Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ele é melhor lembrado por promulgar uma condenação de 219 proposições filosóficas e
teológicas (ou artigos) que abordaram conceitos que estavam sendo contestados na
faculdade de artes da Universidade de Paris.
===============================================================
Egídio tem sido reconhecido como um dos mais proeminentes pensadores da geração
posterior a Tomás de Aquino. Nascido em Roma em meados do século XIII (entre 1243 e
1247), vindo de família humilde, Egídio Romano ingressou, entre os anos de 1258-60, na
Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho. Autor de mais de 100 tratados no campo da
política, filosofia e teologia, Egídio foi um dos primeiros agostinianos estudar na
Universidade deParis. Após formar-se na Faculdade de Artes, pré requisito para cursar a
Faculdade deTeologia, Egídio tem aulas com Tomás de Aquino, nos anos de 1269 e
1272. A partir desse contato com Aquinate, sua produção teórica passa a relacionar-se
com os tratados Aristotélicos. Em 1277, contudo, sua formação universitária é
momentaneamente interrompida, quando após a condenação das 219 teses pelo Bispo
de Paris Estevão Tempier, uma nova comissão é formada, tencionando a análise de
algumas proposições egidianas
No século XIII, um conflito entre fé e ciência teve um resultado
surpreendente: uma teoria medieval sobre universos paralelos
Por Sarah Laskow, no Atlas Obscura. Tradução de Renato Pincelli.
Etienne Tempier tinha um problema. Em 1277, ele era o Bispo de Paris e ouviu boatos de
que, na Sorbonne, os membros da faculdade de artes — os professores do lado não-
teológico da universidade — estavam ensinando ideias heréticas, derivadas das obras de
Aristóteles. O próprio papa [João XXI, único papa português], que havia sido professor de
teologia na Sorbonne, escreveu uma carta pedindo a Tempier [?-1279] que verificasse
esses rumores.
O bispo respondeu com uma lista contendo 219 proposições que ele condenou como
heréticas. Docentes de qualquer faculdade de artes que as ensinassem deveriam ser
excomungados da Igreja e perder seu cargo de professor. Para uma mente moderna, isso
não cheira bem: um líder religioso censurando o cânone de um dos mais influentes
filósofos ocidentais.
No século XXI, é fácil pensar na Europa medieval como um lugar atrasado em termos
intelectuais, numa época em que a religião governava e os progressos científicos e
artísticos eram sufocados. Mas esse desentendimento entre dois departamentos
universitários — artes e teologia — do século XIII iria levar os pensadores medievais a
considerar ideias que parecem surpreendentemente modernas. Ao rejeitar um princípio-
chave do aristotelismo, Tempier inspirou os estudiosos medievais que o sucederam a
desenvolver uma teoria de multiverso e a considerar as possibilidades de mundos
distantes habitados por seres alienígenas.
“Pode-se pensar que é sorte ou insight, mas derrubar um dogma científico faz crescer
novas ideais, renovando o cenário”, diz Christopher Clemens, professor de astronomia na
Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill. Clemens está estudando as “ideias
medievais de multiverso”, título que ele deu a uma palestra recente. Astrofísico estelar,
ele oficialmente estuda anãs-brancas mas há cerca de dez anos ele começou a ler sobre
o pensamento científico medieval como parte de um esforço da universidade para criar
classes multidisciplinares. Seu guia para esse mundo foi Pierre Duhem [1861-1916],
cientista e historiador que o deixou fascinado.
No século XIX, Dunhem reexaminou a história do pensamento científico medieval e
propôs uma tese controversa: não houve, essencialmente, uma “revolução científica”
durante o Renascimento e sim uma continuação do que já havia começado a acontecer
no pensamento medieval da “era das trevas”. Dunhem, em particular, pensou que as
condenações de Tempier em 1277 liberou os pensadores da Europa cristã da influência
de Aristóteles, abrindo caminho para o desenvolvimento da ciência moderna.
Historiadores convencionais costumam ser céticos diante de Dunhem, mas Clemens
pensa que ele descobriu alguma coisa. No caso dos multiversos medievais, pelo menos, é
possível seguir uma trilha que vai de uma das condenações de Tempier até ideias que
surgiram mais de um século mais tarde sobre mundos infinitos repletos de criaturas
alienígenas.
Entre as ideias condenadas por Tempier estava um princípio do pensamento aristotélico
segundo o qual a “causa primeira” (ou, como diriam os estudiosos medievais, Deus) não
poderia ter feito mais de um mundo. A lógica era mais ou menos assim: a terra era um
dos quatro elementos e um de seus princípios era de que ela se movia no sentido do
centro do mundo. Porém, se houvesse um mundo vizinho ao nosso, com a terra no seu
centro, aquela terra não estaria se movendo ao redor do centro da Terra. Como isso viola
as regras de comportamento do elemento terra, só poderia haver um único mundo.
Para Tempier, no entanto, essa ideia ia de encontro a um princípio teológico muito
importante: Deus seria todo-poderoso e poderia realizar qualquer coisa que quisesse.
Como não pode haver limites aos poderes de Deus, não pode haver limites ao número de
mundos, que poderiam ser múltiplos, se Ele quisesse. Alguns pensadores medievais
tomaram isso como um desafio. “Imediatamente, eles começaram a dizer ‘Vamos dar uma
olhada minuciosa no que Aristóteles disse’”, explica Clemens. Eles começaram a observar
mais detalhadamente, por exemplo, em antigos comentários em aramaico sobre
Aristóteles e consideraram o que mais seria possível. “Eles descobriram novas ideias que
estavam além dos limites da física aristotélica da época”, diz Clemens.
Richard de Middleton, por exemplo, que viveu na segunda metade do século XIII [c.1249–
c.1308], respondeu a Tempier afirmando ser possível a existência de mais de um
universo: “Deus poderia e pode ainda agora criar outro universo”. Ele tentou reconciliar
isso com o pensamento aristotélico argumentando que a matéria do segundo mundo
ficaria separada em seu próprio universo, sendo que a terra se aglomeraria no centro de
cada um.
Um estudioso mais tardio, William de Ware, desenvolveu ainda mais essa ideia. O que
significa falar em outro mundo? — ele se perguntou. Ele não pensava na possibilidade de
dois universos vizinhos: por definição o universo deveria conter toda e qualquer criação já
feita. Então como poderia haver mais de um mundo? Ele argumentou que os múltiplos
mundos teriam que ser inteiramente separados, sem quaisquer meios de interação
— algo que hoje em dia chamaríamos de universos paralelos.
“Esse é o modo no qual pensamos em multiversos hoje”, diz Clemens em sua palestra.
“Nós pensamos, no jargão moderno, que eles são espaços causalmente desconectados
que não podem interagir.”
Por volta do século XV, as ideais medievais sobre o universo já estavam longe do ideal
aristotélico de um mundo único com a Terra no seu centro. O teólogo e astrônomo
Nicolau de Cusa (1401-1464) acreditava que se fôssemos capazes de sair do planeta,
veríamos múltiplos corpos luminosos além do nosso próprio mundo — estrelas, planetas e
luas distantes. Ele chegou até mesmo a imaginar que esses planetas poderiam ser
habitados, atribuindo ao sol habitantes brilhantes e intelectuais enquanto a lua abrigaria
uma população de “lunáticos”. Isso foi cerca de um século antes de Galileu ganhar fama
ao rejeitar a ideia de um mundo geocêntrico e colocar o sol no centro do universo.
Esses pensadores medievais estavam trabalhando a partir de uma ideia religiosa sobre o
poder divino. No entanto, essa linha de investigação também promoveu uma abertura
científica a diferentes ideias sobre a estrutura e o funcionamento do mundo físico. Seguir
o modelo de Tempier levou os pensadores medievais a algumas ideias
surpreendentemente modernas sobre universos paralelos e exoplanetas — algo que, no
mínimo, faria Aristóteles rir.
O intelecto agente parece ser algo afastado da humanidade, uma criação distinta, à
qual uns poucos favorecidos podem chegar.
Cremos que tem cabimento aqui expor em traços gerais o pensamento de Averrois,
uma vez que foi o filósofo árabe mais influente na escolástica, que deu origem ao
chamado averroismo. O amor de Averrois à filosofia é uma espécie de religião. “A
única religião para os filósofos é fazer um profundo estudo de tudo o que existe;
portanto, não podemos prestar um culto maior a Deus do que conhecer as Suas
obras, que provocam conhecer-Lo em toda a Sua realidade”.[8]
A admiração deste pensador árabe por Aristóteles não conhecia limites: “Este
homem tem sido a regra da Natureza e um modelo no qual ela procura expressar o
tipo da perfeição última”.[9]
Ele fez epítomes de Aristóteles, ele parafraseou Aristóteles; ele comentou
Aristóteles. Estas três operações ficaram conhecidas como os seus três comentários.
Averrois era designado pelos escolásticos ocidentais de Comentador. São Tomás de
Aquino aprendeu e seguiu o seu método. Tal como Averrois, Tomás de Aquino não
conhecia a língua de Aristóteles, mas ele socorreu-se do irmão William de
Moerbeke, como já referimos atrás, para elaborar traduções directas do grego.
[7] “ Une humanité vivante et permanente, tel semble donc être le sens de la théorie
averoïstique de 1'unité de 1'intellect”. (Renan, loc. cit., p. 138).
As condenações de 1277
Para Piche, a censura de 1277 representa um signo revelatório de uma situação histórica
de crise do pensamento onde as figuras conflituais do espírito humano são colocadas em
jogo: em 1277, uma racionalidade religiosa estabelecida opõe-se a uma intelectualidade
que se quer axiologicamente neutra relativamente à religião. Em 1277 uma moral
teologicamente cristã digladia-se com uma ética filosoficamente laica.
Ainda que se possa pensar que a condenação não teve efeito fora da jurisdição do
episcopado de Paris, o decreto do bispo Tempier é detentor de uma ação simbólica e
moral que se estende para lá dos limites da diocese de Paris, porque provém da
metrópole intelectual da cristandade latina e se dirige aos membros do mais prestigioso
centro de estudos filosóficos e teológicos da época – a Universidade de Paris.
O bispo não actuou sozinho na censura. O papa João XXI mandou-lhe que fizesse uma
investigação sobre os promotores e os locais de difusão de certos erros doutrinais.
Tempier reúne para esse propósito uma equipa de pesquisa de 16 teólogos, entre os
quais se encontrava Henri de Gand. A estes teólogos cabia a tarefa de examinar a
literatura filosófica suspeita a fim de lhes extrair as ideias heterodoxas. A comissão
dirigida pelo bispo de Paris recolhe assim, num curto espaço de tempo, que vai de três
semanas a um mês, um conjunto desorganizado de teses que foram reunidas
aparentemente sem qualquer critério de ordem e que deram origem ao sílabo dos 219
artigos.
A emergência de um saber pagão global, oposto em muitos pontos aos dogmas cristãos,
alvo de denúncias e condenações da parte dos teólogos e dos homens da Igreja, está
relacionada com dois factores culturais: a tradução para latim das principais obras do
peripatetismo grego-árabe e, por outro lado, a sua integração progressiva no seio da
cultura intelectual das universidades.
É o próprio bispo de Paris que refere que o que leva à condenação das teses é a luta
contra os “erros execráveis” dos artistas. Colocam-se duas questões: as teses
denunciadas pelo bispo como heterodoxas tinham realmente defensores, eram realmente
ensinadas na Faculdade de Artes de Paris? E se a resposta for afirmativa, em que
contexto foram elas apresentadas pelos magistri artium?
Os grandes temas em torno dos quais gira a condenação de 1277 são uma teologia
minimalista da ciência e do poder divinos; uma cosmologia eternalista e estruturalista, ou
seja, a visão de um mundo estruturado eternamente segundo os princípios físicos e
metafísicos intrínsecos que aos quais até mesmo ser divino deve respeitar mesmo que
ele intervenha na ordem cósmica; uma antropologia determinista, a saber, primeiramente
a concepção de uma vontade humana onde o livre-arbítrio está fortemente subjugado seja
pelos julgamentos do intelecto divino (determinismo psicológico), seja pelo impulso dos
desejos, dos apetites ou dos objectos apetecíveis (determinismo das paixões), seja pela
influência das esferas celestes (determinismo astral), e em segundo lugar, a colocação
fora do sujeito da faculdade intelectiva, ou seja, a ideia segundo a qual o intelecto na sua
integralidade – enquanto potência receptiva das espécies inteligíveis (intelecto passivo)
que como principio activo capaz de abstrair os conceitos das coisas ou das suas imagens
sensíveis (intelecto agente) – não pertence propriamente a alguma subjectividade
individual, dito de outra forma, está radicalmente separado de todo o individuo humano e
é único para todos os homens (a famosa doutrina do monopsiquismo). Daqui decorre por
um lado a impossibilidade de imputar a responsabilidade e a não sobrevivência da alma
relativamente ao corpo.
http://razao-e-fe.blogspot.com.br/2009/12/conitnuacao-do-artigo-sobre-o-problema.html
================ ============== ================ ==========
http://www.consciencia.org/pedro_abelardo.shtml
1 – Escopo do trabalho
O problema que se coloca nesse trecho resume a temática da querela dos Universais, discussão
central na filosofia medieval, da qual se ocuparam diversos autores além de Abelardo num grande
período de tempo. Trataremos aqui, de forma compacta, de alguns aspectos dos universais e da
visão de Abelardo sobre o tema. A questão dos universais é primeiramente enunciada a partir da
Isagoge de Porfírio. Isagoge é o termo grego para "introdução". Trata-se de uma introdução às
categorias de Aristóteles, que como o filósofo mais importante e de maior alcance, era objeto
constante de comentários, debates e glosas. Averróis, por exemplo, era conhecido como O
comentador e escreveu dezenas de obras sobre o filósofo. Porém ele é de uma geração posterior a
Abelardo, viveu entre 1126 e 1198, enquanto Abelardo viveu entre 1079 e 1142. Nesse período de
tempo a obra de Aristóteles se difundiu consideravelmente. A geração de Abelardo conhecia
Aristóteles principalmente através das traduções de Boécio para o latim de duas únicas obras,
referentes ao corpo da lógica no sistema: Categorias e De Interpretatione. Estas, juntamente com
outros cinco textos (além de Isagoge, De syllogismo categórico, De syllogismo hypothetico, De
diffèrentiis topicis and De divisione do próprio Boécio) são as fontes primárias da lógica de
Abelardo. Abelardo sabia muito pouco grego, e, não obstante fazer breves referências a outros
trabalhos como os Argumentos Sofísticos e os Primeiros Analíticos, nada indica que tenha
conhecido as grandes obras sobre a moral, a física e a metafísica.
2 – Platão e Aristóteles
O conceito de universal e o problema que ele implica é bastante antigo, e remonta da universalia
medieval até o tà kàtolon de Aristóteles e o eidos e ideai de Platão. Platão pode ser tomado como o
originador desse tópico filosófico perene, e daí nós lembramos da recorrente frase de A. Whitehead
de que toda a história da filosofia não passa de um amontoado de notas de pé página a Platão. Ele
acreditava que a existência dos universais era necessária não apenas ontologicamente – para
explicar a natureza do mundo, mas também epistemologicamente – para explicar a natureza da
nossa experiência nesse mundo. Seu conhecido argumento apontava os universais como formas que
existem em si mesmo num domínio espiritual, transcendente. Uma pessoa bela participaria da
forma de beleza. Essa forma só pode ser conhecida pelo intelecto, e não pelos sentidos, e por isso é
assinalada a importância da dialética – o jogo de perguntas e respostas entre mestre e aluno – como
a única maneira de fazer a alma ascender, por degraus, da lama em que se encontra presa pelos
sentidos até a contemplação da forma. O particular é apenas uma manifestação da forma, e segundo
a epistemologia platónica, para conhecer, é necessário ter acesso aos universais eternos e imutáveis.
O próprio Platão argumenta contra a teoria das formas no Parmênides. Aristóteles, como é sabido,
critica o mestre. As suas duas principais objeções apontam que Platão, fazendo da Forma uma
substância separada e perfeita introduziu um dualismo exagerado e desnecessário, e que Platão
confunde a categoria da substância com a de qualidade. Colocar o conhecimento em um outro nível,
numa matriz perfeita, não resolveria o problema, apenas o adiaria. As questões feitas sobre os
particulares se repetiriam nas formas. O segundo ponto seria um erro lógico, já que a forma seria ao
mesmo tempo uma substância individual — requerida pela tese da separação – e uma qualidade,
necessária para ser um universal. A lembrança será útil para contrapor mais adiante a posição de
Abelardo sobre o problema. O estagirita defende a existência apenas dos individuais, como Sócrates
ou esta cadeira em que estou sentado. Os universais existem apenas como elementos comuns nos
particulares. O universal X é tudo o que é comum ou dividido aos particulares Y. É predicado dos
particulares. Os individuais são classificados por géneros na medida em que tem as mesmas
propriedades. Quanto mais diferenças nas qualidades determinadas, mais refinada se tornam as
classificações.
3 – Conceito
O universal pode talvez ser definido como um objeto abstraio ou termo que abrange coisas
particulares. Aquilo sobre o qual se podem predicar várias coisas. A definição é difícil, o universal é
mais próprio de ser pensado[i]. Um adjetivo abstrato como beleza, justiça, coragem e bondade etc.
Dizer de dois objetos que cada um uma tábua, um quadrado, ou é amarelo é dizer que há algo
comum nestes objetos, que pode ser dividido com muitos outros e em virtude do qual os objetos
podem ser classificados como géneros. Essa classificação não é somente possível para o uso
científico, como também inevitável, já que toda experiência passa por coisas classificadas em
géneros, por mais que estes possam ser vagos ou desarticulados. A palavra Sócrates é um nome
"próprio". Supõe-se que mediante este nome estejamos nos referindo a uma pessoa determinada, a
uma entidade concreta e singular cujo nome é "Sócrates". Da entidade concreta e singular, ou da
pessoa, cujo nome é "Sócrates", podemos dizer que é um homem, estatura baixa, com barba. Estes
termos são usados para qualificar "Sócrates", são nomes comuns usados para determinar uma
qualidade singular de modo universal, por isso são chamados "universais". Lembramos aí da
questão de Agostinho sobre a relação entre as ideias de Deus relativas às coisas sensíveis. O
problema capital dos universais, portanto, diz respeito ao seu status ontológico, pois se trata de
determinar que espécies de entidades são. Não obstante isso, há importantes implicações e
ramificações em outras disciplinas: a lógica, a teoria do conhecimento e até mesmo a teologia. São
três as questões levantadas a partir dos universais: a do conceito, a da verdade e a da linguagem. A
predominância dos universais na Idade Média se deve, em parte, por derivarem dos únicos textos
clássicos disponíveis no período e em parte porque envolvia o dogma da natureza ao mesmo tempo
e única e tríplice de Deus.
4 – Os medievais e os universais
A enunciação do problema propriamente dita foi dada na tradução de Boécio de Isagoge, conforme
se segue:
"Como é necessário, Crisaoro, para compreender a doutrina das categorias de Aristóteles, saber o
que é o género, a diferença, a espécie, o próprio e o acidente, e como este conhecimento é útil para a
definição e, em geral, para tudo o que se refere à divisão e à demonstração cuja ,doutrina é muito
proveitosa, tentarei em um compêndio e a título de instrução resumir o que nossos antecessores
disseram a respeito, abstendo-me de questões demasiado profundas e mesmo detendo-me pouco nas
mais simples. Não tentarei enunciar se os géneros e as espécies existem por si mesmos ou na
inteligência nua, nem, no caso de subsistir, se são corporais ou incorporais, nem se existem
separados dos objetos sensíveis ou nestes objetos, formando parte dos mesmos. Este problema é
excessivo e requeriria indagações mais amplas. Me limitarei a indicar o mais plausível que os
antigos e, sobretudo, os peripatéticos disseram razoavelmente sobre este ponto e os anteriores"
(Isagoge, I, 16)". As três questões postas são as seguintes: "Se os universais existem na realidade ou
apenas no pensamento: utrum verum esse habeant na taníum in opinione consistant; em seguida,
caso de fato existissem, se são corpóreos ou incorpóreos; em terceiro lugar, se são separados das
coisas sensíveis ou se as entregam. A estas três questões acrescenta por conta própria uma quarta,
destinada a se tornar clássica, como já o eram as três primeiras: "os géneros e as espécies ainda
teriam uma significação para o pensamento se os indivíduos correspondentes cessassem de existir?"
(GILSON, pg 344)2[ii]. Muitos autores medievais se referiram a esse problema e geraram assim as
posições clássicas sobre o assunto: a dos realistas — chamados de antiqui doctores – e a dos
nominalistas.
O extremo realismo platônico era representado por Guilherme de Champeaux: uma natureza real e
comum está presente em cada ser das espécies, que diferem uns dos outros por seus acidentes, não
pela substância.
Os universais são coisas (res). Abelardo irá sugerir que duas pessoas então podem ser uma e a
mesma substância. Champeaux expica-se argumentando que são o mesmo não essencialmente, mas
indeterminadamente. José e João são o mesmo em serem homens, pois pertence ao homem ser
mortal e animal racional, mas a humanidade em cada um não é a mesma, mas similar, porque são
dois homens. A própria física dos corpos, para Abelardo, destitui essa doutrina de sua veracidade, já
que a experiência atesta as coisas como realmente distintas umas das outras. Se o universal animal
existe inteiramente na espécie homem e na espécie cavalo, é ao mesmo tempo racional e uma e não
racional em outra, o que é contraditório, e portanto, impossível. As objeções do aluno Abelardo ao
seu mestre Guilherme Champeaux fizeram com que esse resignasse de sua posição filosófica.
Os nominalistas supunham que os universais não são reais, mas se encontram depois das coisas
(universalia post rem). Tratam-se, portanto, de abstrações da inteligência, reduzidos à materialidade
das palavras. Apenas os nomes são universais, as coisas nomeadas são sempre singulares. Abelardo
sofreu forte influência desta doutrina, embora não seja um nominalista e tenha criticado o
extremismo de Roscelino. Este, conforme a definição de Boécio, afirmava: "Nihil enim aliud est
prolatio (vocis) quam aeris plectro linguae percussio ". É controversa a classificação da teoria de
Abelardo. Embora ele seja chamado às vezes de nominalista, é mais acertado chamá-lo de
conceítualista ou realista moderado, sendo, no entanto ambas as opções simplificações. Gilson
aponta que a posição de Abelardo não se encontraria numa "linha ideal que ligaria Aristóteles a
Santo Tomás de Aquino", mas antes a "gramática especulativa a Guilherme de Ockham"[iii]
5- Abelardo
Abelardo mantinha que os universais existem como pensamentos baseados no particular das coisas,
enquanto os nominalistas supunham existência apenas nas coisas, e negavam. Para Abelardo, o
universal não é um som (vox, emissão de voz, flatus voeis), como era para Roscelino[iv], mas uma
palavra (sermo), ou seja, um som com significado, o sentido dos nomes (nominum significatio).
Adquire seu sentido pelo seu uso referencial, sendo a referência mediada por uma ideia geral que é
uma imagem composta. O conhecimento depende desse processo de abstração, uma vez que a
separação entre forma e matéria -juntas na natureza – é empreendida pelo intelecto. Este "não se
engana pensado à parte seja a forma, seja a matéria; ele se enganaria se pensasse que a matéria ou a
forma existem a parte, mas tratar-se-ia de uma falsa concepção dos abstratos, não da sua abstração"
(GILSON, pg 350). A existência dos universais está relacionada a um evento psicológico, a uma
intencionalidade do pensamento. Essa teoria pode ser chamada de psicológica e serviu para
responder as quatro questões.
Sobre a primeira questão, Abelardo responde que
"na verdade, significam pela denominação coisas verdadeiramente existentes, isto é, as
mesmas que os nomes singulares e que, de modo algum, estão colocados numa opinião
vazia; contudo, de certa maneira, consistem, como ficou estabelecido, numa inteleçção
isolada, nua e pura." (pg 74)
7
Sobre a segunda questão, convém a seguinte citação:
"(…) de um certo modo, os corporais, isto é, separados na sua essência e os incorporais
quanto a designação ao nome universal, porque nao os denominam separada e
determidamente, mas confusamente, como o ensinamos acima suficientemente. Daí
também, os próprios universais serem chamados corpóreos quanto à natureza das coisas,
e incorpóreos quanto ao modo de significação, porque embora denominem o que é
separado, não o denominam, separada e determinadamente", (pg 75)
Para a terceira questão, Abelardo concede que os universais estejam nas coisas sensíveis, mas dirá
que "concedemos que todos os géneros ou espécies encontram-se nas coisas sensíveis. Mas porque
sua intelecção era sempre chamada de isolada da sensação, eles não pareciam de modo algum estar
nas coisas sensíveis. Por isso perguntava-se com razão se poderiam alguma vez estar nos sensíveis;
e responde-se que, quanto a certos deles, que estão, mas de tal maneira que, como foi dito,
permanecem naturalmente a parte da sensibilidade".
Sobre a quarta questão que formulou, Abelardo responderá na p. 76: "de modo algum admitimos
que haja nomes universais quando, tendo sido destruídas as suas coisas, eles já não são predicáveis
de vários, porquanto não são comuns a quaisquer coisas, como o nome da rosa, quando não há mais
rosas, o qual, entretanto, ainda é então significativo em virtude da intelecção, embora careça de
denominação, pois de outra sorte não haveria a proposição: nenhuma rosa existe".[v]
BIBLIOGRAFIA
8
• Porfírio, o Fenício: Isagoge: introdução às categorias de Aristóteles. São Paulo :
Matese, 1965.
• The Encyclopedia of philosophy. Paul Edwards, editor in chief. New York, Macmillan
1967
• Abelardo, Pedro. Lógica para principantes. Trad. Carlos do Nascimento. Vozes, 1994.
• Ferrater-Mora, José. Diccionário de Filosofía. Ariel, Barcelona, 1994.
• Gilson, Etienne. A Filosofia na Idade Media, Trad. E. Brandão. Martins Fontes, 1995.
[i] Aristóteles o define como "aquilo que é naturalmente apto para ser predicado de muitos", oposto
ao singular – "aquilo que predica de um só".
[ii] 2 Filosofia na Idade Media, A; E. Gilson; Trad. E. Brandão. Martins Fontes, 1995.
[iv] 4 "Fuit autem, nemini magistri nostri Roscellini tam nsana sententia ut nullam rem partibus
constare vellet,
sea sicut solis vocibus species, ita et partes ascridebat" (Abelard, "Liber divisionum")
[v] 5 Também citado por Carlos Ribeiro Nascimento, tradutor da obra, em sua excelente tradução,
que foi muito útil para esclarecer e acompanhar a linha evolutiva do rico argumento de Abelardo.