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Dimensionamento de consolos de concreto com o

auxílio de modelos de bielas e tirantes – Parte II:


Prescrições normativas, detalhamento e aplicações
Publicado em 20 de outubro de 2014 por inter25.
O modelo de bielas e tirantes aplicado a consolos de concreto é intuitivo, simples e
eficiente, uma vez que diversos ensaios experimentais comprovam a sua validade.

Uma breve fundamentação teórica sobre o método de bielas e tirantes, além de todos os
passos de dimensionamento de um consolo, pode ser vista na parte I deste artigo (Santos
e Stucchi, 2013).

Esta sequência tem por objetivo complementar a parte I, analisando e discutindo as


prescrições normativas das NBR 6.118:2007 – Projeto de Estruturas de Concreto –
Procedimento e NBR 9.062:2006 – Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-
Moldado e o detalhamento adequado desse tipo de elemento estrutural. Além de mostrar
dois exemplos de aplicação baseados nos conceitos discutidos.

Roteiro de dimensionamento de um consolo 


Em Santos e Stucchi (2013), o dimensionamento de consolos de concreto foi avaliado em
detalhes e um roteiro de cálculo que resume todos os passos é mostrado na figura 1.

 
Comentários sobre as prescrições da NBR 6.118 e NBR 9.062
A NBR 6.118 e a NBR 9.062 consideram que o consolo curto é aquele em que a c/d está
compreendido no intervalo [0,5; 1,0]. Foi utilizada a nomenclatura ac em vez de a
(conforme NBR 6.118) para manter a coerência com a primeira parte do artigo.

A figura 2, que é reproduzida em ambas as normas, indica o modelo que deve ser
utilizado. Percebe-se que a biela é considerada com largura constante, faceando o canto
inferior do consolo. Nota-se, também, que na face superior considera-se uma abertura de
carga até o centro de gravidade das barras do tirante.

Considerando que não haja limitação geométrica para a “abertura” da força aplicada, a
inclinação da biela pode ser determinada pela expressão:

cotgθ = ac + ap/2 + e + d’ : d (1)

considerando d’ = 0,1d, temos:

cotgθ = 0,1 + ac + ap/2 : d + 0,1 . Hd : Fd (2)

Logo,

T1d = (0,1 + ac + ap/2 : d) Fd + 1,1 H d (3)

No entanto, a NBR 9.062, em seu item 7.3.5.3, prescreve a seguinte expressão (adaptada
para comparação):

T1d = (0,1 + ac /d) Fd + H d (4)

É fácil perceber que o modelo da figura 2 não corresponde ao equilíbrio proposto pela
NBR 9.062 para a determinação da força no tirante (equações 3 e 4).

Com relação à verificação do esmagamento do concreto da biela, no item 7.3.4.1 a NBR


9.062 estabelece os seguintes limites:

σcd ≤ f cd , para cargas diretas, e


σcd ≤ 0,85 ∙ fcd , para cargas indiretas.

Nota-se que a resistência da biela para carga direta é alta e igual ao prescrito no Eurocode
2 (EC 2) para bielas sem tração ortogonal, porém ressalta- se que o EC 2 considera o fator
αc = 1,0 e não 0,85. O limite para carga indireta também é alto.

Como a largura da biela é constante e, consequentemente, as tensões na biela e nos nós


são iguais, podemos concluir que a NBR 9.062 permite tensões superiores que o EC 2, já
que o limite para o nó tracionado é 0,85 ∙ αv2 ∙ fcd e não fcd.

Por outro lado, a NBR 6.118 não estabelece regras para o uso de modelos de bielas e
tirantes. No que diz respeito às armaduras mínimas, a NBR 9.062 prescreve que a área de
aço do tirante em consolos com ac/d ≤ 2 seja superior a:

As,tir ≥ 0,04 ∙ b ∙ d ∙ fyk/fck (5)

Com relação às armaduras secundárias, a NBR 9.062 limita-se apenas a prescrever


armadura de costura de acordo com as seguintes expressões (item 7.3.6):

As,cost ≥ 0,5 ∙ Fd ∙ cotgθ,para ac/d ≤ 0,5

As,cost ≥ 0,4 ∙ Fd ∙ cotgθ, para 0,5 < ac/d ≤ 1.

A armadura transversal vertical de consolo curto, no caso de carga direta, é comentada no


item 7.3.7.2 da NBR 9.062, que prescreve a armadura mínima, se construtivamente
necessário.

A fim de comparação, o EC 2, em seu anexo J.3, prescreve armadura de costura mínima


apenas para consolo muito curto. No caso de consolo curto, o EC 2 estabelece uma
armadura de estribo mínima se a força vertical aplicada for maior que a resistência
VRd,c (resistência à força cortante de lajes sem estribo).

Sobre o detalhamento das armaduras de consolos


Ao detalhar qualquer estrutura de concreto dimensionada pelo MBT, é necessário que as
armaduras estejam de acordo com o modelo adotado. Logo, analisando os modelos
mostrados em Santos e Stucchi (2013), da figura 6 à figura 10, podemos chegar às
seguintes conclusões:
- As armaduras do tirante devem atravessar todo o campo de compressão produzido pela
placa de apoio, ou seja, a distância da face do consolo até a borda do aparelho de apoio
deve ser pelo menos igual ao cobrimento (c). No entanto, para evitar o destacamento do
canto de concreto, recomenda-se o mínimo de 2c;
- A armadura de costura pode ser considerada distribuída em 80% do braço de alavanca
(z) e deve ser disposta entre as forças horizontais T1d e Rcd (aproximadamente
centralizada);
- Os estribos necessários devem estar entre a face do pilar (ou elemento de apoio do
consolo) e a face interna do aparelho de apoio;
- O modelo da figura 9 da parte I mostra que armaduras inclinadas são mais eficientes e
elas podem ser colocadas, caso haja necessidade de um controle mais rigoroso das
fissuras.

Quando a distância da placa até a face do consolo for menor que 2c (porém não menor
que o prescrito na NBR 9.062, ver figura 4), sugere-se adotar armadura principal em mais
de uma camada.

No caso de barra transversal soldada na ponta da armadura principal, deve-se adotar as


prescrições da NBR 9.062, conforme figura 4.

A utilização de alças verticais em consolos não é aconselhável. No caso da distância entre


o apoio e a face do consolo ser maior que o recomendado na figura 3, esse detalhe é
aceitável.

De qualquer forma, vale ressaltar que a NBR 9.062 não permite esse detalhe para bitolas
maiores que 16 mm.

 
 

Exemplos

Exemplo 1 
Concreto C35 (fck = 35 MPa), Aço CA-50 (fyk = 500 MPa), Cobrimento: 3,5 cm, Aparelho de
apoio: 25 cm x 10 cm, Geometria e cargas: ver figura 5. Trata-se de um consolo muito
curto, segundo a NBR 6.118 e a NBR 6.092 com ac/d = 0,33.

 
 

Passo 4a: 
Para a verificação da ancoragem da armadura do tirante, dever-se-ia considerar que é
uma região de má aderência (η1 = 0,7), porém, existe um confinamento por compressão
transversal que reduz o comprimento de ancoragem. A DIN 1.045 reduz em 67% e o EC 2
em 70%. Por isso, será considerado que um efeito anula o outro, ou seja, será
considerada região de boa aderência.

Passo 4b: 
Como a armadura não se estende até 2d’ além da face externa do aparelho de apoio, a
espessura da biela em B é (figura 7):

Obs.: a NBR 6.118 permite ancorar a armadura por uma única barra soldada na
transversal, desde que a bitola transversal seja no mínimo igual à bitola máxima do tirante.
Além disso, exige um detalhe e controle da qualidade de solda, bem adequado ao pré-
fabricado, que muitas vezes não é possível se garantir no campo.

 
 

Exemplo 2
Mesmos dados do exemplo 1, exceto geometria e cargas, que são mostradas na figura 9.
Aparelho de apoio: 35 cm x 15 cm.

Trata-se de um consolo curto segundo a NBR 6.118 e a NBR 9.062, com a c/d=0,53.
Esse valor é maior que fcd2, porém é verificado experimentalmente que nós com múltiplas
camadas de armadura têm mais resistência e podemos considerar a geometria do nó
mostrado na figura 11(baseado em Reineck, 2005).

Uma forma simples, e mais prudente, é desprezar o efeito benéfico da força de tração no
nó e calcular a largura da biela como sendo:

abie = ap ∙ senθ + u ∙ cosθ (7)


sendo:
u = 0; uma camada de barras que não ultrapassa em pelo menos 2c 1 o ap. de apoio;
u = (n – 1) ∙ s + φ; n camadas de barras que não ultrapassam em pelo menos 2c 1 o ap. de
apoio;
u = 2 ∙ d’; barras que ultrapassam em 2c1 o ap. de apoio, independentemente do no de
camadas. Onde:
c1 é a distância do centro de gravidade das barras da primeira camada até a face do
concreto; s é o espaçamento entre camadas.
 

Proposta de determinação da armadura de costura 


Motivados pela simples expressão usada pelo Model Code 1990 para a determinação da
força vertical em forças aplicadas próximas aos apoios, os autores propõem a seguinte
expressão para a força horizontal:

Fwhd = (0,4 – 0,2 ∙ a/z) ∙ Fd

p/ 0,4 ≤ a/z ≤ 2 (8)

Na tabela 1, comparam-se os resultados obtidos com a equação 8 proposta com os


valores determinados no exemplo, utilizando o modelo proposto por Bosc (2008).

Nota-se que os valores obtidos com a equação proposta são um pouco menores, no
entanto, Schlaich e Schäfer (2001), que propuseram a equação que consta no EC2,
consideram esses valores conservativos. Além disso, a equação 8 respeita a equação do
Model Code 1990 para consolo curto, uma vez que para a/z ≥ 0,5 a razão entre a força
horizontal e a força vertical aplicada é maior ou igual a 0,3.
 

Conclusões
As normas brasileiras NBR 6.118 e NBR 9.062 precisam de revisões que contemplem
regras sobre a utilização de modelos de bielas e tirantes. Na parte I deste artigo, propostas
de limites de resistência de nós e bielas foram feitas para futuras revisões. Nesta parte II,
mostrou- se que o modelo assumido nessas normas para aplicação em consolo não é o
mais adequado.

Além disso, a NBR 9.062 prescreve uma expressão para determinação da força no tirante
que não condiz com a geometria do modelo que consta na NBR 6.118. Além disso, a
determinação das armaduras de costura e suspensão é feita por taxas, que no caso de
consolo curto não é apropriada.

Neste artigo, em duas partes, definem- se critérios para a determinação das armaduras de
costura e dos estribos necessários, sendo inclusive proposta uma expressão para a
determinação da armadura de costura em consolos curtos.

Por fim, exemplos de aplicação (um de consolo muito curto e um de consolo curto) foram
produzidos com a filosofia exposta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CEB-FIP Model Code 1990. Comité Euro-Internacional du Béton. CEB Bulletin 213/214,


Thomas UK: Telford Ltd., 1993. 
Dimensionamento de Consolos de Concreto com o Auxílio de Modelos de Bielas e
Tirantes - Parte I: Fundamentos. Santos, D. M.; Stucchi, F. R. Revista Téchne no 192,
Editora Pini. São Paulo, 2013. 
Dimensionnement des Constructions selon l'Eurocode 2 à l'Aide des Modèles Bielles
et Tirants: Principes et Applications. Bosc, J. L. Paris: Presses de l'École Nationale des
Ponts et Chaussées, 2008, p. 194. 
DIN 1045-1: Tragwerke aus Beton, Stahlbeton und Spannbeton - Teil 1: Bemessung
und Konstruktion. Deutsches Institut für Normung (DIN). Beuth Verlag, Berlin, 2008.
Eurocode 2: Design of Concrete Structures - Part 1-1: General Rules and Rules for
Buildings. European Committee for Standardization. EN 1992-1-1, Brussels, 2004. 
FIP Recommendations: Pratical Design of Structural Concrete. Fédération
Internationale de la Précontrainte. London: SETO, 1999.
Konstruieren im Stahlbeton. Beton Kalender, Teil II. Schlaich, J.; Schäfer, K. Berlin: Ernst
& Sohn, 2001, p. 311-492. 
Modellierung der D-bereich von Fertigteilen. Beton Kalender, Teil II. Reineck, K. H.
Berlin: Ernst & Sohn, 2005, p. 243-296. 
NBR 6.118 - Projeto de Estruturas de Concreto - Procedimento. Associação Brasileira
de Normas Técnicas. Rio de Janeiro, 2007. 
NBR 9.062 - Projeto e Execução de Estruturas de Concreto Pré-moldado. Associação
Brasileira de Normas Técnicas. Rio de Janeiro, 2006.

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