Apreciação crítica
É possível considerar a obra Os Maias como uma interrogação sobre Portugal. Esta interrogação também
interessa aos cineastas portugueses. Leia a apreciação crítica de Luís Miguel Oliveira. Posteriormente,
responda ao questionário.
O Portugal dito «profundo» tem sido um interesse cultivado ao longo dos anos por João Canijo, vá ele
encontrá-lo à noite do interior (Noite escura, mal nascida) ou aos arrabaldes de Lisboa (Sangue do meu
sangue). Mais recentemente, com É o amor, filmado nas Caxinas de Vila do Conde, Canijo ensaiou uma
abordagem documental, largando a ficção temperada, ou «travestida», pelas ressonâncias mitológicas (a
5 tragédia grega, sanguínea e telúrica) com que cobrira esses filmes, mas utilizando uma atriz, Anabela
Moreira, lançada para o convívio «documental», como uma espécie de gazua1. Em Portugal — um dia de cada
vez, Anabela Moreira passa para detrás da câmara e é creditada como correalizadora, mas pressente-se um
projeto nascido da experiência de É o amor, pela proximidade, se não mesmo imersão, e pela adoção de
uma estrutura docu-mental clássica. Trata-se aparentemente de um primeiro relatório de um work in
10 progress, que dará origem a mais filmes, cobrindo outras zonas do país (este centra-se em Trás-os-Montes),
e a uma versão em formato de série de televisão.
Talvez seja preciso esperar pela conclusão do projeto para formular um juízo definitivo sobre a real
natureza do trabalho de Canijo e Anabela. Este primeiro filme ressente-se dum excesso de placidez descritiva.
Filmando fragmentos do quotidiano em localidades esquecidas ou pelo menos longe da vista citadina —
15 casas, cafés, festas populares, igrejas, o trabalho no campo —, parece sobretudo movido por uma lógica de
recolha, eventualmente «etnográfica»2, orientada numa estrutura a que parece faltar decisão, incisão ou
concisão (escolher a melhor palavra), algo ampliado por uma duração (duas horas e meia) que propicia a
impressão duma certa redundância. Apesar de tudo, trata-se de terreno que o cinema português tem batido
muito nos últimos anos, por vezes de forma extremamente criativa e original (os filmes de Miguel Gomes,
20 por exemplo, do Aquele querido mês de agosto a certos momentos das Mil e uma noites). Canijo não é um
cineasta sem «olhar», pelo contrário, e qualquer dos filmes que citámos lá em cima o prova. Mas aqui sente--
se falta disso, dum «olhar», que enforme, que deixe um vinco para além do maior ou menor interesse intrín-
seco desta ou daquela sequência. Ou, metaforizando: um filme que tem imenso barro, mas que ficou por
modelar. Vê-se como qualquer coisa que ainda está incompleta. Prestaremos atenção aos próximos episó-
dios.
http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/barro-que-ficou-por-modelar-1713293
1. Para responder a cada um dos itens, de 1.1 a 1.10, selecione a opção correta. Escreva, na folha de
respostas, o número de cada item e a letra que identifica a opção escolhida.