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REVISTA INTERDISCIPLINAR
DE CULTURA E IMAGEM
VOL. XI Nº 27 MARÇO/2020
ISSN 2177-2789
RESUMO – O presente artigo tem como partir da leitura de O Hobbit, este artigo
objetivo analisar, por meio de pesquisa traz uma reflexão, dentro dos aspectos
bibliográfica, os aspectos da empatia e levantados previamente, de que maneira a
tomada de perspectiva na personagem Bilbo leitura de ficção oferece ao sujeito a
Bolseiro, protagonista de O Hobbit, de J. possibilidade de perspectivar situações fora
R. R Tolkien (2013b), em seu confronto do seu repertório emocional para
com a criatura Gollum; analisando tal compreender os sentimentos do outro.
acontecimento como uma representação Nesse sentido e, considerando o aporte
dos dilemas vividos no relacionamento teórico, buscamos analisar como a obra em
entre o indivíduo e seus pares. Foram questão exemplifica o olhar empático
definidas três categorias de análise: a através de Bilbo em relação a Gollum e
primeira discute acerca da recorrente como o leitor também pode experimentar
associação entre obras de fantasia, contos das perspectivas da personagem Bilbo
de fadas e leitura na infância, bem como a Bolseiro e da criatura Gollum.
definição do gênero fantasia, com base em
Tolkien (2013a), Todorov (2004) e Marques PALAVRAS-CHAVE – O Hobbit,
(2015); em seguida, pretendemos analisar os empatia, tomada de perspectiva, literatura.
aspectos da empatia observados em Bilbo
diante de Gollum na passagem em questão, ABSTRACT - This article aims to analyze,
a partir das definições de empatia e de through bibliographic research, the aspects
tomada de perspectiva estabelecidas pela of empathy and perspective taking on the
Associação Americana de Psicologia - APA character Bilbo Baggins, protagonist of The
96
(2013), ainda Moitoso & Casagrande (2017) Hobbit, by JR R Tolkien (2013b), in his
Página
the dilemmas experienced in the reading of The Hobbit, this article brings a
relationship between the individual and his reflection, within the aspects raised, of how
peers. Three categories of analysis were the reading of fiction offers the subject the
included: the first discussion on the possibility of perspective of situations
association between fantasy works, fairy outside his emotional repertoire to
tales and childhood reading, as well as the understand the feelings of another. In this
definition of fantasy genre, based on sense, considering the theoretical content,
Tolkien (2013a), Todorov (2004) and we seek to analyze how an issue in question
Marques ( 2015); then, we intend to analyze exemplifies the empathic look through
the aspects of empathy observed in Bilbo Bilbo in relation to Gollum and how the
before Gollum in the passage in question, reader can also experience the perspectives
from the definitions of empathy and of the character Bilbo Baggins and the
perspective taking of the American creature Gollum.
Psychological Association - APA (2013),
still Moitoso & Casagrande (2017) and from KEYWORDS – The Hobbit, empathy,
the studies of Nikolajeva (2013), McCreary perspective taking, Literature.
and Marchant (2017). Finally, from the
1“looking at a situation from a different viewpoint. social role” (American Psychology Association,
That may involve adopting the perspective of 2013, p. 429).
another person or that associated with a particular
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de fadas, apesar de estar ciente de que é uma compreendemos que esse fenômeno teria
aventura temerária. O Reino Encantado é arruinado – palavras do próprio escritor3 –
uma terra perigosa, em que há armadilhas os contos de fadas que, ao ficarem restritos
para os incautos e calabouços para os ao público infantil, teriam sido
demasiado audazes” (TOLKIEN, 2013a, p. desprestigiados e renegados pelo público
07). No ensaio, o autor de O Hobbit, adulto:
defende que o interesse nos contos de fadas
e histórias maravilhosas, quando existente, é No mundo letrado moderno os contos
fruto da própria natureza humana, não de fadas foram relegados ao “quarto das
crianças”, assim como a mobília velha ou
devendo ser considerada inerente a fora de moda é relegada à sala de
determinada faixa etária, tal como recreação, primordialmente porque os
recorrentemente proposto às crianças, adultos não a querem, e não lhes importa
afirmando: que se faça mau uso dela.
[...]
[...] os contos de fadas não deveriam ser
As crianças [...] não gostam mais dos especialmente associados às crianças.
contos de fadas, nem os compreendem Eles são associados a elas naturalmente,
melhor, do que os adultos, e não os porque as crianças são humanas e os
apreciam mais que muitas outras coisas. contos de fadas são um gosto humano
São jovens e estão em crescimento, e natural (porém não necessariamente
geralmente têm apetites aguçados, de universal); casualmente, porque os
modo que por via de regra os contos de contos de fadas representam grande
fadas são bastante bem digeridos. [...] [O parte do material literário que a Europa
gosto pelos contos de fadas, quando recente relegou aos sótãos (TOLKIEN,
existente] não é exclusivo, nem 2013a, p. 26, 30)
necessariamente dominante. Também é
um gosto que, creio eu, não surgiria Portanto, compreendemos que nessa
muito cedo na infância sem estímulo
artificial (TOLKIEN, 2013a, p. 26)
esfera, os contos de fadas, histórias
maravilhosas e textos que abordam a
Segundo o escritor britânico, fantasia em geral, não deveriam ser
historicamente, “[...] a associação entre considerados naturalmente destinados às
crianças e contos de fadas é um acidente de crianças e estas, por extensão, não poderiam
nossa história doméstica” (TOLKIEN, ser consideradas público leitor de contos de
2013a, p. 26), fruto de estímulos artificiais fadas; visto que ambos foram associados
por parte dos adultos, que conduziram tal artificialmente, não havendo qualquer
tipo de literatura para o público infantil evidência de base biológica para sustentar
conforme seu próprio interesse por ela, fora tal ideia. Acerca da definição do conto de
diminuído gradualmente. Nessa acepção,
3 “É verdade que recentemente os contos de fadas fato de as artes e as ciências não serem, como um
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em geral têm sido escritos ou ‘adaptados’ para todo, relegadas ao quarto das crianças; [...] Os contos
crianças. Mas também pode-se fazer isso com de fadas assim banidos, eliminados de uma
Página
música, poesia, romances, história ou manuais arte plenamente adulta, no fim estariam arruinados;
científicos. É um processo perigoso, mesmo quando na verdade, na medida em que foram assim banidos,
necessário. Na verdade só se salva da desgraça pelo foram arruinados.” (TOLKIEN, 2013a, p. 26)
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2013ª, p. 27). Isto significa dizer que contraste com o nosso mundo, aqui, se
estamos diante de um conceito complexo dá pela sua ausência. Poder-se-á dizer ser
a forma mais “pura” de fantasia, uma vez
que estabelece um mundo com sua própria que prescinde da apresentação de sua
consistência interna de realidade e suas disjunção em relação a nossa realidade,
próprias leis que o regem. Deste modo, possui tal consistência a sua realidade que
Marques caracteriza o ‘Mundo Secundário’ ela se afirma por si mesma. (MARQUES,
2015, p. 191)
como:
Quando observamos as duas acepções,
[...] um mundo que difere do Mundo concluímos que em fantasias imersivas,
Primário no sentido de poder ocorrer
coisas neles que a princípio não ocorrem
assim como no maravilhoso, não há
no mundo designado real. O mundo estranhamento em relação aos
criado pela fantasia está cheio de acontecimentos que, em nossa realidade, de
acontecimentos incríveis, irreais, acordo com as leis naturais que
maravilhosos, com seres desconhecidos e
diferentes. Nesse mundo tudo pode conhecemos, seriam considerados eventos
acontecer se não forem infringidas as leis sobrenaturais. Em ambas, o ‘sobrenatural’ é
que o regem, ou seja, esse mundo deve integrado à realidade da narrativa. No
ser dotado de uma coerência interna que entanto, podemos perceber que enquanto
lhe dê um sentido de realidade, não pode
haver incredulidade em relação ao no maravilhoso o mundo é o nosso – o
narrado. (MARQUES, 2015, p. 67) Mundo Primário –, onde novas leis passam
a vigorar em harmonia com as leis naturais
É precisamente com base nessa conhecidas, na fantasia imersiva, é possível
perspectiva, que Marques (2015), estabelece entrar em um novo mundo, – o Mundo
que o Mundo Secundário pode surgir de Secundário. Tal estrutura encontra
diferentes maneiras nas narrativas do exemplos na série de livros As Crônicas de
gênero fantasia, sendo uma narrativa Gelo e Fogo, de G. R. R. Martin, e em
classificada, a partir da forma como o diversas obras de J. R. R. Tolkien, a exemplo
Mundo Secundário se apresenta, ou seja: de O Silmarillion, O Senhor dos Anéis e
como fantasia de portal ou fantasia O Hobbit.
imersiva. Chegamos assim, a uma
dimensão constituinte onde observamos
que a fantasia de portal, “[...] geralmente, a Olhando com outros olhos em outros
história nos situa em nosso mundo (em um mundos
lugar que reconhecemos) e, então, Retomando à narrativa, é necessário
estabelece-se a passagem para outro, destacar que O Hobbit (2013b), enquadra-
diferente”. (MARQUES, 2015, p. 178). Por se como uma obra de fantasia imersiva
outro lado, as fantasias imersivas, devido à autonomia assumida pelo Mundo
caracterizam-se como:
101
Imagem 1 Imagem 2
An unexpected party (Alan Lee, 2003) Bilbo Mirkwood treetops (Alan Lee, 2003)
102
Imagem 3 Imagem 4
Orcs by Alan Lee (Alan Lee, 2003) Nazgul by Alan Lee (Alan Lee, 2003)
Após esse evento, o grupo é resgatado [...] E quando ele dizia “gollum”, fazia um
pelo mago Gandalf, responsável pelo barulho horrível na garganta, como se
estivesse engolindo alguma coisa. Era
envolvimento do hobbit na jornada. Porém, assim que tinha conseguido esse nome,
durante a fuga, Bilbo se perde do restante embora sempre chamasse a si mesmo de
do grupo, cai num fosso e ao acordar, o Sr. “meu precioso” (TOLKIEN, 2013b,
Bolseiro percebe que se encontra perdido. p.72)
Desorientado pela escuridão e tateando o Podemos observar nas palavras de
chão para encontrar a saída da montanha, Tolkien que estamos diante de uma
chega a uma espécie de lago subterrâneo, personagem cercada por fantasia e mistério,
onde encontra a criatura Gollum, descrita posto que ela desperta diversas impressões
por Tolkien, nos seguintes termos: no leitor. Impressões essas que são
reafirmadas também na apresentação da
[...] o velho Gollum, uma criatura viscosa
[...] escuro como a escuridão, exceto por
personagem Gandalf, encapsulado por
dois grandes olhos redondos e pálidos no diversos mistérios, por sua natureza mágica.
rosto magro. [...] Olhos pálidos feito Entretanto, vale destacar que Gollum não é
lamparinas, ele procurava peixes cegos, descrito como um Orc [imagem 3], Goblin,
que agarrava com os dedos longos num
piscar de olhos. Gostava também de Troll ou Nazgul [imagem 4] também não
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[...]
apenas. O autor apresenta ao leitor, Gollum
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como uma criatura pálida e viscosa, que subterrâneo, no interior de uma montanha,
morava em uma ilha no meio de um lago isolado de todas as demais criaturas.
Imagem 5 Imagem 6
Gandalf ‘s (Alan Lee, 2003) Gandalf and the Dwarves (Alan Lee, 2003)
hobbit, a criatura Gollum propõe a ele um descobrir algo sobre seu passado, assim
jogo de adivinhas objetivando ganhar como Bilbo. No momento em que ambos
Página
4 “they develop gradually, and they can be enhanced characters” (MCCREARY; MARCHANT, 2017, p.
and trained” (NIKOLAJEVA, 2013, p. 95-96). 185).
5 “Reading is an interactive process whereby 6 readers comprehend narrative by understanding
Página
experiences are shared. The reader is integrated into the emotions of the protagonist through perspective
the context of an event and the personalities of the taking (MANO et al, 2009, apud MCCREARY;
MARCHANT, 2017, p. 193).
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personagem, por mais repulsiva que seja, agora, tal como revelado naquele momento
tanto na percepção do protagonista quanto sombrio da história.
para o próprio leitor, possui uma história de Tolkien descreve a partir das memórias
vida ainda não completamente revelada. de Gollum, que em tempos distantes, ele
Isso significa dizer que a despeito da convivera em sociedade, tivera família,
aparência física e do estado emocional em amigos e costumava brincar com estes.
que se ele é descrito quando do encontro Entretanto, uma vez expulso de sua
com Bilbo, presumimos que Gollum nem comunidade, passou a vagar sozinho desde
sempre fora tal como aparenta ser no então e, apartado de todos, foi
campo da perspectiva real de Bilbo. É desenvolvendo ao longo do tempo os
possível identificarmos tal ideia nos aspectos físicos e emocionais que o
fragmentos abaixo que revelam: constituíam agora como criatura. Este
recurso convida o leitor – mesmo que por
Só conseguiu pensar em adivinhas. breve instante –, a assumir a perspectiva da
Propô-las e algumas vezes decifrá-las era personagem e imaginar as angústias e
o único jogo que já tinha jogado com outras
criaturas divertidas, sentadas em suas tocas, dissabores pelas quais ele passara até chegar
muito, muito tempo atrás, antes que ele àquele atual estado físico e emocional, para
perdesse todos os amigos e fosse expulso, sozinho, compreender seu modo de pensar e suas
e descesse mais, cada vez mais para a escuridão atitudes e artimanhas, o que não implica
sob as montanhas
[...] necessariamente, em aprová-los, conforme
Mas exatamente quando Bilbo começava Nikolajeva (2013).
a alimentar esperanças de que o patife Retomando o enredo que apresenta o
não conseguiria responder, Gollum momento do encontro entre Bilbo e
trouxe memórias de muitas eras passadas,
de quando vivia com a avó numa toca na margem Gollum, [imagem 7] vemos que eles
de um rio. [...] realizam um jogo de adivinhas no fosso
Mas aquele tipo de adivinhas comuns, de escuro da montanha e, uma vez
cima da terra, estava começando a cansá- especificadas as regras da competição, fica
lo. Além disso, fazia-o se lembrar de
tempos em que era menos solitário, furtivo e consensualmente acertado que Bilbo
nojento, e isso o deixava nervoso. obteria como prêmio – caso ganhasse a
(TOLKIEN, 2013b, p. 73-74, 75, grifo disputa – ‘a saída’ da montanha que deveria
nosso) ter o caminho apontado por Gollum, sem
Nos trechos grifados acima, vemos que estratagemas. Por outro lado, caso a criatura
o autor desconstrói, no leitor, a visão ganhasse o jogo, o hobbit seria devorado
cristalizada acerca da personagem, por Gollum, sem trapaças. E possível inferir
construída a partir da sua aparência. que Gollum estava certo que ganharia as
Percebemos finalmente, que Gollum não adivinhas e, por essa razão, não deixava
transparecer claramente as reais intenções
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toda a sua vida aquela aparência repulsiva de tempo atrás era que nunca, nunca se deve
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Imagem 7 Imagem 8
Riddles in the Dark (Alan Lee, 2003) Sauron forges the One Rings (Alan Lee, 2003)
Depois da longa disputa, quando Bilbo facilmente investir contra o hobbit, que
finalmente ganha a competição, derrotando desorientado, seria facilmente morto e
Gollum; este pede que o hobbit o espere devorado.
enquanto vai à ilha do lago subterrâneo Entretanto, o um anel escorregara de
pegar um objeto que, segundo ele, o ajudaria seu dedo durante sua última caçada e estava
a mostrar para Bilbo, a saída do lugar, tal agora com o hobbit, que o encontrara no
como ficara acertado como regra do jogo. chão pouco antes de chegar ao lago
Entretanto, o leitor percebe que a subterrâneo. É interessante perceber que
verdadeira intenção e os planos sombrios da Bilbo lembrou-se do anel por acaso, ao
criatura era de usar o um anel7 [imagem 8] colocar a mão no bolso, e foi também por
que guardava consigo há muitos anos e que acaso que ele descobre o poder do anel
o tornava invisível. Nesse sentido, Gollum enquanto tenta fugir de Gollum. A
contradizendo seu próprio discurso acerca sequência narra o momento em que Gollum
da suposta sacralidade do jogo, na verdade, persegue Bilbo a esmo sem chances de
arquitetara colocar o precioso anel no dedo encontra-lo, uma vez que Bilbo está
e, ao se tornar invisível para Bilbo, poderia invisível e passa pela criatura sem que esta
107
7Referido como o anel de Sauron é o emblemático controlar o poder dos demais anéis descritos nas
Página
e mais poderoso dos 20 anéis do poder que foram obras de J. R. R. Tolkien em O Senhor dos Anéis,
forjados por Celebrimbor e Sauron. O um anel – O Hobbit e O Silmarillion.
precioso –, como também era conhecido, servia para
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perceba a sua presença. A criatura tinha em sua capacidade de empatia e pela ideia
extremo apreço e devoção pelo anel e de tomada de perspectiva, perceba um
costumava chamá-lo de precioso ou ‘meu pouco da angústia de Gollum, considerando
presente de aniversário’ pois, segundo suas que até mesmo as criaturas menos
memórias, o anel havia chegado a ele no dia ‘amigáveis’ e supostamente desprezíveis são
do seu aniversário. O narrador conta que capazes de sentir emoções como tristeza e
desespero.
‘Meu presente de aniversário’! Chegou Ao prosseguirmos na leitura, vemos que
para mim no dia do meu aniversário, meu ao cessar de chorar, Gollum vai em direção
preciosso. - Assim ele sempre dissera a si
mesmo. à saída da montanha desconfiando que
Mas quem pode saber como Gollum Bilbo houvera escapado para lá, porém,
conseguiu aquele presente, em priscas protegido pelo encanto/poder do anel que
eras, nos dias antigos quando ainda havia o tornara invisível, o pequeno hobbit o
anéis desse tipo espalhados pelo mundo?
Mesmo o mestre que os governava talvez segue de perto sem ser visto e, finalmente,
não soubesse dizer Gollum costumava encontra a saída. Porém, ao chegarem à
usá-lo no início, até que ficou enjoado; saída da montanha, a criatura pressente a
depois passou a guardá-lo numa bolsa presença de hobbit.
junto ao corpo, até ficar com a pele
esfolada; agora geralmente o escondia Nesse momento, chegam a um inevitável
num buraco na pedra em sua ilha, e impasse, pois Gollum – à espera do hobbit
estava sempre voltando lá para olhar para –, permanece, ainda que desorientado,
ele. E ainda o colocava algumas vezes, parado precisamente entre Bilbo e a saída da
quando não suportava mais ficar
separado do anel, ou então quando estava montanha, perscrutando quase a esmo,
com muita, muita fome, ou cansado de qualquer tentativa de avanço do hobbit para
comer peixe (TOLKIEN, 2013b, p. 81) capturá-lo e, por conseguinte, matá-lo. O
episódio marca uma tensão angustiante,
Nota-se o quão obcecado pelo anel a
pois Bilbo sente-se encurralado, “[...] quase
criatura se tornara na passagem daquelas
parou de respirar, enrijecendo-se também.
priscas eras. Compreendemos na narrativa
Estava desesperado. Tinha de sair dali,
de Tolkien que durante os longos anos de
daquela escuridão horrível, enquanto ainda
isolamento, o anel fora a única companhia
lhe restavam forças. Tinha de lutar. Tinha
para Gollum. Considerando essa
de apunhalar a coisa maligna, apagar seus
configuração, compreendemos a raiva e o
olhos, matá-la. Ela queria matá-lo”
desespero que a criatura manifestou ao
(TOLKIEN, 2013b, p. 86). Entretanto uma
perceber que certamente havia perdido o
coisa o impede de levar tal ideia a cabo:
um anel para sempre. A descrição do grito
de desespero é tão latente e angustiante que
Gollum não havia ameaçado matá-lo,
o leva à exaustão e inconformado, “de nem havia tentado ainda. E estava
108
8 “Typically develops around the age of four [...] fiction prepares children for dealing with empathy”
109
[and] empathy does not fully emerge until (NIKOLAJEVA, 2013, p. 96)
adolescence” (BLAKEMORE; FRITH, 2005 apud 10 ““To infer fictional characters’ emotions from
NIKOLAJEVA, 2013, p. 96) their behavior and direct speech, and to understand
Página
9 “[...] can create situations in which emotions are their understanding of each other’s emotions,
evoked. Children ostensibly have limited life provides excellent training for real-life social
experience of emotions; therefore, [...] reading engagement.” (NIKOLAJEVA, 2013, p. 107)
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11 “As with reading (Kuhn, 2013), the ability to infer processing empathy and understanding our own
Página
(through perspective taking; Frith & Frith, 2006) is mental states are also involved in understanding the
central to understanding the motive and mental state mental states of other” (MCCREARY;
of another. The same areas of the brain involved in MARCHANT, 2017, p. 107)
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Professora Assistente do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão –
UFMA, São Luís, Maranhão, Brasil. Mestre pelo PGCult (UFMA). herabello@hotmail.com
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Graduanda em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal do Maranhão - UFMA,
São Luís, Maranhão, Brasil. deeby.furtado@gmail.com
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