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Estudo Exegetico Do Evangelho de Mateus PDF
Estudo Exegetico Do Evangelho de Mateus PDF
Estudo Exegetico Do Evangelho de Mateus PDF
Evangelho de Mateus
O sermão da montanha
Introdução
O tema central de Mateus é descrever Jesus Cristo como o Messias e Rei, o prometido da
linhagem de Davi. Mateus é direcionado para os judeus convertidos ao Cristianismo, por volta
de 65 – 75 d.C.
Em rigor de verdade, nesse estágio primitivo do movimento jesuano, parece prematuro falar
de “cristianismo”. Acaso corresponda falar, com maior propriedade, do judaísmo reunido em
torno de Jesus. Dito de outro modo, o movimento inaugurado por Jesus de Nazaré era – e
assim se auto-compreendeu inicialmente – um judaísmo em meio a outros judaísmos.
Ora, uma vez desaparecido o Templo (e, com este, o culto sacrificial, a casta sacerdotal e o
Sinédrio), o judaísmo perdeu, simultaneamente, boa parte dos referenciais sobre os quais até
então se firmava sua vida, sua identidade e a unidade em meio às diferenças. Era preciso, pois,
preencher esse vazio.
O processo, contudo, não esteve isento de lutas nem de oposição, pois muitos – como a
comunidade mateana – resistiram o processo unificador, recusando serem encaixados nos
esquemas farisaicos, sendo perseguidos e, no final, excluídos da Sinagoga. Diante da crescente
pressão, a réplica de Mt não demorou em chegar: tendo sido rejeitado Jesus, o “messias
esperado”, pelo Israel histórico, este deixou de ser, decorrentemente, o arauto do verdadeiro
Deus. Doravante, seu lugar é ocupado pela comunidade “cristã”. Deste modo, uma vez
respondida – ao modo do Primeiro Evangelista – a pergunta pela identidade de Jesus, a
incógnita levantada por Mt a respeito da própria identidade, isto é, “Quem somos nós?”,
recebe uma resposta contundente e definitiva: somos “o verdadeiro Israel de Deus”.
Mateus tem então o cuidado, diante do grau de conhecimento para o povo que se dirigia, de
linkar toda a vida e o ministério de Jesus com as profecias relatadas nas escrituras.
O livro de Mateus mostra Jesus em todos os momentos confrontando o sistema religioso que
havia sido implantado em Jerusalém; a verdade é que Deus sempre desejou, desde o início em
Gênesis, que o homem e toda a Sua criação estivessem inseridos no Seu Reino. E o que vemos
nesse período é que o homem, representado pela classe sacerdotal definida na lei mosaica e
que tinham a responsabilidade de representar Deus no meio do Seu povo e ao mesmo tempo
levar o povo à Deus, estavam corrompidos em seu objetivo, e representavam um “falso reino”
à nação, que não tinha fundamentos e tampouco era suficiente para religar o homem à Deus.
Quando Jesus então inicia o seu ministério a sua pregação está totalmente fundamentada em
uma verdade, é chegado o Reino de Deus.
O evangelho não declara quem é seu autor, mas a Igreja sempre o atribuiu a Mateus, desde o
primeiro século. A provável data de sua redação se deu bem cedo. Sabe-se que foi antes de 70
porque nesta época os judeus e cristãos (ainda tidos como seita judaica) expulsos da Palestina.
O primeiro evangelho reflete ter sido uma obra para os cristãos da Palestina. Ireneu, (130-
200), em Contra as heresias, e Eusébio, em História eclesiástica, dizem que “Mateus introduziu
um evangelho escrito entre os judeus ao estilo deles (tê idia autôn dialektô)…”. Segundo
Papias, ele o escreveu em hebraidi dialektô. Teria escrito em aramaico, e depois traduzido.
Mas há incertezas quanto a isto. Segundo David Alan Black (Por que 4 evangelhos?), “o
evangelho de Mateus era o manifesto da igreja mãe de Jerusalém e, por conseguinte, o
documento fundamental da fé cristã”.
Uma observação interessante de Mateus é de que é tópico e não cronológico. Ele não faz um
relato dos acontecimentos em ordem, mas apresenta tópicos que comprovam sua tese.
Quem era Mateus?
Seu nome, em aramaico, é Mattatyah, “dom de Yahweh”. Ele surge nas quatro listas dos doze
(Mt 10.3, Mc 3.18, Lc 6.15 e At 1.13). Ele mesmo se chama de “publicano” (Mt 10.3), que era
um cobrador de impostos a serviço de Roma. Colaborava com o poder estrangeiro dominante.
Os publicanos eram mal vistos. Publicano era o cobrador de rendimentos públicos entre os
romanos. Havia duas espécies de recebedores de tributos: os recebedores gerais, e os seus
delegados em cada província, sendo os primeiros responsáveis para com o imperador pelas
rendas do império. Eram os principais recebedores homens de grande importância no governo,
sendo geralmente membros de famílias ilustres - mas os seus delegados, homens das classes
inferiores, eram tidos, pelas suas rapinas e extorsões, como ladrões e gatunos. As obrigações
dos cobradores eram muito mais amplas do que acontece entre nós, porque eles tributavam
todos os artigos de mercadoria que passavam pela estrada. Entre os judeus era odiosa a
profissão de um publicano. Os galileus, principalmente, submetiam-se a esses cobradores com
a maior repugnância, indo até ao ponto de considerarem ilegítimo o pagamento do tributo
(Mt22.17). E quanto àqueles publicanos da sua própria nação, quase eram considerados como
pagãos (Mt 18.17). Os publicanos de que fala o N.T. eram olhados como traidores e apóstatas,
instrumentos do opressor, e classificados como pessoas do mais vil caráter (Mt 9.11 - 11.19 -
18.17 - 21.31,32), sendo os seus únicos amigos os desterrados. Não admira, pois, que Aquele
que comia e bebia com publicanos fosse tratado com desprezo pelos seus conterrâneos (Mt
9.11 - Lc 15.1 - 19.2). As próprias esmolas dessa gente não eram aceitas para a caixa dos
pobres da sinagoga. Uma virtude, pelo menos, eles possuíam: a de não serem hipócritas. O
publicano que no templo clamou: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador!” (Lc 18.13), mostrava
que alguns da sua desprezada classe tinham sido tocados pela pregação de João Batista (Mt
21.32). o publicano Mateus foi escolhido para o número dos doze discípulos pelo Divino
Mestre. Com base nesse estudo, ninguém melhor do que Mateus (ainda que não existam
evidências no livro de que ele é o autor) para escrever o evangelho que trata como tema
central a essência do Reino dos céus, a necessidade da vida baseada na fé para a mudança de
comportamento moral e espiritual para estar apto a fazer parte desse Reino e finalmente a
mudança radical e profunda que o Evangelho genuíno deve provocar na vida daquele que o
aceita.
Certamente, o judaísmo que Jesus conheceu não possuía um “rosto” único, mas, ao contrário,
estava constituído por uma multiplicidade de facções, “seitas” ou partidos, cada um dos quais
oferecia um “rosto” distinto e alegava encarnar o autêntico “ser judeu”. A diversidade – por
vezes contraditória e difícil de harmonizar – era, pois, a nota dominante.
Em meio a essa diversidade, quatro grupos ganharam especial destaque, a saber: saduceus,
fariseus, essênios e zelotas. Vamos conhecê-los.
Contexto político-social
Os saduceus
Os fariseus
Os essênios, por sua vez, constituíam, de acordo com o historiador judeu Flávio Josefo (37-101
dC.), “a mais perfeita” de todas as seitas (cf. Guerra dos judeus, II,12,153). Viviam
comunitariamente, trabalhavam a terra e possuíam todos os bens em comum. Eram
celibatários e destacavam pelo rigor dos seus costumes e práticas ascéticas. Ao parecer,
surgiram como um grupo dissidente do Templo durante o período asmoneu (163-63 aC.),
pouco antes da conquista romana. O descobrimento fortuito, em 1947, dos chamados
“manuscritos do Mar Morto”, nas proximidades das ruínas deQumran, revolucionou os
estudos bíblicos e deu a conhecer o maior legado essênio para nossos dias: seu labor como
copistas.
Foi sugerido que, além de serem importantes na preservação dos textos antigos do Velho
Testamento, eles podem ter tido uma outra influência. João Batista nasceu de pais já
avançados em idade e muitos acreditam que ele foi criado na comunidade de Qunrã quando
os pais morreram. Parte das obras de caridade deles era cuidar de órfãos e dos sacerdotes.
Existem reflexos dos conceitos essênios na mensagem de João – a necessidade de
arrependimento e do lavar ritual (batismo) e a espera da vinda do Messias.
Zelotes
Por fim, os zelotes eram um grupo político-nacionalista e, certamente, a facção mais belicosa.
Sucumbiram durante a guerra contra Roma, não sem antes oferecer a mais férrea resistência.
Eles criam que Deus só remiria o seu povo quando os romanos fossem expulsos do solo. O
grupo dos zelotes foi fundado por Judas da Galiléia em 6 d.C. Eles afirmavam que o pagamento
de impostos aos romanos era traição contra Deus.
Alguns acreditam que os zelotes tentaram estimular Jesus a chefiar uma revolta popular.
Segundo esse ponto de vista, Judas Iscariotes trabalhou com os zelotes a fim de colocar Jesus
numa posição impossível, na qual Ele teria de usar o seu poder divino para salvar-se. Ao ver tal
demonstração de poder, o povo imediatamente o seguiria. Judas arranjou supostamente a
derrota enquanto enchia os bolsos de dinheiro. Os que mantém essa opinião consideram Judas
cego em lugar de perverso. Eles afirmam que só vendo Judas desse modo podemos entender
como ele poderia ter dado um beijo afetuoso em Jesus na ocasião em que esse foi preso ou
compreender o suicídio subseqüente de Judas. Por outro lado, Jesus referiu-se a Judas como o
filho da perdição (Jo 17:12).
No ano 66 d.C., teve início uma revolta armada na Palestina por parte dos judeus, desejando
expulsar da sua terra a dominação romana. Neste levante, uniram-se alguns partidos político-
religiosos lá existentes: zelotes, sicários, essênios e até fariseus. Após quatro anos de duros
combates, as tropas romanas, lideradas pelo general Tito, finalmente conseguiram reaver o
controle e expulsar todos os judeus da sua pátria. No desfecho desta guerrilha cumpriu-se a
profecia feita por Jesus sobre o templo de Jerusalém quanto à sua destruição (Mt 24:1,2).
À luz desses dados, podemos dizer que, longe de ser um coletivo uniforme e sem distinções
internas, o judaísmo do período estudado era uma realidade complexa, conformada por
grupos não somente diversos como também concorrentes e até rivais. A diversidade na terra
de Israel era a tal ponto evidente que parece mais apropriado falar de “judaísmos” (plural) no
lugar de “judaísmo” (singular).
Contexto econômico
No aspecto econômico, é importante ressaltar que as altas taxas de tributação impostas pelos
romanos também causavam grande revolta e protestos por parte dos judeus. A economia
palestinense subsistia basicamente da agricultura e da atividade pesqueira. A sociedade na
Galiléia, principal cenário da atividade de Jesus, era constituída de pequenos agricultores ou
de sociedades de pescadores. Também os diaristas se apinhavam nas praças (Mt 20:1-15), ou
se punham a serviço e um grande proprietário, muitas vezes para a quitação de dívidas. O
sistema tributário era pesado e detalhado: havia impostos para quase todas as coisas.
Herodes, com suas construções monumentais (palácios, piscinas, teatros e fortalezas),
empobreceu o povo.
Contexto social
Quanto ao aspecto mais propriamente social, é importante citarmos a existência de escravos.
Estes não eram propriamente prisioneiros de guerra ou pessoas “compradas” de outros
setores, e sim, pessoas vitimadas pelo sistema opressor de altas taxas de tributação imposta
pelos romanos, que não podendo pagar suas dívidas, tinham a necessidade de trabalhar como
verdadeiros escravos, além de muitas vezes serem obrigados a vender mulher e filhos, para a
quitação de tais dívidas. A Palestina do primeiro século era profundamente marcada pela
miséria, pela proliferação de mendigos. A prostituição era muitas vezes um dos poucos meios
de sobrevivência. O povo que vivia à margem da religião oficial ainda possuía o trauma
resultante do ensino de escribas e fariseus de que estavam em tal situação por causa da
maldição de Deus.
É provável que o evangelho de Mateus tenha sido escrito para um publico constituído, em sua
maioria, de cristãos judeus, que se preocupavam com o papel da lei mosaica na nova vida
cristã. Esse evangelho também procura ressaltar de varias maneiras o papel da importância de
Pedro, talvez porque ele fosse apostolo para os judeus, como Gálatas 2 deixa bem claro. O
sentido geral de Mateus sugere uma época em que a comunidade cristã de origem judaica
teve de se posicionar contra a sinagoga e estava sofrendo perseguições porque não podia mais
se abrigar debaixo do guarda-chuva protetor da religião reconhecida chamada judaísmo. Essa
observação nos leva a uma época por volta de 70, ou mais tarde, quando o judaísmo já estava
se reorganizando em Jamnia. Mesmo assim, o autor quer demonstrar que a tradição de que
seus leitores dispunham sobre Jesus era mais do que suficiente para sustentar a comunidade
sem que eles tivessem de voltar para a sinagoga. Jesus é o sábio e o supremo mestre. Ele
também é o filho de Davi, Filho de Deus é até Emanuel, a presença e sabedoria de Deus
sempre no meio da sua comunidade.
Contexto remoto
O livro de Mateus inicia com uma detalhada genealogia de Jesus, assim como o livro de
Marcos, o mais antigo dos quatro evangelhos. Para a comunidade a que foi direcionado esse
livro, como desenvolvido acima, era necessário que se fundamentasse as origens de Jesus,
novamente com a preocupação de que o Messias cumprisse as escrituras do povo judeu, ou
seja, que o libertador de Israel tivesse a sua linhagem no patriarca Abraão, e
conseqüentemente passasse pela raiz de Davi. Mateus é enfático, logo no primeiro capítulo do
livro, em fundamentar a genealogia de Jesus em Abraão e Davi, ou seja, Jesus Cristo era o
Messias esperado pelo povo judeu. Mateus faz tornar patente como, através das encruzilhadas
da história, o nascimento de Jesus vai sendo pacientemente preparado, tecido, esperado. Para
Mateus, Jesus é, incontestavelmente, a meta das promessas da Antiga Aliança; o ponto de
chegada da senda que Abraão iniciou; o acontecimento escatológico por excelência (ou seja, a
Palavra última e definitiva de Deus para a humanidade).
Nos próximos capítulos do Livro Mateus então se preocupa em desdobrar a vida e ministério
de Jesus Cristo na Terra, continuando a dar a ênfase de que Jesus é o Messias de Israel, assim
como sua proposta do Reino dos céus, e o ingresso nesse Reino mediante a vida pela fé; um
tripé essencial para configurar em uma comunidade que abraçava recentemente o
Cristianismo, e que ao mesmo tempo lutava contra a perda de uma identidade fundamentada
nas raízes do seu povo, e como se não bastasse tudo isso, acabara de perder todos esses
fundamentos pela destruição da cidade santa. Mas é extremamente importante entender e
sinalizar que Mateus tem todo o cuidado no início do livro em demonstrar, pela genealogia e
inserção dos personagens na história de que Jesus acumula todas as evidências para concluir
de uma vez por todas que Ele era o Cristo, ansiosamente aguardado pelo povo da aliança.
Cônego Liddon, em suas Bampton Lectures, refere-se ao sermão como “aquele esboço original
de cristianismo essencial”. Se isso for interpretado como significando que o sermão do monte
é a mensagem cristã para o mundo pagão, precisaremos então replicar como o lembrete que
se trata manifestamente de didachê (ensino, doutrina, instrução em grego clássico) e não de
kerygma (palavra usada no Novo Testamento com o significado de mensagem, pregação,
anúncio ou proclamação). Não há como considerá-lo como “boas novas”, tornando-o condição
para a entrada no Reino. Trata-se, antes, de uma descrição do caráter daqueles que já
aceitaram o convite para ingresso no Reino, descrevendo a qualidade da vida ética que agora
se espera dos tais. Em outras palavras, Mateus tem o cuidado de trazer uma linha de
raciocínio, ou seja, Jesus vem desde o capítulo 4 convidando os seus ouvintes a se envolverem
à sua proposta do Reino, no início do seu ministério na Galiléia. Ali, ele forma sua “equipe de
primeiro pelotão” (Mt 4:18-22), em seguida forma a sua “congregação” com aqueles de toda a
região e circunvizinhança que ouviram e receberam a sua proposta (Mt 4:23-25) e finalmente
Ele começa a desdobrar quais seriam as responsabilidades, para aqueles que haviam
inicialmente atendido o seu convite, a definitivamente se tornarem aptos a esse Reino.
Estudo textual
Delimitação da Perícope
1. ιδων δε τους οχλους ανεβη εις το ορος και καθισαντος αυτου προσηλθον αυτω οι
μαθηται αυτου
10. μακαριοι οι δεδιωγμενοι ενεκεν δικαιοσυνης οτι αυτων εστιν η βασιλεια των ουρανων
Análise textual das versões bíblicas
Comentários sobre a mensagem para a época escrita
Com base em todas as pesquisas realizadas até o momento, podemos entender que o
evangelho de Mateus foi escrito direcionado para um público específico, o povo judeu recém
convertido ao Cristianismo, e que em meio a um período em que praticamente toda a
identidade do povo de Israel foi destruído, juntamente com o templo. A diversidade de seitas e
pensamentos religiosos que subdividiam a nação havia desaparecido, restando apenas a
ordem dos fariseus, pelos motivos já explicados acima, e o início da comunidade cristã, ainda
não denominada como tal devido o seu pouco tempo de existência. Mateus então traz a
preocupação de evidenciar através de registros a veracidade dos fundamentos estabelecidos
por Jesus Cristo, chamados de Nova Aliança.
Cronologicamente, Jesus já havia iniciado o seu ministério, em 27 d.C., passando pela região da
Galiléia, Cafarnaum, Jerusalém e Judéia. Sua fama já havia percorrido em muitos lugares pelo
teor de sua pregação e sinais que realizava, como evidenciado no evangelho de Mateus
capítulo 4 versículo 24. E seguramente grande multidão já o acompanhava em sua viagem
missionária, como pode ser observado em Mt 7:28,29 e Mt 8:1.
Essa multidão, provavelmente grande parte motivada pela base de sua pregação (é chegado o
Reino dos Céus) e pelos sinais manifestos, que fatalmente confirmavam a verdade dessa
pregação. A grande maioria daquela multidão, certamente formada por judeus (Mt 4:25) em
seu entendimento acreditavam compreender que Reino era aquele, pois eles “conheciam” as
promessas de Deus, e estavam enraizados em suas tradições. Sem sombra de dúvidas em seus
pensamentos e até comentários estava a convicção de que Deus havia finalmente ouvido o
clamor do seu povo, o tempo da espera havia terminado, e o Reino davídico seria
restabelecido.
Com base em que argumentação podemos dar essa afirmação, além das já apresentadas nos
estudos acima?
Nos dias de Jesus, havia grande expectativa quanto a vinda do Messias. O entendimento geral
com respeito a Ele estava conectado à esperança de libertação e salvação da ocupação
estrangeira sob a qual os judeus viviam desde seu retorno do tempo de exílio na Babilônia. Por
séculos foram governados pelos gregos, ptolemaicos e selêucidas. Então, após 100 anos de
autonomia, passaram a ser dominados por Roma. Ansiavam por não mais serem governados
por estrangeiros, mas por Deus em Seu reino. A expectativa era que o Messias prometido os
livrasse do domínio estrangeiro e re-fundasse o reino de Israel, o qual consideravam ser o
reino de Deus.
Houve grande comoção quando se ouviram histórias de um homem que operava milagres e
falava do reino de Deus. Talvez fosse chegado o tempo de libertação da nação de Israel,
independência das forças estrangeiras e o estabelecimento do reino nacional físico pelo qual
esperavam. Entretanto, os ensinamentos de Jesus sobre o reino excediam as expectativas de
uma entidade política ou geográfica. Em vez disso, em essência, Ele redefiniu e substituiu as
expectativas dos judeus com respeito ao reino.
O Reino dos Céus, ou Reino de Deus, é o tema central da pregação de Jesus, segundo os
Evangelhos Sinóticos. Enquanto que Mateus, que se dirige aos judeus, na maioria das vezes
fala em Reino dos Céus, Marcos e Lucas falam sobre o Reino de Deus; expressão essa que tem
o mesmo sentido daquela, ainda que mais inteligível para os que não eram judeus. O emprego
de Reino dos Céus em Mateus certamente é devido à tendência, no judaísmo, de evitar o uso
direto do nome de Deus. Seja como for, nenhuma distinção quanto ao sentido deve ser
suposta entre essas duas expressões.
João Batista apareceu primeiramente, anunciando que o Reino dos Céus estava próximo
(Mt 3:2) e Jesus deu prosseguimento a essa sua mensagem, depois que João Batista foi
aprisionado (Mt 4:17). A expressão “Reino dos Céus”, em hebraico “malekhüth shamayim”, se
originou com a posterior expectativa judaica sobre o futuro, na qual denotava a intervenção
decisiva de Deus, ardentemente aguardada por Israel, a qual restauraria a sorte do seu povo e
os livraria do poder dos seus inimigos. A vinda do Reino era a grande perspectiva do futuro,
preparada pela vinda do Messias, que pavimentaria o caminho para o Reino de Deus.
Quando João Batista e, depois dele, o próprio Jesus, proclamaram que o Reino estava próximo,
essa proclamação envolvia um grito de despertamento dotado de uma sensacional e universal
significação. Proclama-se a aproximação do ponto decisivo divino, da história humana, que já
era tão almejado, embora que seja com expectativas diversas. Portanto, reveste-se da maior
importância a pesquisa do conteúdo da pregação neotestamentária no tocante à vinda do
Reino.
Na pregação de João Batista dá-se proeminência ao anúncio do julgamento divino como uma
realidade que estava prestes a suceder. O machado já estava colocado à raiz das árvores. A
vinda de Deus na qualidade de Rei visava, acima de tudo, purificar, peneirar e julgar. E
ninguém podia escapar desse exame minucioso. Nenhuma privilégio podia isentar do mesmo,
nem mesmo a capacidade de alguém dizer-se descendente de Abraão. Ao mesmo tempo, João
Batista apontava para a vinda dAquele que o seguiria, de quem ele era apenas o precursor. E
Aquele que viria traria a pá de joeirar na sua mão. Em vista de Sua vinda, o povo devia
arrepender-se e submeter-se ao batismo para a lavagem dos pecados, afim de escaparem da
ira vindoura e participarem da salvação do Reino e do batismo no Espírito Santo, o qual seria
derramado quando o Reino se revelasse (Mt 3:1-12).
A proclamação do Reino por Jesus seguia a pregação de João Batista palavra por palavra; no
entanto, tem um caráter muito mais abarcador, compreensivo. Depois que João havia
observado a aparência de Jesus por um tempo considerável, ele mesmo começou a duvidar se
Jesus, afinal de contas, era Aquele que viria, conforme ele mesmo havia anunciado (Mt 11:2).
Quando João Batista enviou seus discípulos para que perguntassem “És tu aquele que estava
para vir, ou havemos de esperar outro?” foi mostrado as maravilhosas obras praticadas por
Jesus, as quais, de conformidade com a promessa profética, já estavam manifestando a
presença do Reino; os cegos recebiam de volta a visão, os coxos podiam novamente andar, os
surdos eram novamente capazes de ouvir, leprosos estavam sendo purificados, e os mortos
estavam sendo ressuscitados, enquanto que o evangelho estava sendo anunciado aos pobres.
Na última dessas promessas que se cumpriam - a proclamação do evangelho – podia ser visto
também o surgimento do Reino. Visto que a salvação estava sendo anunciada e oferecida
como um presente já disponível aos que sentiam a pobreza de seus espíritos, aos famintos, aos
que choravam, então é que o Reino já lhes fora dado.
Pouco antes da Ascenção os próprios apóstolos manifestaram uma como ignorância acerca da
natureza do reino messiânico: “Senhor, é porventura agora que ides instaurar o reino de
Israel?” (At 1:6). Somente a vinda do Espírito Santo em Pentecostes pôde esclarecê-los.
Os exemplos citados acima, de personagens tão íntimos ao ministério de Cristo na Terra e tão
ligados à sua verdade evidenciam qual era, e qual é a expectativa do povo judeu quanto ao
conceito de Reino dos Céus e da figura do Messias. O anúncio do Messias perpassa e se reforça
ao longo do Antigo Testamento, desde o primeiro livro (Gn 3, 15; 22, 18; e 49, 8-10) até
Malaquias (Ml 3, 1), desdobrando-se em imagens particularmente impressionantes em Isaias e
Daniel. O Messias será um rei judeu (descendente de Davi), cujo esplendor embaciará o dos
demais reis; seu reino reunirá os povos em torno do culto do Deus verdadeiro. Todos estão de
acordo com isso. Ora foi justamente desse reino messiânico que Jesus veio falar por meio de
parábolas (uma dúzia delas se apresentam desde o começo como a descrição do reino tão
esperado, semelhante a um grão de mostarda, a um tesouro escondido etc.).
Dominados pelos romanos os judeus da época sofriam havia séculos a influência de uma
literatura apócrifa que apresentava o futuro Messias como o herói da guerra de libertação e
conquista do mundo. Inflingiram-se grande mal ao se instruírem da noção temporal do reino
de Deus.
Dois mil anos mais tarde ainda é a mesma a pedra de tropeço: Nosso Senhor Jesus Cristo viera
pregar um reino sobrenatural, salvando as almas das garras do demônio, distribuindo as
riquezas da graça e caridade divinas, e preparando coroas de glória eterna no outro mundo.
Persistem os judeus ao contrário na expectativa de reino, riquezas, coroas, vitórias e glórias
terrestres, interpretando nessa perspectiva as profecias do Antigo Testamento. A oposição é
insolúvel.
Como exemplo, o publicista judeu rabino Shraga Simmons, editor da Aish.com em Jerusalém,
redigiu uma lista com alguns argumentos na tentativa de demonstrar que Jesus Cristo não é o
Messias prometido de Deus e anunciado pelos profetas. Para ele:
Com base nesses estudos e informações, conseguimos compreender então qual era a real
expectativa daquela multidão, em grande parte formada pelo povo judeu, quanto ao
surgimento do Messias e restabelecimento do Reino de Israel. E desta forma podemos avançar
no entendimento da real intenção da perícope escolhida para o estudo exegético, assim como
o objetivo do escritor do livro em fazer tal registro.
Havia chego então, na perícope escolhida, o momento de Jesus revelar aos que o seguiam com
suas motivações, de maneira mais detalhada em que consistia o seu Reino, e o que era
necessário para ser apto a ele.
Jesus passa então, com seus discípulos e a multidão reunidas naquele monte, a enumerar
quais devem ser as características e a conduta daquele que deseja viver o Reino até então
pregado, e naquele momento, com base em todos os estudos realizados até agora, que muitos
ali presentes devem ter entrado em conflito consigo mesmo, pois aquelas características em
absolutamente nada iria ajudar a resgatar das mãos do Império Romano o reinado de Israel!
Jesus continua seu sermão trazendo a verdade sobre a aplicação da lei mosaica (Mt 5:17), e
denunciando a prática hipócritas das seitas religiosas da época, que subjulgavam o povo com
condutas impossíveis de serem cumpridas, e que os afastavam da vontade de Deus (Mt 6:1).
Ao final do sermão Jesus conclui com uma advertência sobre as nossas corretas motivações e
prioridades, que muitas vezes parecem ser bem intencionadas e em nome de Deus, mas a
grande lição é que devemos constantemente, através de uma vida piedosa, buscar a nossa
caminhada à vontade plena de Deus.
A grande lição desse estudo é que muitas vezes em nossa caminhada no evangelho somos
naturalmente direcionados a buscar motivações que não são as que foram propostas por
Jesus, para ser apto ao Seu Reino. Essa “mudança de foco” é naturalmente manifesta pela
existência de dois reinos em nossas vidas, o da razão humana e o das tradições religiosas.
Jesus durante esse sermão nos mostra que para estar apto ao Reino Dele devemos lutar,
através da capacitação do Espírito Santo em nossas vidas, para que vençamos esses dois
reinos.
Finalmente, Jesus nos ensina no final do seu sermão que muito mais precioso do que o fazer é
o ser. Ele mesmo afirma aos seus apóstolos que realizariam obras como as que Ele realizou, e
maiores ainda, quando viesse o Consolador. Porém quando as obras não têm o objetivo de
glorificar a Deus, pregar o evangelho de Cristo e cumprir a Justiça, ela é vazia, e quando no
julgamento ela for passada pelo fogo queimará como palha. A justiça do evangelho da cruz de
Cristo foi resumida por ele mesmo em dois mandamentos: “Amarás o Senhor teu Deus de
todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. E Amarás o teu
próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.”
(Mt 22:37,39,40)
A grande maioria das igrejas cristã de hoje tem enfatizado a prática das obras, ou seja, quanto
mais você realizar mais útil será ao Corpo e ao Reino. Os cargos e funções que devem servir ao
Corpo são distribuídos na medida em que trago resultados, não importa de que maneira eu
tenha alcançado esses. Vemos nas palavras do nosso Senhor que não foi isso que Ele afirmou.
Líderes, obreiros, membros, todos precisamos urgentemente voltar nossos olhos e ouvidos,
assim como práticas, para o sermão da montanha, e mais especificamente para as noves bem-
aventuranças. O corpo de Cristo precisa se auto-examinar, e saber se essas características
listadas por Jesus Cristo estão fazendo parte de nossas vidas, tanto dentro quanto
principalmente fora da igreja. A Igreja de Jesus Cristo (essa com I maiúsculo) está doente
espiritualmente, formando uma geração de crentes totalmente alheios ao evangelho
propriamente dito, e isso é abominável ao Deus Santo e Justo.
Uma das figuras de linguagem utilizada por Paulo em suas cartas para se referir à Igreja é o
Corpo. Não por acaso, pois assim como o corpo humano, não cabe aos pais de uma criança
determinarem o quanto ela irá crescer em um determinado período, ela irá crescer
naturalmente. Porém cabe a eles, e essa é sua responsabilidade, em dar os recursos
necessários para que ele cresça de maneira saudável, como uma boa educação, alimentação
entre outros. Da mesma forma a Igreja, o Corpo de Cristo, cresce de maneira natural, mas cabe
àqueles que estão envolvidos com esse crescimento, ou seja, aqueles que já entenderam a sua
salvação pela graça e atingiram uma determinada maturidade espiritual para servir, se o Corpo
crescerá de maneira saudável ou enferma.
Tomando, em meio a essa conclusão, as anotações de outro autor, anunciam as parábolas que
o Reino será belo e se estabelecerá sobre a terra, mas somente como antecipação provisória
da realidade celeste (Nosso Senhor designa-o como O Reino dos Céus: Mt 13); ele se
constituirá na dimensão política e social, mas é antes de tudo interior, havendo mister de
buscá-lo para descobri-lo verdadeiramente (parábolas do tesouro escondido e da pérola
preciosa); não virá com a pompa esperada pelos fariseus (Lc 17, 20), mas crescerá com
lentidão (parábola do semeador), transformando a pouco e pouco o mundo (parábola do
fermento), no qual não obstante haverá sempre maus (parábolas do joio, da rede, do homem
em núpcias sem a roupa nupcial, das virgens imprudentes etc.); sobretudo, o reino não se
estabelecerá no brandir do aço (Mt 26, 52), mas ao contrário sofrendo perseguições (Mt 5, 10-
12; Jo 12, 24-25); as riquezas não serão mais de ouro ou prata, mas interiores (Mt 5, 3); os
chefes não terão por fim dominar outrem, mas servi-los (Lc 22, 24-27; Jo 13, 15); enfim, ainda
que surgindo entre os judeus (Mt 15, 24) e impondo-se ao mundo inteiro (Mt 28, 18), o reino
não constituirá domínio mundial e temporal do povo eleito, mas ao contrário será lugar de
eleição dos pagãos convertidos, figurados nas ovelhas reencontradas (Jo 10, 16), no filho
pródigo que retorna ao lar (Lc 15), no publicano arrependido (Mt 9, 9-13; Lc 18, 14 e 19, 2) e
na conversão dos pecadores públicos (Lc 7, 39 e 23, 43); por sua vez os judeus – os primeiros a
serem chamados – excluir-se-ão a si, como indicam as parábolas dos vinhateiros homicidas (Mt
21, 33-46), das núpcias reais (Mt 22, 1-14) e do grande festim (Lc 14, 15-24).
Jesus nos confiou essa responsabilidade, através de Sua grande Comissão, para através de
nossas vidas estabelecer o Reino Dele na Terra.
Que possamos entender que somos espiritualmente pobres, afim de nos humilharmos diante
Dele e nos tornarmos cada dia mais dependentes de Deus e mortificar a nossa auto-suficiência
humana, Como Adão e Eva deixaram de fazer;
Que possamos chorar mais em arrependimento, ao invés de nos alegrarmos nas delícias que
esse mundo proporciona para o deleite da nossa carne, como fez Sansão. Que possamos
chorar mais em arrependimento pela nossa igreja, pela vida do nosso irmão, pela nossa
família, pela nossa nação, como fizeram Neemias e Daniel;
Que possamos ser mais mansos e humildes, ao invés de se utilizar da violência, seja ela física,
verbal ou até espiritual, para alcançarmos aquilo que desejamos obter conforme nosso desejo,
como fez Caim;
Que possamos ter mais fome e sede de fazer a vontade de Deus, para experimentarmos como
ela é boa, perfeita e agradável, não somente na motivação de nos fazer bem, mas que essa
felicidade plena alcance o nosso próximo, como fez o nosso próprio Senhor Jesus Cristo;
Que possamos ter misericórdia dos outros, para que possamos aprender que o perdão é a
chave para o exercício da fé dinâmica do Espiríto Santo, que nos habilita verdadeiramente a
viver as maravilhas do Reino, como Pedro aprendeu no evento da figueira sem frutos;
Que possamos ter o coração puro, porque é ele que nos faz sermos sensíveis ao mover do
Espírito Santo, para caminharmos na Sua plena vontade, como Elias aprendeu no cicio
tranqüilo no monte;
Que possamos trabalhar pela paz, porque assim seremos tratados por Ele como filhos, e
teremos nossa herança restituída, como recebeu o filho pródigo;
Que possamos ter alegria em sofrer perseguições por fazermos a vontade de Deus, porque
leve e momentânea é a tribulação, comparada ao peso de glória que está para ser revelado.
Que possamos ter essa alegria, porque ao final poderemos como Paulo declarar, combati o
bom combate, completei a carreia, guardei a fé. Minha oração é que todos os dias dessa vida
terrena essa verdade possa ser a nossa bússola, que nos conduz a viver o que Deus tem
reservado para nós.
A grande verdade desse estudo é que sim, na maioria das vezes as aplicações desse sermão se
tornam utópicas, pela lei do pecado que rege nosso corpo mortal. Mas ao mesmo tempo o
desejo de Deus para nossas vidas nesse tempo presente é que não sejamos perfeitos, mas sim
que busquemos o aperfeiçoamento todos os dias das nossas vidas. Que possamos incorporar a
verdade declarada por Paulo, de não se conformar com esse mundo, mas que sejamos
transformados pela renovação do nosso entendimento, para que experimentemos qual seja a
boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Que nos esforcemos a cada dia para buscarmos
essa verdade em nossas vidas cristãs dentro das igrejas. A consumação plena do Reino virá sim
quando Ele voltar para buscar a Sua Noiva, mas está em nossa responsabilidade nos
prepararmos o mais próximo desse padrão.
Referências bibliográficas
Novo Testamento Interlinear Analítico – 2ª Edição – Paulo Sérgio Gomes e Odayr Olivetti
(Editora Cultura Cristã)
Dicionário da Bíblia de Almeida – Werner Kaschel e Rudi Zimmer (Sociedade Bíblica do Brasil)
O Novo Dicionário da Bíblia – Volume III – R.P. Sheed (Edições Vida Nova)