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* Licenciado em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Especialista em Informática na Educação
pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Professor de história da rede pública de ensino de Minas Gerais.
Introdução
Ao propormos este tema tenderíamos a relativizar o fato de que os historia-
dores clássicos do cinema brasileiro, grosso modo, segundo Bernardet (1995),
ocuparam-se com a aglutinação dos filmes em suas análises, ou, dito de outra
forma, o discurso histórico produzido por estes historiadores, dentre eles Paulo
Emilio Salles Gomes, privilegiou a produção em detrimento da exibição sendo
que, ao aproximar Paulo Emilio da exibição dos filmes nacionais, queremos com
isto dizer que ele tinha consciência da marginalidade da exibição do cinema bra-
sileiro, no entanto, e aí concordamos com Bernardet, construiu um discurso his-
tórico no qual a exibição de um filme não representou um elemento interno do
processo cinematográfico, constituído de várias etapas (produção, distribuição,
exibição).
Não nos antecipemos tanto, primeiro é preciso situar a discussão sobre a
exibição dentro de um contexto mais geral de revisão histórica do cinema brasi-
leiro, e depois observar as linhas gerais da reflexão proposta por Bernardet (1995)
sobre a exibição e o que chamamos de sua problemática para, em seguida, verifi-
car a postura de Paulo Emilio Salles Gomes diante deste tema interpretando, por
sua vez, seu ensaio Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento, e concluindo por meio
das pistas de pesquisa que deveriam ser concretizadas para melhor entender a
exibição no cinema brasileiro.
A problemática da exibição
Quando os europeus falam em nascimento do cinema, “pensam no dia 28 de
dezembro de 1895, na famosa sessão dos irmãos Lumière no Sallon Indien do
Grand café em Paris”. (BERNARDET, 1995, p. 25)
Conforme nos propõe Bernardet, não era essa a primeira projeção feita pe-
los irmãos Lumière, mas, pela primeira vez, a sessão era pública e paga. As outras
projeções, no entanto, não foram bem sucedidas. Para os historiadores europeus,
a sessão para ser digna de nota tinha que ser pública, paga, e com êxito. O nasci-
mento do cinema, para eles, era uma representação pública e paga, ou seja, um
espetáculo. E para os historiadores brasileiros, o nascimento do cinema é uma
filmagem da Baía de Guanabara por Alfonso Segreto, e nem ao menos se sabe se
o filme resultante dessa filmagem foi ou não exibido.
A escolha de uma filmagem como marco inaugural do cinema brasileiro, ao
invés de uma projeção pública, no entendimento do crítico, é uma profissão de fé
ideológica e visa atender determinados interesses.
A produção de filmes, portanto, foi preterida antes de sua exibição. A forma
que assumiu a história do cinema brasileiro traduziu interesses corporativos de
cineastas e produtores, que entendiam o cinema como “essencialmente” a reali-
zação de filmes.
Nosso objetivo se limita a observar nestes textos como Paulo Emilio trata a
exibição, e quais idéias são mais recorrentes ao falar sobre esse assunto, objeti-
vando a constituição de um painel geral que possibilite comparações mínimas
acerca deste tema, e que permita conhecer as opções, digamos analíticas, em
mãos do historiador no instante anterior de sua formulação histórica sobre o
cinema brasileiro.
1 Sabemos ser necessária uma maior compreensão de toda a produção de Paulo Emilio Salles Gomes sobre a história do
cinema brasileiro, porém, essa compreensão não pode ser feita nos estritos limites deste artigo. Um apanhado mais geral
acerca desta produção pode ser vista em: SOUZA, José Inácio de Melo. Paulo Emílio no paraíso. Rio de Janeiro: Record,
2002. p. 446-460; SOUZA, José Inácio de Melo. Imagens do passado: São Paulo e Rio de Janeiro nos primórdios do cinema.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. p. 67-104.
O próximo segmento descrito por Paulo Emilio Salles Gomes (1981, p. 287)
faz referência aos homens que “às vezes são os mesmos [importadores e exibido-
res] acima citados”, mas que, além disso, “prosperam na produção de filmes na-
cionais”. Esse segmento, a exemplo do anterior, também capitula, se rende a uma
realidade que se sente incapaz de mudar talvez por falta de esclarecimento.
A barreira para eles é o público. “Produzem determinados gêneros de filmes que
eles próprios desprezam, alegando ser o único tipo de cinema brasileiro que o
público aceita” (GOMES, 1981). Na verdade, esses homens, empresários do
ramo exibidor e importador, estão convencidos de que o público é “infenso ao
cinema nacional”. O público não enxerga as fitas que produzem como cinema,
pois são prolongamentos de espetáculos próximos de seu universo de entendi-
mento: do teatro ligeiro, da televisão, do rádio. Cria-se, assim, uma “harmonio-
sa combinação de pontos de vista entre os produtores e o público desses fil-
mes. Para ambos, cinema mesmo é o de fora [...]”. Essa condição suscitou no
produtor uma dissociação na qual ele apóia uma legislação de proteção ao cine-
ma nacional, no entanto, não percebe que deveria haver condições favoráveis
de produção para que este cinema pudesse competir em pé de igualdade com o
cinema estrangeiro.
O último agrupamento a ser tratado é o da crítica que oferece semelhanças,
“num plano diverso”, com a dos importadores e exibidores de filmes.
Da mesma forma que os importadores e exibidores, o crítico maneja passi-
vamente um produto vindo de fora. O crítico de cinema de jornais como o New
York Times ou o France Observateur dialoga com os cineastas e o público, fazendo-
se ouvir por estes meios de comunicação. O crítico brasileiro, ao contrário, limi-
ta-se, “na melhor das hipóteses”, a influenciar os distribuidores ou a censura,
e jamais será ouvido pelos autores das obras importadas. (GOMES, 1981, p. 290)
O segundo texto de Paulo, O dono do mercado, foi publicado no Suplemento em
finais de janeiro de 1961, e nele o tema da exibição retorna à baila juntamente
com a legislação cinematográfica brasileira.
Sem subterfúgios Paulo Emilio Salles Gomes (1981, p. 309) afirma que o
mercado cinematográfico brasileiro tem dono, e o “dono é o fabricante de fita
estrangeira”. Para o crítico, não se pode falar em “conquista de mercado” duran-
te os primórdios do século XX no Brasil, pois, tratava-se da “implantação do
comércio cinematográfico entre nós”. O nosso mercado foi criado pelas firmas
estrangeiras instaladas nos grandes centros do país. “Nos primeiros tempos hou-
ve lugar para todos”. A partir da década de vinte, o comércio cinematográfico
assistiu a “lutas memoráveis” e o vitorioso foi o representante do “grupo estran-
geiro mais forte”. Daí então é possível falar em “conquistas” às quais o cinema
brasileiro não acedia. O comerciante de fitas estrangeiras que eventualmente en-
trava na produção encarava o produto brasileiro como um “passatempo” e no
momento em que precisava se decidir ou não por este cinema optou pelo cami-
nho mais fácil e rendoso: a exibição da fita estrangeira.
2 Este ensaio de Paulo Emilio foi originalmente publicado na revista Argumento, nº 1, São Paulo, outubro de 1973.
Os ciclos regionais
Durante a terceira época do cinema brasileiro (1923-1933), a produção do
período, a sua “pujança”, segundo Bernardet (1995, p. 56), seria devido aos “fo-
3 Produtora cinematográfica francesa que atuou no mercado exibidor brasileiro nas primeiras décadas do século XX.
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