões, entende-se que os estudiosos da linguística textual ou
linguística do texto observam o texto dentro do contexto, como sugerem Halliday e Hasan
(1989). Dessa forma, torna-se possível desvendar o que está por trás das palavras e das frases
que compõem o enunciado, e torna-se possível reconhecer a função do texto no contexto, e
vice-versa.
As expressões linguísticas que são introduzidas e mantidas na construção do texto,
obviamente, não têm uma interpretação única. Essas diferentes interpretações, que, segundo
Barros (1999: 4), não se explicam apenas como ―ou isto ou aquilo‖, interessam bastante aos
estudiosos da linguagem. Nesse ponto, aproximam-se os estudos desenvolvidos pela
linguística do texto e pela gramática funcional. Neves (2007: 27) ilustra esse fato dizendo que
―gramática funcional e linguística do texto se aliam no tratamento de processos de
constituição do enunciado‖, principalmente no que diz respeito à referenciação, que tem sido
―extensivamente tratada nos trabalhos mais recentes de linguística do texto‖.
De acordo com Neves (2007), as análises da referenciação feitas sob o ponto vista da
linguística do texto e feitas sob o ponto de vista funcionalista se harmonizam fortemente. A
autora mostra que há uma categoria central do componente pragmático, que é objeto de estudo
tanto da linguística do texto como da gramática funcional, que é o Tópico (frasal ou
29
discursivo), ―o qual, juntamente com o Foco, permite que os eventos descritos no discurso e
as entidades neles envolvidas tenham sua importância comunicativa e sua relevância relativa
estabelecidas‖. (NEVES, 2007: 27)
Marcuschi (1983: 12-13) diz que a ―linguística textual trata o texto como um ato de
comunicação unificado num complexo universo de ações humanas‖ e pondera que, nesse
trabalho, deve-se ―preservar a organização linear que é o tratamento estritamente linguístico
abordado no aspecto da coesão‖, bem como ―considerar a organização reticulada ou
tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no
aspecto semântico e funções pragmáticas‖.
O desenvolvimento geral da linguística textual está se ampliando a cada dia, o que a
faz tornar-se mais substancial e interdisciplinar, e lhe permite oferecer contribuições a
disciplinas afins não-linguísticas e ser enriquecida por elas (FÁVERO; KOCH, 2012). Esse
papel interdisciplinar está no fato de que a linguística do texto, segundo Dressler (1977),
explicitado em Koch e Fávero (2012:17), comporta diversos papéis. Na divisão desses papéis:
cabe à semântica do texto explicitar o que se deve entender por significação de um texto e
como ela se constitui; cabe à pragmática do texto dizer qual é a função de um texto no
contexto (extralinguístico); cabe à sintaxe do texto o encargo de verificar como vem expressa
sintaticamente a significação de um texto. É justamente o interesse em estudar os diferentes
segmentos que envolvem a construção do texto que desperta uma dupla contribuição: a da
linguística textual às disciplinas não linguísticas, bem como a destas últimas a linguística
textual.
As contribuições que os postulados da linguística textual oferecem a este trabalho, que
analisa a referenciação textual – processo intrinsecamente relacionado ao ato comunicativo,
ou processo de interação verbal –, estão justamente no fato de a orientação desse campo de
trabalho compreender o nível dos constituintes linguísticos, o nível semântico e cognitivo e o
sistema de pressuposições e implicações no nível pragmático da produção de sentido
(MARCUSCHI, 1983).
11
Texto original: La metáfora impregna la vida cotidiana, no solamente el lenguaje, sino también el pensamiento
y la acción.
12
Texto original: La esencia de la metáfora es entender y experimentar un tipo de cosa en términos de otra.
13
Lakoff e Johnson ressaltam que não utilizam o termo ―mito‖ de maneira depreciativa, pois consideram que os
mitos proporcionam formas de compreender as experiências, e, assim como as metáforas, são necessários para
entender o que está acontecendo ao redor dos indivíduos. Os autores consideram os mitos de sua cultura como
verdades. (2009: 229)
32
14
Martelotta e Palomares (2009) lembram que o acréscimo do elemento sócio ao vocábulo designativo da escola
cognitivista enfatiza a importância do contexto nos processos de significação, bem como o aspecto social da
cognição humana.
34
15
A não pessoa será tratada a seguir.
37
O que se configura nas palavras do autor como pessoa, tempo e espaço são exatamente
as categorias invocadas por Benveniste (2005) no tratamento da enunciação, assim como por
Fiorin (1999), que tem Benveniste na sua base.
As pessoas instituídas no discurso são instituídas no tempo e no espaço da enunciação:
eu-aqui-agora (BENVENISTE 2005). Flores et al. (2011: 54) trazem a seguinte explicação:
―aqui-agora – espaço e tempo na e pela enunciação – estabelece coordenadas para as
expressões espaciais e temporais e, como estas expressões estão vinculadas a eu-tu, é pela via
da intersubjetividade que têm referência‖. O autor diz ainda que o sujeito é que dispõe espaço
e tempo, ou seja, ao expressar-se, ele ―temporaliza‖ e ―espacializa‖ os acontecimentos.
O tempo, como diz Fiorin (1999: 140), ―manifesta-se na linguagem na discursivização
das ações‖. Trata-se da manifestação do que está passando, do que já passou ou do que ainda
será, tudo presentificado na linguagem. A temporalidade, portanto, está intrinsecamente
relacionada à sucessão de estados e transformações expressos no texto, que pode ou não
respeitar a ordem natural dos acontecimentos, dependendo do propósito do falante (FIORIN,
1999). Como mostra Lyons (1979: 320), o tempo ―é uma categoria dêitica, que, como todos
os traços sintáticos parcial ou completamente dêiticos é simultaneamente uma propriedade da
frase e do enunciado‖.
Quanto à categoria de espaço, Fiorin (1999) fala de elementos que podem indicar o
espaço linguístico do discurso, ou seja, o espaço em que ocorre o ato de comunicação. Eles
são os responsáveis por atualizar e situar o falante no espaço, pois atuam em função dêitica,
anafórica ou catafórica, apontando, retomando ou antecipando elementos do discurso.
É à categoria de pessoa, que Benveniste (2005: 250) dirige especial atenção, dizendo
que essa categoria ―pertence realmente às noções fundamentais e necessárias do verbo‖. Ele
indica que o verbo é, com o pronome, ―a única espécie de palavra submetida à categoria de
pessoa‖, entretanto, ele nota que o pronome ―tem tantos outros caracteres que lhe pertencem
particularmente e comporta relações tão diferentes que exigiria um estudo independente‖
(BENVENISTE, 2005: 247).
38
Nessa concepção, Benveniste (2005) mostra que as pessoas do discurso são três no
singular e três no plural, e denominações como eu, tu e ele são diferenças lexicais que ―não
nos informam nem sobre a necessidade da categoria, nem sobre o conteúdo que ela implica
nem sobre as relações que reúnem as diferentes pessoas‖ (BENVENISTE, 2005: 248).
Benveniste (2005) nota que há heterogeneidade na relação entre as três pessoas do
discurso, porque apenas na primeira e na segunda pessoa há ao mesmo tempo uma pessoa
implicada e um discurso sobre essa pessoa. A primeira pessoa é aquela que fala, a segunda é
aquela com quem se fala, enquanto a terceira, aquela de quem se fala, é enunciada fora do
‖eu-tu‖, e pode referir-se a qualquer coisa ou pessoa não específica. Por essa razão, a terceira
pessoa exprime aquele que está ausente, a ―não-pessoa‖ (BENVENISTE, 2005:251).
Castilho (2010: 239) nomeia a primeira pessoa como locutor (o participante do
discurso com direito a voz); a segunda pessoa como interlocutor, ou ouvinte; e a terceira
pessoa como tópico conversacional, o assunto do texto que está sendo construído. O autor
mostra que, quando a primeira e a segunda pessoa funcionam como articuladores do
enunciado, institui-se um diálogo no qual locutor e interlocutor estão em presença, enquanto o
tópico (a terceira pessoa) não é dominado previamente por nenhum dos participantes, mas
elaborado em coautoria, na junção dos dados que cada participante vai veiculando.
Desse modo, eu e tu são únicos no discurso: quem fala e a quem alguém se dirige,
respectivamente (papéis que se invertem constantemente no processo de interação verbal), e a
terceira pessoa é aquela que pode fazer referência a várias ―coisas‖ (LYONS, 1979), a um
sujeito determinado ou até mesmo a nenhum sujeito, razão pela qual a terceira pessoa tem
papel fundamental no processo de referenciação textual (endofórica), já que, ao antecipar ou
retomar elementos que compõem o enunciado, contribui para garantir a coesão textual.
Benveniste (2005) define duas correlações que organizam as expressões da pessoa
verbal no processo de interação: ―correlação de personalidade‖, que opõe as pessoas eu/tu à
não-pessoa ele, e ―correlação de subjetividade‖, que opõe eu a tu. Para ele, uma distinção de
singular e de plural deve ser interpretada, na ordem da pessoa, ―por uma distinção entre
pessoa estrita (= ―singular‖) e pessoa amplificada (= ―plural‖)‖ e somente a ―terceira pessoa‖,
por ser não-pessoa, admite o verdadeiro plural (BENVENISTE, 2005: 258-259).
Na proposta deste trabalho, parte-se das categorias espaço, tempo e pessoa instituídas
na enunciação, e aqui descritas (eu-aqui-agora), para a relação que há entre elas e as outras
tríades envolvidas na função fórica, os elementos eu-tu/você-ele, ao lado dos elementos este-
esse-aquele e a contraparte adverbial: aqui-aí-lá/ali. A observação dessas relações permite,
muitas vezes, verificar a diluição entre os pontos referenciais que são aparentemente fixos.
39
16
Diferentes designações são adotadas para denominar os referentes textuais ou objetos de discurso. Dik
(1997:127) denomina referente potencial, a entidade que pode ter um termo se referindo a ela, e referente
pretendido, aquele usado para se referir a outro elemento do texto.
41
O Náutico não fez uma exibição primorosa, mas jogou o suficiente para se
impor diante da fraca Tuna Luso com um placar de 3x0, ontem à tarde, nos
Aflitos. Foi a primeira vitória alvirrubra na Segunda Divisão do
Brasileiro, depois de quatro jogos, e serviu para levantar o moral do time que
subiu para cinco pontos no Grupo A. Lêniton, Mael e Lopeu marcaram os
gols alvirrubros. Com o ponta esquerda Lêniton, improvisado de
centroavante, e Ricardinho na esquerda, o Náutico demorou a se encontrar
em campo. A Tuna jogava fechada e seu técnico, Bira Burro, orientava os
atacantes Joacir e Ageu para ficarem enfiados entre os zagueiros alvirrubros.
O restante do time paraense ficava em frente da área. (p. 229).
configuradas em termos de um mundo real, onde, segundo Givón (1984), um termo ou tem ou
não tem referência.
Uma diferença que se aponta entre a referenciação do ponto de vista lógico e a
referenciação das línguas naturais é a presença de um quantificador, que pode ser existencial
ou universal. Explicitando essa oposição, Neves (2007: 78) diz, que na visão lógica, a
presença de um quantificador existencial indica que um argumento se refere a um termo real,
como no seguinte exemplo: O livro é interessante (em que há um termo real, o livro, e ele é
interessante). Por outro lado, ―o quantificador universal indica que um argumento se refere a
todos os membros (ou espécimes) do grupo (ou tipo) abrigados no termo‖, como em: todas as
casas estão em construção (em que todos os elementos que pertencem à classe referida estão
em construção).
Entende-se por aí que a presença de um quantificador nomeado em algumas literaturas
como determinante, cuja função é exercida por artigos e alguns pronomes na constituição de
um sintagma nominal (SN) facilita identificar a verdade ou não do argumento ao qual o termo
se refere, bem como reconhecer se o referente é individual ou genérico.
Neves (2007) explica que um quantificador existencial normalmente indica a presença
de um referente individual (aquele que em alguns casos pode referir-se a todos os elementos
de um gênero, e, em outros, a apenas alguns elementos desse gênero), enquanto o
quantificador universal é mais genérico, por remeter a todos os elementos de uma espécie. Por
essa razão, em muitos casos, o quantificador universal é considerado como não referencial.
Em outras palavras, a presença de um determinante definido no sintagma nominal contribui,
em geral, para que se identifique um referente individualizado, enquanto a presença de um
determinante indefinido contribui, na maioria das vezes, para que se identifique um referente
genérico.
Num resumo da explanação de Neves (2007), pode-se indicar a existência de dois
tipos referenciais, o genérico e o individual, assinalados, normalmente, pelo tipo de
determinante (ou quantificador) que ocorre no sintagma nominal. O genérico e o individual se
relacionam no jogo em que se constrói a cadeia referencial, e esse jogo é manipulado, pelos
interlocutores, ―dentro da negociação em que se constitui o estabelecimento do universo
discursivo‖. (p. 86)
Nesse universo discursivo, a rede referencial que se estabelece é a principal
responsável por manter a coesão textual.
45
Uma importante fonte de referência para o estudo da referenciação textual, vista como
um dos mecanismos de coesão textual, é Cohesion in English, de Halliday e Hasan (1976),
obra que serviu e serve de base teórica para a maioria dos autores que trabalham com tal
processo. Essa obra fornece base teórica para as reflexões que seguem.
Nessa obra, a base para o tratamento da coesão – que é um dos modos de
conectividade compreendidos no princípio de textualidade (Beaugrande, 1997) de que se
falou em 1.3 – é a noção de texto, que é assim definido: ―qualquer passagem, falada ou
escrita, de qualquer extensão, que forme um todo unificado‖17 (HALLIDAY; HASAN,
1976:1). Para os autores, coesão é a relação de sentido que ocorre no interior do texto, e que o
define como texto. Embora essa relação seja de natureza semântica, ela se estabelece por meio
de uma organização linear entre os elementos lexicais e gramaticais que constituem o texto.
De acordo com os autores, as relações coesivas entre esses elementos podem ocorrer por
cinco mecanismos: referência, substituição, elipse e conjunção (se a relação ocorrer por via
gramatical) e coesão lexical (se a relação ocorrer por via lexical).
A relação coesiva se dá quando a interpretação de algum elemento utilizado no
discurso depende de outro elemento também utilizado no discurso. Dessa forma, um elemento
pressupõe o outro. Segundo Halliday e Hasan (1976:4), ―quando isso acontece é criada uma
relação de coesão, e os dois elementos, o que pressupõe e o pressuposto, ao menos no texto,
estão potencialmente integrados18‖.
Alguns autores, dentre eles Marcuschi (1983), defendem a ideia de que a coesão não é
uma condição necessária para que um texto seja de fato um texto, pois há enunciados em que
não é verificado o uso de mecanismos coesivos e, no entanto, a continuidade é mantida, pois
esta se ―dá ao nível do sentido e não ao nível das relações entre os constituintes linguísticos‖.
Para o autor, a coesão está na superfície textual, diferentemente de Halliday e Hasan (1976),
que consideram a coesão um processo interno e necessário para que um texto se configure
com tal.
Segundo Halliday e Hasan (1976:13), cada uma das categorias implicadas na coesão
textual (referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical) é representada no texto
por marcas particulares: repetições, omissões e ocorrências de certas palavras e construções,
17
Texto original: Any passage, spoken or written, of whatever length, that does form a unified whole.
18
Texto original: When this happens, a relation of cohesion is set up, and the two elements, the presupposing
and the presupposed, are thereby at least potentially integrated into a text.
46
19
Aqui a denominação usada para essa categoria é a referenciação. O termo referência fica reservado para todo
o processo de referenciar.
20
Neste trabalho, seguindo a linha adotada por Neves (2007) para a descrição do português, a elipse será
considerada como ―referenciação‖ textual zero, e não como ―substituição‖ zero.
47
Para Kallmeyer, Meyer-Hermann et al. (1974. apud Koch, 2010: 23), há na língua
elementos que, ao serem usados no processo de comunicação, conduzem o ouvinte a
determinadas instruções, que podem ser de consequência (nível pragmático), de sentido (nível
semântico) e de conexão (nível sintático). Nesta última incluem-se os pronomes pessoais de
terceira pessoa, que, por si sós, não têm sentido algum no texto, mas relacionam-se a outro
item linguístico do enunciado (um sintagma nominal) com o qual concordam em número e
gênero, e assim produzem uma relação de sentido.
É fácil operacionalizar essas noções em um trecho do romance O Cortiço, de Aluísio
Azevedo (1988). Na observação deste trecho da página 13
verifica-se que as instruções de conexão dos pronomes ele e ela permitem ao ouvinte/leitor
estabelecer a relação de sentido entre o pronome ele e João Romão, e entre o pronome ela e a
crioula. Por outro lado, num caso em que haja mais de um sintagma antecedente que possa
compatibilizar-se em número e gênero com determinada expressão referencial, como se
observa neste trecho da página 49,
introduzido primeiro é mantido no texto, podendo retornar ou não à ―posição focal‖. Neste
particular, Koch (2004) lembra, ainda, ―que muitos problemas de ambiguidade referencial são
devidos a instruções pouco claras sobre com qual dos objetos de discurso presentes na
memória a relação deverá ser estabelecida‖. (p. 62)
Por meio dessas estratégias o enunciado é construído e reconstruído continuamente.
Os elementos que compõem a rede referencial podem ser ―modificados ou expandidos‖
(KOCH; ELIAS 2012: 126) de acordo com os propósitos do falante ao produzir o discurso. A
introdução e a manutenção adequadas dos referentes textuais estão na base da coesão textual.
De acordo com Neves (2007), uma reflexão sobre a cadeia referencial do texto é a que
se assenta na correferenciação, mecanismo em que um referente determinado é retomado pelo
falante, que o reapresenta não só como um elemento dado, mas também como um elemento
conhecido do ouvinte. Quando isso acontece há ―identidade total entre o antecedente e a
anáfora‖, pois o elemento que a anáfora representa é o mesmo elemento designado pelo
antecedente. (p. 92)
Por outro lado, como mostra Neves (2007: 106) é operante um tipo particular de
anáfora nominal não correferencial, a anáfora associativa, que ―introduz como conhecido um
referente que ainda não foi explicitamente mencionado no contexto anterior‖, mas que pode
ser recuperado com base em informações presentes no universo discursivo. Pode-se, mesmo,
entender, que, por introduzir um elemento que ainda não foi mencionado no texto, a anáfora
associativa, na verdade, introduz um novo referente (CHAROLLES, 1999).
De acordo com Milner (2003, p. 112-113), embora na correferenciação as duas
unidades referenciais (A e B) tenham a mesma referência, a interpretação de uma pode
ocorrer sem que a interpretação da outra seja afetada. O autor acrescenta ainda que ―os dois
termos relacionados podem ser homogêneos ou não quanto à sua natureza categorial‖ (2003:
113).
Quanto ao aspecto formal da composição da cadeia referencial, e sua relação com a
correferencialidade, vale lembrar a indicação de Levinson (1987; 1991), explicitada em Neves
(2007: 93): ―quanto menor a forma da expressão referencial maior a preferência por uma
leitura de correferência‖. Assim sendo, a correferencialidade será observada mais facilmente
se o falante usar zero no preenchimento fórico, enquanto o reconhecimento da
correferencialidade tende a diminuir se o elemento usado pelo falante for um pronome, e a
diminuir ainda mais com o uso de um sintagma nominal.
51
As casas fóricas que compõem a cadeia referencial são preenchidas por expressões
referenciais que podem ser representadas por elementos lexicais ou por elementos
gramaticais. Cavalcante (2002) afirma que a diferença entre as formas remissivas gramaticais
e as formas lexicais se estabelece no âmbito do sentido, não no âmbito da referência.
Como explicita Koch (2012), as formas lexicais, podem ser representadas por grupos
nominais definidos (introduzidos pelo artigo definido ou pelo demonstrativo que exercem
função remissiva), nominalizações, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos e expressões
referenciais que representam uma categorização. Quanto às formas gramaticais, a autora
afirma que elas não expressam instruções de sentido, mas evidenciam relações de
concordância de gênero e número. Algumas dessas formas compõem o sintagma nominal,
determinando ou modificando o núcleo, incluindo-se aí os artigos e os pronomes adjetivos
(demonstrativos e possessivos). Há outras formas gramaticais que ―não acompanham um
nome dentro de um grupo nominal, mas que podem ser utilizadas para fazer remissão,
anafórica ou cataforicamente, a um ou mais constituintes do universo textual‖ (KOCH, 2012:
38). São elas: os pronomes pessoais de terceira pessoa (ele, ela, eles, elas), os pronomes
substantivos (demonstrativos, possessivos etc.) e os advérbios pronominais. Lembre-se, por
outro lado, que, conforme já tem sido desenvolvido neste trabalho, a remissão é
frequentemente operada pela elipse (aqui nomeada como referenciação textual zero), a qual
ganha sentido quando se recupera a relação com o referente.
53
Castilho (2010: 55) mostra que o termo sintagma ―provém da terminologia militar
grega, em que designava um esquadrão, ou seja, um número fixo de soldados, distribuídos de
forma também regular, aos quais eram atribuídas funções próprias‖. Segundo o autor, os
linguistas se apropriaram desse termo, que parecia adequado para indicar o modo como
algumas classes de palavras (substantivos, verbos, adjetivos, advérbios e preposições)
costumam agregar outras classes de palavras.
Formalmente, o sintagma é uma unidade composta por um núcleo em torno do qual
algumas classes de palavras se associam. De acordo com o núcleo que compõe essa unidade,
o sintagma pode ser nominal, verbal, adjetival, adverbial, ou preposicional.
Neste trabalho, como o foco é o estudo da referenciação, está envolvido,
particularmente, o sintagma nominal (SN), que é organizado ―a partir de um nome
(substantivo) como núcleo, o qual pode ser acompanhado de determinantes (artigo,
determinados pronomes em função adjetiva), de quantificadores (numerais e palavras como
todos, ambos) e de modificadores (adjetivos, locuções adjetivas e preposicionais)‖ (BATISTA,
2011: 83). Desse modo, uma possibilidade de construção dessa unidade sintagmática é a que
se representa pela seguinte forma: Det Mod. + Nome Mod. (KOCH, 2011).
Na maioria das vezes, o determinante que acompanha o núcleo do SN permite ao
ouvinte identificar se esse sintagma é definido ou indefinido.
Como mostra Givón (1984), ao escolher para o enunciado uma expressão referencial
definida, ou seja, um sintagma que abriga artigo, ou pronome demonstrativo ou pronome
possessivo, o falante pressupõe que o ouvinte já tenha conhecimento do referente, e que,
portanto, o reconhecerá, pois lhe atribuirá uma referência única (GIVON, 1984). Isso ocorre,
segundo o autor, devido à acessibilidade dêitica da situação ou à acessibilidade referencial do
arquivo permanente do ouvinte, que permite identificar o referente mesmo quando ele não
está explícito. Ainda segundo o autor, quando a escolha é por uma expressão referencial
indefinida a intenção do falante é introduzir uma informação nova que deverá ser
compreendida e assimilada, ampliando os conhecimentos do ouvinte.
Neves (2011) mostra que a presença de um sintagma nominal indefinido traz à
existência o referente e, explicitando Lyons (1977), a autora afirma ―que a descrição definida
é um mecanismo de referência tão importante que chega a ser mais fácil imaginar a língua
sem nomes próprios do que imaginá-la operando sem as expressões definidas‖ (2007: 123).
54
Quanto ao núcleo do sintagma nominal, ele pode ser representado, dentre outras
possibilidades, por substantivos próprios e por substantivos comuns, casos que serão
observados especialmente nas análises das sequências narrativas. No primeiro caso, segundo
Neves (2011: 69), o substantivo faz ―designação individual dos elementos a que se referem,
identificando um referente único com identidade distinta dos demais referentes‖. A autora
nota que os substantivos próprios não evidenciam traços descritivos de seus referentes,
diferentemente do substantivo comum que tem seu estatuto definido ―basicamente pelas
funções de denominação e de descrição da classe de referentes‖ (p.67).
3.3.2 Pronomes
Tratando da classe dos pronomes, Benveniste (2005: 277) ressalta que é um hábito
―considerar essas formas linguísticas como formando uma mesma classe, formal e
funcionalmente; à maneira, por exemplo, das formas nominais e das formas verbais‖. Ainda
segundo o autor, todas as línguas possuem pronomes e, em todas, eles são definidos por
referência às mesmas categorias de expressão (pronomes pessoais, demonstrativos, etc.).
Benveniste (2005) observa que definir os pronomes apenas pelas categorias de
expressão não permite reconhecer a verdadeira funcionalidade dessa classe. Para que isso
ocorra, eles devem ser analisados não apenas pela sintaxe mas também pela semântica, pela
pragmática e pelo discurso, considerando-se, ainda, a intenção do locutor ao produzir o
discurso, bem como o uso efetivo do pronome neste contexto. Afinal, alguns pronomes
pertencem à sintaxe da língua, outros são característicos daquilo a que o autor chama as
instâncias do discurso, ―os atos discretos e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada
em palavra por um locutor‖ (BENVENISTE, 2005: 277).
Como mostram Flores et al. (2011: 79), ―os pronomes que têm como referência a
situação de discurso participam do mesmo status dos pronomes pessoais, eu e tu‖. Pode-se
dizer, ainda segundo o autor, que os pronomes demonstrativos se organizam correlativamente
com os indicadores de pessoa, eu e tu, e que os pronomes possessivos se organizam em torno
do sujeito tomado como ponto de referência.
Quanto aos pronomes pessoais, Neves (2011: 457) afirma que uma das suas funções
básicas ―é a de constituir expressões referenciais que representam, na estrutura formal dos
enunciados, os interlocutores que se alternam na enunciação‖.
55
Benveniste (2005: 278) observa que o pronome eu, diferentemente dos outros
elementos utilizados no discurso, não tem um referente que o represente de forma idêntica,
pois ―cada eu tem a sua referência própria e corresponde cada vez a um ser único, proposto
como tal‖. Assim, continua o autor, o eu cria o seu próprio discurso, e somente nele é
identificado; uma vez instaurado no discurso, introduz uma situação de alocução em que o tu
é instaurado como alocutário.
Por outro lado, o pronome pessoal de terceira pessoa remete a outro referente no
discurso. Quando usados como formas remissivas, esses pronomes ―fornecem ao
leitor/ouvinte instruções de conexão a respeito do elemento de referência com o qual tal
conexão deve ser estabelecida‖ (KOCH, 2010).
Neves (2011) ensina que a referenciação textual feita pelos pronomes pessoais de
terceira pessoa garante a unidade do texto, pois eles remetem a elementos do próprio texto,
ora retomando-os (anáfora) ora antecipando-os (catáfora), como nestes respectivos exemplos
retirados do romance Senhora, de José de Alencar, 1985:
As formas tônicas de terceira pessoa ele, eles, ela, elas, normalmente, podem ocorrer
como sujeito de verbos em forma finita, enquanto as formas átonas de terceira pessoa o, os, a,
as, lhe, lhes não exercem essa função (NEVES, 2011), mas, sim, a função de complemento de
verbos. Nessa função, o átono retoma um referente textual. Tome-se como exemplo, retirado
de Senhora (1985:13), o uso da flexão feminina do pronome pessoal o, retomando o referente
textual Aurélia, em ―Aurélia era órfã; e tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D.
Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade‖.
Quando o sujeito da situação discursiva é conhecido, pode-se, como mostra Bechara
(1989), omitir o pronome complemento do verbo (e isso vale para todas as pessoas do
discurso). Nesse caso, configura-se o que neste trabalho tem-se nomeado referenciação
textual zero, como neste exemplo de Júlio Ribeiro (2002: 13), em que o pronome de terceira
pessoa (ele) é omitido: ―Lopes Matoso vergou à força do golpe, mas, como homem forte que
era, não se deixou abater de vez: reergueu-se e aceitou a nova ordem de coisas que lhe era
imposta pela imparcialidade brutal da natureza‖.
56
No caso dos pronomes plurais de terceira pessoa, Neves (2011) postula que essas
formas têm a propriedade de fazer um tipo de referenciação genérica. Entretanto, a autora
ressalta que essa indeterminação ―é parcial, já que ela só abrange o universo das terceiras
pessoas, ficando excluídas as outras pessoas do discurso‖, como neste exemplo ―Sabe como é,
quando a gente se acostuma com uma coisa, eles inventam outra‖. (p. 464)
Enquanto os pronomes pessoais são sempre funcionalmente substantivos, ou seja, eles
sempre preenchem a casa referencial, os possessivos, no geral de seu uso, ―não são mais do
que as formas adjetivas dos pronomes pessoais propriamente ditos‖ (CÂMARA Jr., 2011:
122). Eles podem funcionar ora como determinantes ora como predicadores. Os pronomes
possessivos são bipessoais, ou seja, relacionam duas pessoas do discurso, e essa relação pode
ser expressa de diferentes formas: entre a 1ª e a 3ª pessoa; entre a 2ª e a 3ª pessoa; entre a 3ª e
a 3ª pessoa. Isso quer dizer que, em sintagmas nominais cujo determinante é um possessivo, o
núcleo será sempre uma terceira pessoa (nome, ou substantivo), posta em relação com outra
pessoa, que pode ser a 1ª, a 2ª ou a 3ª (NEVES, 2011: 471).
Castilho diz (2010: 504) que os possessivos funcionam como ―um operador dêitico
que seleciona dois escopos, sendo um textual, referencial, e outro contextual, que são as
pessoas do discurso‖, e a relação entre esses dois escopos, na maioria das vezes, é de posse.
Além dessa indicação, o possessivo traz em relação ao substantivo outras relações semânticas,
como mostra Neves (no prelo: 545): ―o pronome possessivo estabelece relações infinitamente
variadas, às vezes bastante frouxas e genéricas, em dependência do contexto em que as duas
pessoas do discurso são postas em relação‖.
Em algumas construções em que o pronome possessivo de terceira pessoa seus(s) atua
como determinante do sintagma nominal, ele tanto pode fazer referência à segunda como à
terceira pessoa do discurso, dificultando a identificação referencial do possuidor, e, por conta
disso, facilmente criando ambiguidade (NEVES, no prelo). A autora mostra que é muito
frequente o uso da expressão formada por de + substantivo ou pronome, em lugar do
possessivo seu. Nesse formato ―ficam bem evidentes a pessoa (2ª ou 3ª), o número (singular
ou plural), e, em alguns casos, o gênero (masculino ou feminino) do possuidor‖ (p. 537),
como neste trecho do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, 1988: ―Foi até o portão da
estalagem, perguntou a conhecidos que passavam se tinham visto Jerônimo; ninguém dava
notícias dele‖ (p. 120), no qual o uso da expressão dele permite identificar como possuidor
Jerônimo (terceira pessoa; masculino; singular).
Embora o possessivo seja, em princípio, um pronome adjetivo, como já se observou,
ele pode constituir o núcleo de um sintagma nominal, assumindo a função exercida por esse
57
sintagma (sujeito, complemento, etc.), como na seguinte construção oferecida por Neves (no
prelo: 542): ―Eu... eu jamais seria capaz de levar uma vida como... como a sua, por
exemplo...‖. Ainda segundo a autora, nos casos em que o pronome possessivo ―funciona
como predicativo do sujeito, ele se relaciona com um sintagma nominal (ou um pronome
pessoal que esteja em seu lugar), sem fazer parte desse sintagma‖ (p. 541).
Assim como os possessivos, os pronomes demonstrativos também podem ser usados
em função adjetiva ou substantiva, mas em geral funcionam como adjuntos, à exceção dos
invariáveis ou neutros (isto, isso e aquilo), que sempre ocorrem como núcleo do sintagma
(pronome substantivo), e, além disso, são frequentemente usados para retomar uma porção do
texto, como neste trecho do romance Senhora, 1985, em que o pronome isso nominaliza a
sequência o sacrifício enorme de renunciar à vida elegante, dando a esse conjunto de
informações o estatuto discursivo de referente (APOTHÉLOZ; CHANET, 2003):
A função básica do pronome demonstrativo, segundo Neves (no prelo: 550), ―é fazer
referência a outro(s) elemento(s), seja na situação seja no texto, apontando-o(s) por menção à
posição relativa desses elementos (na situação ou no texto)‖. Castilho (2010) mostra que
normalmente os pronomes este, esse e aquele são estabelecidos como vocábulos que apontam
para referentes que se localizam, respectivamente, próximos à primeira, à segunda e à terceira
pessoa, resultando em um esquema ternário. O autor ressalta, porém, que esse esquema não
corresponde ao uso contemporâneo, pois na língua falada, ele tem perdido espaço para o
sistema binário esse/este e aquele. Um exemplo dessa mudança foi observado pelo autor no
português falado culto de São Paulo, em que se registrou um aumentado considerável do uso
do pronome esse no lugar de este21.
Em língua portuguesa há alguns demonstrativos de natureza adverbial (locativos),
como, por exemplo, aqui, aí e ali. No geral, o primeiro corresponde ao falante; o segundo
corresponde ao ouvinte; o terceiro corresponde a uma área distante tanto do falante quanto do
ouvinte. Segundo Neves (2011), o uso de advérbios pronominais (aqui, aí e lá) junto dos
demonstrativos de 1ª, 2ª ou 3ª pessoa especifica a proximidade ou a distância do referente,
21
O uso do pronome esse no lugar de este foi registrado nas pesquisas realizadas pelos estudiosos do Projeto
NURC (Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta).
58
como na frase ―Está pensando que isto aqui é a Inglaterra‖, em que o pronome isto indica
maior proximidade com o falante. (p. 555)
A lição geral sobre os pronomes demonstrativos e as palavras referenciadoras em
geral, como indica Neves (no prelo: 552), ―diz que a linguagem se constrói por referência a
elementos que se vão incorporando no texto (como objetos de discurso), e no texto vão
formando uma rede referencial coesiva, ou seja, vão relacionando os referentes do texto, vão
constituindo referencialmente o texto‖.
Essa relação tripartida dos demonstrativos com as pessoas do discurso (estabelecidas
no tempo e no espaço da enunciação) transfere-se para relações textuais de proximidade e de
distância, o que é naturalmente aproveitado para construir e manter a coesão textual, dada a
própria natureza referenciadora dos pronomes demonstrativos.
Nesta pesquisa, cuja proposta é realizar uma análise da referenciação textual
(endofórica), a análise dos elementos fóricos se concentra, obviamente, nos pronomes
pessoais, possessivos e demonstrativos de terceira pessoa do singular e do plural, que são os
pronomes que fazem esse tipo de referência.
Quanto ao uso do artigo definido, uma proposta de Hawkins (1978) considera três usos
para esse artigo, um anafórico e dois situacionais. Explicitando o autor, Neves (2007) diz que
o uso anafórico implica uma forma de instrução que permite ao ouvinte relacionar um
referente textual a um objeto particular em sua memória, isso porque tanto o falante como o
ouvinte têm na memória um conjunto de princípios organizacionais (identificação entre os
interlocutores, conhecimento compartilhado, interações prévias e a própria situação
discursiva) que agrupam objetos disponíveis para uma referenciação definida.
Quanto ao uso situacional, Neves (2007: 133-134) explicita que ele está dividido em
dois tipos, o de ‗situação imediata‘ e o de ‗situação ampla‘: o primeiro tipo implica um
referente textual único e visível, pelo menos para o ouvinte, ou um referente que não está
visível, mas pode ser inferido pelos interlocutores na situação discursiva; o segundo implica o
conhecimento que o ouvinte tem sobre referentes que se situam numa situação mais ampla de
discurso, como, por exemplo, interlocutores que moram ou moraram em uma mesma região,
e, portanto, compartilham o conhecimento de referentes existentes nessa região. Nos casos de
situação ampla em que os interlocutores não compartilham conhecimento suficiente, mas o
59
22
Esse é o modo de indicação da data (desconhecida), na obra consultada.
61
Para Bakhtin (1997: 294), o enunciado não é uma unidade convencional, é uma
unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos interlocutores (os sujeitos falantes).
O autor considera que todo enunciado termina com a transferência da palavra ao outro, como
um sinal, percebido pelo ouvinte, de que o falante terminou.
Nessa perspectiva, de acordo com Machado (2007), Bakhtin propôs uma alternativa
para a ―Poética‖, voltando a atenção para outra esfera discursiva: a prosa. É nessa esfera que
se encontra o grande objeto de estudo do autor, o romance.
A valorização do romance nos estudos de Bakhtin (1997) não se deu apenas pelo fato
de ser este o gênero maior da cultura letrada, pois
na verdade, o romance só lhe interessou porque nele Bakhtin encontrou a
representação da voz na figura dos homens que falam, discutem ideias,
procuram posicionar-se no mundo. Isso para não dizer que, no romance, a
própria cultura letrada se deixa conduzir pelas diversas formas discursivas da
oralidade contra as quais ela se insurgira. Além disso, por se reportar a
diferentes tradições culturais, o romance surge como um gênero de
possibilidades combinatórias não apenas de discursos como também de
gêneros. (Machado, 2007: 153)
Por conta disso há dificuldade em definir o caráter genérico dos enunciados. Nesse
ponto, Bakhtin (1997) sugere uma diferenciação entre o gênero primário e o secundário.
Segundo o autor, os gêneros secundários são os mais complexos, são gêneros ―da
comunicação produzida a partir de códigos culturais elaborados, como a escrita‖, e, durante
seu processo de formação, os gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros
primários, que são mais simples, são ―gêneros da comunicação cotidiana‖ (MACHADO,
2007: 155). Estes, ao serem absorvidos, transformam-se e adquirem características
particulares.
Bakhtin (1997: 281-282) afirma que ―a distinção entre gêneros primários e gêneros
secundários tem grande importância teórica, sendo esta a razão pela qual a natureza do
enunciado deve ser elucidada e definida por uma análise de ambos os gêneros‖. O autor
postula que ―só com esta condição a análise se adequaria à natureza complexa e sutil do
enunciado e abrangeria seus aspectos essenciais‖.
Os gêneros secundários são unidades de comunicação verbal, que, mesmo mantendo
sua nitidez externa, adquirem uma individualidade interna, que corresponde à visão de mundo
do falante (o autor da obra). É justamente essa individualidade ―que cria as fronteiras internas
específicas que, no processo da comunicação verbal, a distinguem das outras obras com as
quais se relaciona dentro de uma dada esfera cultural‖ (BAKHTIN, 1997: 298).
Para concretizar seu propósito comunicativo ou o ―querer-dizer‖, o falante apropria-se
de um gênero discursivo. Essa escolha é condicionada à esfera discursiva, às necessidades
temáticas e aos interlocutores da interação verbal (BAKHTIN, 1997). Nesse processo
comunicativo há uma dinâmica verificada na interação entre o falante e o ouvinte, na qual
ambos são ativos, pois, no momento em que o falante termina sua comunicação, que é
realizada por meio de um enunciado, o ouvinte, que até então era passivo, assume a posição
ativa para responder, por meio de seu enunciado.
Machado (2007), ao relatar as perspectivas de Bakhtin, afirma que ―antes mesmo de se
configurar como terreno de produção de mensagens, os gêneros são elos de uma cadeia que
não apenas une como também dinamiza as relações entre pessoas ou sistemas de linguagens e
não apenas entre interlocutor e receptor‖ (p. 158). Nesse ponto, Silva (1995) nota que o tipo
de texto e o tipo de discurso resultam do processo interlocutivo estabelecido pelos
interlocutores em uma dada situação discursiva. A relação estreita que há entre tipo de texto e
tipo de discurso se evidencia ―na medida em que o discurso se materializa linguisticamente
por meio do texto‖ (p. 37).
63
Assim sendo,
os gêneros podem ser inicialmente entendidos como modos de organização
da informação ou de estruturação discursiva; num segundo momento, como
unidades de uso dessas estruturas discursivas em situações comunicativas
particulares; ou ainda como categorias que incorporam vários modos de
condução discursiva, de um modo mais complexo e abrangente, como a carta
pessoal e a conversa, onde diversas unidades menores coexistem, sem, no
entanto, perder suas características enquanto unidades discursivas. Desse
modo, são considerações de ordem formal e de ordem funcional que se
integram na categorização. (PAREDES SILVA, 1997: 94)
expor, o autor diz que o conteúdo temático dos mundos discursivos conjuntos são, em
princípio, interpretados sempre à luz dos critérios de validade, que será ―baseada
exclusivamente nos critérios de elaboração e de validação dos conhecimentos no mundo
ordinário‖ (BRONCKART, 2003: 154); ou seja, neste último, os acontecimentos são narrados
de forma expositiva e crítica.
Ao tratar das narrativas, Paredes Silva (1997: 88), explicitando Schiffrin (1994), diz
que, ―se, por um lado, narrativas podem ter certa autonomia, enquanto estruturas com uma
organização característica, por outro, elas são sensíveis ao contexto em que se desenrolam, às
experiências de quem as conta‖. Paredes Silva (1997) mostra que comparar estruturas textuais
diferentes, ajuda a compreender melhor por que uma dada cadeia de enunciados é identificada
como ocorrência de um gênero discursivo e não de outro. Isso ocorre porque cada sequência,
normalmente, apresenta uma estrutura específica23.
Em suma, nota-se que todo texto se realiza em algum gênero. Este, por sua vez, é
composto, na maioria das vezes, por diferentes tipos textuais, realiza-se em um domínio
discursivo e, de acordo com Marcuschi (2008: 176), fixa-se ―em algum suporte pelo qual
atinge a sociedade‖. O suporte de um gênero é definido pelo autor como ―um lócus físico ou
virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero
materializado como texto‖ (2008: 174). O autor identifica duas categorias de suportes
textuais: a categoria dos suportes convencionais, típicos para a finalidade de fixar textos
(livros, jornais, quadro de avisos, etc.) e a categoria dos suportes incidentais, que podem
trazer textos, mas não são destinados para essa finalidade, são meios casuais que emergem em
situações especiais (roupas, embalagens, paredes, etc.). Quanto ao domínio discursivo, ele
―não abrange um gênero em particular, mas dá origem a vários deles‖ (MARCUSCHI, 2008:
155).
O gênero escolhido para este trabalho, o romance, está fixado no suporte convencional
– que tem como finalidade fixar textos (MARCUSCHI, 2008) –, cujo domínio discursivo é o
ficcional. Trabalha-se, como pontuado na metodologia, com romances de diferentes épocas, o
que faz lembrar que os gêneros são ―formas culturais e cognitivas de ação social
corporificadas de modo particular na linguagem‖ (Marcuschi, 2008: 156). São, portanto,
entidades dinâmicas que não podem ser consideradas independentemente, pois estão
intrinsecamente relacionadas aos contextos nos quais foram produzidas (incluem-se nesses
contextos os fatores sociais, culturais, etc.).
23
As sequências textuais serão tratadas adiante.
66
Segundo Adam (1990, apud Bronckart, 2003: 145), o método da linguística textual
consiste em apagar a relação com o contexto – escolha teórica que poderia aproximar-se da
ideologia do texto absoluto –, e ―analisar as grandes regularidades transfrasais observáveis
nesse artefato constituído pela variável textual‖. Entretanto, Bronckart (2003) lembra Culioli
(1973), Ducrot (1980), Eco (1985), Rastier (1989) e Ricoeur (1986), autores citados pelo
próprio Adam (1990), para os quais um texto só ganha sentido mediante a atividade de
interpretação de seus leitores. Nessa atividade, o leitor reconstrói o sentido a partir dos
elementos que lhe são oferecidos concretamente no texto. Como postula Adam (1992), esses
elementos que se materializam no texto funcionam como instrumentos destinados a orientar o
leitor na interpretação do texto.
Tanto uma corrente como a outra sustentam o propósito de que cada comunidade
linguística tem uma série de estilos, com os quais se comunica, de forma oral ou escrita, em
cada situação de uso.
Na mesma linha de pensamento, o teórico funcionalista Dik (1997) postula que todo
discurso está inserido em um evento discursivo em que se realiza. Apoiado em Hymes (1972),
o autor diz que a concretização do discurso em uma situação discursiva implica: os
participantes; a relação que há entre eles; o lugar e o tempo da fala; além dos direitos e das
dúvidas dos interlocutores. Justamente por envolver todos esses aspectos, a concretização da
interação resulta em diferentes tipos, os gêneros.
Os gêneros, segundo Dik (1997), organizam-se por diferentes parâmetros discursivos,
dentre eles: o meio de comunicação, que pode ser falado ou escrito; a participação, que pode
efetuar-se por monólogo, diálogo, etc.; a relação entre os participantes, que pode ser direta,
indireta ou semi-indireta; a formalidade, que corresponde ao grau de institucionalização do
evento discursivo e ao grau de formalidade do estilo de interação; e o propósito da
comunicação, que pode ser narrativo, argumentativo, didático, estético. Nota-se que os
parâmetros discursivos, instituídos pelo autor, assemelham-se às variáveis do contexto de
situação desenvolvidas por Halliday, reforçando a relevância do contexto para qualquer
situação discursiva em que o enunciado se realize. Isso será mais especificado no item 4.3 O
gênero romance.
69
Dolz e Schneuwly (2004: 51-52), situados na teoria bakhtiniana, consideram que todo
gênero se define por três dimensões essenciais, a saber: os conteúdos que são dizíveis através
dele; a estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero; as configurações específicas das
unidades de linguagem (que são sobretudo traços da posição enunciativa do falante) e os
conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura.
Uma teorização da organização dos textos baseada na noção fundamental de sequência
foi proposta, segundo Bronckart (2003), por Adam (1990, 1991a, 1991b, 1992). Nessa
teorização, as sequências são consideradas como
unidades estruturais relativamente autônomas, que integram e organizam
macroproposições, que, por sua vez, combinam diversas proposições,
podendo a organização linear do texto ser concebida como o produto da
combinação e da articulação de diferentes tipos de sequências.
(BRONCKART, 2003: 218)
Bonini (2010) mostra que Adam (1992), em suas reflexões, se vale da noção de
estabilidade proposta por Bakhtin (1953), pensando-a mediante o raciocínio prototípico de
Rosch (1978): as sequências são entendidas como ―pontos centrais da categorização dos
textos e, portanto, como os principais componentes para a atividade com textos‖ (p. 210).
Para o autor ―os gêneros marcam situações sociais específicas, sendo essencialmente
heterogêneos‖ enquanto as sequências, que constituem componentes que atravessam todos os
gêneros, ―são relativamente estáveis, logo, mais facilmente delimitáveis em um pequeno
conjunto de tipos (uma tipologia)‖.
Nesse conjunto, Travaglia (1991) mostra que há quatro tipos fundamentais de
sequências: a narrativa, a descritiva, a argumentativa e a injuntiva. Duas dessas sequências (a
narrativa e a descritiva), bem como a sequência dissertativa, serão objetos de estudo deste
trabalho, portanto, cabe, a seguir, uma breve definição dessas categorias. As sequências
injuntivas, por outro lado, não serão analisadas, pois elas, normalmente, trazem uma
referenciação exofórica, o que fugiria à proposta deste trabalho (referenciação endofórica).
Na constituição de sequências narrativas e descritivas, por exemplo, a questão das
fases aparece, segundo Bronckart (2003), como uma particularidade indispensável em Labov
e Waletzky (1967), Adam (1992; 1993) e Adam e Petitjean (1989). Embora o propósito deste
trabalho não seja o de analisar as fases que constituem cada sequência, parece pertinente uma
breve explicitação referente a elas, tendo em vista que muitos estudos sobre sequências
textuais partem dessas reflexões.
70
jornal. Dessa forma, tanto o jornal como o autor saiam ganhando: o primeiro, por aumentar
suas vendas e o segundo, por conseguir divulgar sua obra.
Muitos romances foram publicados primeiramente em folhetins e somente mais tarde
foram reunidos em livros, como foi o caso de A moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo,
―primeiro romance brasileiro moderno de sucesso e longa permanência no gosto do público‖
(LAJOLO, 2004: 44). Compreende-se que essa forma de publicação contribuiu para formação
do público leitor.
Lajolo (2004) postula que, a partir da metade do século XIX, o romance não só se
firmou no Brasil como também começou a se ―abrasileirar‖: a preocupação em apresentar os
cenários brasileiros se tornou palavra de ordem. Nesse contexto, o Rio de Janeiro era o
cenário tanto de romances que retratavam o lado refinado da cidade, como Senhora, quanto
daqueles que retratavam o lado menos favorecido, como O cortiço. Aliás, José de Alencar e
Aluísio Azevedo, autores dos referidos romances, são dois dos autores que ―celebraram como
poucos o coração carioca da cidade do Rio de Janeiro‖ (LAJOLO, 2004: 71).
No século XX, como nota Lajolo (2004), o romance aconteceu em São Paulo. A
autora mostra que essa mudança de cenário se deu graças ao grande crescimento populacional
e econômico vivido pela cidade, e ressalta Mário de Andrade como um dos autores que
convida o leitor para a posição de ―voyeur‖ na cidade de São Paulo.
De um modo geral, depois que o romance se firmou no Brasil, ele aconteceu em
diferentes cenários e, independentemente de esse cenário ser urbano ou regional, na maioria
das vezes retratou, e ainda retrata, fatos cotidianos. Nesse sentido, como nota Jauss (1994),
mesmo que uma obra não surja como novidade absoluta, ela predispõe seu público a recebê-la
de uma maneira bastante definida, justamente pelos sinais, pelos traços familiares ou pelas
indicações implícitas em seu conteúdo. Assim sendo, uma obra, normalmente,
Compreende-se que um dos dispositivos que mantém a interlocução ativa entre autor e
leitor é justamente o fato de esse leitor se identificar com aquilo lê. Essa identificação mantém
o leitor preso ao texto, pois ele quer saber o que vai acontecer no decorrer da história.
Tratando essa relação entre autor, obra e leitor, Lajolo (2004) diz que o narrador mantém um
74
pacto com o leitor, na forma de contar a história, para enredá-lo em suas teias, pois sem o
leitor não há razão para que haja o romance.
Mesmo a história sendo construída à imagem e semelhança do leitor, há diferentes
maneiras de contá-la, bem como de prender a atenção do leitor, mantendo o processo
interativo. Assim, há escritores cujas obras requerem dos leitores substituir seus hábitos
mentais por atitudes novas, e outros que parecem ajustar-se aos hábitos mentais do leitor, ou
seja, há escritores que exigem mais dos seus leitores, enquanto outros parecem entregar tudo
picadinho não exigindo nenhum esforço mental (ANTONIO CANDIDO, 2009).
Para Lajolo (2004), seja de uma forma ou de outra, o autor produz sua obra para ser
lida não só por um, mas por muitos e variados leitores, o que resulta em uma infinidade de
interpretações. Segundo a autora (2008: 51), é ―no exercício dessa reinterpretação que cada
leitor, assenhorando-se do texto, torna-se sujeito de sua leitura‖. Acrescente-se também aos
seus dizeres que é nesse exercício que o leitor se torna um interlocutor indispensável.
Não bastasse tudo o que se disse sobre a interação que o romance promove entre autor
e leitor, é importante dizer que o romance se articula com a sociedade pela qual circula, a
sociedade que o escreve e que o consome (LAJOLO, 2004). Em outras palavras, cada
romance traduz em suas linhas os reflexos do contexto de cultura e do contexto de situação
que envolve sua produção (HALLIDAY, 1964; 1973; 1978; 1989; e HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004).
Como ponderou Lajolo (2004), uma das funções do romance é distrair o leitor, mas,
nessa função, ele pode, dentre outras coisas, instruir e informar quem o lê, principalmente
pelo fato de retratar aspectos de uma sociedade condicionada por um determinado contexto.
Aí entram os elementos que revelam esse contexto, como se viu na sequência de Amar, verbo
intransitivo explicitada no subitem 1.2.1 deste trabalho. Nesse sentido, na medida em que os
elementos linguísticos (expressões referenciais, ou objetos de discurso) que compõem a
cadeia referencial são introduzidos ou mantidos no texto, eles trazem para o leitor
informações de outros ambientes. Com isso, o ouvinte/leitor agrega novos conhecimentos, ou
revê conhecimentos já adquiridos. Além disso, a linguagem do romance, em certa medida,
pode transmitir e manter a ordem social, bem como conduzir a escolhas de composição
textual, como se poderá verificar nas análises das sequências narrativas dos romances
modernos e contemporâneos que serão apresentadas.
Entende-se que, em um romance, o leitor se identifica não só com os aspectos
cotidianos (pessoal, cultural, social, etc.), que prendem sua atenção, mas também com o
sistema linguístico de sua cultura. Afinal no processo de criação,
75
24
A metodologia consta da parte final da introdução deste trabalho.
77
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Aurélia
3 7 8 4 2
D. Firmina
0 4 0 0 0
Tutor
0 2 0 0 0
Quadro 1 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance Senhora
Aurélia S Pp P N S Pp P P S N Pp P S Pp Pp N S Pp S Pp Pp S
D. Firmina S S S S
Tutor S S
Quadro 2 - Menção / tipo fórico – romance Senhora (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome pessoal;
Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
25
O mesmo procedimento é adotado nos quadros referentes às outras sequências textuais aqui analisadas.
79
i i i
Máximo
i i i i i i i
Intermediário j j j j
k k
i i i i i i i i i i i i
Baixo
i i
Zero
Quadro 3 - Romance Senhora - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Aurélia
j D. Firmina
k Tutor
disso, esses elementos, quando usados para preencher uma casa fórica, podem informar
quanto ao gênero e ao número, e, no caso, eles remetem a uma personagem feminina: Aurélia
Camargo.
As referências por sintagma nominal cujo determinante é um pronome possessivo
(como: sua ascensão, na linha 2; seu fulgor, na linha 11; sua companhia, na linha 17; sua
casa, na linha 23; suas ações, na linha 24; sua vontade, na linha 27; suas inclinações e seu
capricho, na linha 29), configura-se um tipo de referência bipessoal (NEVES, 2011) em que
estão relacionadas duas pessoas: no caso aqui analisado, duas terceiras pessoas. Além da
relação de posse, são os pronomes possessivos que compõem esses sintagmas, que retomam a
personagem (o possuidor), enquanto os substantivos indicam o possuído.
Quanto às outras personagens, mesmo sendo referidas poucas vezes em relação a
Aurélia, por conta de suas funções secundárias, elas têm algumas de suas características
reveladas no texto, e isso por conta de serem mencionadas apenas no grau intermediário. D.
Firmina Mascarenhas é uma mulher velha, que é parente da protagonista, informações
possíveis de serem reconhecidas no sintagma nominal uma velha parente, que introduz, na
linha 17, a personagem: ―e tinha em sua companhia uma velha parenta‖. Essas informações
se repetem nos sintagmas nominais essa parenta (no qual o determinante demonstrativo, que
em termos de interação corresponde a segunda pessoa, faz referência anafórica à personagem)
e a velha parenta. Além dessas informações, o leitor tem, na linha 22, a informação de que
ela é viúva: ―Guardando com a viúva as deferências devidas à idade...‖.
O tutor é introduzido na linha 25 por sintagma nominal composto por artigo indefinido
e substantivo comum: ―Constava também que Aurélia tinha um tutor‖. O uso do artigo
indefinido traz à existência a personagem (NEVES, 2011), enquanto o substantivo comum
traz a informação de que a personagem é tutor. Quando o tutor é retomado pelo sintagma
nominal essa entidade desconhecida (―... mas essa entidade desconhecida, a julgar pelo
caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade‖), em que o pronome
demonstrativo essa se refere a ele, o núcleo traz outra informação referente à personagem:
possivelmente ele não é íntimo de Aurélia, de quem é tutor, e tão pouco das outras pessoas
com as quais ela convive.
Pode-se observar que ambas as personagens são introduzidas (na linha 12) pelo
sintagma nominal dois meninos, elemento catafórico que remete aos sintagmas indefinidos
um rapazinho de doze a treze anos e uma menina (na linha 13). Na organização da cadeia
referencial, Eugênioi é retomado pelo nome próprio (na linha 34), pelo sintagma nominal o
rapaz (na linha 17), além de ser retomado pelo núcleo do sintagma nominal seu
82
companheiro (na linha 21) e pelo pronome pessoal ele (na linha 14), enquanto Margaridaj é
retomada pelo sintagma nominal a menina (nas linhas 15, 20 e 31), pelos pronomes la (na
linha 23) e o pelo determinante possessivo seu, que compõe o sintagma nominal seu
companheiro (na linha 21). Nota-se, ainda, que ambos são retomados (na linha 24) pelo
pronome pessoal eles.
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Eugênio
1 4 0 2 0
Margarida
0 5 1 2 0
Quadro 4 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e manutenção das personagens do romance O seminarista
Eugênio
S S P S S P N
Margarida
S S S S Pp P P S
Quadro 5 - Menção / tipo fórico – romance O seminarista (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome
pessoal; Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
Uma vez conhecidos os elementos fóricos usados para introduzir ou retomar cada
personagem, apresenta-se no quadro abaixo o grau de identificação correspondente aos
respectivos preenchimentos fóricos.
83
i
Máximo
i i i i
Intermediário
j j j j j
i i
Baixo
j j j
Zero
Quadro 6 – Romance O seminarista - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Eugênio
j Margarida
O excerto selecionado para análise inicia-se com uma descrição que constitui um pano
de fundo para a introdução da narrativa. Cria-se uma espécie de cenário no qual a narrativa irá
se desenrolar (Neves, 2007). A transição da descrição para a narração ocorre na frase ―Era
uma bela tarde de janeiro‖, que encerra a descrição e, ao mesmo tempo, inicia a narração
(primeiro plano). Essa só ganha relevância por conta da moldura que se criou nos primeiros
parágrafos.
A narrativa é entremeada por uma nova descrição que não mais contempla o espaço,
mas, sim, a caracterização das personagens, que são introduzidas pelo sintagma nominal dois
meninos. O substantivo comum que compõe o núcleo desse sintagma vem no gênero
masculino, mas, tão logo surgem as personagens anunciadas pela catáfora, sabe-se que, na
verdade, os dois meninos são um rapazinho e uma menina: ―Dois meninos brincavam à
sombra das paineiras: um rapazinho de doze a treze anos e uma menina, que parecia ser
pouco mais nova que ele‖.
Embora uma menina e um rapazinho sejam retomados respectivamente pelos
sintagmas nominais definidos a menina (linha 15) e o rapaz (linha 17), eles não perdem o
sentido genérico, representando toda uma classe de pessoas ou coisas (NEVES, 2011: 395).
Tanto o rapaz quanto a menina recebem (nessas linhas) uma série de qualificações,
que não só fornecem dados que ajudam a constituir a descrição de ambos como também
contribuem para especificá-los: a menina ―morena; de olhos grandes, negros e cheios de
vivacidade, de corpo esbelto e flexível como o pendão da imbaúba‖; e o rapaz ―alvo, de
cabelos castanhos, de olhar meigo e plácido e em sua fisionomia como em todo o seu ser
transluziam indícios de uma índole pacata, doce e branda‖.
Quando a expressão o rapaz é recategorizada pelo substantivo companheiro, núcleo
do sintagma seu companheiro, surge uma comparação (―enquanto seu companheiro,
84
atracando-se como um macaco aos galhos das paineiras, balouçava-se no ar‖) que revela
outra característica do rapaz: a faceirice e a agilidade comum a um rapaz que tem entre doze e
treze anos. Tratando-se de uma comparação, o sintagma nominal um macaco não introduz
novo referente no texto. A referência é indireta, estabelecendo-se por semelhança
(HALLIDAY; HASAN, 1976).
Finalmente, a identidade plena do rapaz surge (na linha 34) quando ele é retomado
pelo nome próprio (grau máximo de identificação): ―Pois vamos lá com isso, Margarida,
exclamou Eugênio‖.
No caso da personagem feminina, que é retomada a maior parte da narrativa por
repetição lexical, a quantidade de informações é bastante restrita. Obtém-se a informação de
que o rapaz é amigo e companheiro dela na relação de posse que se estabelece entre o
determinante pronome possessivo seu, que a retoma (na linha 21), e o núcleo do sintagma, o
substantivo companheiro, que retoma o rapaz: ―enquanto seu companheiro, atracando-se
como um macaco aos galhos das paineiras, balouçava-se no ar‖.
Por fim, o nome da personagem, que chega ao leitor apenas na linha 34, não vem
apresentado referencialmente, mas sim como vocativo, no diálogo estabelecido entre o rapaz e
a menina: ― – Pois vamos lá com isso, Margarida, exclamou Eugênio‖.
Excluindo-se as qualificações atribuídas à personagem e o vocativo Margarida, os
elementos fóricos que preenchem as casas referenciais em que a personagem é referida trazem
basicamente duas informações: a de que se trata de uma personagem jovem e a de que ela
pertence ao gênero feminino.
Ela é retomada junto com Eugênio por um elemento não formalmente possessivo
(dele: de + pronome pessoal de 3ª pessoa, ele), mas que expressa o sentido de posse (NEVES,
2011): ―Perto deles, espalhados no vargedo, umas três ou quatro vacas e mais algumas reses
estavam tosando tranquilamente o fresco e viçoso capim‖. O advérbio perto que acompanha o
pronome deles faz uma indicação espacial, permitindo ao leitor visualizar mentalmente o
cenário em que as personagens estão inseridas.
Observando-se os percursos das duas personagens, percebe-se que, embora Eugênio e
Margarida tenham trajetórias parecidas, ele tem uma presença referencial maior do que a dela.
85
01) O doutor Lopes Matosoi não foi precisamente o que se pode chamar de
02) um homem feliz.
03) Aos dezoito anos de suai vida, quando apenas tinha completado o seui
04) curso de preparatórios, i perdeu pai e mãe com poucos meses de
05) intervalo.
06) Ficou-lhei como tutor um amigo da famílial, o coronel Barbosa, que oi
07) fez continuar com os estudos e formar-se em Direito.
08) No dia seguinte ao da formatura, o honesto tutorl passou-lhei a
09) gerência da avultada fortuna que lhei coubera, dizendo:
10) – Está rico, menino, está formado, tem um bonito futuro diante de si.
11) Agora é tratar de casar, de ter filhos, de galgar posição. Se eu tivesse
12) filha você já tinha noiva; não tenho, procure-a você mesmo.
13) Lopes Matosoi não gastou muito tempo em procurar: casou- se logo
14) com uma primak de quem i sempre gostara, e junto à qual i viveu
15) felicíssimo por espaço de dois anos.
16) Ao começar o terceiro, morreu a esposak i, de parto, deixando-lhei
17) uma filhinhaj.
18) Lopes Matosoi vergou à força do golpe, mas, como homem forte que
19) era, i não se deixou abater de vez: reergueu-se e aceitou a nova ordem
20) de coisas que lhei era imposta pela imparcialidade brutal da natureza.
21) i Arranjou de modo seguro seusi negócios, mudou- se para uma
22) chácara que possuía perto da cidade, segregou-se dos amigos, e passou a
23) repartir o tempo entre o manusear de bons livros e o cuidar da filhaj.
24) Esta, graças às qualidades da ama que lhej foi dada, cresceu sadia e
25) robusta, tornando-se desde logo a vida, a nota alegre do eremitério que
26) se constituíra Lopes Matosoi.
27) Visitas de amigos raras tinha elei, porque mesmo i não as acoroçoava:
28) convivência de famílias i não tinha nenhuma.
29) Leitura, escrita, gramática, aritmética, álgebra, geometria, geografia,
30) história, francês, espanhol, natação, equitação, ginástica, música, em
31) tudo isso Lopes Matosoi exercitou a filhaj porque em tudo i era
32) perito: com elaj i leu os clássicos portugueses, os autores estrangeiros
33) de melhor nota, e tudo quanto havia de mais seleto na literatura do
34) tempo.
35) Aos quatorze anos Helena ou Lenitaj, como aj chamavam, era uma
36) rapariga desenvolvida, forte, de caráter formado e instrução acima do
37) vulgar. (1996: 21)
26
Consta dessa sequência uma fala, a do coronel Barbosa, que não foi considerada na análise.
27
Há, nesta sequência textual, referência a uma personagem que não foi incluída na análise, por se tratar de um
referente de menção única, a ama que cuidou da filha de Lopes Matoso – ―graças às qualidades da ama que lhe
foi dada, cresceu sadia e robusta‖.
86
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Lopes Matoso
4 1 3 7 10
Helena
1 3 0 3 0
Esposa
0 2 0 0 0
Coronel Barbosa
0 2 0 0 0
Quadro 7 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance A carne
Lopes
S Pp Pp P P P P N P N Pp P N P N
Matoso
Helena S S P S P N P
Esposa S S
Barbosa S S
Quadro 8 - Menção / tipo fórico – romance A carne (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome pessoal; Pp -
(determinante) pronome possessivo; - zero)
j i i i i
Máximo
i
j j j
Intermediário
k k
l l
i i i i i i i i i i
j j j
Baixo
i i i i i i i i i i
Zero
Quadro 9 - Romance A carne - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Lopes Matoso
j Helena
k Esposa
l Barbosa
zero de identificação, e, embora seja retomada três vezes no grau intermediário, (linhas 3, 4 e
21), há poucas informações referentes à personagem. O que se sabe sobre Lopes Matoso, além
da informação de que é doutor, é que fez um curso preparatório (―quando apenas tinha
completado o seu curso de preparatórios‖) e que tinha alguns negócios (―Arranjou de modo
seguro seus negócios...‖). Nesses dois casos, o pronome possessivo, que funciona como
determinante, retoma a personagem, enquanto o núcleo do sintagma traz a informação
referente a ela.
Embora a personagem Helena seja referida três vezes no grau intermediário de
identificação, a informação que o leitor tem sobre ela é apenas uma: a de que é filha de Lopes
Matoso, pois todos os sintagmas nominais usados para mencioná-la trazem essa informação
(linha 17: uma filhinha; linha 23: a filha; linha 31, novamente: a filha). No entanto, do ponto
de vista referencial, a retomada pelo sintagma nominal a filha incorpora uma alteração
significativa (que chega a tocar o estatuto de recategorização), por deixar de ser diminutivo
(ela já não é mais a criança que foi introduzida pelo sintagma uma filhinha). No final do
excerto, ela é identificada no grau máximo de identificação: o leitor passa a conhecer o seu
nome, Helena, a que se acrescenta seu apelido, Lenita (―Helena ou Lenita, como a
chamavam‖), mas continua sem novas informações que a caracterizem.
A maior parte das informações referentes a Lopes Matoso e a Helena não está nos
elementos referenciais usados para introduzi-los ou recuperá-los, mas, sim, nas qualificações
usadas na organização da narrativa, as quais atribuem características a eles. Observando a
construção da narrativa, o leitor pode notar que Lopes Matoso: estudou Direito; herdou uma
avultada fortuna; é um homem forte, que não se deixa abater facilmente; tem uma chácara;
manuseia bons livros; constituíra-se, com o passar do tempo, em um eremitério; e, além disso,
cuidou da filha e a exercitou em diferentes habilidades. Do mesmo modo que ocorre nesse
caso, são os predicativos implicados na narrativa que trazem informações referentes a Helena,
tais como as de que ela é órfã de mãe, teve uma ama, bem como é sadia, robusta, instruída, de
caráter formado e, sobretudo, a de que ela é o motivo de alegria do pai, que a educou. Essas
qualificações não são responsáveis por introduzir ou recuperar as personagens, mas são
responsáveis por informar o leitor sobre características que o ajudam a construir a identidade
de cada uma.
As outras duas personagens, a esposa e o coronel Barbosa, são mencionadas somente
no grau intermediário de identificação, portanto, por elementos fóricos que trazem
informações relacionadas a elas. Sabe-se que ela é prima e esposa de Lopes Matoso em:
―Lopes Matoso não gastou muito tempo em procurar: casou-se logo com uma prima de quem
89
sempre gostara‖. A informação de que a prima se tornou esposa de Lopes Matoso se repete
com o uso do sintagma nominal a esposa: ―Ao começar o terceiro, morreu a esposa, de parto,
deixando-lhe uma filhinha‖. Quanto ao coronel Barbosa, sabe-se que ele é amigo da família
de Lopes Matoso, de quem é tutor: ―Ficou-lhe como tutor um amigo da família, o coronel
Barbosa‖. Nessa frase, o leitor tem acesso também à identidade e à profissão dele,
informações expressas no aposto presente na organização textual. Além dessas informações,
sabe-se ainda que ele é uma pessoa honesta: ―No dia seguinte ao da formatura, o honesto
tutor passou-lhe a gerência da avultada fortuna que lhe coubera‖.
01) João Romãoi foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de
02) um vendeirok que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e
03) obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e i tanto economizou
04) do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrãok
05) para a terra, lhei deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a
06) venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em
07) dinheiro.
08) Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapazi atirou-se à labutação ainda
09) com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que i afrontava
10) resignado as mais duras privações. i Dormia sobre o balcão da própria
11) venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa
12) cheio de palha. A comida arranjava-lhei, mediante quatrocentos réis por dia,
13) uma quitandeiraj sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escrava de
14) um velho cego residente em Juiz de Foral e amigada com um portuguêsm
15) que tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade.
16) Bertolezaj também trabalhava forte; a suaj quitanda era a mais bem
17) afreguesada do bairro. De manhã j vendia angu, e à noite peixe frito e
18) iscas de fígado; j pagava de jornal a seuj donol vinte mil-réis por mês, e,
19) apesar disso, j tinha de parte quase que o necessário para a alforria.Um dia,
20) porém, o seuj homemm, depois de correr meia légua, puxando uma carga
21) superior às suasm forças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompado
22) como uma besta.
23) João Romãoi [...] fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinhaj
24) [...], que a boa mulherj oi escolheu para confidente das suasj desventuras.
90
Quantificam-se, no quadro que segue, os elementos fóricos usados para referir cada
personagem do excerto acima:
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
João Romão
3 2 0 7 4
Bertoleza
1 5 8 4 6
Patrão de João Romão
0 2 0 0 0
Senhor de Bertoleza
0 4 0 0 0
Amante de Bertoleza
0 2 1 0 0
Quadro 10 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance O cortiço
João Romão N P S P N P P P P S N P
Bertoleza S N Pp Pp Pp S S Pp Pp Pp P S Pp P P S P Pp
Patrão de
João Romão S S
Senhor de
Bertoleza S S S S
Amante de
Bertoleza S S Pp
Quadro 11 - Menção / tipo fórico – romance O cortiço (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome pessoal;
Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
i i i
j
Máximo
i i
j j j j j
Intermediário k k
l l l l
m m
i i i i i i i
j j j j j j j j j j j j
Baixo
m
i i i i
j j j j j j
Zero
Quadro 12 - Romance O cortiço - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i João Romão
j Bertoleza
k Patrão de João Romão
l Senhor de Bertoleza
m Amante de Bertoleza
sintagma nominal seu dono (―Pagava de jornal a seu dono vinte mil réis por mês‖), sintagma
em que o possessivo seu remete a Bertoleza, enquanto o núcleo (dono) remete ao velho. A
exemplo do que ocorre com o patrão de João Romão, a retomada pelo sintagma o senhor (―e
quem se encarregava de remeter ao senhor os vinte mil-réis mensais‖) não configura uma
recategorização da expressão referencial um velho, pois o leitor já tem conhecimento de que
ele é o senhor de Bertoleza.
O amante de Bertoleza é introduzido pelo sintagma nominal indefinido um português,
que, assim como nos dois casos já explicitados, vem em uma qualificação que indica que esse
português é amante dela (―Bertoleza, crioula trintona [...], amigada com um português que
tinha uma carroça de mão e fazia fretes na cidade‖). A informação se confirma quando a
personagem é retomada pelo sintagma o seu homem, em que o possessivo se refere a
Bertoleza, indicando a relação de posse entre as duas pessoas do discurso, e o núcleo retoma o
português. O que diferencia essa forma de retomar a personagem das duas formas anteriores é
que ela se configura como uma recategorização da expressão referencial um português: ―Um
dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua‖.
5ª) O quinto excerto analisado constitui o primeiro capítulo do romance Amar, verbo
intransitivo28. No excerto são introduzidas duas personagens, Souza Costa e Elza. As casas
fóricas correspondentes a Souza Costa estão marcadas, na transcrição do texto, com o índice
subscrito (i) e as que correspondem a Elza estão marcadas com o índice subscrito (j).
28
Conforme assentado no projeto, os diálogos presentes na organização textual desta sequência narrativa não
serão analisados.
95
15) por aventureira sou séria. E tenho 35 anos, senhor. Certamente não irei
16) se sua esposa não souber o que vou fazer lá. Tenho a profissão que uma
17) fraqueza me permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão.
18) j Falava com a voz mais natural desse mundo mesmo com certo
19) orgulho que Sousa Costai percebeu sem compreender. i Olhou pra elaj
20) admirado e, jurando não falar nada à mulher, i prometeu.
21) Elzaj viu elei29 abrir a porta da pensão. Pâam... j Entrou de novo no
22) quartinho ainda agitado pela presença do estranhoi. j Lhe30 deu, um
23) olhar de confiança. Tudo foi sossegando pouco a pouco. (2008: 19)
Nesta sequência, as duas personagens, Souza Costa e Elza são introduzidas pelo
pronome pessoal eles (na linha 1). Souza Costai é retomado: por nome próprio (nas linhas 2 e
19); pelo sintagma nominal o estranho (na linha 22); pelo pronome pessoal ele (na linha 21);
por zero (nas linhas 19 e 20). Elzaj é retomada pelo nome próprio (na linha 21); pelos
pronomes pessoais ela (nas linhas 4 e 19) e lhe (na linha 6); por zero (nas linhas 6, 18, 21 e
22).
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Souza Costa
2 1 0 2 2
Elza
1 0 0 4 4
Quadro 13 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e manutenção das personagens do romance Amar, verbo
intransitivo
29
Essa construção não é abonada pela Gramática Tradicional. Pela norma, são os pronomes pessoais oblíquos
átonos que se usam na função de complemento (objeto direto).
30
Não entra em questão o fato de que, pela norma culta, pronome oblíquo não inicia uma sentença.
96
Souza Costa
P N N P S
Elza
P P P P N
Quadro 14 - Menção / tipo fórico – romance Amar, verbo intransitivo (N - nome próprio; S - sintagma nominal;
P - pronome pessoal; Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
i i
Máximo
j
i
Intermediário
i i
Baixo
j j j j
i i
Zero
j j j j
Quadro 15 - Romance Amar, verbo intransitivo - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Souza Costa
j Elza
núcleo representado por substantivo comum, que traga alguma descrição referente a ela. A
personagem oscila, durante o percurso narrativo, entre os graus baixo e zero de identificação.
Depois de ser introduzida pelo pronome eles, ela é retomada, na linha 4, pelo pronome ela,
preenchimento fórico que permite ao leitor apenas identificá-la como uma personagem
feminina. As referências a ela que se seguem no decorrer da narrativa são todas efetuadas por
meio de pronome ou zero. Essas escolhas fóricas não acrescentam informações descritivas
que ajudem o leitor a compor o perfil físico e psicológico da personagem, mas permitem que
ele a identifique (internamente à trama do texto), pois a personagem é mantida no foco da
narração (RONCARATI, 2010).
No último parágrafo (linha 21), revela-se a identidade da personagem (―Elza viu ele
abrir a porta da pensão‖), pois ocorre o grau máximo de identificação, embora haja zero de
descrição, já que o nome próprio permite que ela seja identificada como pessoa única no
discurso, mas não evidencia nenhum traço que a caracterize (NEVES, 2011). Embora os
elementos fóricos usados na construção textual não contribuam para caracterizar a
personagem, eles permitem identificá-la dentro do universo discursivo.
Souza Costa, diferentemente do que ocorre com a personagem feminina, é identificado
no primeiro parágrafo (linha 2), no grau máximo de identificação, com nome e sobrenome:
―Calçando as luvas Souza Costa largou por despedida‖. Ele também oscila entre os graus
baixo e zero de identificação, mas, ao contrário de Elza, finaliza o percurso narrativo (linha
22) no grau intermediário de identificação: ―Entrou de novo no quartinho ainda agitado pela
presença do estranho‖. Nessa retomada, o leitor pode identificar uma informação referente à
personagem: Souza Costa não faz parte do convívio pessoal de Elza.
6ª) A sequência que vem a seguir inicia o romance Alma, de Oswald de Andrade. Nela
são introduzidas quatro personagens humanas31, o avô, Alma, que tem o mesmo nome do
título do romance, Mauro e João do Carmo, e uma personagem do reino animal, o cão. As
casas fóricas que essas personagens são referidas estão marcadas, na transcrição do texto, com
os seguintes índices subscritos: as casas referentes ao avô recebem o índice (i); as casas
31
São introduzidas, ainda, outras personagens que não foram quantificadas e analisadas, pois atuam, no excerto
selecionado, como referentes de menção única e, portanto, não constituem uma cadeia referencial: os vizinhos,
Odete, Jorge e uma mulher de branco.
98
referentes ao cão recebem o índice (j); as casas referentes a Alma recebem o índice (k); casas
referentes a Mauro, índice (l); casas referentes a João do Carmo, índice (m).
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
avô
0 4 0 1 3
cão
0 3 0 1 3
Alma
3 0 1 10 10
Mauro
2 0 0 2 0
João do Carmo
1 1 0 4 6
Quadro 16 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance Alma
avô S P S S S
cão S P S S
Alma N Pp P P P P N P P P P N P P
Mauro P N P N
João do
S N P P P P
Carmo
Quadro 17 - Menção / tipo fórico – romance Alma (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome pessoal;
Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
Uma vez conhecidos os elementos fóricos usados para introduzir ou retomar cada
personagem, apresenta-se no quadro abaixo o grau de identificação correspondente aos
respectivos preenchimentos fóricos.
Máximo k k k
l l
m
i i i i
j i i
Intermediário
m
i
j
Baixo k k k k k k k k k k k
l l
m m m m
i i i
j j j
Zero k k k k k k k k k k
m m m m m m
Quadro 18 - Romance Alma - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i avô
j cão
k Alma
l Mauro
m João do Carmo
101
Alma e o quarto, mas também não há nenhuma descrição que possa contribuir para o quadro
de informações referentes à personagem.
Assim como já se mostrou em análises anteriores, há, no decorrer do texto, a
incorporação de uma série de predicativos atribuídos a Alma, que não só contribuem para
mantê-la no foco como também trazem informações que ajudam a construir a personagem:
Ela fora apenas, até ali, a criança fulva de olhos glaucos, pondo a silhueta
destacada e a longa sombra nas corcovas áridas de Oblivion, ao sol, com
Jorge, o primo de sorrisos sisudos; e depois da casa de louças fechada, a
adolescente imprecisa, a netinha que preparava o banho morno do velho e
fazia comer no melhor prato, na cozinha de terra, o cachorro peludo e antigo.
Era agora, nos músculos de Mauro a extravasante mulher, deflagrada
num embate de complicações e de rodeios.
A identidade plena pode ser observada pelo leitor quando a personagem é retomada pelo
nome próprio: ―Mas não: João do Carmo era um rapaz direito, incapaz dessas torpezas‖.
A exemplo do que ocorre com Alma, João do Carmo também é retomado na maioria
das vezes por pronominalização ou referenciação textual zero. Igualmente, são os predicativos
atribuídos a João do Carmo – que não fazem parte da cadeia referencial – que contribuem
para constituição da referenciação que se faz a ele (por exemplo, a de que ele é um rapaz
direito e, além disso, mesmo que saiba alguma coisa que desabone Alma, seria incapaz de
contar algo ao avô dela, ou seja, a de que não se trata de um homem torpe). Esta última
qualificação é encapsulada pelo sintagma dessas torpezas, que representa o conjunto das
informações precedentes (RONCARATI, 2010): ―Se soubesse onde ela andara, o que fizera...
Alma teve um arrepio incontido. Se contasse ao avô... Mas não: João do Carmo era um rapaz
direito, incapaz dessas torpezas‖. Esse tipo de recuperação se beneficia da força coesiva
anafórica do determinante demonstrativo essas (ligado à segunda pessoa) que compõe o
sintagma nominal dessas torpezas.
7ª) Nesta sequência, que inicia o romance O filho eterno, de Cristovão Tezza, são
introduzidas três personagens: o homem, a mulher e o filho. O casal protagoniza a cena, já o
filho, personagem fundamental do romance, neste excerto é apenas mencionado pelo pai. As
casas fóricas em que as personagens são referidas estão marcadas com os seguintes índices
subscritos: (i) para as casas referentes à mulher, (j) para as casas referentes ao homem e (k)
para as casas referentes ao filho.
01) – Acho que é hoje – elai disse. – Agora – i completou, com a voz
02) mais forte, tocando-lhej o braço, porque elej é um homem distraído.
03) Sim, distraído, quem sabe? Alguém provisório, talvez; alguém que,
04) aos 28 anos, ainda não começou a viver. A rigor, exceto por um
05) leque de ansiedades felizes, elej não tem nada, e j não é ainda
06) exatamente nada. E essa magreza semoventej de uma alegria
07) agressiva, às vezes ofensiva, viu- se diante da mulher grávidai quase
08) como se só agora j entendesse a extensão do fato: um filhok. Um
09) dia elek chega, elej riu, expansivo. Vamos lá!
10) A mulheri que, em todos os sentidos, oj sustentava já havia quatro
11) anos, agora era sustentada por elej enquanto aguardavam o
12) elevador, à meia noite. Elai está pálida. As contrações. A bolsa elai
13) disse – algo assim. Elej não pensava em nada – em matéria de
14) novidade, amanhã elej seria tão novo quanto o filhok. Era preciso
15) brincar, entretanto. Antes de sair lembrou-se de uma garrafinha
16) caubói de uísque, que j colocou no outro bolso; no primeiro
17) estavam os cigarros. (2010: 9)
104
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Mulher
0 2 0 3 1
Homem
0 1 0 8 3
Filho
0 2 0 1 0
Quadro 19 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance O filho
eterno.
Homem
P P P S P P P P P
Filho
S P S
Quadro 20 - Menção / tipo fórico - romance O filho eterno (N - nome próprio; S - sintagma nominal; P - pronome pessoal;
Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
105
Máximo
i i
Intermediário j
k k
i i i
Baixo j j j j j j j j
k
i
Zero j j j
Quadro 21 - Romance O filho eterno - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Mulher
j Homem
k Filho
homem distraído‖. É o uso do pronome pessoal ele, na mesma frase, que permite identificá-lo
como masculino. Como a personagem oscila, durante quase a totalidade do percurso
narrativo, entre os graus baixo e zero de identificação, o nível de informação referente a ele
não se altera. A única referência por sintagma nominal, essa magreza semovente (linha 6),
exige do leitor atenção à frase anterior para compreender que a expressão nominal encapsula
parte das informações relacionadas à personagem (KOCH; ELIAS, 2012) 32. Assim como se
mostrou na análise anterior (do romance Alma), o elemento que governa a retomada é o
pronome demonstrativo essa, que muito frequentemente é usado nessa função anafórica.
O filho é introduzido por sintagma nominal com artigo indefinido (―como se só agora
entendesse a extensão do fato: um filho‖), o qual traz à existência o referente (NEVES,
2011). O sintagma nominal indefinido constitui uma generalização (referindo-se a todos os
elementos da espécie), mas, no texto, o leitor pode identificar, pelo núcleo do sintagma, o
substantivo comum filho, que se refere a uma criança do gênero masculino (um menino), a
qual será filho do casal protagonista. Os preenchimentos fóricos usados para retomá-lo – o
pronome pessoal ele (―Um dia ele chega...‖), e o sintagma nominal definido o filho (―em
matéria de novidade, amanhã ele seria tão novo quanto o filho‖) – apenas confirmam a
informação que já pôde ser reconhecida quando da introdução da personagem na linha 8: a de
que ele é filho do casal que protagoniza a cena.
8ª) Nesta sequência do romance Vozes do Deserto, de Nélida Piñon, são introduzidas
quatro personagens: Scherezade, o Califa, o Vizir , e Dinazarda. As casas fóricas em que
essas personagens são inseridas recebem, na transcrição do texto, índices subscritos, conforme
se indica a seguir: as casas referentes à protagonista Scherezade receberam o índice ( i); as
casas referentes ao Califa receberam o índice ( j); referentes ao Vizir receberam o índice (k) e
as casas referentes a Dinazarda receberam o índice ( l).
32
O trecho a ser considerado é o seguinte: ―Alguém provisório, talvez; alguém que, aos 28 anos, ainda não
começou a viver. A rigor, exceto por um leque de ansiedades felizes, ele não tem nada, e não é ainda exatamente
nada. E essa magreza semovente de uma alegria agressiva, às vezes ofensiva, viu-se diante da mulher grávida
quase como se só agora entendesse a extensão do fato: um filho‖.
107
01) Scherezadei não teme a morte. i Não acredita que o poder do mundo
02) representado pelo Califaj, a quem o paik serve, decrete por meio de suai
03) morte o extermínio da suai imaginação.
04) i Tenta convencer o paik de ser a única capaz de interromper a sequência
05) das mortes dadas às donzelas do reino. i Não suporta ver o triunfo do mal
06) que se estampa no rosto do Califaj. i Quer opor-se à desdita que atinge
07) os lares de Bagdá e arredores, oferecendo-se ao soberanoj em sedicioso
08) holocausto.
09) O paik reage ao ouvir suai proposta. k Suplica que i desista, sem
10) alterar a decisão da filhai. kVolta a insistir, desta vez, golpeando a
11) pureza da língua árabe, k pede emprestadas as imprecações, as palavras
12) espúrias, bastardas, escatológicas, que os beduínos usavam
13) indistintamente em meio à ira e aos folguedos. Sem envergonhar-se, k
14) lança mão de todos os recursos para convencê-lai. Afinal a filhai lhek
15) devia, além da vida, o luxo, a nobreza, a educação refinada. k Pusera-
16) lhei à disposição mestres em medicina, filosofia, história, arte e religião,
17) que despertaram a atenção de Scherezadei para aspectos sagrados e
18) profanos do cotidiano que jamais i teria aprendido, não fora a ingerência
19) do paik. k Oferecera-lhei ainda Fátima, a ama que, após a morte
20) prematura da mãe, ensinara-lhei a contar histórias.
21) Apesar dos protestos do Vizirk, sob a ameaça de perder a filha amada,
22) Scherezadei insistira em uma decisão que envolvia os familiares no drama.
23) Cada membro do clã do Vizirk avaliando, em silêncio, o significado
24) deste castigo, os efeitos daquela morte em suas vidas.
25) Também Dinazardal, a irmã mais velha, tentara dissuadi-lai. l Previa-ai
26) incapaz de dobrar a vontade do soberanoj. Sendo assim, por que
27) acompanhá-lai ao palácio imperial, como i lhel havia pedido, e
28) participar de um ato que ora lhel extraía lágrimas, manifestações de luto
29) prévio?
30) O debate deixara os limites dos aposentos, das dependências dos
31) serviçais, para circular pelo submundo de Bagdá, constituído de mendigos,
32) encantadores de serpente, charlatães, mentirosos, que no bazar adotavam
33) formas obscenas e jocosas enquanto propagavam a notícia da filhai do
34) Vizir, a mais brilhante princesa da corte, que, tendo em mira salvar
35) as jovens das garras do Califaj, decidira casar-se com elej. (2006: 7-8)
Observa-se que Scherezadei é introduzida por nome próprio (na linha 1) e retomada:
por nome próprio (nas linhas 17 e 22); pelos sintagmas nominais a filha (nas linhas 10 e 14) e
a filha do Vizir (na linha 33-34); pelos possessivos que compõem os sintagmas sua morte
(na linha 2-3), sua imaginação (na linha 3) e sua proposta (na linha 9); pelos pronomes
pessoais la (nas linhas 14, 25 e 27), lhe (nas linhas 16, 19 e 20) e a (na linha 25); por zero
(nas linhas 1, 4, 5, 6, 9, 18 e 27).
108
O Califaj é introduzido por nome próprio33 (na linha 2) e retomado: por nome próprio
(nas linhas 6 e 35); pelo sintagma nominal o soberano (nas linhas 7 e 26); pelo pronome
pessoal ele (na linha 35).
O Vizirk é introduzido pelo sintagma nominal o pai (na linha 2) e retomado: pelo
nome próprio que vem no sintagma nominal o Vizir,34 (nas linhas 21 e 23); pelos sintagmas
nominais o pai (nas linhas 4, 9 e 19); pelo pronome pessoal lhe (na linha 14); por zero (nas
linhas 9, 10, 11, 13, 15 e 19).
Dinazardal é introduzida por nome próprio (na linha 25) e retomada: pelo pronome
pessoal lhe (nas linhas 27 e 28); por zero (na linha 25).
Menção por:
Pronome
Personagens Sintagma nominal Zero
pessoal
Núcleo Núcleo Det.
nome nome Pronome - -
próprio comum possessivo
Scherezade
3 3 3 7 7
Califa
3 2 0 1 0
Vizir
2 4 0 1 6
Dinazarda
1 0 0 2 1
Quadro 22 - Tipos de preenchimentos fóricos usados na introdução e na manutenção das personagens do romance Vozes do
deserto.
33
O sintagma nominal o Califa foi considerado, nesta análise, como nome próprio. Trata-se originariamente de
um nome comum que vem como próprio na designação da personagem como chefe de Estado.
34
O sintagma nominal o Vizir foi considerado, nesta análise, como nome próprio. Trata-se originariamente de
um nome comum que vem como próprio na designação da personagem como funcionário do Estado.
109
Scherezade N Pp Pp Pp S P S P N P P N P P P S
Califa N N S S N P
Vizir S S S P S N N
Dinazarda N P P
Quadro 23 - Menção / tipo fórico – romance Vozes do deserto (N - nome próprio; S - sintagma nominal;
P - pronome pessoal; Pp - (determinante) pronome possessivo; - zero)
i i i
j j j
Máximo
k k
l
i i i
j j
Intermediário
k k k k
i i i i i i i i i i
j
Baixo
k
l l
i i i i i i i
Zero
k k k k k k
l
Quadro 24 - Romance Vozes do deserto - Grau de identificação correspondente ao tipo fórico adotado em cada menção
Personagens: i Scherezade
j Califa
k Vizir
l Dinazarda
nível de descrição, nesse excerto, é bastante pequeno. Quando a personagem é retomada pelo
sintagma nominal a filha, o leitor tem uma informação: Scherezade é filha da personagem
introduzida pelo sintagma o pai: ―O pai reage ao ouvir sua proposta. Suplica que desista, sem
alterar a decisão da filha‖.
A sequência em análise não é uma narrativa canônica, pois nasce de uma exposição no
tempo presente, e é na exposição que surgem os elementos que caracterizam Scherezade em
alguns aspectos, como: ―Scherezade não teme a morte. Não acredita que o poder do mundo
representado pelo Califa...‖. A partir desse ponto entra uma narrativa e o que caracteriza essa
narrativa são as predicações, que vem com verbos de ação. A narrativa vem entremeada por
certas frases de exposição, com elipse do sujeito (referenciação textual zero), como, por
exemplo, em: ― Tenta convencer o pai [...]. Não suporta ver o triunfo do mal [...]. Quer
opor-se à desdita que atinge os lares de Bagdá e arredores [...]‖. Nessa passagem, o verbo
tentar indica uma ação (o que ela faz), enquanto os verbos suportar, ver e querer indicam
processos, na exposição sobre ela.
Essa organização narrativa explica o fato de a personagem ser introduzida por nome
próprio e depois ser recuperada inúmeras vezes por zero ( ), sem sair do foco
(RONCARATI, 2010).
Outra personagem que é introduzida (na linha 2) pelo nome próprio vem em um
sintagma nominal: o Califa (―Não acredita que o poder do mundo representado pelo
Califa a quem o pai serve‖). A personagem é retomada, duas vezes na cadeia referencial, pelo
sintagma nominal o soberano, primeiro em ―oferecendo-se ao soberano em sedicioso
holocausto‖, e, depois, em ―previa-a incapaz de dobrar a vontade do soberano‖. Trata-se de
uma retomada que reitera a categorização da personagem como chefe de Estado.
No final do excerto, a personagem é retomada por pronominalização (―... tendo em
mira salvar as jovens das garras do Califa , decidira casar-se com ele‖), mas a essa altura a
única informação que um pronome pode oferecer (o gênero ao qual pertence a personagem),
já é conhecida do leitor. O número de informações referentes a ele também é restrito, no
entanto, pode-se dizer que a insistência nos substantivos Califa e soberano, em certa medida,
refletem características como autoritário, inatingível, etc.
O Vizir é introduzido e retomado nas linhas 4, 9 e 19 pelo mesmo sintagma nominal: o
pai. Essa personagem também é referida, na linha 21, por um nome próprio que vem em um
sintagma nominal, o Vizir. No caso das duas personagens, o Califa e o Vizir, o conhecimento
do contexto de cultura e do contexto de situação (HALLIDAY, 1964; 1973; 1978; 1989; e
111
próxima, não só pela maneira de introduzir as personagens, mas também por um recurso
presente nas construções das respectivas sequências narrativas: há uma série de qualificações
que contribuem sobremaneira para a constituição da identidade das personagens. Nos
romances modernos e contemporâneos esse recurso não aparece com a mesma frequência,
sobretudo em Amar, verbo intransitivo, O filho eterno e Vozes do deserto. O romance Alma é
exceção, pois nele há uma frequência maior de qualificações.
Dentre os tipos de preenchimentos fóricos verificados nas análises, nota-se que, nas
construções em que são usados muitos sintagmas nominais com núcleo representado por
substantivo comum – diferentemente de construções como a de Amar, verbo intransitivo, em
que há apenas uma referência por sintagma nominal (feita a Souza Costa) –, o número de
informações que caracterizam as personagens é muito maior, o que ocorre inclusive com as
personagens secundárias, como D. Firmina e o tutor, de Senhora, a esposa de Lopes Matoso e
o coronel Barbosa, de A carne, e com o senhor e o amante de Bertoleza, de O cortiço. Daí se
pode compreender que um texto em que as personagens transitam pelo grau intermediário de
identificação (sintagma nominal) facilita ao leitor construir uma imagem dos participantes da
narrativa, mas o mesmo não ocorre quando as personagens transitam pelos graus baixo
(pronome) ou zero (elipse) de identificação, em que o nível de informação é menor. Há casos
em que as personagens são referidas mais de uma vez por sintagma nominal, mas o nível de
descrição se mantém baixo, o que ocorre por conta da existência de repetições lexicais:
Margarida, de O seminarista, o avô e cão, de Alma, e o Califa e o Vizir, de Vozes do deserto.
As sequências de Amar, verbo intransitivo e de O filho eterno são exemplos de trechos
em que os elementos fóricos usados para referir as personagens transitam em sua maioria
entre os graus baixo e zero de identificação, elementos fóricos em que é nula ou quase nula a
existência de informações referentes às personagens. Nessas sequências, os pronomes
pessoais de terceira pessoa (eles, ele e ela) – que frequentemente exercem a função de retomar
um elemento do texto, ao introduzirem as personagens – já dão ao leitor alguma descrição
sobre elas, referente ao gênero e ao número delas. Lembre-se que o traço definidor do
pronome pessoal é a ―sua capacidade de identificar de forma pura a pessoa gramatical‖
(NEVES, 2011: 450). A exemplo do que ocorre nesses dois romances, em Alma também há
uma personagem (Mauro) introduzida pelo pronome pessoal (ele).
Quanto aos pronomes possessivos, observa-se o uso abundante deles em Senhora e em
O cortiço. Nos dois casos, os determinantes possessivos que compõem os sintagmas fazem
referência a uma 3ª pessoa, tanto quanto o núcleo substantivo, mas, no excerto do primeiro
romance, a 3ª pessoa representada pelo nome (núcleo do sintagma) é sempre uma entidade
114
abstrata (sua ascensão, sua companhia, seu capricho, dentre outros), enquanto no segundo
romance, em alguns sintagmas a 3ª pessoa representada pelo nome é uma pessoa (seu dono,
seu senhor seu homem), o que estabelece relações entre as personagens.
As ocorrências com os determinantes demonstrativos são pouco frequentes. Em
função anafórica de manter referentes, por exemplo, eles ocorrem duas vezes no excerto do
romance Senhora: primeiro ligado a D. Firmina (―mas essa parenta não passava de mãe de
encomenda‖) e, depois, ligado ao tutor (―mas essa entidade desconhecida a julgar pelo caráter
da pupila‖). Na função anafórica de sumarizar informações precedentes, eles ocorrem nos
romances Alma (―mas não: João do Carmo era um rapaz direito, incapaz dessas torpezas‖) e
O filho eterno (―e essa magreza semovente de uma alegria agressiva‖).
Observa-se ainda uma diferença entre o sintagma nominal indefinido que introduz o
tutor (um tutor), do romance Senhora, e o sintagma nominal indefinido que introduz o filho
(um filho), do romance O filho eterno. Ambos os sintagmas trazem à existência as
personagens, mas, no primeiro caso, o contexto em que o tutor é introduzido contribui para
manter a genericidade (―Constava também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade
desconhecida, a julgar pelo caráter da pupila não devia exercer maior influência em sua
vontade...‖), entendendo-se que a referência se faz a toda e qualquer pessoa que possa ser um
tutor. No segundo caso, por outro lado, pode-se verificar uma especificação para o núcleo
nominal ao qual o artigo indefinido se liga, e essa especificação se dá por uma associação
entre as indicações referenciais, que foram feitas: pelos sintagmas nominais um filho e a
mulher grávida; e pelo preenchimento ―zero‖ da casa referencial, que retoma a personagem
ele (o pai), na seguinte passagem: ―viu-se diante da mulher grávida quase como se só agora
entendesse a extensão do fato: um filho‖. Aqui é possível especificar o referente um filho
como o filho do casal que protagoniza a cena. Isso quer dizer que, embora neste último caso o
referente seja introduzido por um sintagma indefinido, o leitor, mesmo não tendo nenhuma
descrição da personagem, consegue obter a informação de quem são os pais do bebê, ou seja,
de que este bebê não é uma entidade qualquer no universo discursivo, mas é o filho do casal
protagonista.
Verifica-se um caso semelhante ao dessa personagem de O filho eterno, em O cortiço:
a personagem Bertoleza é introduzida pelo sintagma nominal indefinido uma quitandeira
(―A comida arranjava-lhe, mediante quatrocentos réis por dia, uma quitandeira sua vizinha,
a Bertoleza‖), mas perde a genericidade por conta do aposto sua vizinha, que vem na mesma
frase e a especifica como a vizinha de João Romão.
115
esposa não souber o que vou fazer lá. Tenho a profissão que uma fraqueza
me permitiu exercer, nada mais nada menos. É uma profissão.
Falava com a voz mais natural desse mundo mesmo com certo orgulho que
Sousa Costa percebeu sem compreender. Olhou pra ela admirado e, jurando
não falar nada à mulher, prometeu.
Elza viu ele abrir a porta da pensão. Pâam... Entrou de novo no quartinho
ainda agitado pela presença do estranho. Lhe deu, um olhar de confiança.
Tudo foi sossegando pouco a pouco. (2008: 19)
o quartinho
que o outro lhe estendia‖, e, em ― falava com a voz mais natural desse mundo‖), além da
repetição pronominal (em ―olhou pra ela admirado‖), também não traz nenhuma descrição. A
identificação plena surge apenas no último parágrafo (―Elza viu ele abrir a porta da pensão‖),
mas, mesmo assim, o leitor continua sem descrições referentes à personagem.
Na construção da cadeia referencial que se monta, a personagem masculina Souza
Costa é nomeada na introdução do referente, e no último parágrafo é retomada por
pronominalização. Com a personagem feminina Elza ocorre o contrário, ela é introduzida por
pronome e nomeada somente no último parágrafo, na manutenção do referente. Esse recurso
produz um efeito de sentido que envolve a personagem Elza em um clima de mistério, clima
este que acompanhará a personagem no desenrolar do romance.
Como se explicou na metodologia, que consta da parte final da introdução, embora
não se esteja analisando a referenciação presente nos diálogos, é preciso passar por eles para
montar a cadeia referencial, pois existem neles algumas descrições espaciais ou de pessoa,
que ajudam a compor a identificação do lugar e das personagens. No caso da locação, o leitor
consegue identificar, na fala de Elza, que a história se passa em São Paulo (―Estes fins de
inverno são perigosos em São Paulo‖). As informações relacionadas a Souza Costa
progridem na construção dos diálogos: primeiro se sabe que ele é casado (―E, senhor... sua
esposa? Está avisada?‖), e, depois, que ele tem filhos (―... Além do mais com três meninas
em casa‖).
Com relação a Elza, sabe-se, por sua fala, que ela tem 35 anos e uma profissão, não
especificada, que uma fraqueza lhe permitiu exercer, (―E tenho 35 anos, senhor. (...). Tenho a
profissão que uma fraqueza me permitiu exercer‖). Esta última informação permite ao leitor,
nesse início do romance, pressupor que ela exerce uma profissão que não é convencional.
Na verificação da cadeia referencial, observam-se alguns referentes que estão no
primeiro plano da narrativa, como as personagens principais, e outros, também de
significativo valor semântico e informativo, que estão apenas associados aos atores da história
e contribuem para que haja o avanço narrativo. Um exemplo dessa referência é o sintagma
referencial as luvas (―calçando as luvas Souza Costa largou por despedida‖). Quando a
personagem calça as luvas provavelmente irá sair, ação que mantém o dinamismo da cena.
Na época em que se passa o romance, costumava-se vestir luvas antes de sair, essa é uma
informação acessível no contexto de situação e no contexto de cultura da época (HALLIDAY,
1964; 1973; 1978; 1989; e HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004).
Na interpretação desse exercício de análise, pode-se dizer que identificar cada um dos
elementos que compõem a cadeia referencial do enunciado é identificar não só uma
119
frente. Dessas janelas, duas estão associadas à sala de visitas e a outra está associada ao
gabinete (―Tinha três janelas de peitoril na frente; duas pertenciam à sala de visitas; a
outra a um gabinete contíguo‖).
Na reconstrução descritiva da casa surge uma comparação referencial entre o lado
externo e o lado interno da habitação: um é tão pobre quanto o outro (―O aspecto da casa
revelava, bem como seu interior, a pobreza da habitação‖). Não se fala explicitamente em
lado externo da casa, ele é recuperado por inferência, a partir do cotexto (KOCH, 2011), em
anáfora indireta.
O elemento dessa comparação referencial é a expressão nominal a pobreza da
habitação, que está associada às duas expressões referenciais da comparação: o aspecto da
casa, que se subentende ser o lado externo, e seu interior, em que o pronome possessivo seu
retoma a casa. Esta, ao ser recategorizada como a habitação (parte do sintagma a pobreza da
habitação), traz uma informação nova: a de que, possivelmente, nessa casa havia
morador(es).
Em uma sequência descritiva, a disposição dos elementos que compõem o ambiente
surge como uma lista (SCHIFFRIN, 1994) de expressões referenciais cujas introduções
contribuem para compor o espaço descrito. Assim, associados à sala35 estão o sofá, seis
cadeiras, dois consolos de jacarandá e o papel de parede. Na teia referencial que se monta,
outros referentes se associam aos já introduzidos para configurar o cenário, tais como o
menor vestígio de verniz, que está associado aos consolos, e as expressões referenciais
alguns pontos e hábeis remendos, que estão associados ao papel da parede.
A expressão referencial a mesma aparência serve a uma comparação referencial entre
o gabinete e a sala: ―O gabinete oferecia a mesma aparência. O papel que fora
primitivamente azul tomara a cor de folha seca‖. Indica-se o estado de deterioração da casa,
que tanto em um ambiente (sala) como em outro (gabinete) tem o papel da parede desbotado.
Os elementos que compõem o gabinete surgem depois de este ser recategorizado pelo
sintagma nominal o aposento36. São eles: uma cômoda de cedro, um armário de vinhático,
35
―A mobília da sala consistia em sofá, seis cadeiras e dois consolos de jacarandá, que já não conservavam o
menor vestígio de verniz. O papel da parede de branco passara a amarelo e percebia-se que em alguns pontos já
havia sofrido hábeis remendos‖.
36
O gabinete oferecia a mesma aparência. O papel que fora primitivamente azul tomara a cor de folha seca. /
Havia no aposento uma cômoda de cedro que também servia de toucador, um armário de vinhático, uma
mesa de escrever, e finalmente a marquesa, de ferro, como o lavatório, e vestida de mosquiteiro verde.
122
uma mesa de escrever, a marquesa. Este último referente é comparado a outro referente que
compõe o espaço: o lavatório. Nessa comparação ambos recebem dois predicativos: são de
ferro e vestida de mosqueteiro verde.
O pronome demonstrativo isto sumariza (RONCARATI, 2010) a sequência em que
são descritos os objetos que compõem o gabinete. Esses objetos são duplamente comparados
aos móveis da sala: ―Tudo isto, se tinha o mesmo ar de velhice dos móveis da sala, era como
aqueles cuidadosamente limpo e espanejado, respirando o mais escrupuloso asseio‖. Na
primeira comparação, os móveis do gabinete são tão velhos quanto os da sala. Na segunda
comparação, todos os móveis são como aqueles (o demonstrativo retoma os móveis da sala),
que são cuidadosamente limpos e espanejado, respirando o mais escrupuloso asseio. As
comparações mostram que o aspecto geral dos cômodos e dos móveis que os compõem é
muito parecido, dando a impressão de ambientes velhos e monótonos, porém limpos.
A introdução dos sintagmas nominais uma teia de aranha na parede, sinal de poeira
nos trastes (trastes recategorizando móveis), uma nódoa sequer e as tábuas areadas
evidencia, por negação da sujeira e do abandono, essa ideia de limpeza atual: ―Não se via
uma teia de aranha na parede, nem sinal de poeira nos trastes. O soalho mostrava aqui e
ali fendas na madeira; mas uma nódoa sequer não manchava as tábuas areadas‖.
Outro aspecto da casa pode ser identificado com o uso dos dêiticos aqui e ali, que
espacializam a enunciação, dando a ideia de que, além de o espaço se caracterizar pelo que já
se descreveu, há fendas por diferentes partes do soalho: ―O soalho mostrava aqui e ali fendas
na madeira‖.
Na organização descritiva fica clara uma singularidade: embora a casa e os móveis
tenham aspectos de velhice, eles são absolutamente limpos, e, mais do que isso, essa limpeza
tem uma manutenção, pois se assim não fosse, o ar de limpeza não se manteria. Tome-se
como exemplo o soalho da casa – cujo tipo de piso é especificado pelas expressões
referenciais fendas na madeira e as tábuas areadas, que recategoriza madeira –, que,
embora tenha fendas, não tem uma nódoa sequer, pelo contrário ele é até areado, aspecto que
só poderia ser mantido se houvesse alguém para cuidar dele.
A expressão referencial outra singularidade traz outro contraponto: o contraste entre
a pobreza e os objetos pertencentes ao morador da casa (―Outra singularidade apresentava
essa parte da habitação: era o frisante contraste que faziam com a pobreza carrança dos dois
aposentos e certos objetos, aí colocados, e de uso do morador‖). Subentende-se que os
objetos ostentam alguma riqueza que os diferencia da pobreza local.
123
37
Por exemplo: uma casaca preta (a fazenda superior, corte elegante, esmero do trabalho, o chique da casa
Raunier); luvas de Jouvin (cor de palha); o traje de baile, que é retomado pelo pronome ele, também é uma
produção da casa Raunier, referida, nesta passagem, pela anáfora associativa daquela mesma tesoura; chapéu
claque (do melhor fabricante de Paris); par de botinas (do Campas); uma caixa de charutos (de Havana, da
marca mais estimada, regalia, que poucos podiam provar); e almofada de cetim azul (bordada a froco e ouro).
124
Além do contraste entre a riqueza dos objetos e a pobreza da casa, um dos objetos que
pertence ao morador, a almofada de cetim 38, é protagonista de outro contraponto: embora a
casa tenha aspecto e mobília que remetem à pobreza, alguns dos objetos, como a almofada,
ostentam uma riqueza que não há nem mesmo na sala mais suntuosa do Rio de Janeiro. Para
imprimir o valor desse objeto, a almofada, ao ser recategorizada, é elevada a uma obra de
tapeçaria, que recebe predicativos como delicada, mimosa e trabalhada por mãos
aristocráticas, o que eleva o seu valor e, por conseguinte, o ar de ostentação.
A introdução do sintagma nominal o Rio de Janeiro, que surge nesse contraponto,
traz uma informação que especifica ainda mais a localização da casa. No primeiro parágrafo
do excerto, o leitor tem a informação de que a casa fica na Rua do Hospício, próximo ao
campo, e, nesse ponto da descrição, tem conhecimento de que essa rua está localizada no Rio
de Janeiro.
Uma série de comparações e associações compõe o espaço desta descrição. Tanto na
localização espacial da casa como na composição interna dela, nota-se uma especificação de
elementos, sobretudo no interior da casa, no qual a descrição é cada vez mais particularizada:
parte-se do aspecto geral do ambiente para os objetos de composição (a mobília) e, depois,
especificam-se elementos associados a esses objetos, como, por exemplo, em ―assim, no
recosto de uma das velhas cadeiras de jacarandá via-se neste momento uma casaca
preta‖. O excesso de detalhes dá sentido de realismo para o espaço descrito, além de uma
proximidade maior do leitor com o ambiente.
38
―havia uma almofada de cetim azul bordada a froco e ouro. A mais suntuosa das salas do Rio de Janeiro
não se arreava por certo com uma obra de tapeçaria, nem mais delicada, nem mais mimosa do que essa,
trabalhada por mãos aristocráticas‖.
125
Na rede referencial que se cria para dar forma a esse ambiente externo, as expressões
referenciais moitas de verdura, os profundos vales, bosquetes matizados e um cinto de
montanhas verdes associam-se às colinas, enquanto as torrentes de águas puras e frescas
associam-se aos vales e uma infinidade de lindas flores silvestres associa-se aos bosquetes.
À medida que esses elementos se vão incorporando uns aos outros, eles vão dando vida ao
espaço descrito.
As qualificações atribuídas às colinas – que são bastantemente acidentadas, cobertas
de verdes pastagens, marchetadas de alguns capões verdes-escuros – constituem a paisagem
geral do país. O conhecimento de mundo do leitor (KOCH, 2011) contribui para a
compreensão dessa informação, pois lhe permite associar essa paisagem ao cerrado que é a
vegetação predominante no país em que se passa o romance, o Brasil.
A expressão referencial aquele solo santo retoma o espaço descrito anteriormente e,
ao mesmo tempo, traz uma informação nova: a de que aquele lugar que abriga um seminário,
uma igreja e uma bela paisagem é também uma terra santa. Essa informação é confirmada na
narrativa que vem no pretérito, entremeando a descrição que está no tempo presente:
―segundo a lenda, o Bom Jesus revelou por evidentes e repetidos milagres queria que ali se
erguessem seu templo e seus altares‖. O pronome adverbial ali funciona como uma marca
linguística que contribui para a indicação de que é naquele lugar (que estava sendo descrito)
que o Bom Jesus queria que fossem erguidos o seu templo e os seus altares.
Nessa narrativa, o sintagma referencial seu templo, dentro do qual o pronome
possessivo (seu) retoma o Bom Jesus, enquanto o núcleo (templo) recategoriza a igreja,
configura uma retomada referencial que eleva a igreja à categoria de templo. Com a nova
recategorização pela expressão referencial a capela (―Da frente da capela por uma extensa e
íngreme ladeira [...]‖), perde-se esse sentido, pois o templo é rebaixado à categoria de capela.
Associados à capela são introduzidos novos elementos que complementam o espaço próximo
à igreja, tais como: uma extensa e íngreme ladeira, uma rua extremamente irregular e
tortuosa, o pequeno rio Maranhão, uma ponte de madeira, um espaçoso largo e algumas
cúpulas ou pequenas rotundas de pedra.
A religiosidade que domina o local se concretiza com a introdução do sintagma
nominal os passos da paixão de Cristo, associado aos sintagmas referenciais cúpulas ou
pequenas rotundas de pedra (―algumas cúpulas ou pequenas rotundas de pedra, dentro
das quais se acham figurados os passos da paixão de Cristo em imagens de tamanho
natural‖), que expressa a importância da lenda do Bom Jesus para o espaço no qual o
seminário está situado.
127
39
A personagem foi introduzida na sequência narrativa em que se analisou o grau de identificação das
personagens. Verificar a 3ª análise do subitem 5.1.1.
128
4ª) O excerto a seguir, que integra a parte final do primeiro capítulo do romance O
cortiço, é um exemplo de sequência predominantemente narrativa, com um trecho descritivo
que é constituído por elementos que contribuem para construção do espaço.
Trata-se de uma sequência narrativa que introduz em primeiro plano (NEVES, 2007) a
descrição do ambiente em que se constitui a lavanderia do cortiço. Nessa sequência são
introduzidos alguns elementos que contribuem para composição do ambiente, e, além disso, a
localização espacial em que se constrói essa lavanderia vem indicada pelo pronome adverbial
lá (―Graças à abundância da água que lá havia‖), que faz referência à estalagem de São
Romão. Esse espaço surge na frase que inicia o excerto em análise (―Estalagem de São
Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras‖), frase esta, que consta da placa que foi
pendurada no cortiço para chamar novos moradores ou novas lavadeiras.
Logo no início da composição espacial surge uma comparação (―Graças à abundância
da água que lá havia, como em nenhuma outra parte‖) que eleva a lavanderia à categoria de
melhor do bairro, isso por conta da quantidade maior de água que ela oferece.
As expressões referenciais uma das casinhas, um quarto, um canto e um colchão
(expressão associada a um canto), que são retomadas pelo pronome los (―surgia uma nuvem
de pretendentes a disputá-los‖), estão associadas ao cortiço, indicando partes dessa
construção. Trata-se de uma ativação por processos cognitivos (RONCARATI, 2010), ou seja,
na progressão do texto o leitor pode associar ao cortiço as partes que o constituem. Essa
associação permite visualizar-se um espaço que parte do geral para o específico: o cortiço —
uma das casinhas um quarto um canto um colchão.
O pronome demonstrativo aquilo aponta para esse espaço que foi descrito no primeiro
parágrafo, retomando-o, enquanto a locução verbal composta pelo pretérito perfeito +
gerúndio (foi constituindo) expressa a transformação que ocorreu naquele lugar: a cada vaga
disponível no cortiço, aumentava o número de lavadeiras. Pressupõe-se que foi isso que
concorreu para o surgimento de uma grande lavanderia, que representa efetivamente uma
parte do cortiço (―E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e
barulhenta‖).
131
40
Essa sequência vem seguida de uma dissertação que será analisada no item 5.3.1.
41
Verificar a 5ª análise do subitem 5.1.1 (grau de identificação das personagens).
133
Elza viu ele abrir a porta da pensão. Pâam... Entrou de novo no quartinho
ainda agitado pela presença do estranho. Lhe deu um olhar de confiança.
Tudo foi sossegando pouco a pouco. Penca de livros sobre a escrivaninha,
um piano. O retrato de Wagner. O retrato de Bismarck. (p.19)
Como tem ocorrido nas sequências descritivas analisadas, também neste caso, uma
frase narrativa traz o pano de fundo para introduzir a descrição (NEVES, 2007). Nessa frase é
apresentado o objeto da descrição (um quarto de sobrado antigo), bem como sua localização
(a Avenida Tiradentes): ―o telegrafista morava sem ninguém, num quarto de sobrado
antigo, na Avenida Tiradentes‖. Embora não se faça uma identificação do quarto, a presença
do artigo definido antes do endereço especifica a localização em que ele se encontra.
Além disso, é introduzido um elemento que constitui instrumento para conduzir o
telegrafista42 do ambiente externo (a avenida) ao ambiente interno (o quarto): os degraus
(―para entrar, subia com degraus‖). Associam-se aos degraus e ao quarto dois elementos
referenciais, um cubículo e imensas malas etiquetadas de um vizinho, que contribuem para
compor o ambiente externo a ele: ―atravessava um cubículo que atulhavam imensas malas
etiquetadas de um vizinho‖.
O interior do quarto é caracterizado com a introdução das expressões referenciais a
cama estreita, a mesa, livros, cadeiras, uma só janela, o papel desbotado das paredes,
uma gravura destacada de livro e um velho retrato da mãe morta. O conjunto dos itens
descritos traz uma informação para o leitor: a de que se trata de uma moradia modesta.
Alguns desses elementos contribuem para configurar o espaço interno como pequeno
(a cama estreita e uma só janela) e antigo (papel desbotado das paredes). Embora o sobrado
seja antigo, informação que vem na primeira frase, o quarto poderia não ter o mesmo aspecto,
no entanto, o papel desbotado das paredes deixa claro que um aspecto não difere do outro.
A gravura do livro não é de um livro qualquer é de uma obra de Charles Baudelaire.
Trata-se de informação que implica o conhecimento de mundo, bem como o conhecimento do
contexto (HALLIDAY 1964; 1973; 1978; 1989; e HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004).
42
Personagem introduzida na primeira página do romance. Verificar a 6ª análise do subitem 5.1.1 (grau de
identificação das personagens).
135
Assim, o leitor identifica Baudelaire como um dos mais importantes autores da literatura
francesa, e, além disso, consegue relacioná-lo à influência cultural da França em relação ao
Brasil na época em que se passa o romance, década de 20. Nota-se que essa influência não era
apenas sobre os ricos, pois o telegrafista, pelo que se pode perceber de sua moradia, era uma
pessoa modesta, e, no entanto, cultuava o famoso autor.
Configura-se nessa descrição a localização espacial do sobrado, bem como a descrição
dos lados externo e interno. Esse tipo de descrição se aproxima da constituição da sequência
descritiva do romance Senhora, não propriamente no que diz respeito à estrutura, mas sim ao
de fato de ambas trazerem não só elementos que compõem o ambiente, como também a
localização desse ambiente.
7ª) Nesta passagem do romance O filho eterno, uma das personagens principais,
referida como ele43, e assim tratado no decorrer da história, e um amigo brasileiro vão parar
em um alojamento de operários na cidade de Frankfurt, Alemanha. Nesse alojamento, os
amigos conhecem, dentre outras pessoas que moram no local, um imigrante venezuelano.
Este, religioso fervoroso e que sempre conseguia trabalho para os dois amigos, convidou-os
para visitar a igreja que frequentava. É justamente a descrição dessa igreja, destacada entre
colchetes, que será analisada a seguir (o restante figura na transcrição para fornecer o
contexto).
O objeto da descrição, a Igreja (―teria ganho uma fortuna na loteria alemã e doara tudo
à Igreja‖) é introduzido no trecho narrativo que inicia o excerto. Nesse trecho narrativo, o
sintagma nominal a Igreja é retomado pelo sintagma a tal igreja milagrosa, que é parte
integrante do sintagma indefinido um dos cultos da tal igreja milagrosa. Trata-se de uma
retomada que traz três características:
1º - A generalização conferida pelo artigo indefinido (NEVES, 2011) é restringida
pelo adjunto adnominal que compõe o sintagma; ou seja, pode tratar-se de qualquer um dos
cultos que ocorrem na igreja, mas será necessariamente um culto daquela igreja: a tal igreja
milagrosa.
2º - O elemento tal funciona como um dêitico, apontando para a Igreja que foi
referida no início do excerto (―teria ganho uma fortuna na loteria alemã e doara tudo à
Igreja‖).
3º - A qualificação milagrosa atribuída à igreja frequentada pelo venezuelano a
diferencia das outras igrejas, pois essa é uma igreja que promove milagres.
Os elementos que compõem o espaço – um mezanino ao fundo, um espaço protegido a
vidro para mães com bebês chorões, a secura protestante, o falso gótico das janelas e o cheiro
de tinta fresca – estão associados, ao mesmo tempo, à riqueza, aos detalhes e ao templo (este
último configura uma recategorização de a igreja), e, além disso, esses elementos estão
indiretamente associados ao culto (MARCUSCHI, 2001; KOCH, 2011) que ocorre nesse
ambiente.
Nessa descrição, além dos elementos que compõem o espaço, são introduzidas, por
sintagma nominal indefinido, dois referentes que não fazem parte do cenário: um órgão e um
coro de crianças (―havia não um órgão ou um coro de crianças‖). A introdução desses
referentes confere outra diferença à igreja: além de ser milagrosa, ela não é constituída por
elementos que normalmente existem em outras igrejas, tais como o órgão e o coro de crianças.
Por outro lado, um dos elementos associados ao ambiente da igreja, uma fala em
alemão, mais especificamente a entonação dessa fala, remete a personagem (ele) a outro
contexto (Santa Catarina): ―e uma fala em alemão com uma entonação que lhe lembrava os
padres da infância em Santa Catarina‖. O referente textual introduzido pelo sintagma
137
nominal os padres da infância revela que, no ambiente em que a personagem vivia quando
era criança, havia igreja e padres. A lembrança desse lugar revela ainda que, provavelmente,
ele frequentava o local.
Nessa sequência descritiva, o leitor pode, por meio dos elementos associados ao
espaço, ir a outro contexto, e, da mesma maneira voltar ao cenário da igreja alemã. O que
mostra o retorno ao ambiente da igreja é a introdução do sintagma nominal as caras e a
qualificação atribuída a elas: Alfa mais. Assim, o leitor viaja de um espaço a outro,
reconstruindo cada um deles a partir dos elementos referenciais que foram introduzidos no
texto.
Do que se observou nas sequências descritivas, pode-se dizer que elas são compostas
muito mais por referentes de menção única, associados a outro(s) elemento(s) (que
contribuem ora para a construção do espaço das cenas, ora para constituição de elementos que
compõem esse espaço), do que por referentes que, introduzidos, são recuperados no texto.
Quando ocorre a retomada, na maioria das vezes é por recategorização. As sequências dos
romances Senhora, O seminarista e A carne são exemplos de textos cuja proporção de
referentes introduzidos e mantidos no texto é bem pequena se comparada aos referentes de
menção única.
Pode-se pensar que isso ocorra pela grande quantidade de detalhes, ligados aos
espaços descritos nessas obras, ou pelo fato de essas sequências serem mais extensas que
outras analisadas. No entanto, em sequências menores como as dos romances O cortiço,
Amar, verbo intransitivo, Alma, O filho eterno e Vozes do deserto também é relevante o
número de casos de introdução de elementos que não são retomados – embora em proporção
140
menor, dada a extensão dos excertos –, mas que contribuem sobremaneira para a construção
dos espaços.
Aliás, nos romances modernos e contemporâneos, verificou-se uma constituição
descritiva diferente da que se observou nos romances românticos e realistas, em primeiro
lugar pelo fato de não haver nessas sequências um grande número de elementos que são
introduzidos na composição do ambiente. Seguindo-se Marcuschi (2001), pode-se entender
que, a composição dos espaços se dá muito mais por estímulos cognitivos do leitor do que por
elementos evidentes no texto. Em Amar, verbo intransitivo, por exemplo, a primeira frase do
terceiro capítulo – com apenas alguns elementos descritivos do atual quarto de Elza – remete
o leitor a um trecho do final do primeiro capítulo – com alguns elementos descritivos
referente ao antigo quarto da personagem –, permitindo a ele criar mentalmente o ambiente
anterior e o ambiente atual.
Seguindo essa linha estrutural, em O filho eterno, assim como em Vozes do deserto, o
número de elementos fóricos que constituem os espaços é mínimo, mas são elementos
suficientes para que se construa cognitivamente não só o espaço descrito como também outros
ambientes relacionados ao espaço descrito, ou até mesmo algumas personagens que
componham esses ambientes. Exemplos disso podem ser observados em duas passagens. Na
primeira obra, veja-se o trecho: ―num mezanino ao fundo, havia não um órgão ou um coro de
crianças, mas um espaço protegido a vidro para mães com bebês chorões‖, em que se pode
criar tanto o espaço que não tem um órgão e um coro de crianças, quanto aquele que os tem.
Na segunda obra, veja-se o trecho: ―a tenda familiar refletia pobreza, ao contrário daquelas
das tribos ricas, de coxins esplêndidos, cujas bolas douradas, espalhadas em torno,
simbolizavam autoridade e poder do chefe‖, em que, mesmo sem um número grande de
elementos que ajudem a compor a tenda familiar, pode-se não só criar os espaços referentes a
ela e às tribos ricas, como também incluir nesse último ambiente uma personagem, o chefe.
Embora não se tenha feito a quantificação dos elementos fóricos usados no
estabelecimento da cadeia referencial das sequências descritivas, pôde-se notar uma
predominância dos sintagmas nominais, enquanto a referenciação pronominal e a
referenciação zero ocorrem com menor frequência. Com relação aos pronomes, observou-se
ainda que: o número dos pessoais é inexpressivo, enquanto os demonstrativos, os possessivos
e os pronomes adverbiais aparecem com maior frequência. Isso talvez se deva ao fato de que
o que está em análise é a composição dos espaços que compõem as cenas.
Assim como nas sequências narrativas, as qualificações que são atribuídas aos objetos
que compõem os espaços ou que são atribuídas aos próprios espaços, embora não sejam
141
Esta análise está fixada em excertos dissertativos que tenham no mínimo cinco linhas.
Nesses trechos serão verificados os elementos fóricos usados na construção do ponto de vista
do falante/autor.
Quando Seixas convenceu-se que não podia casar com Aurélia, revoltou-se
contra si próprio. Não se perdoava a imprudência de apaixonar-se por uma
moça pobre e quase órfã, imprudência a que pusera remate o pedido do
casamento. O rompimento deste enlace irrefletido era para ele uma cousa
irremediável, fatal; mas o seu procedimento o indignava.
[Havia nessa contradição da consciência de Seixas com a sua vontade uma
anomalia psicológica, da qual não são raros os exemplos na sociedade atual.
O falseamento de certos princípios da moral, dissimulado pela educação e
conveniências sociais, vai criando esses aleijões de homens de bem.
Quem não conhece o livro em que Otávio Feuillet glorificou sob o título de
honra, as últimas hesitações de uma alma profundamente corrompida?
Seixas estava muito longe de ser um Camors; mas já nele começava o
embotamento do senso moral, que o influxo de uma civilização adiantada, e
no seio de uma sociedade corroída como a de Paris, acaba por abortar
aqueles monstros.
143
Quando Seixas é recategorizado como o leão fluminense, são atribuídas a ele as ações
de ―mentir a uma senhora‖, ―insinuar-lhe uma esperança de casamento‖, ―trair um amigo‖ e
―seduzir-lhe a mulher‖, ações que são resumidas na qualificação passes de um jogo social.
Essa qualificação – permitida ―pelo código da vida elegante‖ – mostra que essas ações são
comuns em uma determinada camada da sociedade daquela época, uma camada de pessoas
que viviam condicionadas aos códigos sociais.
A disposição dos elementos referenciais contribui para que o leitor possa construir a
personalidade de Seixas, implicando, inclusive, juízo de valor. Nesse sentido, o
estabelecimento de uma relação dele com uma personagem (Camors) de outra obra constitui
uma comparação que acrescenta traços descritivos à personalidade de Seixas.
O ponto de vista que se constrói nessa sequência institui como tema o amor, referente
textual introduzido por sintagma nominal definido: ―O amor é filho da necessidade tirânica‖.
O sentido da primeira qualificação atribuída ao amor, filho da necessidade tirânica,
desdobra-se no decorrer do excerto, a começar pelo uso de expressões referenciais associadas
a essa qualificação, que são a dívida do antepassado e a fórmula bramática, cujos
significados estão diretamente relacionados à necessidade tirânica.
O amor abstrato (o sentimento), tal como foi introduzido no início do excerto, é
retomado, por metalinguagem, em a palavra amor, e neste caso, também recebe uma
qualificação (―a palavra amor é um eufemismo para abrandar um pouco a verdade ferina
da palavra cio‖), na qual o amor é comparado ao cio. Essa comparação fica ainda mais
147
evidente na coordenação que está em: ―Fisiologicamente, verdadeiramente, amor e cio vêm a
ser uma coisa só‖.
A localização do que seria o início primordial do amor pode ser observada no referente
expresso pelo sintagma a afinidade eletiva de duas células diferentes, também referidas
como duas células diferentemente eletrizadas: ―O início primordial do amor está, como dizem
os biólogos, na afinidade eletiva de duas células diferentes, ou melhor, de duas células
diferentemente eletrizadas‖.
O que transforma essa afinidade primitiva, expressão referencial que sumariza as
informações precedentes (que vão desde o início primordial do amor até duas células
diferentemente eletrizadas) em uma batalha de nervos é a complexidade assombrosa do
organismo humano: ―A complexidade assombrosa do organismo humano converte essa
afinidade primitiva (...) em uma batalha de nervos‖.
As expressões a cólera de Aquiles, os desmandos de Messalina e os êxtases de
Santa Teresa, associadas à expressão uma batalha de nervos, contribuem para que se
compreenda qual é o resultado quando essa batalha é contrariada (―uma batalha de nervos
que, contrariada ou mal dirigida, produz a cólera de Aquiles, os desmandos de Messalina, os
êxtases de Santa Teresa‖). Para compreender a associação dessas personagens com o ato
amoroso, o leitor precisa do conhecimento de mundo no qual irá buscar informações
relacionadas a cada uma delas.
A ideia apresentada inicialmente de que o amor é filho da necessidade tirânica é
reafirmada em ―não há recalcitrar contra o amor, força é ceder‖, pois com ela (a necessidade
tirânica), assim como com o amor, não há como recalcitrar, acaba-se por ceder. Além disso,
em ―à natureza não se resiste e o amor é natureza‖ mantém-se a mesma semântica.
O que parece ser uma mudança de tópico, com a introdução do referente textual os
antigos, na verdade, fecha o ciclo expositivo sobre o amor: ―Os antigos tiveram uma intuição
clara da verdade quando simbolizaram em uma deusa formosíssima e implacavelmente
vingativa, na Vênus Afrodite, o laço que prende os seres, a alma que lhes dá vida.‖. Nessa
frase, a expressão uma intuição clara da verdade faz referência a tudo que se disse
anteriormente sobre amor. Depois de ter sido muitas vezes referido pelo mesmo sintagma, o
amor, é recategorizado no final do texto pelos sintagmas o laço e a alma, ambos associados à
expressão uma deusa formosíssima e implacavelmente vingativa. Essa personagem,
introduzida por sintagma indefinido, é especificada, por uma informação apositiva, como a
Vênus Afrodite. Mais uma vez o conhecimento de mundo faz saber que se trata da deusa do
amor: o amor ―que prende os seres‖ e ―que lhes dá vida‖.
148
De tudo isso é possível depreender-se que o ato amoroso (ou sexual) que, a princípio,
deveria consumar-se com o intuito de procriar (gerar uma criança), ocorre muito mais com o
intuito de satisfazer os instintos do organismo humano (o prazer carnal).
4ª) O excerto dissertativo que vem a seguir é parte do capítulo VII do romance O
cortiço. Alguns dos moradores do cortiço fazem uma roda para cantar e dançar, dentre as
pessoas que participam dessa roda está a amante de Firmo, Rita Baiana, mulata que dançava e
requebrava como ninguém. Enquanto ela dançava, Jerônimo a observava encantado.
e associado à expressão matas brasileiras reafirma que as impressões causadas por ela são as
mesmas do lugar onde ela vive: ―era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o
atordoara nas matas brasileiras‖.
Impressões antitéticas continuam compondo a síntese das impressões: o veneno versus
o açúcar (―era o veneno e era o açúcar gostoso) e doce do mel versus o ardido do fogo (―era
o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite
de fogo‖).
Essa complexidade se revela também na gradação descendente: a cobra verde e
traiçoeira > a lagarta viscosa > a muriçoca doida. As ações da menos inofensiva, a
muriçoca, são as que causam as maiores reações em Jerônimo (que é retomado por
pronominalização), tais como: esvoaçar (―que esvoaçava havia muito tempo em torno do
corpo dele‖), assanhar (―assanhando-lhe os desejos‖), acordar (―acordando-lhe as fibras
embambecidas pela saudade da terra‖), picar (―picando-lhe as artérias‖) e cuspir (―para lhe
cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música
feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da
Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca‖). A relação metafórica
configurada em muriçoca doida permite compreender o quanto as impressões causadas por
Rita atingiam Jerônimo.
À medida que as qualificações são introduzidas no texto, elas contribuem para manter
não só a mulata, como também as impressões causadas por ela, no foco da consciência do
leitor, corroborando a evolução do sentido (RONCARATI, 2010).
Em resumo, essas qualificações que se configuram ora em antíteses, ora em gradações
ascendentes e ora em gradações descendentes, revelam toda a complexidade que está não só
na mulata, mas também no país. A mulata (Rita Baiana) sintetiza metaforicamente o que
muitos lugares ou muitas pessoas brasileiras sintetizam: uma mistura de aspectos e
impressões. Essa mistura indefinível resulta em o grande mistério, sintagma nominal
definido, que ocorre no início do excerto e é revelado a cada qualificação.
5ª) Analisa-se a seguir uma sequência do romance Amar, verbo intransitivo, que já
teve seu início analisado quanto à descrição. Como se trata de uma sequência híbrida, nesta
análise será estudado o trecho dissertativo, que esta entre colchetes.
150
Essa sequência dissertativa vem introduzida por uma frase em que se mesclam
narração (no presente) e descrição. Ela inicia pela localização do espaço (Higienópolis) com o
qual estão associados elementos que serão tratados na dissertação, dentre eles, os bondes: ―em
Higienópolis os bondes passam com bulha quase grave soberbosa, macaqueando o bem-
estar dos autos particulares‖.
Os bondes têm o som comparado ao som dos automóveis particulares: ambos passam
belo bairro quase que sem ser percebidos. Nessa comparação, que é feita por meio do verbo
macaquear, resgata-se um diferencial nos bondes da região de Higienópolis, pois os bondes,
na maioria das vezes, são barulhentos, mas isso não acontece com os bondes que passam por
lá. Além disso, o fato de o som dos bondes imitar o som dos autos particulares é ironizado na
qualificação o mimetismo das coisas ditas inanimadas (―é o mimetismo arisco e irônico das
coisas ditas inanimadas‖), uma vez que tanto os bondes quanto os autos se incluem entre as
coisas inanimadas.
O cotejo dos bondes com os autos particulares fica também evidente na qualificação
que vem na frase ―são bondes que nem badalam‖, do que se depreende, que se não fosse pela
―bulha quase grave soberbosa‖ (que é referida no adjunto adverbial que vem em: ―Em
Higienópolis os bondes passam com bulha quase grave soberbosa‖), eles seriam quase
imperceptíveis.
Além da comparação entre os bondes e os autos, há outra comparação na qual os
bondes (retomados por referenciação textual zero) são comparados ao rico-de-repente: ―
procedem como o rico-de-repente‖. Essa comparação faz uma alusão irônica às pessoas que
enriqueceram, na época em que se passa o romance (HALLIDAY, 1964; 1973; 1978; 1989; e
HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004), com o crescimento da produção cafeeira e com a
industrialização.
151
44
Verificar a 6ª análise do item 5.1.1, na qual ambas as personagens foram introduzidas.
152
que a eles pertenciam mantinham as aparências em meio à sociedade, e por trás dela
revelavam sua verdadeira personalidade.
A construção desse ponto de vista, que ironiza as relações burguesas da sociedade
brasileira do século XX, nasce e progride na integração entre os trechos narrativos, descritivos
e dissertativos que compõem a sequência. Essa mescla de tipos textuais contribui para dar
ritmo e sentido ao enunciado, na medida em que um serve de suporte para que o outro
apareça, e vice-versa.
7ª) No romance O filho eterno, a personagem principal (ele) tem um filho com
síndrome de Down (Felipe). Desde o nascimento da criança, o pai encontra dificuldades em
explicar aos outros o ―problema‖ do filho. É sobre isso que trata a sequência dissertativa
analisada a seguir.
A normalidade. O que dizer aos outros, quando encontra com eles? Sim,
nasceu meu filho. Sim, está tudo bem. Quer dizer, ele é mongoloide. Não –
essa palavra é pesada demais. E em 1980 ninguém sabia o que era ―síndrome
de Down‖. A maneira delicada de dizer é: Sim, um pequeno problema. Ele
tem mongolismo. Mas isso exige uma rede de explicações subsequentes – e
as pessoas nunca sabem o que dizer ou fazer diante daquela coisa esquisita.
(2010: 42)
A sequência se inicia com uma narração que tem a função de introduzir o tema
argumentativo (TRAVAGLIA, 1991). Nela é possível reconhecer que há uma personagem,
mencionada por referenciação textual zero (―O que dizer aos outros, quando encontra com
eles?‖), que vive o conflito de falar para os outros sobre o filho doente (referido pelo pronome
ele): ―Sim, nasceu meu filho. Sim, está tudo bem. Quer dizer, ele é mongoloide‖. Justifica-se
essa dificuldade pelo fato de o filho ser mongoloide.
A conjunção e adiciona ao peso da palavra mongoloide, o fato de naquela época,
ninguém saber o que era a síndrome de Down: ―não – essa palavra é pesada demais. E em
1980 ninguém sabia o que era síndrome de Down‖. Trata-se de uma informação relacionada
ao contexto da época (HALLIDAY, 1964; 1973; 1978; 1989; e HALLIDAY;
MATTHIESSEN, 2004) que dá sentido para a aflição do pai, pois, além de não ―aceitar‖ a
doença do filho, ele sabe que para os outros também seria difícil ―aceitá-la‖ ou ―compreendê-
la‖, isso porque a maioria das pessoas que viviam na década de 80 não tinham clareza sobre o
assunto.
154
Nessa sequência, assim como ocorreu com a sequência do romance Alma, há uma
dissertação a serviço da narração.
O objeto desse excerto dissertativo configura-se no sintagma nominal os véus, que se
refere a um acessório cujo uso é imposto não só às filhas do Vizir, ―como a qualquer
mulçumana‖: ―Como qualquer muçulmana, as filhas do Vizir não fogem à imposição dos
véus‖. A expressão referencial as filhas do Vizir retoma as personagens Scherezade e
Dinazarda45, referidas também pelo sintagma as irmãs: ―Transparentes e delicados, os véus,
para as irmãs, integraram-se imediatamente à esfera da imaginação‖.
Duas qualificações atribuídas à expressão os véus (transparentes e delicados) são
responsáveis por ativar a imaginação das irmãs. Por outro lado, a outra qualificação
(persuasivos por natureza) em conjunto com as ações (guardar e exibir) que também são
atribuídas a eles são responsáveis por despertar a imaginação dos homens: ―Persuasivos por
natureza, eles guardavam e exibiam o que estivesse sob o foco da atenção masculina‖.
Nesse trecho, o demonstrativo invariável o (= aquilo) faz referência a parte(s) do corpo
feminino, que eventualmente poderia(m) estar ou não à mostra. O sintagma o foco da atenção
masculina contribui para que se chegue a essa referência, uma vez que o corpo feminino
normalmente prende a atenção masculina.
Em ―enquanto cumpriam esta função, preservavam as incertezas dos sentimentos
femininos‖, o determinante esta, presente no sintagma esta função, aponta para a situação
discursiva, em referência às ações presentes nos verbos guardar e exibir, enquanto a ação do
verbo preservar liga-se a outra função dos véus: a de encobrir as emoções das irmãs, ou ―as
incertezas dos sentimentos femininos‖. Esta última expressão, qualificada pelo predicativo o
inesperado desequilíbrio da razão, remete ao trecho: ―os momentos em que a alma, tentada
pela melancolia, não se contém‖, que a explica cataforicamente: ―E, enquanto cumpriam esta
função, preservavam as incertezas dos sentimentos femininos, o inesperado desequilíbrio
da razão, os momentos em que a alma, tentada pela melancolia, não se contém‖.
No início da sequência em análise, o referente os véus introduz um objeto cujo uso é
imposto às mulçumanas, mas, ao contrário do que se espera daquilo que funciona como uma
obrigatoriedade, os primeiros efeitos que se mostram não são negativos, uma vez que seu uso
remete à sensualidade, aguçando a imaginação feminina e a masculina.
O efeito negativo começa a se concretizar no sintagma o resguardo deles (que vem
em aposto), em que deles, composição de + pronome pessoal eles, expressa uma relação
45
Verificar a 8ª análise do item 5.1.1.
156
possessiva na qual o pronome retoma os véus (―Mas, ao mesmo tempo que estes véus
escondiam, permitiam igualmente que qualquer das irmãs, ao resguardo deles, se refugiasse‖),
objeto de discurso referido também, no início da frase por estes véus. Assim, além de
produzir o efeito positivo de sensualidade, esses objetos serviam como uma espécie de refugio
ou de proteção para qualquer uma das irmãs. Essa proteção, no entanto, impedia que elas
vivessem na prática um relacionamento amoroso, deixando esse tipo de emoção fluir nos
pensamentos (―se refugiasse, mesmo em pensamento, na gruta do pecado, a fim de regozijar-
se com prazeres sigilosos. Na caverna onde o desejo brilha e umedece os sonhos‖). Veja-se
que até o local para onde elas ―viajavam em pensamento‖ para viver prazeres sigilosos remete
a um lugar afastado, um esconderijo onde provavelmente ninguém estaria presente: a gruta
do pecado, expressão retomada pelo sintagma a caverna, que mantém a ideia de esconderijo.
Nesse lugar secreto, elas podiam viver intensamente os prazeres do amor. Isso fica
expresso com a introdução dos referentes o desejo e os sonhos (―onde o desejo brilha e
umedece os sonhos‖), ou seja, nesse esconderijo secreto, as irmãs conseguem libertar-se a
ponto de realizar os desejos mais íntimos.
Compreende-se, por uma associação indireta, ancorada na informação anterior
(MARCUSCHI, 2001) de que o uso dos véus é imposto a qualquer mulçumana, que os efeitos
positivos e negativos, causados por eles nas filhas do Vizir, possivelmente também atingem,
se não todas, quase que a totalidade das mulheres mulçumanas, que devem viver, assim como
as duas irmãs do romance, com a imaginação à flor da pele.
Nota-se que, nas sequências dissertativas analisadas, assim como nas sequências
narrativas e descritivas, também há uma predominância no uso dos sintagmas nominais.
Neste caso, a razão pode estar no fato de que o autor, na maioria das vezes, coloca seu
ponto de vista a respeito de uma dada situação (TRAVAGLIA, 1991). O sintagma
nominal, por trazer em seu núcleo um substantivo comum, é o elemento fórico que mais
contribui para expressar a opinião do enunciador.
Tomem-se, como exemplo disso, a recategoricação da personagem Seixas, do
romance Senhora, pelo sintagma nominal o leão fluminense, ou a comparação
estabelecida entre os referentes os bondes e os autos particulares, em Amar, verbo
intransitivo, ou ainda a retomada do sintagma os educandos pela expressão referencial
157
naquelas almas tenras, na obra de Guimarães, bem como neste trecho de Vozes do
deserto: ―Como qualquer muçulmana, as filhas do Vizir não fogem à imposição dos véus‖.
Esses são alguns exemplos que ilustram a importância do uso dos sintagmas nominais,
seja para introduzir seja para retomar um elemento do texto, pois, à medida que eles
surgem na cadeia referencial, vão-se configurando (descritivamente) elementos
participantes das explicitações da dissertação.
Embora nesta análise, assim como na das descritivas, também não se tenha feito a
quantificação dos elementos fóricos usados na introdução e manutenção dos referentes
textuais, não se pôde deixar de verificar que, em geral, os pronomes pessoais se
sobressaem numericamente aos possessivos e aos demonstrativos, que quase não usados,
sendo exceção a sequência do romance O seminarista na qual não se observou nenhuma
ocorrência de pronome pessoal.
Ainda com relação a esse elemento fórico (pronome), observou-se desde uma
sequência com ocorrência de apenas um pronome de terceira pessoa nas casas referenciais
(o demonstrativo isso), caso de Amar, verbo intransitivo (―Neto de Borbas me secunda
desdenhoso que badalo e mãos ásperas nem por isso deixam de existir, ora!‖), até uma
sequência com número comparativamente elevado de pronomes pessoais, caso do romance
O cortiço. Isso provavelmente ocorra porque, nesta sequência, o objeto da dissertação é o
efeito que o mistério da mulata Rita Baiana causa em Jerônimo. Curiosamente, algumas
referências feitas a Jerônimo por meio do pronome pessoal lhe expressam uma relação de
posse, como neste trecho: ―a muriçoca doida, que esvoaçava [...] assanhando-lhe os
desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as
artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional‖.
Quanto aos outros elementos fóricos, verifica-se que, no excerto do romance
Senhora, o determinante demonstrativo aparece duas vezes, primeiro em ―Havia nessa
contradição da consciência de Seixas com a sua vontade uma anomalia psicológica‖
sumarizando as informações anteriores sobre a contradição da personagem, e, depois, em
―vai criando esses aleijões de homens de bem‖, retomando os homens que possuem esse
tipo de contradição, dentre eles, Seixas. No romance O filho eterno, o demonstrativo
ocorre em referência anafórica a uma qualificação: mongoloide (―quer dizer, ele é
mongoloide. Não – essa palavra é pesada demais‖).
Nas sequências dissertativas, assim como se observou nos tipos narrativo e
descritivo em geral, há um elemento não referencial importante para a composição do
texto: as qualificações. Elas foram observadas em número menor nos romances, Amar,
158
verbo intransitivo, Alma, O filho eterno e Vozes do deserto, enquanto nos romances O
seminarista, A carne e O cortiço, o número de qualificações é considerável, sobretudo nos
dois últimos.
Além do número menor de qualificações, nos romances modernos e
contemporâneos, sobretudo em Alma e Vozes do deserto, as sequências dissertativas mais
extensas são raras, o que há (como se viu nos excertos aqui analisados, por exemplo) é
uma dissertação que normalmente vem a serviço de outro tipo textual. Essa mescla de
tipos contribui para construção de pontos de vista, na dissertação.
Esses pontos de vista, na maioria das sequências dissertativas analisadas, resultam
de uma mistura entre exposição, ironia, critica. Em alguns casos sobressai um desses
aspectos, por exemplo, a sequência de Amar, verbo intransitivo é mais crítica, enquanto a
sequência de O cortiço é mais expositiva.
No processo de interação verbal que se estabelece entre o autor e o leitor, o
primeiro parece construir o texto com a intenção de despertar uma reação imediata no
segundo. Percebe-se que, independentemente de essa reação ser favorável ou contrária a
opinião do autor, possivelmente ela provocará uma reflexão sobre o assunto apresentado.
Em todas as sequências, justamente por elas tratarem assuntos diversos, o
conhecimento do contexto de cultura e do contexto de situação (HALLIDAY, 1964; 1973;
1978; 1989; e HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2004) é particularmente relevante para que
o leitor possa construir o sentido do texto.
Há também casos de obras escritas no século XXI, que contam histórias que se
passaram há séculos atrás, ou de obras contemporâneas que têm em seu enredo
personagens, ações e lugares que fazem parte de outra civilização, como ocorre em Vozes
do deserto, ou de obras em que o protagonista passa por diferentes lugares no decorrer da
história, como ocorre em O filho eterno.
Também na avaliação desses casos, há grande espaço para a consideração de
termos cognitivistas sobre o enunciado e a enunciação. Lembre-se a indicação de Van
Dijk (1999: 74), registrada na seção 1.4 deste trabalho, para quem uma teoria cognitiva do
uso da língua constitui um componente fundamental de uma teoria integrada da interação
comunicativa.
Pelo exposto, conclui-se, seguindo os postulados da linguística textual, que para
compreender o sentido do texto é preciso ir além de uma observação que considere apenas
as palavras e as frases, é preciso, retomando Marcuschi (1983), observar o enunciado
como um ato de comunicação unificado num complexo universo de ações humanas.
162
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
medida em que fornece elementos que ajudam na especificação das personagens, dos espaços
ou dos objetos. Isso permite que o referente esteja sempre no foco do leitor.
Embora não se tenha estabelecido como propósito principal apontar diferenças entre as
escolas literárias, ou diferenças temporais, não se pôde deixar de observar diferentes
orientações na organização e na estrutura das sequências analisadas nas quatro fases literárias
estabelecidas para este exame: até o Realismo, elas seguem um padrão semelhante, que já não
é observado a partir do Modernismo.
Nas sequências narrativas românticas e realistas, todas as personagens são
introduzidas ou por nome próprio ou sintagma nominal, o que representa a organização
canônica da cadeia referencial. Além disso, nessas sequências há um número maior de
informações relacionadas às personagens, ainda que essas informações sejam expressas por
qualificações. Nas narrativas modernas e contemporâneas, embora haja qualificações, o
número de informações é menor, e, além disso, nas obras dos Andrades e de Tezza, algumas
personagens são introduzidas por pronome, o que foge dos padrões endofóricos sempre
evocados. O fato de nessas últimas obras não haver um número grande de informações, por
conta da redução no uso do sintagma nominal, não afeta a coesão textual, ao contrário, além
de mantê-la, desperta um elemento novo: a curiosidade do leitor, que naturalmente tem
interesse em descobrir algo mais sobre as personagens.
Nas sequências descritivas que pertencem ao Romantismo e ao Realismo, nota-se uma
grande quantidade de detalhes na descrição do ambiente. Independentemente de a descrição
do espaço partir do geral para o específico ou vice-versa, fica à disposição do leitor quase que
a completude dos elementos que compõem o ambiente. O mesmo não ocorre nas sequências
descritivas observadas a partir do Modernismo (Amar, verbo intransitivo, Alma, O filho
eterno e Vozes do deserto). Para compor os espaços descritos nessas sequências, percebe-se
maior complexidade de acionamentos das estruturas cognitivas.
Nas sequências dissertativas, o que se observou foi o uso expressivo de qualificações
na criação dos pontos de vista dos autores românticos e realistas. Nas sequências modernas e
contemporâneas, embora também se usem predicativos, os elementos usados para configurar a
opinião do autor ocorrem mais pela própria via referencial do que por algum apoio à
referenciação textual. Além disso, a sequência dissertativa moderna e contemporânea, que
vem mesclada a outros tipos textuais, configura-se em uma extensão menor do que nas
sequências que ocorrem no Romantismo e no Realismo. Nesse caso, a compreensão da ideia
central do enunciado, aparentemente exige um esforço sociocognitivo maior.
164
Por tudo isso, pôde-se verificar que, como postula Toole (1996), não é o gênero que
condiciona a escolha dos elementos fóricos que compõem a cadeia referencial de uma
sequência textual, pois, se assim fosse, não ocorreria, por exemplo, o que se verificou nas
sequências narrativas, em que objetos de discurso são introduzidos no texto não apenas por
sintagma nominal ou nome próprio (Romantismo e Realismo), mas também por pronome
pessoal (Modernismo e Contemporaneidade).
Por outro lado, pode-se compreender que as sequências textuais que compõem o
gênero romance condicionam o maior uso de um elemento fórico do que de outro, pois, nos
três tipos analisados (narrativo, descritivo e dissertativo), em geral, há predomínio de
sintagma nominal. Quando observadas separadamente, as narrativas apresentam, além dos
sintagmas nominais, um número considerável de pronome e de zero na cadeia referencial,
enquanto as sequências descritivas e dissertativas têm esses dois últimos elementos fóricos
com número reduzido, em relação às primeiras. Restringindo-se a verificação, nos dois
últimos tipos textuais, ao uso dos pronomes, o que se observou foi que as dissertativas
apresentam um número maior de ocorrências do pronome pessoal em relação às descritivas,
nas quais predominam os pronomes demonstrativos.
Seja qual for o tipo textual, nele há elementos que constituem uma cadeia referencial,
pela qual entram na constituição da coesão e de todo o sentido do texto. O uso de um ou outro
elemento fórico é uma escolha do falante/autor, a partir de suas necessidades comunicativas,
condicionada pelos fatores linguísticos e extralinguísticos do contexto no qual o autor escreve
sua obra, fatores que influenciam direta ou indiretamente suas produções. Aqui cabe bem o
que postula Leite (1999: 29): é por meio da própria língua ―que o homem busca, sob pontos
de vistas e usos diferentes, defender as próprias tradições da língua, entendendo sempre que
há um modo melhor de expressão, mais próprio...‖, ou seja, os textos são produtos da
atividade de linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais (Bronckart,
2003). Diferentes usos da linguagem puderam ser observados, em certa medida, nas
sequências analisadas, mas um estudo mais específico sobre esse assunto é tema para outra
pesquisa.
Por fim, ressalta-se que as sequências analisadas neste trabalho são, como
normalmente ocorre, híbridas, ora com predomínio de um tipo, ora de outro. O estudo desse
tipo de organização textual, na ativação do processo de referenciação, contribui para mostrar
como uma sequência pode servir de pano de fundo para outra, colaborando para a progressão
textual, como, por exemplo, se pôde ver em O seminarista: no exame de uma sequência – que
mescla os tipos textuais narrativo e descritivo, com predomínio descritivo – pôde-se observar
165
a introdução e manutenção das personagens, e verificar que, à medida que elas vão sendo
introduzidas e retomadas narrativamente, a descrição do ambiente vai acontecendo (―A
menina, sentada sobre a relva, despencava um molho de flores silvestres de que estava
fabricando um ramalhete, enquanto seu companheiro, atracando-se como um macaco aos
galhos das paineiras, balouçava-se no ar‖).
Em suma, pôde-se verificar um modo de preenchimento das casas referenciais que
revela grande relativização das indicações correntes, evidentemente fixas e categóricas. Isso
vale especialmente para os casos de introdução de referentes textuais por meio de pronome
pessoal (e não de sintagma nominal), que se mostraram bastante significativos para criação de
sentidos e produção de efeitos.
Essa observação mostra a necessidade de tratar a questão da organização textual
discursiva por via da valiosa indicação funcionalista de consideração da fluidez categorial e
funcional da linguagem.
166
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Córpus de análise