Você está na página 1de 3

Da tutela administrativa

I. A tutela é definida por DIOGO FREITAS DO AMARAL como sendo o “conjunto


dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva na gestão de outra pessoa
colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação”1. Esta é, no
entender de VIEIRA DE ANDRADE2, concebida em termos ambíguos no Direito
Administrativo português, em virtude de existir tanto no quadro de uma
desconcentração personalidade, caso enquadrado na administração indirecta do
Estado, complementando os poderes de superintendência, ou no quadro de uma
desconcentração stricto sensu, caso enquadrado nas relações entre o Estado e as
pessoas colectivas públicas inseridas na Administração autónoma.
No entanto, não obstante a sua ambiguidade, a tutela, para este último Autor, tem
como traço fundamental o poder característico da fiscalização da legalidade3, tendo,
no entender de FREITAS DO AMARAL, como escopo a garantia do cumprimento das leis
e da adopção de soluções convenientes e oportunas para a prossecução do
interesse público4, pelo que, para este ilustre Autor, a tutela não se trata apenas de
um controlo de legalidade mas também de um controlo de mérito.

II. Para FREITAS DO AMARAL, as principais espécies de tutela administrativa são


classificáveis quanto ao fim e quanto ao conteúdo5. Quanto ao fim, a tutela
administrativa desdobrar-se-á em tutela de legalidade e tutela de mérito. A tutela de
legalidade será, desta forma, a averiguação da conformidade à lei das decisões
tomadas pelas pessoas colectivas (públicas ou não) tuteladas, enquanto que a tutela
de mérito será a averiguação da conveniência, oportunidade e correcção da decisão
tomada pela pessoa colectiva tutelada. Note-se, porém, que a tutela de mérito do

1
FREITAS DO AMARAL, DIOGO, Curso de Direito Administrativo, I, 4.ª edição com a
colaboração de LUÍS FÁBRICA, JORGE PEREIRA DA SILVA e TIAGO MACEIRINHA, Almedina,
Coimbra, 2016, p. 729.
2
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS, Lições de Direito Administrativo, 4.ª edição,
Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015, p. 97.
3
Ibidem, p. 98.
4
Curso, p. 729.
5
Ibidem, p. 731.

Miguel de Magalhães – n.º 57318 1


Governo sobre as autarquias locais se encontra constitucionalmente precludida, nos
termos no n.º 1 do art.º 242.º da Lei Fundamental.
Quanto ao conteúdo, FREITAS DO AMARAL propõe uma classificação pentapartida em
tutela integrativa, inspectiva, sancionatória, revogatória e substitutiva6, enquanto que
VIEIRA DE ANDRADE propõe uma classificação igualmente pentapartida, mas tendo,
desta feita, como elementos a tutela normativa, integrativa, correctiva, sancionatória
e impugnatória7. Focar-nos-emos na classificação proposta por FREITAS DO AMARAL.

III. A tutela integrativa será aquela que consiste no poder de autorizar ou


aprovar os actos da entidade tutelada. É possível subclassificar esta espécie em
tutela integrativa a priori, que consiste em autorizar a prática de actos, e em tutela
integrativa a posteriori, que consiste no poder de aprovar actos da entidade tutelada.
Tanto a autorização como a aprovação tutelar podem ser expressas ou tácitas,
totais ou parciais e puras, condicionais ou a termo. No entanto, FREITAS DO AMARAL
nota que se encontra vedada, em situações de tutela integrativa, a modificação do
acto pela entidade tutelar8, inexistindo, assim, um poder de substituição na tutela
integrativa.
A tutela inspectiva consistirá no poder de fiscalizar órgãos, serviços, documentos e
contas da entidade tutelada, ou seja, no poder de fiscalização da organização e
funcionamento da entidade tutelada. Esta competirá normalmente aos chamados
serviços inspectivos.
A tutela sancionatória consistirá no poder de aplicar sanções por irregularidades
detectadas na entidade tutelada.
A tutela revogatória será o poder de revogar os actos administrativos praticados
pela entidade tutelada, o qual tem carácter excepcional.
A tutela substitutiva será o poder da entidade tutelar de suprir as omissões da
entidade tutelada, praticando, em vez dela e por conta dela, os actos que forem
legalmente devidos

6
Ibidem, pp. 731-732.
7
Lições, p. 98.
8
Curso, pp. 733-734.

Miguel de Magalhães – n.º 57318 2


IV. A tutela administrativa não se presume9, pelo que esta só existirá quando
a lei expressamente a preveja e nos precisos termos em que a lei a estabelecer. A
tutela só existirá nas modalidades legalmente consagradas, e dentro dos seus
limites. De qualquer forma, a entidade tutelada encontra-se legitimada para
impugnar, quer pela via administrativa quer pela via contenciosa, os actos pelos
quais a entidade tutelar exerça os seus poderes de tutela, nos termos da alínea c) do
n.º 1 do art.º 55.º do CPTA.

V. Relativamente à natureza dos poderes de tutela administrativa, verifica-se


uma divergência na Doutrina, avultando três teses:
i. Tese da analogia com a tutela civil – defendida por VIEIRA DE ANDRADE – a tutela
administrativa seria uma figura bastante semelhante à tutela civil, visando,
assim, suprir as deficiências orgânicas ou funcionais das entidades tuteladas;
ii. Tese da hierarquia enfraquecida – defendida por MARCELLO CAETANO – a tutela
administrativa seria como que uma hierarquia enfraquecida, sendo os poderes
tutelares, no fundo, poderes hierárquicos enfraquecidos, em virtude de se
exercerem sobre entidades autónomas;
iii. Tese do poder de controlo – defendida por FREITAS DO AMARAL10 - a tutela
administrativa corresponderá a um poder de controlo exercido por um órgão
da Administração sobre certas pessoas colectivas sujeitas à sua intervenção,
para assegurar o respeito de determinados valores considerados essenciais.
A este respeito, subscrevendo-se as observações de FREITAS DO AMARAL, considera-
se que a tutela administrativa se trata de um poder de controlo em virtude de se
pretender garantir a legalidade ou o mérito da actuação das entidades tuteladas, não
sendo reconduzível à ideia de hierarquia em virtude de esta pressupor um vínculo
fundado no poder de direcção-dever de obediência entre órgãos ou agentes que no
caso da tutela não se verifica11.

9
Ibidem, p. 736.
10
Ibidem, p. 738.
11
Cf. Curso, pp. 665 ss.

Miguel de Magalhães – n.º 57318 3

Você também pode gostar