Você está na página 1de 15

“OS GOLPES DE MARTELO” EM DEFESA DA HISTÓRIA:

197
TEMPORALIDADES, NARRATIVA E ESTÉTICA
Assis Daniel Gomes
Resumo: Neste artigo, tenciona-se relacionar a discussão sobre o tempo, a narrativa e
a estética na história buscando indicar caminhos de análise, bem como realçar a sua
importância para compreender o mundo contemporâneo. Para isso, percorreu-se uma
bibliografia teórica para alicerçar nossa proposta e a defesa do conhecimento
histórico. Enfim, clarificar os limites entre a história e a ficção não é deixar de colocá-
las em relação dialógica, mas manter as suas especificidades de existência e o seu lugar
político na sociedade.
Palavras-chave: temporalidades, narrativa, estética.

Abstract: In this article, we intend to relate the discussion about time, narrative and
aesthetics in history, seeking to indicate ways of analysis, as well as highlighting their
importance in understanding the contemporary world. For this, a theoretical
bibliography was used to support our proposal and the defense of historical
knowledge. Finally, clarifying the boundaries between history and fiction is not to put
them in a dialogical relationship, but to maintain their specificities of existence and
their political place in society.
Keyworks: temporalities, narrative, aesthetics.

Introdução
Para Le Goff (1990), o conceito de história andaria por alguns problemas
fundamentais que envolvem a sua constituição. Trilha-se aqui pela
problematização que envolve a relação entre a história e o tempo
(temporalidades), sua relação com a narrativa e a estética. Nesse intuito,
entende-se a história como uma prática social (CERTEAU, 1996), de um
profissional específico - o historiador; mas também de “um conjunto de
fenômenos que constituem a cultura histórica, ou melhor, a mentalidade
histórica de uma época” (LE GOFF, 1990, p.48).

O exemplo, a marcação do sentir e o perpetuar dos tempos, de se manter


padrões e maneiras de olhá-los, possibilita se perceber os traços de sua

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


permanência e de sua descontinuidade. Dessa forma, para Elias (1998), o
198
tempo é uma vivência concreta, apesar de não ser palpável, e um
elemento característico para se detectar a dinamicidade histórica.

A história vivida e narrada é entrecruzada por multiplicidades temporais,


cujos espaços e as experiências singulares lhe municiam de um distintivo
próprio. Essas narrativas sobre o passado são repletas de marcas
temporais – elementos representantes das experiências individuais e
coletivas.

Tais práticas perpassaram, segundo Michel de Certeau (1996) e Reinhart


Koselleck (2010), a história da história. Sendo, em primeiro plano, usada e
advinda das formas de relacionamento com o sagrado, da oralidade e da
permanência dessas experiências, bem como da humanização dos deuses
no devir humano - esse elo da permanência, da perpetuação de um fio das
e nas gerações, olhou-se como uma forma de prevenção ao erro, como
maneira de construir estratégias novas e aperfeiçoar as que deram certo.
Essa categoria foi analisada deferentemente pelos autores, o primeiro
carregado por suas experiências religiosas. Em tal fito, verificou a
hagiografia e a sua constituição, as singularidades desse estilo que se deu
no século XII - em contraponto, o segundo tentara ver o distanciamento
produzido entre a história e a ideia de uma “história mestre da vida” -
para isso, examinou a história desse conceito, seus embates, suas
singularidades e as suas formas de ocultamento.

Uma diferença interessante entre os dois se produziu a partir do


momento em que Koselleck (2010) faz a trajetória desse conceito
tentando verificar como essa história mestra da vida permaneceu no
discurso histórico de forma direta e como aos poucos foi perdendo o
posto até ser velada pelo discurso cientificista da história no século XIX.
Tal atitude se empreendeu por causa do desejo do historiador em se
afastar das questões do tempo presente, a defesa de uma história pura,

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


de um coletivo-singular. Certeau (2011; 1982) verificou como a hagiografia
199
saiu dessa relação causa e consequência, de uma busca cega ou radical da
origem, para vê-la como recurso em prol de manejar o exemplo como
uma forma de ligação com o passado (continuidade) e com o presente
(diferença), esse movimento do fio místico remete as práticas efetivas do
cotidiano, aos traços do presente em sua relação de continuidade e
descontinuidade do ato de exemplar.

A aproximação também se empreendeu pelos autores quando a


hagiografia e a história se desencontram, quando a primeira se mantem
em um estilo sem pretensões de defender uma história verdadeira, como
se buscou na construção do conhecimento histórico do século XIX.

A singularidade desse discurso o coloca em fluxo onde as conexões com os


tempos que o compõem perpassam o embate entre uma história ainda
vivida, uma história que “toca”, para uma história que é escrita tendo um
público definido - uma comunidade letrada. O tocar, enquanto
sensibilidade de levar o outro a mergulhar em seus temas e livros também
possui no presente/vivência os seus elementos de permanência. Michel
de Certeau diferencia os dois discursos, mas vê aproximações e talvez os
historiadores veladamente pratiquem certa hagiografia, não em um
tempo fechado e circular como a religiosa, mas em uma multiplicidade
temporal ligada por vários fluxos que se conectam de diversas maneiras e
contornos. Dessa forma, como as temporalidades estariam presentes em
uma narrativa e estética histórica?

As fissuras temporais
Críticas se fazem contra uma ordem exclusivamente narrativa e estética
da história. Reconhecer a sua importância não significa reduzi-la a um
pensamento não científico, mas verificar o lugar antropológico (LIMA VAZ,
2000) da própria narrativa e da verdade que ela expõe. O método e a
epistemologia histórica garante a sua cientificidade. Para Rioja, a erudição,

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


a narrativa e o discurso em sua pureza não é história, mas são os
200
“componentes fundamentais e indispensáveis” (2007, p.33) para a sua
produção.

Para Ranciére (2009), a arte e a estética enquanto um campo de


possibilidade de visibilidade do sensível se constituiu em oscilações de
autoconstrução e reconstrução. Dessa forma, está ligado ao politicus que
permiti a sua partilha, que o edifica e o propaga como locus de poder e
saber, que define as maneiras de ver e organizar aquilo que se apresenta
aos sujeitos em sua vida ordinária. Para ele, política é o sítio do litígio
entre o mundo do discurso – da parole – e das coisas – da chose.
Conforme o referido autor, a ordem da representação, portanto, é
proveniente da relação entre o visível e o dizível – a parole tem como
principal funcionalidade a exposição racionalmente formulada para fazer
ver o objeto aos sujeitos a que se direciona; bem como, a construção de
uma ordem entre o saber e a ação.

Dessa forma, a estética e a narrativa histórica estariam ligadas a essa


ordem de representação e uma ideia de política – pensada em seu sentido
micro e macro, em seu caráter antropólogo e social. Portanto, os
caminhos traçados por alguns pensadores (historiadores, sociólogos,
teólogos e filósofos) - concernente ao tempo e a narrativa histórica - são
importante se percorrer para se refletir sobre as temporalidades, a
narrativa e a estética. Para isso, olha-se, primeiramente, o conceito de
presentismo (Regime de Historicidade) de François Hartog (2000) e o que
Michel Maffesoli (2003) chamou de presenteísmo. Quais as semelhanças e
as diferenças do termo presentismo e presenteísmo?

Caminha-se pelo limiar desses conceitos, procurando ver, assim, quais os


toques em comum que possibilitam olhar para o mundo atual. Dessa
forma, verificou-se que os dois autores, em seu trabalho de observação da
sociedade contemporânea, tencionaram averiguar as mudanças dos

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


regimes temporais sentidos no presente, enxergaram e constataram uma
201
ruptura - no que Hartog (2000) chamou de Regime Moderno de
historicidade. Dessa forma, os dois autores partem de uma constatação
para a construção de uma teoria e metodologia que possa nos ajudar a
perceber e a entender essa ruptura. Essa posição de constatação é uma
busca de racionalizar e tornar cognoscível o vivido. Nessa empresa,
pensadores são manejados pelo historiador Hartog e pelo sociólogo
Maffesoli de uma forma diferente, mas o seu uso é um ponto de contato
importante. Por exemplo, Max Weber.

O uso de Max Weber pelos dois autores possibilita pensar as


aproximações e os distanciamentos de seus conceitos. O historiador
afirmou que a sua categoria Regime de Historicidade seria um tipo-ideal
weberiano para se pensar o presentismo, possibilitaria um distanciamento
na tentativa de provocar o estranhamento a fim de uma análise e reflexão
científica. Dessa forma, construiu uma categoria metodológica para
racionalizar e tornar cognoscível um objeto; para isso, parte de uma olhar
moderno para pensar o mundo “pós-moderno”, ou seja, de modelos
modernos operacionalizados para construir o conhecimento. Dessa forma,
o presentismo vai ser julgado e visto de duas formas. De um lado,
macropolítico com tendência conservadora (horizonte fechado) e, por
outro, nas relações microssociais, como revolucionário (horizonte aberto).
Segundo Maffesoli,

 “A cultura do prazer, o sentimento do trágico, o afrontamento do


destino, tudo isso é causa e efeito de uma ética do instante, de uma
acentuação das situações vividas por elas mesmas, situações que se
esgotam no ato mesmo, e que já não se projetam em um futuro
previsível e dominável à vontade. Essa é a consequência da
“necessidade” em seu sentido filosófico: engendra heróis, novos
cavaleiros da pós-modernidade, capazes de arriscarem suas vidas

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


por uma causa e que podem ser, de uma só vez, idealistas e
202
perfeitamente frívolos”. (2003, p.26).

A tirania do imediato, para Hartog (2000), constrói riscos, o regime de


historicidade atual estaria centrado no presente, ou seja, a partir desse
presente o passado e o próprio presente são reconstruídos. Nesse
movimento a memória e o patrimônio são visto como uma forma de
permanência nesse mundo volátil e descartável, cuja mudança e quebra
da distância entre o horizonte de expectativa e o espaço de experiência
provocaram um reinvindicação pela memória, o seu uso e abuso, pelo
frenesi do arquivamento instantâneo dos momentos presentes.

Em suma, a hiperaceleração vinda das tecnologias, os traumas das guerras


mundiais e as crises das utopias provocaram a busca pelos lugares de
memória. Para ele, a morte e o trágico aparecem como uma constatação
da crise racional do projeto de modernidade. As novas formas de
experiências, assim, demarcam novos usos do tempo, novas formas de o
vivenciar; a memória se tornou um objeto importante para o
conhecimento no e do mundo contemporâneo, a testemunha constrói,
nessa perspectiva, novamente o seu lugar de destaque e o seu poder de
fala.

Michel Maffesoli usa Weber para pensar uma irracionalidade -


racionalizada, um cotidiano vivido (cujo seu principal elemento é o trágico,
o medo); é, portanto, o caos que movimenta o cotidiano. Esse não sentir o
movimento é um imobilização trágica do tempo, uma lentidão outra. O
retorno do ciclo (elementos das temporalidades) quebrou uma vivência
linear das experiências temporais (ciclos – anos 1980, anos 1960, século
XVII). Dessa forma, a ambiência no presente (característica temporal) – é
um presenteísmo onde a ênfase está no presente – um resgate da fruição
– onde se busca ligar a razão e a emoção. Tendo as seguintes
características: a interidade, a festividade e as suas repetições, o

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


sentimento trágico-lúdico, o locuscentramento, o nomandismo e a
203
mistura.

Michel de Certeau (1999), por sua vez, fecha uma linha de estudo que visa
pensar o tempo e o sujeito para o conhecimento histórico. O estilo de seu
texto, com divisões titulares, pressupõe a sua própria percepção sobre
esse conhecimento e a relação entre a realidade e a ficção. Dessa forma,
verifica como se construiu traços de diferença entre a ficção e a história a
fim de legitimar o saber da segunda para uma sociedade dicotômica - que,
por exemplo, olha para o erro e o acerto.

A partir disso, considerou para a historicidade o que vem a ser ficção e


realidade, como o sujeito se colocava e olhava nessa relação prática, a
separação dos dois discursos pressupõe a legitimação e existência dos
dois, ou seja, saber e crer na existência de um, seria necessariamente
saber da existência do outro. Portanto, o discurso histórico construído
como etnológico “parece partir de um postulado inverso: ele transforma a
própria diferença em seu objeto” (CERTEAU, 2011, p.182).

Contudo, o referido autor, buscou detalhar as similitudes entre a ficção e a


ciência. Esta se apresenta não no ato de fabricar ou atuar, mas no ato de
projetar, de estruturar uma possível pesquisa, aquela não tem a
necessidade de depuração como a ciência coloca para si – isso pautada
por certa ideia de neutralidade e da busca de uma representação do real.
Portanto, é metafórica, repletas de efeitos de sentido, move-se nos outros
campos sem um sofrimento e uma angústia existencial, opõe-se a uma
historiografia que se coloca como o oráculo do real.

O poder da instituição enquanto construtora de uma sedução discursiva,


um discurso de autoridade pela exposição de testemunha, esconde-se no
discurso historiográfico. Aquele que o produziu e se camufla em meio à
legitimidade do campo na praticidade do cotidiano, resguarda-se a análise

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


interna - a história parte do presente e é essa problemática do presente
204
que organiza o passado. Para Certeau (1990), a relação de fabricação, do
sujeito e da instituição produz esse conhecimento como meios de
camuflar esse lugar, torna-o dogmático, vende a ideia que se construiu
por meio do real, esconde a ideologia que lhe alicerça, que o fabrica. Até
que ponto a informática e a estatística resolveria esse impasse? A
informática e a estatística fortalecem uma legitimidade almejada, retira o
seu objeto do campo da subjetividade, do imprevisto e o coloca no campo
da previsão, de uma possibilidade de mensuração e de quantificação, do
sujeito sem rosto, homogeneizado pela numeração e da singularidade
camuflada pelos dados estatísticos. Segundo Certeau, dever-se-ia
caminhar pelo intermeio, pela formação discursiva, uma ficção–científica
(politização; tempo; sujeito do saber; ciência e ficção).

No livro “Escritos sobre História” (2005) de Friedrich Nietzsche,


especificamente a “II Consideração Intempestiva sobre a utilidade e os
inconvenientes da história para a vida”, esse filósofo procura fazer uma
reflexão sobre as várias formas de história existentes em seu período. Ao
realizar isso, tencionou uma aproximação com o seu ofício de filólogo
clássico e colocou-a numa posição privilegiada, chegando a dizer que a
filosofia poderia ser considerada uma extensão mais ampla da noção de
história.

O seu olhar enquanto moderno vai se projetar para o vindouro, estava


imbuído das questões assentadas pelo seu presente para a sua nação – a
Alemanha; transversado, por exemplo, pelas suas reflexões e propostas de
torná-la uma nação forte: “relação provocada pela fome, regulada pelo
grau de necessidades, dominada pela força plástica inerente à cada
coletividade: é preciso que o conhecimento do passado seja sempre
desejado somente para servir ao futuro e ao presente, não para
enfraquecer o presente ou para cortar as raízes de um futuro vigoroso”
(2005, p.98). Para ele, a história tem que ser usada não para patrocinar a

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


morte e sim a vida, por isso protestou em seu tempo “contra a educação
205
histórica que o homem moderno dá à sua juventude, a exigir que o
homem aprenda sobretudo a viver e não use a história senão para melhor
estar a serviço desta vida com tudo o que ela nos ensina” (2005, p.166).

A historicização do conhecimento na modernidade pode favorecer ou não


ao aperfeiçoamento do homem. Quando ela se torna apenas uma
erudição, retórica, e uma busca pura, desatada da prática, leva-o a um
esvaziamento de valores. Dessa forma, ponderar o valor da história seria o
primeiro passo para sobrepujar uma história não humana. Nesse intuito,
devem-se questionar as raízes da disciplina e colocá-la como problema,
bem como relacionar a teoria à prática.

Verifica-se então que a crítica de Friedrich Nietzsche feita à história


monumental, tradicional e crítica se realizou em um trabalho de negação
e criação de uma nova concepção de história, ou em suas palavras do
“sentido da História”; esse sentido ligado à questão da sensibilidade, de
uma filosofia da psique, da vida e da diferença, em que a ideia de utilidade
– em seu sentido pragmático – coloca-se em sua relação psicológica e
física. Tem-se, assim, uma relação entre o sentido histórico carregado pelo
homem e a sua vivência histórica. A história teria uma capacidade de
apreender a sucessão dos tempos e os seus instantes, bem como
permanecer essa multiplicidade temporal na lembrança.

A história passaria a ser vista como necessária para a vida, quando se


controlasse os excessos historicistas da modernidade. Assim, ela não pode
se reduzir a um trabalho cognitivo, erudito (se isso acontecesse se tornaria
um objeto morto); considera-se, assim, os diferentes contextos,
questionando o valor e o não-valor. Nessa empresa, ele não rejeita
totalmente os três tipos de história que criticou, tendo resquícios delas no
que vai defender como uma história genealógica. Por exemplo, voltando à
questão de procurar na história os exemplos – esses, por sua vez, dos

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


grandes homens e dos modelos superiores. O sentido histórico defendido
206
pelo referido autor deveria ter uma constante avaliação. O valor da
história então não seria apenas particular, mas também coletivo ao
escolher esses exemplos de “super-homens” e propagá-los, ou perpetuar
os bons exemplos. Tem-se também uma relação diferente entre a cultura
e a natureza, colocando a tutela da segunda pela primeira. Isso se fez para
se pensar em possíveis mudanças no presente e no porvir – pensando,
portanto, o homem em seu vir a ser.

O homem, dessa maneira, deve deixar de ser intemporal - elevação


unitária - para ser extemporâneo (capacidade de pensar a partir de
perspectivas históricas diferentes). Essa segunda feita para criar
possibilidades para a crítica dos valores do presente e para a sua
superação. Dessa forma, propõe pensar de outra forma o sentido histórico
– que, para ele, deveria ser pautado pela diversidade caótica. Isso deve ser
olhado não como sinônimo de fraqueza, mas de criação, de
potencialização da vida. Quem o faz? Onde estaria o criador? Ele estaria
entre a síntese e a nova tese, entre o velho e o novo?

A arte como elemento estético que provoca a reflexão filosófica é


empregado por Walter Benjamin (1990) e Frederick Nietzsche (2003). Os
dois usam o recurso da metáfora para discorrer sobre o seu presente, para
criticá-lo. Benjamim e suas reflexões sobre a história se tornaram na
época teses contrárias às formas de história predominantes e praticadas
por alguns de seus profissionais.

A sua crítica ao historicismo e ao marxismo vulgar o possibilitou


reivindicar em seu tempo uma nova leitura de Karl Marx (1980) e de sua
dialética, uma nova percepção do tempo imposto, inventado por
determinado grupo e pelos pressupostos da modernidade, por exemplo,
da ideia evolutiva e do progresso linear. Nesse clima e contraclima, Walter
Benjamin propõe olhar a catástrofe, ver a ruptura e perceber os vencidos.

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


Dessa forma, diferentemente do historicismo que divinizava e tornava
207
eterno o passado, bem como da socialdemocracia que a sua ausência
provocava uma barbárie, o referido autor contempla um presente imóvel.

Nesse intuito, uma sistematização explicativa linear não impetraria dar


conta de tal nova concepção, sua luta era justamente se relacionar a essa
eleição de cerceamento e ver a racionalidade causal em fim de validar o
mundo burguês, moderno e excludente. Dessa forma, a sua teologia
messiânica se vincula ao seu pessimismo de ação, ou seja, vê o perigo, ao
olhar para o passado e detectar as questões atuais, mas ao estar preso ao
presente, olha-o como um momento importante para a ruptura, um
momento novo, o Kairós para a libertação. Essa tempestade que abduz o
passado do futuro, que produz fragmentos do primeiro que se
interconectam por meio do desejo do segundo, olvida-se de olhar para o
presente e sua irracionalidade, bem como o instante que não se acopla
nessa sistematicidade lógica.

Portanto, a história se constrói no presente, a ação no presente é um ato


revolucionário, é messiânico - que ao mesmo tempo se liga ao passado e
se faz uma ruptura com ele. Nesse sentido, o conceito de presente, para
ele, precisava ser repensado. Para isso, propõe que deveria ser olhado
como passagem, mas que nessa caminhada a sua exterioridade é sentida
enquanto imóvel. Assumi-lo seria admitir a sua missão enquanto messias,
de levar no hodierno palavras e ações que demudem sem olhar para um
póstumo que não é e cujo passado foi disperso pela tempestade, ou seja,
viver um tempo não linear, mas espiral – imerso, portanto, em um tempo
escatológico.

Para isso, o corpo e a sociedade devem ser pensados como espaços de


práticas ordinárias ligadas as dimensões humanas, por exemplo, política e
econômica, histórica e afetiva. Denize Bernuzzi (2000) e o Byung-Chul Han
(2014) partem das questões postas por Michel Foucault para se ponderar

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


sobre o corpo e a sociedade. Cada um buscou novas alternativas a partir
208
dos estudos e das áreas de conhecimento coligados ao seu lugar social
(CERTEAU, 1982). Dessa forma, o primeiro procurou na história,
tencionando relacionar a sua historicidade ao agir ético. Para Foucault
(2010), a ética não é universal, mas provem de singularidades. A
aproximação entre a ética, a estética e a história poderia ligar o singular
ao coletivo, transformá-lo em (obra de) arte, em um campo de disputas e
embates, num corpo elástico – relacionando, assim, o infinito ao finito, a
existência à potência criadora.

Han vai além das considerações de Denize para ver uma “sociedade do
cansaço” em que o fator da produção move a sua existência. Por isso, a
sua interiorização fabricou um empresário de si. Tal questão não foi
pensada por Karl Marx (1980) e Michel de Foucault (2010), os dois
propunham outras leituras de suas respectivas realidades, ou seja,
estavam presos numa linha da tradição do pensamento que os limitava. O
Han vem aprofundar essas questões colocando a singularidade da
alteridade e da diferença, alocando a categoria exegeta como uma forma
de imunização dessa positividade em excesso. Dessa forma, sugere olhar
para o diverso e os ligar em um mesmo horizonte de sentido. Nessa
tentativa de afirmar a sua percepção, criticou Baudrillard (2011) - que
entendia que a soberania do idêntico e o sujeito imunológico exclui o
outro.

O tipo de violência que se faz é outro, a sua relação com o corpo também
é outra. A Sociedade da Disciplina (FOUCAULT, 2010) é movida pela
negatividade, pelo não-pode, tendo como seu resultado a produção de
loucos, por exemplo. A Sociedade da Produção enfatiza a questão do
poder, de uma interiorização da positividade, de uma motivação do eu em
sua entronização do trabalho como Deus, fim e sentido existencial. Dessa
forma, por exemplo, para Han, alguns objetos que no século XXI se

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


tornaram amuletos também se transmutaram em extensões do corpo e da
209
subjetividade.

Conclusão
Neste artigo, buscou-se fazer uma análise a fim de relacionar a discussão
sobre o tempo, a narrativa e a estética na história. Para isso, tencionou-se
indicar caminhos para o fazer histórico, como também uma asseveração
de sua importância no campo do conhecimento no mundo
contemporâneo. Os dilemas atuais com a fluidez da memória e da
narrativa, por exemplo, nas redes sociais e na produção cinematográfica –
leva a um tipo de relativismo que descaracteriza o campo das
humanidades, especialmente, põe enigmas para a produção e o ensino do
conhecimento histórico. Essa desvalorização provem de uma sociedade
que busca esquecer sua própria humanidade, de uma sociedade do culto a
uma imagem narcísica e das certezas que fortalecessem o seu ego.
Colocar a existência do outro a essa sociedade do eu, de uma verdade
pautada pelos valores individuais e momentâneos – elevação do reino dos
desejos – é uma afronta as suas certezas.

Esses usos do passado desmembrado de posições éticas, de um


sentimento da busca do bem ou da construção do diálogo entre os
diferentes, promove um confronto entre extremos, distorce o saber
racionalmente formulado pela ciência em prol da satisfação de uma
encarnação do poder individual travestido na imagem de sujeição do
outro. Reconhecer isso é se posicionar eticamente, não colocando assim
no outro ou no momento cultural a culpa pelo caminho que se segue –
justificação essa pautada por uma visão determinista - mas que isso
proveio de uma escolha, consciente ou não.

Enfim, a dispersão, promovida pela hiperaceleração, e a


multifuncionalidade – característica da ação de sobrevivência em um
ambiente – promovem uma superficialidade que não aprofunda, que não

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


transgredi e não inventa algo de novo. Essa busca de ter múltiplas
210
habilidades faz do sujeito um dessujeito, tira-o de sua particularidade, de
suas escolhas pautadas por uma eticidade gerada em uma profundidade
carregada pela experiência social, de uma marcação mais lenta em sua
memória e no tempo que promoveria em uma volta, por meio de um
gesto contemplativo, de um espanto místico do olhar fixado.

Referências
Assis Daniel Gomes. Filósofo e historiador. Doutorando em História Social
pela Universidade Federal do Ceará e professor do curso de História da
UECE - FECLESC.

AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Antimanual do mau historiador.


Londrina: EDUEL, 2007.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2011.
CERTEAU, Michel de. História e psicanálise: entre ciência e ficção. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
_________________. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Rio de
Janeiro: Vozes, 1993.
_________________. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1982.
ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Editora Martins
fontes, 2010.
GUIMARÃES, Manoel Luiz L.S. Repensando os Domínios de Clio: as
angústias e ansiedades de uma disciplinas. Revista Catarinense de
História, nº 5, 1998, p.05-20.
HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: Neoliberalismo e novas técnicas de poder.
Lisboa: Antropos, 2014.
_____________. A Sociedade do Cansaço. Lisboa: Antropos, 2014.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências
do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.


KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos
211
tempos históricos. Rio de janeiro: Contraponto: Ed.PUC – Rio, 2006.
LIMA VAZ, Henrique C. de. Antropologia Filosófica. São Paulo: Loyola,
2000.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1990.
MAFFESOLI, Michel. O Instante Eterno: o retorno do trágico nas
sociedades pós-modernas. São Paulo: Zouk, 2003.
MARX, Karl. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre história. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio,
2005.
PELBART, Peter Pál. Vida Capital: ensaios de biopolítica. São Paulo:
Iluminuras, 2011.
RANCIÉRE, Jacques. O inconsciente estético. São Paulo: Ed 34, 2009.
SANT'ANNA, D. B. Corpo, Ética e Cultura. In: BRUHNS, Heloisa T.;
GUTIERREZ, L. Gustavo. (Org.). O corpo e o lúdico. Campinas: Autores
Associados, 2000, p. 79-88.

Texto recebido em 25/10/2018; aprovado em 13/11/2018.

Você também pode gostar