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A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA:

Estratégias da Burguesia Brasileira

para Educar o Consenso na Atualidade

Lúcia Maria Wanderley Neves (Org.)

Adriana Almeida Sales de Melo / Adriane Silva Tomaz / André Silva Martins / Ialê Falleiros / Kátia Regina de
Souza Lima / Lúcia Maria Wanderley Neves / Marcelo Paula de Melo / Maria Emilia Bertino Algebaile / Ronaldo
Sant’Anna

Rio de Janeiro
2005
SUMÁRIO
Prefácio
Apresentação
Introdução
Parte I A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA
1. Pressupostos, Princípios e Estratégias
2. Os Organismos Internacionais na Condução de um Novo Bloco Histórico
Parte II A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL
3. A Sociedade Civil como Espaço Estratégico de Difusão da Nova Pedagogia da Hegemonia
4. Estratégias Burguesas de Obtenção do Consenso nos Anos de Neoliberalismo da Terceira Via
5. Reforma da Aparelhagem Estatal: Novas Estratégias de Legitimação Social
6. Mecanismos Regulatórios como Elementos Constitutivos da Nova Pedagogia da Hegemonia
Parte III A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL: EXPERIÊNCIAS CONCRETAS
7. Parâmetros Curriculares Nacionais para a Educação Básica e a Construção de Uma Nova Cidadania
8. Fundação Belgo-Mineira: o Empresariado em Ação
9. Igreja Católica e Educação no Brasil de FHC e Lula da Silva: Tempos Modernos, Sonhos Antigos
10. Vila Olímpica da Maré e as Políticas Públicas de Esporte em Favelas do Rio de Janeiro
SIGLAS
AA Acount Ability
ABEB Associação Beneficente da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira
ABERJE Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABONG Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais
AD Alta Direção
AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ANAMEC Associação Nacional de Mantenedoras de Escolas Católicas
ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação
APIMEC Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de
Capitais
ARENA Aliança Renovadora Nacional
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD/BM Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
BM Banco Mundial
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAT Central Autônoma dos Trabalhadores
CDES Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social
CEASE Centro Esportivos de Ações Sócio-Educacionais
CEB Comunidades Eclesiais de Base
CEB/CNE Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação
CEFET Centro Federal de Educação Tecnológica
CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano
CEMPRE Cadastro Geral das Empresas do IBGE
CENPEC Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação
CEPAA The Council on Economic Priorities Accreditation Agency
CEPAL Comissão Econômica da ONU para a América Latina
CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
CGT Central Geral de Trabalhadores
CGTB Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros
CINDE Corporação para o Desenvolvimento da Pesquisa
CIOSL Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CNAS Conselho de Assistência Social
CNBB Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CNI Confederação Nacional das Indústrias
CNN Comitê Nacional de Normalização
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNT Confederação Nacional do Transporte
CNTE Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação
CONCLAT Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras
CONCUT Congresso Nacional da CUT
CONED Congresso Nacional de Educação
CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação
COPPE/CENTEX Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Engenharia da
UFRJ/Projetos Centros de Excelência
CRE Centro/Redes de Excelência
CST Central Sindical dos Trabalhadores
CUT Central Única dos Trabalhadores
DCNEM Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
EEFD Escola de Educação Física e Desportos
EMBRATEL Empresa Brasileira de Telecomunicações
ENEM Exame Nacional do Ensino Médio
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FBM Fundação Belgo-Mineira
FEBRABAN Federação Brasileira das Associações de Bancos
FECOMÉRCIO Federação do Comércio
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FHC Fernando Henrique Cardoso
FIDES Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FIRJAN Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
FMDCA Fundos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente
FMI Fundo Monetário Internacional
FRM Fundação Roberto Marinho
FS Força Sindical
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas
IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBM International Business Machines
IDRC Centro Internacional de Desenvolvimento de Pesquisa do Canadá
IEDI Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
INMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
ISO International Organization for Standardization
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LOAS Lei Orgânica da Assistência Social
MARE Ministério da Administração e da Reforma do Estado
MD Média Direção
MEC Ministério da Educação
NEDDATE Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organização Não-Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OREALC Oficina Regional da UNESCO para a América Latina e o Caribe
OS Organizações Sociais
OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PCB Partido Comunista Brasileiro
PC do B Partido Comunista do Brasil
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PCNEM Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PDE Plano de Desenvolvimento Escolar
PDS Partido Democrático Social
PDT Partido Democrático Trabalhista
PEAS Programa Educação Afetivo-Sexual
PEC Proposta de Emenda à Constituição
PEQ Programa Ensino de Qualidade
PETROBRAS Petróleo Brasileiro
PFL Partido da Frente Liberal
PIB Produto Interno Bruto
PL Partido Liberal
PLC Projeto de Lei Complementar
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNBE Pensamento Nacional das Bases Empresariais
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPB Partido Progressista Brasileiro
PPP Parceria Público-Privada
PPS Partido Popular Socialista
PL Projeto de Lei
PREAL Programa de Promoção da Reforma Educativa da América Latina
PREAL C Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe
PRJ Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
PRN Partido da Reconstrução Nacional
PROET Programa de Educação e Treinamento
PRONA Partido de Reedificação da Ordem Nacional
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PV Partido Verde
RCC Renovação Carismática Católica
SA Social Accountability
SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SDS Social Democracia Sindical
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEE-MG Secretaria de Educação de Estado de Minas Gerais
SEF Secretaria de Ensino Fundamental do MEC
SEMTEC Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico do MEC
SME Secretaria Municipal de Educação
SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SESC Serviço Social do Comércio
SESI Serviço Social da Indústria
SEST Serviço Social do Transporte
SGI Sistema de Gestão Integrada
SIMAVE Sistema Mineiro de Avaliação Escolar
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
SMEL Secretaria Municipal de Esportes e Lazer
SMH Secretaria Municipal de Habitação
TELEBRÁS Telecomunicações Brasileiras
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UEVOM União Esportiva Vila Olímpica da Maré
UFAL Universidade Federal de Alagoas
UFF Universidade Federal Fluminense
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNDIME União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP Universidade de Campinas
UNIMAR União das Associações de Moradores da Maré
USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico
USI União Sindical Independente
USP Universidade de São Paulo
VOM Vila Olímpica da Maré
APRESENTAÇÃO
A nova pedagogia da hegemonia: estratégias da burguesia brasileira para educar o consenso na atualidade é o
resultado de três anos de pesquisa do Coletivo de Estudos de Política Educacional da Universidade Federal
Fluminense sobre o tema da ampliação do Estado brasileiro a partir dos anos de 1980 no contexto de implantação e
aprofundamento do modelo societário neoliberal. A constatação de que o neoliberalismo vem se desenvolvendo no
Brasil das últimas duas décadas por meio de um programa político específico – o programa da terceira via – é ponto
de partida para a análise sobre a difusão na sociedade brasileira dos novos ideais, idéias e práticas voltados para a
construção de uma nova pedagogia da hegemonia: uma educação para o consenso sobre os sentidos de democracia,
cidadania, ética e participação adequados aos interesses privados do grande capital nacional e internacional.
O projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via, sistematizado pelo sociólogo, reitor da London School of
Economics and Political Science e intelectual orgânico do novo trabalhismo inglês, Anthony Giddens, apresenta a
característica de negar o conflito de classes e até mesmo a existência dessa divisão nas sociedades ditas “pós-
tradicionais”, ancorando uma sociabilidade com base na democracia formal, ou seja, na “conciliação” de interesses de
grupos “plurais”, na alternância de poder entre os partidos políticos “renovados”, na auto-organização e envolvimento
das populações com as questões ligadas às suas localidades, no trabalho voluntário e na ideologia da
responsabilidade social das empresas. Permanecem intocadas, contudo, as relações de exploração, que estão longe
de serem abolidas no mundo contemporâneo, sobretudo nos países capitalistas periféricos.
Apresenta-se neste livro uma crítica a esse modelo em processo no Brasil, a partir da análise do impulso específico
do modo como o sistema capitalista vem se recriando, transformando a realidade, revolucionando constantemente os
valores e as práticas nas sociedades sob sua direção, por intermédio do aumento da exploração do trabalho humano.
As reflexões do pensador marxista italiano Antonio Gramsci foram tomadas como fundamentos para essa crítica. Para
Gramsci, nas sociedades ocidentais contemporâneas, em que o Estado não está mais restrito a nenhum poder
absoluto, a obtenção do consenso torna-se fundamental para que um projeto de sociedade se torne hegemônico,
assumindo a direção político-cultural na perspectiva da conservação ou da transformação do conjunto da existência
social. O “Estado ampliado”, característico do “ocidente”, corresponde, portanto, a uma unidade dialética na qual
diferentes projetos estão presentes e buscam conformar as massas para a organização científica do trabalho e da
vida característica da sociedade urbano-industrial. Sendo assim, o Estado assume cada vez mais um papel educador
na medida em que passa a propor a condução de amplos setores da população a uma reforma intelectual e moral
adequada ao projeto de sociabilidade dominante e dirigente. A ampliação da democracia e o Estado educador têm
uma relação direta. Nas sociedades em que o Estado estava restrito à aparelhagem burocrática, as regras da
conservação e das mudanças eram mais facilmente impostas, enquanto no Estado democrático se torna primordial a
partilha dos valores e idéias dominantes pelo conjunto da população.
Assim, como estratégia de legitimação social da hegemonia burguesa, o Estado brasileiro, enquanto Estado
educador, redefine suas práticas, instaurando, por meio de uma pedagogia da hegemonia, uma nova relação entre
aparelhagem estatal e sociedade civil, com vistas a estabilizar, no espaço brasileiro, o projeto neoliberal de
sociabilidade.
Tomando “educação” em seu sentido amplo, como processo formativo que se desenvolve na vida familiar, na
convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais (art. 1º, da Lei nº 9.394, de 20.12.1996, que estabelece as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional), o Coletivo dividiu este livro em três partes, precedidas por uma introdução, que
apresenta as ferramentas teóricas utilizadas pelos integrantes do grupo de pesquisa para orientar seu trabalho
empírico: Gramsci: o Estado educador e a nova pedagogia da hegemonia.
Na primeira parte, apresentam-se os pressupostos, princípios e estratégias do projeto neoliberal da terceira via que
norteiam a nova pedagogia da hegemonia burguesa no mundo contemporâneo (capítulo 1), identificando, por meio de
diretrizes dos organismos internacionais, os mecanismos utilizados na sua propagação em nível mundial (capítulo 2).
Analisa-se, na segunda parte, a difusão da nova pedagogia da hegemonia no Brasil, por intermédio do registro das
mais evidentes alterações ocorridas na estrutura e na dinâmica da sociedade civil brasileira dos anos de 1980 até os
dias atuais (capítulo 3); do acompanhamento das estratégias burguesas para a educação do consenso do conjunto da
sociedade brasileira segundo os postulados e práticas do projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via (capítulo
4); da análise da nova conformação da aparelhagem estatal brasileira às diretrizes gerais do neoliberalismo da
terceira via nos governos FHC e nos dois anos de mandato de Lula da Silva (capítulo 5); do levantamento dos
mecanismos regulatórios que estimulam e orientam a difusão da nova pedagogia da hegemonia no país (capítulo 6).
Na terceira parte, dentre as atividades desenvolvidas pelos inúmeros aparelhos privados de difusão da nova
pedagogia da hegemonia, selecionam-se quatro dessas experiências: as diretrizes para a construção de uma nova
cultura cívica presentes nos parâmetros curriculares nacionais para a educação básica (capítulo 7); as ações da
Fundação Belgo-Mineira para educar as novas gerações de trabalhadores matriculados na rede pública municipal
segundo seus ideais, idéias e práticas (capítulo 8); a doutrina e a prática da Igreja Católica nas ações de filantropia
em tempos de neoliberalismo (capítulo 9); a experiência da Vila Olímpica da Maré como política pública de esporte em
favelas do Rio de Janeiro (capítulo 10).
O Coletivo agradece especialmente à Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense, pelo apoio aos trabalhos desenvolvidos; ao CNPq e à CAPES, pelas bolsas de pesquisador
visitante, de mestrado e de doutorado, concedidas ao Programa de Pós-Graduação; à historiadora Virgínia Fontes,
pela leitura e discussão de textos produzidos; à advogada Renata Guimarães Franco, pela assessoria jurídica ao
capítulo 6; a todos os integrantes do Coletivo que participaram, em algum momento, do processo de elaboração desta
obra e, ainda, a Ialê Falleiros, que acumulou os papéis de pesquisadora e secretária do grupo durante todo o ano de
2004.
Com mais este trabalho, o Coletivo espera contribuir para o debate sobre os rumos da formação humana no espaço
brasileiro e também para o entendimento das atuais formas de dominação de classe e, conseqüentemente, com a
definição de estratégias mais eficazes para o fortalecimento da contra-hegemonia em nosso país.
Lúcia Maria Wanderley Neves
Rio de Janeiro, abril de 2005
INTRODUÇÃO
GRAMSCI, O ESTADO EDUCADOR E A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA
Lúcia Maria Wanderley Neves*
Ronaldo Sant’Anna**
As reflexões do pensador marxista italiano Antonio Gramsci nos oferecem elementos importantes para o
entendimento das novas estratégias do Estado, com vistas à legitimação social da hegemonia burguesa nas
sociedades contemporâneas, em especial a partir dos anos finais do século XX e início do século seguinte.
Tomando como cenário o desenvolvimento capitalista nos primórdios do século XX, ou seja, a passagem do
capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista, Gramsci preocupa-se em analisar as mudanças qualitativas que
se processam no conteúdo e na forma do trabalho, na organização da produção e nas relações de poder que
engendram uma nova cultura: a cultura urbano-industrial, redefinindo as estratégias das lutas da classe trabalhadora,
com vistas à transformação das relações sociais capitalistas.
Ao mesmo tempo em que Gramsci divisava as mudanças qualitativas nas sociedades do início do século XX,
percebia, com clareza, que tais mudanças não se revestiam de um caráter de originalidade. Tratava-se

[...] apenas da fase mais recente de um longo processo que começou com o próprio
nascimento do industrialismo, uma nova fase que é(ra) apenas mais intensa do que as
anteriores e se manifesta(va) sob formas mais brutais, mas que também seria superada
através de um novo nexo psicofísico de um tipo diferente dos anteriores e, certamente
superior (GRAMSCI, 2001:266, grifo nosso).

É nessa perspectiva gramsciana que entendemos as mudanças estruturais e superestruturais que vêm se
processando no mundo e no Brasil de hoje.
Nesse sentido, todo o elenco de reflexões do pensador italiano estará embasado pela importância de uma
compatibilização entre os aspectos mais diretamente vinculados à inserção humana na produção da vida e aqueles
mais especificamente relacionados à aquisição de consciência quanto ao lugar dos homens na história.
E será a própria história o elemento capaz de, por meio das correlações de forças envolvidas nos embates presentes
em cada conjuntura, colaborar para a análise de como e em que medida as classes sociais em disputa conseguem,
ou não, sempre provisoriamente, demonstrar a toda a sociedade a articulação entre os níveis econômico e político,
isto é, ressalta-se, um nexo entre produção e consciência, mais afeito a seus interesses específicos e próprios.
O novo bloco histórico que vai se constituindo no início do século XX mantém até os dias atuais suas características
essenciais. No plano econômico, a reprodução ampliada do capital, sob a direção do grande capital, a partir do
emprego diretamente produtivo da ciência e da técnica, a expropriação crescente do trabalho pelo capital e a extração
da mais-valia, por intermédio da intensidade do trabalho e do aumento da produtividade da força de trabalho. No
plano político, um Estado que intervém nos rumos da produção e nas relações político-sociais com vistas à
legitimação dos padrões de relações sociais vigentes.
As mudanças qualitativas que vêm se processando mundialmente no modo de produção social capitalista nas últimas
décadas do século XX e nos anos iniciais deste século materializam-se em novas alterações no conteúdo e na forma
de organização do trabalho e da produção, nas relações de poder e nas relações sociais globais que correspondem a
um patamar superior da civilização urbano-industrial, resultante de movimentos contraditórios, inerentes às relações
sociais capitalistas. Especificamente, tais mudanças têm se configurado em estratégias burguesas de tentativa de
superação da crise estrutural da acumulação do capital; de reestruturação das relações internacionais, regionais e
nacionais de poder, a partir do que se convencionou chamar de fim da Guerra Fria; assim como da organização do
cotidiano dos cidadãos em face da crescente racionalização das relações sociais urbano-industriais.
Tais mudanças vêm se expressando, ainda, em processos de alargamento da participação política, apesar de
obviamente limitada, da sociedade civil, os quais se incumbem de também redefinir, em grande medida, as relações
de poder e as próprias tentativas, por um lado, de legitimação desse poder pelas classes sociais dominantes e, por
outro, das lutas travadas pelas classes dominadas, no sentido de uma alteração radical dessas relações. Sendo
assim, a complexificação da sociedade civil terá claramente uma relação direta com a busca pelas classes
dominantes de fazer face a ela, visando a superar, tanto nos planos especificamente nacionais e regionais, quanto em
nível mundial, a possível contradição entre o alargamento da participação política e a apropriação privada da
produção da vida. Esse elenco de condições e contradições define as especificidades do novo bloco histórico.
A primeira reflexão gramsciana que auxilia a desvendar as estratégias burguesas de expropriação, exploração e
dominação de classe na atualidade é, indubitavelmente, a percepção de que as formações sociais capitalistas são um

*
Professora adjunta aposentada da UFPE. Professora participante no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora visitante da FIOCRUZ.
**
Mestre em Educação pela UFF. Doutorando em Educação pela UFF. Professor da rede privada de ensino superior de Niterói.
Membro, desde 2001, do Coletivo de Estudos de Política Educacional da UFF.
bloco histórico formado por estrutura e superestruturas, havendo, pois, “uma necessária reciprocidade” entre ambas,
“reciprocidade que é o processo dialético real” (GRAMSCI, 2000b:250).
Na acepção de sociedade como bloco histórico, conteúdo econômico-social e forma ético-política identificam-se, de
maneira concreta, na construção dos vários períodos históricos. Convém frisar que a distinção entre ‘conteúdo’ e
‘forma’ é puramente didática, já que as forças materiais não seriam historicamente concebíveis sem as ideologias,
bem como estas seriam fantasias individuais ou grupistas sem a contribuição das forças materiais (GRAMSCI,
1999:238)1.
Entre estrutura e superestrutura existe, portanto, um nexo necessário e vital. Por isso mesmo, conforme a visão
gramsciana – e este é um de seus pontos mais centrais – as possibilidades de que as superestruturas se constituam
em resultante mecânica do que os homens vivenciam no plano estrutural representam uma séria distorção, posto que
a articulação entre os planos aponta, inclusive, para a possibilidade de que, conforme a conjuntura histórica, as
correlações de forças, ou mesmo o grau de organização de uma formação social ocorra certa autonomia das relações
superestruturais, fato que, evidentemente, não descarta, mas reforça a mencionada articulação entre os planos. Isso
porque essa relação de reciprocidade entre forças materiais e ideologias aponta para uma possibilidade concreta de
ser o desenvolvimento histórico das formações sociais capitalistas uma resultante da simultaneidade entre
instrumentos de coerção, persuasão das forças político-sociais em disputa pela hegemonia político-social e alterações
concretas nas forças materiais de produção social.
Nas sociedades capitalistas, o poder emana das relações sociais de produção na sociedade civil (estrutura)2 e é
exercido pelo Estado, ou sociedade política (superestrutura política), forma ético-política de garantia da dominação da
classe expropriadora sobre a classe expropriada ou trabalhadora.
Considerando a relação de indissociabilidade entre estrutura e superestrutura na história, pode-se afirmar que o
desenvolvimento das sociedades capitalistas vem se constituindo no resultado provisório das tentativas das classes
sociais de resolução de uma dupla e concomitante ordem de contradições: a contradição entre socialização do
trabalho e apropriação privada do trabalho social e a contradição entre socialização da política e apropriação
individual ou grupista do poder.
Movidas por essa dupla e concomitante ordem de contradições, as sociedades capitalistas nos anos finais do século
XIX vão se ocidentalizando3.
Seria conveniente destacar que as mesmas sociedades haviam, até esse momento histórico, caracterizado-se,
essencialmente, como orientais:

[...] não existiam ainda os grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos
econômicos e a sociedade estava ainda, sob muitos aspectos, por assim dizer, no estado de
fluidez: maior atraso no campo e monopólio quase que completo da eficiência político-estatal
em poucas cidades ou até mesmo numa só [...], aparelho estatal relativamente pouco

1
As ideologias são historicamente orgânicas ou arbitrárias, racionalísticas, “voluntaristas”. São orgânicas quando espelham essa
unidade entre natureza e espírito, entre estrutura e superestrutura. São arbitrárias quando não criam mais do que movimentos
individuais, polêmicos (GRAMSCI, 1999:237).
2
Em Marx e Engels (1984:110), os editores chamam a atenção do leitor para os dois sentidos da expressão ‘sociedade civil’ no
idioma alemão. O primeiro surge e se desenvolve na literatura de idéias do século XVIII, particularmente na França, para
designar a ordem social fundada no capitalismo concorrencial e no individualismo burguês. O conceito reflete, por um lado, a
posição da burguesia, que a si mesma se propõe como representante de toda a sociedade contra o feudalismo e, por outro, o
próprio quadro conceitual do pensamento progressista da época. O segundo sentido, o de sociedade burguesa, ordem social em
que a burguesia é, não representante do povo, mas classe dominante e exploradora. Carlos Nelson Coutinho, na introdução ao
volume 1 de Cadernos do cárcere (GRAMSCI, 1999:10), registra que Valentino Gerratana observou que quando Gramsci verte o
termo marxiano ‘bürgerliche Gesellschaft’ para o italiano, usa a expressão ‘sociedade burguesa’. De fato, Gramsci utiliza a
expressão ‘sociedade civil’ em uma dupla acepção. Na primeira, como sociedade burguesa, retoma o conceito marxiano de
sociedade civil como “verdadeiro lar e teatro de toda a história”, como “a organização social que se desenvolve a partir
diretamente da produção e do intercâmbio, e que em todos os tempos forma a base do Estado e da restante superestrutura
idealista”, apresentado em Ideologia alemã (MARX e ENGELS, 1984:42, 99). No entanto, não se deve perder de vista que,
quando Gramsci fala de sociedade civil como esfera superestrutural nova que, juntamente com o Estado, em sentido estrito,
forma o Estado contemporâneo (concepção ampliada de Estado), refere-se especificamente às manifestações concretas da
politização dessa mesma sociedade burguesa. Da mesma forma que Gramsci realiza uma superação dialética do conceito
marxiano de Estado, realiza, também, uma superação dialética da teoria geral de sociedade.
3
Essa idéia de processo é enfatizada por Carlos Nelson Coutinho em diversos trabalhos. Mais recentemente, nessa perspectiva,
observa: “Com efeito, os conceitos de ‘Oriente’ e ‘Ocidente’ não são [para Gramsci] conceitos estáticos, apenas sincrônicos,
definindo duas zonas do mundo: Gramsci toma consciência de que o fortalecimento da ‘sociedade civil’ e o conseqüente
surgimento de uma estrutura social e estatal mais complexa são processos históricos, diacrônicos, que se desenvolvem no tempo.
Isso significa que regiões ou países específicos, que num primeiro momento apresentavam formas sociais essencialmente
‘Orientais’, podem evoluir no sentido de se tornarem ‘Ocidentais’” (COUTINHO, 2003:7).
9
desenvolvido e maior autonomia da sociedade civil em relação à atividade estatal,
determinado sistema das forças militares e do armamento nacional, maior autonomia das
economias nacionais em face das relações econômicas do mercado mundial etc.
(GRAMSCI, 2000b:24).

Nas sociedades orientais, portanto, a sociedade civil era largamente atomizada e a aparelhagem coercitiva estatal se
apresentava como sujeito político coletivo fundamental na legitimação social da dominação burguesa.
Gramsci (2001:241-282) observou que no período posterior a 1870, com a expansão colonial européia, o rápido
desenvolvimento da grande indústria, a difusão da organização científica do trabalho, do fordismo e do americanismo
e, mais especificamente, a socialização da participação política, ocorre uma mudança qualitativa na estruturação e na
dinâmica das relações de poder. A partir de então, inúmeros sujeitos políticos coletivos passam a se constituir, direta
ou indiretamente, com níveis distintos de consciência política coletiva, em torno dos dois blocos antagônicos em
disputa pela direção política e cultural das formações sociais em rápido processo de urbanização.
Sob esse conjunto de determinações, a sociedade civil, que até então era primitiva e gelatinosa, isto é, pouco
organizada politicamente, politiza-se, ou seja, os vários grupos que a compõem passam, organicamente, de forma
mais efetiva, a defender seus múltiplos interesses e seus projetos de sociabilidade, interferindo assim mais
diretamente nas decisões do Estado. A mesma sociedade civil, de espaço primordial de interação humana no trabalho
e no cotidiano, passa a se constituir também em locus de organização da vontade coletiva. Os múltiplos sujeitos
políticos coletivos começam, progressivamente, a se organizar em aparelhos privados de hegemonia civil, na tentativa
de obter do conjunto da sociedade o consentimento passivo e/ou ativo para seus projetos antagônicos de
sociabilidade, e a exigir do Estado a criação e/ou ampliação de direitos, alargando os limites estreitos da democracia
liberal dos anos de capitalismo concorrencial.
Resultam desse movimento de organização política dos vários sujeitos políticos do capitalismo central aglutinados em
torno do projeto de sociabilidade proletário, nos anos finais do século XIX e das décadas iniciais do século XX,
conquistas como a jornada de trabalho de oito horas semanais, as férias remuneradas, o sufrágio universal (inclusive
o voto feminino) e o direito de livre associação.
Essa mesma politização da sociedade civil contribui para que o consenso, ou adesão espontânea de indivíduos ou
grupos aos projetos das classes sociais em disputa na sociedade civil (e também no Estado em sentido estrito 4),
passe a se constituir, ao mesmo tempo, em importante instrumento de dominação da classe burguesa para a
consolidação de sua hegemonia nas sociedades contemporâneas, e em poderoso meio de emancipação política das
classes dominadas na construção de uma outra hegemonia: a direção intelectual e moral, política e cultural da classe
trabalhadora.
Isso porque, conforme o próprio conceito de hegemonia gramsciano, será através de sua disputa pela direção da
sociedade e, por via de conseqüência, pelos aparelhos responsáveis pela colocação em prática das teses mais afeitas
aos interesses das classes sociais (aparelhos privados de hegemonia), que as mesmas classes obterão maiores ou
menores chances de convencerem a totalidade da sociedade quanto à legitimidade de seus interesses específicos.
Mais ainda, a batalha pelo convencimento e a busca do consenso contribuirão diretamente para que os homens
adquiram ou não uma maior consciência quanto a seu efetivo lugar na história, o qual, no caso, equivalerá não
somente ao tipo de identificação produzido acerca das relações sociais, como também ao desejo de transformação ou
de conservação da ordem.
A politização da sociedade civil propiciou à burguesia um novo conteúdo e uma nova forma às suas estratégias de
dominação, transformando-a, simultaneamente, de modo mais equilibrado, em classe dominante e classe dirigente.
Com a conquista dos aparelhos privados de hegemonia de tipo tradicional, a criação de novos aparelhos ou o controle
e a refuncionalização de espaços difusores de idéias das classes dominadas, essa burguesia vem conseguindo,
historicamente, traduzir seu domínio econômico-político em direção de toda a vida social. Mais ainda, a politização da
sociedade civil demanda um novo tipo de formato às disputas pelo próprio poder, uma vez que a balança entre
coerção e consenso ou repressão e convencimento terá de ser direcionada pela busca incessante de legitimação de
um conjunto de práticas e idéias destinadas à tentativa de conversão de interesses particulares em gerais, a qual, se
dotada de êxito, irá colaborar para que a classe burguesa consiga resolver a seu favor a possível (e sempre presente)
contradição entre domínio e direção, tornando esses termos complementares e, para a sociedade, não-conflitantes.
O sempre complexo e provisório processo de tentativa de conquista da hegemonia dos processos sociais demanda,
para Gramsci, o êxito na difícil tarefa de alcançar o consentimento e a adesão em torno das idéias/práticas
desenvolvidas, sem dúvida, pelos aparelhos criados com esse fim, bem como com a refuncionalização de
determinados espaços originalmente pertencentes às classes dominadas. Caberia frisar, entretanto, que tal processo
não perde de vista também a busca pela utilização, por parte das classes dominantes, de aparelhos que outrora

4
Poulantzas (1980), nos anos de 1970, ao desenvolver a teoria relacional do Estado inspirado nos ensinamentos gramscianos das
décadas iniciais do século XX, acrescenta à teoria marxista de Estado uma outra importante determinação. Ele considera que, no
capitalismo monopolista de Estado, com a criação e o predomínio dos aparelhos econômicos sobre o conjunto da aparelhagem
estatal, a luta de classes passa a ter uma presença mais significativa nesse espaço superestrutural.
10
representavam importantes meios de dominação. Em uma palavra, a busca de se tornar dirigente não pode abrir mão,
em nome de sua própria hegemonia, da utilização de aparelhos difusores de idéias, as quais, embora não dando mais
conta integralmente dos atuais processos históricos, representam ainda importantes espaços a serem conquistados,
até mesmo, mas não apenas, por sua capacidade de resposta, novamente não total, a certos anseios da sociedade.
A crescente politização da sociedade civil, ao consubstanciá-la também em expressão da vontade coletiva, constituiu-
a em uma dimensão superestrutural nova, à qual Gramsci se referirá sistematicamente, quando de suas análises
acerca das modificações da estrutura e da dinâmica política das sociedades contemporâneas, denominadas, por ele,
como sociedades ocidentais ou aquelas nas quais força e consentimento, em justa relação, garantem a dominação de
classe.
Nas sociedades ocidentais, o Estado se amplia, adquirindo uma nova materialidade: complexificação da burocracia
civil e militar da aparelhagem estatal ou do Estado em sentido estrito e crescente expansão qualitativa e quantitativa
dos aparelhos privados de hegemonia da sociedade civil. O Estado redefine, ainda, suas funções, acrescentando às
tarefas de comando, governo e domínio a função de direção cultural e política das classes dominadas (hegemonia
civil), por meio da adesão espontânea (consenso), passiva e indireta e/ou ativa e direta ao projeto de sociabilidade da
classe dominante e dirigente. É nessa perspectiva que Gramsci (2000a:20-21) enuncia:

Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser
chamado de “sociedade civil”, isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente
como “privados” e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem,
respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a
sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no
governo “jurídico”.

Do mesmo modo que estrutura e superestrutura, enquanto força material e forma ético-política, constituem-se em uma
totalidade histórica, Estado stricto sensu e sociedade civil (organismos políticos da sociedade civil) se consubstanciam
em um bloco histórico. É nessa perspectiva que Gramsci (2000b:244) define os Estados democráticos
contemporâneos como “sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção”.
O conceito de bloco histórico, utilizado para indicar a relação entre sociedade civil e Estado em sentido estrito,
assegura um tratamento metodológico no estudo da sociedade civil que a coloca em relação com as idéias, ideais e
práticas governamentais. Para a compreensão da natureza e do grau de desenvolvimento da sociedade civil no
processo de luta de classes, em cada formação social, faz-se imprescindível estudá-la em contato direto com o
conjunto das estratégias de reprodução ampliada do capital, assim como em relação às práticas coercitivas e diretivas
governamentais para a conquista, consolidação e aprofundamento do consentimento, sempre provisório, do conjunto
da sociedade ao projeto de sociabilidade da classe dominante e dirigente.
Gramsci (2002a:139), mais uma vez, contribui para o entendimento da natureza das relações capitalistas na
atualidade quando observa que o Estado moderno, “por substituir o bloco mecânico dos grupos sociais por uma
subordinação destes à hegemonia ativa do grupo dominante e dirigente”, redefine suas práticas, tornando-se
educador. Ao Estado capitalista impõe-se a complexa tarefa de formar um certo homem coletivo, ou seja, conformar
técnica e eticamente as massas populares à sociabilidade burguesa. É nessa perspectiva que o pensador italiano
assegura ser papel do Estado educador:

Criar novos e mais elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade


das mais amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do
aparelho econômico de produção e, portanto, de elaborar também fisicamente tipos novos
de humanidade (GRAMSCI, 2000b:23).

O Estado educador, como elemento de cultura ativa, deve servir para determinar a vontade de construir, no invólucro
da sociedade política, uma complexa e bem articulada sociedade civil, em que o indivíduo particular se governe por si
sem que, por isso, esse autogoverno entre em conflito com a sociedade política, tornando-se, ao contrário, sua normal
continuação, seu complemento orgânico (GRAMSCI, 2000b:279).
Para Gramsci (1999:94), somos ao mesmo tempo seres singulares e homens coletivos, conformes ao nosso tempo e
lugar. “Somos conformistas de algum conformismo”. Nas sociedades urbano-industriais contemporâneas, um novo
conformismo social foi se instaurando paulatinamente, tendo como elementos constitutivos: (i) “a estandardização do
modo de pensar e de atuar em dimensões nacionais ou até mesmo continentais”; (ii) sua formação “essencialmente
de baixo para cima, à base da posição ocupada pela coletividade no mundo da produção” que permite novas
possibilidades de autodisciplina; (iii) a organização da vida individual e coletiva fundamentada no máximo rendimento
do aparelho produtivo, tendo o mundo da produção e o trabalho como referências; (iv) o máximo utilitarismo como
referência da organização das instituições morais e intelectuais (GRAMSCI, 2000b:259-261).
Sob a hegemonia burguesa, o Estado capitalista vem realizando a adaptação do conjunto da sociedade a uma forma
particular de civilização, de cultura, de moralidade. No decorrer do século XX, diante das mudanças qualitativas na

11
organização do trabalho e nas formas de estruturação do poder, o Estado capitalista, mundialmente, vem redefinindo
suas diretrizes e práticas, com o intuito de reajustar suas práticas educativas às necessidades de adaptação do
homem individual e coletivo aos novos requerimentos do desenvolvimento do capitalismo monopolista .
Na condição de educador, o Estado capitalista desenvolveu e desenvolve uma pedagogia da hegemonia, com ações
concretas na aparelhagem estatal e na sociedade civil. Esse conceito, embora não tenha sido utilizado explicitamente
por Gramsci, é por ele inspirado. Segundo ele, “toda relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação
pedagógica, que se verifica não apenas no interior de uma nação, entre as diversas forças que a compõem, mas em
todo o campo internacional e mundial, entre conjuntos de civilizações nacionais e continentais” (GRAMSCI, 1999:399).
Dado o caráter contraditório e conflituoso das sociedades de classes, desenvolve-se simultaneamente no Estado
stricto sensu e, majoritariamente, na sociedade civil, uma pedagogia da contra-hegemonia, por parte das classes
dominadas, sob a direção de partidos políticos comprometidos com a formação de uma outra sociabilidade, os
partidos revolucionários.
Nas sociedades orientais, a pedagogia da hegemonia era exercida principalmente por meio de ações que tinham
funções educativas regressivas e negativas (em especial, por intermédio dos tribunais); nas sociedades ocidentais,
mais politicamente estruturadas, a pedagogia da hegemonia passa a se exercer mais sistematicamente por meio de
ações com função educativa positiva, que se desenvolvem primordialmente na sociedade civil, nos aparelhos de
hegemonia política e cultural das classes dominantes, sendo, para Gramsci, a escola o mais importante deles.
Por intermédio de ações, proposições e concepções, instituições como a Igreja Católica, os meios de comunicação de
massa, as associações recreativas e sindicais, as associações de defesa de interesses corporativos distintos, dentre
outras, articulam-se às classes socialmente dominantes, constituindo-se num bloco histórico responsável pela dupla e
complexa tarefa de, preservando suas maneiras específicas e próprias de atuação nas questões sociais, harmonizar
os interesses das classes e frações de classes em nome das quais atuam, como também organizar e organicizar as
proposições mais afeitas a esses interesses particulares constituindo-os como gerais. O que não implica,
evidentemente, afirmar que os aparelhos privados de hegemonia, na visão gramsciana, sejam meros instrumentos
reprodutores de uma lógica que lhes é imputada externamente. Sob perspectiva radicalmente distinta, tais aparelhos
guardam em si mesmos a possibilidade de, conforme a conjuntura histórica, responder contraditoriamente a
determinadas demandas e orientações, abrindo espaço para a possibilidade de construção de uma contra-hegemonia.
Vale frisar, entretanto, ainda nessa direção, que as disputas historicamente travadas no seio dos aparelhos privados
de hegemonia, pela adesão mais ou menos espontânea dos homens a um determinado projeto de sociedade e
mesmo por uma educação de suas consciências, não são, para Gramsci, disputas entre iguais, razão fundamental
pela qual o terreno de disputas da sociedade civil não se constitui necessária e forçosamente em espaço o qual,
sendo de adesão espontânea e caracterizado mais pelo consenso do que pela coerção, definir-se-ia como território
unicamente de conquista e ampliação das vontades das grandes massas e, muito menos, garantia de alargamento de
suas chances de contra-hegemonia.
Nesse sentido, valeria a pena não perder de vista uma das contribuições fundamentais do pensamento gramsciano,
qual seja, a vinculação entre o conceito de hegemonia, os responsáveis por sua formulação e execução (os aparelhos
privados de hegemonia) e os temas definidos como relacionados à “grande política” 5.
Enquanto nas sociedades urbano-industriais6 esses aparelhos em seu conjunto contribuem para a formação do
homem coletivo, a escola, mais especificamente, responsabiliza-se pela formação de intelectuais de diferentes níveis,
tanto em sentido amplo, como em sentido estrito. Em sentido amplo, todos os homens são intelectuais. Todos têm
uma concepção de mundo, integram organismos sociais, trabalham, realizam uma atividade criadora qualquer,
deliberam sobre os rumos de sua vida, em graus distintos de organicidade do pensamento, que vão desde uma visão
fragmentária a uma visão mais unitária de mundo. A escola, especialmente nas sociedades urbano-industriais, teria
como objetivo, portanto, elevar o grau de consciência individual atingido pela humanidade. É intrínseca a toda
atividade intelectual nas sociedades urbano-industriais uma certa capacidade técnica e dirigente, organizadora e a
escola é o espaço social de formação desse novo tipo de humanidade. A escola forma também aqueles que vão
exercer, na sociedade, específica e diretamente, a função de intelectuais, ou seja, os intelectuais orgânicos em
sentido estrito7.

5
Por grande política, Gramsci (2000b:21) entende “as grandes questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela
destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais”; por pequena política, “as
questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida [...]”.
6
A civilização urbano-industrial cria um intelectual de novo tipo, tanto no sentido amplo como no sentido estrito, diferente dos
intelectuais da civilização agrária. Para Gramsci (2000a:53), “o modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na
eloqüência, motor externo e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção ativa na vida prática, como construtor,
organizador, ‘persuasor permanente’ já que não apenas orador puro – mas superior ao espírito matemático abstrato [...]”.
7
“Por intelectuais deve-se entender não só aquelas camadas comumente compreendidas nesta denominação, mas, em geral, todo o
estrato social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no da cultura e no político-
administrativo: correspondem aos suboficiais e oficiais subalternos do exército e também, em parte, aos oficiais superiores de
origem subalterna” (GRAMSCI, 2002a:93).
12
Sendo o Estado capitalista um Estado de classes, tende a organizar a escola em todos os níveis e modalidades de
ensino, conforme a concepção de mundo da classe dominante e dirigente, embora, contraditoriamente, a mesma
escola, dependendo do grau de difusão da pedagogia da contra-hegemonia na sociedade civil, esteja permeável à
influência de outros projetos político-pedagógicos. A escola, no capitalismo monopolista, sob a hegemonia burguesa,
especialmente após a Segunda Guerra Mundial, vem se estruturando, com vistas a formar, tanto em sentido amplo,
como em sentido estrito, um intelectual urbano de novo tipo, intelectual que apresenta como características principais:
o aumento da capacitação técnica necessária à reprodução ampliada das relações capitalistas de produção e uma
nova capacitação dirigente, com vistas a “humanizar” as relações de exploração e de dominação burguesas, enquanto
possibilidades históricas concretas.
A escola, sob a hegemonia burguesa, ao formar intelectuais orgânicos em sentido amplo e em sentido estrito,
segundo os ideais, idéias e práticas da classe dominante e dirigente, torna-se importante instrumento de difusão da
pedagogia da hegemonia, ou pedagogia da conservação, e, concomitantemente, em veículo que limita e emperra a
construção e a veiculação de uma pedagogia da contra-hegemonia8.
Embora estivesse se defrontando apenas com os primórdios da formação do Estado capitalista monopolista, período
em que a legislação e as políticas econômicas e sociais circunscrevem o âmbito da pedagogia da hegemonia no
Estado em sentido estrito, Gramsci já previa a expansão do processo de intervenção do Estado na conformação
técnica e ético-política da classe trabalhadora.
Analisando o fordismo nos anos iniciais do século XX, o pensador afirmava categoricamente que “a americanização
exige(ia) um determinado ambiente, uma determinada estrutura social e um determinado tipo de Estado” (GRAMSCI,
2001:258), isso porque “a racionalização determinou a necessidade de elaborar um novo tipo humano, adequado ao
novo tipo de trabalho e de processo produtivo”, elaboração que estava àquela época em sua fase inicial (GRAMSCI,
2001:248). Mesmo assim, a força (destruição do sindicalismo operário de base territorial) e a persuasão (altos
salários, diversos benefícios sociais, habilíssima propaganda ideológica e política) já faziam parte destacada das
tarefas educadoras desse novo Estado (GRAMSCI, 2001:247).
Durante todo o período da Guerra Fria e de desenvolvimento do fordismo e do americanismo, os Estados capitalistas
centrais e periféricos, de modo específico, sob a forma de Estado de Bem-Estar Social, desenvolveram, além das
atividades coercitivas inerentes ao Estado em sentido estrito, estratégias educadoras no sentido da garantia de
direitos, visando a reduzir a desigualdade real do acesso à riqueza e ao poder nas formações sociais burguesas, de
forma a garantir a reprodução do modo capitalista de convivência social e evitar a adesão, por amplos segmentos da
classe trabalhadora, ao projeto socialista de sociabilidade. Contraditoriamente, portanto, a luta contra-hegemônica de
parcela do proletariado e de seus aliados por direitos políticos e sociais e pela construção de uma nova sociabilidade
consubstanciou-se em importante determinante de uma ampliação dos direitos de cidadania.
Guiada por pressupostos teóricos keynesianos, a pedagogia da hegemonia se desenvolve no sentido de ampliar os
direitos sociais por trabalho, moradia, alimentação, saúde, educação, transportes das massas trabalhadoras, com
políticas sociais diretamente executadas pelo aparato governamental, tendo por intuito obter o decisivo consenso da
maioria da população ao projeto burguês de sociabilidade e aumentar, concomitantemente, a produtividade da força
de trabalho. Tais políticas governamentais constituíram-se ainda em importante veículo de redefinição dos graus ou
momentos da correlação das forças políticas nas formações sociais contemporâneas, no sentido de evitar que a
classe trabalhadora ultrapassasse o nível econômico-corporativo de organização das suas lutas sociais.
De acordo com Gramsci, há nas sociedades contemporâneas diferentes graus ou momentos de relações de forças.
Uma relação de forças sociais estreitamente ligada à estrutura objetiva, independente da vontade dos homens, na
qual cada grupo social representa uma função e ocupa uma posição determinada na própria produção. Uma relação
de forças políticas, com graus ou momentos distintos de consciência política coletiva, de acordo com o grau de
homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançados pelos vários grupos sociais. E uma relação de
forças militares.
A estratégia política de cada grupo social em disputa deve levar em conta a análise das manifestações concretas
desses três momentos (GRAMSCI, 2000b:40-42). Mais particularmente, a pedagogia da hegemonia e a da contra-
hegemonia, por motivações distintas, devem levar em conta os graus de consciência política dos grupos sociais que,
na história real, implicam-se reciprocamente.
O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo, quando é percebida individualmente uma unidade
homogênea entre os componentes de um mesmo grupo social e sente-se o dever de organizá-lo. Nesse momento
não é realçada a unidade entre esse grupo específico e a classe social. Um segundo momento é aquele em que os
grupos específicos atingem a consciência da solidariedade entre todos os membros da classe, mas ainda no campo
meramente econômico. Reivindica-se, em tal estágio, o direito de participar da legislação e da administração e até de
modificá-las, de reformá-las, porém, nos quadros fundamentais existentes, isto é, nos marcos do capitalismo. Um
terceiro momento é aquele em que se alcança a consciência de que os interesses corporativos podem e devem

8
Os intelectuais orgânicos do proletariado, via escola sob a direção burguesa, realizam a ultrapassagem da técnica-trabalho à
técnica-ciência, mas não conseguem construir uma concepção humanista histórica, sem a qual permanecem especialistas e não se
tornam dirigentes de sua classe.
13
tornar-se os interesses dos grupos sociais subordinados. Ultrapassa-se o plano econômico-corporativo e atinge-se o
plano “universal”, criando, assim, a hegemonia de uma classe social sobre uma série de grupos subordinados. Nesse
momento percebe-se com nitidez a natureza de classe do Estado capitalista e suas formas de atuação (GRAMSCI,
2000b:41-42). Apenas nesse momento,

O Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar


as condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas este desenvolvimento e esta
expansão são concebidos e apresentados como a força motriz de uma expansão universal,
de um desenvolvimento de todas as energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é
coordenado concretamente com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida
estatal é concebida como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no
âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos grupos
subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo dominante prevalecem, mas até um
determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse econômico-corporativo. [...] Estas
relações internas de um Estado-Nação entrelaçam-se com as relações internacionais,
criando novas combinações originais e historicamente concretas (GRAMSCI, 2000b:41-42).

A pedagogia da hegemonia nos anos de fordismo e de americanismo, em linhas mais gerais, consistiu em um
alargamento da cidadania político-social, de modo a impedir que o nível de consciência e de organização das classes
dominadas não ultrapassasse o segundo momento econômico-corporativo das relações de força política. Foi assim
que os partidos revolucionários que atingiram o nível ético-político de consciência coletiva foram se transformando,
especialmente na Europa, em social-democratas, hegemonizando, sob a batuta do capital, a classe trabalhadora. O
sindicalismo classista vai dando espaço ao sindicalismo de resultados, reduzindo o nível de consciência coletiva do
segundo momento do grau econômico-corporativo para o primeiro momento, quando se desconhece a unidade entre
o específico e a classe social.
Especialmente, após a Segunda Guerra Mundial, movimentos sociais que defendem interesses específicos não
diretamente ligados às relações de trabalho são institucionalizados em aparelhos privados de novo tipo, dando lugar,
na arena política, a novos sujeitos políticos coletivos, genericamente denominados de organizações não-
governamentais (ONGs). Tais organizações, devido ao grau de especificidade de seus interesses, já se instituem no
nível mais elementar de consciência política. Algumas delas, no entanto, em especial as de nível internacional e
nacional, atingem o segundo nível sem, contudo, ultrapassarem o nível econômico-corporativo. Por meio desse triplo
movimento, o projeto de sociabilidade burguesa vai se consolidando e chega vitorioso ao século XXI, momento em
que uma larguíssima faixa da população mundial aceita as relações sociais vigentes como a única solução possível
de convivência social.
A pedagogia da contra-hegemonia, por sua vez, apesar de garantir expressivas vitórias em formações sociais
periféricas, vai perdendo o seu poder de persuasão nas formações capitalistas centrais e, finalmente, com a queda do
muro de Berlim e com o fim da União Soviética, vem tendo muita dificuldade para convencer a classe trabalhadora de
que processos como a expropriação, a exploração e a dominação por ela vivenciadas são historicamente construídos,
como resultado da hegemonia burguesa. Mesmo assim, em todos os cantos do planeta, embora de forma minoritária,
aparelhos privados de hegemonia proletária, nos quais se incluem partidos, sindicatos, movimentos sociais e até
algumas organizações não-governamentais, continuam sua tarefa de persuadir o conjunto da população de que um
outro mundo é possível.
O fim da Guerra Fria, a crise estrutural de acumulação capitalista e o nível de racionalização alcançado pelo modo de
produção social capitalista nas décadas finais do século XX, consubstanciado na mundialização da produção, na
difusão do paradigma da acumulação flexível de organização produtiva, assim como na introdução e na difusão
aceleradas da microeletrônica e da informática na organização do trabalho e no cotidiano dos cidadãos, determinaram
a elaboração de um novo tipo humano, de um novo homem coletivo, conforme aos novos requerimentos da
reprodução das relações sociais vigentes. Por outro lado, o desemprego estrutural, a precarização das relações de
trabalho e das condições de vida de um contingente cada vez maior de trabalhadores levam o capital a redefinir suas
estratégias de busca do consenso da maioria das populações no limiar do século XXI.
Tais mudanças qualitativas nas relações sociais de produção passam a demandar do Estado novos formatos em seu
papel educador. Sob a direção das frações financeira e industrial monopolista da burguesia mundial, iniciadas no
período Reagan/Thatcher de governo de países centrais no capitalismo mundial, apoiando-se nas formulações de
Hayek e Friedman (Adriana MELO, 2004), posteriormente atualizadas por Anthony Giddens para a nova social-
democracia mundial, tem início um processo de reestruturação do Estado, tanto no que respeita a suas funções
econômicas, quanto a seus objetivos de legitimação social.
O Estado de Bem-Estar Social perde espaço para o Estado neoliberal. De produtor de bens e serviços, o Estado
passa a assumir a função de coordenador das iniciativas privadas da sociedade civil. De promotor direto da
reprodução do conjunto da força de trabalho, admitindo-a como sujeito de direito, o Estado passa a provedor de
serviços sociais para uma parcela da sociedade definida agora como “excluídos”, ou seja, aquele contingente

14
considerável que, potencialmente, apresenta as condições objetivas para desestruturar o consenso burguês. Para o
restante da população, o Estado transfigura-se em estimulador de iniciativas privadas de prestação de serviços
sociais e de novas formas de organização social que desatrelam as várias formas das desigualdades de classe.
Nesse ponto, pode-se ver, com clareza, uma outra contribuição do pensamento gramsciano, dado que, a rigor, os
movimentos definidos como de “repolitização da política” objetivam mostrar a camadas cada vez mais consideráveis
da sociedade a legitimidade do projeto societário formulado e colocado em execução pelo novo bloco histórico.
Explicam-se, efetivamente, os excluídos desse projeto, contingente, insiste-se, que, por ser o mais direta e
negativamente afetado pelo neoliberalismo, constituiria um nítido potencial de protesto e insubmissão ao status quo,
podendo, pois, representar a tentativa de estabelecimento de uma contra-hegemonia. Entretanto, ao serem
transmutados em incluídos, passam a não somente ser agraciados com os serviços sociais citados, muito mais que
isso, tornam-se contribuintes, participantes e, fundamentalmente, colaboradores dos mecanismos de consenso que,
mantida ou admitida sua situação de exclusão, tornar-se-ia bastante mais difícil de ser alcançado.
É, diga-se de passagem, nesse intuito, que atuarão inúmeros dos aparelhos privados de hegemonia pertencentes ao
atual bloco histórico, procurando disseminar a idéia segundo a qual o incentivo à capacidade de doação das classes
socialmente dominantes, sua atuação voluntária e fraterna, sua defesa de um interesse comum, o qual permearia toda
a sociedade, seriam mecanismos eficazes para, mantendo fora da pauta de discussões e ações sociais as
contradições concretas do atual projeto societário, estimular o consenso, nesse caso específico, produzindo a
convicção de que, efetivamente, não haveria excluído e sim aquele ainda não incluído. O que, de resto, demandaria,
unicamente, um pouco mais de tempo, um ainda maior aprofundamento da lógica social neoliberal e uma maior
consciência cívico-social por parte das classes dominantes. Nesse modelo, o sempre difícil e instável, contudo,
decisivo consenso seria obtido por meio de mecanismos de conciliação entre as classes sociais. Uma questão
pertinente surge: “Não estaria ocorrendo uma redução de diferenças significativas a uma intenção filantrópica que,
ainda que louvável, diminuiria, na mesma proporção, as possibilidades de transformação real dessas formas de
segregação ou exclusão?” (FONTES, 1997:53).
Essa metamorfose estatal é assegurada pela concentração do poder decisório no Executivo em detrimento do
Legislativo e pela desregulamentação do Estado de Bem-Estar Social e a criação de novas normas jurídicas de
convivência social que venham a dar conta das novas necessidades econômicas e político-ideológicas de reprodução
social. A metamorfose do Estado é assegurada também pela expansão quantitativa de aparelhos privados de
hegemonia que, direta ou indiretamente, na sociedade civil, contribuem para a manutenção da hegemonia burguesa.
Essas mudanças qualitativas do Estado fazem parte do processo de modificação na natureza do padrão de
ocidentalização europeu que teve início no período fordista de desenvolvimento capitalista, para o modelo de
ocidentalização de tipo americano. Tais modificações no processo de ocidentalização constituem-se, também, nos
pilares fundamentais da nova pedagogia da hegemonia.
Coutinho (2000), analisando a realidade política brasileira nas últimas décadas do século XX e anos iniciais deste
século, partindo de uma interpretação gramsciana da estruturação das sociedades capitalistas contemporâneas, de
forma bastante original advoga a tese de que vêm disputando a hegemonia nas sociedades “ocidentais” na atualidade
dois projetos principais de estruturação do poder e de representação de interesses: um projeto de ocidente de tipo
“americano” e um projeto de ocidente de tipo “europeu”. O projeto americano tem como expressão ideológica o
neoliberalismo e pressupõe e estimula a auto-organização da sociedade civil, orientando-a para a defesa de
interesses puramente corporativos, setoriais ou privatistas; inversamente, o projeto europeu de ocidentalização
pressupõe e estimula a proliferação dos movimentos sociais de base, a presença de um sindicalismo combativo e
politizado e a mediação política de partidos programaticamente estruturados e socialmente homogêneos 9.
A nova pedagogia da hegemonia, dos anos de neoliberalismo, tem como finalidade redefinir o padrão de politização
fordista. Essa redefinição vem-se dando por meio de um variado e complementar movimento de repolitização da
política, o qual apresenta alguns traços definidores.
O primeiro diz respeito à viabilização do retorno ou da permanência de um conjunto significativo da população ao nível
mais primitivo das relações de forças, aquele estreitamente ligado à estrutura objetiva, no qual os agrupamentos
sociais organizam-se conforme a sua função e posição na produção, sem uma maior consciência de seus papéis
econômico e político-social. Nesse primeiro sentido, a nova pedagogia da hegemonia propõe-se a estimular um tipo
de participação que, fortemente relacionada ao conceito gramsciano de catarse, tenta incentivar movimentos
caracterizados por soluções individuais.
O ponto a ser destacado diz respeito ao fato de que, mesmo nesse movimento, não é possível abrir mão da idéia de
participação política, dado que os homens não podem mais ser deixados fora de um processo que, interessado em
conquistar sua adesão, ainda que prioritariamente passiva, demanda sua presença. Nesse mesmo sentido, esse
primeiro movimento caracteriza-se ainda pela busca de convencimento dos homens quanto à necessidade de
tomarem parte em associações e processos políticos que, embora aparentemente não representem maiores
conseqüências, efetivamente se constituem em decisivos espaços de obtenção de consenso acerca dos temas mais
caros à nova pedagogia da hegemonia.

9
Para maior detalhamento dessa tese, ver especialmente Coutinho (2000:96-109).
15
Portanto, mais do que um estímulo à apatia política, o que ocorre aqui é a primeira etapa de um processo de
participação que tenta mostrar à sociedade a importância de uma atuação que, ainda que dificilmente vista, pela
mesma sociedade, como prioritária para sua própria vida, deve ser trabalhada pelas classes dirigentes como vital para
seus interesses. Ainda nessa direção, a nova pedagogia da hegemonia produz um maciço investimento em um
modelo novo de cidadania, o qual, enfatizando a presença dos homens nos marcos delimitados desse estilo de
participação política, procura articular esses homens às demandas mais caras ao projeto societário em busca de
hegemonia.
O segundo movimento diz respeito ao desmantelamento e/ou refuncionalização dos aparelhos privados de hegemonia
da classe trabalhadora que se organizavam, até então, tendo em vista a ampliação de direitos e/ou a construção de
um novo projeto de sociabilidade. A precarização das relações de trabalho e a desregulamentação dos direitos
trabalhistas vêm se constituindo em importantes pressupostos objetivos da desmobilização dos sujeitos políticos
coletivos comprometidos até então com a contra-hegemonia.
A nova pedagogia da hegemonia atua no sentido de restringir o nível de consciência política coletiva dos organismos
da classe trabalhadora que ainda atuam no nível ético-político para o nível econômico-corporativo. Mais precisamente,
a nova pedagogia da hegemonia estimula a pequena política em detrimento da grande política, propiciando,
contraditoriamente, à classe trabalhadora a realização da grande política da conservação. Vale lembrar, ainda
conforme a orientação gramsciana, que os movimentos em torno da pequena política traduzir-se-iam, exemplarmente,
tanto no plano mundial quanto em um nível mais regional, em ações como projetos de auto-ajuda, estímulo a um
conceito de cidadania restrita, ênfase em ações destinadas à valorização de espaços e demandas comunitários e
locais, dentre tantos outros.
O terceiro movimento consiste no estímulo estatal à expansão dos grupos de interesses não diretamente ligados às
relações de trabalho, surgidos após a Segunda Guerra Mundial. São cada vez mais numerosos os grupos de defesa
dos interesses de mulheres, homossexuais, crianças, jovens, terceira idade, raças e etnias e de valorização da paz e
da ecologia. Para Wood (2003), o capitalismo é indiferente às identidades sociais das pessoas que explora, mas tem
a capacidade de usar e de descartar opressões sociais particulares. Ele é capaz, portanto, de aproveitar, em benefício
próprio, toda a opressão extra-econômica que esteja histórica e culturalmente disponível em qualquer situação. Tais
legados culturais podem promover a hegemonia ideológica do capitalismo ao mascararem sua tendência intrínseca de
criar subclasses.
Quando os setores menos privilegiados da classe trabalhadora coincidem com as identidades extra-econômicas, pode
parecer que sua existência decorra de causas outras que não a lógica necessária do sistema capitalista. Para esta
autora, o capitalismo sobreviveria à eliminação de todas as opressões específicas, mas não sobreviveria, por
definição, à erradicação da exploração de classe. As lutas concebidas em termos exclusivamente extra-econômicos,
portanto, não representam, em si mesmas, um perigo fatal para o capitalismo. Podem, inclusive, ser funcionais à
estabilização da hegemonia burguesa. Politicamente, portanto, a organização desses grupos acaba por,
contraditoriamente, desviar a atenção de importantes segmentos da classe trabalhadora da reflexão sobre os
mecanismos de expropriação e exploração a que são submetidos, ao mesmo tempo em que reforça o individualismo
como valor moral radical, uma vez que reúne indivíduos para tratar de seus problemas específicos, desvinculados das
questões sociais gerais.
Um outro aspecto importante, relacionado a esse último movimento de repolitização da política, vem consistindo
também em uma ação orgânica dos organismos internacionais, em especial do Fundo Monetário Internacional (FMI) e
do Banco Mundial (BM), com os Estados dos vários pólos econômicos e político-sociais regionais que vêm se
estruturando no mundo, a partir dos anos de 1970, de estímulo, pelo Estado em sentido estrito, à expansão
quantitativa acelerada dos aparelhos privados de hegemonia voltados para a organização política no nível mais
elementar de consciência política coletiva. Essa expansão vem se processando, primordialmente, por intermédio da
privatização e fragmentação das políticas sociais. Tal processo de privatização se constitui em recurso estatal de
contratendência à queda tendencial da taxa de lucro, de desvalorização de uma parcela do capital constante
(POULANTZAS, 1980), cuja criação de uma nova fração da burguesia – a burguesia de serviços – constitui-se em
exemplo significativo10.
A privatização, a fragmentação e a focalização das políticas sociais – materializadas na criação do chamado setor
público não-estatal, denominado pela ideologia dominante e dirigente de “terceiro setor” – têm ainda a função de
dialogar econômica e politicamente com frações significativas das camadas médias. Essas camadas, ao mesmo
tempo em que se mantêm incluídas no mercado capitalista como consumidoras de bens e serviços em época de
desemprego estrutural, na nova condição de prestadoras de serviços de interesse “público”, funcionam também como
intelectuais que cimentam, na superestrutura, a relação entre as frações de classe expropriadoras sob a direção do

10
A tese da criação de uma nova burguesia de serviços é defendida por Boito Jr. (1999). Para ele, o empresariamento dos serviços
sociais, em especial da saúde, da previdência e da educação superior fez apontar na arena sociopolítica brasileira uma nova
burguesia de serviços. Embora esteja se reportando especificamente ao Brasil, esse conceito pode ser generalizado para o
conjunto das formações sociais capitalistas que foram atingidas por forte processo de privatização das políticas sociais nos anos
de neoliberalismo.
16
capital financeiro e industrial monopolista e importantes frações do proletariado (os chamados “excluídos”), alvo da
ação direta e indireta do Estado neoliberal.
Esses novos intelectuais orgânicos têm como tarefa fundamental promover a desvalorização da igualdade enquanto
valor primordial da convivência social e, em seu lugar, consolidar a liberdade individual como valor moral radical. O
bem-estar social que era tarefa do Estado passa a se constituir em tarefa dos indivíduos e dos grupos. Nesse sentido,
pode-se afirmar que o americanismo, que no período fordista de acumulação capitalista se espraiava pelo mundo sob
a forma do consumo de massas e do american way of life, irradia-se, também nesse momento, no âmbito da prática
política, por meio da constituição de uma nova cidadania política.
Simultaneamente e de forma imbricada, na sociedade civil, os sujeitos políticos coletivos que, tradicionalmente, por
intermédio de seus aparelhos, direta ou indiretamente contribuíam na consolidação da hegemonia burguesa nos anos
de fordismo (empresários, igrejas, escolas, mídia etc.), redefinem suas funções no sentido de mais diretamente (com
ou sem financiamento do Estado stricto sensu) atuarem na assistência social, nos chamados programas de
responsabilidade social, com o intuito de obter o consenso passivo de um contingente amplo da população ao projeto
de sociabilidade burguesa e conformar mais diretamente segmentos maciços do proletariado urbano às idéias, ideais
e práticas de expropriação e de dominação burguesas.
Por sua vez, com a adesão crescente de um contingente significativo de setores da esquerda mundial ao projeto
neoliberal de sociabilidade, atualizado pelos preceitos da terceira via, as possibilidades de difusão de um projeto
contra-hegemônico voltado para a construção de uma democracia socialista vêm encontrando sérias dificuldades. Há
hoje, inegavelmente, em ação, impulsos emancipatórios fortes e promissores, que, talvez, não estejam agindo no
centro da vida social, no coração da sociedade capitalista (WOOD, 2003). Entretanto, nas manifestações que mais
recentemente se proliferam em todo o mundo, com vistas ao questionamento das relações sociais vigentes, a tônica
do discurso vem incidindo prioritariamente contra o neoliberalismo e só secundariamente contra o capitalismo 11.
Embora a americanização do processo de ocidentalização se constitua em estratégia mundial do capital, ela vem se
materializando mais explicitamente na periferia do capitalismo, onde as condições de trabalho e de vida de uma
sempre crescente faixa da população impõem níveis subumanos de sobrevivência e graus bastante baixos de
consciência política. Devido prioritariamente a essa dupla e concomitante determinação, a América Latina está se
constituindo em região que, exemplarmente, vem implementando os preceitos dessa nova pedagogia da hegemonia.
O apelo à responsabilidade social de cada indivíduo, grupo ou comunidade, ponto focal da ideologia burguesa no
atual processo de ocidentalização, constitui-se em importante estratégia de minimização dos efeitos da
superexploração a que está submetida boa parcela da classe trabalhadora mundial em conseqüência dos efeitos do
desemprego estrutural e dos processos de precarização das relações de trabalho. Contraditoriamente, constitui-se
também em importante mecanismo mobilizador em uma sociedade em que a caridade representa, desde as suas
origens, um valor fundamental.
Tal apelo à responsabilidade social, fundamentado na noção de sociedade civil enquanto espaço de ajuda mútua
organicamente independente do Estado, consubstancia a estratégia da classe dominante e dirigente, sob a direção do
que se vem denominando de liberal-socialismo ou socialismo-liberal, de radicalização da democracia, ou seja, de
retração da participação popular aos limites de um pacto social, no qual capital e trabalho procuram humanizar as
relações sociais vigentes de exploração, expropriação e de dominação.
Com o presente estudo pretende-se identificar esse processo de redefinição das práticas do Estado brasileiro
enquanto Estado educador, ou seja, as novas estratégias da pedagogia da hegemonia que, por intermédio de uma
nova relação entre o Estado em sentido estrito e a sociedade civil, consolida e aprofunda, no espaço brasileiro, o
projeto neoliberal de sociabilidade, o projeto da burguesia mundial para a atualidade.

11
Na segunda metade dos anos de 1990, a Igreja Católica assumiu explicitamente o repúdio ao neoliberalismo. As três edições do
Fórum Social Mundial tiveram como bandeira a luta contra o neoliberalismo e a globalização. Essa também foi a tônica da
literatura crítica no âmbito das Ciências Sociais na década.
17
PARTE I

A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA

Não devo terminar sem externar a minha convicção


de que a maior parte do dinheiro gasto pelos ricos em caridade
se gasta em aliviar a própria consciência,
resgatar o mal que se fez, subornar políticos e solicitar títulos.
Não ignoro, tampouco, que oferecemos freqüentemente para fins públicos
o dinheiro que deveríamos gastar
para aumentar os ordenados dos nossos empregados
ou substituir dois turnos de doze horas por três de oito.
Bernard Shaw (Socialismo para Milionários, 1901)
1. PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS E ESTRATÉGIAS
Kátia Regina de Souza Lima*
André Silva Martins**

O processo de redefinição das estratégias destinadas a legitimar o consenso em torno da sociabilidade burguesa teve
um impulso extraordinário ao ganhar um formato e diretrizes diferenciados por meio de um único projeto político em
meados dos anos de 1990. Pensado como alternativa aos efeitos negativos do neoliberalismo e das insuficiências da
social-democracia européia, esse programa procura apresentar uma nova agenda político-econômica para o mundo,
nos limites do capitalismo, constituindo-se em um importante instrumento de ação da nova pedagogia da hegemonia.
Denominado de ‘terceira via’, ‘centro radical’, ‘centro-esquerda’, ‘nova esquerda’, ‘nova social-democracia’, ‘social-
democracia modernizadora’ ou ‘governança progressiva’, esse projeto – direcionado, principalmente, às forças sociais
de centro-esquerda que chegaram ao poder nos últimos anos do século XX ou que lutam intensamente para isso –
parte das questões centrais do neoliberalismo para refiná-lo e torná-lo mais compatível com sua própria base e
princípios constitutivos, valendo-se de algumas experiências concretas desenvolvidas por governos de países
europeus1.
Em uma leitura crítica, ele pode ser também nomeado de ‘social-liberalismo’2, conceituação que mais claramente
expressa a retomada “envernizada” do projeto burguês que mantém as premissas básicas do neoliberalismo em
associação aos elementos centrais do reformismo social-democrata3. Nessa perspectiva, afirma-se que

[...] a política de terceira via [...] é uma tentativa de levar a cabo as reformas já iniciadas dos
processos da social-democracia e oferecer uma estrutura dentro da qual estes processos
[possam] ser ajustados (GIDDENS, 2001b:39).

Mesmo com esse espectro político, curiosamente, a terceira via advoga que

[...] o grande desafio dos socialistas modernos é governar o capitalismo de forma mais
competente e mais justa do que os capitalistas. Alguma forma de socialismo de mercado
poderá ser alcançada no futuro. Agora, porém, quando a Nova Esquerda disputa eleições e
assume os governos, ela não o faz para transformar o país em socialista em um breve
espaço de tempo – essa ilusão voluntarista está descartada –, mas para aprofundar a
democracia e promover uma maior igualdade de oportunidade, lograr melhores taxas de
desenvolvimento econômico do que os partidos conservadores (GIDDENS, 1999:5-6).

Sistematizada por Anthony Giddens – sociólogo britânico; reitor da London School of Economics (maior centro
formulador do pensamento liberal europeu); assessor direto de Tony Blair; um dos mais importantes articuladores
políticos do Novo Trabalhismo inglês e da “Cúpula [mundial] da Governança Progressiva” – a terceira via tem como
objetivo a reforma ou governo do capitalismo por intermédio de mudanças na política e na economia.
A Cúpula da Governança Progressiva reúne governantes de diversos países. Seus representantes já promoveram
quatro reuniões – 1999 (Florença), 2000 (Berlim), 2002 (Estocolmo), 2003 (Londres) –, todas pautadas na defesa de
um projeto para além da esquerda e da direita. Até 2002, contou com a participação do então presidente brasileiro
Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte, o presidente Lula da Silva passou a integrar esse agrupamento
político. Em 2004, a Cúpula reuniu os seguintes dirigentes: Lula da Silva (Brasil), Tony Blair (Grã-Bretanha), Gerhard
Schröder (Alemanha), Thabo Mbeki (África do Sul), Néstor Kirchener (Argentina), Ricardo Lagos (Chile), Jean
Chrétien (Canadá), Vladimir Spidla (República Checa), Leszez Miller (Polônia), Meles Zenawi (Etiópia), Helen Clark
(Nova Zelândia) e Bill Clinton (ex-presidente dos Estados Unidos da América do Norte).

*
Professora da Escola de Serviço Social da UFF. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. Pesquisadora
do Coletivo de Estudos sobre Política Educacional e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (FEUFF). Membro
do GT de Política Educacional da ADUFF Seção Sindical do ANDES Sindicato Nacional.
**
Professor da Faculdade de Educação da UFJF. Mestre em Educação pela UFF. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFF (como bolsista da CAPES). Pesquisador do Coletivo de Estudos sobre Política Educacional da UFF e do
Núcleo de Educação, Trabalho, Tecnologia da UFJF.
1
Ao longo do capítulo, estaremos utilizando somente a denominação ‘terceira via’. Em relação à sua origem, Chaui (1999) afirma
que o termo foi empregado pelo fascismo para indicar um projeto político que se pretendia eqüidistante do liberalismo e do
socialismo, reapareceu nos anos de 1940 para consolidar o peronismo, e outrora, como agora, tem a pretensão de se colocar além
da direita liberal e da esquerda socialista.
2
Para Bianchi e Braga (2003:207), social-liberalismo pode ser definido como “um amplo movimento em escala internacional de
incorporação de premissas do neoliberalismo por tradicionais partidos de orientação trabalhista e social-democrata”.
3
Cabe destacar a existência de elementos políticos da terceira via que se identificam com o socialismo liberal defendido por
Norberto Bobbio (1987; 1990).
Autodenominando-se “esquerda modernizante”, critica teses mais ortodoxas do neoliberalismo, como, por exemplo,
“Estado mínimo”, “desregulamentação irrestrita”, “individualismo econômico”, considerando-as como
“fundamentalismo de mercado”. Para se diferenciar do neoliberalismo, acusa-o de abordar as transformações atuais
geradas pela globalização de maneira muito limitada às necessidades econômicas mais imediatas, não percebendo
que essa ênfase cria sérios problemas às bases sociais necessárias aos próprios mercados, comprometendo o
desenvolvimento econômico de longo prazo. Por isso, afirma que

[...] a idéia neoliberal de que os mercados em quase toda a parte devem tomar o lugar dos
bens públicos é ridícula. O neoliberalismo é uma abordagem profundamente falha à política,
porque supõe que não é preciso se responsabilizar pelas conseqüências sociais das
decisões baseadas no mercado. Os mercados não podem sequer funcionar sem uma
estrutura social e ética que eles próprios não podem proporcionar (GIDDENS, 2001b:40).

O conteúdo dessa crítica é frágil e de certa forma comprometido com o próprio objeto da crítica na medida em que a
terceira via considera que algumas políticas de cunho neoliberal que orientaram a modernização do Estado foram
“atos necessários de modernização” (GIDDENS, 2001b:13), identificando como problema o fato de que, ao lado
dessas medidas, o social foi desconsiderado, o que “ameaçou seriamente a coesão social” (GIDDENS, 2001b:14).
Destaca-se aqui a concordância com o conteúdo e com a direção das reformas neoliberais, o que por si só já é
revelador. Contudo, indo mais além, é possível notar um problema de ordem ético-política de grande magnitude. Para
esse projeto, os problemas sociais gerados pelo neoliberalismo foram negativos por terem causado revoltas sociais
que abalaram a “coesão social”. Identifica-se que o centro das preocupações da terceira via não se relaciona aos
efeitos nefastos que se abateram de forma radical sobre os trabalhadores, mas sim ao grau de estabilidade político-
social vivida pelos países.
Para a terceira via, os neoliberais não estão de todo errados ao defenderem com vigor a idéia de mercado, pois uma
economia forte se faria com um mercado forte e não pelo dirigismo estatal. A crítica formulada por ela se limita ao
problema da desregulamentação do mercado e do tipo de participação do Estado, mas não a seus significados
políticos e econômicos, como, por exemplo, os problemas relativos a mais-valia, exploração, lucro etc. Mais do que
uma crítica, essa postura indica uma defesa aberta do capitalismo em sua fase atual. Ao considerar a implantação da
doutrina neoliberal como política de Estado, justificando-a simplesmente como uma medida de políticos
conservadores, a terceira via descontextualiza o neoliberalismo, esvazia o seu significado político-econômico e o
descaracteriza enquanto medida política destinada à reversão da crise estrutural vivida pelo capitalismo na atualidade,
procurando, com isso, não revelar seus objetivos mais gerais, ou seja, seu caráter reformista.
Por outro lado, as críticas são também dirigidas ao “socialismo”, apresentado de uma forma genérica, desde a social-
democracia européia até o socialismo revolucionário. Nessa linha, ela condena a concepção de homem como sujeito
político capaz de definir os rumos da história, construindo e reconstruindo seus próprios destinos, pois, para a terceira
via, “os eventos não confirmam essa idéia [porque] o mundo em que vivemos não está sob um rígido controle
humano, quase ao contrário, é um mundo de perturbações e incertezas” (GIDDENS, 1996:11). Afirma que o
socialismo apresenta uma concepção instrumental da história, sendo portador da idéia de ‘progressivismo’, ou seja,
de que existe uma direção para a história construída pelos homens e de que à humanidade se colocam dois
caminhos: ou socialismo ou barbárie. Por fim, defende que o socialismo possui também uma concepção instrumental
de natureza, na medida em que ela não é vista como parceira, mas como algo que deve atender às necessidade
humanas.
Essas críticas confrontam-se diretamente com algumas das conclusões alcançadas pelos estudos de Marx e Engels
sobre o capitalismo enquanto modo de produção, conclusões que se mantêm até a atualidade irretocáveis. Uma das
evidências é que a terceira via pretende se contrapor à concepção de homem como síntese do conjunto das relações
sociais. Ao fazê-lo, desumaniza o processo social-histórico, colocando-o como um local externalizado, um “mundo”
que se imporia aos homens como uma espécie de natureza, detendo um caráter próprio de “perturbação”.
Outra evidência relaciona-se à negação da história como processo de lutas de classes, isto é, uma complexa e
intensa dinâmica das relações sociais, concebendo-a como um aglomerado de fragmentos, descontinuidades ou
etapas, o que inviabilizaria qualquer tentativa humana de apropriar-se de seu próprio destino, somente restando
ajustar-se ao existente.
Dessa forma, nega a centralidade da categoria ‘trabalho’ para a constituição humana ao reduzi-la à idéia de ocupação
ou emprego. Essas críticas não apenas demonstram uma oposição à teoria marxista, como revelam que a terceira via
prefere apostar em formulações teóricas que lhe oferecem maiores possibilidades para justificar o modo de produção
capitalista como o mais adequado à humanidade.
Com essas referências, a terceira via apresenta também uma curiosa análise sobre a questão democrática nas
concepções revolucionária e reformista do socialismo. Para ela, a primeira advoga a instauração da sociedade
socialista e, posteriormente, a implantação do regime democrático, enquanto a segunda, também denominada social-
democracia, defende que o socialismo poderia ser alcançado com um processo de reformas do capitalismo. Com
essas interpretações, afirma que

20
[...] a democracia é entendida como de importância central para o socialismo, mas é
teoricamente estranha a ele. A democracia oferece basicamente uma estrutura dentro da
qual os partidos socialistas podem pacificamente ascender ao poder e implementar seus
programas de mudança. Ampliar a democracia significa “envolver o povo” dessa forma; mas
permanece o dilema sobre como reconciliar a “direção racional” da vida econômica com a
igualdade (GIDDENS, 1996:75).

A crítica esboçada pela terceira via sobre a questão democrática no socialismo é apoiada sob os alicerces da teoria
liberal. As evidências são claras. Ela reproduz como válida em sua análise a noção (restrita) de democracia como
regime de governo que tem alternância de poder por meio de eleições, embora acrescente a ela a importância de se
criar espaços para que assuntos controversos possam ser tratados por meio do diálogo 4. Por conseqüência, mesmo
com a ampliação que propõe, mantém a delimitação da democracia somente como uma categoria política que
dimensiona o direito à participação formal, à livre iniciativa dos indivíduos na vida em sociedade e à possibilidade de
diálogos entre os indivíduos com a aparelhagem do Estado na busca de soluções para problemas controversos. Além
de tudo isso, sugere que a democracia socialista seria uma continuação direta da democracia liberal com mais
participação do povo.
Com essas referências, a terceira via procura esconder ou minimizar a grande contradição existente no capitalismo,
qual seja: a socialização da participação política convivendo com a apropriação privada dos bens sociais, culturais e
econômicos. Em termos teóricos e práticos, a questão central da democracia no projeto socialista não se limita, como
sugerido pela terceira via, no “envolver o povo”, mas sim na superação dos mecanismos de poder que garantam a
apropriação privada dos bens sociais, culturais e econômicos e ao mesmo tempo na supressão da apropriação
privada dos meios de produção, eliminando todos os tipos e formas de coações econômicas e alienações promovidas
pelo mercado para instituir “um novo mecanismo motor, uma nova racionalidade, uma nova lógica econômica” no
sentido da construção do autogoverno dos produtores associados (WOOD, 2003:249).
Para a terceira via, com o fim do regime soviético, o socialismo morreu. Partindo dessa decretação, afirma que seus
defensores se limitam na atualidade a defender o velho Estado de Bem-Estar Social em um contexto em que se
processam mudanças intensas em todas as partes do mundo no âmbito cultural, tecnológico e econômico.
Por isso, adverte a terceira via, é necessário admitir a existência de evidências que apontam para o delineamento de
uma nova realidade após o fim da época de ouro do capitalismo e para a necessidade de se pensar uma nova direção
política para o mundo a partir de “um consenso internacional de centro-esquerda para o século XXI”, como propôs o
primeiro-ministro inglês Tony Blair (GIDDENS, 2001a:11). Essas evidências seriam: (i) a intensa competição
econômica global que não permite que o welfare seja usado como mecanismo redistributivo; (ii) a incapacidade de o
welfare eliminar a pobreza; (iii) o grande crescimento da passividade dos indivíduos gerada pela dependência
previdencial que o regime de bem-estar propicia; (iv) a insatisfação popular com os níveis insuportáveis atingidos pela
burocracia do modelo estatal vigente; (v) a incompatibilidade entre as transformações ocorridas no mundo do trabalho
e o sistema de assistência social do Estado de Bem-Estar Social. Com efeito, defende que o welfare state funcionou
no passado, mas

[...] essa situação mudou quando, e porque, aquilo que veio a ser chamado (de maneira um
tanto imprecisa) de keynesianismo chegou ao fim. O keynesianismo tornou-se ineficiente em
decorrência das influências interligadas da globalização intensificada e da transformação da
vida cotidiana. A globalização significa muito mais do que a internacionalização da
competição econômica, ainda que esta seja importante. Influenciada pelo desenvolvimento
da comunicação eletrônica instantânea, a “nova globalização” criou uma nova ordem nas
comunicações. Mercados financeiros globais em atuação 24 horas por dia, somados à
“informatização do dinheiro”, entre outras grandes mudanças nos sistemas globais,
pertencem a esse período (GIDDENS, 1996:53).

É com base nessa interpretação político-econômica que a terceira via afirma a “inviabilidade histórica” do socialismo
revolucionário, as “inadequações políticas” da social-democracia clássica e considera que as contradições político-
econômicas do neoliberalismo explicitam um alto grau de exaustão das ideologias, exigindo a retomada de certo
“conservadorismo filosófico” (GIDDENS, 1996:19). A terceira via deseja que esse tipo de conservadorismo oriente um
“programa político radical” capaz de criar a “social-democracia modernizada” e reordenar a política, a economia e as
relações entre os indivíduos, ou seja, administrar a crise do sistema e instaurar um novo projeto de sociabilidade
extensivo a todas as partes do mundo.
Pressupostos Políticos da Terceira Via
A partir dessas intenções, a terceira via defende que é necessário criar uma nova interpretação do mundo – uma nova
ideologia. Para ela, está-se vivendo em uma sociedade pós-tradicional em que predominam as “incertezas artificiais”,

4
Para a terceira via, essa ampliação refere-se à idéia de “democratização da democracia”, tema que será retomado mais adiante.
21
um mundo de profundos descontroles, um contexto em que muitas das verdades produzidas esgotaram suas
capacidades de explicar e orientar a intervenção na realidade. Nesse arranjo lógico em que prevalece a naturalização
do sistema capitalista como algo inumano e fora da história, embora resultante dela, não cabe aos homens a direção
do processo histórico, pois todos teriam se tornado reféns de um sistema em constante mutação em que prevalecem
as dúvidas. Restaria, assim, aos seres humanos, conceber a história como resultado do somatório de acontecimentos
sucessivos e incertos. Essas são as referências que delimitam o lançamento de uma série de noções responsáveis
por justificar uma plataforma política que viabilize a manutenção das relações sociais vigentes.
A primeira dessas noções refere-se ao fenômeno social denominado ‘nova ordem pós-tradicional’, que sinalizaria a
crise da tradição de cunho fundamentalista. A terceira via argumenta que, por mais de um século, a tradição cumpriu
um papel extraordinário na normatização de toda a existência humana de forma rígida ou fundamentalista. Entretanto,
nos dias de hoje, um novo pulso social romperia com a tradição conservadora e faria surgir uma “tradição reflexiva”
portadora de uma nova dimensão inspirada num modelo dialógico e reflexivo. Nesse sentido, a terceira via recuperaria
um elemento político fundamental do liberalismo: uma moralidade individual e social referenciada no pensamento
durkheimiano, concebendo o diálogo como fundamento da lógica de conciliação dos (inconciliáveis) interesses de
classe:

Durkheim tinha uma concepção singular sobre a natureza da moralidade moderna [...]
Necessitamos de algum outro tipo de sistema moral, que Durkheim dizia existir na ótica da
Revolução Francesa. Podemos ter uma moralidade que seja não apenas social, coletiva, por
assim dizer, mas que também reconheça a fundamental importância da liberdade individual
(GIDDENS, 2000:48).

A segunda dessas noções diz respeito à existência de um fenômeno que denomina ‘globalização intensificadora’.
Afirma-se que mais importante do que seus desdobramentos na esfera econômica e financeira, a globalização estaria
ligada aos efeitos gerados no plano cultural em decorrência da intensificação da comunicação global instantânea e do
transporte de massa. Esse fenômeno seria o indutor das mudanças de hábitos, de costumes e dos estilos de vida de
indivíduos e comunidades inteiras que, em sintonia com outras partes do mundo, passam a assumir valores e hábitos
universalistas. Transforma-se, assim, o espaço, o tempo, as identidades locais em direção a uma realidade mais
aberta e ampla.
Essa noção pressupõe a globalização como um fenômeno de compressão tempo-espaço, ao mesmo tempo em que
nega o aprofundamento da hierarquização planetária que centraliza a riqueza e amplia a desigualdade no cenário da
mundialização financeira. O que se evidencia nessa formulação é a idéia da inevitabilidade da mundialização do
capital financeiro apresentada a partir da imagem de uma ‘aldeia global’, onde todos têm acesso a todas as
mercadorias, incluindo a informação, em tempo real. Entretanto,

[...] não é todo o planeta que interessa ao capital, mas somente partes dele [...] hoje em dia,
muitos países, certas regiões dentro de países, e até áreas continentais inteiras (na África,
na Ásia e mesmo na América Latina) não são mais alcançados pelo movimento de
mundialização do capital, a não ser sob a forma contraditória de sua própria marginalização.
Esta deve ser estritamente compreendida como mecanismo complementar e análogo ao da
“exclusão” da esfera da atividade produtiva, que atinge, dentro de cada país, uma parte da
população, tanto nos países industrializados como nos países em desenvolvimento
(CHESNAIS, 1996:18).

A terceira noção refere-se à denominada ‘expansão da reflexividade social’. Na definição da terceira via, a

“reflexividade” [...] se refere ao uso de informações sobre as condições de atividade como


um meio de reordenar e redefinir regularmente o que essa atividade é. Ela diz respeito a um
universo de ação onde os observadores sociais são eles mesmos socialmente observados;
e, hoje em dia, ela é verdadeiramente global em sua abrangência (GIDDENS, 1996:101).

É sugerido que a presença desse fenômeno desencadearia o “deslocamento entre o conhecimento e o controle”. Sua
intensificação geraria um “mundo de pessoas inteligentes” e ativas no plano social. Esses novos indivíduos seriam
capazes de “filtrar todos os tipos de informação relevantes para as situações de suas vidas e a atuar rotineiramente
com base nesse processo de filtragem” (GIDDENS, 1996:15). A criatividade e a interatividade socialmente
responsável e as pressões para reconstrução da política seriam os principais produtos desse processo.
Tomado por outro ângulo de análise, observa-se que esse pressuposto enuncia a necessidade de construção da
chamada ‘sociedade civil ativa’, composta por homens e mulheres mais bem informados e educados, que passam de
sujeitos históricos a atores sociais, que assimilam uma nova postura social expressa na prestação de serviços e não
na reivindicação coletiva de direitos. Ao sugerir que se está vivenciando um novo mundo de ‘reflexividade

22
intensificada’, a terceira via se aproxima dos teóricos da ‘sociedade da informação’ que defendem a existência de uma
nova ordem na qual a categoria ‘trabalho’ perde a centralidade. Ao permanecer no terreno idealizado de uma
informação vagamente partilhada por todos e desconsiderar a existência de classes sociais, esquece que

[...] o aumento da influência da informação na economia não significa de nenhuma maneira a


conversão do capitalismo numa “sociedade da informação”, como imaginam numerosos
autores. A crescente valorização de um recurso em detrimento de outros na produção
generalizada de mercadorias não altera a natureza da reprodução do capital. A “sociedade
do conhecimento” é uma sociedade de classes, economicamente regulada pela lei do valor e
socialmente assentada na extração da mais-valia. Por esta razão, os parâmetros que regem
o manejo, distribuição e conhecimento (ou desconhecimento) da informação são comuns às
regras dominantes em qualquer outra atividade social. Usualmente, os teóricos da sociedade
da informação partem de uma definição lata do termo, que dá lugar a uma quantificação
irreal das atividades informativas (KATZ, 1996:73).

Nesse grande cenário idealizado pela terceira via, os Estados nacionais continuam como agentes importantes tanto
no plano internacional quanto no próprio ordenamento interno de cada uma das formações sociais concretas, pois
“controlam territórios, enquanto as empresas não o fazem; eles podem legitimamente controlar a força militar,
individual ou coletiva; e eles são responsáveis, de novo, tanto no nível individual quanto no coletivo, pela manutenção
do aparato legal” (GIDDENS, 2001b:125). Na construção teórica da terceira via, Estado e governo se (con)fundem em
uma única dimensão, expressando-se como locus do exercício do poder, como propõe o liberalismo. Com esse ponto
de partida conceitual, a terceira via advoga que “o novo Estado democrático” não pode ser mantido como burocrático
e sufocante. Não pode ser nem Estado mínimo nem Estado máximo, mas sim um Estado “forte” ou um Estado
“necessário”. A renovação do aparelho estatal se daria pela incorporação e desenvolvimento dos seguintes aspectos:
descentralização administrativa, democratização, transparência, eficiência administrativa, espaços de participação e a
função reguladora dos riscos sociais, econômicos e ambientais.
Com essa delimitação, a terceira via sugere que a governabilidade deve ser pensada como algo capaz de sintonizar
as ações do “novo Estado democrático” com os organismos da sociedade civil. Assim,

[...] a “governação” [ou governabilidade] torna-se um conceito mais relevante para designar
algumas formas de capacidades administrativas ou reguladoras. Agências que ou não são
parte de nenhum governo – organizações não-governamentais – ou são de caráter
transnacional, contribuem para a governação (GIDDENS, 2001b:42-3).

A governabilidade no sentido proposto pela terceira via significa a capacidade reguladora capaz de articular a relação
entre esfera estatal e esfera privada (base de fundamentação do conceito de público não-estatal) em âmbito nacional
e internacional em uma única direção. Trata-se de um duplo reconhecimento de mesmo significado: primeiramente, o
capitalismo não sobrevive sem o Estado; em segundo, o Estado deve estar a serviço do capitalismo.
A reconfiguração do papel estatal não deixa a sociedade civil imune. Para a terceira via, é fundamental que a
construção do “novo Estado democrático” implique também a renovação e o reordenamento da sociedade civil. A
terceira via afirma que “o governo pode e deve desempenhar um importante papel na renovação da cultura cívica” da
sociedade civil (GIDDENS, 2001a:89), ou seja, dirigir a sociedade civil a partir de certas diretrizes. Esse processo
exigiria: a disposição de a sociedade civil trabalhar em parceria com o Estado; o incentivo à auto-organização por
grupos de interesses; o incentivo ao potencial das comunidades na resolução de seus próprios problemas; um pacto
social para solução pacífica dos conflitos (GIDDENS, 2001a). Tudo isso para preservar princípios muito caros ao
liberalismo, quais sejam: a defesa da liberdade individual; o Estado como instância acima e imune aos conflitos de
classes, a economia livre de um controle rígido e a naturalização das desigualdades. São esses os pressupostos
políticos que nortearão seus princípios e suas estratégias de ação política.
Princípios e Estratégias Políticas da Terceira Via
Um dos mais importantes princípios constitutivos do projeto político da terceira via refere-se à “reinvenção da
sociedade civil”. As elaborações sobre esse tema sugerem a necessidade de construção de uma nova sociedade civil
denominada “sociedade civil ativa” e a importância da eliminação de todos os nexos teóricos e históricos ainda
presentes que insistiriam em ligar o mundo atual com o chamado ‘velho mundo das polaridades’. O argumento central
apresentado pela terceira via na tentativa de justificar tal posicionamento é de que a sociedade civil como a
conhecemos “foi o produto de arranjos sociais que não mais existem” (GIDDENS, 1996:144, grifo nosso).
Dentro da lógica em que as mudanças do mundo apresentar-se-iam como um dado estabelecido, irreversível e sem
contradições, o argumento da reinvenção é apresentado como um imperativo ético e político de grande magnitude,
pois, antes de tudo, significaria o reconhecimento de que o mundo de hoje não é controlado rigidamente pelo poder
humano, mas sim por um conjunto de incertezas artificiais que vêm gerando alterações significativas na política. Nos
termos propostos, renovar ou recriar a sociedade civil significaria abrir um espaço para “restauração das

23
solidariedades danificadas” e para promoção da “coesão cívica” – ou coesão social – por intermédio da disseminação
de posturas mais harmônicas, flexíveis, dialógicas e cooperativas que permitiriam enfrentar os desafios da chamada
era das “incertezas artificiais”. O mundo assumiu uma dinâmica que teria tornado os paradigmas (da filosofia, da
ciência, da política e da ética) construções ultrapassadas. Com essa interpretação, a terceira via sugere que o mundo
estaria a exigir medidas inovadoras nesses campos que, alicerçadas em certas idéias e concepções, poderiam
impulsionar uma nova postura humana inspirada em uma lógica e uma sociabilidade de novo tipo. Nesse sentido,
afirma-se que:

[...] a vida sempre foi um negócio arriscado. A intromissão da incerteza artificial em nossas
vidas não significa que nossa existência, em um nível coletivo ou individual, seja mais
arriscada do que costumava ser. Ao contrário, as fontes e a abrangência do risco mudaram.
O risco artificial (manufactured risk) é um resultado da intervenção humana nas condições
da vida social e da natureza. As incertezas (e oportunidades) que ele cria são bastante
novas. Não se pode lidar com elas com remédios antiquados; muito menos elas respondem
à receita iluminista de mais reconhecimento [é] igual a mais poder (GIDDENS, 1996:12).

A terceira via não quer indicar com isso a valorização e incentivo à formação de fragmentos comunitários, portadores
de princípios e dinâmicas independentes, e das identidades exclusivistas e fragmentárias que emergem da abstração
chamada ‘comunitarismo’, como propõem as teses pós-modernas. Pelo contrário, ela defende que essa orientação
deveria ser inclusive combatida por ameaçar os princípios da tolerância, da coesão cívica e da diversidade social.
Nessa linha, a noção de comunidade deveria orientar a busca da coesão social, isto é, deveria se tornar um
instrumento para resgatar as formas perdidas de solidariedade entre as classes sociais e renovar os laços entre os
diversos grupos até atingir o conjunto da sociedade.
Assim, a chamada sociedade civil ativa se tornaria o locus da ajuda mútua, da solidariedade, da colaboração e da
harmonização das classes sociais. No entendimento da terceira via, os novos organismos sociais que estão
germinando, dissociados das velhas organizações inspiradas na idéia de filantropia ou nas disputas antagônicas,
típicas do “mundo das polaridades”, deveriam ser tomados como referências para fortalecer e dinamizar as novas
relações sociais. Suas atribuições seriam a de proteção da esfera pública estatal; de prevenção de crimes pelo
incentivo da ação comunitária; do estímulo à família democrática; do incentivo ao envolvimento cívico de indivíduos e
grupos sociais, articulando liberdade individual com solidariedade e responsabilidade social para a criação de um
sistema moral capaz de garantir o pleno exercício da “cidadania renovada” e da harmonização social por meio de um
pacto para a promoção do bem comum.
Essas referências indicam que, no âmbito da teorização proposta, a sociedade civil se constitui em uma instância que
possui uma materialidade, uma força própria e portadora de um elevado grau de autonomia e independência do
processo histórico. Seria o novo agente histórico por excelência, em lugar das classes sociais polarizadas. Atuaria,
nessa lógica, sem chão histórico, apenas em função da vontade.
De fato, a sociedade civil na atualidade apresenta mudanças em sua dinâmica e em sua configuração mais geral, o
que pode ser observado pelo surgimento de novos sujeitos políticos coletivos que até há bem pouco tempo não se
faziam presentes em qualquer parte do mundo. Entretanto, isso não autoriza dizer que novos organismos e uma nova
dinâmica alteraram os fundamentos históricos, políticos e econômicos da sociedade civil. Isso revela que, para a
terceira via, o produto do pensar é tomado como a realidade em si, isto é, ela apreende uma manifestação da
totalidade como a própria realidade e procura, por abstração, estabelecer as relações mais simples entre os
fenômenos que compõem essa manifestação. Toma-se a forma aparente como expressão do real, em um movimento
que vai do abstrato e se esgota no concreto, e que nega, por conseqüência, a síntese das múltiplas determinações
que compõem esse concreto. Não basta ter realidade para ser concreto, é necessário ir além da forma caótica, ainda
que aparentemente organizada, para apreender o concreto enquanto síntese da totalidade.
A forma aparente da chamada ‘sociedade civil ativa’, o locus da restauração das relações danificadas, é tomada como
expressão concreta da essência da realidade em si. Esse método de análise em que se baseia a terceira via limita-se
a formulações em um alto grau de generalidade. Com isso, confunde a mudança nas relações de força com as
mudanças nas relações sociais e não consegue, e nem pode, apreender a dinâmica real, pois, por suposição, acredita
já a ter incorporado em sua análise. Os elementos apresentados pela terceira via não são suficientes para descrever e
sustentar uma mudança na materialidade da sociedade civil.
É fundamental retomarmos a sociedade civil como o verdadeiro palco da realização da história, um lugar que envolve
e expressa o conjunto das relações materiais entre os homens em uma fase específica de desenvolvimento das
forças produtivas (MARX e ENGELS, 1984). Portanto, sua dissociação da complexidade do real corresponde à
negação de que o capitalismo, em suas formas sociais concretas, constitui-se em um bloco histórico em que estrutura
e superestrutura existem e se manifestam de forma orgânica e indissociável (GRAMSCI, 1999).
Em se tratando do capitalismo monopolista, a sociedade civil é a expressão da unidade entre as formas de produção
e de trocas específicas desse modo de produção social da existência e as manifestações concretas da politização que
daí emerge. Isso permite compreender que a geração de novas relações sociais gerais e, conseqüentemente, uma

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nova expressão da sociedade civil, não elimina os traços fundamentais dessa instância, quais sejam: uma arena de
antagonismos sociopolítico-econômicos e de disputas pela hegemonia.
É o afastamento, portanto, de uma leitura da realidade como processo e síntese de múltiplas determinações que
permite à terceira via idealizar a sociedade civil como esfera autônoma do mercado e do Estado, um espaço da
colaboração e da promoção do bem comum. Ela confunde a forma aparente com o movimento dos complexos
processos hegemônicos que buscam tornar os ideais e as práticas da classe dominante e dirigente as idéias
dominantes de um tempo. Em outras palavras, tomam-se as representações de uma dada mudança desvinculadas de
sua historicidade por intermédio da pura generalização, projeta-se uma faceta da realidade como a realidade em si
desvinculada da totalidade, para depois concluir que no capitalismo contemporâneo não há lugar para antagonismos
de classe. Isso indica que o princípio da “sociedade civil ativa” não oferece os elementos necessários para
compreender a realidade em sua complexidade e contradição.
É nessa perspectiva que a terceira via toma a reforma da aparelhagem estatal como um outro importante princípio. O
pressuposto que o fundamenta baseia-se na compreensão de que as formas estatais inspiradas no modelo do welfare
state atingiram o ápice da incapacidade política e econômica frente aos desafios do mundo contemporâneo, o que
exige uma reestruturação de sua organização e dinâmica em termos jurídicos, políticos e econômicos. Assim, a
reforma do Estado, ou seja, da aparelhagem estatal, enquanto “um princípio orientador básico da política da terceira
via” (GIDDENS, 2001a:79), deveria ser responsável por um conjunto de medidas inovadoras, tais como: promover a
sociedade civil ativa e, com isso, assegurar um modelo de inclusão social em bases distintas do que foi tentado pelo
Estado de Bem-Estar Social, aprofundar e ampliar os espaços de convivência democrática e de colaboração social,
incentivar e fortalecer a economia mista, regular, por meio de leis modernas, as atividades que representem riscos
para a sociedade. Com essas referências, “uma das principais tarefas do governo [seria] precisamente conciliar as
reivindicações divergentes de grupos de interesse especial” (GIDDENS, 2001a:63), isto é, promover a concertação
social.
Para a terceira via existiria um descontentamento profundo dos indivíduos com os partidos políticos, com as eleições,
com os governos e os sindicatos em função do distanciamento que tomaram da vida cotidiana. Por outro lado,
defende que as experiências organizativas que despontam por fora das relações de produção (raça, etnia, gênero)
deveriam ser interpretadas como expressão do esgotamento da política tradicional de tipo fordista no mundo atual e
também como pulso emancipatório que seria capaz de renovar a política e de construir novas relações sociais mais
dialógicas, portanto, menos conflitivas.

O descontentamento [dos indivíduos] com as instituições democráticas liberais aumenta ao


mesmo tempo, e pelas mesmas razões, em que essas instituições se tornam generalizadas.
As pessoas tornam-se desiludidas com a “política” porque áreas fundamentais da vida social
[...] não mais correspondem a quaisquer domínios acessíveis de autoridade política
(GIDDENS, 1996:34).

Partindo dessa compreensão, a terceira via defende que o “novo Estado democrático” deveria estar aberto a essa
tendência, incentivando e aprofundando o surgimento de novas organizações. Isso deveria ocorrer por intermédio da
definição de espaços de participação direta na aparelhagem estatal, incorporando as novas organizações em sua
estrutura por meio de parcerias, de modo a transformá-las em propulsores da “confiança ativa”, do equilíbrio
harmônico entre indivíduos e a esfera da nova política, fortalecendo, assim, os laços de convivência pacífica e
construtiva. A terceira via denomina essa perspectiva de democracia dialógica. Para ela,

[...] a democracia dialógica não [seria] a mesma coisa que a situação ideal de discurso. Em
primeiro lugar, a democratização dialógica não está[ria] ligada a um teorema transcendental
[conforme proposto na teoria de Jürgen Habermas]. Em segundo, a democracia dialógica
não [seria] necessariamente orientada para obtenção de consenso. [...] [Ela] pressupõe
apenas que o diálogo em um espaço público fornece um modo de viver com o outro em uma
relação de tolerância mútua, seja esse outro um indivíduo ou uma comunidade global de
fiéis religiosos (GIDDENS, 1996:133).

Portanto, seu objetivo é “criar a confiança ativa por meio de uma avaliação da integridade do outro [pois] a confiança é
um meio de ordenação das relações sociais no tempo e no espaço” (GIDDENS, 1996:133).
Diante dessas formulações, em primeiro lugar, é importante reconhecer a existência nas diferentes partes do mundo
de organizações que expressam uma pluralidade de interesses específicos, intercruzando os tecidos sociais dos
países e regiões nos quais estão inseridas. É verdade também que se trata de um fenômeno novo, despertado nos
países centrais no pós-guerra e na periferia do sistema, principalmente, a partir dos anos de 1980.
Contudo, é necessário considerar que um processo efetivo de emancipação coletiva do homem só ocorrerá quando
esses movimentos, mantidas suas identidades e especificidades, forem capazes de convergir seus interesses em
torno de um projeto maior, que envolva a vontade coletiva majoritária, combinando hegemonia e pluralismo

25
(COUTINHO, 2000). Qualquer programa político que vise a estimular e a orientar a organização da sociedade civil, a
partir dos interesses específicos e corporativos em um nível de consciência coletiva mais elementar, contribuirá
apenas para criar movimentos sociais que não sejam antagônicos ao capitalismo ou mesmo que assumam uma
postura que favoreça sua dinâmica (WOOD, 2003).
A terceira via propõe também que o Estado assuma o seu papel pedagógico fundamental de impulsionar uma nova
cultura cívica por meio da renovação organizativa da sociedade civil, visando a consolidar a coesão social, o
empreendedorismo social e a ação voluntária dos indivíduos. A tônica dessa perspectiva política é sintetizada na
seguinte expressão: “o Estado não deve remar, mas assumir o leme: não apenas controlar, mas desafiar” (GIDDENS,
2001b:16, grifo nosso). Isso não significa, segundo a terceira via, a reinaguração do planejamento estatal de grande
porte, minuciosamente definido, coercitivo e totalizador das ações nos campos social, político, econômico e cultural.
De fato, o que se propõe é que a capacidade racional de planejar esteja a serviço da eficiência, do envolvimento das
organizações na solução de seus próprios problemas em parceria com o aparelho de Estado e do desenvolvimento da
iniciativa privada como formas de incentivar a livre concorrência, pois “hoje os mercados de produto, capital e trabalho
devem ser flexíveis para que uma economia seja competitiva” (GIDDENS, 2001b:80). Nessa linha,

[...] o pensamento da terceira via enfatiza que uma economia forte pressupõe uma
sociedade forte, mas não entende essa conexão como proveniente do intervencionismo do
antigo estilo. O objetivo da política macroeconômica é manter a inflação baixa, limitar os
empréstimos governamentais e usar vigorosas medidas de incentivo fiscal para fomentar o
crescimento e altos níveis de emprego (GIDDENS, 2001b:78).

Mais do que uma coincidência, esse postulado muito se aproxima das teorizações de Hayek (1987), em que pesem,
talvez, algumas diferenças mais pontuais. Vejamos:

A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das forças da concorrência como meio
de coordenar os esforços humanos, e não deixar as coisas como estão. Baseia-se na
convicção de que, onde exista a concorrência efetiva, ela sempre se revelará a melhor
maneira de orientar os esforços individuais. Essa doutrina não nega mas até enfatiza que,
para a concorrência funcionar de forma benéfica, será necessária a criação de uma estrutura
legal cuidadosamente elaborada, e que nem as normas legais existentes, nem as do
passado, estão isentas de graves falhas. [...] Considera a concorrência um método superior,
não somente por constituir, na maioria das circunstâncias, o melhor método que se conhece,
mas, sobretudo por ser o único método pelo qual nossas atividades podem ajustar-se umas
às outras sem a intervenção coercitiva ou arbitrária da autoridade. Com efeito, uma das
principais justificativas da concorrência é que ela dispensa a necessidade de um “controle
social consciente” e oferece aos indivíduos a oportunidade de decidir se as perspectivas de
determinada ocupação são suficientes para compensar as desvantagens e riscos que as
acompanham.

O bom uso da concorrência como princípio de organização social exclui certos tipos de
intervenção coercitiva na vida econômica, mas admite outros que, às vezes, podem auxiliar
consideravelmente seu funcionamento, e mesmo exigem determinadas formas de ação
governamental (HAYEK, 1987:58, grifo nosso).

Terceira via e doutrina liberal compartilham dos mesmos princípios. Isso fica mais evidente quando a terceira via
defende que tanto a promoção da igualdade com inclusão social quanto a do bem comum deveriam ser asseguradas
pela produção de “políticas [sociais] gerativas” que desenvolvam o chamado ‘capital social’ dos grupos de indivíduos
para a ação, desenvolvendo neles o espírito empreendedor, a autoconfiança, a capacidade de administrar riscos e
rompendo em definitivo com a cultura da dependência criada pelo Estado de Bem-Estar Social e suas políticas sociais
universais.
Nesse sentido, as críticas formuladas por Laurell (2000) à concepção de políticas sociais que vêm sendo
desenvolvidas pelo Estado neoliberal aplicam-se integralmente a esse postulado da terceira via, pois em ambos são
comuns a recusa dos “direitos sociais” e do princípio da universalidade como categorias válidas, e a defesa da
mercantilização e submissão dos bens sociais à lógica do mercado. O argumento central da terceira via e do
neoliberalismo é o de que se deve eliminar toda e qualquer política estatal que imobilize os indivíduos, gere
obstáculos à expansão do mercado e crie dificuldades para o pacto entre capital e trabalho.
Essas doutrinas reforçam a suposição de um Estado como um “sujeito” dotado de vontade e iniciativa próprias e
legitimado por um “contrato social” e também como instância imparcial e imune aos interesses particulares, mas capaz
de garantir os direitos individuais e com discernimento racional para governar o conjunto da sociedade sob a
inspiração de valores ditos universais e naturais.

26
A terceira via, entretanto, introduz elementos que ampliam a teoria liberal de Estado. Enquanto os teóricos clássicos
dessa corrente acreditavam que o poder só se efetiva dentro do Estado e a partir dele, essa doutrina política afirma
ser a sociedade civil a “parceira” do Estado na obtenção da coesão social. Nessa teoria liberal de Estado “ampliado”,
a terceira via reafirma o Estado como “o responsável pela criação da sociedade civil”, “como encarnação da vontade
coletiva geral”, e “como o reino do universal” e acrescenta a noção de “parcerias” entre as esferas do político e do
social, acreditando criar, assim, uma ligação daquilo que permanecia desconectado no liberalismo. Nessa perspectiva
teórica, o instrumento central seria a chamada “democracia dialógica” e os objetivos primordiais seriam a expansão de
uma nova economia, denominada “economia mista”.
Considerando que o Estado não pode ser compreendido como um ser em si mesmo, pois sua origem está localizada
nas relações sociais concretas e que o fenômeno estatal corresponde à síntese de múltiplas mediações (GRAMSCI,
1999), é possível afirmar que a concepção teórica de Estado que norteia a terceira via é extraordinariamente funcional
às estratégias burguesas de elaboração de uma nova pedagogia da hegemonia.
Esse modelo se constitui na verdade como alternativa conservadora de busca da recuperação do ciclo produtivo do
capital e da definição de uma nova cultura burguesa referenciada em novas bases. Nessa perspectiva, as ações
estatais têm como elementos decisivos a definição de um marco regulatório mais flexível e uma estrutura menos
burocrática, ambas voltadas a dois objetivos: impulsionar a economia capitalista e repolitizar a política.
Em relação ao primeiro, seu mais expressivo indicador é a defesa da parceria entre público e privado, destinada tanto
ao incentivo à eficiência e agilidade do mercado quanto à cobertura de um amplo leque de ações que envolvem as
empresas em obras e serviços e as genericamente chamadas organizações não-governamentais na provisão de bens
sociais para o estabelecimento de novos parâmetros econômicos.
Já em relação ao segundo, destaca-se a necessidade de criação de uma nova subjetividade e de novos sujeitos
políticos coletivos, com as tarefas de assumir as responsabilidades sociais até então a restritas à aparelhagem
estatal, eliminar as resistências sociais à ordem burguesa e disseminar valores caros a essa doutrina. É nessa direção
que o Estado da terceira via assume a sua função educativa.
Uma das estratégias propostas pela terceira via para a realização dessa tarefa educativa consiste na promoção de um
novo pacto (ou contrato) social, que na definição desse projeto corresponde a

[...] um acordo de esforços baseado na mudança de estilo da vida. Suas forças motivadoras
seriam a aceitação da responsabilidade mútua de enfrentar os males que o desenvolvimento
trouxe consigo; uma necessidade de mudança de estilo de vida por parte de ambos, os
privilegiados e os menos privilegiados; e uma concepção ampla de providência afastando o
conceito de provisão econômica para os despossuídos (GIDDENS, 1996:221).

A realização do novo pacto social no plano interno envolve a redefinição sociopolítico-econômica das famílias e dos
grupos comunitários; a reforma no arcabouço legal nas áreas trabalhista e social (principalmente na previdência,
assistência, saúde e educação); o incentivo à economia de mercado e à expansão de organizações da sociedade civil
compromissadas com a ideologia burguesa. Já no plano externo, um novo ordenamento mundial, com ênfase na
constituição de um governo da economia global, da gestão ecológica global, do controle do poder empresarial e da
promoção da democracia transnacional, tudo partindo de uma repactuação do poder entre as nações e da criação do
chamado “nacionalismo cosmopolita” (GIDDENS, 1996; 2001a; 2001b). Afirma a terceira via que

[...] precisamos reconectar essas três esferas por meio de um novo contrato social,
adequado para uma era em que a globalização e o individualismo andam lado a lado. O
novo contrato ressalta os direitos e as responsabilidades dos cidadãos. As pessoas não
devem se limitar a receber da sociedade, mas se voltar para ela também. [...] O governo
deve manter um papel regulamentador em muitos contextos, mas tanto quanto possível
deve se tornar um facilitador, proporcionando recursos para que os cidadãos assumam a
responsabilidade pelas conseqüências de seus atos (GIDDENS, 2001b:167, grifo nosso).

Essa reconexão, na verdade um pacto social proposto pela terceira via, por sua vez, exige a implantação de algumas
medidas concretas como a ampliação dos laços de união entre burguesia internacional e nacional; o estímulo, a
valorização e a legitimação dos sujeitos políticos coletivos do campo do trabalho que assumam uma postura menos
conflitiva frente ao capital, bem como o enfrentamento político àquelas organizações que, mesmo abaladas pelos
efeitos diretos e indiretos da ofensiva neoliberal, mantêm-se ligadas aos princípios do socialismo revolucionário.
Portanto, para o pacto social de que fala a terceira via, a chamada “nova política de liberdade para o indivíduo”
assume a maior relevância enquanto estratégia de estruturação de poder. Definida como resposta ao novo
individualismo estimulado pela globalização cultural, essa nova política voltada ao indivíduo é apresentada como a
peça-chave para edificação da sociedade civil ativa e do novo Estado democrático (GIDDENS, 2001a). Com essas
teses, a terceira via parece compartilhar com Hayek o seguinte apelo:

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[...] para construir um mundo melhor, devemos ter a coragem de começar de novo – mesmo
que isso signifique, como dizem os franceses, “reculer por miex sauter” 5 [...]. Se fracassamos
na primeira tentativa de criar o mundo de homens livres [como propalavam os liberais
clássicos], devemos tentar novamente. O princípio orientador – o de que uma política de
liberdade para o indivíduo é a única política que de fato conduz ao progresso – permanece
tão verdadeiro hoje como foi no século XIX (HAYEK, 1987:214, grifo nosso).

Alinhando-se a essa concepção, a terceira via não só relança um dos mais importantes fundamentos doutrinários do
liberalismo, o “individualismo como valor moral radical”, como também o elege, ainda que com algumas atualizações,
como um de seus princípios centrais. Para ela, não se trata de uma centralização do indivíduo no mercado ou mesmo
a polarização em relação às formas coletivas de organização social, mas sim a redescoberta do individualismo “como
reconciliação da autonomia e interdependência [do homem] nas diversas esferas da vida social, inclusive no domínio
do econômico” (GIDDENS, 1996:21). Em síntese, o novo individualismo significaria estar aberto e sensível a “[...] uma
gama mais ampla de inquietações morais do que as gerações anteriores” (GIDDENS, 2001a:45).
É certamente em uma concepção limitada de liberdade para o indivíduo que a terceira via e o neoliberalismo se
aproximam mais uma vez, compartilhando da mesma concepção:

[...] não tem grande importância se os objetivos de cada indivíduo visam apenas às suas
necessidades pessoais ou se incluem as de seus amigos mais próximos, ou mesmo dos
mais distantes – isto é, se ele é egoísta ou altruísta na acepção comum de ambas as
palavras. O fundamental é que cada pessoa só se pode ocupar de um campo limitado, só se
dá conta da premência de um número limitado de necessidades. Quer os seus interesses
girem apenas em torno das próprias necessidades físicas, quer se preocupe com o bem-
estar de cada ser humano que conhece, os objetivos que lhe podem dizer respeito
corresponderão sempre a uma parte infinitesimal das necessidades de todos os homens.

Este é o fato fundamental em que se baseia toda a filosofia do individualismo. Ela não parte
do pressuposto de que o homem seja egoísta ou deva sê-lo, como muitas vezes se afirma.
Parte apenas do fato incontestável de que os limites dos nossos poderes de imaginação nos
impedem de incluir em nossa escala de valores mais que uma parcela das necessidades da
sociedade inteira; e como, em sentido estrito, tal escala só pode existir na mente de cada
um, segue-se que só existem escalas parciais de valores, as quais são inevitavelmente
distintas entre si e mesmo conflitantes . [...] Esse reconhecimento do indivíduo como juiz
supremo dos próprios objetivos é a convicção de que suas idéias deveriam governar-lhe
tanto quanto possível a conduta que constitui a essência da visão individualista (HAYEK,
1987:76).

Analisando criticamente o “individualismo com valor moral radical” defendido por ambas as correntes, é possível
identificar que essa concepção implica uma abstração do homem de sua condição histórica, na sua atomização diante
da realidade e na sua negação enquanto síntese de um processo dinâmico determinado pelas condições objetivas e
subjetivas que envolvem a produção de sua própria existência.
Entretanto, a terceira via, incorporando a essência desse pressuposto sistematizado por Hayek, amplia-o por acreditar
que o indivíduo pode ser capaz, e vem demonstrando isso, de ampliar seus interesses, passando a se ocupar com um
número maior de questões ou mesmo de questões mais complexas, ainda que sem ser capaz de envolver no rol de
suas preocupações as demandas da sociedade inteira.
Nesse sentido, as evidências indicam que a terceira via incorpora e supera a concepção de individualismo do
pensamento (neo)liberal quando defende que o indivíduo renovado seria capaz de ir além de seus limites de poder de
imaginação, envolvendo um conjunto maior de questões, sem que isso significasse uma perda de sua capacidade de
exercer seu autogoverno. Esse indivíduo renovado, para a terceira via, seria mais inteligente, mais sensível, mais
flexível e aberto às influências do mundo, dado que sua existência se realizaria em um mundo “globalizado” e
marcado por “perturbações e incertezas”. Com esse condicionamento cultural, esse indivíduo estaria mais apto do que
o de tempos atrás a compartilhar valores e participar de organizações sociais presentes em seu universo e ligadas à
sua identidade não-econômica.
Por suas características, é possível afirmar que essa concepção tem como objetivos práticos: (i) construir uma certa
consciência política que não permita ao indivíduo compreender o seu real papel sociopolítico-econômico no mundo a
partir de sua posição nas relações de produção; (ii) induzir a percepção de que seus valores são gerados pela
“capacidade suprema de se autogovernar” e que é possível definir e realizar os próprios objetivos e metas,
independentemente das condições concretas que o envolvam; (iii) orientar e estimular a possibilidade de associação a

5
De acordo com a nota do tradutor: “recuar para melhor avançar”.
28
um outro indivíduo ou a pequenos grupos próximos para participação em processos políticos mais simples. Pretende-
se romper, dessa forma, com a apatia política e o isolamento e criar os pressupostos necessários a um tipo
determinado de participação na vida social e política, sem que isso venha significar incentivo a níveis mais elevados
de consciência política e a senso de pertencimento a uma classe social.
Nessa construção, o desemprego e a pobreza são interpretados como infortúnios ou conseqüência da incapacidade
individual e devem ser enfrentados por intermédio de valores morais positivos universalmente válidos e mecanismos
relacionados à ajuda mútua. Trata-se aqui, como indica a própria terceira via, de uma articulação da “teoria do capital
humano” com aquilo que vem sendo denominado “capital social” (GIDDENS, 2001b) no cenário de um capitalismo dito
responsável.
Com essa proposição, a terceira via recupera e articula duas noções importantes para as estratégias capitalistas de
dominação. Inicialmente, retoma a teoria do ‘capital humano’ difundida por Theodore Schultz nos anos de 1960, em
que se definia o conhecimento e as capacidades técnicas dos trabalhadores como uma forma de capital capaz de
gerar lucro e riqueza. Para a teoria do capital humano, existiria uma associação direta, portanto, não-histórica, entre
produtividade, eficiência, desenvolvimento e riqueza capaz de explicar as diferenças de crescimento econômico entre
países e empresas e de salários entre os indivíduos.
Nessa concepção, o homem-trabalhador é reduzido a um tipo de capital. De posse dessa questionável compreensão,
é proposto que todos seriam capitalistas: alguns por serem os proprietários dos meios de produção (a burguesia) e
outros por serem proprietários do capital humano (os trabalhadores). Partindo desse pressuposto, a teoria do capital
humano chega a uma impressionante conclusão: no capitalismo não existem classes sociais. Nas palavras de Schultz
(1973:15),

[...] a característica distintiva do capital humano é a de que ele é parte do homem. É humano
porquanto se acha configurado no homem e é capital porque é uma fonte de satisfações
futuras, ou de rendimentos futuros, ou ambas as coisas.

A segunda noção, denominada ‘capital social’, vem sendo difundida por intelectuais norte-americanos (como Francis
Fukuyama, James S. Coleman, Robert D. Putnam) e empregada nos receituários de organismos internacionais, como
Organização das Nações Unidas (ONU) e Banco Mundial (BM), para designar a capacidade de articulação dos grupos
de pessoas ou de toda uma comunidade local, na busca de solução de seus problemas mais imediatos. Ela é utilizada
junto às noções de ‘pobreza’ e de ‘desenvolvimento social sustentado’, para orientar a definição das políticas sociais
neoliberais focalizadas.
Em geral, seus defensores afirmam que o desenvolvimento do ‘capital social’ de diferentes grupos seria capaz de
reverter a situação de pobreza das comunidades e gerar atitudes não-passivas diante do aparelho de Estado. Trata-
se de uma concepção cunhada no modelo de Estado neoliberal e que tem por objetivo educar as frações da classe
trabalhadora para uma nova realidade em que as políticas sociais universais não responderiam positivamente às
necessidades e capacidades das pessoas.
Nessa linha, a solução dos problemas e a realização de demandas deveriam ser buscadas na mobilização social de
pequenos grupos e por intermédio de “parcerias” com a aparelhagem estatal e outros organismos da sociedade civil e
não mais nas políticas universalizantes.
Por essas características, o ‘capital social’, associado ao ‘capital humano’, seria o remédio para minimizar os efeitos
perversos e degradantes inerentes ao modo de produção capitalista na sua fase atual e, ao mesmo tempo, introduzir
estrategicamente novas referências sociais 6.
O aprofundamento da sociabilidade ancorada nessas indicações serve para estimular e orientar a natureza e a
intervenção política de novos agrupamentos sociais que, mesmo organizados sob o lema da “emancipação” ou
“liberdade”, não agem no centro da vida social, isto é, no cerne das contradições do capitalismo, e passam a conviver
sob a tolerância do sistema e até mesmo em harmonia com ele. Orientados para lutar a partir de um nível mais
primitivo de consciência política coletiva, esses movimentos, em geral, acabam desempenhando um importante papel
na reafirmação da ideologia burguesa. Não é por outro motivo que o individualismo como valor moral radical se
articula de maneira tão decisiva à edificação da sociedade civil ativa e da reforma do Estado.
Em contraposição a essa concepção de individualidade reformada, pode-se afirmar com Gramsci que o homem deve
ser concebido

[...] como uma série de relações ativas (um processo), no qual, se a individualidade tem a
máxima importância, não é todavia o único elemento a ser considerado. A humanidade que
se reflete em cada individualidade é composta por diversos elementos: (1) o indivíduo; (2) os
outros homens; (3) a natureza. [...] [e que] o indivíduo não entra em relação com os outros

6
Um bom exemplo sobre o caráter político-ideológico e o significado prático dessa noção pode ser encontrado em COMISIÓN
ECONÓMICA PARA AMÉRICA LATINA Y EL CARIBE; UNIVERSIDAD DEL ESTADO DE MICHIGAN (2003).
29
homens por justaposição, mas organicamente, isto é, na medida em que passa a fazer parte
de organismos, dos mais simples aos mais complexos (GRAMSCI, 1999:413, grifo nosso).

A natureza humana é composta pelo conjunto das relações sociais globais que não se manifestam imediatamente no
indivíduo como ser auto-suficiente, mas sim na história da humanidade, pois “a essência do homem não é uma
abstração inerente ao indivíduo singular [...] ela é o conjunto das relações sociais” (MARX, 1990:33). Portanto,

[...] o homem deve ser concebido como um bloco histórico de elementos puramente
subjetivos e individuais e de elementos de massa – objetivos ou materiais – com os quais o
indivíduo está em relação ativa. Transformar o mundo exterior, as relações gerais, significa
fortalecer a si mesmo, desenvolver a si mesmo. É uma ilusão e um erro supor que o
“melhoramento” ético seja puramente individual: a síntese dos elementos constitutivos da
individualidade é “individual”, mas ela não se realiza e desenvolve sem uma atividade para
fora, transformadora das relações externas, desde aquelas com a natureza e com os outros
homens em vários níveis, nos diversos círculos em que se vive, até à relação máxima, que
abarca todo o gênero humano (GRAMSCI, 1999:406, grifo nosso).

Desconsiderando a concepção de homem como bloco histórico e reforçando a tese do individualismo reformado, a
terceira via estabelece a educação como importante estratégia de formação de diferentes tipos de intelectuais
responsáveis por cimentar as novas relações entre os homens. Para esse projeto,

[...] a principal força no desenvolvimento de capital humano obviamente deve ser a


educação. É o principal investimento público que deve estimular a eficiência econômica e a
coesão cívica [...]. A educação precisa ser redefinida de forma a se concentrar nas
capacidades que os indivíduos poderão desenvolver ao longo da vida (GIDDENS,
2001b:78).

Nessa lógica, são necessárias ações variadas que assegurem a formação intelectual, moral, ético-política e técnica ao
longo de toda a vida das pessoas, com ênfase no ‘desenvolvimento de competência cognitiva e emocional’
(GIDDENS, 2001a:135), ou seja, uma educação que difunda os novos hábitos mentais e comportamentais que tornem
os indivíduos sempre abertos acriticamente às novas aprendizagens.
O que se define nessa estratégia de realização do projeto da terceira via é a afirmação da escola e os demais meios
de difusão e espaços educativos como instrumentos de formação e atualização do intelectual urbano, tendo na
concepção de mundo burguesa o eixo central. A terceira via parece desejar que por intermédio das reformas
educacionais não só seja realinhado todo o processo formativo a partir das novas exigências de perfil humano
demandadas pelo estágio atual do capitalismo monopolista, mas também sejam diminuídas ao máximo as
possibilidades de difusão da contra-hegemonia no espaço escolar.
Assim, temas antigos – como ‘cidadania’, ‘igualdade’, ‘participação’, ‘democracia’ – e novos – como
‘empreendedorismo’, voluntariado’, ‘responsabilidade’ –, dentre tantos outros, são tratados sob uma abordagem
pedagógica que os distancia do conflitivo e antagônico processo de construção social que os definem. Trata-se de
uma ação orientada por uma concepção pedagógica que procura criar novas ancoragens teóricas e simbólicas
responsáveis por estabelecer mediações entre sujeito e realidade social em uma perspectiva de conservação de
relações sociais.
Com essa indicação, a terceira via inova as concepções conservadoras até então dominantes. Ela não se limita a
difundir imediatamente os valores dominantes a partir da incorporação das demandas sociais dos trabalhadores para
impulsionar o seu projeto. Enquanto o pensamento liberal tradicional apontava para uma espécie de “utopia”, em que
todos os homens se realizariam se agissem segundo as leis do mercado, a terceira via, ampliando a perspectiva
neoliberal, considera, a priori, que isso não seria mais possível. As ações, portanto, deveriam estar voltadas para gerir
o sofrimento por meio do amparo social ancorado pela noção de capital social. Assim, a terceira via desresponsabiliza
o capital, desresponsabiliza a história e responsabiliza os sujeitos e suas associações pela garantia da estabilidade
social, política e psicológica profundamente abalada pela eliminação de um horizonte de transformação.
Os princípios e estratégias aqui tratados ganham unidade com a costura de diversos elementos teóricos realizada
pelo conceito de democracia. Como citado, a democracia idealizada pela terceira via significa “regime de governo”
(democracia formal) combinado com algumas formas de “participação” popular (democracia dialógica) sobre certas
temáticas que envolvam os interesses de “todos”.
A ampliação proposta pela terceira via em relação à teoria liberal é utilizada para designar os novos espaços ou
experiências que englobam diversos fenômenos sociais, tais como: a pressão pela tomada de decisão de baixo para
cima, a mobilização para soluções de problemas que afligem um grupo de indivíduos, a valorização da justiça social,
as novas relações interpessoais na esfera da família e do trabalho. Pressupõe a mobilização e o alargamento da
confiança entre os indivíduos, um maior intercâmbio de emoções, idéias e reflexões. À prática democrática, portanto,

30
caberia a conciliação dos inconciliáveis interesses históricos das classes para consolidar a legitimação social do novo
bloco histórico “pós-tradicional”.
Assim, o principal desafio da terceira via definido como a “democratização da democracia” (GIDDENS, 1996; 2001a;
2001b) é nada mais do que a tentativa de combinar os principais aspectos de um certo tipo de “democracia
institucional” com a “democracia participativa”, ressignificando as formas de participação e o sentido histórico da
política e das lutas sociais.
Em outros termos, é proposto que o aprofundamento combinado e progressivo dos dois tipos de democracia sirva de
base para um novo modelo de Estado, para um novo envolvimento cívico voltado ao pacto entre proprietários e
trabalhadores, e a instituição de um novo modelo político em que esquerda e direita deixem de ter um sentido de
localização de projetos e das lutas históricas. Essa posição não se mostra muito diferente da concepção hayekiana de
democracia: “a democracia é, em essência, um meio, um instrumento utilitário para salvaguardar a paz interna e a
liberdade do indivíduo” (HAYEK, 1987:84).
A terceira via e a doutrina teórica que, de fato, a inspira – o liberalismo –, insistem na organização da vida social em
esferas autônomas e independentes que, em última instância, não só reforçam o processo de isolamento do produtor
dos meios de produção como também despolitizam o econômico, apresentado como salvaguarda dos intocáveis
direitos burgueses.
A partir dessas referências, é possível concluir que a noção de democracia apresentada serve como forma de
aperfeiçoamento das relações de poder dominante que aparecem dissociadas e independentes das relações
econômicas, portando regras próprias e asseguradas por seus estatutos jurídicos. Como tem sido na história moderna
do capitalismo, reafirma-se que “a desigualdade e a exploração socioeconômica coexistem com a liberdade e a
igualdade cívicas” (WOOD, 2003:173). Assim, o conceito de “cidadania reflexiva” (GIDDENS, 2001a), que emerge do
binômio “democracia/capitalismo”, não pretende alterar o fundamento da mediação entre o homem e o Estado na
perspectiva liberal.
Os princípios e estratégias da terceira via, ao se consubstanciarem nas estratégias burguesas para obtenção do
consenso em nível mundial, configuram-se como passos fundamentais da pedagogia da hegemonia na atualidade.

[...] a chamada “terceira via” me parece um sintoma de que o neoliberalismo começa a


relevar seus limites. Os defensores da “terceira via” são pessoas que aplicam uma política
neoliberal [...], mas que têm ou tiveram no passado um certo compromisso com valores de
esquerda e tentam propor, como se isso fosse possível, um neoliberalismo com rosto
humano. Isso, evidentemente, é ideologia no sentido ruim da palavra, ou seja, uma maneira
de encobrir políticas que continuam a ser estritamente neoliberais. [...]. A meu ver, trata-se
de uma manifestação hipócrita do neoliberalismo. [...] A “terceira via” é isso: uma
manifestação hipócrita do neoliberalismo, que sabe muito bem que a virtude está com outro
tipo de política. É um fenômeno indicativo de que aquela hegemonia pura e simples do
neoliberalismo, aberta e escancarada, está sofrendo abalos (COUTINHO, 2004:328).

O projeto político da terceira via representa uma perspectiva de “modernização política”, que procura orientar o
ajustamento dos cidadãos, do conjunto sociedade civil e da aparelhagem de Estado na justa medida das demandas e
necessidades do reordenamento do capitalismo. As referências indicadas pela terceira via como de modernização
estão ligadas organicamente ao (neo)liberalismo. Portanto, ela pode ser apresentada como um programa
comprometido com a atualização do projeto burguês de sociedade e pela geração de uma pedagogia voltada a criar
uma unidade moral e intelectual comprometida com essa concepção.
Suas interpretações sobre fenômenos presentes no mundo atual – em temas como mundialização financeira,
hegemonia burguesa, mudanças nas correlações de forças, crise do capitalismo, projeto neoliberal etc. – tentam criar
a ilusão de que se atingiu um estágio superior do capitalismo em que as contradições e antagonismos, explorações e
desigualdades, os projetos societários em disputa, não fazem mais sentido. Por conseqüência, as referências teóricas
para ação política – tais como “novo Estado democrático”, “sociedade civil ativa”, “democracia dialógica”,
“participação”, “políticas [sociais] gerativas” etc. – na forma de princípios e diretrizes nada mais são do que os
balizadores do processo de ajustamento da vida e do trabalho, das instituições e organizações em um mundo que
aparentemente “atingiu seus limites históricos no capitalismo”.
Por essas delimitações, a terceira via – definida como “estrutura de pensamento e de prática política que visa a
adaptar a social-democracia a um mundo que se transformou fundamentalmente nas duas ou três últimas décadas”
(GIDDENS, 2001a:36) – constitui-se de fato em um neoliberalismo de terceira via, portadora de princípios e
estratégias que fundamentam na atualidade o novo projeto de sociabilidade burguesa e as estratégias da nova
pedagogia da hegemonia nos marcos do neoliberalismo.

31
2 OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS NA CONDUÇÃO DE UM NOVO BLOCO HISTÓRICO
Adriana Almeida Sales de Melo
Para os principais organismos internacionais que representam uma frente de defesa e condução dos interesses
sociais do capitalismo mundial, o neoliberalismo já está ultrapassado desde os anos de 1990. Para esses organismos
(como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, com todas as suas agências), a necessidade de
sobreviver e aprofundar o processo de ocidentalização de uma ótica conservadora, do ponto de vista dos interesses
do capitalismo, de continuar a determinar, a dominar, a fazer o mundo à sua semelhança, à semelhança de seu
projeto de sociabilidade, fez com que a direção e o ritmo de suas ações de planejamento social se ampliassem e
consolidassem desde a década passada.
Essas mudanças se materializaram na inserção da ciência e da tecnologia na produção social, na reprodução
ampliada do capital e do trabalho, bem como delinearam transformações nas relações de poder no Estado.
As diferenças entre público e privado, entre indivíduo e coletividade, os movimentos de socialização da política e do
trabalho se confundem nesse novo projeto capitalista de sociabilidade. Manter a realização de uma hegemonia ativa
(sob uma leitura gramsciana), de direção e dominação indissociadas, exige uma complexa disciplina de planejamento
e formação de consenso, a fim de destruir, paulatinamente, o nível de consciência atingido pela classe trabalhadora e
substituir seus desejos e ações pelo projeto hegemônico de sociabilidade capitalista.
Investiga-se sob que condições históricas se consolidou e se aprofundou o domínio e a direção do Fundo Monetário
Internacional e do Banco Mundial como organismos internacionais que representam os interesses do capitalismo no
mundo inteiro, desde o fim da Segunda Guerra Mundial e, principalmente, a partir dos anos de 1970, no
aprofundamento e consolidação do processo de mundialização do capital, mais especificamente na consolidação de
um projeto de construção de um novo homem coletivo.
Objetivando instituir uma nova linguagem hegemônica nos anos de 1990, organismos internacionais como o FMI e o
Banco Mundial fazem a apologia de uma cidadania ativa, dirigindo as ações entre países e indivíduos para ações de
interdependência, de colaboração; evocando a imagem de uma sociedade harmoniosa, em que instituições sociais,
comunidades e cidadãos participariam ativamente de seus destinos e de seu progresso e sucesso no mundo do
trabalho a partir de suas habilidades e competências. Saberes que cada um, de forma individual, teria a
responsabilidade de construir para si próprio, como a aquisição de um capital de conhecimento.
A Função Educadora dos Organismos Internacionais (Construindo a Miséria no Século XX)
A criação dos organismos internacionais atuais acompanhou o movimento de transformação geopolítica do pós-
Segunda Guerra Mundial e ampliou os poderes de planejamento e ações de sociabilidade dos países vencedores. A
condução do processo de dependência e associação de países ao mundo capitalista foi cuidadosamente pensada a
partir dos conceitos de planejamento da época, centralizando decisões e consolidando a hegemonia norte-americana
no mundo, sob o conceito de interdependência.

Enfim, na direção da realização do consenso keynesiano, a interdependência e a


multinacionalização estavam garantidas enquanto relação de dependência, para os países
da América Latina; não só de dependência financeira, mas também econômica, política e
cultural: na direção da industrialização voltada para o fortalecimento do mercado interno; na
conformação e fortalecimento da burocracia estatal; na ampliação das políticas sociais; na
tentativa proclamada de realização do pleno emprego. Todos estes aspectos do consenso
keynesiano deveriam culminar com o objetivo do pleno emprego e do desenvolvimento
econômico, que tanto seriam resultado de reivindicações e lutas trabalhistas quanto uma
forma de conter estas mesmas reivindicações, bem como fator fundamental de composição
dos mercados internos nacionais (Adriana MELO, 2004:92).

Nas décadas que se seguiram, o movimento de consolidação dessa interdependência se aprofundou ainda mais,
fundamentando a política de “ajuste, por meio de reformas, para o crescimento” (Adriana MELO, 2004) dos
organismos internacionais e incorporando demandas das classes trabalhadoras (NEVES, 1994).
Esse novo bloco histórico foi conduzido por uma coalisão de empresas e corporações norte-americanas, em
consonância com o “keynesianismo militar global norte-americano” (ARRIGHI, 1996:316) e a anuência dos países
associados.
Os objetivos macroeconômicos de criação do Banco Mundial e do FMI – como a promoção de uma economia aberta
mundial, o encorajamento da cooperação monetária, a conversibilidade das moedas, a liquidez internacional, a
eliminação de restrições de câmbio, o encorajamento dos investimentos externos diretos e o provimento de garantias
para investimentos privados (KIRSHNER, 1996) – associaram-se à necessidade de recuperar o poder de compra dos


Doutora em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMPU/SP). Professora adjunta do Centro de Educação da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação-Mestrado em
Educação Brasileira da UFAL. Colaboradora do Coletivo de Estudos de Política Educacional. Coordenadora do Núcleo de
Avaliação e Gestão Educacional e do grupo de pesquisa Planejamento e Política Educacional da UFAL.
32
assalariados e o mercado dos países, envolvendo a condução de suas políticas para o que se denominou, na época,
‘desenvolvimentismo’.
As condições da interdependência entre 1945 e os anos de 1960 envolveram altas somas de empréstimos com
objetivos pouco focalizados, concomitantemente ao incentivo à internacionalização das empresas norte-americanas
associadas aos poucos a corporações semelhantes em outros países, fortalecendo alianças em torno das agências
criadas em Breton Woods (Adriana MELO, 2004).
Na mesma época, a montagem do Estado de Bem-Estar Social se realizou de forma diferenciada nos países centrais
e periféricos do capitalismo. Para os países centrais, estabelecendo políticas integradas de intervenção social e com
um nível mais elevado de conformação, tanto com relação às entidades representativas dos patrões e trabalhadores,
quanto com relação à incorporação de demandas das classes populares, no sentido de consolidar os limites para o
arcabouço jurídico-legislativo da democracia formal. Ao mesmo tempo, nos países periféricos, o Estado de Bem-Estar
Social se estruturou a partir de ações seletivas e de políticas não-integradas com as demandas sociais, em uma
relação de confronto cada vez mais intenso com a formação de demandas das classes populares. A conformação
social nesses países mais pobres ao projeto de interdependência no período fordista/desenvolvimentista, conduzida e
legitimada principalmente pelas ações do Estado em senso estrito, não permitiu o aprofundamento de ações de
colaboração social até meados dos anos de 1980. Assim, a

“revolução” keynesiana, articulada com o próprio fordismo, tomou um sentido de aprofundar


o desenvolvimento do modo de produção social capitalista, levando-o, gradualmente, a um
nível mais complexo de organização econômica e social, envolvendo em seu movimento
histórico as dimensões da ciência, vida e trabalho (Adriana MELO, 2004:63).

No entanto, a partir dos anos de 1970, com o acirramento da crise do petróleo, o colapso no equilíbrio da balança de
pagamento dos países endividados e o risco de dilação ou mesmo moratória das dívidas, com um risco concomitante
de insolvência dos países doadores, um novo tipo de condução hegemônica internacional se fez necessário, a fim de
garantir, novamente, a sobrevivência do capitalismo eternamente em crise. “Um novo tipo de liberalização do capital e
do trabalho” (Adriana MELO, 2004:67) começa a se delinear a partir desse período em todo o mundo.
As reformas e ajustes do FMI e do Banco Mundial, impostos aos países devedores desde os anos de 1970, trazem
em suas condicionalidades obrigações tanto de garantias de pagamento quanto de garantias de desenvolvimento, que
se traduziam na obrigação da realização de políticas sociais compensatórias com o objetivo de diminuir a
desigualdade social, sob a forma de “pacotes” para o desenvolvimento, com os quais os países anuíam.
No entanto, o resultado desses pacotes de ajustes foi claramente nefasto, provocando uma forte reação social nos
países em desenvolvimento, que exigiam, por sua vez, novas condições para futuros contratos.

Em todo o mundo em desenvolvimento há um padrão consistente e comum: o pacote de


reformas do FMI-Banco Mundial constitui um programa coerente de colapso econômico e
social. As medidas de austeridade levam à desintegração do Estado, remodela-se a
economia nacional, a produção para o mercado doméstico é destruída devido ao
achatamento dos salários reais e redireciona-se a produção nacional para o mercado
mundial. Essas medidas implicam muito mais que a gradual eliminação das indústrias de
substituição de importações: elas destroem todo o tecido da economia doméstica
(CHOSSUDOVSKY, 1999:60).

Nessa época, mudanças intensas no modo de produção social capitalista incluíram a incorporação cada vez maior da
ciência e da tecnologia na produção, distribuição e consumo de mercadorias; o fortalecimento do capital privado e da
chamada esfera pública nos países e mudanças nas relações de trabalho associadas a um desemprego crescente
que, a partir dos anos de 1980, começa a se tornar “estrutural”, trazendo a necessidade de manter e conformar um
exército industrial de reserva com um mínimo de qualificação, tornando-se cada vez mais necessário para a
reprodução ampliada do capital.
Na década de 1980, aprofundam-se os processos de liberalização, desregulamentação e privatização de cunho anti-
social, ou seja, em detrimento dos interesses da maioria da população dos países. A implantação de medidas
macroeconômicas cada vez mais conservadoras e a intensa exploração pelos países capitalistas periféricos fizeram
com que ficassem cada vez mais claras e declaradas as intenções dos representantes do grande capital mundial na
exploração e conformação da classe trabalhadora, estabelecendo um discurso legitimador que, incorporando
demandas das classes populares, planeja a condução de ações estratégicas focalizadas e restritivas e, ao mesmo
tempo, de incentivo ao pluralismo e à democracia de caráter universalista.
O aumento da concentração de renda e a crescente desigualdade social nos países em desenvolvimento começaram
a se apresentar como uma fonte de preocupação com o ordenamento social pelo FMI e pelo Banco Mundial, sob uma
nova perspectiva. A visão mais ortodoxa do neoliberalismo não permitia o uso de estratégias de consenso que
atingissem os novos problemas causados por suas próprias políticas econômicas. A social-democracia da terceira via

33
– assim denominada (GIDDENS, 2001a) por se propor como um terceiro caminho entre o neoliberalismo e a antiga
social-democracia – começa a ser adotada intensamente por esses organismos a partir dos anos de 1990.
A Nova Agenda da Governação para o Século XXI
A política de reformas estruturais para os países que fazem parte da interdependência capitalista mas estão em suas
margens, como periféricos, conduzida pelo FMI e Banco Mundial, em torno das condicionalidades para seus
empréstimos e pacotes de ajuda para o desenvolvimento, intensificou-se a partir de 1985, interferindo na direção das
políticas de desenvolvimento nacionais, estimulando a realização de processos de estabilização, liberalização do
comércio, reforma tributária, reforma financeira, privatização, reforma trabalhista e reforma previdenciária (THORP,
2000).

Não será fácil criar um Estado mais efetivo para apoiar o desenvolvimento sustentável e a
redução da pobreza. Em qualquer situação, muitas pessoas terão interesse em manter o
Estado tal como é, mesmo que isso traga maus resultados para o bem-estar de todo o país.
Para superar essa oposição, será preciso tempo e esforço político. Mas o Relatório mostra
que é possível abrir oportunidades para a reforma, com a ajuda de uma seqüência
cuidadosamente ordenada de reformas e mecanismos para compensar aqueles que saem
perdendo. Mesmo nas piores situações, passos ainda que muito pequenos rumo a um
Estado mais efetivo podem ter um grande impacto no bem-estar econômico e social. Ao nos
aproximarmos do século XXI, o desafio para o Estado consiste em não se encolher até
tornar-se insignificante, nem em dominar os mercados, mas em dar esses pequenos passos
(BANCO MUNDIAL, 1997).

Uma nova relação entre o Estado em seu sentido restrito e a sociedade é gestada para esse fim. Na linguagem do
Banco Mundial, desde a década de 1990 novas funções do Estado são necessárias para conduzir um mundo em
transformação. Um novo bloco histórico conservador em defesa do capital é gestado.
Os organismos internacionais lançam mão de novas estratégias de ação, tanto na condução da política econômica,
quanto na conformação social dos países. As novas funções do Estado envolvem desde a gestão das pequenas
reformas para implantar as grandes reformas (BANCO MUNDIAL, 1997), até a formulação de uma nova conformação
social.
O Estado aparece para os países “pobres” novamente como gestor de compensações. “Mínimo”, mas capaz de
garantir tanto a execução de uma nova forma de relacionamento social como a ordem social, preocupação constante
tanto mais se agravam as conseqüências das reformas com relação ao empobrecimento dos países. A presença de
“novos atores sociais”, na linguagem do Banco Mundial, começa a ser louvada como uma saída para a ineficiência do
Estado que, sempre comparado a um animal grande, pesado, sem agilidade e ineficiente, seria o grande opositor das
reformas sociais por vir. Essa presença de novos sujeitos políticos coletivos não só é reconhecida pelo Banco
Mundial, como são estimuladas cada vez mais as ações de associações de natureza extra-econômica na condução
de diversas políticas sociais.
Embora desde a década de 1970, em diversos boletins informativos do Conselho Diretivo do FMI e em um relatório de
1972 do Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 1973), já se possa detectar a necessidade da participação social das
comunidades na gestão dos programas financiados pelo Banco Mundial e FMI como uma estratégia para aumentar a
eficiência e o retorno social da aplicação do financiamento, nos anos de 1990 essa participação adquire nova
natureza e função.
No relatório sobre o desenvolvimento mundial do Banco Mundial de 1997, O Estado num mundo em transformação,
uma de suas preocupações fundamentais é garantir que o estado dos países periféricos se modifique para apoiar e
legitimar as reformas que seriam necessárias para a sobrevivência do próprio capitalismo. Aliada ao argumento da
ineficiência do estado desses países, estaria a sua incapacidade de lidar com o crescente aumento das demandas
sociais por serviços e direitos. O fortalecimento das instituições públicas seria, assim, um ponto focal para essa
transformação e sobrevivência. Para garantir esse movimento, seria necessário que o Estado se aproximasse dessas
demandas:

Isso significa inserir a voz do povo na formulação de políticas: abrir campo para que
indivíduos, organizações do setor privado e outros grupos da sociedade civil expressem as
suas opiniões. No cenário apropriado, também pode significar maior descentralização do
poder e dos recursos do governo (BANCO MUNDIAL, 1997:117).

Dividindo a sociedade entre Estado e atores sociais e estes em cidadãos e comunidade empresarial, o relatório
sugere aos países: (i) ampliar a discussão sobre a avaliação dos rumos das políticas e reformas, disponibilizando
informações e criando canais de consulta; (ii) encorajar a participação de organizações de usuários e beneficiários,
estimulando a ação de organizações locais; (iii) a descentralização da prestação de serviços por etapas, “começando

34
em áreas prioritárias como as da saúde, educação ou infra-estrutura” (BANCO MUNDIAL, 1997:137); (iv) estimular,
em nível local, processos para melhorar a responsabilidade e a competição.
Para o Banco Mundial, um Estado mais próximo do povo e a incorporação de necessidades e demandas, assim como
a sua participação nos processos de planejamento, monitoramento e avaliação de programas, facilitariam a realização
e consolidação das reformas.
Em uma sociedade em processo intenso de ocidentalização, a luta de classes adquire um aspecto menos
homogêneo, no sentido de que tanto os sujeitos políticos coletivos representantes da burguesia financeira e industrial
quanto os trabalhadores expressam seus projetos de sociabilidade em uma multiplicidade de demandas e estratégias
de ação para realizar essas demandas. Os organismos internacionais se utilizam desse aspecto de heterogeneidade
da luta de classes atual para reafirmar sua concepção de mundo que inclui uma intensa divisão de interesses sociais
e, ao mesmo tempo, a defesa de um pensamento único em defesa do capital.
A presença de sujeitos políticos coletivos de origens de classe diversas como parceiros fundamentais do Estado em
sentido estrito é detectada nos documentos do FMI e do Banco Mundial de maneiras as mais diversas. Essa nova
forma de parceria procura também a harmonia e a concórdia entre os interesses públicos e privados sob movimentos
mais sutis de ordenamento e condução de interesses sociais, em um processo de conformação social que tem como
objetivo final a manutenção dos interesses do capital. As novas funções do Estado exigem um grau cada vez maior de
eficiência e eficácia, de restrições de gastos públicos e controle de salários, mas não do mercado.

As ações que deveriam ser priorizadas e eleitas como mais prementes seriam: a garantia da
lei e da ordem, a normatização jurídica, a proteção da propriedade privada, a prestação de
serviços sociais básicos – como a educação básica e a saúde – e a proteção do meio
ambiente. As soluções para a restrição das funções do Estado e a restrição dos gastos
públicos devem, de acordo com este documento, envolver a participação de outros
provedores: as empresas, os sindicatos, as famílias e os grupos comunitários, no apoio
voluntário aos movimentos de desregulação, descentralização e privatização. Outra função
básica do Estado seria o aumento de sua própria credibilidade interna e internacional
(Adriana MELO, 2004:137).

No entanto, manter em funcionamento competitivo estável países pobres significa submetê-los às dificuldades e riscos
pelos quais os países ricos não passam. Para cobrir esse tipo de problema, far-se-ia necessária a manutenção de
uma burocracia forte, fundamentada em ações do poder Executivo, centralizadora de decisões e condutora de
interesses sociais.
Dessa forma, nos anos de 1990, as ações dos organismos internacionais em defesa do capital mundial se modificam,
exigindo uma ação mais participativa e humanizadora do capitalismo para os países periféricos.

Um capitalismo cujo discurso valorizaria tanto a sobrevivência dos indivíduos quanto a dos
mercados, valorizaria a normalidade democrática, a eficiência da burocracia estatal, uma
relação “saudável” de parceria com atores sociais governamentais e não-governamentais, e
a proteção ambiental; buscando diminuir as tensões sociais causadas pela austeridade dos
ajustes e reformas em mudanças que, afinal, têm com motivo principal manter e ampliar a
capacidade dos países de pagamento da dívida externa, de cumprir com os serviços desta
dívida, de fornecer mercados funcionando de forma estável e de manter uma ordem social
sem sublevações nem possibilidades de mudança desta decisão dos países quanto à
aceitação de sua própria expropriação (Adriana MELO, 2004:143).

As características principais das ações dos organismos internacionais nessa época seguiram a agenda da nova
social-democracia (GIDDENS, 2001a): implantação de um novo individualismo, o individualismo como um valor moral
radical em suas dimensões individual e coletiva, o que não implica necessariamente a atomização de ações sociais,
mas estímulo a formas despolitizadas de associativismo (Adriana MELO, 2004) 1; aprofundamento da mundialização
“excludente” e dos processos de liberalização, privatização e desregulamentação dos países pobres; e a questão
básica da instituição da governança.

O conceito de “governance”, governação, governabilidade é especialmente caro aos sociais-


democratas desta nova geração; conceito que abrange tanto o poder institucional-
administrativo dos governos dos países, os vários níveis de sua burocracia estatal, quanto o
poder da formação de demandas e indução de políticas, de atores que – deste ponto de
vista particular – não faziam parte do Estado nem do governo, assim como sindicatos e
associações privadas e ONGs, que trabalhariam com ações voluntárias e solidárias. O

1
Conceito revisto e ampliado no capítulo 1 deste livro.
35
conceito de “governance” abrange algumas dimensões centrais na nova relação que a
social-democracia quer traçar diretamente entre os indivíduos e grupos sociais que
expressam uma representatividade restrita, ou mesmo inexistente (Adriana MELO,
2004:149).

Essas características incluem também as mudanças na conceituação do que significa ‘pobreza’ em todo o mundo.
No documento Desenvolvimento e redução da pobreza (BANCO MUNDIAL, 2004), entre outros tantos destinados à
veiculação de informações e aproximação da comunidade de países pobres aos objetivos e ações dos países
doadores, bem como à realização de auto-avaliação dos programas de ajuda para o desenvolvimento, pode-se
vislumbrar algumas conseqüências para essa condução de ações de conformação social desde os anos de 1990.
A nova definição de pobreza se articula diretamente com a agenda da terceira via, no sentido de que “[...] a pobreza é
agora vista como a incapacidade de alcançar os padrões básicos de nutrição, saúde, educação, meio ambiente e
participação nas decisões que afetam a vida de pessoas de baixa renda” (BANCO MUNDIAL, 2004:4). Assim, a
pobreza e o aumento da desigualdade social acabariam sendo responsabilidade e culpa não só de países, mas
também de indivíduos incapazes de, em um mundo cheio de possibilidades, informar-se e participar. A incorporação
dos pobres à comunidade do desenvolvimento se daria a partir de programas de incentivo e promoção de
oportunidades – programas focalizados para os mais carentes, facilitação do empoderamento – estimulando a
estabilidade de regimes democráticos participativos – e aumento da segurança – de manutenção da propriedade, não
necessariamente do emprego.
São estes alguns dos argumentos constantes no documento do Banco Mundial (2004), no sentido de recuperar as
características principais do que o Banco Mundial denomina novo consenso pragmático, necessário para se modificar
as ações em defesa do capital em todo o mundo, renovando estratégias de empréstimos e traçando estratégias de
conformação social:
 Complementaridade de estados e mercados. Entre o neoliberalismo (que se reconhece nas ações do FMI-
Banco Mundial durante os anos de 1980-1990) – que via o fracasso dos governos – e os planejadores – que viam o
fracasso dos mercados –, esse documento propõe um consenso entre Estados e mercados no sentido de que a
iniciativa privada incorporada no mercado mantenha o crescimento econômico para que o governo garanta um
ambiente propício a investimentos e a estratégias de empoderamento das pessoas, pois “a exclusão de grandes
segmentos da sociedade desperdiça recursos potencialmente produtivos e gera o conflito social” (BANCO MUNDIAL,
2004:5). Conclui-se que a nova e principal função do Estado seria ajudar o mercado e compensar o efeito de excesso
de atividades socialmente improdutivas.
 As instituições e a governança assumem papel central. Instituições frágeis e governança deficiente seriam
prejudiciais tanto para a iniciativa privada dos ricos, que se tornariam inseguros para investir na produção, quanto
para a iniciativa privada das pessoas e países pobres, que sofreriam com o clientelismo e a desregulamentação, com
o agravamento de que frágeis instituições indicam a existência de frágeis direitos de propriedade, prejudicial ao
próprio desenvolvimento institucional. Esse ponto esclarece nuances do que significa governação para o FMI e o
Banco Mundial e consolida a afirmação de que a atuação da esfera do público nos países é considerada uma forma
de gerir melhor os interesses dos representantes do grande capital mundial.
 Especificidade do país. Para que os países tenham ritmos específicos de liberalização, sem pacotes
padronizados predefinidos, controlando, de forma específica, expansões e vulnerabilidades macroeconômicas.
 Maior integração dos aspectos econômicos e sociais do desenvolvimento. “A incerteza reduz o
investimento e desvia o esforço para a autopreservação e a segurança” (BANCO MUNDIAL, 2004:8), consumindo o
capital social dos países pobres. Assim, relações e vínculos entre etnia, gênero e funcionamento econômico, na visão
atual do Banco Mundial, têm de ser considerados para a condução de estratégias de conformação.
 O aumento da importância da eqüidade. O aumento da renda e a redução da pobreza em relação ao
crescimento teriam de se dar em paralelo: seriam necessidades concomitantes à equiparação de oportunidades no
sentido de que:

[...] a garantia de acesso à educação e aos cuidados de saúde aumenta a produtividade das
pessoas de baixa renda, melhorando sua qualidade de vida e, potencialmente, o dinamismo
da sociedade. O acesso a oportunidades de trabalho reduz a possibilidade de as pessoas
ingressarem na criminalidade (BANCO MUNDIAL, 2004:9).

 Reconhecimento de interdependências globais. Nesse item, o documento levanta argumentos que


valorizam os processos que fizeram a globalização desde os anos de 1980, enfatizando: (i) as vantagens de
liberalização e barateamento dos fluxos de comércio; (ii) a rapidez do aumento de acessibilidade a informações; (iii) a
rapidez e intensificação do fluxo do capital em carteira para responder a demandas imediatas de movimentação do
mercado financeiro. Simultaneamente, ressalta, como pontos negativos da globalização, a agressão ao meio
ambiente e sua destruição, bem como a insegurança doméstica e internacional, argumentos que já fazem parte da
autocrítica da condução da globalização do Banco Mundial e do FMI desde a década de 1990 (Adriana MELO, 2004).

36
O documento, entretanto, não considera a crítica aos resultados alcançados durante as décadas de 1980-1990 como
conseqüência da condução desse projeto de sociabilidade: (i) a luta dos países desenvolvidos contra a proteção ao
comércio e à produção dos países pobres; (ii) o corte e a redução dos fluxos de transferência tecnológica para os
países pobres (CHESNAIS, 1996); (iii) o aprofundamento da desigualdade da renda entre os países e o aumento da
pobreza para os países pobres.
Entre os malefícios públicos citados nesse documento, deveriam constar as dificuldades para o cumprimento das
obrigações da dívida externa dos países pobres e os efeitos nefastos das políticas de liberalização,
desregulamentação e privatização no sentido de solapar a capacidade de crescimento e condução soberana de
políticas de conformação social.
Novamente, a saúde do ambiente de governação e a ineficiência das instituições públicas e privadas são apontadas
como grandes vilãs do processo de mundialização harmoniosa do capital. A articulação da governança torna-se uma
preocupação central para os programas de empréstimos e ajuda para o desenvolvimento dos organismos
internacionais atuais.
O conceito de desenvolvimento abrangente é utilizado para ressaltar a falta de integração e continuidade entre os
programas e, principalmente, o papel das parcerias entre as dimensões sociais (pública e privada) e ampliação da
ação de sujeitos da sociedade civil, demonstrando uma preocupação específica com a sustentabilidade da dívida,
mais do que com seu alívio.
A estratégia de redução da pobreza proposta nesse documento é baseada no controle local, na coordenação e
harmonização das ações dos países doadores, na contrapartida dos países em programas específicos e focalizados
em redução da pobreza, assim como em uma mudança profunda nos objetivos da prestação de ajuda aos países
periféricos.
Para o Banco Mundial, a agenda para a próxima década tem como direção principal a construção de uma comunidade
global, de cidadãos do mundo agindo pelo bem da comunidade, impedindo o nacionalismo ou regionalismo causados
pela necessidade de segurança e defesas particulares. Para alcançar os objetivos dessa comunidade global,
indivíduos e países em desenvolvimento teriam que se empenhar no avanço da governação, combatendo a
corrupção, melhorando seu ambiente de investimento, realizando uma prestação de serviços sociais eficiente e eficaz
e estimulando o empoderamento de toda a população (BANCO MUNDIAL, 2004:38). Para os países desenvolvidos, a
tarefa para as próximas décadas seria a de aprimorar e cumprir seus compromissos de ajuda e abrir seus mercados.
Assim, destaca-se novamente que o objetivo em que se fundamentam as mudanças nos objetivos do FMI e do Banco
Mundial em relação a uma auto-avaliação e resolução do problema da sustentabilidade da dívida dos países em
desenvolvimento se baseia tanto na preocupação em garantir uma conformação social ao seu projeto conservador,
capitalista, de sociabilidade, quanto em garantir a lucratividade de seus investimentos passados e, principalmente,
futuros.
Em Busca de um Desenvolvimento sem Confrontos Sociais (O Conceito de Capital Social)
A preocupação com a necessidade da realização de reformas continua e se aprofunda no século XXI. A questão da
sustentabilidade, do “crescimento sustentável” continua sendo uma questão tanto da realização de reformas
macroeconômicas quanto de reformas estruturais para os países periféricos. Assim, o conceito de sustentabilidade
aparece no projeto neoliberal da terceira via de forma cada vez mais explícita, como estabilidade e continuidade de
crescimento.
O objetivo principal dos programas de empréstimos e ajuda do FMI e do Banco Mundial, com todas as suas
condicionalidades, seria manter os seus novos investimentos em crescimento, isto é, garantindo lucros futuros em
ritmo crescente e acelerado. Quando o ritmo do crescimento dos países periféricos desacelerou nos anos de 1990,
para o FMI a culpa teria sido da não-implantação completa da agenda das reformas preconizadas (SINGH, 2005).
Como o próprio FMI reconhece, as reformas criam nos países pobres situações de vulnerabilidade doméstica, bem
como choques externos, problemas que seriam sanados por um aprofundamento e implantação completos das
reformas.
Para superar as dificuldades com a implantação das reformas, o Banco Mundial e o FMI apontam a necessidade de
se encorajar, nos países periféricos, o “fortalecimento de instituições de governança”, de apoio à iniciativa privada e à
reforma do “mercado de trabalho”, a fim de reestruturar o seu “crescimento sustentável” de longo prazo, em conjunto
com o apoio popular para as reformas (SINGH, 2005).
Para o FMI, é a falta de estabilidade dos países na condução da implantação das reformas que acarreta níveis
crescentes de desigualdade, provocando o “não-crescimento econômico” associado ao “não-desenvolvimento social”.
De modo a realizar uma agenda futura, seriam indispensáveis, nessa nova fase, mudanças nas “instituições de
governança”, centralizando decisões e esclarecendo objetivos de formação de consenso, “especialmente porque
mudanças constitucionais poderão ser necessárias para implementar muitas das reformas listadas” (SINGH, 2005),
exigindo, também, novas formas de convencimento da população.
Seguindo as propostas fundamentais do neoliberalismo da terceira via, a intenção mais direta entre os projetos e
condução do Estado em seu sentido estrito com as demandas da população desloca o foco das causas da
desigualdade social da esfera econômica para a esfera social, responsabilizando as comunidades locais e a própria
população pelo não-cumprimento das reformas. Se na população está a causa dos problemas, na população também
poderiam estar suas soluções.
37
Entre os organismos internacionais que participam ativamente desse novo bloco histórico, conservador, que se
constitui desde os anos de 1990, reforçando o processo de mundialização do capital – Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Diálogo Interamericano em Washington, Corporação para
o Desenvolvimento da Pesquisa (CINDE), Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico (USAID),
Centro Internacional de Desenvolvimento de Pesquisa do Canadá (IDRC) e diversas instituições semelhantes em todo
o mundo – o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) produz, em suas diversas parcerias, documentos de
pesquisa e discussão para subsidiar ações de financiamento e ajuda, que sinalizam para a operacionalização do
processo de desenvolvimento com estabilidade para os países periféricos.
Uma das discussões presentes neste início de milênio são as formas de se estimular e desenvolver as características
do empoderamento em áreas de ação e locais diversos em todo o mundo. Na série de debates especiais do
Programa de Promoção da Reforma Educativa da América Latina (PREAL), um dos textos escolhidos para compor as
discussões atuais sobre o tema “desenvolvimento” é o de Bernardo Kliksberg (2002) 2 – Capital social e cultura: as
chaves esquecidas do desenvolvimento –, que se soma a tantos outros resultantes de observações realizadas, nesse
caso, nos países da América Latina e Caribe.
Nessa discussão, coloca-se em relevância a necessidade de utilizar o “capital social e cultural” que existiria de forma
latente nos países periféricos como uma chave, uma alavanca para o desenvolvimento e, conseqüentemente, o
crescimento, sustentabilidade e estabilidade.
Kliksberg (2002), antes de apresentar ações de empoderamento virtuosas em alguns dos países periféricos, analisa
as maneiras de se escapar das formas convencionais de se pensar soluções do ponto de vista de um pensamento
econômico mais ortodoxo e as “formas básicas de capital” que poderiam contribuir para o processo.
Com relação à “crise do pensamento econômico convencional” e à relação entre “capital social, cultura e
desenvolvimento”, uma das preocupações centrais de Kliksberg (2002:9, 19) é com uma complexidade crescente de
fatores que envolvem as questões do desenvolvimento, ampliando-se as “oportunidades reais dadas aos seres
humanos para desenvolverem suas potencialidades” (KLIKSBERG, 2002:10).
Complexidade se apresenta aqui mais com um sentido de indeterminação, de inespecificidade, de difusão, do que de
agregação de fatores diversos; um sentido de desagregação que deveria ser superado com a valorização dos fins
principais do desenvolvimento que, na visão do autor, realizar-se-iam no aumento da expectativa de vida, na
qualidade de vida e no desenvolvimento do potencial das pessoas, assim como na capacidade da realização de
atividades livremente escolhidas e valorizadas.
A importância do desenvolvimento econômico estaria, assim, vinculada ao empoderamento das pessoas e
comunidades para o desenvolvimento social. A heterogeneidade é vista não só como carência de desenvolvimento
econômico, como também carência de decisões acertadas e determinadas para o desenvolvimento social. Para
eliminar essas carências, o autor afirma que as decisões tomadas por meio da participação democrática da população
serviriam diretamente para aumentar a eqüidade.
Uma nova visão do capital humano, para além das determinações econômicas, é apregoada, no sentido da
valorização da aquisição de informações, da vida das pessoas, das famílias, bem como do aumento da produtividade
das empresas. Estes são fatores que deveriam ser agregados ao capital e ao capital humano para promover a
eqüidade:

[...] os diversos componentes invisíveis do funcionamento cotidiano de uma sociedade


relacionados com a situação de seu tecido social básico afetam silenciosamente as
possibilidades de crescimento e desenvolvimento (KLIKSBERG, 2002:15).

Estes seriam os componentes do capital social a serem agregados ao capital humano, fundado nas inter-relações
cotidianas de indivíduos – portadores de escolhas e atitudes – em sua coletividade – que refletiria ela mesma as
ações dos indivíduos.
No sentido de estimular o empoderamento, a relação entre democracia e participação social nas decisões como fator
dependente de estabilidade política também aparece como uma peça importante na composição do desenvolvimento
social. Ações que contribuiriam para a construção de uma sociedade que funcionaria sem resistências, sem confronto
social, plena de ações virtuosas em defesa do projeto de sociabilidade do capital.
Agências e organismos internacionais representantes do projeto do neoliberalismo da terceira via consideram como
fatores essenciais para o aprofundamento da mundialização do capital a harmonia social e uma realização cada vez
mais intensa das estratégias de conformação social. A confiança que a população depositaria em si mesma se aliaria
à confiança que a população teria de construir com relação aos valores dos empresários do capital industrial e
financeiro. Essa aquiescência e identificação ampliam a realização do individualismo como um valor moral radical em
suas dimensões individual e coletiva, encobrindo a correlação de forças sociais, distorcendo o nível de consciência
social e as relações entre as classes sociais fundamentais do próprio capitalismo, tomando o partido do capitalismo

2
Bernardo Kliksberg é coordenador-geral da Iniciativa Interamericana de Capital Social, Ética e Desenvolvimento do Banco
Interamericano de Desenvolvimento e Consultor da UNESCO.
38
internacional, tomando o partido dos países que se consideram como “comunidade do desenvolvimento” e “países
doadores” desse desenvolvimento, agindo como condutores do desenvolvimento para os países periféricos.

39
PARTE II

A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL

Dormia a nossa pátria-mãe tão distraída


sem perceber que era subtraída
em tenebrosas transações
Chico Buarque (Vai passar, 1984)
3. A SOCIEDADE CIVIL COMO ESPAÇO ESTRATÉGICO DE DIFUSÃO DA
NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA*
Lúcia Maria Wanderley Neves**
É consensual na literatura brasileira que o país emerge do período de ditadura militar (1964-1985) muito mais
complexo econômica e político-ideologicamente. Embora o processo de ocidentalização brasileiro ainda preserve
traços de autoritarismo1, não resta dúvida de que o processo de socialização da participação política se alarga
consideravelmente a partir dos anos de abertura.
Analisando o fenômeno da socialização da participação política, ou seja, a crescente organização de grupos e classes
sociais na defesa de seus interesses, por meio de aparelhos privados de hegemonia na sociedade civil, Coutinho
(1994:77) observa que
[...] com a multiplicação das organizações dos trabalhadores (partidos, sindicatos etc.), a própria burguesia tem
também de criar organismos fora do Estado, a fim de concorrer com os operários. Também ela cria associações
profissionais, cria ou hegemoniza partidos de massa que defendem seu projeto de classe. O mesmo ocorre, em
seguida, com as camadas médias. [...] Já não existem mais, de um lado, indivíduos atomizados, puramente
“privados”, lutando por seus interesses econômicos imediatos, e, de outro, o Estado e seus aparelhos, como únicos
representantes dos interesses ditos “públicos”. Surge uma complexa rede de organizações de massa, de sujeitos
políticos coletivos.
A Sociedade Civil Brasileira: do Desenvolvimentismo ao Neoliberalismo da Terceira Via
O Brasil chega ao século XXI, portanto, como uma sociedade de tipo ocidental, ou seja, uma formação social que
mantém uma relação equilibrada entre a utilização de estratégias coercitivas e diretivas na estruturação do poder. Na
verdade, a politização da sociedade civil veio se processando paulatinamente, mesmo que de forma não-linear, ao
longo do século XX, à medida que o país foi se constituindo em uma formação urbano-industrial.
Tanto o bloco de forças que veio se agregando historicamente em torno do projeto de sociedade e, portanto, também
de sociabilidade burguesa, em cada conjuntura do nosso processo de urbanização e de industrialização, quanto o
bloco de forças que se agrega em torno das idéias, ideais e práticas do proletariado, foram se constituindo em sujeitos
políticos coletivos que passaram a disputar a hegemonia política e cultural, intelectual e moral da sociedade brasileira
na aparelhagem estatal e na sociedade civil.
Em parte devido aos amplos períodos ditatoriais da história republicana brasileira ou mesmo ao fortalecimento da
organização social contra a ditadura militar, no plano empírico, em parte devido à conceituação restrita do Estado
capitalista, como comitê da burguesia, no plano teórico, desenvolveu-se, em larga escala, no Brasil dos anos de 1980,
uma visão dicotômica da relação entre Estado e sociedade civil, na qual a aparelhagem estatal, espaço
exclusivamente burguês, era responsável pela perpetuação do poder das classes apropriadoras 2, enquanto a
“sociedade civil organizada”, de forma homogênea, constituir-se-ia no espaço de redenção das classes produtoras
diretas, supervalorizando seu papel transformador.
Sobre o caráter homogêneo da sociedade civil nos anos de 1980, Duriguetto (2003:208) observa que

[...] teceram-se loas à esfera da sociedade civil como esfera de potencial transformador,
autonomista, de representação homogênea dos interesses populares, de aversão a toda
forma de representação político-institucional e que se contraporia ao caráter autoritário,
repressivo e burocrático do Estado. Nessa direção, tem-se a valorização, em seu interior,

* Na elaboração deste texto contribuíram com informações importantes todos os autores deste livro e mais, Artur de Morais Silva,
Cláudia Araújo Santos, Anna Violeta Ribeiro Durão, Eliane Arenas Mora e Lea Cutz Gaudenzi, também membros do Coletivo de
Estudos de Política Educacional da UFF.
**
Doutora em Educação, foi docente no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), quando se
aposentou. Atualmente, é professora participante do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
Fluminense e pesquisadora visitante da FIOCRUZ.
1
Coutinho (1999:211-212), concordando com as indicações de Portanteiro (1983:124), considera o Brasil como um caso de um
“Ocidente” periférico e tardio, o que implica reconhecer que, no âmbito nacional, coexistem, ainda, fortes elementos de
autoritarismo, como um Executivo forte em detrimento do Parlamento, o uso de formas de populismo e de mecanismos
transformistas e a recorrência à tutela militar. Essa idéia é ainda reforçada nos seguintes termos: “[...] emergimos da ditadura [...]
como uma sociedade de tipo ocidental, bastante peculiarmente ocidental: trata-se, decerto, de um ‘Ocidente periférico’, como
Gramsci, nos Cadernos do Cárcere, designava países como a Itália, a Espanha, Portugal e a Grécia de seu tempo, sem excluir a
própria França. Em suma: um ‘Ocidente’ atravessado por ‘Orientes’. Sem dúvida, o Brasil não é os Estados Unidos de hoje, não é
a União Européia, mas é uma formação sociopolítica parecida com a Itália de 1930, que Gramsci não hesitou em chamar de
‘Ocidente’, ainda que ‘periférico’” (COUTINHO, 2002:24-25).
2
Wood (2003) utiliza as expressões ‘classes apropriadoras’ e ‘produtoras diretas’ para caracterizar o antagonismo de classes no
modo capitalista de produção da existência, salientando, com propriedade, a inversão existente na caracterização liberal de
classes produtoras. Os chamados ‘produtores’, na perspectiva liberal, são, na realidade, os apropriadores da riqueza gerada pelos
trabalhadores, os produtores diretos do trabalho.
das ações espontâneas, fragmentárias, que, no seu conjunto, configurariam uma
convivência democrática pautada na solidariedade, na identidade e no reconhecimento
mútuo, caracterizações que deram produto a uma visão de democracia eminentemente
exercida e vivenciada nos espaços de convivência de uma sociedade civil “popular”.

Essa percepção dicotômica, ao mesmo tempo em que vem dificultando a reflexão e o debate sobre as estratégias a
serem adotadas pelas forças reunidas em torno do projeto emancipatório da classe trabalhadora em relação ao
Estado em sentido estrito, tem, simultaneamente, impedido que essas mesmas forças apreendam os movimentos de
reorganização das várias frações da burguesia brasileira e de seus aliados, com vistas a superar a crise de
hegemonia instalada no país nos anos de pós-milagre econômico. Em suma, essa visão dicotômica tem impedido
uma percepção da sociedade civil também como locus importante de consolidação da hegemonia da burguesia
brasileira nos tempos de neoliberalismo, ou seja, como espaço privilegiado de consolidação de uma nova pedagogia
da hegemonia.
Tal visão restrita da natureza do Estado capitalista e essa visão redentora da sociedade civil têm levado ainda parcela
significativa das forças progressistas na atualidade brasileira a supervalorizar o caráter emancipador dos instrumentos
da democracia direta e, com isso, aceitar acriticamente as novas estratégias da pedagogia da hegemonia, que têm no
estimulo à ampliação dos instrumentos da democracia direta, na organização da sociedade civil, um vetor importante
da legitimação social ao projeto burguês de desenvolvimento e de sociabilidade pós-desenvolvimentismo.
A história do Brasil desenvolvimentista (1930-1989) foi, ao mesmo tempo, a história da apropriação burguesa do
Estado, para induzir o processo de modernização capitalista e desenvolver estratégias com vistas a sua legitimação
social, quer seja ampliando de forma segmentada os direitos de cidadania, quer seja inviabilizando a organização
autônoma da classe trabalhadora3.
A história da hegemonia burguesa no Brasil, porém, não se restringe à sua atuação na aparelhagem estatal. Ela se
amplia por meio da construção, na sociedade civil, de uma diversificada rede de organismos de obtenção do
consentimento ativo e/ou passivo do conjunto da sociedade, comprometidos, em níveis diversos, com diferentes
projetos societários, e também da atração de outros sujeitos políticos coletivos e de seus aparelhos a esses projetos.
Tais aparelhos privados de hegemonia, culturais e políticos, ao longo desse período histórico, ao mesmo tempo em
que disputavam a hegemonia na sociedade em seu conjunto, representavam, concomitantemente, interesses das
várias frações da classe apropriadora na disputa pela condução do projeto de desenvolvimento 4 Fontes (2004:6)
observa com muita propriedade que

[...] a ampliação do Estado, se exigiu a mediação partidária, ocorreu prioritariamente através


da integração desses setores organizados ao aparelho estatal, através de instâncias
especialmente criadas para atender a tais interesses e que se recobriam de um aspecto
“técnico” ou de defesa de “interesses nacionais”, posto que, incrustadas no Estado, dele
emanavam. Organizavam-se os interesses econômicos e uma formatação da
institucionalidade do Estado de forma a serem minimamente perturbados por eventuais
modificações introduzidas pela expressão eleitoral. Em outros termos, instaurava-se uma
separação entre econômico (o mercado e a propriedade) e o alcance da política,
desvalorizando-a. Porém sua efetivação demanda a mediação de formas ativas, que são
também políticas – organizativas e ligadas ao Estado.

A história do Brasil desenvolvimentista foi também a história das várias tentativas da classe trabalhadora de se tornar
protagonista da sua história, tentativas em boa parte inviabilizadas pelas estratégias burguesas de repressão
ostensiva, de cooptação individual e de grupos e, mesmo, pelo atendimento molecular de suas demandas, por
intermédio de processos de revolução passiva 5. Apesar disso, contraditoriamente, a modernização capitalista
empreendida pelo Estado sob a orientação burguesa ofereceu as pré-condições objetivas para que a classe
trabalhadora, no final desse período, com diferentes níveis de consciência política, edificasse na sociedade civil uma
significativa rede de aparelhos privados de hegemonia (partidos, sindicatos, movimentos sociais etc.) com vistas a
difundir e consolidar uma proposta contra-hegemônica de sociabilidade para a sociedade brasileira.
O grau de correlação de forças alcançado nos anos finais de 1980, caracterizado pelo avanço das forças
progressistas e pelo refluxo momentâneo das forças de conservação, espelhado em boa parte nos resultados do
processo constituinte e da primeira eleição direta para a presidência da República pós-ditadura militar, vem se

3
Coutinho (1999) observa que, no Brasil, as classes dominantes preferiram delegar a função de dominação política ao Estado, ao
qual coube a tarefa de “controlar” e, quando necessário, reprimir as classes subalternas.
4
Nessa perspectiva, merece destaque o excelente trabalho de pesquisa desenvolvido pela historiadora Sônia Mendonça. Do
conjunto de sua obra, destaca-se aqui O ruralismo brasileiro (1888-1931) (MENDONÇA, 1997), por analisar a natureza da
atuação da burguesia na sociedade civil já nos anos iniciais do século XX.
5
Com enfoques diferenciados, Werneck Vianna (1997) e Coutinho (1999) tratam dos processos de revolução passiva no Brasil.
42
alterando consideravelmente a partir dos anos de 1990, em um processo acelerado de ampliação da hegemonia
burguesa e de um retrocesso de uma certa robustez conquistada pelo projeto de sociedade do bloco de forças
aglutinado em torno da classe trabalhadora 6.
De um modo geral, pode-se afirmar que a história política do Brasil, a partir dos anos de 1990, tem sido a história de
recomposição, consolidação e aprofundamento da hegemonia da burguesia brasileira nesse momento de mudanças
qualitativas na organização do trabalho e da produção e da reestruturação do Estado no capitalismo monopolista
internacional e nacional. Essa história tem sido também a história de tentativas de segmentos minoritários das forças
políticas de esquerda de manter viva a utopia socialista, em face da adesão, cada vez mais significativa, de
segmentos da classe trabalhadora a postulados e ações neoliberais da terceira via, que fundamentam na nova
pedagogia da hegemonia.
Essa pedagogia que vem se efetivando por intermédio da repolitização das relações de produção está se
consolidando também por meio das redefinições da relação entre sociedade política e sociedade civil, indicando que o
americanismo que já vinha conformando a maneira de trabalhar e o cotidiano brasileiros começa também a conformar
a nossa maneira de fazer política.
No Brasil do neoliberalismo da terceira via, materializam-se, de forma cristalina, duas observações de Antonio
Gramsci. A de que a hegemonia, na cultura urbano-industrial, nasce da fábrica e necessita, para ser exercida, de uma
quantidade mínima de intermediários profissionais da política e da ideologia (GRAMSCI, 2001:247-248) e a que
ressalta o significado e o alcance objetivo do fenômeno americano, que é também o maior esforço coletivo até agora
realizado para criar com rapidez inaudita e com uma consciência de fim jamais vista na história, tendo em vista a
conformação de um tipo novo de trabalhador e de homem (GRAMSCI, 2001:266).
De fato, em vista da predominância do emprego de estratégias de superexploração da força de trabalho em
detrimento das estratégias de aumento da sua produtividade, as estratégias fordistas de obtenção do consenso ao
trabalho alienado, largamente utilizadas na Europa e nos Estados Unidos da América, mas só de modo incipiente no
Brasil naquele período, passam a ser mais largamente adotadas entre nós nos anos de automação flexível.
Os segmentos da classe trabalhadora brasileira que se mantêm empregados, além de serem contemplados com as
aplicações atualizadas dos princípios e diretrizes psicológicas que embasam as relações humanas no trabalho
industrial, vêm sendo convidados, juntamente com seus patrões, harmonicamente, a realizarem diretamente junto à
sociedade civil os denominados ‘programas de responsabilidade social’, doando aos projetos sociais da empresa
horas de seu trabalho. O trabalhador contemporâneo vai, paulatinamente, abdicando de sua função militante e
transmutando-se em voluntário. Ele vai, no seu próprio ambiente de trabalho, transfigurando-se em um cidadão
colaborador, que abdica espontaneamente do enfrentamento ao patrão na defesa dos seus direitos e das condições
de trabalho.
A sua indignação frente ao aumento da miséria, do desemprego, da precarização das relações de trabalho e do
achatamento da massa salarial não o encaminha à porta do sindicato ou ao partido político, mas à porta do setor de
pessoal da empresa, em um gesto que pode assegurar sua manutenção no posto de trabalho, ou mesmo garantir sua
progressão funcional e, ao mesmo tempo, melhorar a situação da empresa no ranking nacional e internacional7.
Essa ação circunscrita ao espaço diretamente produtivo se constitui, no entanto, em peça importante de um conjunto
de estratégias de legitimação burguesa que visam a enfraquecer politicamente a classe trabalhadora no espaço
nacional, evitando que o aguçamento das contradições resultantes das condições objetivas da exploração e da
expropriação capitalistas nos tempos de pensamento único se transforme em pressupostos objetivos para a
organização de um bloco de forças que questione os fundamentos da relação social vigente, consubstanciada no
imperialismo hegemônico global (MÉSZÁROS, 2003).
As redefinições da relação entre sociedade política e sociedade civil pressupõem alterações na estruturação da
aparelhagem estatal (ver capítulo 5 deste livro) e mudanças na natureza da sociedade civil, que, juntas, são
responsáveis pela redefinição dos marcos do processo brasileiro de ocidentalização – de uma ocidentalização de tipo
europeu, para uma ocidentalização de tipo americano (COUTINHO, 2000; 2002). Ou seja, da instauração de um
modelo de estruturação do poder que pressupõe ao mesmo tempo a despolitização da política e a repolitização da

6
Analisando a vida política do país nos anos iniciais da década de 1990, Coutinho (1992) observou que, por trás da diversidade das
propostas em disputa durante a eleição presidencial, poder-se-ia reconhecer a presença conflitante de dois projetos principais de
organização societária, com vistas a conformar a nova sociedade ocidental brasileira de acordo com um ou outro dos dois
modelos de estruturação do poder e de representação de interesses: o liberal-corporativo, ou neoliberal, e o democrático de
massas; o primeiro aglutinando interesses da burguesia e, o segundo, os interesses da classe trabalhadora.
7
Peliano (2001:33), respondendo à pergunta-título de seu trabalho realizado no IPEA – Bondade ou interesse? Como e por que as
empresas atuam na área social, não descartando as motivações humanitárias, conclui que o crescente envolvimento dos
empresários com os problemas sociais, nos anos de 1990, faz parte das mudanças nas suas estratégias, com o objetivo de atender
às novas exigências da economia globalizada na qual o país se inseria. Entre as novas estratégias, surge a questão da
responsabilidade social como fator de competitividade, ou seja, empresas socialmente ativas promovem sua imagem junto aos
consumidores, melhoram o relacionamento com as comunidades vizinhas e percebem ganhos de produtividade de seus
trabalhadores.
43
sociedade civil. Despolitização da política, no sentido da inviabilização de projetos de sociedade contestadores das
relações capitalistas de produção da existência, limitando as possibilidades de mudança aos marcos de um
reformismo político. E repolitização da sociedade civil, no sentido de fortalecimento de práticas que induzam à
conciliação de classes.
A Metamorfose da Sociedade Civil: sua Arquitetura
Embora os intelectuais orgânicos do projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via se esforcem para situar a
esfera da sociedade civil como uma esfera autônoma do ser social, separada do mercado e do Estado, como uma
esfera pública homogênea, que deve ser alargada, democratizada, para atender o interesse comum8, as evidências
históricas começam a demonstrar, em primeiro lugar, a indissociabilidade entre economia e política nas práticas dos
vários sujeitos políticos coletivos e, em segundo, a reciprocidade entre sociedade política e sociedade civil na
definição das políticas públicas e, concomitantemente, nos rumos da organização dos vários sujeitos políticos
coletivos que na sociedade civil historicamente disputam a hegemonia da sociedade brasileira republicana.
A consolidação desse novo projeto de sociabilidade burguesa vem se processando ao longo das diferentes
conjunturas de desenvolvimento do neoliberalismo no Brasil, na medida em que o Estado brasileiro, enquanto Estado
educador, redefine suas práticas de obtenção do consentimento ativo e/ou passivo do conjunto da população
brasileira.
A primeira etapa de implantação desse projeto de sociabilidade se estendeu pela primeira metade dos anos de 1990
e se encerrou com a implementação do Plano Real. Essa conjuntura caracterizou-se mais nitidamente como uma
etapa de ajuste econômico, embora algumas iniciativas de legitimação social já pudessem ser captadas. Aliás, o
próprio Plano Real se constituiu em importante mecanismo de obtenção do consentimento do brasileiro às idéias,
ideais e práticas da classe dominante e dirigente.
Seguindo as diretrizes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para os países da periferia do
capitalismo, o Estado viabilizou a abertura irrestrita do mercado nacional, o fim da reserva de mercado da informática,
a privatização das empresas estatais, o desmonte do aparato de ciência e tecnologia instalado nos anos de
desenvolvimentismo e iniciou o desmonte do Estado inspirado no modelo de Bem-Estar Social, precarizando as
políticas sociais públicas e estimulando a sua privatização. No âmbito da sociedade civil iniciou-se, por intermédio dos
meios de comunicação de massa, um processo de desqualificação da política 9 e dos políticos por meio de denúncias
de corrupção e de combate ao sindicalismo autônomo dos trabalhadores.
Proliferaram os chamados ‘novos movimentos sociais’, ou seja, aqueles que se articulam em torno de interesses não
diretamente relacionados às relações de trabalho e as organizações não-governamentais começaram a ter maior
visibilidade na arena política; as associações científicas e profissionais gradativamente retraíram-se para a defesa dos
seus interesses específicos, abandonando sua participação nos grandes debates nacionais; a Igreja Católica também
redefiniu as diretrizes de sua doutrina e suas práticas, voltando-se com maior ênfase para a evangelização de seus
fiéis; os aparelhos privados de hegemonia das diversas frações da burguesia também se reestruturaram com vistas a
criar na sociedade e nas suas bases o consenso para suas novas propostas de sociabilidade.
Especificamente quanto à educação escolar, foi um momento de difusão da ideologia da qualidade total, da
transformação dos dirigentes em gestores educacionais, do começo do sucateamento da educação superior pública e
da transformação do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) de órgão contestador das políticas
oficiais, nos anos finais da ditadura militar e dos anos de abertura política, em instrumento difusor das políticas
neoliberais para a educação básica.
A segunda etapa correspondeu aos dois governos Fernando Henrique Cardoso. Esses governos voltaram-se,
prioritariamente, à reestruturação do Estado, nas suas funções econômicas e ético-políticas. De produtor direto de
bens e serviços, o Estado passa a coordenador de iniciativas privadas. A privatização se impõe como a principal
política estatal. Na área social, a privatização, complementada por políticas de descentralização, fragmentação e
focalização (NETTO, 1999; BOITO, JR., 1999; LAURELL, 2000), constitui-se em importante instrumento viabilizador
das estratégias governamentais de coesão societal e da educação de uma nova cidadania, “ativa e responsável”,
baseada na prestação pelos indivíduos e por grupos de “serviços sociais” (ver, especificamente, o capítulo 5 deste
livro).
Na proposta do primeiro governo FHC – Mãos à Obra, Brasil (CARDOSO, 1994), já estavam definidas suas diretrizes
em relação à reestruturação do Estado e criação de novas formas de articulação entre aparelhagem estatal e
sociedade civil. Claramente, o seu capítulo V – A parceria Estado-sociedade já anunciava:

8
Montaño (2002) e Duriguetto (2003) realizaram importantes estudos sobre a gênese e a natureza do conceito de sociedade civil,
na perspectiva neoliberal.
9
Diniz e Boschi (2000), em Fontes (2004), observam que um dos mais importantes temas a unir o conjunto dos grupos dominantes
na arena eleitoral é a própria desqualificação da política. Não é um ‘afastamento’ da política, mas uma forma específica de atuar
politicamente. Trata-se de uma política ativa, constante e permanente, que simultaneamente instaura os elementos de
representação parlamentar, reconstitui as formas de relação direta entre os organismos associativos empresariais (quer sejam de
novo ou velho feitio) e o aparelho de Estado, isolando as decisões mais consistentes do terreno parlamentar.
44
[...] é necessário reformar o Estado: aprofundar a democratização, acelerar o processo de
descentralização e desconcentração e, sobretudo, ampliar e modificar suas formas de
relacionamento com a sociedade [...]. Caberá, em primeiro lugar, criar novos canais de
participação e controle público, além de dinamizar os já existentes, multiplicando as
experiências de gestão multilateral e desprivatizando o Estado, isto é, libertando a
administração governamental dos interesses particulares que hoje a aprisionam. Caberá, em
segundo lugar, dinamizar, apoiar e promover a multiplicação de espaços de negociação de
conflitos, onde interesses divergentes possam ser representados e soluções negociadas
possam ser buscadas, em benefício do interesse público. Caberá, em terceiro lugar, definir e
apoiar formas novas de parceria [...] entre o Estado e a sociedade, de modo a permitir, por
um lado, que diferentes instituições da sociedade como as empresas , os sindicatos, as
universidades assumam a co-responsabilidade por ações de interesse público; por outro,
que a comunidade organizada estabeleça suas prioridades, administre os recursos
comunitários de forma honesta, transparente, racional e eficiente e desenvolva a capacidade
de cuidar de si mesma (CARDOSO, 1994:208-209, grifo nosso).

Tão logo assume a presidência da República, FHC cria, sob a direção da própria presidência, o Programa
Comunidade Solidária. Tendo como foco aglutinador o combate a situações agudas ou extremas de pobreza, esse
programa, de fato um órgão de governo, incumbiu-se de implementar as diretrizes previstas para a nova orientação
das relações entre o governo recém-eleito e os vários organismos da sociedade civil 10. Além de cumprir o importante
papel de pólo aglutinador de forças político-sociais para implementação das ações educadoras da sociabilidade
neoliberal na sociedade civil, o Programa Comunidade Solidária desempenhou ainda papel fundamental na
elaboração do seu arcabouço jurídico, em especial, na elaboração da Lei das Organizações Sociais (OS) de 1998, da
Lei do Voluntariado, em 1998, e da Lei nº 9.790/99, que cria as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIPs) (ver os capítulos 5 e 6 deste livro).
Entretanto, em 2000, por iniciativa da à época primeira-dama, Sra. Ruth Cardoso, responsável por essa estratégica
ação governamental, foi criada uma organização de interesse público – Comunitas – para garantir a continuidade dos
programas gerados pelo Programa Comunidade Solidária de 1995 a 2002, após o término do segundo governo FHC.
Os dados referentes a Comunitas dão uma idéia da abrangência alcançada pelo Programa Comunidade Solidária em
iniciativas voltadas para “o fortalecimento da sociedade civil e a promoção do desenvolvimento social”, “com o apoio
essencial do mundo empresarial” 11. A Comunitas possuía, em 2004, programas de educação e desenvolvimento em
27 estados, dois mil municípios e nove regiões metropolitanas; conta com grande número de agentes
multiplicadores12 e estabelece significativas parcerias e articulações em rede13. Ao transferir para a Comunitas todo o
aparato público construído nos oito anos de governo FHC, a então primeira-dama pôde continuar a exercer na
sociedade civil uma atividade significativa de obtenção do consenso para o projeto de sociabilidade neoliberal da
terceira via, sob o comando do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB).
Se o primeiro governo FHC se propôs a implantar uma nova relação entre Estado e sociedade, o segundo (1999-
2002), diante dos avanços já conquistados, comprometeu-se a radicalizar a democracia, abrindo a participação
coletiva na construção da “sociedade de bem-estar”14 (CARDOSO, 1998:270), após avaliar que nos quatro primeiros
anos de seu governo incentivou com atos, recursos e palavras, como nunca antes se fez em âmbito nacional, o
desejo de participação latente ou manifesto de mulheres e homens, jovens e idosos, das mais diferentes condições
sociais (CARDOSO, 1998:269).
Movido pela convicção de que “o fortalecimento da sociedade civil, mediante o envolvimento espontâneo das pessoas
em atividades cívicas e coletivas as mais diversificadas, [...] é um instrumento simplesmente insubstituível para a

10
Teixeira (2002:122-123) observa que, sob a égide da solidariedade, o programa teve como efeito a transferência das
responsabilidades públicas para as comunidades, famílias e indivíduos, assim como o desmonte de espaços construídos na
interface entre o Estado e a sociedade, selecionando suas “parcerias” em articulações diretas do Executivo federal com
organizações sociais. Coube ao Conselho do Programa Comunidade Solidária a direção e o controle dessas iniciativas:
monitorar, avaliar e sistematizar as experiências para a futura construção de novos padrões e modelos de atuação na área social.
11
Disponível em: <http://www.cuminitas.org.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.
12
A Comunitas envolve 175 mil alfabetizadores, 23 mil estudantes e professores universitários, 5.600 gestores sociais, 2.300
agentes de desenvolvimento local integrado e sustentável, 2.600 ONGs e outras organizações. Disponível em:
<http://www.comunitas.org.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.
13
São 700 fóruns de desenvolvimento local nos municípios mais pobres, 400 universidades colaborando em rede, 76 associações
de artesãos, 45 centros de voluntariado, 48 espaços jovens, 10.500 instituições, grupos e voluntários conectados em rede.
Disponível em: <http://www.comunitas.org.br>. Acesso em: 5 nov. 2004.
14
Proposta idêntica à feita por Giddens (2001a) em A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social-
democracia.
45
conquista do progresso social”, o segundo governo FHC, por meio do exemplo e da persuasão, como materiais
complementares das reformas de natureza institucional na construção da nova cidadania, dedicou-se a incentivar a
participação, a solidariedade e o senso de responsabilidade social de todos os brasileiros (CARDOSO, 1998:271,
308).
Tal direção baseou-se na perspectiva do presidente da República e das forças políticas aliadas de que

[...] só existe cultura cívica digna do nome quando as pessoas acreditam que a participação
em questões situadas fora da vida particular é uma obrigação moral para com a comunidade
e o país [...], razão porque o cotidiano se constituiu no espaço por excelência da
participação, uma vez que nele se encontram o público, o privado e o estatal 15 (CARDOSO,
1998:309).

Em suma, foram esses fundamentos norteadores de todas as políticas governamentais que efetivaram a
desresponsabilização direta e universal do Estado pela proteção ao trabalho e estimularam o desenvolvimento de um
associativismo prestador de serviços sociais de “interesse público”, em oposição ao associativismo majoritariamente
reivindicativo de direitos dos anos de 1980.
A terceira etapa desse projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via se iniciou com a vitória de Lula da Silva para
a presidência da República no período de 2003 a 2006. Ela tem por objetivo dar continuidade à execução de reformas
estruturais, em especial daquelas que visam à desregulamentação das relações de trabalho (reformas da Previdência,
trabalhista e sindical) e aprofundar o modelo de radicalização democrática iniciado no segundo governo FHC. O
governo Lula da Silva, pelo menos até o seu segundo ano de mandato, vem mantendo a mesma política econômica
monetarista do seu antecessor e, no plano político, vem tentando consolidar a formação do novo homem coletivo
indispensável ao projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via.
O Estado, não sem tensões e contradições, vem intensificando, com todos os instrumentos legais e ideológicos a seu
dispor, o seu papel de educador, ou seja, de instrumento de conformação cognitiva e comportamental do brasileiro ao
projeto de sociabilidade burguesa implementado pelos governos anteriores. O governo Lula da Silva vem se propondo
a realizar um pacto nacional ou, em outros termos, a submissão consentida do conjunto da sociedade às idéias, ideais
e práticas da classe que detém a hegemonia política e cultural no Brasil de hoje, por intermédio de sua reeducação
técnico-ético-política.
Em seu programa de governo, Um Brasil para todos: crescimento, emprego e inclusão social, Lula da Silva se propôs
a racionalizar, unificando, as políticas focalizadas e fragmentadas adotadas por seu antecessor, de modo a evitar a
superposição de ações, mas não se propôs a alterar substantivamente as estratégias estatais de legitimação social 16.
A parceria continuou a ser o eixo norteador da nova relação entre Estado e sociedade civil, voltado
predominantemente para a prestação de serviços sociais às populações “excluídas” e também para aumentar a auto-
estima dos cidadãos discriminados da sociedade brasileira, “com a ajuda de milhares de organizações que fazem
parte do chamado ‘terceiro setor’17 e dos investimentos sociais das empresas socialmente responsáveis”
(COLIGAÇÃO LULA PRESIDENTE, 2002:41).
O próprio governo, avaliando seus 18 meses de atuação, constata que tem havido um grande empenho em promover
a democratização da administração pública federal e, ainda, que a interlocução com todos os segmentos da
sociedade civil e com os estados e municípios pautou sua atuação e traduz um novo jeito de governar que tem no
diálogo a forma de equacionar democraticamente os conflitos e construir a união de todos os brasileiros Explicitando o
compromisso com o diálogo, salienta o esforço de interlocução que vem sendo empreendido com entidades
empresariais, centrais sindicais, ONGs, fundações, igrejas, universidades, intelectuais e estudantes, destacando a
importância da interlocução permanente com as igrejas e das parcerias que daí resultam em projetos de interesse
público, especialmente na área social18 (BRASIL, 2004c:62).
Além de enfatizar a relevância do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) na promoção do diálogo
entre Estado e sociedade, nos 18 primeiros meses de governo, destaca a sua missão de produzir coesão social em

15
Montaño (2002), especialmente nas conclusões (p. 259-280), analisa criticamente as relações entre vida cotidiana e sociedade
civil e suas conseqüências na estruturação e dinâmica das relações de poder.
16
Disponível em: <http//www.pt.org.br>. Acesso em: 5 set. 2004.
17
O terceiro setor, construção teórica e ideológica neoliberal difundida no Brasil nos anos de 1990 para dar conta do aparecimento
na cena política desses novos aparelhos privados de hegemonia, além de contribuir para naturalizar a privatização das políticas
públicas neoliberais, proporciona uma visão homogeinizadora da complexa organização da sociedade civil, retirando sua
dimensão política de enfrentamento de classes. (Montaño, 2002; Marcelo MELO, 2004).
18
De forma inédita na história brasileira contemporânea, o presidente Lula da Silva presidiu a reunião anual da Confederação
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 2003 e se fez presente no CONCUT nesse mesmo ano. Do mesmo modo, o seu
governo realizou encontro com a Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais (ABONG), propondo uma ação
conjunta entre governo e as ONGs filiadas na execução de suas “ações sociais”.
46
torno de uma agenda nacional que estabeleça acordos para promover o desenvolvimento (BRASIL, 2004c:62) (ver
capítulo 5 deste livro).
Vem desempenhando importante papel pedagógico na formação do novo homem coletivo, no governo Lula da Silva, o
Programa Fome Zero. Esse programa, que substituiu o Comunidade Solidária, teve impacto catalizador do consenso
ativo/passivo do conjunto da sociedade às diretrizes governamentais semelhante ao atingido pelo Plano Real – plano
de estabilização monetária que, à época, debelou o “fantasma” da inflação, contribuindo decisivamente, de modo mais
sistemático, para a redefinição do modelo de desenvolvimento brasileiro – uma vez que tanto a referida inflação como
o agravamento da miséria nos dias atuais mobilizaram/mobilizam intensamente corações e mentes de parcela
significativa da população.
Considerado uma das principais políticas públicas do governo federal, o Fome Zero tem por objetivo “possibilitar a
todos os brasileiros o recebimento de quantidade adequada de alimentos, com qualidade e regularidade e contribuir
para a inclusão social de aproximadamente 11 milhões de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza”, por meio
da colaboração de todos os níveis de governo e da “sociedade civil organizada” (BRASIL, 2004c:36).
Vale ressaltar que aqui a sociedade civil organizada não mais se refere a uma esfera de potencial transformador,
autonomista, de representação homogênea dos interesses populares, de aversão a toda forma de representação
político-institucional que se contraporia ao caráter autoritário, repressivo e burocrático do Estado, conforme foi
concebida por significativas forças progressistas do cenário político nacional dos anos de 1980 e que, inclusive, fazem
parte do bloco de sustentação política do atual governo. Essa “nova” sociedade civil organizada é concebida como
uma esfera pública não-estatal de cidadania, como espaço de interação social que, também homogeneamente,
aglutina esforços na direção do bem comum, do interesse público (DURIGUETTO, 2003).
Essa segunda acepção vem norteando parcela majoritária das ações do Programa Fome Zero. Com vistas a cuidar da
parceria com a sociedade civil organizada, o governo Lula da Silva criou um gabinete de mobilização social do
Programa Fome Zero, que, ao lado do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, congregou
empresas, denominações religiosas, ONGs, sindicatos e escolas em um mutirão de combate à fome. Desse mutirão
resultaram: doações em dinheiro e equipamentos na ordem de 25 milhões de reais, no período de janeiro de 2003 a
abril de 2004; a apresentação de projetos de inclusão social por parte de 96 empresas; e autorização do uso da
logomarca do Programa Fome Zero por parte de 1.412 instituições.
A Mobilização Social criou ainda uma rede de mais de 600 educadores populares – o Talher –, formados sob a
orientação da Fundação Roberto Marinho, que, em todos os estados do Brasil, cuida da educação cidadã dos agentes
e dos beneficiários do Programa Fome Zero, realizando capacitação, direitos humanos e civis, para promover o
fortalecimento dos movimentos sociais, o acompanhamento de políticas públicas e a implementação dos programas.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome articula ainda parcerias para a viabilização de projetos,
como a implantação de restaurantes populares nas grandes cidades e construção de cisternas para captar água de
chuva. Já foram construídas nos 18 meses do governo Lula da Silva 10 mil cisternas na região do semi-árido
brasileiro, em associação com a Federação Brasileira das Associações de Bancos (FEBRABAN) 19.
O Programa Fome Zero já foi implantado em 1.227 municípios. Seu carro-chefe tem sido até então o Programa Bolsa
Família, lançado em outubro de 2003. Esse programa unificou os programas de transferência de renda então
existentes, inclusive o cartão-alimentação, criado no início de 2003 como instrumento de segurança alimentar e
nutricional. Em relação a seu antecessor, o programa ampliou expressivamente o número de famílias atendidas, bem
como o valor do benefício concedido (de R$28,00 para R$75,43 em média por família). Até junho de 2004, o
programa havia atendido a mais de 4 milhões de famílias em 5.461 municípios (BRASIL, 2004c:38)20.
Desse modo, utilizando o mesmo apelo à consciência individual e coletiva de “todos” 21, o governo Lula da Silva, dando
um tratamento compensatório à fome de amplos segmentos da população, vai conquistando o consentimento dos
brasileiros a seu modo de governar, construindo, sob a direção petista, uma ampla rede nacional de sustentação
política, tendo como pólos irradiadores a esfera municipal de poder e os mais diferentes organismos da sociedade civil
que atuam em movimentos diversos e complementares com vistas a manter a coesão social. O governo tem como
marca o slogan “Brasil, um país de todos”. Se nos anos de 1980 essa mensagem poderia ser facilmente traduzida
como uma disposição governamental de tornar universais os direitos civis, políticos e sociais dos brasileiros, ou
mesmo de instalar no Brasil uma democracia socialista, o que pressupunha democratização econômica, política e

19
ANANIAS, Patrus; BETTO, Frei. Um projeto de nação. O Liberal, PA, 24 jun. 2004. Disponível em:
<http://www.fomezero.gov.br>. Acesso em: 7 nov. 2004.
20
Embora o Bolsa Família tenha por objetivo evitar a superposição de benefícios e fraudes, no decorrer do processo eleitoral de
2004 foram muitas as denúncias de recebimento indevido do benefício. A título de exemplo: O Globo (9 nov. 2004, O País, p.
10) divulgou que auditoria realizada pela Controladoria Geral da União concluiu pelo uso eleitoral do programa na cidade de
São Francisco de Itabapoana (Rio de Janeiro).
21
O Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou pesquisa constatando que 47,4 milhões de
brasileiros, em 2003, não tinham dinheiro para comprar a cesta de alimentos que lhes garantisse o consumo diário de 2.888
calorias, nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). (O Globo, Rio de Janeiro, 14 out. 2004, Economia, p.
23).
47
social do país, a partir dos anos de 1990 parece estar sendo ressignificado no sentido da inclusão mínima das massas
“excluídas”, que vivem no país em condições subumanas. Outro significado provável para “Brasil, um país de todos”,
no contexto do neoliberalismo da terceira via, seria o de um país da concertação social, do pacto nacional, do
reformismo político em voga. Por meio dessas idéias e práticas, o governo Lula da Silva vem contribuindo para
redefinir o padrão nacional de politização fordista, com vistas a sedimentar os pilares da nova pedagogia da
hegemonia, tendo como diretriz político-ideológica a radicalização da democracia proposta conjuntamente pelos
organismos internacionais, pelos participantes da Governança Progressista, pelos intelectuais orgânicos da nova
social-democracia brasileira, quer na sua versão “psdbista”, quer na sua versão petista.
Metamorfoses da Sociedade Civil: sua Dinâmica
Também no Brasil a nova pedagogia da hegemonia vem se processando por meio da implementação, pelo Estado, e
também diretamente pela própria burguesia, de ações diversas e complementares com vistas à obtenção do
consenso da sociedade e de reeducação ético-política, individual e coletiva, dos cidadãos brasileiros, objetivando
alterar o nível bastante equilibrado da correlação de forças entre os projetos societais em disputa nos anos de 1980.
Embora organicamente indissociáveis na realidade concreta, formando uma teia de múltiplas interconexões, essas
ações culturais e políticas podem ser didaticamente fragmentadas, para que se possa ter uma visão mais clara da
especificidade de sua participação na formação do novo homem coletivo na sociedade brasileira contemporânea. O
primeiro grupo de ações se dirige à formação de valores para a nova sociabilidade e ao incentivo a uma participação
voltada para a mobilização política pautada em soluções individuais; o segundo dirige-se à repolitização dos
aparelhos privados de hegemonia da classe trabalhadora, rebaixando o nível de consciência política atingido nos anos
de 1980, do nível ético-político para o econômico-corporativo; o terceiro, refere-se ao estímulo à criação de novos
sujeitos políticos coletivos, dedicados à defesa de interesses extra-econômicos e à execução das políticas sociais
governamentais.
A Difusão de uma Nova Cultura Cívica
Têm tido papel estratégico na difusão da nova cultura cívica neoliberal, especialmente, três aparelhos privados de
hegemonia: a mídia, a escola e as igrejas, em especial, a Igreja Católica.
Em boa parte, os veículos de comunicação de massas – jornais, revistas, rádio e TV –, com forma e intensidade
diversas, vêm se constituindo em implementadores exemplares das estratégias da nova pedagogia da hegemonia, por
meio do estímulo ao desenvolvimento de ações denominadas de responsabilidade social. As atividades sociais
desenvolvidas pelas Organizações Globo, devido à abrangência, o prestígio e o poder de persuasão alcançados por
essa empresa, constituindo-se, inclusive, em importante ator coadjuvante da história brasileira contemporânea,
oferecem indicações da direção que vem norteando as ações da empresa midiática em geral na difusão do projeto
burguês de sociabilidade. Dentre as ações sociais desenvolvidas por essa empresa, merecem destaque as atividades
educacionais postas em prática pela Rede Globo de Televisão 22 e Fundação Roberto Marinho.
Atuando com uma multiplicidade de parceiros, incluindo instituições públicas internacionais e nacionais, organizações
da sociedade civil e empresas, a Rede Globo desenvolve atualmente os seguintes projetos: Ação Global, Globo
Serviço, Criança Esperança, Amigos da Escola, Portal do Voluntário, Merchandising Social e, mais recentemente,
Geração da Paz.
O Ação Global, em parceria com o Serviço Social da Indústria (SESI), cataliza o esforço voluntário da sociedade para
oferecer a comunidades carentes em todo o território nacional “um dia de cidadania”, ou seja, uma oportunidade de
obtenção de documentos, de assistência jurídica, informações sobre saúde, cultura e lazer. O Globo Serviço, por sua
vez, desenvolve campanhas próprias de utilidade pública e veicula campanhas organizadas por outros formadores de
opinião. O Criança Esperança é uma campanha realizada anualmente com uma massiva publicidade, para angariar
recursos com vistas a desenvolver ações sociais que beneficiem crianças e jovens em situação de vulnerabilidade,
em conjunto com a UNESCO. Essa campanha arrecadou, nos 18 anos de sua veiculação global, 131 milhões de
reais, para repartir entre 4.700 projetos sociais, atingindo um público de 2,7 milhões de crianças e adolescentes em
todo o país23. Mesmo que não tenha propósitos universalizantes, considerando o poder de persuasão desse canal de
televisão e o tempo de vigência da campanha, pode-se considerar insignificante o total arrecadado e o número de
“carentes” atendidos, se comparado ao número total de indigentes do país. É inversamente proporcional o efeito
multiplicador dessa iniciativa global na difusão de duas importantes ideologias: a do voluntariado e a da
responsabilidade social. Resultado ideológico semelhante vem sendo alcançado pelo Amigos da Escola, já que, ao

22
A Rede Globo cobre praticamente todo o território nacional, sendo vista por 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros: possui
113 emissoras entre geradoras e afiliadas. É líder de audiência, alcançando 74% de share no horário nobre, 56% no matutino,
59% no vespertino e 69% no noturno. No mercado publicitário, sua participação corresponde a 75% do total de verbas
destinadas à mídia televisiva. A Fundação Roberto Marinho foi criada em 1997 pelo jornalista Roberto Marinho com o objetivo
de mobilizar os veículos de comunicação das Organizações Globo em favor do desenvolvimento social, com foco na educação.
Disponível em: <http://www.redeglobo.com.br>. Acesso em: 12 nov. 2004.
23
O Criança Esperança teve em 2004 uma arrecadação recorde, registrando crescimento de 78% em relação ao arrecadado em
2003, o que pode estar a indicar uma maior anuência da sociedade às diretrizes políticas hegemônicas. Disponível em:
<http://www.criancaesperanca.globo.com.br>. Acesso em: 01 dez. 2004.
48
envolver na sua divulgação astros de televisão muito queridos da população, consegue dar credibilidade a essas duas
ideologias24.
O Amigos da Escola, iniciado em 2000, tem por objetivos, segundo a emissora, contribuir com a educação pública
fundamental, por meio da mobilização da sociedade para o exercício da responsabilidade social, e fortalecer a
formação de ações voluntárias para colaborar com a educação pública. Também de abrangência nacional, o Amigos
da Escola já conta com mais de 27 mil escolas cadastradas nas várias regiões do país 25.
A Rede Globo e o Comunidade Solidária e, posteriormente, a ONG Comunitas 26, tiveram papel relevante na difusão
das idéias e práticas do voluntariado no espaço nacional. O voluntariado, ao canalizar a indignação e o sentimento de
impotência do homem em face das profundas injustiças sociais, tende a evitar que esses impulsos se transformem em
impulso de constituição de sujeitos políticos coletivos contestadores da ordem estabelecida. De forma cristalina, o
Portal do Voluntário27 expõe os objetivos individualizantes dessa ação política, nos seguintes termos 28:

Ao doarem sua energia e sua generosidade, os voluntários estão respondendo a um impulso


humano básico: o desejo de ajudar, de colaborar, de compartir alegrias, de aliviar
sofrimentos, de melhorar a qualidade da vida em comum. Compaixão e solidariedade,
altruísmo e responsabilidade são sentimentos profundamente humanos e são também
virtudes cívicas.

Dentre as ações desenvolvidas pela Rede Globo, vale destacar ainda o Merchandising Social29. Esse tipo de
publicidade é feito por meio de mensagens inseridas na teledramaturgia da emissora. Para que se possa ter uma
noção mais exata da dimensão educadora desse tipo de publicidade, vale registrar que de 1999 a 2003 foram
contabilizadas 1.468 inserções “socioeducativas” no seriado Malhação, destinado ao público jovem 30.
Embora as chamadas ações sociais da Rede Globo tenham maior visibilidade social, o papel educativo na
conformação de uma nova cultura cívica das Organizações Globo se estende pelas demais empresas, merecendo
destaque, tanto pelo pioneirismo, volume e abrangência das iniciativas, como pelo foco de sua atuação, a Fundação
Roberto Marinho (FRM).
Criada em 1977, essa fundação vem atuando na preservação e revitalização do patrimônio histórico e cultural, na
educação de jovens e adultos (com vistas à sua inclusão social) e em meio ambiente, por meio de projetos de
conscientização e valorização31. Com esse objetivo vem desenvolvendo, desde 2000, 35 projetos, dos quais 23
voltados especificamente para a educação 32.
É intensa a colaboração entre governo e FRM na execução de projetos. De fato, tal colaboração se constitui em uma
via de mão dupla: ora o governo financiando ações da fundação, ora a FRM participando de iniciativas
governamentais, nas três esferas administrativas 33. O projeto Educação à Mesa, por exemplo, nasce como uma ação
do Programa Fome Zero, com o objetivo de capacitar os mobilizadores sociais do programa, e conta com recursos

24
Disponível em: <http://www.redeglobo.com.br>. Acesso em: 12 nov. 2004.
25
Disponível em: <http://www.redeglobo.com.br>. Acesso em: 12 nov. 2004.
26
No âmbito do Programa Voluntários da Comunidade Solidária, foram construídos 36 centros de voluntariado, que já atuam nas
principais cidades de 17 unidades da Federação. O BNDES, inclusive, destinou R$1,4 milhão para a ampliação desses centros
em 2004. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/noticias/not424.asp>. Acesso em: 20 jun. 2004 .
27
Sítio de conteúdos, experiências e oportunidades de ação voluntária, lançado em dezembro de 2000, para comemorar o início do
Ano Internacional do Voluntário (2001), consagrado pela ONU, em parceria com a EMBRATEL, Bank of Boston e IBM.
28
Disponível em: <http://www.redeglobo.com.br>. Acesso em: 12 nov. 2004.
29
A Rede Globo desenvolve ainda, a partir de 2002, o projeto Geração da Paz, em parceria com: Fundação Roberto Marinho,
SESC, Viva Rio, FIRJAN, FECOMÉRCIO, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, com vistas à
aceleração da aprendizagem, concessão de bolsas e estágios e fortalecimento da auto-estima para reduzir o índice de violência.
30
Em 2002, essa iniciativa recebeu o prêmio Business in the Community, concedido pela primeira vez a uma empresa não-
européia ou dos EUA pelas associações empresariais inglesas (A Globo e seus fortes instrumentos. Carta Capital, São Paulo,
ed. especial, p. 26, ago. 2004).
31
Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 05 nov. 2004.
32
São os seguintes os projetos voltados para a educação. Acelerar Jovem, Aprender a Empreender, Casa da Família, Casa da
Família de Goiás, Ciranda da Educação, Globo Ciência, Maré do Saber, Meu Negócio é Turismo, Multicurso, Poronga, Prêmio
Gestão Escolar, Prêmio Jovem Cientista, Prêmio Jovem Cientista do Futuro, Rocinha do Saber, Série Educação à Mesa,
Sexualidade – Prazer em Conhecer, Tá na Roda, Tecendo o Saber, Telecurso 2000, Telecurso Comunidade, Tempo de Acelerar,
Tempo de Avançar. Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 05 nov. 2004.
33
São os principais “parceiros” da FRM na área de educação: FIESP, CNI, Governo Federal, governos estaduais, SEBRAE, TV
Globo, Schering. Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 05 nov. 2004.
49
dos ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Saúde e Educação. O Telecurso 2000 34, que abrange
o ensino fundamental, o ensino médio e a profissionalização na área de Mecânica, por sua vez, interage com o
Ministério da Educação e mais oito ministérios, além de 27 secretarias estaduais de Educação. O Multicurso Ensino
Médio de Matemática, seguindo as diretrizes curriculares do MEC e abrangendo mais de 100 mil alunos e professores
da rede estadual de ensino médio de Goiás, é uma ação conjunta com o governo desse estado, a secretaria de
Educação e a Fundação Pró-Serrado. O governo federal e a RADIOBRÁS se associam à Fundação Roberto Marinho
também no projeto Rocinha do Saber. O projeto Tá na Roda, que é um programa educativo da TV Futura, é realizado
com o governo do estado de São Paulo e sua Secretaria de Educação. O projeto Poronga, por seu turno, é executado
com o governo do estado do Acre. O Prêmio Jovem Cientista é fruto do trabalho conjunto entre a FRM e o CNPq 35.
Tais evidências contribuem para corroborar, no nível empírico, o conceito gramsciano de Estado ampliado e,
simultaneamente, para refutar a tese liberal da despolitização da sociedade civil. Aliás, a repolitização da sociedade
civil sob a direção da burguesia fica evidenciada, ainda, na execução do Telecurso 2000 e, também, na programação
da TV Futura.
O Telecurso 2000, tendo como importante “garoto-propaganda” Vicente de Paulo da Silva – Vicentinho36 – ex-
presidente da CUT e deputado federal (PT/SP), constitui-se no maior programa de educação a distância em execução
no país37. Dez emissoras de televisão transmitem em sua programação as aulas do Telecurso 2000, que segue as
orientações curriculares do Ministério da Educação. Além de assistir ao programa em casa, o aluno pode se dirigir a
uma de suas inúmeras telessalas, localizadas em empresas, igrejas, escolas públicas e comunidades espalhadas
pelo território nacional, sob a regência de orientadores de aprendizagem devidamente capacitados no uso da sua
metodologia de ensino e, também, na difusão de noções sobre trabalho e da nova cidadania.
A TV Futura, segundo a própria emissora, é um empreendimento conjunto da FRM com CNI, CNN, CNT, FIESP,
FIRJAN, Fundação Bradesco, Fundação Itaú Social, Fundação Vale do Rio Doce, Instituto Airton Senna, Rede Globo,
Schering, SEBRAE e Votorantin. Único canal de televisão a desenvolver um trabalho presencial por meio da
Audiência Dirigida, é uma rede formada por mais de 10 mil instituições, entre escolas, creches, presídios e hospitais,
que utilizam seus programas como ferramentas de educação. A TV Futura dispõe de um elenco apreciável de 73
programas educativos, cujos conteúdos abrangem as alternativas de oportunidades de ingresso e permanência no
mercado de trabalho38 e temas formadores da nova cultura cívica, como, por exemplo, o programa Ação, série de
programas comandados por Serginho Groisman, apresentador de televisão dedicado ao público jovem, que discute a
situação educacional do Brasil, sugerindo soluções baseadas, em geral, em iniciativas privadas; o Brava Gente
Brasileira, programa jornalístico que apresenta experiências comunitárias bem-sucedidas para solução dos problemas
sociais e educacionais que possam ser aproveitadas em outras localidades; Telecurso 2000: A Hora do Brasileiro,
série integrante do Telecurso 2000, que tem por objetivo abordar a participação de todos os cidadãos brasileiros nos
temas político-sociais. Jornal Futura, telejornal que noticia os acontecimentos na área da educação 39. Os programas
da TV Futura, em especial os relativos às questões de trabalho e de cidadania, são, em boa parte, veiculados pela
Rede Globo, o que amplia consideravelmente o seu alcance ético-político.
Tal como os meios de comunicação de massa, o aparelho escolar também tem tido um papel pedagógico
fundamental na conformação do novo homem coletivo requerido pelo neoliberalismo da terceira via. Sob essa
perspectiva, de modo mais sistemático, a partir de 1995, vêm sendo postas em prática reformas educacionais que
alteram substantivamente as funções econômicas e político-sociais da escola brasileira. Essas reformas têm por
finalidade formar, no espaço nacional, intelectuais urbanos de novo tipo, ou seja, especialistas e dirigentes que, do
ponto de vista técnico, possam aumentar a competitividade e produtividade do capital, nos marcos de um capitalismo
periférico e, do ponto de vista ético-político, possam criar e difundir uma nova cidadania política, baseada na
colaboração de classes, corroborando a tese gramsciana de que a escola tem, no mundo contemporâneo, a função
primordial de formar intelectuais de diferentes níveis (NEVES, 2004b).
A educação escolar do Brasil desenvolvimentista, embora já apresentasse características fortes de uma educação
voltada para a formação do intelectual de tipo urbano nos centros dinâmicos da expansão capitalista, especialmente
nas áreas urbanas das regiões Sudeste e Sul, manteve uma mescla ainda significativa de uma educação voltada à
formação de um intelectual de tipo rural, especialmente nas regiões onde a difusão do industrialismo se processou em

34
O Telecurso 2000 é uma iniciativa conjunta da FRM e o Sistema FIESP, contando ainda, entre outros colaboradores, com 26
federações de indústrias, 74 universidades e três centrais sindicais: CUT, CGT e Força Sindical. Disponível em:
<http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 05 nov. 2004.
35
Disponível em: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>. Acesso em: 05 nov. 2004.
36
A foto e o texto de Vicentinho abrem o sítio na internet do Telecurso 2000.
37
Transmitem atualmente o Telecurso 2000: TV Futura, TV Globo, TVE, TV Cultura, TV Vida, TV Minas, Sistema
SEST/SENAI, Globo Internacional, TV Ceará e TV Escola.
38
Pequenas Empresas Grandes Negócios; Vestibular Mercado de Trabalho, Como Abrir seu Próprio Negócio; Juntos somos
Fortes; Feito a Mão e Futura Profissão.
39
Para uma visão panorâmica da programação da TV Futura, acesse: <http://www.fundacaorobertomarinho.com.br>.
50
um ritmo mais lento (NEVES, 2004b) e em decorrência também da ainda forte presença da Igreja Católica na
constituição da formação social brasileira e da organização da educação escolar 40. A estruturação do Brasil urbano-
industrial se fez mantendo, em boa parte, a arquitetura econômica e ético-política do Brasil agrário. A estruturação do
sistema educacional brasileiro espelha esse imbricamento entre o jesuítico e o laico.
Esse processo inconcluso e heterogêneo da formação do intelectual urbano-industrial no espaço nacional sofre
redefinições a partir dos anos de neoliberalismo. Seguindo as mesmas determinações internacionais para a periferia
capitalista (Adriana MELO, 2004), as reformas educacionais brasileiras já implementadas ou em processo de
implantação visam, do ponto de vista técnico, à formação de um homem empreendedor e, do ponto de vista ético-
político, à formação de um homem colaborador, características essenciais do intelectual urbano na atualidade, nos
marcos da hegemonia burguesa. Esse intelectual urbano de novo tipo a ser formado pelo sistema educacional sob a
hegemonia burguesa, na atualidade, deverá apresentar uma nova capacitação técnica, que implique uma maior
submissão da escola aos interesses e necessidades empresariais e uma nova capacidade dirigente, com vistas a
“humanizar” as relações de exploração e de dominação vigentes.
Nessa dupla perspectiva, foram realizadas pelos dois governos FHC, entre outras, as seguintes iniciativas:
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e seu subseqüente aparato regulatório;
reforma da educação tecnológica e do aparato de formação técnico-profissional; implantação do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), enquanto
mecanismo de desconcentração da educação fundamental; privatização, fragmentação e empresariamento da
educação superior; alterações na formação de professores para os diferentes níveis e modalidades de ensino;
definição de novos parâmetros e diretrizes curriculares e seus instrumentos de avaliação (ver capítulo 7 deste livro).
Os programas educacionais que começam a ser apresentados como prioritários pelo governo Lula da Silva, como o
Brasil Alfabetizado: alfabetizar para incluir, bem como a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (FUNDEB) e a reforma da educação superior dão continuidade às políticas implementadas pelos
dois governos FHC, com vistas à formação de uma subjetividade neoliberal.
O programa Brasil Alfabetizado: alfabetizar para incluir, como diz o próprio nome, com o objetivo de alfabetizar para
incluir educacional e socialmente, inserindo o estudante no mundo do conhecimento e tornando-o capaz de interagir
coletivamente, afirmando, assim, a sua identidade cidadã, está sendo realizado em “parceria” com a sociedade civil e,
em especial, com estados e municípios (BRASIL, 2004c:3). Embora guarde as mesmas características de programas
anteriores, em 2004 tentou-se melhorar a qualidade desse programa, por intermédio do aumento do período de
alfabetização de seis meses para oito meses e do aumento da bolsa do alfabetizador de R$80,00 mensais em 2003
para R$120,00 mensais (BRASIL, 2004c:4). Não é preciso muito esforço para inferir que os freqüentadores desse
programa poderão vir a se constituir em fortes candidatos ao analfabetismo funcional dentro de algum tempo e que o
mecanismo de concessão de bolsas aos alfabetizadores constitui-se em uma das estratégias de precarização das
relações de trabalho em tempos de “sociedade civil ativa”.
Embora a criação do FUNDEB venha se justificando como uma política voltada para a melhoria da qualidade da
educação fundamental e média, se vier a se constituir em um aprofundamento do FUNDEF pode vir a repetir as
mesmas falhas já detectadas por estudiosos em relação a esse fundo. O FUNDEF não melhorou a qualidade da
educação fundamental nem contribuiu para a valorização do magistério. De fato, vem contribuindo para o desvio de
verbas para a manutenção e o desenvolvimento do ensino fundamental, além de vir se constituindo também em
instrumento desmobilizador do sindicalismo docente e em instrumento de clientelismo político no âmbito municipal
(SIMÕES, 2000; DAVIES, 2001).
A reforma da educação superior, por sua vez, submete a produção do conhecimento nacional a diretrizes de
organismos internacionais, reforça a idéia neoliberal do público não-estatal, estimulando jurídica e financeiramente o
empresariamento da educação superior, ao mesmo tempo em que legitima a submissão da escola à empresa, o
dualismo entre instituições universitárias e instituições de ensino, utiliza o acesso à educação superior como
instrumento compensatório ao histórico apartheid social brasileiro, ao tempo em que agudiza a precarização das
relações de trabalho no âmbito desse nível de ensino.
A reforma da educação superior estimula ainda o desenvolvimento de teorias e práticas pedagógicas destinadas a
reforçar, nesse nível de ensino, elementos de conformação técnica e ético-política da nova cultura cívica (NEVES,
2002, 2004a; LIMA, 2004a; b; MANCEBO e SILVA Jr., 2004; LEHER, 2004a).
Dentre as políticas educacionais neoliberais que se prestam à formação ético-política do intelectual urbano de novo
tipo (quer em sentido amplo, quer em sentido restrito), a introdução dos temas transversais na reestruturação
curricular da educação básica implementada durante os governos FHC e mantida no atual governo e os programas de
responsabilidade empresarial voltados à melhoria da escola pública básica talvez se constituam nas políticas

40
Os intelectuais de tipo rural são em grande parte “tradicionais”, isto é, ligados à massa social do campo e pequeno-burguesa de
cidades (notadamente centros menores), ainda não elaborada e posta em movimento pelo sistema capitalista: tal tipo de
intelectual põe em contato a massa camponesa com a administração estatal ou local (advogados, tabeliães etc.); por essa razão,
possui uma grande função político-social, já que a mediação profissional dificilmente se separa da mediação política
(GRAMSCI, 2000:25).
51
educacionais neoliberais da terceira via mais emblemáticas na formação ético-política desse intelectual (ver capítulos
7 e 8 deste livro).
Ao lado do aparelho escolar e dos meios de comunicação de massa, as igrejas têm desempenhado importante papel
estratégico na organização da cultura neoliberal. A atuação da Igreja Católica tem sido decisiva nesse processo.
Definida pelo que, em termos doutrinários (tanto no plano mundial quanto em ações mais especificamente locais), o
catolicismo classifica de empenho redobrado pela “evangelização”, essa mesma atuação caracterizar-se-á por um
esforço de atingir um duplo e concomitante objetivo. Nesse sentido, a Igreja construirá uma pauta de atuação
sociopolítica destinada, por um lado, a promover o esvaziamento de um determinado modelo de ação, o qual,
predominante na década de 1970 e em parte dos anos de 1980, havia sido destinado a, preservando e valorizando a
maneira particular encontrada pelo catolicismo de interpretar e atuar na realidade, promover um certo compromisso
com as classes subalternas da sociedade brasileira.
Vale lembrar, como prova inconteste de tal fato, a sensível diminuição do espaço, dentro do aparelho católico, a partir
dos anos de 1990, para as ações que anteriormente, por intermédio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
haviam posto uma parte não-negligenciável dos católicos ao lado dos movimentos sociais questionadores do status
quo. Um olhar menos atento veria em tal fato uma diminuição da presença social da Igreja Católica. Essa impressão,
contudo, deve ser descartada, apontando para o redirecionamento da ação católica, posto que uma das originalidades
principais do conceito de “evangelização” consiste, precisamente, no fato de que, mantendo sua presença junto às
classes subalternas em inúmeras e variadas ações, sem abrir mão, mas, ao contrário, valorizando como elemento
ideológico central, a necessidade de ratificação da mensagem católica, promovendo discursos/práticas responsáveis,
nessas mesmas ações, pela ênfase em uma visão de mundo defensora da fraternidade, do bem-comum, do estímulo
ao sentido de doação entre os homens, o sujeito político coletivo católico acaba por contribuir decisivamente para um
novo modelo de sociedade (ver capítulo 9 deste livro).
Esse fato aponta ainda para uma nova idéia de política, não mais voltada para o que, sob o olhar católico, havia sido
anteriormente definido como compromisso com a “libertação” e sim para a ênfase em um compromisso entre as
classes sociais, o qual, estimulando nas classes dominantes o desejo de doação aos pobres, manifesta-se, nesses
últimos, pela convicção do pertencimento à mesma teia de relações sociais responsável não por sua exploração, mas
por sua, sempre futura, inclusão social.
O saldo das ações católicas durante os anos de 1990 resume-se, por um lado, às ações sociais que, colocando em
cena, com o apoio maciço da hierarquia da Igreja, sujeitos políticos como, por exemplo, a Renovação Carismática e a
Caritas, dentre outros, procuram evangelizar por distintos e complementares caminhos, todos voltados para a
construção do consenso em torno do projeto societário neoliberal.
O segundo objetivo estará, obviamente, vinculado aos pontos já referidos. A verificação quantitativa da diminuição do
contingente de instituições educacionais escolares católicas, compensada, claramente e com folgas, pelo crescimento
nas matrículas no ensino superior 41, demonstra o quanto a Igreja Católica interpretará de maneira eficaz para seus
interesses particulares o processo histórico brasileiro dos anos de 1990. Isso porque, dentre outros importantes
motivos, seu esforço fundamental consistirá em direcionar seu contingente de adeptos, seus recursos financeiros e
materiais, enfim, seus meios institucionais, para ações sociais que, abrangendo uma parcela da sociedade
sensivelmente maior que a que freqüentava seus bancos escolares (insiste-se: descontadas as universidades),
conseguem colocar o catolicismo como importante difusor das propostas mais caras ao projeto societário hegemônico
no Brasil dos anos de 1990. Valeria lembrar, apenas a título de interessante e sintomático exemplo, o forte apoio,
bastante noticiado pela imprensa, da Igreja a projetos sociais fortemente estimulados desde os anos de 1990 até os
dias atuais, tais como o Comunidade Solidária, os programas de renda mínima e o Fome Zero.
As ações sociais da Igreja mobilizaram em 1998 um total de 41.100.014 pessoas, consideradas atendidas, das quais
3.957.806 foram contempladas com ações educacionais informais (creche, alfabetização, supletivos, formação
profissional – incluindo cursos de enfermagem, alimentação alternativa, informática, corte e costura etc.); 6.962.087
na área da saúde; 9.326.272 com distribuição de alimentos; 12.176.647 em assistência social. O restante das
atividades vincula-se a distribuição de roupas, abrigo, produção e geração de renda e distribuição de material de
construção42. Quanto às ações sociais na educação escolar, a Igreja Católica vem concentrando sua atuação na
concessão de bolsas de estudo integrais e parciais. As primeiras, com financiamento governamental; as últimas são
oferecidas com recursos próprios43.

41
Entre 1996 e 1999, houve uma redução de 9,3% das instituições escolares católicas dedicadas à educação básica.
42
: CERIS/ANAMEC. Pesquisa sobre as obras sociais da igreja católica. Atuação das escolas. Rio de Janeiro/Brasília, 1999.
43
Embora defasados, os dados oferecem uma idéia do nível de intervenção da Igreja na formação de intelectuais de diferentes
níveis. As bolsas de estudo foram distribuídas da seguinte forma: 127.528 bolsas integrais e 167.227 bolsas parciais para a
educação básica, em 1996, e 25.082 bolsas (integrais e parciais) na educação superior em 1995. Vale ressaltar ainda que 19.171
alunos foram contemplados com o crédito educativo nesse mesmo ano. Fonte: Pesquisa sobre as escolas católicas do Brasil
(1996). Levantamento dos estabelecimentos de ensino superior católico do Brasil (1996). Rio de Janeiro/Brasília:
CERIS/ANAMEC, 1997.
52
Além da igreja, da escola e da mídia – aparelhos privados de hegemonia clássicos na organização da cultura
brasileira –, vêm sendo criados e multiplicados novos aparelhos difusores da cultura hegemônica, constituídos
diretamente pela burguesia, por meio de suas fundações empresariais e de sua organização sindical 44 e também pelo
governo do estado, por intermédio de subsídios financeiros das empresas estatais ou dos próprios organismos da
administração direta e, ainda, por organizações não-governamentais. Tais aparelhos privados de hegemonia vêm
financiando atividades esportivas (ver capítulo 10 deste livro) e manifestações artísticas, como a dança, a música, o
artesanato, com vistas a favorecer a coesão social e melhorar a auto-estima dos cidadãos brasileiros, em especial,
daqueles que habitam as periferias dos grandes centros urbanos 45.
Segundo pesquisa da revista Carta Capital (2004), que divulga o ranking das empresas e bancos socialmente
responsáveis46, destacam-se no segmento cultural: em primeiro lugar: PETROBRAS; em segundo: Rede Globo; em
terceiro: Banco do Brasil; em quarto: Banco Itaú. Já no ranking dos esportes, conquistaram do primeiro ao quarto
lugares, respectivamente: Banco do Brasil, PETROBRAS, Fiat, Pão de Açúcar. Vale registrar, ainda, o ranking das
empresas que atuam na área de lazer e recreação. Conquistaram, do primeiro ao quarto lugares, respectivamente:
PETROBRAS, Banco do Brasil, Coca-Cola e Rede Globo. Esse ranking empresarial permite vislumbrar a forte
presença das empresas estatais e do capital financeiro na execução das estratégias educadoras do Estado, que
tomam a cultura, o lazer e o esporte como expressão.
Repolitizando a Organização da Classe Trabalhadora
A importância atribuída pelos formuladores e difusores dos postulados do neoliberalismo ao chamado ‘terceiro setor’
acaba por minimizar a importância de outra estratégia significativa da pedagogia da hegemonia, a saber: os esforços
bem-sucedidos da burguesia na cooptação de lideranças e de fração substantiva das instâncias globalizadoras da
classe trabalhadora, comprometidas com a construção do modo socialista de produção da existência, no contexto dos
anos de abertura política, em especial dos partidos políticos e do novo sindicalismo.
Depois de duas décadas de um bipartidarismo imposto pela ditadura militar, os anos da abertura política foram palco
da instalação de um pluripartidarismo próprio de uma conjuntura caracterizada pela disputa acirrada pela direção
cultural e política no contexto de crise hegemônica da burguesia e crescimento do consenso em torno de um projeto
de sociedade democrático de massas dirigido pela organização autônoma da classe trabalhadora.
Mais de 70 partidos políticos nacionais foram constituídos em menos de 15 anos, embora nem todos tenham
sobrevivido nos anos de neoliberalismo. Alguns não tiveram seu registro definitivo, outros se fundiram ou foram
incorporados por outras agremiações partidárias. Essa pluralidade se expressou concretamente na composição
político-partidária da eleição presidencial pós-constitucional de 1989. Participaram do primeiro turno 24 partidos
políticos.
Dentre estes, destacaram-se: PRN (Partido da Reconstrução Nacional), com 30,48% dos votos válidos; PT (Partido
dos Trabalhadores) / PC do B (Partido Comunista do Brasil) / PSB (Partido Socialista Brasileiro), com 17,19%; PDT
(Partido Democrático Trabalhista), com 16,51%; PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), com 11,52%; PDS
(Partido Democrático Social), com 8,85%; PL (Partido Liberal), com 4,84%; PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro), com 4,74%; PCB (Partido Comunista Brasileiro), com 1,14%; PFL (Partido da Frente Liberal), com 0,89%;
e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), com 0,56% (SANTOS, 1990). Esses partidos se agruparam em três grandes
blocos de forças: um conservador, constituído por PRN, PL, PDS, PFL e PTB; um de centro e de centro-esquerda,
formado por PMDB, PSDB e PDT; um de esquerda, composto por PT, PSB, PC do B e PCB (NEVES, 2002:104).
À medida que a crise de hegemonia burguesa foi sendo superada, como expressaram os arranjos político-partidários
das sucessivas vitórias eleitorais majoritárias e proporcionais em âmbito federal e até mesmo estadual, nos anos de
1990, a fragmentação da representação político-partidária foi sendo progressivamente superada. Mesmo assim, até o
ano 2000, 25 diferentes partidos políticos conseguiram eleger pelo menos um deputado federal, um senador ou um
governador. A eleição de 1990 representou o ponto culminante da fragmentação partidária no Brasil: nada menos do
que 19 partidos se fizeram representar no Congresso. Já em 1998, sete eram os partidos de maior expressão
eleitoral, o PMDB e o PFL como os maiores, seguidos por PSDB, PPB, PT, PDT e PTB, caracterizados como de porte

44
A partir dos anos de 1990, os organismos assistenciais do Sistema S, em especial o SESC e o SESI, refuncionalizados, ampliam
o seu papel educador, estendendo o raio de sua influência dos familiares dos funcionários da indústria e do comércio para o
conjunto da população urbana (ver capítulo 4 deste livro).
45
O projeto Dança-Comunidade SESC-SP materializa com grande propriedade esse tipo de intervenção ético-política da burguesia
brasileira. Associando-se à Escola de Reeducação do Movimento, à PETROBRAS, à Votorantin e a sete ONGs paulistas, o
SESC São Paulo e o SESC Rio financiaram e apresentaram em diversas cidades paulistas e no Rio de Janeiro, em 2004, o belo
espetáculo Samwaad – Rua do Encontro, representado por 54 jovens de diversas “comunidades” de São Paulo, em um trabalho
que funde elementos rítmicos e expressivos da cultura indiana e brasileira. Esse projeto, que se autodenomina artístico e social,
pretende, segundo fôlder do espetáculo, contribuir para a construção da auto-estima dos segmentos excluídos da sociedade e,
também, para a construção de um todo social harmônico, tendo como base o respeito às diferenças. Ou seja, pretende difundir os
valores caros ao projeto hegemônico de sociabilidade.
46
Ocupam os dez primeiros lugares: Natura (1); PETROBRAS (2); Banco do Brasil (3); Nestlé/Rede Globo/Vale do Rio Doce:
empatados (4); Bradesco (5); Itaú (6); Pão de Açúcar (7); Caixa Econômica Federal (8); Votorantin (9); Belgo-Mineira (10).
53
médio. Em seu conjunto, esses partidos foram responsáveis, na legislatura de 1998, por 91,1% das cadeiras da
Câmara dos Deputados e por 96,3% do Senado Federal (SCHMITT, 2000:82).
Os anos de 1990 protagonizaram, além de uma redefinição da estrutura e da dinâmica eleitorais, profundas
redefinições político-ideológicas das práticas partidárias à medida que a burguesia consolidava sua hegemonia nos
marcos de um projeto neoliberal de sociedade.
Coutinho (2000:98) observou ser condição de êxito do projeto neoliberal de estruturação do poder a preponderância
de partidos não-ideológicos, de base social heterogênea, constituídos como cartéis de diferentes lobbies. A julgar pelo
comportamento dos representantes partidários no Congresso Nacional na atual legislatura, essa pré-condição já se
materializa na dinâmica das relações de poder dos anos iniciais deste século. Da eleição majoritária de 2002 até 26
de novembro de 2004, os parlamentares já haviam procedido a 179 mudanças partidárias na Câmara de Deputados.
Entre a eleição no final de 2002, para a posse em janeiro de 2003, todas as bancadas já haviam se alterado, para
mais ou para menos, com exceção da bancada do PC do B e do PRONA47. Embora a “dança das cadeiras” não se
configure em uma especificidade do modelo neoliberal de estruturação do poder no Brasil, ela se constituiu em peça
fundamental para a repolitização da política no século que se inicia.
A maioria dos partidos políticos que se constituíram nos anos de abertura política sofreu alterações significativas em
seus propósitos político-ideológicos na última década do século XX 48. Merece destaque a trajetória do PSDB e do PT,
por terem exercido nesse período o papel de aglutinadores das forças políticas em torno de dois projetos de
sociedade que se contrapuseram em três embates políticos consecutivos – as eleições presidenciais de 1994, 1998 e
2002 .
O PSDB surgiu em 1988, durante os trabalhos da Assembléia Constituinte, como uma dissidência do PMDB. Propôs-
se inicialmente a difundir no Brasil as postulações da social-democracia clássica, mas, ao longo dos anos de 1990,
atualiza o seu discurso, acolhendo os postulados do neoliberalismo da terceira via, elegendo e reelegendo com essas
postulações, em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República, com 54,3% e 53,1% dos
votos válidos, respectivamente. Concorreu novamente, em 2002, com as forças políticas aglutinadas em torno do PT,
perdendo a eleição.
Coube ao PSDB a tarefa política de reaglutinação da burguesia em crise nos anos de abertura política. A aproximação
do PSDB com o neoliberalismo já se fez sentir ainda no governo Collor de Mello (1990-1992), quando ocupou pastas
no primeiro escalão do governo federal. Nessa conjuntura, ainda possuía uma representação pequena no Congresso
(38 deputados e 1 senador) e não tinha ainda conquistado nenhum governo estadual (SCHMITT, 2000:79-81). Já no
governo Itamar Franco, o PSDB, além de participar de duas importantes pastas ministeriais – Relações Exteriores e
Economia –, na pessoa de Fernando Henrique Cardoso, um dos principias intelectuais do partido, conquistou, após o
sucesso político-ideológico do Plano Real, a adesão da burguesia em seu conjunto à sua candidatura presidencial. A
candidatura de Fernando Henrique Cardoso atraiu também boa parte da intelectualidade brasileira e de setores das
camadas médias seduzidas pelo caráter modernizante de suas propostas.
O PSDB não só fez o presidente da República em dois governos consecutivos, como ampliou consideravelmente sua
presença no Congresso e junto aos governos estaduais. Em 1998, atingiu o número de 199 deputados e 14

47
Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 26 nov. 2004.
48
Se o PMDB, em 1989, integrava o bloco de forças políticas de centro e de centro-esquerda, ao longo dos anos de 1990 foi se
tornando cada vez mais conservador, passando a gravitar, fisiologicamente, em torno das diferentes forças políticas eleitas para
comandar o país. Já o PFL, que representava nos anos de abertura frações da oligarquia agrária, durante os anos de 1990 se
coliga ao PSDB e assume as diretrizes modernizantes do projeto neoliberal da terceira via. No governo Lula da Silva apresenta-
se como oposição. O PTB, que nos anos de 1980 disputava a direção do trabalhismo brasileiro com o PDT, apresentou
candidatura própria na eleição presidencial de 1989 e integrou a coligação que por duas vezes elegeu Fernando Henrique
Cardoso para a presidência da República. Curiosamente, passa a fazer parte da base aliada ao governo Lula da Silva a partir de
2002. O PL, por sua vez, após lançar também candidatura própria na eleição presidencial de 1989, não se associa formalmente a
nenhuma das forças antagonistas na eleição de 1994, mas tornou-se um aliado eventual do primeiro governo FHC, apoiando, no
entanto, a candidatura Ciro Gomes (PPS) na eleição presidencial de 1998. Em 2004, coliga-se ao PT, assumindo a vice-
presidência da República. O PDT, por sua vez, apresentou por duas vezes candidatura própria para a presidência da República,
em 1989 e 1994. Na eleição de 1998, coliga-se com o PT e, na última eleição presidencial, volta a se aliar às forças políticas
aglutinadas em torno do PT. O PPB, surgido em 1980 como sucessor da antiga ARENA, apresentou candidatura própria nas
eleições presidenciais de 1980 e 1994 e passou a integrar a coligação que elegeu Fernando Henrique Cardoso para um segundo
governo, em 1998. Parece ter acompanhado essa posição política na última eleição presidencial. Nos anos de 1990, surgem
duas novas forças político-partidárias: o PPS, sucessor histórico do PCB, que recebeu um novo vigor político com a
apresentação de candidatura própria na eleição presidencial de 1998, está atualmente participando do governo Lula da Silva. O
PC do B e o PSB, por sua vez, mantiveram-se fiéis ao PT em todos os pleitos presidenciais desde 1989; atualmente, integram o
governo petista. Já o PRN, que elegeu Collor de Mello, em 1989, teve o seu registro cancelado pelo TSE em 1999. Dois
pequenos partidos, PRONA e PV, tiveram trajetórias distintas. O primeiro optou por lançar candidatura própria em todos os
embates eleitorais, obtendo resultados inexpressivos; o segundo, ora coligou com o PT, ora lançou candidatura própria ao longo
da década (SCHMITT, 2000).
54
senadores e conseguiu eleger 17 governadores (SCHMITT, 2000:79-81). Assim, progressivamente, com as forças
políticas que o apoiaram, consolidou a hegemonia política e cultural do projeto neoliberal de organização societária
(SCHMITT, 2000). Embora tenha perdido a eleição presidencial de 2002, foi o partido que, nas eleições municipais de
2004, obteve o maior número de votos, apresentando um crescimento de 39% em relação aos votos das eleições
municipais anteriores. Conseguiu eleger os prefeitos das cidades de São Paulo e de Porto Alegre, ambas redutos
políticos do PT. Mesmo reduzindo em 12% o número de prefeitos em relação às eleições municipais anteriores,
assume o posto de segundo maior partido em número de prefeitos eleitos (871 prefeituras), perdendo apenas para o
PMDB, que fez 1.057 prefeituras, reafirmando a sua liderança política no cenário nacional.
O PT, por sua vez, foi fundado em 1980, a partir da conjugação de três movimentos simultâneos: o fortalecimento das
greves dos metalúrgicos do ABC paulista, como expressão da reorganização da classe trabalhadora nos anos finais
da ditadura militar, do desenvolvimento da Teologia da Libertação no âmbito da Igreja Católica, bem como do retorno
à vida política de intelectuais e de correntes de opinião, como resultado da anistia de 1979. Nasceu como uma
alternativa política que combinou socialismo com democracia, em contraposição a dois modelos organizativos dos
partidos populares no país: o modelo comunista e o modelo do trabalhismo (FONTES, 2004) e como uma opção à
esquerda ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da ditadura que, pouco a pouco, foi se transformando
em uma frente oposicionista ao regime. O PT registrou um crescimento eleitoral constante. Passou de oito deputados
federais e nenhum senador em 1982 para 60 deputados e sete senadores em 1998 (COUTINHO, 2000), elegendo
ainda nesse mesmo ano cinco governadores. Mesmo perdendo as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998, teve
o seu percentual de votos acrescido a cada disputa: 17,2% em1989, 27,0% em 1994 e 31,7% em 1998. Em 2002,
finalmente conseguiu eleger, Lula da Silva ao cargo de presidente do país, com cerca de 53 milhões de votos no
segundo turno, aglutinando amplas forças do cenário político nacional.
O sucesso eleitoral conquistado se efetivou, no entanto, sacrificando a tarefa histórica que lhe coube nos anos pós-
ditadura de aglutinar, no cenário nacional, as forças políticas que se dispunham a consolidar no Brasil um projeto
societário contra-hegemônico. Embora tenha se constituído como uma referência para a esquerda da América Latina
e um interlocutor privilegiado da esquerda européia no Brasil, durante os anos de 1990 (COUTINHO, 2000), foram se
fortalecendo no seu interior as tendências políticas mais sintonizadas com a nova social-democracia ou nova
esquerda, culminando com a incorporação desses postulados à Resolução Política aprovada no Congresso do PT,
realizado em Belo Horizonte, em novembro de 1999. Esse profundo processo de correção de rumos, sob a direção da
corrente política Articulação, iniciou-se a partir do momento em que o PT não se contrapôs à nova agenda política da
classe dominante, em nível internacional e nacional, que incorporava, subalternizando, os setores populares, em uma
agenda de cunho democrático-filantrópico, que substituiu o tema da igualdade como foco pelo tema da pobreza a
partir dos anos de 1990 (COUTINHO, 2000). Nesse processo, o PT vai abandonando a estratégia política dos seus
dez primeiros anos, baseada na precedência da organização de classe sobre a representação eleitoral, e desloca seu
eixo de atuação, atribuindo centralidade ao âmbito eleitoral, afastando-se, com isso, do terreno no qual sua existência
encontrava originalmente sentido: o da organização de classes (FONTES, 2004). A partir de então, o PT, não sem
contradições internas, associa-se a frações da burguesia e de seus aliados na defesa do capitalismo com justiça
social, arrastando em torno de si várias correntes políticas comprometidas, na história recente, com o socialismo
(PSB, PC do B e PPS). Com essa ideologia e esse programa, o PT disputa e vence a eleição presidencial de 2002,
embora, devido a sua história de lutas em defesa dos interesses da classe trabalhadora, amplos segmentos
populacionais e grupos políticos não tenham se dado conta dessa metamorfose recente no decorrer da campanha
eleitoral para a presidência da República. O PT, como já advertia Coutinho (2000:111-118), chega ao governo mas
não governa de acordo com um programa verdadeiramente alternativo, estruturado de modo a construir o socialismo,
mas por meio de uma política de alianças que o levou a descaracterizar o seu programa coletivamente construído ao
longo dos anos de 1980 e boa parte dos anos de 199049.
Dois anos depois de governar com um amplo arco de forças que inclui desde representantes de frações do capital até,
minoritariamente, forças da esquerda tradicional e dissidente, o PT não mais se apresenta como um partido construtor
e organizador da contra-hegemonia, mas como uma força política reformista que disputa a hegemonia brasileira nos
marcos estritos do capitalismo50.
De acordo com a trajetória político-ideológica do PT e PSDB, pode-se depreender que, na atualidade, essas forças
político-partidárias não mais representam ideologias antagônicas no cenário político nacional; ao contrário, disputam

49
Leher (2004b) analisa o primeiro ano do governo Lula da Silva, reconstruindo o processo eleitoral, a composição da equipe do
governo, os rumos da política macroeconômica do governo, seus encaminhamentos políticos e as contradições, críticas e
enfrentamentos constatados no artigo O governo Lula e os conflitos sociais no Brasil.
50
Nas eleições municipais de 2004, PT e PSDB obtiveram a primeira e segunda colocação, respectivamente, na disputa dos votos
das cidades com mais de 150 mil eleitores. O PT, o partido do governo, elegeu 23 prefeitos e o PSDB, 17. No cômputo geral, o
PSDB (cerca de 26 milhões) e o PT (aproximadamente 17 milhões) foram os partidos que conquistaram o maior número de
votos. Vale ressaltar que, enquanto o PSDB ampliou o número de votos nessa eleição, em relação às eleições de 2000, em 39%,
o PT reduziu esse número em 21% (EQUILIBRANDO o jogo. O Globo, Rio de Janeiro, 2 nov. 2004, O País, p. 3).
55
entre si a direção do projeto neoliberal da terceira via51. O primeiro, dando maior ênfase, por meio de uma ideologia
nacionalista, ao capital produtivo, em especial o setor exportador, e o segundo, cultuando o processo de
internacionalização econômica e político-social, sob a direção do capital financeiro. Essa nova tendência vem sendo
constatada por analistas políticos, a partir dos resultados das eleições municipais de 2004.
Werneck Vianna e Denis Lerrer Rosenfield respondem, o primeiro afirmativamente e o segundo, negativamente, à
pergunta da Folha de S. Paulo (São Paulo, 9 out. 2004, Tendências/Debates): O Brasil caminha para um
bipartidarismo? Fernando Henrique Cardoso, em entrevista publicada em O Globo (Rio de Janeiro, 29 nov. 2004, O
País, p. 10), concedida a Cristovam Buarque, senador petista e ex-ministro da Educação do governo Lula da Silva, A
luta de PT e PSDB é política, não ideológica, questionado sobre a possibilidade de aliança entre os dois partidos,
responde: Acho que sim. Porque a luta é política, não ideológica. [...] Não discutimos nem disputamos ideologia. É
poder, é quem comanda.
Se confirmada a tendência das últimas eleições municipais, pode-se assegurar que, no plano partidário, já vem se
efetivando um processo de repolitização da política, no sentido de consolidar no país o americanismo nessa nova
dimensão. Essa repolitização da política partidária parece evidenciar, simultaneamente, o estabelecimento de uma
nova relação entre classes dominadas e Estado, a vitória das estratégias consensuais da burguesia brasileira e,
ainda, a perda do poder político das forças contra-hegemônicas na atual conjuntura.
Esse movimento de desconstrução da estratégia contra-hegemônica petista se espalha, de modo específico, pela
organização sindical dos trabalhadores, motivado por pressupostos objetivos – mudanças na divisão internacional de
trabalho, alterações no conteúdo e nas relações de trabalho etc. – e por pressupostos subjetivos, em especial, o
crescimento da burocracia partidária e sindical e a predominância da corrente política Articulação Sindical – difusora
das teses e propostas reformistas da nova esquerda – na definição dos rumos da organização da classe trabalhadora
na atualidade.
A repolitização do sindicalismo dos trabalhadores veio se processando a partir dos anos de 1990, em especial por
meio de dois movimentos simultâneos: a formação de uma base sindical para legitimação das idéias, ideais e práticas
neoliberais e a redefinição do conteúdo e das práticas da Central Única dos Trabalhadores (CUT), central sindical
comprometida na história recente com a construção de um projeto de sociedade contra-hegemônico no país.
Os anos de abertura política, no âmbito sindical das lutas populares, caracterizaram-se pela emergência de um novo
sindicalismo que tinha como horizonte, em um plano mais específico, o rompimento com a estrutura sindical
corporativa criada ainda nos anos de Estado Novo e derrotar a ditadura militar e, em um plano mais geral, a
contraposição às relações sociais vigentes. Falar de sindicalismo autônomo nos anos de 1980 é citar a Central Única
dos Trabalhadores52 (CUT), que emergiu das articulações do sindicalismo brasileiro combativo, em 1983 (SANTOS,
2002:130-141), anos finais da ditadura militar53. A CUT, nos dias atuais, a maior organização sindical do país e da
América Latina, manteve um ritmo expressivo de crescimento de sindicatos filiados durante os anos de
neoliberalismo. De 1.668 sindicatos filiados em 1992, passou para 2.834, em 2001, o que corresponde a uma
expansão de 70% do número de filiados (IBGE, 2002).
Já nos primeiros anos de implantação pela burguesia do novo projeto de sociedade, mais precisamente em 1991, é
criada por um segmento da direita sindical a Força Sindical (FS), representante do denominado sindicalismo de
resultados, com vistas a difundir no meio sindical os postulados neoliberais. Começando timidamente com apenas 294
sindicatos filiados, a FS ampliou a sua base de filiados em 526% ao longo dos anos de neoliberalismo, chegando a
filiar 1.839 sindicatos em 2001 (IBGE, 2002). A relação estreita entre FS e neoliberalismo pode ser aferida pelo
conteúdo e pela forma de elaboração da proposta dessa central para o desenvolvimento brasileiro e para a
organização sindical e pelo montante de recursos financeiros destinados pelos governos neoliberais à sua
estruturação.
A proposta da Força Sindical encontra-se consubstanciada no livro Um projeto para o Brasil: a proposta da Força
Sindical. A sua coordenação técnica foi entregue ao professor Antônio Kandir, que assumiu o posto de ministro do

51
Já em 2003, essa nova tendência foi registrada em um jornal (INTELECTUAIS: PT dá guinada para o centro.. O Globo, Rio de
Janeiro, 17 ago. 2003, O País, p. 10), em que se discute, a partir de intelectuais ligados a petistas e tucanos, respectivamente,
Francisco de Oliveira e Arthur Giannoti, a aproximação ideológica dos dois partidos. A grande imprensa tem registrado também
a retirada individual ou coletiva de intelectuais de esquerda dos quadros do PT.
52
Embora não tenha sido a única organização sindical criada nos anos de abertura política, a CUT foi a primeira central sindical
brasileira (fundada em agosto de 1983) e a mais expressiva organização sindical do período. Nesse mesmo ano, em novembro,
deu-se a criação da CONCLAT. A partir de dissidências dessa última, surgiram a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT),
em novembro de 1986, e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), entre o final de 1989 e o início de 1990. A CGT é
atualmente denominada Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB). Em setembro de 1985, nasceu também a União
Sindical Independente (USI). A USI e a CGT foram extintas no decorrer dos anos de 1990.
53
Antunes (1995:30), analisando a composição de forças políticas no processo de criação da CUT, destaca a participação de um
sindicalismo independente sem militância política anterior ao qual se somaram amplos contingentes da esquerda católica, sob o
influxo da Teologia da Libertação e da opção preferencial pelos pobres, e tendências socialistas e comunistas várias, dissidentes
da esquerda tradicional, ou vinculados às postulações de Leon Trotsky.
56
Planejamento do governo Collor 54. A proposta (FORÇA SINDICAL, 1993:107-108) define um novo modelo de
organização sindical pautado “na retirada definitiva da interferência do Estado nas relações entre capital e trabalho” e
na instauração “dos moldes e instrumentos da livre negociação”. Ainda, “a dinamização das relações entre as partes
deverá se dar a partir da reformulação do conjunto de regras, formais e informais, que ordenam as relações entre os
trabalhadores e os empresários, assim como entre as organizações desses atores sociais e entre essas organizações
e o Estado”. Nessa perspectiva, a FS propõe a prevalência da livre organização sindical, nos moldes da convenção
OIT, sendo vedadas a intervenção e a interveniência do poder público na sua organização; a criação de novos
mecanismos, tais como: contrato coletivo de trabalho, participação dos trabalhadores na produtividade e nos lucros
das empresas, contrato de gestão no setor público e revisão das responsabilidades no caso de greve, participação
definitiva de trabalhadores na gestão de instituições e programas públicos, particularmente no que diz respeito à
formação, qualificação e reciclagem profissional, política de capacitação tecnológica e política social; revisão da figura
da carteira de trabalho e a atual CLT; reformulação da Justiça classista (FORÇA SINDICAL, 1993:108). Algumas
dessas propostas se incluem nos projetos de reforma sindical e trabalhista apresentados à sociedade pelo governo
Lula da Silva. A FS é, nos dias atuais, a segunda expressão política do movimento sindical dos trabalhadores.
Ao longo dos anos de 1990 foram ainda criadas três novas centrais sindicais que, embora pouco representativas,
reforçam as idéias e práticas de um sindicalismo conservador, contribuindo para o rebaixamento do nível das
demandas dos trabalhadores, atuando no nível mais elementar de consciência política coletiva, ou seja, no nível da
defesa de interesses específicos, estritamente corporativos 55.
O aumento no número de centrais e de sindicatos a elas filiados nos anos de 1990 no país se constitui em mais uma
importante confirmação empírica do aprofundamento do processo de ocidentalização brasileira nos anos de
neoliberalismo.
Embora essas informações sobre o aumento de volume dos organismos do sindicalismo dos trabalhadores ofereçam
indicações do aprofundamento do nosso processo de socialização da participação política, elas não oferecem uma
comprovação mais efetiva da natureza do processo. É certo que o fato de a CUT ter passado a disputar a direção
política da classe trabalhadora com mais cinco centrais sindicais que, direta ou indiretamente, encaixam-se no modelo
neoliberal de organização sindical, já nos indique uma mudança na natureza da organização sindical dos anos de
1980 para os anos de 1990, uma mais completa visão da metamorfose da organização sindical dos trabalhadores
será oferecida pela análise das mudanças de rumo da própria CUT nesse mesmo período.
O avanço do processo de internacionalização do capital e a formação de novos blocos de poder em nível mundial, o
refluxo e/ou repolitização da organização sindical em nível internacional, a difusão no Brasil de inovações na
organização da produção e no processo de trabalho e o conseqüente aumento do desemprego e da precarização das
relações de trabalho, a redefinição das diretrizes políticas mundiais e nacionais da Igreja Católica, de feição mais
conservadora, a redefinição das estratégias políticas do PT e dos movimentos sociais em seu conjunto, a constituição
formal de um Estado de direito no país, a crescente adesão espontânea das massas trabalhadoras ao ideário e
proposições neoliberais, a propaganda midiática contra a organização popular na defesa de direitos no plano externo
à organização sindical, a filiação da CUT à Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (CIOSL),
uma central mundial de caráter notadamente social-democrata56, a redefinição da estratégia política da central da
perspectiva reativo-reivindicativa, para a perspectiva afirmativo-propositiva durante o IV CONCUT, em 1991, a
progressiva preponderância da corrente Articulação Sindical57 e a simultânea perda de poder político das correntes
socialistas e comunistas tradicionais e dissidentes, no plano interno à organização da Central são as principais
determinações da metamorfose ocorrida no conteúdo e nas práticas da organização cutista nos anos de
neoliberalismo, apontadas por vários estudiosos da organização sindical brasileira na atualidade: Antunes (1995),
Costa (1995), Boito Jr. (1999), Souza (2002), dentre outros.
A metamorfose da organização sindical cutista, ocorrida de forma lenta, tensa e com significativos avanços e recuos 58,
engloba um processo que se estende da transformação de uma CUT classista, nos anos de 1980, para a
configuração de uma CUT cidadã nos anos de 1990 até os dias atuais, em uma trajetória que desloca o eixo de suas

54
GIANNOTI (1994) registra a estreita relação entre a FS e os governos Collor e Itamar Franco (Medeiros visto de perto. São
Paulo: Brasil Urgente).
55
Em 1995, foi criada a Central Autônoma dos Trabalhadores (CAT), agregando, em 2001, 86 sindicatos filiados. Em 1997, foi
criada a Social Democracia Sindical (SDS), devido a uma ruptura na FS; reunia, em 2001, 286 sindicatos filiados. Mais
recentemente, foi criada também a Central Sindical dos Trabalhadores. (CST).
56
Tal filiação, já anunciada no IV Congresso Nacional – IV CONCUT – foi reafirmada durante a realização da V Plenária
Nacional da entidade, em 1992.
57
A Articulação Sindical constituiu-se como corrente organizada no II CONCUT, em 1986, com forte influência do sindicalismo
católico e social-democrata europeu e com forte penetração no sindicalismo do ABC paulista.
58
No VI CONCUT, realizado em 1997, em uma conjuntura de disputa eleitoral para a presidência da República, a CUT propôs
ainda a elaboração de um projeto alternativo ao neoliberalismo, a partir da evidência de que o socialismo coloca-se como a
única saída progressista para a humanidade, a única alternativa à degradação social (CUT, 1997:20).
57
lutas da predominância da organização das massas trabalhadoras do confronto com o projeto burguês de sociedade,
para a predominância da negociação política no campo institucional 59 nos marcos societais vigentes.
Dessa forma, a CUT, mantendo as especificidades de uma organização sindical, acompanha movimento semelhante
realizado pelo PT, tão bem analisado por Fontes (2004). Mantendo, também, a sua especificidade enquanto sindicato,
a CUT parece propensa a acatar a diretriz política do Banco Mundial para a nova relação entre governo e sociedade
civil no Brasil de hoje, na qual esse organismo propõe aos movimentos sociais de trabalhadores que abandonem uma
posição de confronto em relação aos governos e assumam junto a estes uma posição de colaboração.
O processo de construção da CUT cidadã se inicia ainda durante a primeira metade dos anos de 1990 e ganha maior
organicidade durante os governos neoliberais da terceira via de Fernando Henrique Cardoso. O primeiro passo nessa
direção é dado pela mudança da estratégia política da entidade no decorrer do IV CONCUT em 1991, quando a CUT
se define como uma entidade propositiva. Outro passo significativo é a proposta do V CONCUT de “abertura de um
processo de discussão de transformação ou não dos sindicatos filiados em sindicatos orgânicos” (CUT, 1994)60, a
partir da crítica à “excessiva” autonomia dos sindicatos em relação à Central 61. A 7ª Plenária Nacional Zumbi dos
Palmares, realizada em agosto de 1995, além de assumir a tarefa de transformar os sindicatos filiados em sindicatos
orgânicos, redefinindo uma série de propostas organizativas para tal fim (CUT, 1995), introduz a discussão de uma
CUT cidadã, quando defende uma atuação combinada da luta institucional com a luta de massas e pela atuação em
novas frentes, agregando à sua pauta sindical elementos essenciais para a conquista da plena cidadania, e,
principalmente, construindo uma política de alianças com o movimento social e com os partidos políticos para forjar
uma alternativa ao governo neoliberal e a suas políticas (CUT, 1995). É nesse contexto, por exemplo, que a CUT
abandona paulatinamente a discussão sobre uma proposta cutista de estruturação escolar e, até mesmo, de criação
de Centros Públicos de Formação Profissional e passa a executar a política neoliberal de educação profissional, com
os recursos advindos do FAT (SANTOS, 2000; CÊA, 2003). A 9. Plenária Nacional, realizada em 1999, por sua vez,
encerra e consolida a discussão da organização sindical sob a forma de sindicato orgânico, tese, aliás, contemplada
na proposta de reforma sindical do governo Lula da Silva. A culminância do processo de constituição da CUT cidadã
parece se efetivar por intermédio da forte sintonia entre as ações desenvolvidas pelo governo Lula da Silva no campo
social e as teses majoritárias do campo cutista na atual conjuntura.
A criação da CUT cidadã que, a princípio, poderia se constituir em uma frente de unificação do conjunto dos
movimentos sociais populares no enfrentamento às políticas neoliberais da terceira via, na realidade parece vir se
constituindo em um reforço à sua implementação, devido, em boa parte, às profundas mudanças na estrutura e na
dinâmica dos movimentos sociais a partir de 1990.
Redirecionando o Foco da Luta Política
A organização social de base popular nos anos de neoliberalismo caminhou, majoritariamente, no sentido oposto ao
indicado por Fontes (2004), para a construção de uma contra-hegemonia no Brasil contemporâneo, qual seja: em
primeiro lugar, a organização em associações de interesses capazes de, simultaneamente, manter sua autonomia de
classe e penetrar nos espaços estatais para assegurar a generalização de tais reivindicações, em um procedimento
[denominado] “nacionalização”, isto é, tornar nacional um tema ou questão até então circunscrito a demandas de um
grupo específico, ainda que majoritário, e, em segundo lugar, construir partido político voltado para consolidar sua
organização em dois níveis: como instância de formulação conjunta de visão de mundo, de pensamento crítico e de
elaboração de propostas capazes de tornar nacionais um universo de questões e demandas com caráter distinto
daquelas dos grupos dominantes.
Assim como o PT e a CUT cidadã, os movimentos sociais populares vêm se organizando, predominantemente, com
uma dinâmica que reforça a fragmentação das suas lutas e a subordinação de suas iniciativas às diretrizes burguesas
para a sociedade brasileira contemporânea. Eles vêm atuando simultaneamente em duas direções: na prestação de
serviços sociais, em especial, às camadas ditas “excluídas” da sociedade, financiados, em grande parte, por recursos
públicos e também provenientes dos denominados programas de responsabilidade empresarial; e na luta contra as
várias discriminações extra-econômicas, também financiada, em boa parte, com recursos públicos nacionais e
internacionais e das fundações empresariais 62.

59
Contraditoriamente, no VI CONCUT, de 1997, a entidade reforça sua posição de enfrentamento aos neoliberais pela via da
institucionalidade, quando destaca a sua atuação nos diversos conselhos públicos (Conselho da Saúde, Conselho Curador do
FGTS, Conselho da Defesa do FAT, Conselho de Administração do BNDES) (CUT, 1997:26).
60
O desejo da construção de uma CUT orgânica é constatado por Boito Jr. (1999) e Santos (2002) antes mesmo da realização do V
CONCUT, em maio de 1994.
61
O V CONCUT considerou, em relação à proposta de redefinição organizativa, que a CUT não definiu um conjunto de pontos
para constar dos Estatutos dos sindicatos filiados, nem sequer tem um conjunto de pontos para manter um sindicato filiado, a
não ser um genérico “cumprimento dos estatutos e das deliberações das instâncias”, cuja desobediência não tem sanções além da
suspensão e possibilidade de desfiliação (CUT, 1994).
62
As ações governamentais e empresariais vêm priorizando o atendimento aos Objetivos do Milênio definidos pela ONU que,
procurando responder à pergunta: O que nós podemos fazer para mudar o mundo? prescreve metas ditas sociais, de forte apelo
moral, para serem atingidas por todos os países do mundo até 2015: 1 – acabar com a fome e a miséria; 2 – educação básica de
58
Além de desenvolver ou estimular ações voltadas para a educação da cultura cívica do homem coletivo brasileiro, de
estimular a reeducação política dos aparelhos privados de hegemonia proletária construídos ou refuncionalizados nos
anos de 1980 para combater o capitalismo, o Estado neoliberal vem estimulando a criação de novos sujeitos políticos
coletivos, responsáveis prioritários pela difusão de suas estratégias de legitimação, no papel de educadores da
coesão social. Nunca é demais lembrar com Gramsci (2000:41-42) que

[...] o Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a


criar as condições favoráveis a esta expansão, concebidos e apresentados como força
motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as energias
“nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente com os interesses
gerais dos grupos subordinados e a vida estatal é concebida como uma contínua formação e
superação de um equilíbrio instável (no âmbito da lei) entre os interesses do grupo
fundamental e dos grupos subordinados, equilíbrio em que os interesses do grupo
dominante prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito interesse
econômico corporativo.

As ONGs – fundações63 e associações civis sem fins lucrativos que compõem o chamado ‘terceiro setor’ –, em sua
maioria, constituem-se em aparelhos privados de hegemonia que, direta ou indiretamente, reproduzem a concepção
de mundo burguesa mundial no espaço nacional 64. Dados de pesquisa realizada pelo IBGE 65 revelam que entre 1996
e 2002 o número dessas instituições cresceu 157%. Elas perfazem um total de 275.895 instituições. Tais instituições,
formalmente classificadas como sem fins lucrativos, exercem, simultaneamente, várias funções de legitimação
político-social.
Em primeiro lugar, elas vêm absorvendo um contingente significativo de trabalhadores excluídos do mercado de
trabalho em decorrência da crise estrutural que atravessa o país nas duas últimas décadas. A mesma pesquisa traz à
luz que, além de injetarem na atualidade cerca de R$17,5 bilhões na economia provenientes de pagamento de
salários e de remunerações, as ONGs empregam 1,54 milhão de trabalhadores assalariados, com um salário médio
de R$871,00, sendo o seu efetivo superior a três vezes o total de servidores públicos federais na ativa em 2002. O
valor médio do salário pago pelas fundações e associações em áreas sociais parece indicar que as ONGs absorvem
um contingente expressivo da força de trabalho qualificada com formação em ciências humanas, um contingente de
“prestadores de serviços sociais” que se constituem, também, potencialmente, em militantes políticos da cidadania
neoliberal, já que, para garantirem o seu trabalho, acabam por seguir as idéias e ideais dos seus empregadores.
Em segundo lugar, essas ONGs consubstanciam-se em espaço privilegiado de difusão do trabalho precário no país,
uma vez que absorvem cerca de 14 milhões de trabalhadores informais, um contingente da população
majoritariamente urbana que, ao invés de reivindicar coletivamente melhores condições de trabalho, premidos pela
falta de emprego acabam por viabilizar as políticas neoliberais de superexploração da força de trabalho.
As ONGs se constituem também em parceiras do Estado em sentido estrito na implementação das políticas sociais
neoliberais, mesmo que não recebam financiamento governamental. Em outros termos, as ONGs se constituem em
veículo privilegiado de construção e sedimentação da sociedade civil ativa, proposição do neoliberalismo da terceira
via. Os dados da pesquisa do IBGE atestam tal argumento. Das 275.895 fundações e associações existentes no
Brasil hoje, apenas 4% foram criadas antes de 1970. Mais de um quinto delas (22,46%) surgiu ainda na década de
1980, e 50% foram estabelecidas entre 1991 e 2000. Só em 2001 e 2002, foram criadas 11,19%, indicando assim um
ritmo acelerado de seu crescimento nos anos iniciais deste século. Embora concentrando sua atuação na região
Sudeste do país (44% do total), elas se espraiam por todo o território nacional, evidenciando o crescimento de um

qualidade para todos; 3 – igualdade entre os sexos e a valorização da mulher; 4 – reduzir a mortalidade infantil; 5 – melhorar a
saúde das gestantes; 6 – combater a AIDS; 7 – qualidade de vida e meio ambiente; 8 – todo mundo trabalhando pelo
desenvolvimento. O Brasil assina esse “pacto mundial de sustentabilidade do planeta e da humanidade”, baseado no
desenvolvimento de ações conjuntas entre governo e sociedade e incorpora, no carnaval de 2005, os objetivos do milênio por
intermédio do enredo da tradicional escola de samba carioca Portela.
63
Sobre fundações empresariais, ver capítulo 4 deste livro.
64
Contraditoriamente, diversas ONGs continuam o seu trabalho, em uma abordagem iniciada nos anos de 1980, de cimentar a
organização específica popular com a direção unitária da organização da classe em nível nacional. Esse movimento de
construção de contra-hegemonia desses novos sujeitos políticos coletivos nos anos de neoliberalismo não se constitui em objeto
desta pesquisa, mas estão a demandar estudos e pesquisas por parte dos analistas políticos da realidade brasileira.
65
Adotando a construção teórica e ideológica de ‘terceiro setor’, o IBGE selecionou do Cadastro Geral das Empresas do IBGE
(CEMPRE) as empresas que satisfazem aos seguintes critérios: privadas, sem fins lucrativos, institucionalizadas (ou seja,
legalmente constituídas), auto-administradas (controlam suas próprias atividades) e voluntárias. Mesmo que se possa criticar os
fundamentos da metodologia empregada, essa iniciativa do IBGE oferece uma noção mais clara do grau de difusão desses novos
aparelhos privados de hegemonia que vêm contribuindo efetivamente para contrabalançar a correlação das forças sociais no
Brasil contemporâneo em favor da conservação das relações sociais de produção vigentes.
59
associativismo de novo tipo, no processo de ocidentalização da sociedade brasileira. O governo Lula da Silva
destinou, em 2004, R$1,2 bilhão para as ONGs que executam, “prestando serviços sociais”, suas políticas 66.
Especificamente as associações civis privadas sem fins lucrativos, vêm se constituindo, ainda, desde que eclodiram
no cenário político nacional, como instrumentos de ampliação dos marcos da democracia direta nos anos de abertura
política, em importantes veículos de repolitização da política, pois, por intermédio do financiamento externo de suas
atividades67, passaram, em boa parte, a disseminar os postulados e proposições neoliberais já hegemônicos à época
em âmbito internacional.
Contribuíram, nesse sentido, a tácita divisão existente no campo da luta contra-hegemônica da abertura política entre
movimentos sociais voltados para a transformação das relações de trabalho e movimentos sociais voltados para a
construção da cidadania, que dissociando, na prática, as dimensões de trabalho e vida nas indissociáveis relações
sociais capitalistas de produção da existência, concorriam para a fragmentação movimentista e a introdução de novas
formulações aparentemente progressistas; a necessidade de sobrevivência financeira das associações enquanto
empresas sociais e a sua adesão progressiva ao pragmatismo da ideologia da responsabilidade social.
As fundações empresariais, por sua vez, ganham visibilidade mais tardiamente, a partir dos governos FHC, como
forma de ampliar, atualizando, os aparelhos tradicionais de hegemonia burguesa dos anos de desenvolvimentismo.
Vale ressaltar que a natureza fragmentária das ONGs por si só não se constitui um problema no campo popular,
desde que se construam elementos de ligação entre estas e instrumentos de síntese que considerem igualmente
importantes temas tradicionais das lutas no campo da esquerda e as novas temáticas abraçadas por esses novos
sujeitos políticos coletivos (Marcelo MELO, 2004), superando a falsa dicotomia entre interesses ético-políticos e
econômicos na luta pela emancipação política da classe trabalhadora. Nessa mesma perspectiva, Wood (2003:224-
225) alerta que

[...] o projeto socialista deve ser enriquecido com os recursos e as idéias dos “novos
movimentos sociais” (que não são tão novos), e não empobrecidos pelo uso desses
recursos e idéias como desculpa para desintegrar a resistência ao capitalismo. Não
devemos confundir respeito pela pluralidade da experiência humana e das lutas sociais com
a dissolução completa da causalidade histórica, em que nada existe além de diversidade,
diferença e contingência, nenhuma estrutura unificadora, nenhuma lógica de processo, em
que não existe o capitalismo e, portanto, nem a sua negação, nem um projeto de
emancipação humana.

No movimento de expansão da democracia direta nos anos de 1990, o importante princípio da participação política,
ressignificado pela burguesia mundial, ganha um caráter “asséptico”, de participação social em boa parte das ONGs
preexistentes. As novas ONGs, surgidas do estímulo da política de parceria dos governos neoliberais, por sua vez, já
nascem com essa nova mentalidade. Reportando-se a essa nova configuração histórica, Arantes (2000:3), no
belíssimo ensaio Esquerda e direita no espelho das ONGs, registra essa nova forma de interação entre aparelhagem
estatal e sociedade civil:

De uns tempos para cá, autoridades governamentais desandaram a gesticular e arengar


como se fossem militantes de uma ONG, de todas as ONGs, misteriosamente eleitos pela
mão invisível do destino para advogar a boa causa da sociedade, ocupando, porém, graças
sabe-se lá a que manobras astuciosas da razão, postos-chave no aparelho de Estado,
sobretudo os diretamente concernidos por uma enteléquia cívica denominada “o social”. Ato
contínuo, têm se dedicado a lançar “programas” de fortalecimento da “sociedade civil”, como
se esta fosse uma área de fomento e, pelo visto, em promoção. É um tal de abrir e construir
“espaços”, nos quais “interagem” atores (novos, de preferência) que trocam juras de
“compromisso” e “envolvimento” mútuos, tudo num registro altamente “pró-ativo”.

Grande parte das ONGs, na sua nova dimensão interativa e moralizante, certamente desempenha no cenário nacional
da atualidade papel de protagonista de uma grande política que tem nas forças políticas da nova social-democracia,
agrupadas em torno do PT e do PSDB, no âmbito partidário, e da CUT cidadã e da Força Sindical, no âmbito sindical,
importantes formuladores e difusores.
O êxito obtido até então pela nova pedagogia da hegemonia resulta, em parte considerável, da capacidade que vem
tendo a burguesia mundial e também a brasileira de levar em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre
os quais a hegemonia é exercida, pelo atendimento, embora molecular, das demandas econômico-corporativas das
classes dominadas. Esse equilíbrio instável conseguido entre interesses antagônicos, no centro e na periferia do

66
MINISTÉRIO e IBGE: sistema único social. O Globo, Rio de Janeiro, 11 dez. 2004, Economia, p. 33.
67
Essas associações foram quase que exclusivamente financiadas nos anos de 1970 e 1980 por ONGs estrangeiras, por governos de
países centrais, pela ação internacional da Igreja Católica e por organismos financeiros internacionais.
60
capitalismo nos anos recentes, sob a direção burguesa, pode, no entanto, em tempo ainda não divisado, ser
interrompido em decorrência do agravamento da precarização das condições de trabalho e de vida de um contingente
considerável da população mundial e nacional, pondo em xeque os limites próprios da socialização da riqueza e do
poder nos marcos estreitos das relações sociais de produção capitalista, favorecendo com isso o fortalecimento de
uma proposta contra-hegemônica de organização societária.

61
4. ESTRATÉGIAS BURGUESAS DE OBTENÇÃO DO CONSENSO NOS ANOS DE NEOLIBERALISMO
DA TERCEIRA VIA
André Silva Martins*
Desde os primórdios do século XX, a burguesia brasileira se viu forçada a criar organizações para defender e
representar seus interesses de classe, contribuindo de maneira singular para o longo e complexo processo de
“ocidentalização” do Estado brasileiro. Em especial, a burguesia ligada à indústria, ao optar pelo caminho da
adaptação passiva ao modelo capitalista de desenvolvimento subordinado e dependente, deu a sua parcela de
contribuição ao se ver diante de dois grandes problemas políticos.
Primeiramente, tinha de disputar, no interior da aparelhagem estatal, medidas de proteção à frágil indústria nacional,
em face das fortes oscilações cambiais e do grande favorecimento ao setor agrário e de importação. Em segundo
lugar, tinha a necessidade de conter, no âmbito da sociedade civil, a expansão e o fortalecimento do movimento
operário que, desde a fase embrionária do industrialismo, apresentava uma certa capacidade de se organizar
autonomamente e implementar suas lutas políticas. Em relação a ess desafio, a estratégia utilizada foi restrita às
formas autoritárias e policialescas, revelando que o fundamental para essa classe era assegurar o seu
enriquecimento, independentemente dos meios utilizados (FERNANDES, 1981).
Entretanto, ao longo do industrialismo no país, as formas efêmeras de organização burguesa do setor industrial
evoluíram paulatinamente em decorrência das modernas relações sociais que iam se estabelecendo, resultantes das
lutas travadas nas diversas conjunturas. Esse processo foi decisivo para que estratégias modernas de convencimento
político-social fossem aprimoradas em substituição aos mecanismos baseados preponderantemente na força. Assim,
lentamente, a burguesia foi desenvolvendo mecanismos políticos mais sofisticados e eficientes de dominação cuja
tônica foi deslocada para o convencimento.
O refinamento das estratégias de obtenção do consenso em torno do projeto societário burguês só foi possível porque
essa classe foi capaz de aperfeiçoar, progressivamente, as suas organizações em cada conjuntura e com isso refinar
suas ações políticas. Assim, a história das estratégias de obtenção do consenso como mecanismos para realização
de um determinado projeto hegemônico de sociedade passou a se confundir com a história das organizações
burguesas no país.
Estratégias Burguesas de Obtenção do Consenso nos Anos de Desenvolvimentismo
As primeiras organizações burguesas foram decisivas para o acúmulo de experiências políticas após os anos de
1930. O Centro Industrial do Brasil, criado em 1904 e o Centro Industrial de São Paulo, criado em 1928, pela ruptura
dos empresários da indústria com a Associação Comercial localizada naquela cidade, são considerados marcos
significativos da organização burguesa nos anos iniciais do Brasil urbano-industrial (LEOPOLDI, 2000)1.
Após alguns anos em que a atuação dessas primeiras entidades já se tornava expressiva para a realidade da época,
e que outras entidades locais e regionais foram criadas, acompanhando o crescimento da atividade industrial, a
vigência de um novo ordenamento político orquestrado pelo governo de Getúlio Vargas estabeleceu que as entidades
existentes e todas aquelas criadas com a idéia de representação dos interesses fossem submetidas ao Decreto nº
19.770/1931, que, além de alterar as formas de atuação e de organização, submeteu essas entidades à tutela do
Estado.
Como decorrência do imperativo legal, aperfeiçoado por outros decretos, como os de nº s 24.694/1934 e 1.402/1939,
um novo desenho da estrutura de representações dos interesses foi criado no Brasil com o objetivo de regular,
institucionalizar e oficializar as práticas sindicais no país 2. Assim, a representação passou a ser organizada de forma
vertical e tutelada pelo Estado, oferecendo novas bases para implementação das estratégias políticas.
Segundo Leopoldi (2000), embora a legislação sindical tenha gerado, em um primeiro momento, certas discordâncias
de setores da base empresarial, os ajustes legais demandados pela Confederação Industrial do Brasil foram
suficientes para acomodar as inquietações burguesas. Nesse sentido, a autora afirma que o Decreto nº 24.694/1934,
destinado a adequar a legislação sindical à Constituição de 1934, incorporou as propostas empresariais aparando as
arestas políticas geradas pelo arcabouço jurídico de 1931.
No campo da burguesia, as determinações legais possibilitaram a formação, alguns anos mais tarde, de uma
complexa estrutura – sistema sindical patronal – formada por sindicatos por ramo de produção (congregando
empresas de um tipo de atividade econômica), federações estaduais (responsáveis pela aglutinação de todos os
sindicatos localizados nos estados) e uma confederação nacional (responsável pela convergência das federações,
órgão máximo da representação da burguesia industrial no país).

*
Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFF, é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisador do Coletivo de
Estudos de Política Educacional e do Núcleo de Educação, Trabalho, Tecnologia da UFJF.
1
De acordo com essa autora, algumas entidades serviram de base para a organização do Centro Industrial do Brasil: Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional (1870); Associação Industrial (1881); Centro Industrial (1890-1892); Centro de Fiação e
Tecelagem de Algodão do Rio de Janeiro (1902-1904).
2
O Centro Industrial do Brasil foi transformado, em 1933, em Confederação Industrial do Brasil. Em 1938, essa entidade foi
substituída pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI), até hoje existente.
Seguindo um processo de consolidação da nova estrutura sindical ao longo da era Vargas, a burguesia industrial
brasileira passou a desempenhar um papel político-social de grande importância, à medida que foi estabelecendo
laços de cooperação intensos com a aparelhagem estatal na definição de políticas públicas.
Um dos resultados mais concretos da importância do papel político da burguesia industrial foi a destinação a essa
fração da classe, representada na Confederação Nacional das Indústrias (CNI), da tarefa de educar a força de
trabalho industrial brasileira por intermédio de um organismo criado em 1942: Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial (SENAI).
Essas estratégias de convencimento e de educação da força de trabalho foram mais adiante. No contexto do
recrudescimento da luta de classes no país, das medidas repressivas do governo central sobre os trabalhadores nos
anos do pós-guerra e do crescimento vertiginoso do parque industrial brasileiro, foi criado, por intermédio do Decreto-
Lei nº 9.043/1946, um outro organismo responsável por importantes ações de educação da classe trabalhadora, o
Serviço Social da Indústria (SESI), também sob o comando da burguesia industrial representada pela CNI. Os
objetivos político-ideológicos desse organismo, que se mantém em atividade até hoje, eram muito claros e de grande
relevância para o sistema sindical patronal. Conforme definido no artigo 1º do citado decreto-lei, o SESI deveria

[...] estudar, planejar e executar, direta ou indiretamente, medidas que contribuam para o
bem-estar social dos trabalhadores na indústria e nas atividades assemelhadas,
concorrendo para o aperfeiçoamento moral e cívico do padrão geral da vida do país, e bem
assim, para o aperfeiçoamento moral e cívico e o desenvolvimento do espírito de
solidariedade entre as classes.

Difundindo conhecimentos, técnicas, hábitos comportamentais e normas exigidas pelo paradigma taylorista-fordista, o
SESI disseminava a cultura urbano-industrial, conformando os trabalhadores dentro de referências modernas de vida
e de trabalho. A educação política, tendo como base a “colaboração”, ao invés do confronto classista, constituía-se já
naquele momento no eixo central do trabalho desse organismo por meio da promoção de ações sociabilizantes
ligadas a saúde, educação e lazer dos trabalhadores da indústria e de seus dependentes, com vistas a implantar em
larga escala um determinado modo de vida e cidadania.
O SESI, sob o comando do sistema CNI, por sua característica e trabalho político pode ser apontado como o principal
organismo de adaptação psicofísica de parcelas significativas de trabalhadores e de seus familiares aos padrões
burgueses de mundo racionalizado nos tempos do desenvolvimentismo.
A partir da década de 1950, período em que todo o sistema sindical patronal já estava consolidado, e mais
especificamente ao longo do governo de Juscelino Kubitschek, em que se processaram significativas mudanças na
industrialização brasileira com o crescimento vertiginoso do setor industrial de bens de consumo, um novo movimento
foi inaugurado por setores do empresariado da indústria. Dele foram gerados organismos como: Associação da
Indústria de Autopeças (1951), Associação Brasileira de Cerâmica (1953), Associação Brasileira de Indústria de Base
(1955), Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (1956), dentre outras.
Tais organismos de interesse de classe nasceram a partir do crescimento e complexificação da atividade industrial e
seus desdobramentos nas relações de comércio interno e externo e, principalmente, do aprofundamento
extraordinário da atuação político-econômica do Estado capitalista monopolista na reprodução do capital em termos
globais, bem como das disputas entre as frações do capital.
Esse novo tipo de organização, nascida a partir da intervenção direta do Estado no processo produtivo e das tensões
internas da burguesia industrial, décadas mais tarde passaria a integrar o sistema CNI. Embora estivessem mais
voltados a inscrever demandas diretas e específicas dos diferentes setores no âmbito da aparelhagem estatal do que,
de fato, sedimentar na sociedade civil uma representação mais geral de seus interesses, esses organismos indicam a
existência de disputas pela direção do projeto societário burguês 3.
A partir de 1940 e, principalmente, nos anos de 1950, o trabalho do SESI seguiu a linha do aprofundamento e
consolidação das ações técnico-políticas de formação e adaptação humana necessária ao desenvolvimento do
industrialismo segundo o paradigma taylorista-fordista em diversas partes do país. O conjunto de ações
socioeducativas e de atendimentos de saúde desenvolvidos por esse organismo entrou em uma escala de
crescimento quantitativo e qualitativo, acompanhando o próprio ritmo de crescimento industrial.
Contudo, os investimentos financeiros e políticos executados pelo empresariado industrial na busca da adaptação e
formação humana e de obtenção do consenso em torno de seu projeto societário parecem não ter sido suficientes
para reverter os determinantes da mobilização popular que nos anos de 1960 passaram a “perturbar” a ordem
capitalista brasileira. O achatamento salarial e o aumento do exército industrial de reserva decorrentes dos crescentes
fluxos migratórios, a precarização das condições de vida nas cidades, as crises de abastecimento e a insatisfação

3
Com as mudanças no paradigma produtivo das últimas décadas do século XX, essas entidades acumularam, além da
representação setorial, a função de atualizar e tornar mais competitivas as empresas do setor por meio de difusão de orientações
técnicas, de informações tecnológicas, de promoção de cursos e seminários etc.
63
popular com as condições concretas de vida – fatores catalisados pelas lutas sindicais – criaram um clima de
instabilidade política nada favorável aos setores dominantes.
Mediante as pressões que vinham da classe trabalhadora e da “insuficiência” dos organismos que já atuavam na
obtenção do consenso, e levando em conta o acúmulo das experiências de organização burguesa desenvolvida
desde os anos iniciais do industrialismo brasileiro – muito influenciado por níveis mais elementares de consciência
política coletiva –, os diversos segmentos empresariais tiveram de apostar em outras organizações para além da
esfera da produção, mantendo um único objetivo: resguardar as condições políticas e econômicas que assegurariam
a posição da burguesia como classe dominante e dirigente do país.
Nessa linha, nos anos de 1960, destaca-se a criação e atuação política do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais
(IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD). Segundo Dreifuss (1981:164), esses organismos
formaram um complexo político que se tornou o “[...] verdadeiro partido da burguesia e seu estado-maior para ação
ideológica, política e militar”. Reunindo as frações monopolistas e não-monopolistas da burguesia brasileira no
combate às restrições ao capital estrangeiro que se desenhavam nas políticas do governo de João Goulart e no
enfrentamento das forças sociais que demonstravam vontade de desestabilizar a ordem capitalista brasileira, o IPES e
o IBAD atuaram decisivamente na organização e sustentação política do golpe de 1964, assegurando nos anos
seguintes a supremacia do capital monopolista na direção do processo político-econômico brasileiro (DREIFUSS,
1981).
É possível registrar ainda que a complexificação da estrutura partidária brasileira no período de 1945 a 1964, mesmo
com seus fortes traços de regionalismo, de pouca clareza ideológica e de muita fragilidade organizativa, pode ser
tomada como pequeno esboço de tentativas de diversas frações de classe burguesa na definição de canais de
inserção política na sociedade civil brasileira. Entretanto, tal tendência não se confirmou, porque o golpe de 1964
impôs um novo ordenamento para a organização partidária no país, que prevaleceu por 15 anos.
Outras organizações, no âmbito da sociedade civil, foram portadoras de certas concepções de mundo que convergiam
com as bandeiras políticas do sistema sindical patronal. Esses organismos contaram com a importante presença,
embora não exclusiva, de membros da burguesia brasileira. Os chamados ‘clubes de serviço’ que passaram a
funcionar no Brasil desde as primeiras décadas do século XX – Rotary e Lions –, cujos princípios organizativos e de
intervenção social estavam submetidos às indicações de suas matrizes norte-americanas, foram responsáveis por
disseminar determinadas formas de participação privada nas questões sociais, em especial em projetos sociais que
procuram minimizar, dentro do ordenamento capitalista, os problemas do campo social, configurando-se como
mecanismos compensatórios de assistência social dentro do modelo do Estado de Bem-Estar Social4.
Contudo, a movimentação política de amplos setores da burguesia brasileira indicou que havia um projeto de
sociedade que se desejava consolidar. Tal consolidação só seria possível se as organizações burguesas no âmbito da
sociedade civil estivessem comprometidas com as estratégias políticas de aprimoramento e consolidação em um novo
patamar do padrão desenvolvimentista. Nesse modelo, o aparelho estatal assumiu o papel de importante organizador
da acumulação privada, impulsionando e fortalecendo o capital estrangeiro e o capital nacional, localizado
principalmente no setor de bens de consumo. Assim, o capitalismo brasileiro atingiu taxas extraordinárias de
crescimento à custa da exploração da classe trabalhadora, aprofundando ainda mais a concentração da riqueza no
país.
No quadro de crescente repressão política e de precarização das condições de vida dos trabalhadores brasileiros, o
SESI desempenhou um papel importante na acomodação social e na contenção da insatisfação dos trabalhadores
fabris, o que demandou certas adequações na sua estrutura. A partir de 1969, o SESI mudou o modelo gerencial até
então implementado por outro mais moderno, com o objetivo de acompanhar as demandas industriais no período
conhecido como “milagre econômico” (SESI, 2004).
Entretanto, quando as políticas desse período davam claros sinais de esgotamento, aprofundando ainda mais os
problemas sociais do país e a classe trabalhadora iniciava um rico processo de reorganização e enfrentamento ao
quadro estabelecido, pressionando a burguesia industrial brasileira com greves e protestos, o SESI foi orientado a
estabelecer programas sociais compensatórios mais agressivos para atenuar os conflitos e recompor um nível
satisfatório de coesão social (SESI, 2004).
Embora a orientação da burguesia em seu conjunto se caracterizasse pelo duro enfrentamento aos trabalhadores
organizados, por intermédio dos aparelhos repressivos do Estado, suas ações específicas de obtenção do consenso
dos trabalhadores atomizados continuaram a se expandir.
O quadro que emergiu após o “milagre econômico” foi marcado por diversos aspectos que comprometeram o modelo
econômico praticado, bem como a “legitimidade” do regime ditatorial. Registrou-se nesse período um aumento
substantivo da dívida externa brasileira, decorrente da aquisição de volumosos empréstimos acordados em taxas de
juros exorbitantes, devido à crise mundial instalada em todo o sistema, principalmente nos centros mais dinâmicos.
Com esse pano de fundo, existiam nítidos sinais de que o Estado capitalista monopolista, como indutor principal do
sistema, era incapaz de manter o ritmo acelerado de crescimento econômico como registrado no período anterior,

4
Sobre o significado e papel político do Rotary Club no contexto de consolidação do fordismo nos Estados Unidos, cujos
princípios eram os mesmos praticados no Brasil, ver Gramsci (2001:295-297 e nota 11, p. 369).
64
abrindo um longo período de recessão econômica. No plano político, a repressão foi intensificada e a explicitação dos
antagonismos exacerbou a luta entre capital e trabalho.
Por fim, esse conjunto de determinantes repercutiu intensamente nas relações internas do bloco no poder 5, criando
tensões e disputas entre as diversas frações do capital. Os interesses imediatos do capital financeiro conflitavam com
os interesses também imediatos do capital industrial. Na fração industrial, os interesses do setor monopolista eram
distintos se comparados com os do setor não-monopolista. Por sua vez, as demandas do capital agroexportador
também entravam em linhas de atrito com as demais frações.
As tentativas de ajustamento do padrão desenvolvimentista não lograram sucesso, aprofundando o clima de
instabilidade do pacto entre as forças que compunham o bloco no poder. Essa instabilidade política foi crescendo à
medida que as críticas do campo burguês sobre a centralização do poder ganharam força ao lado de denúncias de
que o Estado havia crescido muito e que sua presença na economia estrangulava qualquer tentativa de retomada do
crescimento econômico.
Além disso, as pressões oriundas do campo do trabalho foram se tornando cada vez mais intensas, tanto pela
ampliação considerável da mobilização popular, quanto pelo nascimento do “novo sindicalismo”, frutos da elevação do
nível de consciência política coletiva da classe trabalhadora.
Tais fatores foram determinantes para que se instalasse um processo de abertura política, ainda que comandado pelo
alto, e uma forte crise de hegemonia burguesa que se estendeu para além dos anos de 1980. Esse contexto criou
novos desafios para a burguesia brasileira como um todo.
No período em que predominou a falta de unidade política por parte da burguesia em torno das perspectivas de seu
projeto para o Brasil, registra-se um novo processo de modernização das organizações burguesas, de criação de
novos organismos e de movimentos de atualização de sua agenda política em conformidade com as recentes
diretrizes e estratégias internacionais que foram sendo delineadas nos países centrais do sistema capitalista.
Nos anos de 1980, o sistema CNI passou por um processo de modernização para responder de maneira mais efetiva
aos desafios da indústria brasileira em um contexto de crise mundial e de substituição do paradigma taylorista-fordista
por outro de base mais flexível. Assim,

[...] empenhado na promoção de uma moderna política de capacitação de recursos humanos


em todo o país, [a presidência do sistema] mobilizou o potencial da CNI para aplicar um
choque de competência nas estruturas e nos programas das três entidades que representam
o capitalismo social no Brasil: SESI, SENAI e IEL. A filosofia de atuação do SESI tornou-se
mais abrangente, evoluindo da assistência para a promoção social em sentido amplo (SESI,
2004, grifo nosso).

Fica evidente que o órgão máximo da representação dos interesses da burguesia industrial brasileira procurou
incorporar, em seu discurso e em suas práticas, algumas referências técnicas, organizativas e políticas mais
compatíveis com o novo modelo de desenvolvimento que se processava em algumas partes do mundo capitalista,
reformulando suas estratégias de obtenção do consenso em tempos de esgotamento do desenvolvimentismo.
Por fora do sistema sindical patronal, outras iniciativas ilustram o quadro de crise de hegemonia burguesa e de
redefinições de suas estratégias políticas. Destaca-se a articulação de setores das frações monopolistas e não-
monopolistas do capital industrial e financeiro para a criação, em 1983, de uma rede de aparelhos privados de
hegemonia: o Instituto Liberal (IL) 6. Fundado no Rio de Janeiro, expandiu-se posteriormente para São Paulo, Rio
Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará e Brasília. A sua atuação mais sistemática concentrou-se
nos três primeiros estados, tendo na sede do Distrito Federal a ponta-d- lança na relação com a aparelhagem estatal.
Desde sua criação, o IL esteve integrado a uma rede internacional7 comprometida com a difusão do pensamento
neoliberal pelo mundo. Sua principal tarefa política foi a

[...] divulgação da doutrina neoliberal, especialmente dos preceitos da Escola Austríaca de


Economia, entre seus pares e nos meios formadores de opinião – universitários,
jornalísticos, políticos, militares, jurídicos e intelectuais em geral –, e de formulação de
propostas de projetos de políticas públicas de cunho liberal (GROS, 2003).

Fundamentado nos preceitos morais, políticos e econômicos da doutrina neoliberal, esse organismo exerceu um papel
educativo sobre setores da sociedade, formulando e difundindo referências para um novo projeto de desenvolvimento

5
Empregamos o conceito de ‘bloco histórico’ no sentido atribuído por Poulantzas (1980), qual seja, a unidade entre frações de uma
mesma classe social em torno de interesses gerais que se fazem representar no Estado, sem que sejam eliminadas as disputas de
interesses dessas frações dentro de um mesmo projeto político-econômico mais amplo.
6
Em Gros (2003), encontra-se a relação dos empresários fundadores do primeiro Instituto Liberal.
7
A rede internacional integrada pela rede brasileira de Institutos Liberais é composta por entidades estadunidenses e latino-
americanas. A relação dessas entidades encontra-se em Gross (2003).
65
e de sociabilidade para o país. Com mais de uma década de antecedência, o IL se mostrou empenhado em defender
o paradigma que viria alguns anos mais tarde a substituir o modelo desenvolvimentista no Brasil.
O trabalho educativo desse aparelho privado de hegemonia se deu em várias frentes, podendo ser sintetizado nas
seguintes pontos: (i) intensificação da divulgação de obras clássicas da doutrina neoliberal, por meio de tradução e
publicação de autores como Friederich Hayek, Ludwig Von Mises e outros; (ii) realização de colóquios e seminários,
com o objetivo de convencer empresários, juristas, economistas, jornalistas e militares de alta patente em torno da
chamada “modernização capitalista”, assegurando, assim, um corpo de “funcionários” responsáveis pela difusão e
convencimento da superioridade do capitalismo frente ao socialismo e do Estado neoliberal frente ao modelo de
Estado de Bem-Estar Social; (iii) cursos de doutrina liberal (abertos ao público) e formação de grupos comunitários
para divulgação dessa doutrina; (iv) implementação de ações diretas: na educação básica, especificamente no estado
de São Paulo – centro dinâmico da economia brasileira e local de forte organização operária –, por meio de cursos de
capacitação de professores e da produção de material didático; na educação superior, por intermédio de parcerias
com universidades (Universidade de São Paulo/Filosofia; Universidade de Campinas/Economia; Universidade
Mackenzie/Economia; Universidade Santa Úrsula/Economia, entre outras), com o objetivo de “desideologizar” os
cursos de graduação;(iv) avaliação das implicações econômicas e políticas dos projetos que tramitavam no Legislativo
Federal; (v) proposição de novos projetos de leis e de políticas públicas.
Esse organismo foi importantíssimo na difusão do neoliberalismo na década de 1980 e nos anos iniciais de 1990,
contando com o apoio de grandes grupos empresariais em atividade no país (GROS, 2003) 8. Além disso, ele
representou a inovação das estratégias burguesas na disputa pela hegemonia no país naquele momento de crise.
Sua criação expressa, ainda, a incapacidade de o sistema sindical patronal da indústria dirigir sozinho as ações
burguesas de obtenção do consenso no período.
Essa pequena, mas significativa, coalizão de empresários reunidos no Instituto Liberal inaugurou uma nova forma de
representar os interesses de classe ao definir estratégias modernas de obtenção de consenso e de incentivo à
elevação da consciência política coletiva burguesa para além dos interesses mais imediatos.
Anos mais tarde, também no vácuo deixado pelo aparelho sindical patronal, empresários de diversos setores da
indústria nacional criaram uma outra entidade, com o objetivo de dinamizar a representação de seus interesses junto
à aparelhagem estatal, de modo a influenciar as políticas econômicas que redefiniriam os rumos do desenvolvimento
brasileiro. Com a tarefa de produzir conhecimentos e definir estratégias de pressão política, o Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), criado em 1989, passou a atuar no cenário brasileiro como o protagonista da
defesa da indústria nacional e de uma determinada perspectiva de funcionamento da economia, sem assumir
oficialmente uma postura de oposição ao sistema tradicional de representação e sem definir ações políticas dirigidas
diretamente aos campos político e social (DINIZ e BOSCHI, 2003) 9.
Os relatórios desse organismo indicam que a grande preocupação de seus articuladores era garantir o rearranjo do
capitalismo brasileiro frente ao contexto internacional de crise, tendo como referência do processo a indústria nacional
(IEDI, 1999; 2001). O relatório de 2001 afirma ter sido esse instituto a primeira entidade empresarial a defender
políticas para uma reestruturação macroeconômica, visando ao aumento da competitividade do país, além de
introduzir no debate nacional outros temas ligados aos interesses da indústria e ao desenvolvimento brasileiro. De
fato, todas as indicações contidas nesses documentos revelam preocupações estratégicas mais gerais para o
reordenamento interno do país diante das mudanças do sistema capitalista. No documento “Mudar para Competir”, de
1990, encontra-se a seguinte afirmação:

[...] a competitividade de um país baseia-se evidentemente na capacidade de suas


empresas de serem competitivas a nível internacional. Mas essas empresas não são
elementos isolados. Elas fazem parte do sistema sócio-econômico da nação em que se
encontram. A competitividade, portanto, inclui decisivamente elementos coletivos e
estruturais pertinentes ao ambiente em que trabalha a empresa. Elementos essenciais,
concretos, como a disponibilidade de linhas de financiamento, de infra-estrutura de
comunicações, de energia, de meios de transporte, de recursos tecnológicos básicos.
Elementos culturais como o sistema educacional, o aparato institucional público e privado,
as relações entre capital e trabalho. Tudo aquilo que constrói um tecido industrial competitivo
(citado por IEDI, 2001:5).

É importante destacar que a entidade surgiu em um contexto de incertezas e tensões. No plano econômico, o período
era ainda marcado por um forte quadro recessivo e de baixos índices de crescimento da atividade industrial, tanto no

8
De acordo com Gros (2003), são responsáveis pelo financiamento do Instituto Liberal, entre outros: Xerox do Brasil; Hoescht do
Brasil, Dow Química, Gessy Lever, Nestlé, Carrefour, Grupo Fenícia, Indústrias Villares, BRADESCO, Banco de Crédito
Nacional, Banco Noroeste, Citibank, Bank of Boston, Shell.
9
O primeiro presidente do IEDI foi o empresário José Ermírio de Moraes Filho do grupo Votorantin. Em IEDI (2001), consta
relação de seus fundadores.
66
plano interno, quanto no externo, associado às fortes sinalizações de uma nova fase de mundialização do capital,
tendo a fração financeira a direção do processo. No sociopolítico, a burguesia convivia com a falta de um projeto de
desenvolvimento capitalista capaz de assegurar a unidade política das diferentes frações de sua classe e de assimilar
toda a sociedade em torno de um único projeto. Esse quadro de crise de hegemonia burguesa foi caracterizado pelo
próprio IEDI nos seguintes termos:

[...] as entidades de classe então existentes, organizadas segundo os setores industriais,


estavam, naquela época, excessivamente envolvidas com questões específicas e com o
curto prazo, algo que era imposto pela crise econômica e sua rápida evolução. A percepção
dos empresários que vieram a criar o IEDI era a de que se tornava necessário reunir forças
e pensamentos para além dos desdobramentos conjunturais ou de curto prazo da crise da
economia brasileira. O diagnóstico era de que a crise apresentava dimensão e profundidade
estruturais e que simbolizava o fim de um modelo de desenvolvimento sem que um modelo
alternativo tivesse sido ainda implantado no país. Em outras palavras, foram a percepção da
gravidade da crise dos anos 80 e o entendimento de que era necessário conceber um
modelo alternativo de desenvolvimento para o país os fatores determinantes da criação do
IEDI (IEDI, 2001:4).

A criação do IEDI configurou-se como uma expressão dessas tensões entre as frações políticas burguesas. Apesar de
as justificativas e aproximações recentes entre a entidade e o sistema sindical patronal, a disputa naquele momento
expressou a falta de unidade da burguesia brasileira. O que estava em jogo era a posição de condutor do projeto da
burguesia industrial.
Nesse sentido, é possível afirmar que o IEDI foi pensado como organização destinada a formular, articular e
representar os interesses da grande indústria em um projeto de longo prazo para o Brasil, cujo foco do
desenvolvimento econômico estaria centrado na indústria nacional. Entretanto, em função do intenso processo de
financeirização da economia mundial e da adoção do padrão neoliberal de desenvolvimento no início dos anos de
1990, o IEDI passou, de organismo destinado a representar e defender os interesses da burguesia industrial nacional
no contexto de crise hegemônica, a órgão especializado na formulação de idéias ligadas aos interesses da indústria
como um todo, assumindo, portanto, o papel de assessoramento da CNI e de suas federações estaduais (BIANCHI,
2001).
Por sua vez, o sistema sindical patronal chegou ao final dos anos de 1980 consolidando um importante ciclo de
modernização de todo seu aparato a partir dos princípios de “qualidade”, “eficiência” e “competitividade” industrial,
com vistas às novas exigências geradas pela introdução do paradigma flexível no Brasil no contexto da economia
mundializada. Além das reformulações internas, ao longo da década de 1980 o sistema CNI procurou articular ações
com a Confederação de Associações Comerciais do Brasil, Confederação Nacional dos Transportes Terrestres,
Confederação Nacional do Comércio, Confederação Nacional das Entidades Financeiras e Confederação Nacional da
Agricultura, “com o objetivo de reforçar a posição do capital em seu conjunto na correlação de forças sociais na
conjuntura de transição, junto ao aparato estatal e à sociedade civil, particularmente no embate político [...] travado na
Assembléia Nacional Constituinte” (NEVES, 1994:80).
Na mesma linha, em 1988, o sistema CNI definiu e divulgou, no documento Competitividade industrial: uma estratégia
para o Brasil, as bases e as diretrizes para o reordenamento das políticas industrial, educacional, científica e
tecnológica do país, no sentido da promoção da competitividade industrial e da integração do país na economia
internacional. Contudo, apesar de o grande empenho do sistema sindical patronal em garantir, ao mesmo tempo, as
mudanças substantivas no arcabouço material do Estado e a unidade política da classe burguesa em torno de um
único projeto societário, é possível afirmar que esse organismo não foi capaz de conduzir um processo de reversão da
crise de hegemonia burguesa dos anos de 1980.
A Crise de Hegemonia e o Processo de Redefinição das Organizações Burguesas na Fase Inicial do
Neoliberalismo
Os anos de 1990 correspondem ao período de introdução, aprofundamento e de consolidação do padrão de
desenvolvimento neoliberal no Brasil. Essa década foi palco da reorganização política da burguesia e da redefinição
das relações de poder no país. Entre os anos de 1990 e 1994, as tensões políticas vividas pela burguesia na fase final
do desenvolvimentismo foram mantidas com alto grau de tensão. Superada essa fase, a burguesia brasileira
conseguiu transformar essa tensão em unidade política em torno de um único projeto de sociabilidade, alcançando no
século XXI a condição de se manter como classe dominante e dirigente.
Nessa primeira fase, a entidade Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) protagonizou, ao lado da
Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP) – a maior federação estadual da indústria que compõe o sistema CNI
–, grandes embates na disputa pela direção política do setor industrial da burguesia brasileira, demonstrando
claramente novas tendências e perspectivas para a luta hegemônica no país.

67
O PNBE foi originalmente lançado em 1987, na cidade de São Paulo, sob o comando de empresários industriais da
fração não-monopolista ligados à FIESP10. Inicialmente, o movimento atuou como uma frente de mobilização em que
idéias e projetos pudessem ser discutidos e encaminhados junto à aparelhagem estatal e à sociedade civil.
Entretanto, em 1990, as lideranças dessa frente optaram por institucionalizar o movimento, criando um organismo que
recebeu a mesma denominação. A partir desse momento, o PNBE assumiu como objetivos centrais a disputa da
representação empresarial industrial e a inserção política mais direta na realidade para construção de um novo projeto
burguês de sociabilidade, indicando ao conjunto da burguesia a necessidade de uma nova forma de “fazer política” no
Brasil para além do modelo fordista praticado até então (BIANCHI, 2001). Atuando em linha de confronto com o
sistema sindical patronal, essa entidade não só projetou e legitimou alguns dos mais renomados intelectuais
orgânicos do capital, como também foi capaz de inaugurar um extraordinário processo de “oxigenação” da cultura e
da ação política burguesa no país – fatores decisivos que serviram de base para a definição das novas estratégias
burguesas de obtenção do consenso alguns anos mais tarde.
A “crise de desenvolvimento” e a “ausência de democracia” no sistema sindical patronal e na aparelhagem estatal
podem ser apontadas como os principais alvos das críticas do PNBE. Suas lideranças afirmavam que a falta de
democracia na estrutura sindical da industria e a falta de visão de longo prazo da burguesia brasileira impediam a
definição de um projeto empresarial de sociedade que fosse capaz de assegurar o desenvolvimento econômico e
social do país em novas bases.
Da mesma forma que o IEDI, as principais lideranças do PNBE mantinham laços estreitos com a FIESP; algumas
delas, inclusive, ocupavam cargos de diretoria na entidade quando o movimento foi iniciado. Isso revela que, além da
disputa política pela direção e/ou acomodação das forças dentro do sistema sindical patronal, havia uma outra ordem
de problemas políticos em jogo: a busca da melhor estratégia empresarial para aqueles anos de crise. Foi o PNBE
que denunciou que o sistema sindical patronal trabalhava distante de sua base e que ainda não estava aberto ao
diálogo com outras organizações da sociedade civil. Por isso, cobrava uma postura mais efetiva do sistema sindical
patronal em direção à abertura democrática de suas estruturas e de comprometimento com ações destinadas a
convencer e subordinar todos os segmentos da sociedade em torno de um novo projeto empresarial.
Os temas ‘democracia’, ‘participação’ e ‘representatividade’ tornaram-se recorrentes no vocabulário do PNBE. De
alguma forma, ainda que inspirado em uma lógica burguesa, o PNBE estendia ao sistema sindical patronal a mesma
crítica que diversos sujeitos políticos coletivos e intelectuais faziam ao Estado brasileiro quanto à prevalência do
autoritarismo e das decisões políticas tomadas “pelo alto”. Com esses elementos e dentro dos limites de sua própria
classe, o PNBE acenava favoravelmente a mudanças no comportamento empresarial, tanto na relação com o
governo, quanto na relação com as entidades da classe trabalhadora.
Esse posicionamento indica que os empresários reunidos no PNBE pareciam estar conscientes de que os anos de
1980 haviam gerado um quadro de incertezas políticas e econômicas, cujos desdobramentos ameaçavam as
perspectivas de futuro para sua classe. Por isso, a movimentação política na burguesia foi intensa nos anos iniciais de
1990. O quadro eleitoral para a direção da maior entidade do sistema sindical patronal, o complexo FIESP e Centro
Industrial de São Paulo, no ano de 1992, ilustra bem as tensões desse período. A candidatura de Emerson Kapaz,
apoiada por empresários do PNBE e do IEDI, cuja plataforma política era a democratização interna do sistema oficial
de representação patronal e definição de um projeto empresarial de país, confrontava-se com a candidatura
apresentada pelo forte e poderoso grupo organizado em torno do presidente da entidade, Mário Amato, cuja principal
marca era dar continuidade à postura política até então praticada. O que estava em jogo não eram concepções
antagônicas de sociedade, mas sim a postura e as estratégias da burguesia industrial em tempos de redefinições
econômicas e sociais no país.
A interpretação apresentada por um dos intelectuais do PNBE sobre a crise vivida pelo país e, em especial, pela
própria burguesia, suas dimensões e significados, marca de forma bem elucidativa a problemática aqui tratada.
Alguns anos antes dessa eleição, Emerson Kapaz – no artigo Uma crise de utopias se faz presente na América
Latina, em uma linha muito próxima às análises da terceira via – afirmava que a crise era complexa e precisava ser
enfrentada a partir de novos paradigmas políticos. Expressando-se como intelectual orgânico da fração moderna da
burguesia nacional, Kapaz afirmava que a crise poderia ser definida nos seguintes termos:

No político, a crise se agudiza quer pela ineficácia das instituições políticas representativas
frente à ação das elites com poder financeiro, quer pela internacionalização crescente das
decisões políticas e pela falta de controle que a cidadania tem sobre as burocracias
públicas. Contribuem, também, a configuração de um universo político carente de
fundamento ético e a falta de uma “cultura” democrática arraigada nas sociedades latino-
americanas. No social, a crescente fragmentação de identidades socioculturais, a falta de
integração e comunicação entre movimentos sociais, a crescente exclusão social e política e

10
No período de junho/1990 a abril/1997, vários empresários ocuparam o cargo máximo de direção do PNBE. Oded Grajew,
Emerson Kapaz, Sérgio Mindlin, Eduardo Capobianco, Hélio Mattar, Pedro Camargo Neto, Salo Seibel, Ricardo Youg (Bianchi,
2001).
68
o empobrecimento das grandes massas têm levado ao descontrole dos conflitos no seio da
sociedade, impossibilitando respostas construtivas a tais conflitos. No econômico, o sistema
de dominação sofre atualmente mudanças profundas, onde incidem de maneira substancial
a mundialização da economia, o auge do capital financeiro, com seu enorme poder
concentrador, e os múltiplos efeitos das sucessivas golfadas tecnológicas nos padrões de
consumo (citado por BIANCHI, 2001:69-70, grifo nosso).

Com base nessas referências, foi introduzida na agenda da burguesia brasileira uma série de aspectos para a
renovação da política de organização e de intervenção social que vieram a se tornar mais claros no período de 1995 a
2002, justamente quando a chamada ‘terceira via’ passou de fato a ganhar uma sistematização mais precisa para se
tornar referência de planos de governo de vários países e plataforma política de vários sujeitos políticos coletivos
organizados na sociedade civil.
Um dos traços mais marcantes na trajetória do PNBE, e que provavelmente mais tenha contribuído para mudar a
postura política dos empresários da indústria, foi a concepção de ação política voltada para o conjunto da sociedade.
Um dos dados empíricos que comprovam essa perspectiva foi a presença efetiva do PNBE na articulação do “pacto
social” ocorrido nos anos iniciais do governo Collor de Melo. Coube a esse organismo o papel de liderar o fórum e
mediar as relações entre os trabalhadores, os empresários e o governo, e sempre que necessário, buscar espaços
formais e informais de interlocução política (BIANCHI, 2001). Embora o pacto social não tenha alcançado todos os
objetivos desejados pelo governo, é possível afirmar que o PNBE acumulou valiosas experiências no papel de
articulador nacional.
Em um contexto ainda fortemente marcado pelos efeitos da crise do desenvolvimentismo e das incertezas do novo
padrão de desenvolvimento, ganham destaque as reuniões de entendimento político entre governo, empresários e
trabalhadores, sob a coordenação do PNBE. Ao criar um clima de diálogo e de cooperação, educando os diversos
sujeitos políticos coletivos para uma nova convivência, foi capaz também de arrefecer as críticas e as pressões
populares sobre o governo; estabelecer “acordos” de curto prazo entre as partes; indicar políticas setoriais sob a
matriz neoliberal de desenvolvimento.
Com essa movimentação, foi se firmando uma nova concepção política muito próxima do postulado da terceira via –
de que no mundo atual só há espaço para as saídas negociadas. Nessa linha, o PNBE empenhou-se na difusão, para
toda a sociedade, inclusive para as lideranças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), de que os “antagonismos
de classe” devem ceder lugar ao reconhecimento das “diferenças de interesses” e que a energia empregada no
“confronto político” deve ser convertida em uma nova postura, a da “colaboração social”. Isso revela que a idéia de
“entendimento nacional”, como proposto pelo governo Collor de Melo e difundido pelo PNBE, foi uma estratégia para
enfrentar o clima de instabilidade política agravada por uma crise econômica de larga escala, em um contexto de
introdução de um novo padrão de desenvolvimento no país.
Partindo dessa constatação e acrescentando a ela as contribuições de Bianchi (2001), acerca do detalhamento da
movimentação política do PNBE, bem como as reflexões críticas apresentadas por Boito Jr. (1999) sobre a
participação da CUT no chamado “entendimento nacional” no início dos anos de 1990, pode-se concluir que os
primeiros passos em torno da “democracia dialógica” e de valorização de novos “arranjos democráticos”, em que a
relação capital-trabalho foi convidada a assumir novas significações, foram dados no Brasil, ainda que
embrionariamente, a partir dessas experiências em sintonia com as tendências mundiais de renovação da social-
democracia que já estavam em curso em países europeus. Isso indica que os princípios políticos norteadores desse
movimento mundial já estavam sendo incorporados por organizações empresariais brasileiras antes mesmo de seu
programa orientador, a terceira via, assumir um grau mais elevado de sistematização, isto é, na forma de um
programa, o que veio ocorrer alguns anos mais tarde. Sob essas influências, passos importantes foram dados pelos
empresários na definição de estratégias que geraram laços políticos significativos para a repolitização da política e a
atualização da ideologia burguesa.
Nessa linha, destaca-se a criação de uma entidade, sob a chancela de algumas das lideranças do PNBE, voltada a
mobilizar empresários de postura progressista, interessados em fortalecer os canais efetivos de diálogo e de
construção política com o Partido dos Trabalhadores (PT).
Com o acúmulo de experiências vividas nos anos de 1980, quando certos empresários já se aproximavam do PT de
forma ainda muito constrangida, e, mais tarde, em 1990, década em que as relações foram assumidas claramente,
lideranças empresariais do PNBE que viveram intensamente essas relações resolveram avançar politicamente com a
criação da Cives11. Cumpre registrar que antes de sua fundação cogitou-se na possibilidade de se criar um “núcleo”
dentro do PT, ao invés de uma organização. Essa possibilidade foi descartada porque: (i) restringiria a participação de
outros empresários não interessados na filiação ao PT; (ii) como corpo partidário, as regras (ou amarras) poderiam
bloquear certas ações e projetos de interesses. Com muito prestígio e legitimidade política junto à direção nacional do

11
“Cives” não é uma sigla. Trata-se de uma palavra de origem latina, que significa “cidadãos”. Foi o nome empregado para
denominar a “Associação Brasileira de Empresários para a Cidadania”.
69
PT, a Cives assumiu o compromisso de estabelecer relações mais duradouras, portanto, não meramente eleitorais,
com esse partido (POMAR, 1995).
Assim, enquanto o PNBE manteve-se como ponto de inflexão no debate da agenda política empresarial e na forma de
organização e trabalho da representação de classe no âmbito do sistema sindical patronal, a Cives foi criada como a
ponta-de-lança das relações burguesas modernas para fora da própria classe, ainda que com um número não muito
expressivo de adesões empresariais. Observa-se um mesmo grupo político atuando em dois organismos, numa só
direção.
O PNBE seguiu na defesa da modernização da postura política empresarial e na luta pela elevação da consciência
política coletiva de sua classe. Entretanto, a linha do confronto, marca inicial, foi dando lugar à conciliação na busca
de um novo arranjo de poder por dentro do sistema sindical patronal, cujo desdobramento foi uma efetiva
aproximação do centro de poder do setor industrial.
Por sua vez, a Cives priorizou a construção de laços políticos extraclasse com um dos principais, senão o principal,
sujeito político coletivo da esquerda brasileira – o PT –, com o objetivo de reeducar politicamente a forma de
intervenção desse partido na sociedade e, de modo mais amplo, alterar o horizonte histórico indicado em seu
programa: o socialismo.
Aproveitando-se dessas relações, certos intelectuais das duas entidades passaram também a atuar na construção de
laços políticos com dirigentes sindicais da CUT, para edificação de um pacto social em bases mais sólidas e
duradouras. Esses intelectuais deram um passo político importante ao reunirem lideranças do PT, da CUT, da Força
Sindical (FS) e diversos empresários para realizarem uma visita a Israel, com o objetivo de conhecer as estratégias e
os procedimentos empregados para a construção do pacto social naquele país (BIANCHI, 2001). Oded Grajew12, o
principal articulador dessa viagem – e um dos principais intelectuais do PNBE e da Cives – revelou que

[...] no momento em que o pacto social volta à agenda do país, recordo-me da viagem que
organizei para Israel, em 1997, pelo PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais).
Reunimos, de forma absolutamente inimaginável para a época, dez empresários, o
presidente e o secretário-geral da CUT, Jair Meneguelli e Gilmar Carneiro, e Luiz Antonio de
Medeiros, presidente de uma central sindical rival. Fomos para conhecer o pacto social
israelense que acabou com a inflação de 30% ao mês. Lembro-me do papel fundamental de
Lula, que, apostando desde aquela época na construção de um pacto social, empenhou-se
comigo para quebrar resistências e preconceitos. Se olharmos a relação dos países com os
melhores indicadores sociais, econômicos e de desenvolvimento humano, percebemos que
todos têm em comum uma longa tradição democrática. A democracia desses países mais
desenvolvidos passou do estágio de representativa, em que os cidadãos apenas votam e
transferem aos eleitos a total responsabilidade pelos destinos da comunidade, para uma
democracia participativa, na qual os eleitos e os cidadãos compartilham dessa
responsabilidade. Portanto, quando falamos de pacto social, falamos de um processo
permanente que envolve toda a sociedade numa série de negociações e acordos sobre
assuntos que interessam à comunidade. É uma cultura política que acredita na participação
da sociedade e na negociação como formas de lidar com os conflitos, construir a paz social,
consolidar a democracia e produzir melhores resultados a curto e longo prazo.

Constata-se que a grande referência das tensões que envolveram o surgimento do PNBE e a pressão pela renovação
das práticas políticas das organizações preexistentes se deu a partir da preocupação com a “democracia” e com a
“cultura política” de sociedade brasileira. Entretanto, isso não significou que a ação deste ou dos demais aparelhos de
hegemonia ligados à classe burguesa estivesse verdadeiramente compromissada com o aprofundamento radical da
democracia – tal como defende Wood (2003), ou seja, a democracia como estratégia de superação do capitalismo. Na
verdade, a perspectiva apresentada alinhou-se aos princípios políticos da terceira via que propõe, por meio da fórmula
“democratização da democracia”, reafirmar uma ação burguesa de dominação sob nova roupagem, que advoga a
importância da “cidadania ativa” e da participação social na vida do país e elimina, por mecanismos políticos e legais,
a participação sobre a economia. Trata-se de uma participação que não tem a capacidade de alterar
substantivamente o projeto de sociedade, mas sim proceder a certas adequações mais pontuais que visem ao
aprimoramento do sentido histórico do capitalismo.
A partir de 1990, as medidas de integração subordinada do Brasil na nova divisão internacional do trabalho
desencadearam novas dinâmicas nas relações produtivas. A competitividade passou a ser a principal bandeira do
governo e do sistema sindical patronal, indicando novos procedimentos para a racionalização da produção. A redução
dos custos fixos e variáveis das indústrias para o aumento da competitividade passou a ser uma grande referência.
Essa nova postura teve repercussões significativas para o SESI. No período entre 1990 e 1994, a questão da
“eficiência”, inspirada na noção de “qualidade total”, constituiu-se no condutor das ações desse organismo. A

12
GRAJEW, Oded. Um pacto pela cidadania. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 nov., 2002, A3.
70
introdução de um novo padrão de desenvolvimento, em meio a uma forte crise econômica que atingiu fortemente a
dinâmica do setor industrial, exigiu que as ações do SESI fossem racionalizadas e que seus programas passassem a
oferecer respostas efetivas para as novas exigências políticas e educacionais do paradigma flexível. Era, portanto,
necessário conformar um novo tipo de trabalhador que fosse capaz de responder positivamente às mudanças em
processo no país.
Em tempos de crise econômica e política, os recursos humanos e, principalmente, financeiros desse organismo foram
dirigidos para projetos que apresentavam altos níveis de eficácia (SESI, 2004). Com essa referência, o SESI iniciou
experiências frutíferas de parcerias para desenvolver projetos destinados a elevar a capacidade intelectual e moral de
frações da classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, legitimar junto a toda a sociedade determinadas noções de
cidadania e de democracia13.
Ao final dessa fase, período de inúmeras tensões, críticas, conflitos, e acomodações políticas entre as forças sociais
em disputa, o SESI deu provas de sua extraordinária importância e de grande comprometimento com as ações
pedagógicas destinadas à obtenção do consenso em torno do projeto empresarial de sociedade.
Os Novos Aparelhos Privados de Hegemonia em Tempos de Consolidação do Neoliberalismo da Terceira Via
Ao longo do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, uma nova acomodação política na classe burguesa pôs
fim à crise de hegemonia que se arrastava há anos no Brasil, dado que o novo presidente “foi concebido para
viabilizar a coalizão de poder capaz de dar sustentação e permanência ao programa de estabilização do Fundo
Monetário Internacional (FMI) e viabilidade política ao que faltava ser feito das reformas preconizadas pelo Banco
Mundial” (FIORI, 1997:14, grifo nosso).
Essa coalizão política que se transforma em bloco no poder chegou determinada a estabilizar a economia e criar
novas condições políticas para implementar medidas de reversão da crise do sistema capitalista, repetindo, com
certas particularidades, as experiências vividas em outros países, sob as precisas orientações dos organismos
internacionais. Os principais pontos de seu programa político foram: estabilização econômica, abertura comercial,
ampla abertura financeira, redução dos gastos públicos com as políticas sociais, privatização de empresas e serviços,
dependência científica e tecnológica do país, reforma da aparelhagem estatal, dentre outros. Em seu conjunto, esse
programa já indicava a destruição do potencial produtivo do país, consolidado ao longo de décadas, em nome da
integração (dependente) na nova divisão internacional do trabalho.
Em função dessas metas, dos métodos empregados e do horizonte econômico, essa coalizão passou a contar desde
o primeiro momento com o peso decisivo da fração financeira internacional e nacional associada no comando do
processo, cabendo às demais frações do capital monopolista e não-monopolista um papel secundário. Com essa
configuração, o bloco no poder foi capaz de dirigir a entrada do Brasil em uma fase mais orgânica da política
neoliberal.
As políticas econômicas do período incentivaram a expansão e o fortalecimento do sistema financeiro por meio da
desregulamentação dos mercados e a liberalização dos fluxos de capitais, bem como um gigantesco processo de
fusões em todos os setores da economia brasileira, permitindo não só o crescimento e fortalecimento de grandes
corporações internacionais no Brasil, mas também a concentração e o controle do sistema financeiro nas mãos de
alguns poucos grupos econômicos.
Nesse contexto, o que se observa é que o governo Fernando Henrique Cardoso, como os demais governos latino-
americanos, ainda que em ritmos diferenciados, possibilitou, por intermédio de sucessivas medidas, que o controle
sobre o volume, os fluxos de capital e boa parte da atividade produtiva passassem ao comando privado internacional
do setor financeiro. Segundo Minella (2003:252),

[...] este nível geral de concentração de capital permite que as decisões de algumas poucas
instituições tenham um grande impacto sobre o funcionamento da economia mundial.
Podem, assim, interferir no desenvolvimento ou no constrangimento de empresas, de
segmentos e áreas da economia e nas decisões governamentais. [...] O resultado global é
que um pequeno número reduzido de instituições financeiras e, portanto, seus
controladores, passam a exercer influência sobre o mundo empresarial e governamental
muito além daquela exercida por outras forças sociais, inclusive segmentos empresariais.

A base material em que essa diretriz se efetiva está estruturada sob um forte aparato organizativo de caráter
transnacional que opera em rede e, assim, assegura fluxo de informações e possibilidade de articulação política,
permitindo, inclusive, que seus representantes diretos integrem cargos estratégicos, como a presidência do Banco
Central (MINELLA, 2003).
O novo estágio do capitalismo impôs em todas as partes do mundo o aprofundamento da unidade entre as frações do
capital de modo que indústrias, por meio de fusões ou aquisições, passem ao controle de grupos cuja predominância

13
O principal parceiro do SESI nessa fase de introdução e aprofundamento do neoliberalismo no país foram as Organizações
Globo. Da parceria resultaram os programas de “assistência social” Ação Global (1991) e Telecurso 1º e 2º Graus, de educação a
distância (1995).
71
da atividade lucrativa concentra-se na esfera financeira. Resulta dessa diretriz a formação de conglomerados de
empresas de diferentes ramos da economia (industrial, agroindustrial, comercial, serviços) controlados por poucos
grupos financeiros de predominância internacional. Vale destacar que no mundo, mesmo dentro desses grupos, as
tensões entre capital industrial e financeiro não são eliminadas, mas assumem novos significados (CHESNAIS, 1996).
O que se destaca como importante é que a fração industrial da classe burguesa no Brasil, acompanhando a tendência
mundial, internacionalizou-se para assegurar sua continuidade no poder ainda que em uma condição subordinada.
Assim, a partir de 1995, as forças empresariais foram politicamente acomodadas e uma nova unidade burguesa foi
construída, sem que isso representasse a eliminação de tensões internas no novo bloco de poder formado.
O aspecto mais marcante desse processo é que outras idealizações parecem ter sido abandonadas, à medida que a
fração industrial aceitou passivamente uma posição secundária na coalizão política, reafirmando sua incapacidade de
assumir o papel de protagonista da implantação do padrão de desenvolvimento, repetindo, ainda que de forma
específica, uma postura de subordinação aos parceiros internacionais nos anos de desenvolvimentismo.
No contexto do primeiro ciclo de reformas neoliberalizantes – cujos princípios eram defendidos pelo Instituto Liberal
desde 1983 –, já eram visíveis as novas dinâmicas no universo da representação empresarial e de suas estratégias
de obtenção do consenso. Isso porque, na posição de sócios “menores” da aliança, a burguesia industrial nacional
sentiu os efeitos do forte e intenso processo de desnacionalização da indústria.
A pesquisa realizada pela empresa de consultoria KPMG 14 comprova que diversos setores da economia foram
impactados pelo fenômeno da desnacionalização da indústria brasileira.

O setor de alimentos teve forte participação em toda a década e ocupou por anos seguidos a
liderança [...] em número de transações. Grandes organizações, como Cargill, Arisco, Sadia
e Parmalat encheram o carrinho de compras de pequenas e médias empresas durante a
década. No total geral do estudo, “Alimentos” ficou em primeiro lugar no ranking, com 269
operações, 57% delas com a presença do capital estrangeiro. Em segundo lugar aparecem
as instituições financeiras, com 176 negócios realizados, 56% com participação de
estrangeiros. Em terceiro, ficou o setor de telecomunicações: 136 operações, 70% com
investimentos externos. Em seguida, aparecem tecnologia da informação (127 = 69%),
produtos químicos e petroquímicos (110 = 59,5%), metalurgia e siderurgia (98 = 63%),
seguros (87 = 75%), partes e peças automotivas (81 = 68%), publicidade e editoras (78 =
58%) e eletroeletrônica (72 = 67%).

A presença efetiva do capital estrangeiro marca a internacionalização da economia nacional em todos os setores de
atividade. Em que pesem as fusões ocorridas entre empresas nacionais, houve uma nítida predominância do capital
estrangeiro nesse processo. No período compreendido entre 1995 e 1998, foi intensa a entrada de capital
internacional no Brasil, como revela a citada pesquisa:

[...] a liderança da década ficou com os Estados Unidos [...]. Os americanos totalizaram 457
transações nos últimos dez anos. O segundo lugar ficou com a França, com 111 negócios.
Em seguida aparecem o Reino Unido (69), Alemanha (60), Argentina (57), Itália (48),
Portugal (44), Espanha (43) e Canadá (34). Vieram às compras, também, Suíça, Japão,
Holanda, Suécia, Chile, México, Bélgica, Dinamarca, Venezuela, Coréia, Luxemburgo,
Áustria, Finlândia, Israel, Peru, Malásia, Arábia Saudita, Austrália, Bahamas, Bolívia, África
do Sul, China, Singapura, Nova Zelândia, Iraque e Porto Rico.

Nesse contexto de internacionalização e financeirização da economia brasileira e na fase de estabilização econômica


conduzida pelo governo federal, o IEDI entrou em um processo de enfraquecimento político por vários motivos.
Primeiramente, os empresários industriais se viram “forçados” a se submeterem às regras das fusões e das
aquisições impostas pelo novo modelo econômico, com o objetivo de preservar o patrimônio e sua condição de
membro da classe proprietária, dominante e dirigente, ainda que sob novas condições. Com efeito, não só perdendo a
identidade – “industriais brasileiros” – como também o motivo central de sua organização – “a defesa da grande
indústria nacional”. Em segundo, como agravante, o modelo de desenvolvimento centrado na regulação de mercado
parecia “imune” às pressões setoriais para definição de políticas de incentivo e defesa da indústria nacional. Nesse
novo modelo caberia a cada grupo empresarial se estabelecer no cenário aberto e competitivo sem os auxílios e
aberturas típicos do Estado desenvolvimentista.
O Instituto Liberal, que desde sua fundação unia o capital industrial e o financeiro, mesmo com a implantação do
neoliberalismo no país, manteve seu trabalho educativo de divulgação e convencimento da superioridade do
neoliberalismo, atuando junto a grupos criteriosamente escolhidos: empresários, executivos de grandes empresas,

14
KPMG. Fusões e aquisições no Brasil: análise dos anos 90. Disponível em: <http://www.kpmg.com.br>. Acesso em: 20 out.
2004.
72
juízes federais, jornalistas, estudantes de economia e direito, realizando um trabalho importante, embora de pouca
visibilidade. Mantendo-se ligada aos grandes grupos econômicos no país e no exterior e alinhada às instituições
neoliberais internacionais, a rede Instituto Liberal constitui-se até hoje no oráculo da doutrina neoliberal no país, não
obstante sua presença e trabalho político sejam desconhecidos de grande parte da população.
Por sua vez, o PNBE, que havia cumprido um importante papel no auge da crise de hegemonia burguesa, foi
assumindo um novo estilo e, conseqüentemente, um novo espaço nas relações de poder. A movimentação desse
organismo na tentativa de construção do chamado “entendimento nacional” no início dos anos de 1990 já revelava a
postura adesista dessa entidade.
Mais tarde, essa tendência foi confirmada tanto no posicionamento mais integrativo e cooperativo junto ao sistema
CNI, particularmente na FIESP, quanto, no plano mais geral, ao apoio explícito ao governo Fernando Henrique
Cardoso e aproximação efetiva do PSDB. Com efeito, na medida em que essa entidade foi abrindo mão de uma
posição crítica e propositiva, revelando uma nítida mudança política para se ajustar ao poder, deixou de lutar pela
direção ético-política da classe burguesa no Brasil.
Na interpretação de Bianchi (2001), esse processo não significou o fracasso da entidade, pelo contrário, sua
realização. Primeiramente, porque o sistema sindical patronal alcançara níveis satisfatórios de modernização a partir
da incorporação de novos pressupostos políticos, assumindo, assim, um grau considerável de democracia interna,
como reivindicava o PNBE.
Em segundo lugar, porque o governo Fernando Henrique Cardoso, ao significar a efetiva e poderosa coalizão de
poder comprometido com um novo projeto de sociedade mais orgânico, atendeu às demandas da entidade na
reconstrução da hegemonia burguesa, ainda que sob a direção da fração financeira.
Em terceiro, porque o PNBE, como espaço político empresarial, possibilitou a fermentação de idéias que já se faziam
presentes nos países centrais da economia capitalista: a ampliação da organização empresarial para além das
fronteiras das atividades setoriais, envolvendo principalmente o setor de serviços.
Por fim, porque, ao longo de sua existência, o PNBE serviu de laboratório político responsável pelo desencadeamento
da formação de intelectuais orgânicos da burguesia, comprometidos com a reeducação política da sociedade
brasileira; pela promoção da ressignificação dos conceitos de “democracia” e de “participação” no país, principalmente
junto às organizações sindicais do capital e do trabalho; e pela experimentação de novas bases para a relação entre
Estado e sociedade civil de acordo com as tendências internacionais.
Diante de tantas realizações delimitadas em um quadro de superação de crise de hegemonia, foi possível ao PNBE
redefinir sua atuação política na segunda metade dos anos de 1990. Isso não só gerou a transformação significativa
da entidade, envolvendo a composição de sua base e de suas funções políticas, como permitiu, após sua mudança,
que seus principais intelectuais fossem desenvolver outras importantes ações estratégicas comprometidas de forma
orgânica com os movimentos de repolitização da política.
Considerando essas entidades em seu conjunto, seus significados políticos no contexto de crise de hegemonia e da
implantação de um novo modo de “fazer política”, os conhecimentos produzidos ou reproduzidos ao longo de anos e,
por fim, as conseqüentes intervenções na realidade, é possível crer que a burguesia no Brasil não só ampliou a
consciência de sua condição e de seus desafios, mas foi paulatinamente alterando o conhecimento sobre si mesma
para mudar sua postura nos anos mais recentes de nossa história, em associação com os parceiros internacionais.
Isso revela que frações importantes da burguesia tomaram consciência dos limites e das possibilidades históricas em
que se encontravam para ampliar a unidade das ações também no âmbito da sociedade civil.
Entretanto, o sistema sindical patronal não ficou imune. De sua parte, esse sujeito político coletivo sobreviveu ao
período de crise e de mudanças, além de ter sido capaz de assimilar os pontos críticos de sua organização e de sua
forma de fazer política. Como resultado, ocorreu a consolidação da modernização de sua estrutura interna, a definição
de uma nova agenda política e de intervenção na realidade e, por fim, o desenvolvimento da capacidade de trabalhar
juntamente com os novos movimentos burgueses que surgiram com pautas específicas e demandas mais voltadas ao
campo econômico15.
Isso possibilitou, entre outras coisas, o seu fortalecimento como referência política de representação do setor
industrial, agora modernizado e mundializado, e a incorporação de novas estratégias de obtenção do consenso.
Assim, reformado e comprometido com nova coalizão que se constituiu como bloco no poder, o sistema sindical
patronal selou a sua participação política com ações pedagógicas de consolidação da hegemonia burguesa em
tempos de neoliberalismo.
O esvaziamento político do IEDI, a refuncionalização do PNBE e o fortalecimento do sistema sindical patronal sob
novas bases se deram em um contexto em que as políticas do governo Fernando Henrique Cardoso estiveram
destinadas a iniciar um processo de redefinição das relações entre aparelhagem estatal e sociedade civil, a partir das
noções de “colaboração” e de “parcerias”, visando com isso a desenvolver ações educadoras da sociabilidade
neoliberal de forma mais orgânica. Foi nessa direção que surgiram novas organizações burguesas que passaram a
somar esforços decisivos na tarefa de reeducar a sociedade.

15
A título de exemplo, apontam-se: “Ação Empresarial”, “Movimento Compete Brasil”; “Sociedade Brasileira Pró-Inovação
Tecnológica”.
73
Muito embora a burguesia tenha continuado a se organizar em pautas mais emergenciais de caráter econômico, a
partir das novas políticas do governo federal proliferaram as organizações empresariais comprometidas com a
questão social, dando um novo caráter às experiências político-sociais difusas das décadas anteriores.
Assim, sob o lema da chamada “responsabilidade social empresarial”, ou simplesmente “responsabilidade social” –
que representa a superação da noção de “filantropia empresarial” por algo mais orgânico e que tem força ideológica –,
novas práticas políticas ganharam presença no cenário brasileiro em sintonia com um movimento preexistente em
nível mundial e incorporado pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
A “responsabilidade social empresarial” é uma ideologia 16 que expressa o encerramento de crise e tensões
hegemônicas e indica novas acomodações políticas e novas movimentações qualitativamente superiores que
penetram o campo das políticas de Estado e envolvem todas as frações de classe burguesa, reordenando as relações
políticas mais amplas localizadas no seio da sociedade civil.
A intervenção social dos empresários realizada de forma tópica, fragmentada e difusa, em geral motivada pelo
desprendimento ou espírito altruísta do burguês, transformou-se em algo orgânico à classe proprietária,
operacionalizando, portanto, o seu projeto de sociabilidade. Trata-se de uma nova perspectiva da atuação educativa
da classe burguesa rumo à consolidação de sua condição de dirigente de toda a sociedade.
Essa nova perspectiva política dirigida pelas ações do governo Fernando Henrique Cardoso impulsionou dois tipos de
organização empresarial. O primeiro concentra as organizações produtoras de ideologia comprometidas com a
elaboração e a sistematização da nova pedagogia da hegemonia, podendo ser comparadas aos think tank norte-
americanos. A atuação desses organismos se desdobra nos seguintes planos: (i) formulação de idéias e projetos
dentro da matriz neoliberal da terceira via, para orientar a ação empresarial; (ii) convencimento e mobilização dos
empresários dos mais diferentes setores em torno da ideologia da “responsabilidade social”; (iii) representação política
junto à aparelhagem estatal, para desenvolver e fortalecer concepções e políticas sociais referenciadas na
“responsabilidade social empresarial”; (iv) disseminação, junto a toda a sociedade, de que as empresas são sensíveis
às “causas sociais”; (v) convencimento de que qualquer melhoria de vida da população só será possível com o
envolvimento de todos em “trabalhos voluntários”, em “campanhas comunitárias”, nas “doações em dinheiro”, ou seja,
na conscientização de que todos devem ser movidos pela “responsabilidade social”. As organizações empresariais
mais expressivas que atuam nesse nível são o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) e o Instituto Ethos
de Responsabilidade Social.
O segundo tipo reúne as fundações e institutos ligados ao mundo dos negócios responsáveis por ações diretas de
diferentes tipos, em geral, nas regiões onde estão inseridos. Mesmo aquelas organizações criadas em uma outra
conjuntura – por exemplo, Fundação Bradesco (1955) e Fundação Belgo-Mineira (1988) –, todos os institutos e
fundações empresariais parecem ter incorporado, ainda que em níveis distintos, os preceitos dessa nova ideologia
como referência definidora de seus projetos educativos. Diferentemente das entidades de abrangência nacional que
funcionam como elaboradoras e sistematizadoras das estratégias de obtenção do consenso, as do segundo grupo
podem ser caracterizadas como “organizações executoras e difusoras”, isto é, aquelas cuja missão é transformar a
concepção ideológica e linhas estratégicas em ações político-sociais concretas.
Em ambos os casos, não se trata da reinauguração da idéia de “filantropia empresarial” inspirada em preceitos
cristãos, puritanos, altruístas, mas sim em algo mais orgânico, cujo nexo assegura a mudança da conduta burguesa
em relação às questões sociais, sem perder a conexão com os objetivos históricos e imediatos dessa classe. O
trabalho de elaboração e de execução desenvolvido por essas organizações se dá no plano da confluência de
concepções políticas, valores e propósitos, materializados no compartilhamento de conhecimentos, nas trocas de
experiências e na adoção de condutas comuns referenciada no pressuposto da “colaboração” e da “ação cidadã-
voluntária”. Trata-se, portanto, de algo que unifica os empresários de diferentes setores na perspectiva da
consolidação de um novo e único modelo de sociabilidade, indicando uma mudança da cultura empresarial.
Na visão de Antonio Carlos Martinelli – ex-diretor do Instituto C&A de Desenvolvimento Social, conselheiro político-
estratégico do GIFE e diretor da Martinelli Consultoria –, existem três concepções e práticas sobre empresa presentes
no mundo burguês. Refletindo os diferentes níveis de consciência política coletiva alcançada pela burguesia, Martinelli
(2000) faz referência a: (i) um estágio mais elementar, em que predomina a concepção da “empresa como negócio”;
(ii) um estágio intermediário, cuja denominação é a “empresa como organização social”; (iii) um estágio mais
avançado, caracterizado como “empresa-cidadã”, que age diretamente na sociedade ou por intermédio de seus
institutos e fundações. Martinelli sintetiza esse quadro nos seguintes termos:

[...] as empresas podem relacionar-se com a sociedade assumindo diferentes posturas:


algumas adotam uma atitude predatória, exploradora, em relação ao bem comum – por
exemplo, prejudicando pessoas, poluindo o meio ambiente etc. –; outras, assumem uma
posição de neutralidade, considerando que lhes basta recolherem seus impostos, remetendo
ao governo a responsabilidade pela eliminação das mazelas sociais; a empresa cidadã, no

16
Esse conceito de ideologia deve ser entendido no sentido gramsciano, isto é, conjunto de concepções e idéias que,
sistematizadas, impulsionam os homens para a intervenção na realidade (GRAMSCI, 2000b).
74
outro extremo, adota posição pró-ativa de querer contribuir para encaminhar soluções para
os problemas sociais (MARTINELLI, 2000:84, grifos no original).

Essa mudança no plano ideológico é decorrente da crise de hegemonia vivida pela classe burguesa, da formação da
coalizão de poder que permitiu a vitória do bloco histórico do capital organizado em torno da candidatura de Fernando
Henrique Cardoso nas eleições de 1994 e, por fim, dos fortes laços dessa coalizão ao movimento internacional de
renovação da social-democracia.
As primeiras definições na busca do estabelecimento do nexo orgânico entre ação empresarial, questões sociais
(educação, saúde, assistência etc.) e novo projeto de sociabilidade se deram a partir do esforço para superar a visão
estreita de “filantropia”, substituindo-a por algo mais substantivo que, ao mesmo tempo, canalizasse as ações
individuais e voluntaristas dos empresários para algo de maior impacto e significado social em perfeita sintonia com as
políticas do governo Fernando Henrique Cardoso.
Aparelhos Produtores de Hegemonia
Um grupo de grandes proprietários, que vinha desde 1989 discutindo informalmente as práticas filantrópicas do
mundo empresarial, evoluiu para a formalização, em 1995, do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). É
importante registrar que as raízes dessa organização da sociedade civil estão ligadas à história do “Prêmio Empresa e
Sociedade”, mais conhecido como “Prêmio ECO”, promovido pela Câmara Americana de Comércio. O concurso,
iniciado em 1982, tinha como objetivo estimular e divulgar a “filantropia empresarial” e, nos anos de 1990, a
“responsabilidade social empresarial”.
O GIFE, resultado do salto qualitativo da “filantropia empresarial” à “responsabilidade social empresarial”, é a primeira
e, provavelmente, uma das melhores expressões da mudança da concepção burguesa sobre educação política na
contemporaneidade. Se num primeiro momento os empresários agiam por iniciativa própria, de maneira voluntariosa,
em ações fragmentadas, pontuais e, muitas vezes, descontínuas, com a criação desse organismo foi estabelecida
uma nova forma de articulação empresarial e definido um novo conteúdo para os projetos implementados.
Essa experiência foi decisiva para aprimorar a organização e a intervenção empresarial. Vale destacar que, em 22
anos do “Prêmio ECO”17, foi registrada a participação de 1.442 empresas, 1.727 projetos e 123 premiações
responsáveis pela movimentação de US$2,6 bilhões. De acordo com os dados contidos no relatório “Estudo Avaliativo
dos 20 Anos do Prêmio ECO” e com as atualizações dos dois últimos anos a partir dos dados disponíveis na página
eletrônica da Câmara, é possível chegar a outros números relevantes. Em 12 anos (1982 a 1994), participaram do
referido concurso 697 empresas e projetos; já no período seguinte (1995 a 2004), isto é, em nove anos, registra-se a
participação de 1.030 empresas e projetos, o que significa que as ações empresariais foram intensificadas na ordem
de 47,78%.
A esse respeito, o relatório supracitado é categórico ao afirmar que no período de 1982 a 1990 houve “um número
significativo de ações e projetos que “[...] tinham ainda uma visão da ação social como uma prática compensatória e
assistencialista”. Já na fase seguinte, “os projetos começam a se voltar para questões mais abrangentes” 18.
O GIFE reuniu, inicialmente, 25 grandes empresas e saltou, no ano de 2004, para um conjunto de 32 fundações, 27
institutos e 10 grupos empresariais. Seu pioneirismo pode ser constatado não só no modelo de organização, mas
também na definição de um “código de ética” responsável por demarcar as bases de ação fundamentadas na nova
ideologia. Esse documento é ímpar, pois na delimitação inicial das intenções empresariais demonstra, de maneira
clara, o momento de transição da “filantropia” para a “responsabilidade social”. Nessa linha, procura desvincular o
trabalho social das empresas e dos seus institutos e fundações da idéia do lucro, aproximando-se da curiosa definição
de “empresa-cidadã” defendida por Martinelli (2000). O “código de ética19” afirma que:

[...] as práticas de investimento social são de natureza distinta e não devem ser confundidas
nem usadas como ferramentas de comercialização de bens tangíveis e intangíveis (fins
lucrativos), por parte da empresa mantenedora, como são, por exemplo, marketing,
promoção de vendas ou patrocínio, bem como políticas e procedimentos de recursos
humanos, que objetivam o desenvolvimento e o bem-estar da própria força de trabalho,
portanto, no interesse da empresa. [...] No entanto, é justo que o associado do GIFE espere,
como subproduto de um investimento social exitoso, um maior valor agregado para sua
imagem.

A distinção que o GIFE estabeleceu entre atividade social e produção de mercadoria é, de fato, inovadora, mas ainda
não contém no seu enunciado uma política clara de intervenção burguesa nas relações sociais contemporâneas. É

17
CÂMARA AMERICANA DE COMÉRCIO. Prêmio Eco: trajetória em números. Disponível em:
<http://www.amcham.com.br/cidadania/premioeco/2004/home_html>. Acesso em: 23 out. 2004.
18
CÂMARA AMERICANA DE COMÉRCIO. Estudo avaliativo dos 20 anos do prêmio ECO. Disponível em:
<http://www.amchan.com.br>. Acesso em: 25 out. 2004.
19
GIFE. Código de ética. Disponível em: <http://www.gife.org.br/pdf/codigoetica.pdf>. Acesso em: 23 out. 2004.
75
importante registrar que, somente após um ano de sua fundação, a noção de “filantropia empresarial” – que na
avaliação dos fundadores não dava conta de expressar o significado das novas ações empresariais no campo social –
, foi substituída por um conceito mais abrangente, ainda que pouco preciso. A primeira evidência dessa mudança foi a
reformulação de um evento internacional patrocinado pela entidade. O “Encontro Ibero-Americano de Filantropia”
passou a ser denominado, em 1996, de “Encontro Ibero-Americano do Terceiro Setor”. O evento realizado no Brasil
marcou a mudança no título e a forma de conceber a ação empresarial nas questões sociais. Com isso, a noção de
“filantropia” deu espaço à noção de “desenvolvimento social sustentável” e “responsabilidade social” 20. A segunda
evidência está relacionada à importância e, ao mesmo tempo, à imprecisão do termo “investimento social privado” que
somente seria definido em 200021:

[...] a expressão “investimento social” nasce junto com o GIFE – ele consta do código de
ética, o primeiro documento aprovado pela mesma assembléia que instituiu o Grupo. Mas na
realidade, naquela época [abril de 1995], não era ainda um conceito, mas sim uma
expressão. O que se desejava era deixar claro que a rede GIFE se diferenciava do conceito
de filantropia. O que tive o privilégio de fazer no início da minha gestão executiva [...] foi
focar todo o trabalho do GIFE nesse conceito. [...] Definimos o conceito com mais precisão e
desenvolvemos uma estratégia de três anos para sua disseminação e fixação. Os resultados
conquistados até aqui me permitem afirmar que deu certo.

Antes dessa data, porém, o GIFE já havia definido que seu papel político-social estaria centrado no estímulo,
orientação, capacitação e assessoramento técnico-político de fundações, institutos e empresas privadas
comprometidas com a destinação de recursos próprios às causas sociais. Em seu artigo 3º, o estatuto da organização
estabelece:

O GIFE tem por objetivo contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável do


Brasil, através do fortalecimento político-institucional e do apoio à atuação estratégica de
institutos e fundações de origem empresarial e de outras entidades privadas que realizam
investimento social voluntário e sistemático, voltado para o interesse público.

Querendo substituir a idéia de “filantropia empresarial” por outra mais orgânica, o GIFE atribuiu então um sentido
muito próprio ao conceito de “responsabilidade social empresarial”. Para ele, esse conceito deve orientar e estimular
projetos para fora do âmbito da empresa, sempre em direção à comunidade, envolvendo aplicação de recursos
originados das atividades empresariais, sem vínculos diretos dessa ação com o marketing e taxas de retorno, além
das medidas relacionadas à melhoria das condições de trabalho. Na interpretação de Voigt e Raposo 22, a ênfase do
GIFE relaciona-se ao investimento privado com fins públicos para promover o desenvolvimento social sustentável.
Segundo dados do próprio GIFE, essa modalidade de atuação empresarial tem crescido significativamente. Após três
anos de crescentes índices de investimento privado, os associados ao GIFE foram responsáveis por aplicar em 2004
um total de R$ 800 milhões em projeto sociais. Apesar da diversificação dos projetos (saúde, cultura, meio ambiente,
cidadania, desenvolvimento comunitário), 85% dos associados investem na educação escolar, em seus diferentes
níveis e modalidades. O campeão de investimentos vem sendo o ensino fundamental, seguido pelos outros níveis e
modalidades da educação escolar, a saber: ensino médio, educação infantil, educação profissional e educação de
jovens e adultos. Trata-se, segundo o grupo, de uma contribuição voluntária dos empresários para o desenvolvimento
do país. A justificativa para tal política pode ser apreendida na seguinte idéia 23:

Os empresários brasileiros vêm percebendo que é inconciliável, tanto do ponto de vista


ético, como dos negócios, um cenário social em que coabitam empresas saudáveis e em
crescimento, inseridas em uma sociedade enferma, com um fosso cada vez maior a separar
cidadãos ricos e pobres.

20
O primeiro e segundo “Encontro Ibero-Americano de Filantropia” foram realizados na Espanha (1992) e no México (1994),
respectivamente. O evento, com nova denominação, encontra-se na sétima edição, tendo passado por vários países: Argentina
(1998), Colômbia (2000), Espanha (2002), retornando ao Brasil em 2004. Disponível em: <http://www.ibero2004.org.br>.
21
Rebecca Raposo, ex-diretora executiva do GIFE, em entrevista ao redeGIFE on-line, em nov. 2004. Disponível em:
<http://www.gife.org.br/print/redegifenoticias_print.php?codigo=6434>.
22
VOIGT, Léo; RAPOSO, Rebecca. Investimento deve beneficiar comunidade em primeiro lugar. Disponível em:
<http://www.gife.org.br>. Acesso em: 25 out. 2003.
23
VOIGT, Léo; RAPOSO, Rebecca. Investimento deve beneficiar comunidade em primeiro lugar. Disponível em:
<http://www.gife.org.br>. Acesso em: 25 out. 2003.
76
Com esse horizonte, o GIFE vem não só procurando capacitar seus associados por meio de diferentes táticas, como
também estimulando a busca e consolidação de parcerias com o aparelho de Estado e com outras entidades da
sociedade civil para o desenvolvimento de ações sociais. Contudo, o que merece destaque são os apelos e as
investidas desse organismo na mudança do aparato legal que regulamenta a participação burguesa nas questões
sociais.
Ao mesmo tempo em que afirma serem os empresários conscientes de seu papel social na construção de um
desenvolvimento sustentável para o país, o GIFE reivindica de forma veemente a concessão pelo Estado de subsídios
públicos. Nessa perspectiva, as fundações e institutos empresariais associados ao GIFE vêm obtendo o título de
“Utilidade Pública Federal” ou se transformando em Organizações Sociais de Interesse Público (OSCIP) para obterem
isenções fiscais, ou mesmo estarem formalmente aptas a ter acesso às verbas públicas para realização de seus
projetos sociais. O número de associados do GIFE que conquistaram o título de OSCIP saltou de 5% em 2001 para
22% em 2004. No mesmo período, cresceu de 56% para 68% a obtenção do título federal que dá direito a
significativas isenções fiscais24.
Trata-se, na verdade, de medidas que no campo ideológico reforçam, difundem e aprofundam a idéia neoliberal da
terceira via de que o Estado não é capaz de se responsabilizar sozinho por educação, saúde, assistência social, e que
cabe aos diferentes organismos da nova sociedade civil – o chamado terceiro setor – a tarefa de partilhar
responsabilidades a partir de uma rede de parcerias. No campo da ação política, significa uma forma extremamente
inovadora de obtenção do consenso em torno de um determinado projeto de sociabilidade dirigido pela classe
proprietária. Vale lembrar que o período de amadurecimento organizacional e conceitual do GIFE coincide com o
início da implementação das políticas do governo Fernando Henrique Cardoso que procuraram redefinir as relações
entre aparelhagem estatal e sociedade civil.
Considerando o horizonte apresentado pelo GIFE, o contexto de crise estrutural do sistema capitalista e as novas
determinações para as políticas públicas, é possível afirmar que o “lucro” e a “responsabilidade social empresarial” se
relacionam positivamente não como ações voltadas à obtenção de resultados imediatos, mas como medidas de
alcance de longo prazo, inseridas em um projeto internacional de recuperação da hegemonia burguesa. Essa
observação se reafirma inclusive pela natureza da composição do GIFE: grandes empresas controladas pelo capital
internacional.
Por essa atuação, é possível afirmar que o GIFE, na condição de aparelho privado de hegemonia, inaugurou uma
importante ação política destinada a promover e difundir a coesão social e uma nova sociabilidade inspirada nos
mesmos princípios que compuseram o projeto da terceira via.
Contudo, esse organismo burguês não vem sendo o único a atuar sob essa perspectiva, já que em 1998 foi fundado o
Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial. Após verem cumprido o papel formal do PNBE e de posse do
acúmulo de experiências adquiridas, em especial, na Fundação Abrinq de Defesa dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes, as principais lideranças políticas e intelectuais desse movimento alteraram sua linha de intervenção
para assegurar sua mais ampla penetração em todo o tecido social.
A Fundação Abrinq iniciou suas atividades em 1990, como um departamento da Associação Brasileira dos
Fabricantes de Brinquedos, para depois ser transformada em uma organização independente, com estatuto jurídico e
atuação política próprios. Esse fato foi marcante, pois, como pensar que um organismo responsável por representar
os interesses mais imediatos dos fabricantes de brinquedos pudesse ser o berço da criação de um outro organismo
portador de uma agenda política mais abrangente? Essa pequena, mas significativa, obra de engenharia política foi
possível graças à atuação precisa de intelectuais orgânicos como Oded Grajew e Emerson Kapaz.
Logo nos anos iniciais de sua criação, a Fundação Abrinq tornou-se uma referência política, ao protagonizar, ao lado
de outras entidades, a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, impulsionada, em um primeiro momento,
pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de ter inaugurado uma nova forma de intervenção
empresarial nas questões sociais, a Fundação implantou, ainda que de forma embrionária, concepções que mais
tarde, reunidas e sistematizadas, compuseram a ideologia da “responsabilidade social empresarial”. O fato de ter se
tornado uma fundação independente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos foi decisiva para
congregar os empresários em torno de causa tida como nobre. Com isso, a Fundação Abrinq pelos Direitos da
Criança e do Adolescente deixava de ser um simples departamento da Abrinq para ser um órgão ampliado para o qual
convergiam as forças do campo empresarial em torno de uma agenda política inovadora, jamais registrada na história
da classe burguesa brasileira.
Os dados evidenciam que a Fundação inspirou a criação do Instituto Ethos. A defesa da criança e do adolescente
representou um alargamento da consciência política coletiva da classe burguesa para além dos interesses
econômico-corporativos. Os fabricantes de brinquedos vislumbravam que seria tão importante a defesa dos interesses
específicos do setor junto à aparelhagem estatal quanto uma atitude mais aberta de defesa daqueles que,
potencialmente, em última escala, movimentam o setor – as crianças. Embora em uma primeira instância buscasse a
defesa de um mercado a partir do emprego de uma tática inteiramente nova, foi por atribuir uma dimensão mais

24
Fonte: redeGIFE on-line: Investimento social privado dos associados passará de R$ 800 milhões em 2004, 8 nov. 2004.
Disponível em: <http://www.gife.org.br/print/redegifenoticias_print.php?codigo=6434>.
77
ampla, de cunho moral, de combate às formas de exploração e agressão aos menores de 18 anos que conseguiu
aglutinar empresários de diversos setores. A linha de atuação política desse Instituto voltou-se para duas direções: (i)
o campo empresarial, na medida em que buscou alertar os empresários para os problemas relativos à exploração da
força de trabalho desses menores, convidando-os a introduzir em suas empresas e disseminar em suas cadeias
produtivas o combate à exploração dos menores; (ii) o conjunto da sociedade, na medida em que desenvolveu
campanhas e mobilizações de respeito e proteção aos futuros cidadãos contra as diversas formas de violência.
Essas ações foram significativas para a educação política da classe empresarial. Contudo, seus principais intelectuais
acreditavam que era importante ir mais além, traduzindo essas novas atitudes relacionadas às crianças e aos
adolescentes para os demais trabalhadores, às comunidades, aos grupos de risco social, aos grupos étnicos, entre
outros. Em síntese, era necessário e estratégico transformar as experiências desenvolvidas pela Fundação Abrinq –
experiências estas que já naquela época não cabiam no conceito de “filantropia empresarial” – em uma escala maior
de forma a congregar todas as frações da classe burguesa por meio de temáticas mais abrangentes, de maneira a
construir uma nova sociabilidade dirigida pela burguesia.
A Fundação Abrinq continua em plena atividade e segue desenvolvendo seus projetos e campanhas, muito embora o
que se tem constatado é o crescimento das diversas e mais perversas formas de exploração do trabalho infantil e
juvenil por parte dos empresários, além dos incontáveis registros de violência contra os menores, seja ela policial,
doméstica ou urbana. É importante ter claro que atualmente o Instituto Ethos não substituiu a Fundação, ou mesmo
minimizou sua atuação. Pelo contrário, o Instituto reforçou a presença da Fundação Abrinq no campo empresarial à
medida que destinou a ela as questões relativas aos menores dentro da responsabilidade social. Nos últimos tempos,
a Fundação Abrinq ampliou o seu leque de filiações ao permitir que qualquer organização da sociedade civil ou
cidadão passe a integrar o seu quadro. Cumpre ressaltar ainda que, no cruzamento dos nomes das atuais diretorias,
bem como das anteriores, é possível encontrar empresários que participam das duas entidades.
Nascido dessas experiências e definido como uma organização não-governamental, o Instituto Ethos definiu para si a
seguinte missão: “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente
responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa” 25. Assim, o Instituto
procurou assumir a tarefa de dirigir as ações empresariais dentro da ideologia da “responsabilidade social”.
Dessa maneira, o Instituto Ethos, criado oito anos depois da Fundação Abrinq, quatro anos após o GIFE e em pleno
processo de redefinição das relações entre aparelhagem estatal e sociedade civil comandadas pelo governo
Fernando Henrique Cardoso, configurou-se como outra importante referência da burguesia na realização de seus
objetivos, tornando-se, inclusive, o aparelho privado de hegemonia mais dinâmico e o mais presente no processo de
difusão da ideologia neoliberal da terceira via.
No campo internacional, o Instituto Ethos firmou vínculos com diversas organizações européias e norte-americanas
para se tornar mais capacitado na difusão do projeto inovador de sociabilidade burguesa dominante no mundo 26 e, ao
mesmo tempo, para se tornar referência nacional para os empresários e suas organizações no que se refere à
ideologia da “responsabilidade social empresarial”. Enquanto o GIFE estabeleceu laços internacionais mais modestos,
centrados principalmente na América Latina, o Ethos firmou “parcerias” com as seguintes organizações: Corporate
Social Responsability (organização que envolve países europeus), Prince of Wales Business Leadership Fórum
(Inglaterra); Business for Social Responsibility (EUA); Fundação Ford (EUA); The Willian and Flora Hewlett Foundation
(EUA); Institute of Social end Ethical Accoutability (Inglaterra); Sutain Ability (Inglaterra); W.K. Kellogg Foundation
(EUA); Fórum Empresa Privada y Responsabilidad Social en las Américas – conhecida como fórum EMPRESA, essa
organização envolve países europeus e das três Américas – AVINA (Suíça).
Tais parcerias comprovam que a rede de relações empresariais em torno da “responsabilidade social” da qual o Ethos
participa ativamente assumiu um papel extraordinário, em que pesem as diferenças regionais e nacionais dos
diversos países conectados ao movimento. São incontáveis as publicações, páginas eletrônicas, seminários,
congressos, conceitos e cartas de princípios produzidas em diversas partes do mundo destinadas a ampliar a
abrangência da nova ideologia.
Pesquisa recente27 revela que: (i) há uma preocupação crescente nas corporações pesquisadas com temas como:
ética nos negócios, combate à corrupção e erradicação do trabalho infantil; (ii) o crescimento da responsabilidade
social empresarial se verifica também com grande intensidade no continente asiático; (iii) o crescimento da
responsabilidade social empresarial está diretamente relacionado ao desenvolvimento econômico dos países e às
suas tradições locais

25
INSTITUTO ETHOS. Carta de princípios. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 25 out. 2004.
26
Esse movimento foi se tornando mais orgânico na Europa a partir de 1993, quando o presidente da Comissão Européia, sr.
Jaques Delors, lançou apelos aos empresários daquele continente para contribuírem na luta pela eliminação da “exclusão”
social. A mobilização gerada a partir daí impulsionou a criação do European Busines Network for Social Cohesion
(MELÍCIAS, 2003).
27
CENTRO DE PLANEJAMENTO URBANO E GESTÃO AMBIENTAL DA UNIVERSIDADE DE HONG KONG.
Responsabilidade social corporativa na Europa, América do Norte e Ásia. 2004.
78
A importância desse movimento pode ser comprovada na realização do programa denominado Global Compact ou
Pacto Global, sob a coordenação da ONU. Anunciado pelo secretário-geral dessa instituição, Kofi Annan, em reunião
do Fórum Econômico Mundial de Davos em 1999, a idéia de um pacto internacional entre os empresários na defesa
de certos princípios e condutas ganhou vida em 2000, e passou a envolver a burguesia dos mais diferentes países,
em uma rede de cooperação internacional organicamente ligada à defesa, divulgação e promoção das mais variadas
experiências em torno da “responsabilidade social empresarial”, especialmente nos temas “direitos humanos”,
“condições de trabalho” e “meio ambiente”. Kofi Annan define que o Pacto Global tem como principal meta
desenvolver “valores e princípios comuns que dêem um rosto humano ao mercado global 28”.
São estes os pontos norteadores do Pacto Global 29: Princípios de Direitos Humanos: 1. Respeitar e proteger os
direitos humanos; 2. Impedir violações de direitos humanos; Princípios de Direitos do Trabalho: 3. Apoiar a liberdade
de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no
ambiente de trabalho. Princípios de Proteção Ambiental: 7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios
ambientais; 8. Promover a responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente.
Princípio contra a Corrupção: 10. Combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina.
O Brasil tornou-se um dos pioneiros na adesão a esse pacto, devido: (i) à adoção dos princípios da terceira via nos
governos Fernando Henrique Cardoso; (ii) à capacidade de articulação política do então presidente do Instituto Ethos,
Oded Grajew, pela ampla representatividade e liderança que esse intelectual orgânico da fração moderna da
burguesia brasileira demonstrou junto a seus pares, conquistada pelo trabalho à frente da Fundação Abrinq, PNBE e
Cives; (iii) às conexões internacionais com o empresariado moderno de diferentes partes do mundo, antes mesmo da
fundação do Ethos.
Oded Grajew se considera um homem da esquerda, embora empresário e formulador de idéias e estratégias para a
burguesia. Talvez a justificativa para tal posição seja mais em função de um pragmatismo comum ao mundo
empresarial que por convicção ideológica. Em entrevista 30 concedida a um semanário, Grajew afirmou:

Sou de esquerda. As pessoas têm dito que esquerda e direita não existem mais, mas isso
não é verdade. Existem direita e esquerda, sim. São visões e valores diferentes. Sou uma
pessoa que valoriza a justiça social, a defesa dos direitos, a solidariedade. Sou filiado ao PT.
Como empresário e presidente de uma entidade de classe, sempre falei sobre a defesa de
direitos e a necessidade de uma melhor distribuição de renda. Sempre disse que não há
coisa melhor para os empresários do que um partido de esquerda. Nada melhor para os
negócios do que consumidor com renda e um Estado que cuide das questões sociais, da
educação e da saúde (grifo nosso).

A vinculação imediata de 206 empresários brasileiros ao Pacto Global, logo após o lançamento do programa, não só
garantiu ao presidente do Instituto uma cadeira no Conselho Internacional do Pacto Global, órgão responsável pela
definição de ações e mobilizações em torno da “responsabilidade social empresarial” no âmbito da ONU, como
também projetou o peso político do Instituto Ethos no cenário internacional, levando o organismo a assumir um papel
de singular importância na defesa e divulgação dessa nova ideologia.
No plano nacional, a atuação do Instituto é também de singular importância. Primeiramente, merece destaque a
extraordinária capacidade de aglutinação do campo empresarial. O Ethos foi fundado congregando 11 empresas. Em
janeiro de 2005, ou seja, passados quase seis anos da sua fundação, a filiação passou para 984 empresas. Isso se
deve à diversidade de sua base composta por empresas públicas, como o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal
e PETROBRAS e, principalmente, empresas de capital privado nacional e estrangeiro dos mais diferentes portes e
atividades econômicas.
A força dessa unidade e a sua capacidade de penetração política podem ser constatadas em vários aspectos, por
exemplo: no grande número de empresas que desenvolvem projetos inspirados no lema da “responsabilidade social”;
no fato de que pelo menos 57% de filiadas ao GIFE figuram também no quadro de filiação do Ethos; nas inúmeras
veiculações dessa tendência nos meios de comunicação de massa e até mesmo da adoção e disseminação de suas
propostas por parte do governo federal e no crescimento do número de cidadãos-voluntários oriundos das diversas
frações das classes subalternas.
Um dos aspectos de sucesso do Instituto Ethos reside no emprego do lema “responsabilidade social empresarial”.
Enquanto o GIFE, organização pioneira no Brasil e na América Latina, defende que as práticas empresariais
modernas e comprometidas socialmente não devem estar relacionadas ao lucro e restritas ao universo da própria

28
ORGANIZAÇÕES DAS NAÇÕES UNIDAS. O pacto global: liderança das empresas na economia mundial. Disponível em:
<http://www.onuportugal.pt/20010129Pglobal.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2004.
29
Disponível em: <http://www.pactoglobal.org.br>. Os empresários de cada país ou região geopolítica podem ainda acrescentar
outras indicações que ampliem as estabelecidas pela ONU.
30
GRAJEW, Oded. A elite mudou. IstoÉ, São Paulo, 20 dez. 2000. Disponível em:
<http://www.terra.com.br/istoe/1635/1635/vermelhas_2.htm>. Acesso em: 17 dez. 2004.
79
empresa, o Ethos amplia essa visão em sintonia com o plano internacional ao proclamar que, na verdade, o lucro,
enquanto razão de ser de qualquer negócio, pode entrar em harmonia com o social, desde que alguns preceitos éticos
sejam observados. Essa significativa diferença aproxima muito mais o Instituto Ethos das necessidades e interesses
empresariais e da agenda política indicada pelo neoliberalismo da terceira via do que a posição do GIFE.
Com efeito, até mesmo o pequeno empresário que não “dispõe” de recursos próprios para investir em projetos sociais
pode se sentir comprometido e identificado no plano ético-político com uma causa comum a toda a burguesia, já que
“responsabilidade social” deve ser iniciada, como advoga seus defensores, dentro da própria empresa, com medidas
relacionadas a trabalhadores, fornecedores e clientes. Esse alargamento conceitual defendido pelo Instituto Ethos
permite, assim, a construção de uma identidade e de um sentimento de pertencimento de classe, algo que o conceito
defendido pelo GIFE não propiciou.
Entretanto, em que pese essa diferenciação, o elemento importante é que a ideologia da “responsabilidade social
empresarial” ampla ou restrita, no mundo ou no Brasil, tem uma relação política com pelo menos dois fenômenos de
grande magnitude. O primeiro refere-se ao processo de destruição do modelo de Estado de Bem-Estar Social e à
implantação do Estado neoliberal em suas diferentes versões, com efeitos nocivos sobre as políticas sociais e
situação de vida dos trabalhadores. Foi a partir daí que a classe proprietária procurou substituir a noção de “filantropia
empresarial” por uma ideologia que fosse capaz de responder aos problemas sociais e políticos que potencialmente
poderiam prejudicar a sua condição de classe dominante e dirigente.
O segundo, mais ligado ao campo econômico, relaciona-se à introdução do paradigma flexível de produção, às
mudanças nas relações políticas e comerciais ocorridas recentemente em todo o mundo e às indicações de que o
capital diminuiu extraordinariamente a capacidade de obtenção de lucro.
Essas determinações exigiram, em nome da preservação do mundo capitalista, que padrões de conduta ou princípios
éticos fossem estabelecidos para que a competição partisse de patamares comuns em todas as partes do mundo, ou
seja, que a competitividade de um grupo econômico não fosse ou continuasse potencializada por diferenciais31 que,
no médio e longo prazos pudessem trazer danos irreversíveis ao sistema como um todo e em um primeiro momento
aos capitais em disputa.
Assim, para que o capitalismo não fosse devorado pelos próprios capitalistas, os intelectuais orgânicos da burguesia
passaram a alertar para a necessidade de se estabelecer redes de proteção e incentivos a condutas mínimas de
preservação ambiental, de reconhecimento e respeito a certos direitos e necessidades dos trabalhadores e de
combate às formas de corrupção nas relações com a aparelhagem estatal, nos termos defendidos pela ONU, por
intermédio do Global Compact. Indicaram também a necessidade de transformar as motivações humanitárias e/ou
religiosas em um sentimento mais orgânico de toda a classe, em relação a certos grupos sociais, comunitários e
étnicos.
A partir dessas determinações, a “responsabilidade social empresarial” chegou ao século XXI como uma ideologia
capaz de impulsionar e orientar, a partir de referências inovadoras, a atuação empresarial em todos os níveis e, ainda,
legitimar junto à classe trabalhadora pelo menos três diretrizes estratégicas: (i) é necessário readequar os fins, os
objetivos e as práticas políticas ligadas à representação de interesses dos trabalhadores, no sentido da colaboração e
do pacto entre as classes; (ii) é imprescindível que a aparelhagem estatal assuma um novo papel frente às questões
sociais em termos bem distintos daqueles experimentados nos tempos do Estado inspirado no modelo de bem-estar
social; (iii) é indispensável que todos os atuais e futuros cidadãos-voluntários apostem na construção de um
capitalismo dito humanizado, já que todos são iguais e portadores de grandes potencialidades que precisam ser
desenvolvidas para realização pessoal e comunitária.
Para consolidar essas diretrizes, o Instituto Ethos vem implementando e aperfeiçoando várias linhas de ações
voltadas a orientar o trabalho das empresas na consolidação de um novo perfil empresarial que atue na formação de
homens de novo tipo. Procura-se, sobretudo, incentivar uma postura denominada “pró-ativa” no desenvolvimento de
ações internas e externas, dirigidas à comunidade, além daquelas estabelecidas por força da lei. Aliás, logo na
adesão ao Ethos, as empresas assumem um compromisso estabelecido na “Carta de Princípios 32” que, entre outros
pontos, afirma a aceitação de uma série de condutas tidas como indispensáveis a uma empresa socialmente
responsável.
Em síntese, são estes os pontos centrais da “Carta de Princípios”: disposição para respeitar os direitos de cidadania e
de integridade física e moral dos indivíduos; disposição para implementar ações voluntárias de promoção social e
preservação ambiental; vontade para colaborar com organizações privadas e instituições públicas; recusa aos
mecanismos de propinas e subornos; disposição para defender a diversidade em todos os campos da vida; aceitação
do diálogo como princípio e base de relação com indivíduos, organizações e instituições; valorização da transparência
e verdade nas ações empresariais; desprendimento para valorizar as formas de desenvolvimento sustentável da
sociedade.

31
Os “diferenciais” seriam, primeiramente, relacionados às condutas das empresas em temas como: exploração do trabalho infantil
e feminino; descumprimento das normas internacionais ligadas aos direitos do trabalhador; danos sérios ao meio ambiente;
desrespeito à saúde e aos direitos do consumidor, entre outros.
32
INSTITUTO ETHOS. Carta de princípios. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 25 out. 2004.
80
Uma das principais táticas de disseminação da “responsabilidade social” no meio empresarial consiste na vasta linha
de publicações do Instituto. Trata-se de um conjunto de textos de diferentes temáticas voltadas para incentivar,
orientar e estabelecer referências políticas e comportamentais dentro da nova ideologia.
Dentre as atuais 63 publicações que incluem manuais e coleções diversas, destacam-se as chamadas “ferramentas
de gestão”, cujo objetivo central é auxiliar a incorporação de conceitos e práticas advindos da “responsabilidade
social” na rotina da empresa. São instrumentos que, sobretudo, visam a orientar os empresários e seus prepostos em
procedimentos de diagnóstico, de implementação, de controle e de avaliação de medidas que há bem pouco tempo
não faziam parte da cultura do mundo dos negócios. Além de instrumentalizar a redefinição da cultura empresarial,
procura-se com essas ferramentas padronizar todas as ações empresariais desenvolvidas no país, permitindo
mensurações e comparações no âmbito do Brasil e com o exterior.
A segunda linha, também destinada à mobilização dos empresários, é a realização do concurso Prêmio Balanço
Social33. Esse evento vem sendo realizado desde o ano de 2001 e tem como objetivo incentivar a elaboração de
relatórios que explicitem a atuação dos empresários nas questões sociais, dando visibilidade às ações inspiradas na
ideologia da responsabilidade social.
É importante destacar que o “balanço social” é um instrumento desenvolvido e divulgado no Brasil pelo IBASE ainda
na década de 1990. A idéia original, que foi preservada e atualizada para os dias de hoje, é a de que as empresas
demonstrassem, além dos tradicionais balanços financeiros, suas ações no campo social. Objetivava-se, por meio
dessa ferramenta, chamar a atenção dos empresários para as questões sociais e, com isso, construir uma
mobilização que resultasse em um comprometimento dos empresários com ações sociais em reforço às políticas já
desenvolvidas pela aparelhagem estatal e pela Igreja.
Ao lado desse concurso existem outros dois destinados a públicos-alvos distintos e criteriosamente selecionados. O
Prêmio Ethos de Jornalismo (iniciado em 2001), tem como meta estimular a participação dos jornalistas e dos meios
de comunicação no trabalho de divulgação e promoção das ações concernentes à nova ideologia 34. O Prêmio Ethos-
Valor (iniciado em 2000) é destinado ao envolvimento de docentes, estudantes de graduação e pós-graduação,
grupos de pesquisa e, de modo mais amplo, a instituições de educação superior com a ideologia da “responsabilidade
social empresarial”. O Instituto e seu parceiro nessa empreitada, o jornal Valor Econômico, “acreditam que os jovens
universitários, por serem formadores de opinião e futuros líderes, podem contribuir fundamentalmente para que as
empresas e toda a sociedade estabeleçam padrões éticos de relacionamento”35. Nesse caso, objetiva-se, por
intermédio do concurso, influenciar a formação de novos intelectuais urbanos, incutindo nos novos intelectuais e nas
práticas das instituições de ensino superior a ideologia da “responsabilidade social”, tanto diretamente na formação
acadêmica, quanto na definição de linhas e projetos de pesquisas e nos desdobramentos práticos de ambas.
Recorrendo à justificativa para realização do concurso apresentada pelo Instituto e o Valor Econômico, primeiramente,
é necessário lembrar que os “padrões éticos de relacionamento” não são universais e imutáveis como se imagina no
senso-comum, justamente porque são produtos da cultura, portanto, impregnados da intencionalidade dos sujeitos
históricos, seus criadores, e inscritos nos diferentes projetos societários.
Em segundo lugar, é importante ter em mente que, em geral, não apreendemos nem nos preocupamos com as
origens e vínculos (culturais, sociais e políticos) da ética, “porque somos educados (cultivados) para eles e neles,
como se fossem naturais ou fáticos, existentes em si e por si mesmos” (CHAUI, 1995:336). Assim sendo, os padrões
éticos de relacionamento, advindos de um organismo burguês, não são outros a não ser aqueles originários no seio
dessa classe e propostos como referência para o meio acadêmico e para a sociedade.
A quarta linha de ação adotada pelo Instituto refere-se aos diferentes tipos de cursos destinados à formação técnico-
política de empresários e de seus intelectuais que atuam em diferentes níveis da reorganização da sociabilidade
burguesa. Trata-se de um enfoque mais voltado ao treinamento segundo os novos parâmetros da atuação
empresarial. Entre as seis modalidades de cursos, chamam a atenção os destinados à capacitação dos docentes das
instituições de ensino superior, das chamadas universidades corporativas e dos centros de capacitação técnica e
profissionalizante.
Essas medidas indicam uma certa mudança no conteúdo da relação entre empresários e as instituições de ensino
superior. Nas décadas de 1970 e 1980, o sistema oficial de representação patronal, sob o comando da fração
industrial da burguesia brasileira – por meio do instituto integrante do sistema CNI Euvaldo Lodi – buscou influenciar
as políticas para educação superior e o trabalho acadêmico nas instituições conveniadas, visando a uma “aliança
entre a competência empresarial e o saber acadêmico para favorecer o aprimoramento da indústria nacional e da
futura elite dirigente do país” (INSTITUTO EUVALDO LODI, 1999). No entanto, essa relação manteve-se centrada na
idéia da cooperação técnica – inovação tecnológica e preparação técnica de quadros dirigentes. O Instituto Ethos, por
sua vez, repolitizou a relação com o mundo acadêmico ao introduzir referências mais amplas que aquelas
experimentadas nos anos anteriores, na tentativa de difundir, nas instituições de ensino superior, parâmetros do

33
O Instituto Ethos partilha a promoção do Prêmio Balanço Social com as seguintes organizações: ABERJE, APIMEC, FIDES e
IBASE.
34
INSTITUTO ETHOS. Prêmio Ethos de jornalismo. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 25 out. 2004.
35
INSTITUTO ETHOS. Prêmio Valor-Ethos. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 25 out. 2004 (grifo nosso).
81
mundo empresarial para que a subordinação da escola à empresa torne-se mais efetiva, inclusive naqueles temas
considerados de caráter mais técnico. Em outras palavras, procura-se com esses mecanismos tornar mais orgânica a
produção de conhecimento científico e tecnológico às definições éticas do mundo empresarial. Essa é mais uma
evidência de que as iniciativas de “responsabilidade social empresarial” traduzem uma ampliação do grau de
consciência política coletiva empresarial em direção ao nível ético-político.
Essa elevação do nível de consciência política coletiva da burguesia brasileira pode ser apreendida também na
própria reestruturação interna do Instituto que, no ano de 2004, criou o chamado UNIETHOS. Este é um organismo
responsável pelo desenvolvimento de pesquisas, capacitação, documentação, informação e desenvolvimento de
convênios nacionais e internacionais de cooperação voltadas ao apoio nas ações do Instituto, e provavelmente a
ponte de relações mais estreitas com o mundo acadêmico.
Segundo afirmam, a criação do UNIETHOS36 “representa uma inovação que responde ao crescimento exponencial do
movimento de responsabilidade social empresarial no Brasil e às novas demandas que ele tem gerado”. Entretanto,
cabe ressaltar que tal justificativa revela somente uma parte da questão. O fato não revelado é que a criação do
UNIETHOS corresponde à tentativa de se criar um espaço próprio de produção de conhecimentos que não fique
sujeito aos ritmos e contradições internas das instituições de ensino superior, em especial das públicas, e à
dependência de seus docentes-pesquisadores. O que se busca com esse organismo é a criação de um espaço de
pesquisa e formação organicamente vinculado à ideologia burguesa, logo, de caráter instrumental, centrada em
objetivos e metas precisas, de preferência quantificáveis, que seja eficiente no plano político, que prime pela
particularidade, e que de modo específico, paulatinamente, influencie o trabalho acadêmico das instituições de ensino
superior. Talvez esta venha a ser a estratégia mais refinada de sedução de intelectuais tradicionais para se tornarem
orgânicos do projeto burguês de sociedade.
No novo desenho organizacional em vigor, o Instituto Ethos está voltado à mobilização dos empresários e à
disseminação da nova ideologia na sociedade civil e na aparelhagem estatal, enquanto o UNIETHOS concentra seu
trabalho de elaboração e produção intelectual para subsidiar a ação do primeiro.
Embora o UNIETHOS tenha seu próprio estatuto e seja apresentado como entidade autônoma frente ao Instituto, sua
dependência é assegurada pelo compartilhamento ideológico, pelo financiamento de suas ações e pela composição
política das diretorias. Por exemplo, o seu Conselho Deliberativo é composto por 14 empresários. Entre eles, pelo
menos sete tiveram passagem marcante no PNBE: Oded Grajew (presidente do Conselho); Emerson Kapaz; Eduardo
Capobianco; Guilherme Peirão Leal; Helio Mattar; Sérgio Ephim Mindlin; Jorge Luiz Numa Abrahão. Outro membro
que merece ser destacado é Horácio Piva Lifer, por sua passagem na presidência da FIESP com o apoio do grupo
histórico do PNBE, responsável pela renovação interna daquela federação. Os demais membros do Conselho são:
Antoninho Marmo Trevisan; Celina Borges Torrealba Carpi; José Luciano Duarte Penido; Maria Cristina Nascimento;
Mauro Farias Dutra e Pedro Moreira Salles. Trata-se, portanto, de um aprimoramento da forma de organizar e de agir
do campo empresarial em que o chamado UNIETHOS nada mais é do que um departamento do Instituto.
O crescimento e o aperfeiçoamento do trabalho político em torno da “responsabilidade social empresarial” no Brasil foi
se consolidando na direção indicada pelos dois governos Fernando Henrique Cardoso, o que significa dizer que o
Instituto Ethos é uma das maiores expressões de uma política que visa a redefinir a natureza da sociedade civil
brasileira na atualidade, reforçando a tese gramsciana de que o Estado capitalista contemporâneo desempenha
plenamente o seu papel de educador 37.
Avaliando o período janeiro de 2003 a dezembro de 2004, correspondente à primeira metade do governo Lula da
Silva, é possível afirmar que existe uma sintonia política entre o Instituto e o governo. As ações destinadas a
consolidar uma nova relação entre o Estado em sentido estrito e a sociedade civil, implementadas nesse período,
seguiram a mesma direção do governo antecessor. Nesse sentido, repete-se a mesma técnica política com toques de
requintes. Em resumo, os procedimentos podem ser assim descritos: (i) amplia-se o poder do seleto núcleo
estratégico de comando; (ii) incorporam-se a esse grupo intelectuais orgânicos da burguesia que ocupam papéis de
destaque na organização político-social de sua classe; (iii) alargam-se os canais de “participação” para assegurar a
presença do povo na execução de projetos sociais; (iv) institui-se a possibilidade de uma participação apenas
opinativa dos cidadãos, resguardando o poder decisório no seu núcleo estratégico de comando.
Implementando essas diretrizes políticas, o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, foi nomeado “conselheiro da
Presidência da República” e “membro” do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), juntamente
com outros empresários ligados ao Instituto Ethos, permitindo, assim, que a penetração da ideologia da
“responsabilidade social empresarial” nas esferas de governo se tornasse um dos elos de fortalecimento da unidade
política do bloco no poder e das estratégias destinadas a manter e renovar a confiança e identificação do povo com
seus governantes.
Oded Grajew permaneceu no cargo de conselheiro presidencial até novembro de 2003. Entretanto, sua demissão não
foi motivada por divergências políticas, pois esse intelectual orgânico continua a exercer um papel importante nas

36
INSTITUTO ETHOS. Sobre o UNIETHOS. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 25 out. 2004.
37
É importante registrar que várias empresas associadas ao Instituto Ethos apoiaram projetos sociais dos governos Fernando
Henrique Cardoso dirigidos pelo órgão governamental Comunidade Solidária.
82
relações internas do bloco no poder, em especial nos temas relativos a políticas sociais. Em entrevista publicada no
Boletim do Programa Fome Zero38, tratando de sua demissão como conselheiro presidencial, Grajew afirmou:

Acho que minha saída pode ajudar nessa mobilização, porque vou ter mais tempo e mais
possibilidades de atuar junto às empresas. O Instituto Ethos tem um programa de
engajamento empresarial em torno das políticas públicas. Terei mais tempo também para
colaborar com a ONG Apoio Fome Zero. No começo do governo, minha presença foi
importante para ajudar a deslanchar o processo. O desenvolvimento do programa Fome
Zero me fez acreditar que agora é mais importante o trabalho junto com a sociedade. Estou
recebendo muitas demandas de iniciativas que estão acontecendo fora de Brasília. Se estou
atuando mais no espaço da sociedade, não vejo necessidade de ter um cargo oficial para
continuar o trabalho.

As relações entre burguesia e governo Lula da Silva parecem muito positivas, pois elas vêm favorecendo a
consolidação no Brasil de uma nova sociabilidade nos moldes definidos pelo neoliberalismo da terceira via. A idéia
defendida pelo presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, de que “não há coisa melhor para os empresários do que
um partido de esquerda [no poder]” nunca fez tanto sentido.
Aparelhos Difusores da Nova Ideologia
O crescimento quantitativo e qualitativo das organizações burguesas responsáveis pela difusão da nova ideologia
atingiu marcas históricas em um curto período de tempo, pois encontra no Brasil um terreno extremamente fértil.
Filiadas ao Ethos e/ou ao GIFE, essas novas organizações – “fundações” e “institutos” – têm como função maior o
desenvolvimento de projetos sociais focalizados, visando a transformar os preceitos da “responsabilidade social” em
ações capazes de disseminar o novo padrão de sociabilidade.
É verdade que algumas empresas criaram seus institutos ou fundações em décadas em que a ideologia da
“responsabilidade empresarial” não era sequer cogitada. Essas iniciativas pioneiras de célebres empresários não
chegaram a se constituir como referências para o conjunto da burguesia. Contudo, o que interessa registrar é o fato
de que na atualidade as antigas fundações e institutos incorporaram, ainda que de diferentes modos, a ideologia da
“responsabilidade social empresarial”.
É importante registrar que somente nos últimos anos foi iniciado o processo de produção de informações do universo
que engloba essas entidades. Em geral, certas opções teórico-metodológicas tomadas conduzem os pesquisadores a
considerarem os institutos e as fundações ligadas aos grupos empresariais como integrantes do terceiro setor. Assim,
não se consegue distinguir de forma clara e objetiva o número de fundações e institutos mantidos diretamente pela
burguesia em todo o Brasil39.
Estudos recentes registram um crescimento das ações diretas e indiretas das empresas no campo social. A IV
Pesquisa Nacional sobre Responsabilidade Social nas Empresas, promovida pela Associação dos Dirigentes de
Marketing do Brasil, revela que 91% das empresas estudadas desenvolvem ações destinadas à comunidade e 98%
delas afirmam que a “responsabilidade social” integra seus respectivos planejamentos estratégicos. Esses números
indicam que “[...] cresce, aceleradamente, a percepção das organizações quanto aos princípios orientadores dessa
nova virtude empresarial. Cada vez mais, as empresas aderem às ações socialmente responsáveis, com inteligência
estratégica” (ADVM, 2003:22).
O estudo Ação Social das Empresas Privadas, desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), revela que os anos de 1990 se constituem em um marco de mudanças e aprofundamento das
intervenções empresariais no campo social, principalmente no que se refere ao nível de sistematização das ações.
Além disso, o estudo afirma que 59% das empresas brasileiras que desenvolvem algum tipo de ação no campo social
iniciaram seus trabalhos nos anos de 1990.
Já em outro estudo elaborado por técnicos do mesmo órgão, constatou-se que:

[...] surpreende a expressiva participação das empresas de maior porte (mais de 500
empregados) em atividades sociais: 88% delas financiam projetos ou apóiam ações em
benefício da comunidade. Destaca-se que esse comportamento é mais expressivo nas
regiões Sudeste e Sul, onde mais de 90% das empresas desse porte atuam na área social.
Nas demais regiões do país, a participação varia de 53%, no Centro-Oeste, para 63% e
67%, no Nordeste e Norte, respectivamente (PELIANO, 2003:27).

38
GRAJEW, Oded. Hoje as empresas participam, mas também cobram dos governos que façam sua parte. 2 dez. 2003. Disponível
em: <http://www.fomezero.org.br/>. Acesso em: 17 dez. 2003.
39
Procurou-se trabalhar no limite dos dados disponíveis, cruzando-os com outras informações, no sentido de garantir uma maior
aproximação da realidade histórica.
83
Peliano (2001) revela ainda que, no final dos anos de 1990, 26% das empresas concentradas nas regiões
metropolitanas da região Sudeste no período analisado já haviam constituído suas fundações e institutos. Apesar de o
vertiginoso crescimento da atuação das empresas nas questões sociais, ainda são registrados inúmeros problemas
quanto a planejamento e execução político-financeiro das ações:

[...] entre as empresas pesquisadas, menos da metade (44%) respondeu [aos


entrevistadores] que dispõem de plano definido para sua atuação social; 38% disseram que
a empresa estabelece apenas linhas gerais de execução; e 18% não fazem nenhum tipo de
planejamento.

[...] Na questão orçamentária, a maior parte dos entrevistados (56%) declarou que há
previsão de recursos da empresa para os programas sociais que realiza, mas nem sempre
devidamente formalizados e raramente vinculados a fontes de receitas específicas. Em
geral, os recursos são definidos a partir das demandas sociais vis-à-vis a disponibilidade
interna das empresas (PELIANO, 2001:67-68).

Soma-se a ineficiência dos instrumentos e procedimentos de avaliação dos projetos. A informalidade e a falta de
critérios mais precisos e fidedignos é algo ainda muito presente, embora 47% das empresas estudadas “já comecem
a utilizar indicadores para medir o impacto de alguns de seus projetos, especialmente nas áreas de nutrição, saúde e
educação” (PELIANO, 2003:78). Os resultados desses trabalhos do IPEA, ao revelarem os limites e as possibilidades
das fundações e institutos empresariais na atualidade, permitem divisar a importância política do Instituto Ethos e do
GIFE na definição de diretrizes e referências metodológicas mais precisas para atuação das empresas dentro daquilo
que propõe a “responsabilidade social empresarial”. De forma específica, os cursos de preparação técnico-política dos
chamados gestores e as “ferramentas de gestão” parecem ser indispensáveis, já que também é evidente o
despreparo das equipes encarregadas da elaboração e desenvolvimento dos projetos sociais das empresas.
Os estudos revelam, ainda, que é de grande monta o volume dos recursos empregados por essas empresas e suas
fundações e institutos. Em 2000, 782 empresas privadas destinaram para os projetos sociais cerca de R$4,7 bilhões
(PELIANO, 2003). As 400 melhores empresas em atuação no país investiram juntas R$3,3 bilhões em projetos sociais
no ano de 2003, atingindo um contingente de 67,5 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente um terço da
população brasileira, o que representa um crescimento de 36% em relação a 2002 40.
Dados divulgados pela publicação citada atestam que, das 20 empresas que apresentaram a maior receita líquida no
ano-base de 2003, 15 criaram e mantêm fundações ou institutos próprios, apostando nesse tipo de “arranjo
institucional” para realizar seus projetos sociais. Isso não significa que empresas desse seleto grupo que não
apostaram no “arranjo” deixaram de realizar projetos sociais, pelo contrário, esses projetos são realizados diretamente
por departamentos da própria empresa.
Observa-se, ainda, uma nítida tendência de profissionalização e capacitação de um corpo de especialistas que,
organizados em fundações, institutos ou departamentos da própria empresa, vêm recebendo a função de planejar,
executar e avaliar os projetos sociais desenvolvidos. Os grandes organismos de elaboração e sistematização da
ideologia da “responsabilidade social” apostam cada vez mais em cursos de capacitação de pessoal e formação de
novos quadros de nível superior. A especialização e a excelência na “gestão social” são aspectos decisivos para a
ação das empresas na implementação de estratégias de obtenção de consenso junto a seus trabalhadores e a
sociedade em geral.
É importante considerar que todo esse movimento educador do empresariado brasileiro na atualidade vem sendo
incorporado pelo sistema sindical patronal. O plano estratégico para o período 2000-2005 traçado em 1999 para
ações do SESI é bastante revelador nesse sentido. Ratificou-se nesse plano uma postura que desde 1996 vinha
sendo delineada, qual seja: o SESI como uma unidade de comercialização de serviços altamente profissional e
induzida pelos preceitos da “responsabilidade social empresarial”.
A necessidade de autofinanciamento, em face da diminuição de sua arrecadação financeira decorrente da redução da
atividade industrial nos anos de 1990, associada à incorporação de um novo padrão de gestão, fez com que o SESI
reestruturasse sua linha de trabalho. Tal posicionamento deve ser entendido mais como uma medida de sobrevivência
do que uma postura ligada à lucratividade, pois o SESI entende que a concorrência crescente no setor de prestação
de serviços sociais privados exige atitudes mais profissionais e competitivas de seu sistema (SESI, 1999).
Com efeito, o plano estratégico 2000-2005, além de conter um rol de “objetivos e estratégias ligados aos negócios
(atividades-fim)” – isto é, metas e ações voltadas à escolarização básica, educação continuada, saúde e lazer –,
define também outros objetivos para dinamizar suas ações dentro da nova realidade, tais como: “desenvolver e
implantar sistema de comercialização de produtos e serviços integrados para grandes clientes, com prioridade para as
empresas e instituições com base nacional”; “associar a imagem do SESI à excelência e liderança na prestação de
serviços sociais integrados essenciais à competitividade da empresa”; “ampliar e consolidar a posição do Sistema

40
AS MELHORES da Dinheiro. Revista Dinheiro, São Paulo, 370. ed. out. 2004.
84
SESI no mercado nacional”; “desativar programas e/ou unidades que não produzem resultados relevantes do ponto
de vista social e/ou econômico” (SESI, 1999).
Considerando que os objetivos iniciais desse organismo estavam baseados na educação moral e cívica, bem como na
assistência aos trabalhadores industriais, de modo a assegurar a adaptação produtiva desses empregados ao mundo
industrial e que suas atividades eram financiadas com recursos obtidos pela cobrança realizada pela aparelhagem
estatal junto à indústria, é possível verificar que o SESI alterou significativamente sua forma de trabalho, seus
mecanismos de financiamento e suas funções na atualidade.
Apesar das mudanças, o SESI luta para se tornar um centro voltado a “contribuir para o fortalecimento da indústria e o
exercício de sua responsabilidade social, prestando serviços integrados de educação, saúde e lazer, com vistas à
melhoria da qualidade de vida para o trabalho e desenvolvimento sustentável” (SESI, 2004). Contudo, esse órgão não
abriu mão de somar esforços na difusão da nova ideologia. Na concepção de seu diretor-superintendente, “os
elementos que garantem a sustentabilidade da instituição alinham-se, perfeitamente, com as macrotendências dos
cenários em que se inserem as organizações voltadas para as iniciativas sociais neste final de milênio” (SESI, 1999).
O grande desafio de sua diretoria nacional vem sendo consolidar o SESI como organismo destinado a prestar
serviços sociais à industria, trabalhadores e comunidade em geral com sustentabilidade política e financeira (SESI,
1999). Mesmo com as mudanças que levaram o SESI a se tornar uma empresa de prestação de serviços sociais, é
possível notar que a promoção da “responsabilidade social” constitui-se como sua principal referência.
No período 2003-2004, o SESI intensificou sua “parceria” com o governo Lula da Silva com o objetivo de apoiar e
auxiliar algumas das políticas sociais do governo, como revela Jair Meneguelli 41, presidente do Conselho Nacional do
SESI: “[...] assumi a presidência do Conselho Nacional em 05 de fevereiro de 2003 com dois objetivos fundamentais:
fortalecer o Sistema e contribuir, na medida do possível, com os programas sociais do governo federal, relacionados
às áreas de atuação do SESI”.
Além dos inúmeros projetos de iniciativa própria, o Relatório Anual do Sistema SESI/2003 (SESI, 2004) apresenta
várias indicações de que a sinergia de esforços entre esse sistema e o governo federal tende a ser aprofundada nos
próximos anos, indicando que existe uma confluência de concepções e uma vontade comum: redefinir as relações
entre aparelhagem estatal e organizações da sociedade civil sob orientação de uma nova ideologia, como já vem
sendo feito desde 1995. A seu modo e a partir de suas peculiaridades, o SESI assumiu também a tarefa de
disseminar o novo padrão de sociabilidade.
O SESI, assim como todo o sistema CNI, além de ter incorporado a nova ideologia, tornou-se um dos importantes
parceiros do Instituto Ethos na difusão dos novos padrões de sociabilidade, sendo, inclusive, o autor de inúmeras
ações e mobilizações destinadas às “causas sociais”, envolvendo os cidadãos-voluntários, os organismos da
sociedade civil não ligados diretamente ao mundo empresarial. Essa postura demonstrou uma significativa
capacidade de adaptação da burguesia industrial àquilo que propõe a agenda neoliberal da terceira via em todo o
mundo e uma grande habilidade na transformação de um projeto de classe em política de Estado.
Muita coisa mudou na história da organização burguesa no Brasil desde os primórdios do industrialismo. A
reorganização do sistema sindical patronal e a criação dos novos organismos nos anos de 1990 marcam a existência
de novas estratégias de obtenção do consenso ancorada em parâmetros internacionalmente aceitos.
A ideologia da “responsabilidade social empresarial” sustentada pelo neoliberalismo da terceira via vem tendo um
papel importante para definição dessas novas estratégias que, em linhas gerais, estão voltadas a fortalecer a
fragmentação da vida no capitalismo, visando a perpetuar os mecanismos de exploração e a redefinir a dinâmica da
sociedade civil. Todo esse quadro comprova que o empresariado atuante no Brasil se modernizou e foi capaz de
assimilar e traduzir para a realidade local um projeto de renovação da hegemonia burguesa no século que se inicia.

41
MENEGUELLI, Jair. Relatório de atividades 2003. Brasília: Conselho Nacional do SESI, 2003. Disponível em:
<http://www.sesi.org.br>. Acesso em: 15 dez. 2004. (Jair Meneguelli foi presidente da CUT no período de 1984 a 1994 e
deputado federal pelo PT nos anos de 1990.)
85
5. REFORMA DA APARELHAGEM ESTATAL: NOVAS ESTRATÉGIAS DE LEGITIMAÇÃO SOCIAL
Marcelo Paula de Melo

Ialê Falleiros
Uma das dimensões significativas da reforma do Estado implementada no Brasil a partir dos anos de 1990, produtora
de significativas alterações na relação entre Estado e sociedade civil, foi a reforma administrativo-gerencial da
aparelhagem estatal, que veio a se configurar em importante instrumento difusor da nova pedagogia da hegemonia.
A partir de uma suposta constatação de que a crise enfrentada pelo capitalismo mundial decorria da natureza
burocrática e excessivamente regulatória do Estado, a classe dominante e dirigente brasileira, nos primeiros anos de
1990, instituiu mecanismos para minimizar tanto o raio de ação do Estado em sentido estrito na vida em sociedade,
como seu papel na condução dessa sociedade. Nesse primeiro momento, tal cruzada contra o Estado esteve
acompanhada pela apologia do mercado como instância central para organizar a vida coletiva, empreendendo-se uma
árdua defesa pela privatização de empresas públicas e implantação de políticas públicas sociais, sob a justificativa de
que o mercado, como mecanismo de regulação, seria muito mais eficaz do que o Estado, obtendo melhores
resultados com menores custos.
Tais políticas em favor do mercado acarretaram, mesmo nos países capitalistas centrais, sérias conseqüências
sociais, como o aumento da pobreza e do desemprego e a diminuição da rede de proteção social construída nos anos
de Estado de Bem-Estar Social. Face à situação, a classe dominante dá início a mudanças em sua estratégia de
legitimação. Antigos defensores dos termos do projeto, como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional
(FMI) e a UNESCO, produzem documentos criticando o que denominam “neoliberalismo radical”. A partir de críticas
às posições que defendem a minimização do Estado, bem como sua secundarização face ao mercado, apontam a
necessidade de um novo Estado para promover o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Como
emblematicamente explicitado em um desses documentos, seria preciso “um novo Estado para um mundo em
transformação” (BANCO MUNDIAL, 1997). Tem-se configurada, assim, a defesa de uma terceira via na condução do
Estado. Nem Estado de Bem-Estar Social – preso ao burocratismo autoritário –, nem o neoliberalismo radical, e sim
um “Estado social-liberal”, como constante no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995).
No processo de reforma da aparelhagem estatal no Brasil, propagou-se que as dificuldades e crises enfrentadas pelo
conjunto da sociedade se deviam quase que unicamente à natureza de atuação do Estado, incapaz de dar conta dos
desafios atuais. Isso pode ser evidenciado nos próprios documentos do Ministério da Administração e Reforma do
Estado- MARE (BRASIL, 1995; 1997e). Afirma-se que o modelo de Estado desenvolvimentista classificado de
burocrático estaria em crise, devido ao “seu crescimento distorcido e ao processo de globalização”, sendo esse
mesmo Estado a “principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de
desemprego e do aumento da taxa de inflação” (BRASIL, 1997e:7). Objetiva-se difundir a noção de que os problemas
enfrentados pelas sociedades ocidentais nos últimos tempos seriam decorrentes não de uma crise no próprio modelo
capitalista, mas da atuação equivocada, corrupta e ineficaz do Estado. Propaga-se a concepção de que, para
“retornarmos aos caminhos dos céus”, seria preciso urgentemente reformar o Estado. Um belo eufemismo para
legitimar medidas centrais ao ajuste neoliberal.
No Brasil, isso ocorre de maneira mais orgânica a partir da ascensão de Fernando Henrique Cardoso à presidência da
República em 1994. Apresentando-se como um sinal de que finalmente o país teria sua face modernizante, tal
governo, afinado com a burguesia nacional e internacional, em especial com o setor financeiro, inicia um amplo
movimento que defende ser imprescindível proceder a uma reforma do Estado para que se pudesse finalmente deixar
de ser o país do futuro. Os oito anos subseqüentes foram dedicados à implantação do novo projeto societário no país,
em consonância com o projeto de sociabilidade defendido pelos grandes organismos do capital internacional.
Marcada pela crise política característica do mundo ocidental nas décadas finais do século XX, a cena brasileira
comportou disputas acirradas quanto à adoção de tal projeto ao longo dos anos de 1990. Naquela mesma década, o
termo “neoliberalismo” foi renegado e combatido semanticamente pelo grupo dirigente, expiado em favor de um
modelo de sociedade preocupado com suas mazelas – ainda que o Estado tivesse que continuar liberando espaço à
iniciativa privada, dinheiro aos bancos internacionais e submetendo as políticas públicas nacionais às diretrizes
dessas organizações.
A Entrada Tardia do Brasil na Onda Neoliberal (1994-2001): a Criação do MARE e a Reforma da Aparelhagem Estatal
Em 1994, chega ao poder presidencial o bloco difusor do grande consenso nacional em torno da necessidade da
implementação das “reformas” que iriam levar o Brasil a uma posição de destaque na chamada era da globalização.
Essas reformas deveriam incidir inicialmente sobre a aparelhagem estatal, considerada o principal entrave ao


Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Curso de Educação Física da UNIABEU e do
Curso de Normal Superior do Instituto Superior de Educação da FAETEC em Três Rios (RJ). Pesquisador do Coletivo de
Estudos de Política Educacional.

Formada em História pela Universidade de Campinas (UNICAMP/SP). Mestre em Educação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). Professora do Ensino Fundamental da rede particular de ensino do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Coletivo
de Estudos de Política Educacional.
87
desenvolvimento do país (BRASIL, 1995), o que confluía com a postura vigorosa de adequar o Brasil à nova fase
do capitalismo mundial.
O país entrava efetivamente na onda neoliberal, ainda que tardiamente, absorvendo características de neoliberalismo
de novo tipo, já respaldado pelos insucessos das experiências anteriores. A experiência brasileira incorporou diversos
elementos do projeto neoliberal da terceira via. Assim, o processo de ajuste neoliberal atuou em algumas frentes, tal
qual ocorreu em outros países.
Uma dessas frentes era a abdicação da moeda nacional em nome de uma paridade fictícia com o dólar, o que
produziu efeitos de estabilização, tais como o fim da inflação e o pequeno aumento no poder de compra das classes
médias, o que de longe não revelava seus enormes custos sociais. Paralelamente, deu-se início a um processo de
privatização de empresas e bancos estatais, que fez com que parte significativa do patrimônio público brasileiro fosse
entregue à iniciativa privada, em geral por preços irrisórios e com financiamento do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sob a demagógica premissa de redução do gasto público e do
tamanho do Estado brasileiro – uma das razões para o seu “atraso”, segundo os apologistas das reformas.
Também foram centrais os acordos da dívida externa que condicionaram os passos do governo brasileiro ao
pagamento de juros vultosos para rolagem da dívida. Os chamados acordos de superávit primários são utilizados para
pagamento de dívidas com os organismos financeiros internacionais, sobretudo o Fundo Monetário Internacional
(FMI), engessando a possibilidade de desenvolvimento econômico e social. Fazendo jus a esses acordos, eram
necessários cortes orçamentários nos gastos públicos, de modo a gerar receita para amortização de juros de uma
dívida que, ao invés de ser externa, tornava-se eterna. Sob um eufemismo de arrocho, ou de receita amarga de
crescimento, assistiu-se ao crescente aumento da pobreza e da desigualdade (OLIVEIRA, 2001).
No início do primeiro mandato de FHC, foi criado o Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), com
o objetivo de promover uma ampla reforma da aparelhagem estatal quanto à sua estrutura e funcionamento. Para seu
titular, foi designado Luiz Carlos Bresser Pereira1. Percebe-se na documentação produzida pelo MARE (BRASIL,
1997e), pela Presidência da República (BRASIL, 1995) e por Bresser Pereira (1997) uma ênfase constante na
necessidade de modernizar a administração pública brasileira, de modo a torná-la uma administração gerencial, que
pudesse atender aos desafios impostos pela globalização. Não por acaso a Constituição de 1988 era apresentada
como um entrave para o desenvolvimento do país por ser demais burocrática2, ou seja, o que se conseguiu construir
como um esboço de Estado de Bem-Estar Social era agora considerado a razão da crise pelos neoliberais da terceira
via.
O modelo de Estado neoliberal pelo qual os reformadores brasileiros se guiaram nos anos de 1994 a 1998 partiu do
pressuposto de que “Estado” corresponde à aparelhagem estatal, composta por um núcleo burocrático (setor
exclusivo do Estado em sentido estrito) e por um setor não-exclusivo de serviços sociais e de obras de infra-estrutura.
Sobre esse último, o aparelho de Estado reformado deveria deixar de intervir diretamente, passando a ter papel
regulatório. No modelo implementado, a sociedade civil – espaço estrutural, de acordo com a visão liberal de Estado
(e não instância superestrutural, como define Gramsci) – corresponde à esfera do “social” (o “terceiro setor”), parceira
do Estado na execução de seus serviços sociais.
O termo emprestado de Giddens – “reconstruir o Estado” – foi utilizado para explicar que, embora contivesse
elementos liberais, a reforma proposta não visava a diminuir a aparelhagem do Estado, mas refuncionalizá-la,
adequá-la ao contexto de ampliação do capitalismo e da democracia no país e no mundo:

Os neoliberais querem encolher o Estado; os social-democratas, historicamente, têm sido


ávidos por expandi-lo. A Terceira Via afirma que é necessário reconstruí-lo – ir além
daqueles da direita, “que dizem que o governo é o inimigo”, e daqueles da esquerda, “que
dizem que o governo é a resposta” (GIDDENS, 2001a:80).

Como forma de enfrentar possíveis resistências, era preciso “demonizar” o modelo de Estado, suas empresas e seus
funcionários. Frente a um passado de Estado ditatorial, ineficiente, burocrático, “paquidérmico”, essa tarefa foi
impulsionada com a adesão de setores majoritários da mídia, políticos e intelectuais. Em contrapartida, era
apresentada a eficácia do mercado, que, por isso, deveria gerenciar as empresas estatais privatizadas. Isso também
se estendeu a uma alegada maior capacidade e eficiência dos organismos na sociedade civil que passariam a
assumir a implementação de políticas sociais, já que a burocracia estatal seria ineficaz, cara e lenta.
Constatado que o país estaria vivenciando um momento de crise na estruturação do Estado, os documentos oficiais
sobre a Reforma apontavam que tal crise envolveria quatro faces interdependentes, que, entretanto, para efeitos

1
Professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo, ministro da Fazenda em 1987, ministro da
Administração Federal e Reforma do Estado entre 1995 e 1998 e ministro da Ciência e Tecnologia entre 1999 e 2002.
2
No Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995:20), há um item cujo título é O retrocesso de 1988, para se referir às
modificações na Carta Constitucional de 1988, de cunho democrático de massas, denominando-a de um “novo populismo
patrimonialista”.
87
88
analíticos, poderiam ser desmembradas em: “dois problemas econômico-políticos, a delimitação do tamanho do
Estado [...] e a redefinição do papel regulador do Estado” (BRESSER PEREIRA, 1997:8); um terceiro problema, de
ordem econômico-administrativa, referente à chamada crise de governança, que seria a recuperação da “capacidade
financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo”; e por fim, haveria uma crise
de legitimidade, que poderia gerar uma crise de governabilidade.
Ao se analisar cada um desses tópicos, fica claro que a dimensão econômica não se separa da dimensão política em
momento algum, mesmo que assim tenha sido apresentado. Aprofundando cada problema apontado, tem-se uma
visão mais ampliada das estratégias utilizadas no convencimento do conjunto da população de que o aparelho de
Estado seria a razão da “crise” brasileira. Nos primeiros tópicos referentes ao “tamanho” e à redefinição do papel
regulador da aparelhagem estatal, há significativos exemplos da defesa de um programa político caro às teses
neoliberais da terceira via. Criticando as posições neoliberais clássicas de “Estado mínimo”, o projeto de Reforma não
deixa de apontar uma necessidade de diminuição do tamanho do aparelho de Estado brasileiro, por intermédio de
mecanismos de privatização, publicização e terceirização.

As reformas orientadas para o mercado eram de fato necessárias, mas não com o
radicalismo neoliberal. Eram necessárias para corrigir as distorções provocadas pelo
excessivo crescimento do Estado e pela interferência arbitrária na definição dos preços
relativos (BRESSER PEREIRA, 1997:16).

Nesse sentido, a despeito das críticas às posições neoliberais, no Plano Diretor (BRASIL, 1995) alega-se ser inadiável
promover um ajuste fiscal duradouro; reformas econômicas orientadas para o mercado; reforma da Previdência Social
e inovação de instrumentos de política social.
O encaminhamento de tais processos levou o Brasil ao modelo de Estado com nítida face neoliberal. A justificativa
para a superação de um modelo dito burocrático para um modelo gerencial era de que esse último garantiria eficácia
na atuação, já que o Estado, “de agente de desenvolvimento, se transformava em seu obstáculo” (BRESSER
PEREIRA, 1997:14). Nesse sentido, são recorrentes as menções à necessidade de dinamizar o aparelho de Estado,
onde o Estado deveria deixar de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social e se fortalecer na
tarefa de promover e regular esse desenvolvimento – que seria levado a cabo pelas empresas privadas, no caso das
atividades econômicas, e pelas chamadas organizações públicas não-estatais, na execução das políticas sociais. Isso
supostamente melhoraria a natureza da atuação da aparelhagem estatal (BRASIL, 1995).
Quanto ao papel regulador, o projeto neoliberal da terceira via defendia a necessidade de diminuir o papel do aparelho
de Estado na regulação da economia. Embora o mercado apresentasse mecanismos falhos de regulação, haveria
outras formas que não a estatal, sobretudo a partir do controle social. Bradava-se pela redução

[...] do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de programas de


desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via mercado,
transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do país a nível
internacional ao invés de protetor da economia nacional contra a competição internacional
(BRESSER PEREIRA, 1997:18).

No que tange à chamada governança, foi constante a busca de legitimação da Reforma a partir de argumentos
monetaristas, ou seja, a crise que tomou o Estado exigiria o chamado ajuste fiscal, “que devolveria a capacidade
financeira ao Estado”, bem como uma “reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial, e a
separação, ao nível das atividades exclusivas do Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução”
(BRESSER PEREIRA, 1997:19). Assim, uma segunda justificativa para a reforma do aparelho de Estado foi sua
apresentação como um processo que objetava criar e transformar instituições, tendo em vista aumentar a
governabilidade e a governança. De acordo com Bresser Pereira (1997), o objetivo de tal reforma seria contribuir para
a existência de “um Estado mais eficiente [que] agisse em parceria com a sociedade e de acordo com seus anseios”.
Logo, a referida reforma levaria a um modelo de atuação do aparelho de Estado

[...] menos voltado para a proteção e mais para a promoção da capacidade de competição.
Será um Estado que não utilizará burocratas estatais para executar os serviços sociais e
científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas não estatais. Será o que
propusemos chamar de Estado social-liberal, em substituição ao Estado social burocrático
do século XX. Um Estado certamente democrático, porque o grande feito do século XX foi
ter consolidado a democracia (BRESSER PEREIRA, 1997:52-53).

Para tal, os mecanismos de privatização, publicização e terceirização seriam centrais. Isso adviria, antes, de uma
delimitação da área de atuação do Estado, na qual ficaria claro quais atividades seriam exclusivas do núcleo

88
89
burocrático estatal, a quais caberiam apenas financiamento e fomento e quais deveriam ser abarcadas pelo
mercado. Assim,

[...] reformar o Estado significa transferir para o setor privado as atividades que podem ser
controladas pelo mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas
estatais. Neste plano, entretanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e
que não está tão claro: a descentralização para o setor público não estatal da execução de
serviços que não envolvem o exercício de poder de Estado, mas devem ser subsidiados
pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica
(BRASIL, 1995:12-13).

Na discussão sobre o que seriam atividades específicas ou não do Estado, foram apresentados inequívocos
argumentos que conformavam o Estado brasileiro como um corolário do projeto de sociabilidade neoliberal da terceira
via. É relevante afirmar que o projeto se dedica a deslegitimar o papel do aparelho de Estado na execução de suas
políticas. Isso se expressa já na separação entre a formulação e a execução das políticas públicas, com a proposição
da necessidade de haver a separação entre as chamadas agências formuladoras de políticas públicas – o núcleo
central do poder executivo composto pelo chefe de governo e sua equipe direta, sejam ministros ou secretários de
estados e/ou municípios –, e as denominadas agências executoras e reguladoras. Finalmente, a execução das
políticas públicas ficaria a cargo das já referidas organizações públicas não-estatais.
Foram implementadas diversas ações, que incidiram na organização do Estado brasileiro: desestatização –
eufemismo para as privatizações de empresas estatais –; reforma no estatuto do serviço público; publicização, ou
seja, criação de organizações públicas não-estatais para atuarem na implementação dos ditos serviços não-
exclusivos do Estado – no caso, os direitos sociais:

[...] a reforma também deverá alcançar a garantia, pelo Estado, de que as atividades sociais,
que não são monopolistas por natureza, sejam realizadas competitivamente pelo setor
público não-estatal e por ele controladas ainda que com seu apoio financeiro, de maneira a
conseguir a ampliação dos direitos sociais (BRESSER PEREIRA e GRAU, 1999:17).

Desde logo se pode apontar uma clara tentativa de diferenciação em relação ao termo privatização. Os defensores da
Reforma do Estado apresentaram tais medidas não como mecanismos privatistas, mas sim como possibilidades de
tornar tais atividades públicas, mesmo que não implementadas pelo Estado. Defendeu-se uma suposta ampliação de
público para além de estatal, uma vez que haveria organismos privados voltados para o que seus defensores
chamaram de interesse público ou bem comum. Para além das tradicionais organizações privadas e estatais, haveria
um terceiro grupo – o dos organismos públicos não-estatais (BRASIL, 1995, 1997e; BRESSER PEREIRA, 1997;
CARDOSO, 2000). Esse processo de “publicização” incidiria, sobretudo, na implementação de políticas públicas
sociais, ou seja, no trato direto com os diversos direitos sociais, como educação, saúde, esporte, lazer, artes, ciência
e tecnologia. Com isso, tais políticas deixariam de ser implementadas diretamente por organizações vinculadas à
aparelhagem estatal para serem de responsabilidade das organizações públicas não-estatais, devidamente
financiadas pelo Estado:

No meio, entre as atividades exclusivas do Estado e a produção de bens e serviços para o


mercado, temos hoje, dentro do Estado, uma série de atividades na área social e científica,
que não lhe são exclusivas, que não envolvem poder de Estado. [...] Se o seu financiamento
em grandes proporções é uma atividade exclusiva do Estado [...], sua execução
definitivamente não o é. Pelo contrário, estas são atividades competitivas, que podem ser
controladas não apenas através da administração pública gerencial, mas também e
principalmente através do controle social e da constituição de quase-mercados (BRESSER
PEREIRA, 1997:25).

Frente a isso, cabe uma menção ao que o novo modelo considera tarefa não-exclusiva do aparelho estatal:

Incluem-se nesta categoria as escolas, universidades, os centros de pesquisa científica e


tecnológica, as creches, os ambulatórios, os hospitais, as entidades de assistência aos
carentes, principalmente aos menores e aos velhos, os museus, as orquestras sinfônicas, as
oficinas de arte, as emissoras de rádio e televisão educativa ou cultural (BRESSER
PEREIRA, 1997:25).

Explicitava-se, assim, que o aparelho de Estado não mais executaria as políticas sociais nas diversas frentes.
Passaria a delegar a sua execução às denominadas organizações públicas não-estatais. Embora haja essa disputa
89
90
semântica, sendo tal processo apresentado como publicização, pode-se afirmar estarmos diante de um verdadeiro
mecanismo de privatização com diversas faces. Contudo, uma dimensão que não pode deixar de ser ressaltada é a
tentativa de auto-responsabilização da sociedade quanto ao financiamento das políticas sociais. Não por acaso, no
Plano Diretor (BRASIL, 1995) verifica-se como um dos objetivos precípuos desse novo modelo a promoção de uma
maior aproximação entre o Estado e a sociedade civil, por meio das múltiplas organizações sociais.
Ainda que o aparelho de Estado deva continuar financiando esses diversos organismos privados, “a própria
organização social, e a sociedade a que serve deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via
compra de serviços e doações” (BRASIL, 1995:47, grifo nosso). Ou seja, passa a ser necessário pagar para se ter
acesso a direitos sociais. É decepcionante que essa prática se manifeste como política de Estado e não como uma
exceção. Para além da falaciosa alegação de que tais atividades não envolveriam o núcleo central do poder, o que
salta aos olhos é a tentativa de apresentação do Estado unicamente como financiador de ações, reduzido a uma
dimensão técnica, e aparentemente despolitizada.
É nesse contexto que surgem os clamores pela participação do chamado terceiro setor. Este foi apresentado como
uma outra esfera da vida em sociedade, diferente do Estado e do mercado. Sendo, de acordo com a visão de mundo
liberal, o primeiro (o Estado) o lugar da política, e o segundo (o mercado) o da economia, a sociedade civil ou “terceiro
setor” seria o espaço do social, das relações sociais baseadas na solidariedade e no altruísmo, que promoveria a
participação da “comunidade”. Estão incluídas no chamado “terceiro setor” organizações não-governamentais
(ONGs), instituições filantrópicas, fundações empresariais e associações comunitárias. O que elas têm em comum é o
fato de serem não-lucrativas e estarem na sociedade civil (BRESSER PEREIRA e GRAU, 1999; CARDOSO, 2000). A
esse chamado “terceiro setor” caberia a implementação das políticas públicas, já que tanto o Estado, na fase
keynesiana, quanto o mercado, no neoliberalismo “mais radical”, fracassaram, ao passo que a “sociedade civil”
poderia ser mais eficaz que esses dois outros setores, por não estar presa ao autoritarismo, como o Estado, e não
buscar o lucro, como o mercado (BRESSER PEREIRA e GRAU, 1999; CARDOSO, 2000).
Nota-se um crescente chamamento à participação de organismos na sociedade civil por parte de governantes e
setores da mídia. Começa-se a difundir a expressão “terceiro setor” para expressar tais organismos, que seriam
voltados para o “interesse público”. Esses organismos seriam eficazes, inovadores, econômicos e capazes de agir em
áreas que o Estado se mostrou incapaz (BRESSER PEREIRA e GRAU, 1999; CARDOSO, 2000). Apropriando-se do
termo “sociedade civil”, o grupo dominante e dirigente empenha-se em transmitir a noção de que se trata de um
espaço sem antagonismos, “despolitizado”, livre dos “vícios” que teriam o Estado restrito e o mercado, abstraído das
lutas entre projetos de sociedade distintos. A atuação do chamado “terceiro setor” implicaria um fortalecimento da
sociedade civil, sendo este “o caminho correto para que possamos superar essa herança pesada de injustiça e
exclusão” (CARDOSO, 2000:10).
Mirando o conceito gramsciano de sociedade civil como espaço de disputa de concepções de mundo, difusão de
idéias e projetos de sociedade, objetivando a consolidação da hegemonia de uma classe e suas frações, faz pouco
sentido apontar que “o espaço público seja a fonte das funções de crítica e controle que se exerce sobre a coisa
pública” (BRESSER PEREIRA e GRAU, 1999:22). Ora, esse “espaço público” também pode ser o local da
legitimação, da propagação dos ideais, valores e concepções do bloco no poder, ainda que considerando as exceções
e as disputas que ali podem ocorrer.
A necessidade de adequar a legislação para potencializar tais ações gerou a conformação de um termo para
expressar os organismos públicos não-estatais que estabeleceriam contratos com o Estado: Organizações Sociais
(OSs)3. O MARE sinalizava que “a crescente absorção de atividades sociais pelo denominado terceiro setor (serviços
não-lucrativos) tem sido uma marca recorrente em processos de reforma do Estado nas democracias
contemporâneas” (BRASIL, 1997e:7). Isso confere um caráter de projeto estratégico de conformação de novas
sociabilidades, tanto na relação Estado-cidadão, como, sobretudo, na relação Estado-diversos organismos da
sociedade civil.
Tendo definido que OSs seriam formas de qualificação para organizações públicas não-estatais, ao mesmo tempo em
que se configurariam como formas de realização de “parcerias” entre o “Estado e a sociedade” por intermédio das
ditas organizações privadas com interesse público, o projeto afirmava não estar o país diante de novas figuras
jurídicas, mas sim da possibilidade de as organizações qualificadas se habilitarem a “[...] receber recursos financeiros
e a administrar bens e equipamentos do Estado”, o que se daria por meio da realização de contratos de gestão. No
processo, foram apresentados os termos que legitimariam os mecanismos de utilização das OSs. Além de uma
suposta maior eficácia e agilidade, as OSs foram caracterizadas como organismos que, por serem de direito privado,
tenderiam “a assimilar características de gestão cada vez mais próximas das praticadas no setor privado”. Assim, ao
se aproximarem das práticas de mercado, estariam cumprindo melhor a função do que a burocracia “viciada”
(BRASIL, 1997e:14).

3
Não por acaso, consta no segundo Caderno MARE da Reforma do Estado (BRASIL, 1997e:7): “a implementação de
Organizações Sociais é uma estratégia central do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”. Cabe registrar a importante
menção, no mesmo Caderno, de que tal processo não é exclusivamente brasileiro, ou seja, está-se diante de um novo projeto de
sociedade mundial do capitalismo.
90
91
Com isso, o projeto de reforma da aparelhagem estatal logrou ser um “pontapé inicial” na sistematização da
participação de organismos na sociedade civil na implementação de políticas públicas. A partir da noção de que tais
mecanismos ampliariam a possibilidade de participação e controle por parte da sociedade civil, considerada de forma
homogênea, foram apresentados como formas modernas e democráticas de superação dos modelos anteriores na
relação Estado-sociedade.
A reforma da aparelhagem estatal foi, em boa medida, implementada pelo órgão de governo Programa Comunidade
Solidária. O referido órgão foi criado em 1995, objetivando sistematizar as novas relações entre a aparelhagem estatal
“em obras” e os organismos na sociedade civil:

[...] o Programa Comunidade Solidária desempenha “uma função que é mais facilitar,
mobilizar, catalisar energias e recursos do que executar diretamente programas e projetos.
Só estamos trabalhando com parcerias, quer elas envolvam governo e sociedade, quer se
dêem entre grupos da própria sociedade (CARDOSO, 2000:9, grifo nosso).

O Comunidade Solidária atuou divulgando e promovendo a idéia do chamado “terceiro setor”, fomentando a
participação de organismos na sociedade civil na implementação de políticas públicas e também na revisão do
denominado “marco legal”, atuando diretamente na elaboração e proposição de alterações na legislação. Com essas
práticas, foi possível a potencialização de contratos, parcerias e convênios entre organismos na sociedade civil e o
aparelho de Estado na implementação das ações sociais durante o governo FHC. Tanto com a chamada Lei das OSs
de 1997, quanto com a Lei nº 9.790/1999, que cria a figura jurídica de Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIP), foram sistematizados mecanismos legais para o estabelecimento de “contratos de gestão” e de
“termos de parcerias”4.

Assim, estava preparado o terreno no âmbito do Estado estrito senso, para o


estabelecimento das novas relações Estado-sociedade civil em torno do projeto de
sociabilidade neoliberal da terceira via. Pautados em expressões que remetem a sentidos
vagos e imprecisos, que podem servir aos mais diversos projetos de sociedade, os discursos
dominantes educam para a hegemonia burguesa contemporânea:

É um tal de abrir e construir “espaços”, nos quais “interagem” “atores” que trocam juras de
“compromisso” e “envolvimento” mútuos, tudo num registro altamente “pró-ativo”. Em
contrapartida, será taxada de “reativa” qualquer iniciativa que cheira a ressentimento de
perdedor. Espaços obviamente de “participação” [...] irrigados por “canais de interlocução”,
através dos quais governo e sociedade civil “aprendem a pensar e agir juntos”, constroem
plataformas para futuras “parcerias” e novas “interações”, conferem “visibilidade” a iniciativas
“emergentes” e promovem a cidadania ativa (ARANTES, 2000:3).

Paulo Eduardo Arantes capta nesses discursos um “mimetismo terminológico” que confunde e educa para um
perigoso consenso incapaz de compreender os diferentes projetos de sociedade em disputa no mundo atual. Nessa
linha, o autor nos mostra como esse mimetismo tem sido essencial para a afirmação do projeto de sociedade
neoliberal. Com isso,

[...] vive-se o grande desconcerto de verificar, a cada rodada, que tamanha demolição é
conduzida nos termos mesmos em que a fórmula de resistência dos perdedores [...].
Portanto “sociedade civil” desmantelada em seu próprio nome, destituição de direitos em
nome de direitos de última geração [...]. Não é para menos: de uma hora para outra “direito”
tornou-se privilégio, além do mais em detrimento dos “excluídos”; sujeitos de direitos,
usuários de serviços; “cidadania” mera participação numa comunidade qualquer [...]
(ARANTES, 2000:16).

Um fato significativo que expressa bem o sentido dado a esse projeto de reforma da aparelhagem estatal é a tentativa
de apresentá-lo como um processo inexorável, como o único caminho razoável ou “possível”.
Isso pode ser evidenciado em dois momentos: no Plano Diretor (BRASIL, 1995) afirmava-se a necessidade de se
consolidar mudanças “a partir da idéia de sua irreversibilidade, dotando o aparelho de Estado de uma estrutura com
um grau de flexibilidade tal que permita enfrentar os desafios do ajustamento que certamente serão impostos, porém,
ainda imprevisíveis” (BRASIL, 1995:56, grifo nosso); sete anos depois, o ex-ministro Bresser Pereira, realizando uma
avaliação de todo o processo encaminhado pelo MARE, defende que “a reforma da gestão pública responde a

4
Para mais informações sobre as OSCIP, ver capítulo 6 deste livro.
91
92
mudanças ou forças fundamentais [e] constitui um processo que não tem volta, que não vai parar” (BRESSER
PEREIRA, 2002:32). Assim, mais uma vez, só restaria ao Brasil se lamentar.
O Aprofundamento do Modelo de Estado Neoliberal da Terceira Via (2003-2004)
A vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002 não correspondeu ao rompimento com
o projeto de modernização do Brasil baseado no equilíbrio macroeconômico, no controle fiscal e na reforma neoliberal
do Estado.
Desde sua fundação até meados dos anos de 1990, o compromisso classista assumido pelos ideólogos desse partido
teve inegável importância na crítica ao conjunto do sistema partidário brasileiro e em sua requalificação, por meio das
práticas político-parlamentares de seus representantes, em um contexto marcado pela reconstrução democrática e
constitucional do país após 20 anos de ditadura militar, servindo como parâmetro decisivo à organização da classe
trabalhadora em novas bases. O combate à corrupção e ao clientelismo político não apenas deu credibilidade ao
partido, vindo a se tornar cada vez mais consensual para o conjunto da sociedade. Contudo, ao longo da década de
1990, à medida que ganhar as eleições se tornava estratégia prioritária do PT, as alianças políticas e o marketing
eleitoral substituíram sua vinculação à classe trabalhadora e à própria militância popular (FONTES, 2004). No poder, o
PT afirma claramente:

O partido no governo [...] privilegia a “segurança” como condição mínima para as mudanças.
[...] Não é um partido que exacerba a luta de classes, porque essa exacerbação fragiliza o
governo ante o domínio do capital financeiro globalizado (GENRO, 2004:71).

Ainda na campanha presidencial de 2002, Lula da Silva se apresentou como um candidato moderado de esquerda
que, vencendo as eleições, tornar-se-ia símbolo da coesão social – já que ele próprio, retirante e líder sindical
proletário, representava melhor que ninguém o “pacto nacional” necessário ao aprofundamento da pedagogia da
hegemonia no país. Como sintetiza Virgínia Fontes:

[...] no âmbito internacional, exigiu-se que o partido desse provas cabais de que não mais se
configuraria como um partido contra a ordem. Temendo um bloqueio eleitoral, Lula avaliza
os acordos internacionais com os credores, ainda durante o governo FHC, posição difundida
através da Carta aos brasileiros. Da mesma forma como no âmbito internacional já se
demarcava o teor da atuação governamental, a imprensa nacional tratou de balizar e
estabelecer também uma pauta de atuação, desde antes do processo eleitoral, mas com
especial ênfase a partir dos resultados da primeira fase (quando Lula obteve 46,44% dos
votos, contra José Serra, com 23,20%). Dizia o que poderia e o que não poderia ser feito em
eventual governo Lula e, durante alguns meses, haveria um uníssono diktat do “mercado”
face à probabilidade da eleição de Lula (FONTES, 2004:28).

A aparelhagem estatal, quase totalmente reformada entre 1994 e 2002, continua sendo moldada nos mesmos
parâmetros neoliberais da terceira via e ainda que propague a adoção de um projeto político afim com a inserção
soberana do Brasil na economia mundializada e a livre cooperação interdependente no contexto da globalização dos
mercados, o grupo dirigente, a partir de 2003, de fato não criou outra alternativa senão manter os acordos
macroeconômicos estabelecidos entre o Brasil e os países capitalistas centrais. A pedagogia da hegemonia se
processa ainda mais livremente na nova conjuntura, iniciada com a propaganda governamental em torno do combate
à fome no país – tornado literalmente bandeira de governo –, tendo, porém, apenas nos primeiros oito meses de
gestão Lula da Silva, um orçamento 60 vezes menor que os gastos do governo federal, estados, municípios,
Previdência, Banco Central e empresas estatais com juros da dívida externa 5.
Buscando diferenciar a nova equipe no poder estatal do grupo dirigente no processo de Reforma do Estado nos anos
de 1990 e, ao mesmo tempo, fazendo um balanço sobre a atualização das demandas socialistas para o século XXI,
Tarso Genro, ex-deputado federal e ex-prefeito de Porto Alegre, coordenador do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social (CDES) no primeiro ano de gestão Lula da Silva e atual ministro da Educação, afirma 6:

A luta pela inclusão, na economia e na democracia, é a nova subversão, capaz de abrir uma
nova era de lutas democráticas e socialistas no mundo pós-neoliberalismo. A “terceira via” é
a sua negação conformista e alienada.

5
MANFRINI, Sandra. Governo já gastou mais de R$100 bilhões com juros neste ano. Folha Online. Brasília, 29 set. 2003.
6
GENRO, Tarso. A esquerda e a terceira via: um dilema teórico e político em curso. Disponível em:
<http://www.tarsogenro.com.br/nuclear/32.php>. Acesso em: 26 out. 2004.
92
93
Novas demarcações semânticas se apresentam no novo contexto. O bloco no aparelho de Estado no Brasil atual
quer ser visto como condutor de um projeto de sociedade e de sociabilidade diferente em relação ao dirigido por
aquele no poder nas gestões FHC e, por isso, combate a expressão “terceira via”, mas não consegue (e nem
pretende) se desvencilhar de seus propósitos. Na realidade, ainda que se evidencie uma disputa pela condução do
projeto de modernização capitalista no país entre grupos ligados ao capital produtivo nacional (exportador em
especial) e aqueles vinculados mais diretamente ao capital financeiro internacional, o espectro ideológico do
neoliberalismo da terceira via segue seu curso, aprofundando-se:

Trata-se de forjar um novo “contrato social’. Não só um novo “pacto social”, que sempre foi
um recurso jurídico-político das elites em horas de crise da sua hegemonia. Mas um novo
“Contrato”, que permita a emergência de novas formas para a constituição de maiorias, na
sociedade, através da reorganização do espaço da política delegada, que contará com
novos impulsos para uma produção normativa, “capazes inclusive [...] de dar um novo
sentido ao modo de vida atual”.

[...] O objetivo será forjar uma soberania que se redesenhe pela superação daquelas “regras
do jogo”, aparentemente “puras”, para assumir um “jogo com finalidades”: um Estado com a
representação corrigida e orientada por formas diretas de controle público não-estatal. Seu
objetivo mínimo seria fazer valer as próprias finalidades do Estado Democrático de Direito,
que normalmente já estão inscritas como normas constitucionais sem qualquer efetividade
(GENRO, 2004:84-85, grifo nosso).

Sob o lema de que “governo bom é o governo que compartilha com a sociedade o ato de governar”, o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), órgão criado para que representantes da “sociedade civil” participem
das ações e decisões do Estado em sentido estrito, que agrupa, entre seus 90 conselheiros, 41 representantes de
empresas e/ou associações empresariais e 16 representantes de associações de trabalhadores, vem difundindo
noções de que o “novo contrato social” é o único caminho para evitar os efeitos nocivos da globalização e que a
construção de uma “agenda nacional de desenvolvimento” só pode ser construída por meio de um “diálogo social”:
“Com a prática do ‘diálogo social’, o governo garante mais um passo na busca da convergência de idéias e sugestões
para o aconselhamento das políticas públicas nacionais” 7.
Para que esse “novo contrato social” entre em funcionamento, o novo grupo dirigente propõe a criação de instituições
de democracia direta, “que operem entre um e outro momento eleitoral ‘delegativo’”, por intermédio de consultas
periódicas à população usando meios eletrônicos (GENRO, 2004:85-86). O cidadão ativo, participativo, deve ter
consciência política dos problemas que o envolvem e buscar formas de superá-los.
A partir de consultas populares e do estímulo à presença de indivíduos e grupos organizados na sociedade civil no
CDES e nas Câmaras Orçamentárias, essa proposta de participação se ajusta perfeitamente às campanhas das
fundações e associações do capital do tipo “faça sua parte” que ocupam espaço cada vez mais significativo na mídia,
de caráter voluntário restrito e individual nos programas compensatórios voltados à classe marginalizada pelo
desemprego e pela precarização do trabalho.
Tal proposta de participação e cidadania acata e aprofunda o receituário do Banco Mundial (BM) para o Brasil:

Participação realmente é importante – não apenas como instrumento para melhorar a


eficácia do desenvolvimento como temos apreendido a partir de estudos recentes, mas
também como o fator-chave para garantir a sustentabilidade e alavancagem a longo prazo.
Nunca devemos nos esquecer que cabe ao governo e aos povos decidirem quais devem ser
as prioridades. Nunca devemos nos esquecer que não podemos e não devemos impor o
desenvolvimento “por decreto”, vindo de cima ou vindo de fora (WOLFENSOHN, 1998:10,
citado por GARRISON, 2000:59).

O Estado educador brasileiro afirma, assim, seu propósito de trabalhar as consciências individuais e coletivas. Essa
consciência, contudo, deve se manter nos níveis mais elementares, tal como define Gramsci.
Nesse sentido, o Banco Mundial, em conjunto com as organizações do capital na sociedade civil, processa as
informações sobre as iniciativas necessárias à definição de políticas públicas que não ponham em risco o projeto de
sociabilidade por ele propagado. Ao mesmo tempo, como esse modelo não deve ser “imposto”, fomenta-se a
participação de “todos” na execução das diretrizes estabelecidas. É essencial a preparação subjetiva para esse tipo

7
CDES: um espaço de diálogo entre Estado e sociedade civil do boletim virtual. Diálogo social on line. Informativo da Secretaria
de Desenvolvimento Econômico e Social, n. 1, Brasília, maio 2004. Disponível em:
<http://www.presidencia.gov.br/cdes/informativos>. Acesso em: 15 fev. 2005.
93
94
de participação, e a escola pública, as diversas mídias e os movimentos culturais se tornam importantes veículos
dessa pedagogia voltada à “colaboração” na América Latina no século XXI.
Dessa forma, mantém-se fortalecido o projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via para o Brasil – o que pode ser
percebido nos termos da Nova Política Industrial, Tecnológica, de Comércio Exterior e de Educação Superior, em que
a pesquisa científica deve estar diretamente vinculada ao setor industrial nacional e multinacional:

Serão fortalecidas a educação e capacitação dos trabalhadores e as atividades nacionais de


inovação. Sem prejuízo da pesquisa básica, a política de ciência e tecnologia terá ampla
articulação com as demandas de inovação do setor produtivo e com as políticas industriais,
buscando-se maior integração entre empresas e universidades e institutos de pesquisa. Isto
deve ocorrer também nas áreas de fronteira, como biotecnologia, química fina,
microeletrônica e novos materiais. A atual revolução tecnológica deve ser acompanhada e
fortalecida por um sistema nacional de inovação que expanda e diversifique as atividades de
pesquisa e desenvolvimento de processos e produtos (BRASIL, 2003).

O novo contrato social de que fala Tarso Genro deve ser capaz de estender a cidadania a todos os brasileiros, por
meio da “desprivatização do Estado” – ou focalização das políticas públicas – e do acesso ao consumo, conforme já
iniciado pelo Plano Diretor da Reforma do Estado:

Será promovido um gigantesco esforço de desprivatização do Estado, colocando-o a serviço


do conjunto dos cidadãos, em especial dos setores socialmente marginalizados. A melhor
arma contra o desperdício e a corrupção é a consolidação de um Estado eficiente, ágil e
controlado pelos cidadãos [...].

O círculo virtuoso entre investimento e consumo, originado no aumento do poder aquisitivo


das famílias trabalhadoras, depende da elevação dos salários reais e demais rendimentos
diretos e indiretos por elas auferidos. A escassez de postos de trabalho e as demais falhas
nos mecanismos de transmissão de aumento de produtividade a rendimentos dos
trabalhadores significam, para o funcionamento do referido círculo, a necessidade de que o
governo pratique políticas sociais que compensem essas fragilidades. Por essa razão, as
políticas de inclusão social e de redução das desigualdades, que têm como maior objetivo
justiça social, são ao mesmo tempo indispensáveis à operação do modelo de consumo de
massa (BRASIL, 2003, grifo nosso).

Afirma-se que, assim, o Estado garantirá às massas miseráveis a inclusão social. Ainda que proporcionalmente
ínfimas em termos orçamentários em relação aos gastos com os juros, as políticas compensatórias, unificadas pelo
Programa Bolsa Família, voltam-se declaradamente para o aumento do poder de compra dos mais pobres e para a
redução da pressão da oferta de mão-de-obra sobre as empresas privadas. Porém, como afirma Boito Jr. (2004:6):

Não se pode atender às necessidades dessa população empobrecida com um superávit


primário de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e sem mexer em toda estrutura do modelo
econômico. Não é possível atender às necessidades dessa parte da população com uma
política voltada para o mercado externo. A elevação dos salários dos trabalhadores seria um
estorvo para essa política, já que o salário arrochado é um trunfo para a competitividade das
empresas brasileiras no cenário internacional.

O projeto de lei apresentado ao Senado em 8 de junho de 2004 e aprovado em 30 de dezembro de 2004 8, que
regulamenta a parceria público-privada, é um outro exemplo do aprofundamento da reforma da aparelhagem estatal
segundo as diretrizes hegemônicas. Determinando que podem ser implantados ou geridos por entidades privadas os
órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as
sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, estados,
Distrito Federal e municípios, esse projeto se consubstancia em uma sofisticação do que Bresser Pereira chamou de
“reconstrução” do Estado – sob moldes neoliberais ainda mais “requintados e requentados” (LIMA, 2004a).

8
Projeto de Lei da Câmara nº 10 (substitutivo) de 2004. Lei nº 11.079, que institui normas gerais para licitação e contratação de
parceria público-privada no âmbito da administração pública.
94
6. MECANISMOS REGULATÓRIOS COMO ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NOVA PEDAGOGIA
DA HEGEMONIA
Maria Emilia Bertino Algebaile
A partir da implementação da reforma da aparelhagem estatal de 1995, observa-se o surgimento de ações do Estado
brasileiro objetivando uma alteração no aparato regulatório da relação entre Estado e sociedade civil. Tais ações
apresentam dois aspectos interessantes de serem analisados: o primeiro refere-se àquelas diretamente conduzidas
pela aparelhagem estatal, enfatizando a formalização de instrumentos legais; o segundo aspecto está relacionado à
forma de intervenção indireta do Estado, que funciona como estimulador de uma auto-regulação por parte dos
organismos da sociedade civil.
O conjunto desses mecanismos regulatórios criados a partir de 1995 tem como objetivo, explícito ou implícito, regular
a relação entre Estado e sociedade civil, sedimentando uma nova sociabilidade, um novo modelo de ações
sociopolíticas nesses anos de neoliberalismo da terceira via. Nesse sentido, convém investigar os mecanismos que o
Estado tem utilizado para incentivar essa nova sociabilidade, seja por intermédio da elaboração de um “novo marco
legal”; seja pelo estímulo à criação e ampliação de organismos não-estatais, por meio da facilitação de financiamento
e normas auto-regulatórias, ou ainda pela alteração da legislação mais ampla. Tais iniciativas são implementadas
concomitantemente; assim, o Estado educador vai redefinindo de modo sutil suas “regras”, de modo a conduzir a
construção de um consenso em torno de uma “nova cultura”, que tem por objetivo sedimentar a hegemonia burguesa
sob novos contornos.
Ações Diretas do Estado
De fato, a legislação é um dos aspectos indispensáveis na criação e conformação das novas normas sociais. Não é
verdade que a lei só tem eficácia ou, no jargão popular, só “pega” quando ratifica os costumes. Nesse sentido, a lei
assume grande importância, uma vez que, concordando com Poulantzas (1980:94), se o poder moderno está
baseado na

[...] manipulação ideológico-simbólica, na organização do consentimento e na interiorização


da repressão [...], a colocação das técnicas do poder capitalista, a constituição dos
dispositivos disciplinares, a emergência das instituições ideológico-culturais pressupõem a
monopolização da violência pelo Estado, recoberta precisamente pelo deslocamento da
legitimidade para a legalidade e pelo reino da lei. [...] A lei detém um papel importante
(positivo e negativo) na organização da repressão ao qual não se limita. É igualmente eficaz
nos dispositivos de criação do consentimento.

Há leis que surgem para validar no campo jurídico um costume já consagrado socialmente (são exemplos as
mudanças no Código Civil com relação ao direito de família), enquanto há outras que são formuladas justamente para
induzir a um costume, mesmo que este não venha a ser observado, em um primeiro momento, pela sociedade como
um todo1.
Assim é que, ao analisar as formas regulatórias impostas às organizações da sociedade civil, é imprescindível alertar
para questões como a legitimidade das leis; o consenso passivo em torno de idéias e costumes induzidos por novas
leis e a percepção de que a lei é uma face do poder estatal que, pela força, impõe como forma geral de ação um
determinado tipo de ação desejado pelo bloco histórico no poder.
Não é recente a regulação sobre as organizações que atuam na sociedade civil. No Brasil, o Código Civil de 1916 (Lei
nº 3.071/16, de 1º de janeiro de 1916) já dispunha sobre pessoas jurídicas de direito privado, classificando-as como:
sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações e
sociedades mercantis. Embora houvesse uma diferenciação entre as “sociedades civis” (com finalidade lucrativa) e as
associações (sem finalidade lucrativa), ambas poderiam receber recursos públicos. Somente a partir do novo Código
Civil (Lei nº 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002) é que se estabeleceram restrições de financiamento para entidades
sem fins lucrativos.
Sob a vigência do Estado Novo e também na década de 1950, em um contexto nacional-desenvolvimentista, vão
surgir algumas leis que, embora em contextos políticos bastante diversos, apontam para a reafirmação da posição do
Estado como estimulador da expansão das organizações da sociedade civil, por intermédio de inúmeros e cada vez
mais crescentes “incentivos” fiscais. A primeira declaração de imunidade tributária para estabelecimentos particulares
de educação se encontra na Constituição de 1934 que, em seu artigo 154, dispunha que “os estabelecimentos


Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Políticas Públicas pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora da disciplina de Políticas Públicas no Curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá.
Assistente Parlamentar da Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
1
Ao falar em hegemonia, Gramsci já alertava que “é opinião muito difundida, ou melhor, é opinião considerada realista e
inteligente que as leis devem ser antecedidas pelo costume, que a lei só é eficaz quando ratifica os costumes. Esta opinião está
contra a história real do desenvolvimento do direito, que sempre exigiu uma luta para se afirmar, luta que, na realidade, é pela
criação de um novo costume” (GRAMSCI, 2000b:248, grifo nosso).
96
particulares de educação, gratuita, primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, estão isentos de
qualquer tributo”.
Já no ano seguinte, a Lei Federal nº 91/35 (de 28 de agosto de 1935) instituiu o título de ‘utilidade pública federal’ para
entidades sem fins lucrativos. Se, inicialmente, tais títulos possuíam apenas um caráter honorífico, aos poucos foram
sendo

[...] agregados alguns benefícios às organizações tituladas, muito embora o artigo 3º da


referida lei previsse que “nenhum favor do Estado decorrerá do título de utilidade pública”.
Aliás, essa é uma característica de nossa legislação: inicialmente se reconhece um campo
de organizações consideradas de utilidade ou interesse público e, posteriormente, destinam-
se a essas organizações alguns incentivos e facilidades a recursos públicos. (CICONELLO,
2004:49, grifos nossos).

As Constituições Federais de 1937 e 1946 também prevêem incentivos a entidades de ensino, ciência e artes. Em
1959, por intermédio da Lei nº 3.577/59, é introduzido no ordenamento jurídico brasileiro o certificado de entidade
filantrópica, isentando da cota patronal da previdência as entidades filantrópicas e assistenciais.
É importante observar que, mesmo em conjunturas diferentes, a legislação tributária brasileira perseguiu sempre o
caminho da concessão de “incentivos”, sob a forma de isenções e imunidades, para as organizações sem fins
lucrativos. Durante a ditadura militar, no período compreendido entre 1964 e 1985, não houve mudanças no que se
refere a esse aspecto. Aliás, durante todo esse período, os governos militares incentivaram a expansão de entidades
ligadas à filantropia, em detrimento da atuação político-sindical da classe trabalhadora, contribuindo, com isso, para
limitar a elevação da consciência política das massas.
Antes mesmo do golpe militar, a Lei nº 4.320/64 (de 17 de março de 1964) já dispunha sobre a criação de auxílios e
subvenções para entidades privadas. Da mesma forma, o Código Tributário Nacional de 1964 apresenta uma série de
artigos tratando sobre renúncia fiscal e outras formas de subsídio do Estado a entidades sem fins lucrativos.
A partir de 1985 se inicia o debate para a constituição de uma ordem jurídica democrática no país. Nesse contexto,
pode-se observar que, embora estivesse em curso um movimento no sentido de universalização dos direitos sociais, a
legislação mantinha os repasses dos recursos públicos para entidades privadas com ou sem fins lucrativos.
Em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federal do Brasil, uma nova forma de organização dos
serviços sociais brasileiros era vislumbrada por vários setores da sociedade, dada a “vocação” social expressa na
letra da lei. Esboçava-se, naquela época, um Estado de Bem-Estar Social que não chegou a se consolidar, embora a
Constituição, em seu artigo 6º, reconhecesse como direitos sociais “a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”. Como bem lembra Marilena Chaui,

[...] a prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio para
todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa que não é
um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A declaração de direitos
inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem social e política e se apresenta
como objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o consentimento social e político
(CHAUI, 1989:20).

Essa direção é redefinida durante os anos de 1990. Embora os governos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco
(1990/1994) ainda não apresentassem medidas legais que introduzissem mudanças profundas, pode-se considerar
esse período como preparatório para as ações dos dois governos neoliberais da terceira via de FHC.
A reforma administrativa da aparelhagem estatal de 1995 se constituiu em um importante ponto de inflexão na
implantação do modelo neoliberal de sociabilidade, com o Estado transferindo suas responsabilidades sociais diretas
para a sociedade civil, abrindo os espaços para a ampliação das atividades das denominadas organizações não-
governamentais (ONGs). A legislação brasileira vai acompanhar esse movimento, sendo parte importante no processo
de construção da “pedagogia da hegemonia”.
Pela legislação em vigor, as ONGs podem se constituir de duas formas: como associações ou como fundações.
De acordo com o art. 53 do atual Código Civil, “constituem-se as associações pela reunião de pessoas que se
organizem para fins não econômicos” e podem se dividir em associações de cunho social ou associativo. As primeiras
têm por objetivo o benefício público de natureza exógena (atuam em favor daqueles que estão fora de seus quadros
sociais e, portanto, poderão ser beneficiadas com vantagens fiscais para si e seus patrocinadores), enquanto que as
associações de cunho associativo visam ao benefício mútuo de natureza endógena (dedicam suas ações ao benefício
de seus quadros sociais, não tendo, portanto, direito a certos benefícios).
Já as fundações, que em geral podem ser definidas como um conjunto de bens destinados à consecução de fins
sociais determinados, são, na verdade, “patrimônio destinado a servir, sem intuito de lucro, a uma causa determinada
de interesse público que adquire personificação jurídica por iniciativa de seu instituidor” (SZAZI, 2003:37).
96
97
É comum o uso do termo “instituto” para designar entidades governamentais ou privadas, com ou sem fins
lucrativo. Este, no entanto, não corresponde a uma espécie de figura jurídica (REZENDE, 1999). Trata-se, na
realidade, de associação ou de fundação. Usualmente, o termo “instituto” está associado a entidades dedicadas à
educação e pesquisa ou à produção científica (SZAZI, 2003).
Sob a influência do Banco Mundial, o governo FHC, em 1998, implementa a Lei nº 9.637/98 (de 15 de maio de 1998),
primeiro dispositivo legal para regulação da relação entre Estado e sociedade civil. Nessa lei, inscreve-se o conceito
de “organizações sociais” (OS). Tal legislação abriu a possibilidade de terceirização de algumas agências do governo,
além de criar mecanismos que permitiram às OSs maior “facilidade” no recebimento de financiamento público 2.
De acordo com essa lei, a organização social não precisa ser obrigatoriamente nova, criada para esse fim; ao
contrário, teoricamente, as OSs podem ser entidades privadas sem fins lucrativos já existentes.
Nesse mesmo ano, o Congresso Nacional aprova a Lei do Trabalho Voluntário (Lei nº 9.608/98, de 18 de fevereiro de
1998), que dispõe sobre a atividade não-remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza ou a instituição privada de fins não-lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos,
recreativos ou de assistência social, além de ser firmado em um contrato escrito denominado ‘termo de adesão’.
Essa lei autorizou o ressarcimento de despesas incorridas pelo voluntário, mas não explicitou no contrato o tipo de
despesa. Abriu, ainda, a possibilidade de distribuição de vantagens para dirigentes de instituições, como pagamento
de passagens, ajuda de custo, ressarcimento com alimentação, entre outras, o que, de fato, acaba se tornando uma
espécie de remuneração.
A Lei do Voluntariado, estabelecendo novos parâmetros para o trabalho voluntário, regulamentando direitos e
responsabilidades, introduzindo maior “flexibilidade” nas relações entre governo e organismos da sociedade civil,
incentiva o crescimento desse “novo tipo de mão-de-obra”, instituindo um tipo específico de relação trabalhista
precarizada.
Os organismos da sociedade civil podem estabelecer, também, relações trabalhistas regidas pela Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT). Vale salientar que o trabalhador celetista não pode, contudo, prestar serviço voluntário à
mesma instituição, sob pena de esse serviço ser interpretado como “hora extra não paga”, expondo a empresa às
sanções determinadas em lei.
Outra forma de precarização do trabalho nos organismos da sociedade civil é o trabalho temporário, ou seja, a
contratação por serviço a ser executado. Essa forma de precarização do trabalho preexiste aos anos de
neoliberalismo da terceira via, regulamentada pelas leis do Trabalho Temporário (nº 6.019/74, de 03 de janeiro de
1974) e dos Estagiários (nº 6.494/77, de 07 de dezembro de 1977) 3.
No entanto, essas legislações se atualizam para dar conta da nova configuração histórica. Assim, em 1998 foi
sancionada a Lei do Contrato de Trabalho por Tempo Determinado (nº 9.601/98, de 21 de janeiro de 1998,
regulamentada pelo Decreto nº 2.490/98, de 04 de fevereiro de 1998), que, mesmo não sendo exclusiva para as
organizações sem fins lucrativos, apresenta vantagens para o empregador, como a ampliação do prazo para
contratação por tempo determinado, e a possibilidade de redução de indenizações por rescisão antecipada de tais
contratos, previstas nos artigos 479 e 480 da CLT.
Uma outra expressão jurídica da precarização das relações de trabalho na atualidade é a Medida Provisória nº
1.709/98, de 06 de agosto de 1998 (originalmente editada e renovada sucessivamente), que dispõe sobre o trabalho a
tempo parcial e o banco de horas e se estende a todos os trabalhadores, em todos os setores da economia. O
trabalhador voluntário, assim como aquele que trabalha a tempo parcial, não dispõe dos direitos trabalhistas dos
celetistas, nem tampouco desfruta dos direitos e deveres de um servidor público. Ironicamente, presta-se um serviço
“público”, mas a relação entre empregado e empregador não se estabelece no campo do direito público.
No governo Lula da Silva, vem tomando corpo uma série de propostas de reformas para “adequar” a legislação
trabalhista e sindical às novas configurações do mercado de trabalho e às conseqüentes exigências do capital.
Embora a proposta de reforma sindical4 tenha o apoio dos dirigentes das várias centrais sindicais, ela tem sido alvo,

2
De acordo com essa lei, ficou criado o contrato de gestão. Diferentemente do termo de parceria, nesse tipo de contrato as OSs têm
a gestão de certo patrimônio público, cedido a elas pelo Estado.
3
A Lei nº 6.019/74 disciplina o contrato de trabalho temporário, definido como aquele prestado por pessoa física a uma empresa,
para atender a necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de
serviços. Essa lei reconhece a atividade da empresa de trabalho temporário que passa a integrar o plano básico do enquadramento
sindical a que se refere o art. 577, da CLT. Em seu artigo 12º, ficam estabelecidos os direitos dos trabalhadores temporários. Já a
Lei nº 6.494/77, dispõe sobre os estágios de estudantes de estabelecimento de ensino superior e ensino profissionalizante do
2ºgrau e supletivo e dá outras providências.
4
A reforma sindical vem sendo apresentada à sociedade como Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aos artigos que tratam da
estrutura sindical. As medidas mais polêmicas referem-se à extinção do dissídio coletivo e da data-base para negociação. A
reforma sindical também muda as regras do direito de greve e prevê a pluralidade sindical, o que poderá ocasionar a pulverização
dos organismos sindicais, importantes agentes na luta contra-hegemônica.
97
98
também, de críticas por parte de segmentos de trabalhadores que percebem, nos mecanismos propostos, uma
desregulamentação dos direitos trabalhistas que, longe de “facilitar” a criação de mais postos de trabalho,
apresentam, na realidade, uma precarização das já frágeis relações entre empregados e empregadores.
Além desse conjunto legislativo, existe, ainda, entre os marcos regulatórios da nova estruturação da sociedade civil,
uma gama variada de certificados e títulos que, agregados a outros documentos, avalizam entidades a se
candidatarem ao recebimento de diversos incentivos fiscais. São variados os caminhos que conduzem à obtenção
desses incentivos fiscais do Estado.
Entre outros documentos necessários para elaborar um processo de financiamento público de uma entidade
formalmente constituída como “sem fins lucrativos” ou para requerer incentivos fiscais, alguns títulos e/ou certificados
são necessários: Declaração de Utilidade Pública Federal, Registro no Conselho Nacional de Assistência Social
(CNAS), Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social e reconhecimento como Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
A Declaração de Utilidade Pública Federal, por ato do ministro da Justiça, é dada a sociedades civis, associações e
fundações constituídas no país que sirvam “desinteressadamente” à coletividade. Os requisitos formais para a
obtenção desse título se encontram na Lei nº 91/35, regulamentada pelo Decreto nº 50.517/61 (de 20 de maio de
1961). Algumas das vantagens decorrentes da obtenção do título são a possibilidade de oferecer dedução fiscal no
Imposto de Renda (IR) em doações de pessoas jurídicas; acesso a subvenções e auxílios da União e suas autarquias;
possibilidade de realizar sorteios, desde que autorizados pelo Ministério da Fazenda, entre outras.
Juntam-se a esse marco regulatório – estabelecido nos anos iniciais do desenvolvimentismo – novos dispositivos
regulamentados nos anos de neoliberalismo. O primeiro deles é o registro no CNAS. Regulado pela Resolução nº
31/99, de 24 de fevereiro de 1999, do CNAS, o registro nesse órgão vincula-se a uma série de procedimentos para
entidades que promovam as seguintes atividades: proteção à família, à infância, à maternidade, à adolescência e à
velhice; amparo às crianças e aos adolescentes carentes; ações de prevenção, habilitação e integração à vida
comunitária de pessoas portadoras de deficiência; integração ao mercado de trabalho; assistência educacional ou de
saúde; desenvolvimento da cultura; atendimento e assessoramento aos beneficiários da Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS) (Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993) e defesa e garantia de seus direitos. O outro é o Certificado
de Entidade Beneficente de Assistência Social 5, que prevê como requisitos para sua obtenção a comprovação de que,
nos últimos três anos anteriores ao pedido, esteja legalmente constituída no país e em efetivo funcionamento, esteja
previamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social do município de sua sede ou no conselho
correspondente no âmbito estadual e seja previamente registrada no CNAS.
O mais recente desses dispositivos, expedido pelo Ministério da Justiça, é a Lei nº 9.790/99 (de 23 de março de
1999), e o Decreto nº 3.100/99 (de 30 de junho de 1999), que institui e regulamenta a Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP). A elaboração dessa lei teve importante participação do Programa Comunidade
Solidária, órgão criado no primeiro governo FHC, por meio da Medida Provisória nº 813/95 (de 1º de janeiro de 1995),
que teve papel fundamental na nova estruturação da sociedade civil.
A Lei nº 9.790/99, que “dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como
organizações da sociedade civil de interesse público, institui e disciplina o termo de parceria, e dá outras
providências”, apresenta como entidades não-passíveis de qualificação como OSCIP: as sociedades comerciais; os
sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou
voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; as organizações
partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; as entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar
bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos
de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares privadas não-gratuitas e suas mantenedoras; as escolas
privadas dedicadas ao ensino formal não-gratuito e suas mantenedoras; as organizações sociais; as cooperativas; as
fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado, criadas por órgão público ou
por fundações públicas; as organizações creditícias que tenham quaisquer tipos de vinculação com o sistema
financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.
Essa lei não visa apenas à “atualização” legislativa para atender a uma demanda específica de setores da sociedade
brasileira. Ela se encontra inserida nas recomendações internacionais para fins de financiamento, oferecendo grande
vantagem competitiva diante das demais legislações, na busca de recursos internacionais (SZAZI, 2004:122).
Três anos após a instituição da lei das OSCIP, foi editada a Medida Provisória nº 66/02 (de 29 de agosto de 2002),
que, no seu artigo 37, permite a isenção do imposto de renda e o recebimento de doações a entidades que optem por
remunerar seus dirigentes. Até a edição dessa MP, a entidade que remunerava seus dirigentes perdia tais benefícios,
conforme determinações expressas nas leis nºs 9.532/97 (de 10 de dezembro de 1997) e 9.249/95 (de 26 de
dezembro de1995).

5
Expedido pelo CNAS, criado pelo Decreto nº 2.536/98 (de 06 de abril de 1998), alterado pelos decretos nºs 3.504/00 (de 13 de
junho de 2000), 4.327/02 (de 08 de agosto de 2002) e 4.381/02 (de 17 de setembro de 2002).
98
99
Mas a grande inovação da Lei das OSCIP é mesmo a criação do instrumento contratual denominado ‘termo de
parceria’, firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como OSCIP para a formação de vínculo de
cooperação entre as partes, no fomento e execução das atividades de interesse público, previstas no art. 3º da lei:
promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;
promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata
essa lei; promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que
trata essa lei; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e
promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e
social e combate à pobreza; experimentação, não-lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas
alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos
direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos
humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias
alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às
atividades mencionadas.
Dentre as novidades introduzidas, algumas merecem destaque. Muitos procedimentos inexistentes nos contratos de
gestão e convênios passam a ser fundamentais na nova legislação como, por exemplo, a realização de consulta ao
Conselho de Política Pública das respectivas áreas de atuação da entidade e a fixação de período que exceda o
exercício fiscal, auxiliando assim os projetos de maior tempo de duração, como os ambientais. Outra novidade é a
exigência de estipulação de metas, resultados a serem atingidos, prazos e cronogramas dos projetos, além da fixação
de critérios de avaliação e desempenho mediante indicadores de resultado, o que não é exigido nos convênios e
contratos. Destacam-se ainda duas exigências: a apresentação de relatório com prestação de contas ao final de cada
exercício e a obrigatoriedade de publicação na imprensa oficial de um extrato simplificado do termo de parceria.
É importante ressaltar que, segundo a Lei das OSCIP, as entidades ficam obrigadas a escolher entre o termo de
parceria e os antigos registros e benefícios correlatos. Foi estipulado um prazo – já vencido, renovado e ainda não
definitivamente validado – para que as entidades pudessem avaliar a qual dos modelos prefeririam se adaptar.
A pedagogia da hegemonia, por meio de diferentes mecanismos de difusão de idéias, vem insistentemente
procurando convencer os mais diversos organismos da sociedade civil das vantagens de se tornarem uma OSCIP,
argumentando em seu favor as possibilidades de: acesso mais fácil a recursos públicos para financiamento de
projetos via termo de parceria; acesso a recursos privados, pelo uso de incentivos fiscais pela empresa patrocinadora,
que deduz as doações como despesa; remunerar dirigentes estatutários, sem perda de imunidade ou isenções fiscais;
receber doações de bens móveis da União e de mercadorias apreendidas pela Secretaria da Receita Federal; atuação
no ramo do microcrédito, com taxas de juros de mercado, sem infringir a lei da usura (12% ao ano).
Imunidades e isenções, via de regra, são confundidas e tomadas por palavras sinônimas. Para se entender melhor a
disputa pelos recursos públicos, convém esclarecer a diferença entre imunidade e isenção. A imunidade é
determinada pela Constituição Federal, bastando enquadrar-se no conceito de instituição de assistência social,
enquanto que para obter a isenção de um tributo a entidade deverá atender à legislação, dependendo de outorga do
benefício pelo ente tributante6.
Resumindo, convivem hoje vários tipos de subsídio público e/ou privado às organizações formalmente classificadas
como sem fins lucrativos no Brasil: o das OSCIP, os regidos por legislações fragmentadas anteriores e ainda em
vigor, e as isenções e imunidades.
A transferência de recursos públicos para uma entidade de direito privado, ainda que sem fins lucrativos, poderá se
dar sob as seguintes formas: auxílios e contribuições; subvenções; convênios, acordos ou ajustes e contratos. O
auxílio e as contribuições são regidos pelo Decreto nº 93.872/86 (de 23 de dezembro de 1986). Os auxílios derivam
diretamente da Lei do Orçamento; as contribuições são concedidas em virtude de lei especial e se destinam a atender
a ônus ou encargo assumidos pela União. As subvenções são mais restritas que o auxílio e o destino dos recursos é
limitado por legislação. Podem ser econômicas (quando se destinam a entidades com fins lucrativos) ou sociais
(concedidas, independentemente de legislação especial, a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou
cultural sem finalidade lucrativa que visam à prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e
educacional). Os convênios, acordos ou ajustes apresentam dois aspectos conceituais fundamentais: o regime de
mútua cooperação e o interesse recíproco entre as partes conveniadas/acordadas ou ajustadas; além disso, importa
também destacar a necessidade de aportes de recursos por ambas as partes (contrapartida), pois sem contrapartida
está-se diante de uma situação de auxílio ou de subvenção social. Os contratos pressupõem, de um lado, o interesse
do poder público na aquisição do bem ou serviço e, de outro, o recebimento de uma importância em dinheiro. Essa
forma jurídica está subordinada à Lei das Licitações (nº 8.666/93, de 21 de junho de 1993) e pressupõe a existência
de três modalidades contratuais: concorrência pública, tomada de preços ou convite. Outras formas de financiamento
são os contratos de gestão, exclusivos para entidades qualificadas como organizações sociais, a partir da Lei nº
9.637/98. Na essência, trata-se de um convênio, pois prevê a destinação de recursos a uma entidade sem fins

6
Sobre esse assunto, consultar o art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal de 1988 e o artigo 14 do Código Tributário
Nacional.
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lucrativos controlada pelo Estado, sem estabelecimento de processo licitatório e com distribuição de atribuições
que pressupõe mútua compreensão e interesse recíproco.
O mais recente marco regulatório das relações entre aparelhagem estatal e sociedade civil é a Lei nº 11.079/04 (de 30
de dezembro de 2004), que institui a Parceria Público-Privada, que tem por objetivo redefinir a forma de
relacionamento entre o Estado e as empresas privadas para fins de prestação de serviços públicos. Com essa lei,
conclui-se um processo iniciado em décadas anteriores de privatização do Estado, especialmente no que tange à
prestação de serviços públicos.
Além desses mecanismos regulatórios, o Estado vem estimulando, a partir de 1990, por meio de ações indiretas, a
adesão de sujeitos políticos coletivos na sociedade civil e de empresas ao projeto de sociabilidade da terceira via.
Ações Indiretas do Estado
A primeira dessas iniciativas corresponde à adoção da prática de divulgação sistemática, em balanços e relatórios,
das ações sociais realizadas pelas empresas. O documento pioneiro no Brasil publicado com o nome de Balanço
Social foi o da empresa estatal NITROFÉRTIL, sediada na Bahia, em 1984. O Sistema TELEBRÁS e o BANESPA (em
1992) também podem ser apontados como as empresas precursoras em balanço social no Brasil (TORRES, 2003).
O principal objetivo do balanço social é dar publicidade à denominada responsabilidade social da empresa, divulgando
as ações desenvolvidas na sociedade civil, seguindo a perspectiva de que “empresa que cumpre seu papel social
atrai mais consumidores e está investindo na sociedade e no seu próprio futuro” (TORRES, 2003), conforme
recomenda o marketing social, em franca ascendência durante a última década.
Para que houvesse a possibilidade concreta de comparação entre as ações de “responsabilidade social” das
empresas, foi surgindo, dentro do próprio campo empresarial, a necessidade de se “uniformizar” os modelos de
balanço social, tornando-os mais simples e objetivos e, portanto, mais claros e diretos para informar o que seria de
seu interesse ser informado ao conjunto da população consumidora. Em meados de 1995, o Instituto Brasileiro de
Análise Sociais e Econômicas (IBASE) elaborou um modelo de balanço social, em parceria com diversos
representantes de empresas públicas e privadas, a partir de inúmeras reuniões e debates com setores da própria
sociedade. Dando prosseguimento a essa medida, outro seminário foi realizado em setembro de 1998, com parceria
da PETROBRAS e do jornal Gazeta Mercantil. Na ocasião, mereceram destaque o reconhecimento e o fortalecimento
do “Selo Balanço Social”, fornecido pelo IBASE às empresas que publicam anualmente seu balanço social.
Mais recentemente, o Instituto Ethos assume a tarefa de criação e divulgação de indicadores da chamada
responsabilidade social. Segundo definição própria 7,

[...] os Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial são uma ferramenta de


aprendizado e avaliação da gestão no que se refere à incorporação de práticas de
responsabilidade social empresarial ao planejamento estratégico e ao monitoramento e
desempenho geral da empresa. Trata-se de um instrumento de auto-avaliação e
aprendizagem de uso essencialmente interno.

Esses indicadores possibilitam às empresas uma verificação dos “pontos fortes da gestão”, ou seja, oferecem à
burguesia os instrumentos necessários ao aprofundamento de suas estratégias de obtenção do consenso.
Outra medida auto-regulatória são os padrões certificáveis, uma espécie de “selo de qualidade” para as empresas que
desenvolvem ações afinadas com a ideologia da responsabilidade social. Em 1947, em Genebra (Suíça), foi criada
uma organização não-governamental, a International Organization for Standardization, cujo objetivo era propor e
monitorar normas que representassem e traduzissem o consenso de diferentes países para a normatização de
procedimentos, medidas e materiais em todos os domínios da atividade produtiva.
Com vistas a evitar a criação de um sem-número de siglas que viessem a identificar tais normas, essa ONG adotou a
sigla “ISO” como identificador internacional, já que o termo “iso” (igual) associa-se a “padrão”. Em 1987, a
International Organization for Standardization editou a série 9000. Na esteira da implementação dos certificados ISO
9000 para a qualidade total e ISO 14000 para a qualidade ambiental, foram criados os certificados de
responsabilidade social SA 8000 (social accountability), direcionados a políticas sobre fornecedores, e o AA 1000
(acount ability), regulando a proteção aos trabalhadores, baseados nas regras da Organização Internacional do
Trabalho.
A primeira norma de certificação social – Social Accountability 8000 – foi criada em 1997 pelo The Council on
Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA). Em 1999, o Institute of Social and Ethical Accountability lançou o
AA 1000. O objetivo da SA 8000 é assegurar que na cadeia produtiva de um determinado produto não existam
“ocorrências anti-sociais”, como o trabalho infantil e escravo e quaisquer tipos de discriminação, oferecendo sempre
“condições adequadas de trabalho” a seus empregados. A norma AA 1000 objetiva monitorar as relações entre a
empresa e a comunidade onde está inserida.

7
Disponível em: <http://www.uniethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3617&Alias=Uniethos&Lang=pt-br>.
100
101
No Brasil, existem alguns organismos credenciados para conceder esses certificados: a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Tais
certificados são vistos como diferenciais competitivos para as empresas que os possuem, formando, juntamente com
outros instrumentos de auto-regulação, um conjunto forte de normas a serem seguidas e objetivos comuns a serem
perseguidos, tendo em vista uma nova conformação nas relações entre Estado e sociedade civil.
Ações em Processo
Existem, ainda, em tramitação no Congresso Nacional, vários outros projetos legislativos que abordam, direta ou
indiretamente, aspectos de interesse dos organismos não-governamentais. Destaca-se, entre estes, o PLC nº 03/01
(de 03 de janeiro de 2001), que altera dispositivos da Lei nº 6.019/74, que dispõe sobre o trabalho temporário nas
empresas urbanas, dispondo ainda sobre a relação de trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros.
Esse projeto de lei complementar pretende disciplinar o fenômeno da terceirização, propondo realizar algumas
modificações marcantes no Direito do Trabalho, podendo ser avaliado, inclusive, como um primeiro passo no sentido
da reforma trabalhista.
Outro projeto que merece destaque é o PL nº 1.639/03 (de 07 de agosto de 2003), que propõe a criação de um
programa de estímulo ao chamado “terceiro setor”, o Fundo Nacional de Estímulo ao Terceiro Setor, e o PL nº
1.210/03 (de 05 de junho de 2003), que pretende alterar o artigo 2º da Lei nº 7.295/84 (de 19 de dezembro de 1984),
modificando a redação da alínea “b”, incluindo as associações não-governamentais no rol das entidades a serem
fiscalizadas pelo Parlamento, ao lado das autarquias, sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas.
Está em processo, além desses projetos de lei, a implementação de novas agências reguladoras, organismos
constitutivos da administração gerencial característica do novo formato do Estado dos anos de neoliberalismo, que
visam, primordialmente, à regulação da prestação de serviços.
Enquanto nos governos FHC foram criadas, majoritariamente, agências reguladoras para fiscalizar setores
estratégicos de infra-estrutura privatizados, no governo Lula da Silva começa a ser discutida a criação de agências
reguladoras para as áreas culturais. A criação dessas novas agências no âmbito da cultura pode vir a se constituir em
um reforço eficiente às estratégias já implementadas de consolidação da pedagogia da hegemonia.

101
PARTE III

A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL:

EXPERIÊNCIAS CONCRETAS

Mas, dotô, uma esmola


a um homem que é são
ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão.
Zédantas (Vozes da seca, 1953)
7. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA E A CONSTRUÇÃO
DE UMA NOVA CIDADANIA
Ialê Falleiros
A reforma educacional brasileira encaminhada a partir dos anos de 1990 se auto-referenciou com o slogan Educação
para a Cidadania. Nesse sentido, incorporando a seu modo muitos princípios gerais defendidos pelo movimento dos
educadores para melhorar a qualidade da educação nos anos de 1980 e primeira metade de 1990 1, o Ministério da
Educação (MEC) – ainda no primeiro governo FHC – dá início a um programa de reforma educacional afinado à nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tendo como um de seus pilares a reformulação curricular da
educação básica (fundamental e média). Assim, tem início a elaboração de um material para orientar os professores
no que se refere aos conteúdos e práticas em sala de aula – os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)2.
Na busca de adesão ao projeto mais amplo no qual a nova proposta educacional se insere, a incorporação
ressignificada de demandas do professorado e demais profissionais ligados à educação se configurou em uma
importante estratégia do MEC. Nesse sentido, a direção da proposta educacional como um todo reflete a clareza de
objetivos e a coesão que a orquestram no tom geral do projeto de sociabilidade capitalista implantado pela terceira via
no Brasil.
O consenso ou a adesão espontânea a um projeto societário é, de acordo com Gramsci, o modo próprio como o
capitalismo vem ganhando a disputa hegemônica nas sociedades urbano-industriais contemporâneas, que não mais
se caracterizam pela restrição do poder à aparelhagem estatal. O Estado, longe de ser uma esfera separada do plano
econômico, social e cultural – tal como a visão liberal a compreende –, sofreu um intenso processo de ampliação (na
fórmula gramsciana, passa a compor-se de aparelhagem estatal + sociedade civil) e hoje é dominado e dirigido por
organismos privados de hegemonia da burguesia que trabalham diuturnamente para obter o consenso do conjunto
das classes sociais para o desenvolvimento de um modelo de sociabilidade que beneficia a conservação das relações
de exploração vigentes. É precisamente por isso que as estratégias educacionais mais do que nunca ganham
importância vital na difusão dos conteúdos, habilidades e valores ligados a esse modelo de sociabilidade.
A escola é vista por Gramsci como um dos espaços em que se inscreve a batalha de idéias e a luta pela hegemonia e
pelo consenso, e a educação, por sua vez, é compreendida como uma estratégia fundamental no processo de
formação do “novo homem” também na perspectiva da superação das relações capitalistas. Esse novo homem, capaz
de construir o socialismo, deve ser educado para pensar, sentir e agir via uma escolarização que o forme “como
pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige” (GRAMSCI, 2000a:49).
A partir da observação da crise do modelo educacional nas primeiras décadas do século XX, caracterizado pela
divisão da escola em clássica e profissional, o autor italiano verificou a tendente difusão da educação técnica
especializada, voltada aos interesses práticos mais imediatos do capitalismo daquele momento, e apontou a
necessidade de se fundar um novo modelo educacional (o qual chamou de escola unitária), inteiramente custeado
pelo Estado, organizado como escola em tempo integral, onde o estudo é feito coletivamente (GRAMSCI, 2000a:38),
devendo corresponder ao período representado pelos níveis fundamental e médio. Para Gramsci (2000a:36),

[...] a escola unitária requer que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a
cargo da família no que toca à manutenção dos escolares, isto é, requer que seja
completamente transformado o orçamento do ministério da educação nacional, ampliando-o
enormemente e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação das
novas gerações deixa de ser privada e torna-se pública, pois somente assim ela pode
abarcar todas as gerações, sem divisões de grupos ou castas.

Essa proposta educacional apresentava como horizonte uma reforma intelectual e moral que conduzisse as crianças e
os jovens para que pudessem desde cedo se pensar e pensar o mundo a sua volta autonomamente, conformados aos
métodos e tecnologias mais atuais à sua época e tendo como centro de suas preocupações a emancipação da classe
trabalhadora.
O ensino médio foi chamado de “unitário” a partir do decreto que extinguia as escolas técnicas de nível médio no país
(Decreto nº 2.208/97, revogado em 2004). Os movimentos mais significativos de estudantes e trabalhadores ligados à
educação reivindicaram sistematicamente ao longo desses sete anos sua revogação e a legislação que consolidou a


Formada em História pela Universidade de Campinas (UNICAMP/SP). Mestre em Educação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF). Professora do Ensino Fundamental da rede particular de ensino do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Coletivo
de Estudos de Política Educacional.
1
Ver Plano Nacional de Educação – “Proposta da Sociedade” – elaborado nos I e II Congressos Nacionais de Educação (CONED)
e apresentado à Câmara pelo deputado Ivan Valente (PT-SP) como Projeto de Lei nº 4.155/1998.
2
Para ajudar a divulgar os princípios da reforma curricular nas escolas públicas do país e discutir formas de concretização das
propostas apresentadas pelos PCN na sala de aula, o MEC desenvolveu, posteriormente, os Parâmetros em Ação, programa
levado às escolas públicas de norte a sul do Brasil por equipes técnicas federais, no caso do ensino fundamental, ou estaduais, em
se tratando do ensino médio – treinadas, respectivamente, pela SEF e SEMTEC.
104
Reforma do Ensino Técnico, com imediato retorno do ensino técnico de nível médio integrado (formação
profissional integrada à educação geral) aos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) (antigos e novos),
aos colégios técnicos e agrotécnicos e às escolas técnicas, até que fosse organizada uma nova reforma para a rede
de educação técnica e tecnológica, com a ampla participação dos professores, estudantes e servidores técnico-
administrativos3.
Contudo, o modelo adotado pelo MEC nas gestões FHC nada tem em comum com as formulações de Gramsci, que
propunha uma formação da classe trabalhadora voltada para a condução dos processos sociais, para a definição – e
não a mera execução – das diretrizes políticas para a transformação das relações sociais capitalistas.
Contrariamente, a sociabilidade capitalista que despontou no Brasil nos anos de 1990 vem demandando uma
educação capaz de conformar o “novo homem” de acordo com os pressupostos técnicos, psicológicos, emocionais,
morais e ético-políticos da “flexibilização” do trabalho e com um modelo de cidadania que não interfira nas relações
burguesas fundamentais no contexto de ampliação da participação política.
Essa educação vem sendo propagada por diferentes meios, mas a escola continua sendo espaço privilegiado para a
conformação técnica e ético-política do “novo homem”, de acordo com os princípios hegemônicos. O “novo homem”,
nessa visão de mundo, deve: se sentir responsável individualmente pela amenização de uma parte da miséria do
planeta e pela preservação do meio ambiente; estar preparado para doar uma parcela do seu tempo livre para
atividades voluntárias nessa direção; exigir do Estado em senso estrito transparência e comprometimento com as
questões sociais, mas não deve jamais questionar a essência do capitalismo. À escola, portanto, é transmitida a tarefa
de ensinar as futuras gerações a exercer uma cidadania “de qualidade nova”, a partir da qual o espírito de
competitividade seja desenvolvido em paralelo ao espírito de solidariedade, por intermédio do abandono da
perspectiva de classe e da execução de tarefas de caráter tópico na amenização da miséria em nível local:

A questão do conhecimento é vital para o exercício da cidadania política em um mundo que


deixa de ser marcado por bipolaridades excludentes – capital x trabalho, classe dominante x
classe dominada. A crise das grandes estruturas partidárias verticalizadas e hierarquizadas,
combinada com a diversidade trazida pelas tecnologias de comunicação e informação, está
criando condições para novas formas de organização de movimentos sociais. Estes tendem
a ser mais diversificados e delimitados quanto a seus objetivos – preservação ambiental,
direito do consumidor, combate à violência, conquista de serviços sociais como escolas,
creches, hospitais. Suas motivações partem, freqüentemente, do nível local e estão
diretamente associadas à melhoria da qualidade de vida da cidade, do bairro ou até mesmo
de uma instituição (MELLO, 1994:34, 35, grifo nosso).

O ideal de “eqüidade” que deriva da noção de cidadania delimitada no trecho citado reconhece a urgência de se
atenuar as desigualdades sociais, mas simplesmente ignora a possibilidade de que sejam abolidas. Resta apenas
pregar o respeito e a aceitação em nível individual ou grupal da pluralidade de raças, gêneros, culturas, opções
sexuais etc. Nesse sentido, a anunciação do fim da luta de classes se revela uma das poderosas estratégias de
desarticulação do movimento dos trabalhadores e de reforço à hegemonia capitalista.
Um dos autores que mais têm influenciado o pensamento reformista em geral – e educacional em particular, no
sentido seguido pelos PCN – é o auto-intitulado pensador interdisciplinar francês Edgar Morin. Crítico ferrenho do
marxismo, que traduz como determinismo ou ausência de sujeito na história, Morin defende a necessidade de uma
cultura planetária a partir de uma educação para a complexidade. Difundindo a idéia do fracasso do marxismo, propõe
a substituição da análise das contradições do capitalismo por uma pluralidade de questões difusas e “complexas”
ligadas à própria história planetária (MORIN, 2002:94). A busca de uma conexão entre os problemas com os quais a
humanidade tem de lidar no contexto atual expressa a crítica de Morin também às tendências fragmentadoras do
pensamento dito pós-moderno. A “unidade” ou visão de mundo que propõe no capítulo final de seu livro Terra-Pátria,
intitulado “evangelho da perdição”, deve se dar a partir de uma religação entre os homens e destes com a Terra, dado
que – resignemo-nos –, estamos fadados a um destino comum: o fim do planeta e da vida em geral (MORIN,
2002:164).
Essa enunciação apocalíptica se autoproclama fundadora dos valores para a passagem a uma nova era geoistórica,
desconsiderando o fato de que o capitalismo atingiu níveis globais insuportáveis de dominação imperialista e, para
superá-lo, os explorados e dominados terão “de enfrentar a necessidade sistêmica de o capital subjugar globalmente
o trabalho por meio de toda e qualquer agência social específica capaz de assumir o papel que lhe for atribuído”
(MÉSZÁROS, 2003:13). Nessa perspectiva crítica, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001:246) afirma que as
concepções que naturalizam os problemas sociais e as iniciativas para solucioná-los, definindo como inevitável a
manutenção da ordem social que promove a infelicidade e a miséria merecem, no mínimo, o adjetivo de “imoral”.

3
Ver Seminário de Trabalho: “Reafirmando propostas para a educação brasileira”, Brasília, DF, 18 a 21 fev. 2003. Disponível em:
<http://www.andes.org.br/relatofnde.htm>.
104
105
No Brasil, a partir dos anos de 1990, não é de se admirar que o foco da reforma da educação escolar seja a
formação básica da classe trabalhadora para aceitar a cidadania e a preparação geral para o trabalho adequadas ao
contexto da reestruturação produtiva, do desemprego estrutural e da precarização das relações profissionais. Para
aqueles que não conseguem se (re)inserir no mercado de trabalho, as ações voluntárias no chamado “terceiro setor”
assumem cada vez mais o papel de poderoso antídoto para os sentimentos de fracasso e deriva, tão bem definidos
pelo escritor norte-americano Richard Sennett (2003:174), bem como para as posturas irônicas nas suas relações
pessoais e profissionais:

“Quem precisa de mim?” é uma questão de caráter que sofre um desafio radical no
capitalismo moderno. O sistema irradia indiferença. Faz isso em termos dos resultados do
esforço humano, como nos mercados em que o vencedor leva tudo, onde há tão pouca
relação entre risco e recompensa. Irradia indiferença na organização da falta de confiança,
onde não há motivo para se ser necessário. E também na reengenharia das instituições, em
que as pessoas são tratadas como descartáveis. Essas práticas, óbvia e brutalmente,
reduzem o senso de que contamos como pessoa, de que somos necessários aos outros.

A reforma curricular expressa o aprimoramento da proposta de formação do cidadão/trabalhador de acordo com o


projeto neoliberal da terceira via para o Brasil do século XXI.
PCN: Principais Fundamentos e Proposições
Processos distintos caracterizam a elaboração e difusão dos PCN para o ensino fundamental e médio. O contexto de
formulação do documento para o ensino fundamental correspondeu ao primeiro governo FHC, enquanto o segundo
documento foi formulado no governo seguinte, cuja meta passava a ser a reforma do ensino médio.
Fazer da escola um espaço de desenvolvimento do projeto de sociabilidade implantado com a reforma do Estado foi
uma das metas prioritárias da gestão FHC. No item sobre a “consolidação da escola básica de qualidade”, no
programa de governo que garantiu sua reeleição, Avança Brasil: mais 4 anos de desenvolvimento para todos,
Cardoso (1998:149) reafirmava os valores implantados entre 1995 e 1998 para o ensino fundamental e se
comprometia a consolidá-los, “transformando as escolas em instituições de aprendizagem, centradas no aluno, no
professor e na gestão eficiente”4.
No que se refere ao ensino fundamental, os próprios PCN apresentam sinteticamente alguns dados sobre como foram
elaborados: os estudos preliminares partiram das propostas curriculares de estados e municípios, da análise da
Fundação Carlos Chagas sobre currículos oficiais e dos currículos internacionais instituídos no bojo de reformas
educacionais de modelo semelhante ao que se estava pretendendo implantar no Brasil (BRASIL, 1997a:16). Para a
elaboração do documento em questão, a equipe responsável nomeada pela Secretaria de Ensino Fundamental (SEF)
contou com a consultoria técnica de César Coll, principal ideólogo da reforma educacional espanhola, sem que
houvesse uma ampla discussão sobre as implicações da importação do modelo de reforma curricular implantado na
Espanha para o contexto brasileiro. Coll é professor de psicologia evolutiva e psicologia da educação na Faculdade de
Psicologia da Universidade de Barcelona, e atribui importância central ao currículo na formação de valores entre os
educandos. Sua inspiração teórica é construtivista e sua ênfase metodológica é a contextualização entre currículo e
vida (o saber vivido, em detrimento do saber acumulado) a partir de uma nova abordagem das disciplinas e da
inclusão no currículo de temas transversais.
Em um primeiro momento, a estratégia do MEC foi divulgar a noção de que a defasagem dos projetos curriculares
elaborados pelas secretarias estaduais de educação evidenciavam a carência de novos parâmetros nacionais. Como
afirma José Mário Pires Azanha, um dos pareceristas dos PCN 5:

É claro que a proposição dos PCN pressupõe que não valeria a pena uma atuação corretiva
e reorientadora das várias tentativas estaduais e municipais que há anos se esforçam para
consolidar orientações pedagógicas de seus respectivos sistemas. A opção foi a de
substituí-las por “uma referência curricular para todo o país”.

Nesse sentido, as razões apontadas pelo MEC para a elaboração de “parâmetros curriculares nacionais” estariam
justificando a recentralização das políticas públicas de educação que passava a ocorrer. Contudo, afirmando buscar
uma maior interlocução com os grupos envolvidos com a educação no país, a SEF enviou, em fins de 1995 e início de

4
Para a difusão desse projeto no Brasil, a UNESCO teve papel central no estabelecimento das diretrizes incorporadas pela nova
LDB e no financiamento à reforma curricular. As propostas da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI
contêm os principais referenciais dos PCN que, tanto para o ensino fundamental, quanto para o ensino médio, foram financiados
pelo BIRD/BM e PNUD/UNESCO.
5
José Mário Pires Azanha, professor da Faculdade de Educação da USP e membro do Conselho Estadual de Educação de São
Paulo. Parâmetros curriculares nacionais e autonomia da escola (08 ago. 2002). Disponível em: <http://www.hottopos.com>.
105
106
1996, uma versão dos PCN a diversos pareceristas individuais e coletivos (docentes de universidades públicas e
particulares, técnicos de secretarias estaduais e municipais de educação, de instituições representativas de diferentes
áreas de conhecimento, especialistas e educadores) e, posteriormente, à Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação (CEB/CNE), que o aprovou por intermédio do Parecer CEB/CNE n o 03/97.
Os pareceres emitidos fornecem pistas para a investigação dos procedimentos que envolveram a criação dos PCN e
dos pressupostos ali presentes. Uma crítica recorrente nesses pareceres diz respeito ao “tom” presente no
documento: não o de quem faz uma proposta a ser discutida, mas o de quem comunica verdades 6. No parecer da
ANPEd7 sobre os PCN, ainda que a maioria dos relatores reconheça a legitimidade da iniciativa do MEC, registra-se o
questionamento de membros da entidade sobre o risco de um currículo nacional eliminar espaços de contestação e
expressão de grupos subordinados, tornando-se um projeto de controle político do conhecimento. Já o parecer 8
assinado pela Faculdade de Educação da UFRGS questiona a própria legitimidade do documento, indagando sobre a
função de um “currículo nacional” e ponderando sobre o “suposto ‘consenso’ construído pelo texto em torno de
questões como ‘qualidade de ensino’ e ‘cidadão’” e sua vinculação ao projeto societário neoliberal. Muitos
pareceristas fazem críticas ao curto prazo dado pelo MEC para a análise e a elaboração dos relatórios sobre o
documento. No Parecer da ANPEd sobre os PCN para o ensino fundamental, além de se contestar o curto prazo para
a análise do documento, chama-se a atenção para a falta de interlocução no primeiro ano de elaboração do material
entre os formuladores dos parâmetros e os especialistas e grupos significativos na área. Ainda, um aspecto bastante
discutido pelos pareceristas foi o não-balanceamento, na fundamentação do documento, entre a psicologia do
conhecimento e as bases históricas, antropológicas e sociológicas; a metodologia pautada no construtivismo e a falta
de clareza quanto às possibilidades de uso de outros métodos. É importante registrar também que vários professores
se recusaram a formular pareceres sobre os PCN nas condições apresentadas (KRAMER, 1999:167).
Ora, se a proposta apresentada pelo MEC partia de uma versão inicial a ser discutida e complementada a partir dos
relatórios e pareceres, para que estes fossem formulados era preciso antes que muitas e sistemáticas discussões se
dessem nas escolas, sindicatos, universidades e demais espaços interessados, o que se tornou impraticável com a
agenda estabelecida pela SEF9.
A proposta de um novo ensino médio, desenvolvida pela Secretaria de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC) em
1998/1999, apresenta traços de continuidade em relação aos PCN para o ensino fundamental, aprofundando as idéias
sobre o pensamento complexo de Edgar Morin e as formulações sobre competências desenvolvidas pelo sociólogo
suíço Philippe Perrenoud, professor das Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de
Genebra e autor de diversos livros sobre as competências essenciais a serem trabalhadas por professores e alunos
em sala de aula. Traduzido no Brasil nos anos de 1990, esse autor chegou a vender mais de 80 mil exemplares,
escritos com base em suas pesquisas sobre o relacionamento entre professor e aluno na construção de situações
propícias à aprendizagem.
Entretanto, o que parece ter sido a grande matriz da nova proposta curricular foi o Relatório da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI, da UNESCO. Os fundamentos do pensamento complexo de Morin
teriam sido introduzidos indiretamente a partir dos relatórios dessa comissão e se apresentam nas proposições das
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) sobre interdisciplinaridade e as chamadas “ética da
identidade”, “estética da sensibilidade” e “política da igualdade”, tornando-se pilares do novo projeto educacional, bem
como a teoria das competências de Perrenoud.
A inclusão do ensino médio na educação básica pela LDB de 1996 apontava a necessidade de, a partir do aumento
do patamar básico de escolaridade, garantir uma melhor preparação dos educandos para assumir as
responsabilidades da vida adulta nas suas relações consigo mesmos e com as outras pessoas – na produção de sua
existência. No modelo societário neoliberal da terceira via, a classe trabalhadora já não mais prescinde dessa dupla
preparação para a cidadania e para o trabalho simples – hoje certamente muito mais complexo que no modelo
fordista. De acordo com a lei, essa dupla preparação deve se dar a partir dos novos parâmetros nacionais de ensino.
Nessa proposta, entretanto, não cabe à educação escolar básica, nem no seu último estágio, a preparação para a
pesquisa e o desenvolvimento de novos conhecimentos. Ao contrário, a ênfase está no manuseio das novas
tecnologias e na preparação psicofísica para lidar com as instabilidades características do mercado de trabalho no
atual contexto.
Também as “novas formas de participação” exigidas pelo novo momento histórico devem estar no centro das
preocupações dos educadores. Para “auxiliá-los” nessa dupla tarefa – a conformação básica para o trabalho e a
cidadania dentro do projeto de sociabilidade capitalista para o Brasil do século XXI –, a SEMTEC se propôs a
coordenar a produção dos PCNEM. De início, essa secretaria convidou para compor as equipes de trabalho

6
Idem, ibdem.
7
Revista Brasileira de Educação, São Paulo: ANPEd, nº 2, p. 85-92, maio/jun./jul./ago. 1996.
8
Revista Educação & Realidade, Porto Alegre: UFRGS, v. 21, nº 1, jan.-jun. 1996.
9
Ver parecer de Fernando Becker, professor da Faculdade de Educação da UFRGS, publicado na Revista Educação & Realidade,
Porto Alegre: UFRGS, v. 21, nº 1, jan.-jun. 1996.
106
107
professores de renome nas áreas de ciências humanas, exatas e biológicas da Universidade de São Paulo (USP),
alguns deles integrantes da equipe formuladora dos PCN para o ensino fundamental. Uma primeira versão do
documento foi elaborada e em seguida apresentada à CEB/CNE e submetida à apreciação de um seleto grupo de
escolas, entre elas o Colégio Pedro II10.
Em uma segunda etapa do processo, diante das críticas à linguagem dos textos especialmente de ciências humanas,
uma equipe de professores do Colégio Pedro II foi formada para elaborar uma nova versão do documento para a
área, de modo a “ambientar” os textos para o “universo” do professor de ensino médio. Na realidade, as disciplinas de
ciências humanas, por lidarem mais diretamente com os conteúdos relativos à formação ético-política, deveriam estar
completamente afinados à filosofia geral da proposta do MEC. Como não era consensual entre a equipe técnica
daquele colégio a aceitação da LDB de 1996 e mesmo a idéia de parâmetros curriculares nacionais, os professores
que não concordavam com a proposta foram afastados do processo de reelaboração.
A forma com que se encaminhou essa etapa sugere uma grande centralização do trabalho pela equipe coordenadora,
em detrimento de uma ampla discussão envolvendo o colégio federal e os departamentos de cada disciplina.
Repetindo a sistemática de trabalho da SEF com relação à elaboração dos PCN, a SEMTEC, pelo curto prazo
estipulado para a reformulação dos textos, impossibilitou qualquer discussão mais aprofundada sobre as linhas gerais
da proposta.
O texto introdutório da versão final publicada dos PCNEM afirma que o documento foi submetido à apreciação da
ANPEd, CNTE, CONSED, UNDIME e de professores de universidades públicas e privadas, além de associações de
escolas particulares de ensino médio, instituições do sistema S e escolas técnicas federais (BRASIL, 1997e:60, 61).
Contudo, ao ser questionado sobre o contato com algum desses pareceres citados, um dos autores dessa segunda
versão dos PCNEM para a área de ciências humanas afirma que não recebeu parecer algum durante a elaboração do
texto11:

[...] esses pareceres que você está falando, a gente não recebeu. Eu acredito que não tenha
recebido porque nosso vínculo com o MEC não era uma coisa formal, era um vínculo
pontual, de acordo com as necessidades, a gente seria consultor para alguns eventos, para
alguns textos, ou para contribuir para coisas que eles achavam que poderia melhorar –
como implantar a reforma do ensino médio. Acho que a preocupação depois foi essa, como
ia ser essa recepção nas escolas, como é que se iria trabalhar com esses valores [...].

Somando-se o fato de os autores não assinarem seus próprios textos mas serem listados indiscriminadamente como
“consultores” na folha de apresentação de cada área, evidencia-se a clara intenção da SEMTEC de diluir a autoria dos
textos no processo de edição do documento.
As versões finais dos PCN para o ensino fundamental e médio foram distribuídas a todas as escolas públicas do país.
Posteriormente, foram disponibilizadas pela internet, apresentando como texto introdutório uma carta do então
ministro da Educação, Paulo Renato Souza, aos professores, além de orientações didático-metodológicas para a
formulação do currículo por disciplinas no ensino fundamental, e por áreas no ensino médio. Para esse último nível da
educação básica, o documento propõe uma organização curricular que contenha: um núcleo básico nacional,
correspondente a 75% da carga curricular, preenchido pelas áreas de linguagens, códigos e suas tecnologias,
ciências da natureza, matemática e suas tecnologias e ciências humanas e suas tecnologias; uma parte diversificada,
ou seja, 25% do currículo dedicados “às diversidades regionais e locais”, complementando o núcleo básico e
adequando a proposta à nova LDB (BRASIL, 1999:36). Revelando um imbricamento entre ensino médio e ensino
profissionalizante quanto à educação das massas trabalhadoras, o documento apresenta a sugestão de que os 25%
diversificados da carga curricular sejam “aproveitados para a obtenção de uma habilitação profissional em cursos
complementares, desenvolvidos concomitantemente ou seqüencialmente ao Ensino Médio” (BRASIL, 1999:100).
Formalmente, os PCN se apresentam como um documento de caráter não-obrigatório. Situando-se historicamente no
contexto de ampliação da participação política no país, o MEC delimitou, em meados dos anos de 1990, os PCN
como um “conjunto de orientações e recomendações para apoiar o trabalho dos professores” (BRASIL, 1999),
buscando obter sua fundamental adesão para a implantação da reforma curricular:

Na sociedade democrática, ao contrário do que ocorre nos regimes autoritários, o processo


educacional não pode ser instrumento para a imposição, por parte do governo, de um
projeto de sociedade e de nação. Tal projeto deve resultar do próprio processo democrático,

10
Tradicional escola federal de níveis fundamental e médio. Atualmente registra cerca de 11 mil alunos matriculados em suas 11
unidades localizadas na cidade do Rio de Janeiro.
11
Foram entrevistados para essa pesquisa três professores do Colégio Pedro II que participaram do processo de reelaboração dos
PCNEM para a área de ciências humanas e um professor desse mesmo colégio que faz críticas ao material elaborado. As
entrevistas encontram-se na íntegra em FALLEIROS (2004).
107
108
nas suas dimensões mais amplas, envolvendo a contraposição de diferentes interesses
e a negociação política necessária para encontrar soluções para os conflitos sociais
(BRASIL, 1997a:28).

Essa contraposição de diferentes interesses citada, contudo, não se realizou na reestruturação curricular, e nem
poderia, dado que no novo modelo de gestão estatal instalado nos governos FHC os papéis do núcleo central e das
esferas mais locais de poder foram desmontados e restabelecidos de acordo com o modelo de descentralização do
novo Estado democrático da terceira via no Brasil: conforme o Planejamento Político-Estratégico (MEC 1995-
1998:12), ao MEC cabe a partir de então o papel político-estratégico em relação a definição, encaminhamento e
aplicação das políticas educacionais, enquanto as secretarias estaduais e municipais de educação devem passar a
assumir papel estratégico-gerencial e as escolas o papel gerencial-operacional, caracterizando, desse modo, uma
estrutura administrativa bastante hierarquizada.
Na outra ponta desse processo de recentralização se encontram os instrumentos de avaliação externos à escola,
como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), que mais do que o controle da “qualidade” da
educação, legitimam os parâmetros preestabelecidos no núcleo central da burocracia estatal.
Em termos gerais, os fundamentos pedagógicos presentes nos PCN são: (i) a psicologia genética e suas descobertas
no campo da construção do conhecimento, enfocando o desenvolvimento cognitivo do aluno a partir de
representações e em redes não-estáveis de conhecimentos; (ii) o enfoque social do processo de ensino-
aprendizagem por meio da inclusão no currículo do ensino fundamental dos temas transversais (ética, meio ambiente,
trabalho e consumo, orientação sexual, saúde, pluralidade cultural) e no currículo do ensino médio da noção de
interdisciplinaridade; (iii) o desenvolvimento de competências (“aprender a aprender”), em substituição às
especializações tradicionais, tendo em vista as transformações no mundo do trabalho e da vida trazidas pelas novas
tecnologias – que demandariam novos aprendizados e requalificações constantes.
O documento se autojustifica a partir de uma noção de cidadania que se pretende universal e inquestionável:

Apresenta-se para a escola, hoje mais do que nunca, a necessidade de assumir-se como
espaço social de construção dos significados éticos necessários e constitutivos de toda e
qualquer ação de cidadania (BRASIL, 1997a:28, grifo nosso).

A concepção de cidadania presente nessa afirmação permeia os PCN, e se refere ao novo homem a ser formado,
pela escola e também pelos vários sujeitos políticos coletivos que desenvolvem ações na área educacional na
sociedade civil, para produzir sua existência de acordo com o projeto neoliberal da terceira via para o Brasil do século
XXI.
Competências
A nova pedagogia proposta, chamada por seus autores e implementadores de “pedagogia de resultados”, vem
buscando vincular o currículo ao sucesso do aluno, por intermédio de

[...] uma abordagem prática, vinculada a trabalhos que irão preparar cidadãos para entender
situações novas e para adquirir novos conhecimentos (aprender a aprender), que é,
justamente, a capacidade de adaptação a novas situações numa sociedade em constante
mudança (SILVA, 2001).

A partir da implantação em caráter experimental do novo currículo de educação básica nas escolas públicas do
Distrito Federal, a secretária de Educação Eurides Brito Silva 12 sintetiza alguns pressupostos centrais dessa
pedagogia de resultados: o desenvolvimento das competências e habilidades dos alunos. Os conteúdos escolares
devem estar relacionados, de acordo com essa prescrição, aos “problemas concretos do aluno (problematização),
permitindo a formulação de hipóteses por eles a partir de sua bagagem, capacitando-os à tomada de decisões e à
argumentação para que haja ações transformadoras”.
De acordo com os PCN, são princípios norteadores da nova pedagogia: a) a dignidade da pessoa humana, implicando
o respeito aos direitos humanos, o repúdio à discriminação de qualquer tipo, o acesso a condições de vida digna e o
respeito mútuo nas relações interpessoais, públicas e privadas; b) a igualdade de direitos, a partir da consideração do
princípio da eqüidade, ou seja, do fato de que existem diferenças (étnicas, culturais, regionais, de gênero, etárias,
religiosas etc.) e desigualdades (socioeconômicas) que necessitam ser levadas em conta para que a igualdade seja
efetivamente alcançada; c) a participação, vinculada à noção de cidadania ativa, isto é, a complementaridade entre a
representação política tradicional e a participação popular no espaço público, compreendendo que não se trata de
uma sociedade homogênea e sim marcada por diferenças de classe, étnicas, religiosas etc.; d) a co-responsabilidade

12
SILVA, Eurides Brito. A qualidade no currículo. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/semtec>. Acesso em: 16 ago. 2001.
108
109
pela vida social, implicando partilhar com os poderes públicos e diferentes grupos sociais, organizados ou não, a
responsabilidade pelos destinos da vida coletiva. Torna-se, nesse sentido, responsabilidade de todos a construção e a
ampliação da democracia no Brasil (BRASIL, 1997b:20-21).
Ora, diante dessa pedagogia que contempla – ainda que parcial e fragmentariamente – tantas demandas das
organizações de professores, e parece de fato representar os interesses dos grupos socialmente desfavorecidos, a
terceira via brasileira nos desafia a responder: o que há de neoliberal na proposição de uma educação universalista,
que prime pela dignidade da pessoa humana, pela igualdade de direitos, pelo estímulo à participação e pela co-
responsabilidade pela vida social?
A partir de uma dada síntese do momento histórico correspondente à última metade do século XX, na qual as novas
relações entre conhecimento e trabalho exigem um “reequacionamento do papel da educação”, os PCN propõem que
se construa desde as primeiras séries escolares uma nova pedagogia baseada no “aprender a aprender”, em valores,
normas e atitudes mais do que em conteúdos predefinidos, capacitando os alunos

[...] para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências, em função de novos


saberes que se produzem e demandam um novo tipo de profissional, preparado para poder
lidar com novas tecnologias e linguagens, capaz de responder a novos ritmos e processos.
Essas novas relações entre conhecimento e trabalho exigem capacidade de iniciativa e
inovação e, mais do que nunca, “aprender a aprender”. Isso coloca novas demandas para a
escola. A educação básica tem assim a função de garantir condições para que o aluno
construa instrumentos que o capacitem para um processo de educação permanente
(BRASIL, 1997a:29).

No texto que compõe os PCNEM – O papel da educação na sociedade tecnológica –, sugere-se uma mudança no
paradigma do capital humano quando se afirma que “as novas exigências colocadas pelo desenvolvimento
tecnológico e social” tornam obsoleta uma educação voltada puramente para a “‘conformação’ do futuro profissional
ao mundo do trabalho”, pautada na “disciplina, na obediência, no respeito restrito às regras estabelecidas” (BRASIL,
1999:23):

O novo paradigma emana da compreensão de que, cada vez mais, as competências


desejáveis ao pleno desenvolvimento humano aproximam-se das necessárias à inserção no
processo produtivo [...].

Nesse sentido, o desafio da educação escolar pública passa a ser – por meio “do desenvolvimento das competências
básicas tanto para o exercício da cidadania quanto para o desempenho de atividades profissionais” – nada menos que
garantir a “inclusão” das massas trabalhadoras na “sociedade tecnológica”. O documento afirma:

A expansão da economia pautada no conhecimento caracteriza-se também por fatos sociais


que comprometem os processos de solidariedade e coesão social, quais sejam a exclusão e
a segmentação com todas as conseqüências hoje presentes: o desemprego, a pobreza, a
violência, a intolerância.

Essa tensão, presente na sociedade tecnológica, pode se traduzir no âmbito social pela definição de quantos e quais
segmentos terão acesso a uma educação que contribua efetivamente para a sua incorporação (BRASIL, 1999:23).
De acordo com os estudos de Marise Ramos sobre a pedagogia das competências, a noção de competência na
educação escolar brasileira aparece pela primeira vez em 1996 com a nova LDB e passa a se constituir em um dos
três pilares do novo ensino médio. Os outros dois seriam o desenvolvimento pessoal e a qualificação ou habilitação
para o exercício de uma atividade profissional (RAMOS, 2001:127). A escola passa a ter o papel de garantir essa
tripla formação do novo homem, tanto em seu aspecto mais subjetivo quanto na sua relação com a natureza e com os
outros homens, tal como propõe Tedesco13:

[...] parece necessário enfatizar a idéia de que a escola deve assumir uma parte significativa
da formação nos aspetos “duros” da socialização. Isto não significa reivindicar a rigidez, a
memória, a autoridade etc., mas aceitar que sua tarefa é levar a cabo de forma consciente e
sistemática a construção das bases da personalidade das novas gerações.

13
TEDESCO, Juan Carlos. Os fenômenos de segregação e exclusão social na sociedade do conhecimento e da informação.
Disponível em: <http://www.mec.gov.br/semtec >. Acesso em: 16 ago. 2001.
109
110
Ramos discute as especificidades dessa nova proposta, comparando-a com a educação hegemônica no período
fordista voltada ao preparo cívico e à formação de uma consciência profissional. Nos dias atuais, o novo homem a
trabalhar e (con)viver, de acordo com o projeto educacional da terceira via no Brasil, deve ser formado psicológica e
socioafetivamente de acordo com as seguintes competências:

[...] saber agir e reagir com pertinência; saber combinar os recursos e mobilizá-los num
contexto; saber transferir, saber aprender e aprender a aprender; saber se engajar. Portanto,
são as capacidades de ordem psicológica, muito mais que as de ordem técnica, aquelas
intensamente solicitadas (RAMOS, 2001:249-250, grifo nosso).

Philippe Perrenoud, Edgar Morin, César Coll, Antonio Nóvoa, Fernando Hernández (professor de História da
Educação Artística e Psicologia da Arte na Universidade de Barcelona) e Bernardo Toro (presidente da Confederação
Colombiana de ONGs) compõem a lista de autores divulgada pela revista Nova Escola em sua edição de agosto de
2002, na matéria de capa Bem-vindo à vanguarda da educação.
Com essa reportagem, a revista busca difundir os princípios da reforma curricular, sobre as cinco competências
essenciais a serem trabalhadas com os alunos no ensino médio, a partir dos PCN e das proposições de Perrenoud 14:
(i) dominar a norma culta da língua portuguesa e fazer uso das linguagens matemática, artística e científica; (ii)
construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão dos fenômenos naturais, dos
processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas; (iii) selecionar, organizar,
relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar
situações-problema; (iv) relacionar informações e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir
argumentação consistente; (v) recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de
intervenção solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural.
Nova Escola é uma publicação mensal da Fundação Victor Civita, que tem como diretora-executiva e editorial
Guiomar Namo de Mello, membro da Câmara de Educação Básica da Câmara Nacional de Educação (CEB/CNE) nos
governos FHC e relatora do parecer emitido por essa Câmara sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio. A revista, autoproclamada sem fins lucrativos, volta-se ao professor da educação básica e se configura
em mais um instrumento de difusão da proposta educacional hegemônica, sendo comprada pelo FNDE/MEC (Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação) para todas as 124 mil escolas públicas do país.
De acordo com o demonstrativo de distribuição da revista Nova Escola, emitido pelo FNDE/MEC em março de 2005,
esse fundo, em 2003, adquiriu, para distribuição gratuita à rede pública de ensino fundamental e médio de todos os
estados brasileiros, o montante de 45 mil exemplares, tendo gasto R$66.200,96. Em 2004, a compra do periódico pelo
Fundo foi de 174.916 exemplares.
O enfoque nas competências é proposto objetivando a adaptação dos novos homens às instáveis condições sociais e
profissionais que marcam o início deste milênio. Contudo, como bem ressalta Rodrigues (2001:35), “apesar da
importância dada ao conhecimento, à ciência e tecnologia, não é esta a dimensão que irá ganhar prioridade nas
propostas para o ensino básico”. Tal como reza o projeto mais amplo que visa à adaptação de tecnologia pelos países
de capitalismo periférico, os PCNEM enfatizam a formação para uma certa cidadania e uma preparação básica para o
trabalho, sem nenhum destaque ao aprofundamento dos estudos acadêmicos nas diferentes áreas do conhecimento:

Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de interferir criticamente na


realidade para transformá-la, deve também contemplar o desenvolvimento de capacidades
que possibilitem adaptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos
hoje que lidar [...] (BRASIL, 1997a:35).

Por outro lado, em defesa da proposta oficial de ensino por competências, argumenta-se que estas não visam a
acabar com os conteúdos – configuram-se, ao contrário, em um novo método de trabalho dos conteúdos escolares
básicos em substituição ao seu antigo tratamento tradicional descontextualizado e estanque dado pelas disciplinas
escolares. Por certo, os textos específicos das disciplinas englobadas pela área de ciências humanas e suas
tecnologias buscam afirmar a necessidade de se “selecionar conteúdos” que partam de problemáticas
contemporâneas específicas e que envolvam a constituição de uma certa cidadania 15. Também seria injusto afirmar
que esses textos não apontam para uma consideração dos debates mais atuais acerca do conhecimento
desenvolvido por cada uma dessas disciplinas, e até mesmo se considere, por exemplo, em um dos textos “a

14
Partindo, em especial, da obra Construir as competências desde a escola (PERRENOUD, 1999).
15
Identificar e selecionar conteúdos significativos são tarefas fundamentais dos professores, uma vez que se constata a evidência
de que é impossível ensinar “toda a história da humanidade”, exigindo a escolha de temas que possam responder às
problemáticas vividas pela nossa sociedade, tais como as discriminações étnicas e culturais, a pobreza e o analfabetismo
(BRASIL, 1999:305).
110
111
atualidade de algumas proposições marxistas” no que se refere aos “sistemas econômicos” e ao conceito de
“ideologia” (BRASIL, 1999:322-324). Contudo, é desprezada a atualidade das reflexões marxistas no que se refere à
categoria “trabalho” (como se fosse possível separá-la das categorias anteriormente ressaltadas):

Sociologicamente, a problematização da categoria trabalho, para além do modelo marxista,


também é uma tarefa que exige um significativo esforço intelectual. A análise do mercado de
trabalho requer que se entenda o problema do desemprego estrutural, isto é, a diminuição
constante e irreversível de cargos em empresas, enquanto uma realidade percebida,
sobretudo, nos países industrializados da Europa.

A configuração desse quadro de mudanças profundas, nas relações sociais e nos valores
que as informam, conferem à sociologia um papel analítico importante, tendo em vista os
resultados de suas pesquisas. E esses conhecimentos permitem que outros profissionais
procurem alternativas de intervenção frente aos problemas sociais oriundos dessa nova
ordem política, econômica e social. Enfim, a Sociologia, ao mesmo tempo em que realiza um
esforço para entender a realidade social, também subsidia outros agentes sociais na solução
dos problemas (BRASIL, 1999:318-319).

Segundo esse trecho, uma nova ordem política, econômica e social se impõe – “naturalmente” – no mundo, hoje, e é
preciso encontrar “soluções” para se adaptar a ela. A noção de “trabalho” deixa de ser compreendida como relação
social, limitando-se à sua dimensão mais individual e ressignificada de acordo com a nova concepção de
empregabilidade, ao desenvolvimento das potencialidades de cada um para lidar com o “vulcão” do desemprego
estrutural (já em erupção nos países industrializados europeus!).
A crítica às competências foi respondida ao longo de sua instauração da seguinte maneira16:

É preciso superar o falso dilema de centrar a aprendizagem, e, portanto, o currículo, nos


conhecimentos ou nas competências. A escola deve oferecer os conhecimentos produzidos
pela humanidade, no seu processo histórico, que são significativos para a inclusão de cada
grupo de alunos em cada etapa de sua escolarização e de sua vida, os caminhos para ter
acesso a estes conhecimentos e aos que vierem a ser produzidos e as competências para
mobilizá-los e colocá-los em ação (grifo nosso).

A gravidade dos riscos a que os professores correm ao adotar a pedagogia das competências, contudo, não permite
que o debate seja assim desqualificado. O dilema não é falso, ao contrário, talvez seja o que mereça mais cuidado
nesse processo.
Gramsci já apontava, quando refletia sobre como deveria ser uma introdução ao estudo da filosofia da práxis, a
necessidade básica de se perguntar: “qual é o tipo histórico de conformismo, de homem-massa do qual fazemos
parte?” O esforço de responder a essa pergunta o levou a escrever um dos seus mais belos fragmentos:

Quando a concepção de mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada,


pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria
personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos
homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de
todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma filosofia que
será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção de
mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo
pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até
hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia
popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um
“conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que
deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer,
inicialmente, essa análise (GRAMSCI, 1999:94).

Nos PCN, ao contrário, o conhecimento sistematizado aparece desvinculado da história, “desideologizado”, assim
como as competências a serem trabalhadas para a vida profissional e cidadã.

16
BERGER FILHO, Ruy Leite. Currículo por competências. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/semtec/ensmed>. Acesso
em: 16 ago. 2001.
111
112
Nesse sentido, a crítica de Ramos é extremamente pertinente no que se refere à mudança de foco prioritário do
saber acumulado para o saber vivido do aluno. A autora assinala o risco de se desconsiderar o fato de que as
“concepções prévias trazidas por ele” se localizam no plano do senso comum, sendo, portanto,

[...] constituídas de representações errôneas ou equivocadas, ou ainda, apresentando limites


como modelo de compreensão e de explicitação da realidade, restritas a determinados
contextos [...].

Outro risco que, em parte, pode ser conseqüência do primeiro, é considerar a existência de
uma continuidade e de uma equivalência entre o conhecimento cotidiano e o conhecimento
científico e de ser possível passar de um para outro sem rupturas. Considere-se, ainda,
como a questão a ser investigada [...] aquilo que a concepção pós-moderna admitiria, in
limine, como a forma adequada de compreender o mundo, qual seja, a partir das percepções
subjetivas de cada um e não de metateorias às quais atribuir o caráter científico (RAMOS,
2001:141-142, grifo nosso).

Esse triplo risco decorrente da opção pelo saber vivido nos PCN evidencia o caráter conservador que a proposta
educacional em tela pode assumir, no sentido de descaracterizar o conhecimento científico da visão de mundo que o
contextualiza, alimentando a brutal força individualizante produtora das incertezas e inseguranças referenciadas por
Bauman (2003). Essa análise se torna ainda mais aguda quando se nota na proposta dos PCN a imposição do
enfoque pragmático acerca das necessidades educacionais das novas gerações:

As competências [...] são consideradas indispensáveis para o nível médio de ensino e foram
fixadas pela Resolução nº 3/98, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação. A ausência de tais competências implica limites à ação do indivíduo, impedindo-o
de prosseguir em seus estudos na área e de se preparar adequadamente para a vida em
sociedade (BRASIL, 1999:289).

Impõe-se aí um tom de quem comunica verdades, com pretensões de auto-afirmar tal programa como vanguarda
salvadora dos estudantes, portadora do que há de mais avançado e ousado no atendimento às suas necessidades
educacionais, atribuindo à maioria das escolas e professores a prática de um ensino de viés tradicional –
responsabilizando-os em última instância pelos problemas ligados à educação escolar no país. Como ressalta
Rodrigues (2001:147), essa argumentação

[...] contribui com o aprofundamento do processo de alienação vivido no cotidiano da escola


pelos professores, em que estes não se reconhecem mais como sujeitos sociais, políticos e
históricos, como agentes e criadores da realidade em que vivem.

Rodrigues, pesquisadora dos fundamentos dos PCN e de seus desdobramentos para a educação física escolar,
afirma também que esse documento busca “responder às necessidades de reprodução ampliada do capital no Brasil,
tendo como prioridade educacional a formação de um novo tipo de cidadão e trabalhador exigido pela sociedade
globalizada” (RODRIGUES, 2001:7). Nesse sentido, a autora destaca

[...] a ênfase no “aprender a viver juntos” como se fosse possível resolver os conflitos de
classe e os conflitos étnicos através de uma “boa” educação. Tal pressuposto reforça a
postura do conformismo social que desconsidera, sobretudo, a questão dos conflitos
mundiais entre capital e trabalho, a luta entre ricos e pobres, explorados e exploradores
(RODRIGUES, 2001:138).

Para fundamentar essas afirmações, a autora faz um levantamento do papel da UNESCO na elaboração dos
fundamentos adotados pelos PCN, destacando as preocupações desse organismo expressas no relatório da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI com o sugestivo título: “Que tipo de educação
necessitaremos amanhã e para que gênero de sociedade?” De acordo com suas análises, o relatório

[...] não faz referência ao Estado e aos governantes, mas aos “tomadores de decisões” de
cada sociedade, e às comunidades transnacionais como centros legítimos de decisão,
questionando, inclusive, a idéia do Estado-Nação, tratando de forma separada a sociedade
civil da sociedade política, a qual seria a responsável pela efetivação do consenso social
(RODRIGUES, 2001:34-35).

112
113
Do mesmo modo, as empresas privadas, por intermédio de fundações, institutos e demais ONGs, vêm assumindo
papel importante na coordenação das ações de responsabilidade social e educação para uma “nova cidadania” na
direção apresentada pelos PCN. Uma expressão significativa dessa preocupação de organismos ligados ao capital
em definir os rumos da formação de uma cidadania ativa se encontra no manual O que as empresas podem fazer pela
educação (INSTITUTO ETHOS, 1999). Esse documento se propõe a sensibilizar o empresariado para a
responsabilidade social no que tange à escolarização pública, justificada como um bom negócio para as empresas e
para as comunidades, mas acima de tudo como uma nova forma de pensar, sentir e agir que deve ser incorporada e
difundida por essas empresas:

Uma ação social efetiva não deve pretender apenas incrementar a imagem corporativa. Hoje
em dia, o significado da atuação social das empresas passa pelo papel (e pelo peso) do
setor empresarial na redefinição dos paradigmas de desenvolvimento socioeconômico.
Trata-se da gestação de um novo pacto social que requer a co-participação do Estado, das
empresas e da sociedade civil (INSTITUTO ETHOS, 1999:33).

Nesse manual afinado à ideologia da responsabilidade social empresarial na área de educação, a produção de
materiais didáticos é um dos focos de ação sugeridos a empresas que desejam colaborar com a escola pública no
país (INSTITUTO ETHOS, 1999:52-53). Formas de estímulo à educação dentro da própria empresa são também
discutidas no manual, como o combate ao analfabetismo e o estímulo à matrícula dos filhos dos funcionários; o
estímulo à participação dos funcionários na escola dos filhos; a formação profissional; e o fomento às atividades
culturais e esportivas voltadas para os funcionários (INSTITUTO ETHOS, 1999:22).
Nessa mesma direção, o Projeto Cuidar do Instituto Souza Cruz e o Programa de Educação Afetivo-Sexual da
Fundação Belgo-Mineira (FBM)17 assumem a tarefa de implementação dos temas transversais nas escolas da rede
pública, fornecendo gratuitamente materiais didáticos próprios ancorados nos princípios gerais delimitados nos PCN.
Verificamos assim que os PCN se configuram em uma importante via de acesso do setor empresarial às políticas
públicas educacionais, baseando-se nos valores do projeto capitalista contemporâneo de sociabilidade e favorecendo
a possibilidade de intervenção direta das empresas no currículo, na seleção de materiais e na gestão dos recursos
das escolas públicas brasileiras.
Temas Transversais, Interdisciplinaridade e Contextualização
Para investigação do modelo de sociabilidade proposto pela terceira via no Brasil, em especial das noções de
democracia, cidadania e participação adequadas a esse modelo, os chamados temas transversais dos PCN talvez
sejam a melhor fonte de pesquisa. Seus conteúdos se voltam ao ensino-aprendizagem das questões ligadas à ética, à
pluralidade cultural, ao meio ambiente, à saúde, à orientação sexual e ao trabalho e consumo18.
De acordo com os PCN, as competências se configuram numa série de prerrogativas individuais que os alunos terão
de desenvolver para exercer suas futuras atividades profissionais e sociais na chamada “sociedade tecnológica”.
Nessa proposta, a concepção teórico-metodológica pautada na psicologia genética tem papel fundamental na medida
em que aponta para o acompanhamento dos avanços cognitivos de cada aluno no desenvolvimento das tais
competências. Também se destaca que, na reestruturação curricular, os saberes ligados às experiências pessoais de
cada um são considerados pontos de partida para a aprendizagem 19:

A idéia básica da construção de estruturas mentais na apropriação pela mente humana dos
conhecimentos e da constituição mesmo de conhecimentos pela relação de interação com o
meio humano, social e natural, que geravam a possibilidade de significar o mundo, de
apropriar-se de novos elementos integrando-os na rede de esquemas mentais e de reutilizar
estes elementos de forma criativa em novas situações, foi o princípio básico para a
construção deste conceito [de competência] por nós.

Nesse sentido, os temas transversais darão maior coerência a essa proposta por entrelaçarem a nova noção de
cidadania ao senso comum trazido pelas experiências individuais dos alunos, no sentido da construção de uma nova
subjetividade voltada à “colaboração”, na execução de políticas e projetos sociais focalizados.
Sinteticamente, os conteúdos desses temas são assim delineados: para o estudo da ética, são propostos quatro
blocos de conteúdo, com vistas a desenvolver a autonomia moral do aluno – respeito mútuo, justiça, diálogo e

17
Sobre o Programa Afetivo-Sexual desenvolvido pela FBM para a escola pública em Minas Gerais, ver capítulo 8 deste livro.
18
Esses temas são definidos para o ensino fundamental, sendo que “trabalho e consumo” aparece apenas nos PCN de 5 a à 8a séries.
Sugere-se também o desenvolvimento de temas locais a partir da mesma metodologia proposta para o trabalho com os temas
preestabelecidos.
19
BERGER FILHO, Ruy Leite. Currículo por competências. Disponível em: <http://www.mec.gov.br/semtec/ensmed>. Acesso
em: 16 ago. 2001.
113
114
solidariedade. Esse é o tema central da proposta de transversalidade e embasa os principais fundamentos da
nova cidadania para o Brasil do século XXI, aliando à cidadania formal a abertura de canais de diálogo para a
condução das questões sociais e o estímulo à solidariedade na garantia da coesão social, em uma sociedade
marcada, no entanto, por brutais diferenças de classe:

A reflexão ética traz à luz a discussão sobre a liberdade de escolha. A ética interroga sobre
a legitimidade de práticas e valores consagrados pela tradição e pelo costume. Abrange
tanto a crítica das relações entre os grupos, dos grupos nas instituições e perante elas,
quanto a dimensão das ações pessoais. Trata-se portanto de discutir o sentido ético da
convivência humana nas suas relações com várias dimensões da vida social: o ambiente, a
cultura, a sexualidade e a saúde (BRASIL, 1997b:25).

Nessa direção, a pluralidade cultural, relacionada ao propósito de superação da discriminação de todo tipo, deve ser
aprendida através do estudo da riqueza de nossas diversidades:

O grande desafio da escola é investir na superação da discriminação e dar a conhecer a


riqueza representada pela diversidade etnocultural que compõe o patrimônio sociocultural
brasileiro, valorizando a trajetória particular dos grupos que compõem a sociedade. Nesse
sentido, a escola deve ser local de diálogo, de aprender a conviver, vivenciando a própria
cultura e respeitando as diferentes formas de expressão cultural (BRASIL, 1997a:27).

Esse “pluralismo” que chega aos PCN como um tema transversal, propagado pelos grupos capitalistas hegemônicos
mundiais, evidencia a diversidade e a diferença, mas, seguindo o procedimento geral do documento, desfoca a
possibilidade de percebê-las em um conjunto, em uma lógica de processo, em uma estrutura unificadora. A
conseqüência dessa redução do pluralismo à mera contingência é, em última instância, como adverte Wood
(2003:225), afastar a possibilidade de desenvolvimento de um projeto de emancipação humana.
Da mesma forma, o meio ambiente é apresentado como espaço de relações sociais, econômicas e culturais,
concebido como bem comum – como Terra-Pátria nos termos propostos por Morin (2002) – e deve se tornar parte
importante das preocupações das novas gerações, a partir de uma formação escolar que estimule a reflexão sobre
“como devem ser essas relações socioeconômicas e ambientais, para se tomar decisões adequadas a cada passo, na
direção das metas desejadas [indistintamente] por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio
ambiental” (BRASIL, 1997b:28, grifo nosso).
Quanto à orientação sexual, propõem-se “três eixos fundamentais para nortear a intervenção do professor: Corpo
Humano, Relações de Gênero e Prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS”:

A abordagem do corpo como matriz da sexualidade tem como objetivo propiciar aos alunos
conhecimento e respeito ao próprio corpo e noções sobre os cuidados que necessitam dos
serviços de saúde. A discussão sobre gênero propicia o questionamento de papéis
rigidamente estabelecidos a homens e mulheres na sociedade, a valorização de cada um e
a flexibilização desses papéis. O trabalho de prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis/AIDS possibilita oferecer informações científicas e atualizadas sobre as
formas de prevenção das doenças. Deve também combater a discriminação que atinge
portadores do HIV e doentes de AIDS de forma a contribuir para a adoção de condutas
preventivas por parte dos jovens (BRASIL, 1997b:28).

Analisando as proposições acerca do tema ligado à sexualidade, Gandelman (2003) verifica que o conceito de
“gênero” construído no documento também não inclui a noção de conflito nem as dimensões históricas e políticas que
a envolvem, limitando-se ao desenvolvimento biológico do indivíduo.
Do mesmo modo, a saúde como tema do currículo se relaciona ao “autocuidado” e à noção de “saúde como direito e
responsabilidade pessoal e social”, preparando os alunos para atividades que exigirão seu “protagonismo” na difusão
de noções básicas relacionadas à higiene e à prevenção de doenças.

A escola cumpre papel destacado na formação dos cidadãos para uma vida saudável, na
medida em que o grau de escolaridade em si tem associação comprovada com o nível de
saúde dos indivíduos e grupos populacionais. Mas a explicitação da educação para a saúde
como tema do currículo eleva a escola ao papel de formadora de protagonistas – e não
pacientes – capazes de valorizar a saúde, discernir e participar de decisões relativas à
saúde individual e coletiva. Portanto, a formação do aluno para o exercício da cidadania
compreende a motivação e a capacitação para o autocuidado, assim como a compreensão
da saúde como direito e responsabilidade pessoal e social (BRASIL, 1997b:28).
114
115
Finalmente, incluído entre os temas transversais para a 5 a à 8a séries do ensino fundamental, o tema trabalho e
consumo, não fazendo distinção entre essas duas esferas, evidencia a proposta de formação de valores voltados à
hegemonia capitalista.
Na discussão sobre a relação entre escola e trabalho, o que se afirma é que garantir aos alunos sólida formação
cultural, favorecendo o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes de cooperação, solidariedade e
justiça contribui significativamente tanto para a inserção no mercado de trabalho quanto para a formação de uma
consciência individual e coletiva dos significados e contradições presentes no mundo do trabalho e do consumo, das
possibilidades de transformação (BRASIL, 1997c:344).
Para esse tema, os PCN propõem em linhas gerais que os professores trabalhem com seus alunos a noção de que
“um direito básico do cidadão é ter acesso ao mercado de consumo, aos produtos ou serviços que são oferecidos”
(BRASIL, 1997c:352), e a luta pela cidadania passa pela reivindicação ao direito ao consumo. O cidadão-consumidor
deve ter garantidos os direitos, entre outros, de escolher produtos e serviços; a “serviços essenciais de saúde,
educação [e] previdência social” (BRASIL, 1997c:382); de defesa contra a publicidade enganosa; a um ambiente de
trabalho adequado e protegido de acordo com as normas legais sobre segurança no trabalho.
Assim, questões antes restritas ao âmbito da vida privada, ou individuais, ganham dimensões sociais, como a questão
do desperdício, do consumo de bens descartáveis, do uso de materiais não-recicláveis, até a decisão de usar ou não
um automóvel. Os cidadãos, porém, ainda desconhecem sua força como consumidores, sua condição de sujeito nas
relações de consumo, seus direitos e sua capacidade para intervir nessas relações (BRASIL, 1997c:353).
O Código de Defesa do Consumidor é apresentado pelo documento como um grande passo na direção das
conquistas dos trabalhadores. O texto afirma que, nessa luta pela implantação do código, “importantes setores
empresariais se manifestaram de forma contrária”, mas sua implantação vitoriosa

[...] reflete a progressiva consciência da importância e da força do consumidor, não mais


objeto passivo a ser manipulado pela propaganda e pelo poder econômico, mas sujeito
capaz de pesquisar, escolher e recusar (BRASIL, 1997c:404).

Esse cidadão-consumidor a ser formado pela escola será também o novo trabalhador que cada vez mais irá exercer
atividades denominadas pelos PCN como: “trabalho cooperado”, “formas de economia solidária”, “uso de novas
tecnologias alternativas na produção agrícola” e “novas ocupações e profissões” (BRASIL, 1997c:384). Nesse sentido,
como forma de contato dos alunos com essas alternativas de trabalho, uma nova relação entre escola e agências
governamentais e não-governamentais é estimulada pelo documento:

Propõe-se localizar, na região, agências privadas, públicas ou comunitárias de formação


profissional, para conhecer os cursos existentes, as condições de acesso, a duração, a
qualificação e oportunidades que oferecem (BRASIL, 1997c:384).

A “parceria” entre a escola e as fundações empresariais e demais ONGs que trabalham com esses temas é um
estímulo constante no documento. De acordo com os PCN, o trabalho com os temas transversais deve integrar a
escola com a comunidade e com outras instituições, de modo a tornar mais dinâmico e significativo o contato dos
educandos com as problemáticas sociais (BRASIL, 1997b:38).

É importante verificar a existência de agências governamentais e não-governamentais que


trabalham com saúde e preservação, conservação, recuperação e reabilitação ambientais na
localidade para desenvolver projetos com a escola (BRASIL, 1997c:387).

Para o trabalho com todos esses temas, o documento sugere discussões a partir de jornais, revistas, livros, fotos,
propaganda ou programas de TV, analisando-os criticamente com os alunos, “contrapondo-os a outras possibilidades
e contextualizando-os histórica, cultural e socialmente” (BRASIL, 1997b:36). Essa contextualização é limitada,
entretanto, pela própria visão de mundo que permeia a proposta e norteia a concepção de cidadania nos PCN,
restringindo-a ao seu aspecto mais individualizante. Os exemplos de como se trabalhar com os temas transversais
não contemplam as múltiplas determinações históricas, sociais e culturais, ao contrário, pautam-se em um “como
fazer?” visando à promoção dos valores da conservação das relações sociais vigentes e à amenização dos danos por
elas provocados:

A aprendizagem de valores e atitudes é pouco explorada do ponto de vista pedagógico. Há


estudos que apontam a importância da informação como um fator de formação e
transformação de valores e atitudes. Conhecer os problemas ambientais e saber de suas
conseqüências desastrosas para a vida humana é importante para promover uma atitude de
cuidado e atenção a essas questões, valorizar ações preservacionistas e aquelas que
proponham a sustentabilidade como princípio para a construção de normas que
115
116
regulamentem as intervenções econômicas. Para cuidar de sua saúde, uma pessoa que
não tenha saneamento básico onde mora precisa saber que esse é um direito seu para
poder reivindicá-lo (BRASIL, 1997b:33).

A grande contradição da proposta de interação entre os conteúdos escolares e as questões cotidianas que envolvem
os educandos é o fato de que não se baseia na abordagem das diferentes concepções sobre como se produzem os
problemas ligados às temáticas transversais, criando “limitações para a análise das condições sociais em que os
indivíduos vivem e interagem” (SILVA, 2001:20).
Da mesma forma, nos PCNEM, embora não apareça a proposta de trabalho a partir de temas transversais
específicos, as proposições relativas à interdisciplinaridade e à contextualização apresentam objetivos semelhantes
aos da transversalidade para o ensino fundamental. Para o ensino médio, propõe-se que o currículo seja pensado de
modo interdisciplinar, visando a uma educação “complexa”. Encontramos em Morin alguns dos principais fundamentos
dessa pedagogia:

É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas


importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba
atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros. [...] Cabe ao
ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas
responsabilidades pessoais), além de desenvolver a participação social (as
responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois
compartilhamos um destino comum (MORIN, 2001:11).

De acordo com o documento do MEC, contextualização significa aproximar os conteúdos e as questões mais amplas
que o envolvem e justificam sua presença no currículo escolar. Assim, em um currículo interdisciplinar e
contextualizado, cada disciplina deve passar a compor um enfoque específico de análise dos mesmos problemas,
seguindo o propósito de formação de cada aluno enquanto indivíduo e membro da “sociedade planetária”.
Contribuições para o Debate

São Paulo, 11 de julho de 1979

Mãe,

Não há uma só pessoa hoje no Brasil que não vá dormir se sentindo culpada. Mesmo não
tendo fogão a gás nem isqueiro.

Faz tempo que eles vêm insinuando que a gente desperdiça: não passe dos 80, poupe,
sabendo usar-não-vai-faltar. Não foram poucas as vezes que nos deram carão e ameaçaram
que, se não aprendêssemos a economizar eles iam ter que tomar providências enérgicas.

(...)

EPA!!

Nem vem! Nós, o povo, não somos culpados de porcaria nenhuma! Quem foi que decidiu
entregar o Brasil à sanha da indústria multinacional do automóvel e do plástico? Hein?
Quem foi que resolveu chamar de milagre esta bebedeira de petróleo e que não quis repartir
o bolo gordo?

(...)

Aqui, ó!
116
117
Não faço racionamento nenhum! Acostumei. Se vierem tomar meus chicletes, vão levar
bico na canela e tapão no pé do ouvido!

E olha aí, povão! O governo tá sem combustível! Vamo empurrar!

A bênção do seu tunebão,

Henfil (Carta da Mãe)

Muitas das questões que sacudiam Henfil diante da máquina de escrever não existem da mesma maneira hoje, com o
fim do regime militar e do autoritarismo explícito, da censura explícita, do reacionarismo estampado na bandeira do
Brasil. Também o hábito de se transferir para o “povão” a responsabilidade de aplacar as mazelas nacionais, embora
não tenha mudado substancialmente, ganhou novos elementos com a chegada da terceira via no país. Mas nessa
“Carta da mãe”20, Henfil manifestava de início uma certa culpa pela crise do petróleo, devido à bronca do governo em
rede nacional de TV. Pensando sobre o assunto, porém, logo emite um “epa!” se dando conta de que não foi o povo
que definiu as políticas ou o projeto instituído à época. Daí dizer “não”, bater o pé e até mesmo não economizar gás
passava a ser fundamental na desmontagem dessa argumentação que o culpabilizava pelo problema.
Os exemplos do desenvolvimento de uma “ética do ser humano”, de acordo com o projeto de sociabilidade que guiou
a reforma da educação no Brasil, são destacados por Edgar Morin (2001:11-12):

[...] as associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace,


a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas,
políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo
ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão
importantes, pois estamos falando do destino da humanidade.

A questão que se sobressai a partir das análises acerca do projeto da terceira via, de sua inserção hegemônica no
Brasil dos anos 1990 e nos PCN é: queremos uma educação para qual cidadania? Uma cidadania pacífica e
conciliadora, que humanize por si só o capitalismo, como propõe Morin? Essa concepção soa idealista, a-histórica e
pouco atenta ao complexo de mudanças estruturais para que ela se concretize.
A superação do capitalismo como processo certamente implica uma reforma intelectual e moral e na construção de
um projeto soberano nacional-popular, mas de modo algum prescinde da necessária mudança nas relações de
exploração e dominação vigentes.
Talvez o principal problema dessa proposta do MEC tenha sido dotar as escolas de responsabilidades imensas
quanto à formação de uma nova cidadania e, ao mesmo tempo, negá-las à participação no processo de elaboração
dessa concepção. Um novo senso comum se instala nos limites do “possível” dentro do modelo societário vigente, e
toda ação transformadora se dá a partir dos níveis elementares de consciência individual e coletiva 21.
Uma nova cidadania é definida pelo projeto capitalista para o século XXI e deve incorporar uma consciência
socioambiental planetária, uma ética voltada ao desenvolvimento do pluralismo cultural, uma postura de trabalho e
consumo flexível e disposta à negociação, uma noção de saúde e sexualidade que multiplique as informações
disponíveis sobre o autocuidado. O “cidadão” se torna surpreendentemente responsável pelos destinos do planeta,
ainda que – mero detalhe – não seja convidado a participar das decisões econômicas e políticas controladas pelos
grupos hegemônicos nacionais e internacionais.
Ousa-se fazer um paralelo entre as reflexões de Henfil e o que possa levantar discussões sobre o projeto da terceira
via adotado nos PCN: gritar “epa!” para a avalanche de estímulos às competências e aos temas transversais nas
práticas escolares, exigir discussão não só sobre como aplicá-los, mas sobretudo acerca de seus princípios
norteadores e a sua conveniência ou não para o projeto desenvolvido pelas escolas públicas brasileiras.

20
HENFIL. Cartas da mãe. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 1986. p.150-151 (Coletânea Henfil).
21
Sobre os diferentes graus de consciência política, ver Gramsci (2000b:40-43).
117
8 FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA: O EMPRESARIADO EM AÇÃO
Adriane Silva Tomaz
Um exemplo concreto da intervenção do empresariado na área social consiste na atuação da Fundação Belgo-Mineira
(FBM), organismo responsável pela coordenação das ações sociais do conglomerado Belgo-Mineira. Criada em 1988,
com o objetivo de integrar as “ações filantrópicas” do conglomerado, a FBM se filiou ao GIFE e ao Instituto Ethos e se
modernizou para se transformar, na atualidade, em um dos mais importantes organismos de difusão da ideologia da
“responsabilidade social”.
Desde os primórdios, a “missão” pedagógica 1 da FBM consistiu em desenvolver ações para disseminar a cultura do
voluntariado entre os empregados, com vistas a educá-los para uma nova cidadania, bem como implementar
diretamente programas nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, cultura e cidadania nas proximidades de suas
unidades produtivas.
Fundação Belgo-Mineira e Ação Social
Um de seus projetos – Cidadãos do Amanhã – estimula os trabalhadores e suas famílias, clientes, fornecedores e
prestadores de serviço a destinarem uma parcela do imposto de renda aos Fundos Municipais dos Direitos da Criança
e do Adolescente (FMDCA), condicionando a alocação desses recursos às entidades por ele selecionadas. Visando a
obter maior participação dos empregados e familiares, a FBM antecipa o valor correspondente a essa restituição, de
forma parcelada, no ano subseqüente. Atualmente, o programa contribui com os Fundos dos Direitos da Criança e do
Adolescente de 14 municípios: Contagem, Juiz de Fora, Belo Horizonte, João Monlevade, Carbonita, Martinho
Campos, Vespasiano, Sabará, Itaúna, Santos Dumont e Bom Despacho, em Minas Gerais; Cariacica, no Espírito
Santo; Piracicaba e Hortolândia, em São Paulo.
Partindo do princípio de que “pessoas são o maior patrimônio do Grupo Belgo”, a empresa criou também o projeto
Pró-Voluntário com a finalidade de oferecer a seus empregados e familiares a oportunidade de exercer atividade
social voluntária. O projeto é gerenciado pelos próprios voluntários, que decidem o foco e a forma de atuação. Este é
considerado pela siderúrgica uma “via de mão tripla”, pois ganham as comunidades, com os benefícios gerados em
cada ação; os voluntários, que se inserem significativamente em suas comunidades e descobrem o “prazer de ajudar
o próximo”; e a empresa, que passa a ter uma equipe mais estimulada e consciente de sua cidadania 2.
A partir de 1999, a FBM decidiu concentrar sua atenção na área educacional 3, priorizando o ensino fundamental
público, uma vez que, no seu entender, trata-se de uma “área estratégica [...], na qual as ações trazem resultados em
curto prazo de tempo e o investimento não é caro” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 1999). Hoje, para a Siderúrgica
Belgo-Mineira, “aço e educação de qualidade: [são seus] melhores produtos” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA,
2002:2). Suas demais áreas de atuação tornam-se, a partir de então, complementares ao esforço empreendido na
área educacional.
Para a FBM, a opção pela educação escolar como área prioritária da sua ação social é conseqüência de três fatores
interligados: a política de parceria dos governos neoliberais, a refuncionalização da atuação empresarial na sociedade
neste início de século e a possibilidade de oferecer “melhores condições da escola atuar com autonomia e promover a
democratização da educação” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002).
Programa Ensino de Qualidade (PEQ)
Depois de definir a educação escolar como área de ação prioritária, a FBM elaborou o Programa Ensino de Qualidade
(PEQ), seu principal programa de atuação na atualidade. Com vistas a adequar a educação fundamental pública “às
necessidades e interesses da Fundação Belgo-Mineira” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000a:8), vem sendo
implementado desde agosto de 1999, com o alegado objetivo de promover a melhoria na qualidade do ensino4.
A princípio, o programa envolveu quatro escolas públicas (duas estaduais e duas municipais) em cada um dos seis
municípios indicados pela Fundação Belgo-Mineira: Anchieta (Espírito Santo) e Contagem, João Monlevade, Juiz de
Fora, Mariana e Vespasiano (Minas Gerais). Posteriormente, estendeu-se, em algumas dessas localidades, para
outras escolas. Na seleção das escolas, foram levados em consideração critérios referentes a tamanho (médio e
grande porte), infra-estrutura básica, localização (que permitisse sua função como escola-pólo), equipe técnica


Graduada em Educação Física pela Universidade Gama Filho. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Professora da rede municipal de ensino de Juiz de Fora. Colaboradora do Coletivo de Estudos de Política Educacional.
1
“Transformar a instituição em um forte instrumento de integração das ações comunitárias das Empresas Belgo-Mineira,
mantendo-se a preocupação de prestar benefícios filantrópicos” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000a).
2
Disponível em: <http://www.fundacaobelgomineira.org.br>.
3
Tal decisão foi tomada após a realização de pesquisas e levantamentos junto a empresas do grupo, comunidade e entidades
congêneres. Porém, não consta nos relatórios da FBM o teor das pesquisas e dos levantamentos de dados realizados.
4
Dentre os inúmeros exemplos da atuação do empresariado mineiro na área educacional, vale destacar a atuação da Acesita S/A,
na cidade de Timóteo (70 mil habitantes). Sua fundação transformou as 21 escolas públicas do município em “modelos de
qualidade”, sob a coordenação da Rede Pitágoras. Além da capacitação de mais de 900 “profissionais do ensino”, por meio de
encontros, cursos, seminários, oficinas e palestras, “numa rede de produção que não termina nunca, que molda, aprimora e lapida
práticas pedagógicas”, a Acesita interfere diretamente na formação escolar de 18 mil alunos da rede pública, ou seja, mais de
25% da população do município (disponível em:<http://www.acesita.com.br>).
119
completa (disposta a implementar experiências inovadoras), bom desempenho (para garantir o fortalecimento e a
construção de novas práticas pelas demais escolas e a disseminação da nova proposta educacional).
Para a FBM, a trama educacional se dá a partir de quatro eixos: a sala de aula, a escola e sua dinâmica, a
comunidade e o município. Qualquer ação que pretenda melhorar a qualidade do ensino precisa levar em conta esses
parâmetros. Nesse sentido, é intenção do PEQ:

Proporcionar aos profissionais que atuam no sistema educacional momentos de reflexão e


análise sobre a realidade em que atuam (suas dificuldades e necessidades), bem como
oferecer subsídios à construção de um projeto educativo que favoreça o sucesso escolar de
todos os alunos (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000a:3).

Após a oficialização dos convênios de cooperação técnica entre os governos municipais e estaduais e a FBM,
procedeu-se ao levantamento dos dados das escolas selecionadas, por meio de questionários direcionados às
secretarias municipais de educação, superintendências regionais de ensino, diretorias, supervisão, docentes,
responsáveis pedagógicos e aluno(a)s.
A parte técnica do programa vem sendo executada pela FBM por meio da contratação de consultorias de instituições
que atuam no campo educacional, como o Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(CENPEC)5, de São Paulo, que se responsabiliza pela implementação do Programa de Formação dos Educadores, e
a Fundação Pitágoras, de Minas Gerais, que se encarrega de implementar o Sistema de Gestão Integrada (SGI), uma
metodologia desenvolvida pela entidade que

[...] integra esforços entre as secretarias municipais de educação, escolas, professores e


alunos em uma proposta inovadora de gestão escolar que cria novos processos na
administração das questões de ensino – que vão desde a implementação de novas normas
e programas pela secretaria de educação até a forma como cada professor ensina
determinada matéria na sala de aula [...]. Os principais valores que o SGI procura disseminar
são: educação centrada na aprendizagem, liderança visionária, melhoramento contínuo,
valorização dos educadores, funcionários e parceiros, visão sistêmica, busca de inovações,
gestão por fatos e dados, foco no futuro, responsabilidade pública e cidadania, agilidade,
foco nos resultados e na criação de valor (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000a:4, grifo
nosso).

O Sistema Pitágoras de Minas Gerais foi criado em 1966 por Walfrido dos Mares Guia e quatro sócios, na cidade de
Belo Horizonte. Atualmente, é um dos maiores grupos de ensino privado do país. Em 2001, o Pitágoras tornou-se
sócio da Apollo International, uma empresa parceira para investimentos estrangeiros do Apollo Group, o maior grupo
empresarial de ensino dos Estados Unidos, com um faturamento anual de 770 milhões de dólares, tendo um valor de
mercado de 7,2 bilhões na NASDAQ. Em reportagem da revista Exame (abr. 2002, p. 36), o mexicano Klor de Alva
(diretor da Apollo) e Mares Guia são destacados como “exemplos de empresários que apostam numa revolução que
está gestando uma das principais fronteiras de negócios do futuro. [...] a transformação da educação – encarada
tradicionalmente apenas como uma instituição – numa atividade que produza receitas, crie empregos e gere lucros”.
De acordo com os entrevistados, a educação será a indústria de maior crescimento nos próximos 20 anos, seguida
apenas pela indústria da saúde.
O PEQ tem os conteúdos distribuídos em dois grandes eixos: Escola Formal e Atividades Suplementares. O primeiro
inclui os programas: Gestão Participativa, Projeto Político-Pedagógico, Currículo, Avaliação e 5S na Escola 6.

5
O CENPEC é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que desenvolve ações junto ao ensino público brasileiro.
Com uma década de existência, vem diversificando suas fontes de recursos, hoje constituídas pela iniciativa privada nacional,
agências de cooperação internacional e instituições governamentais. Mais de 65% dos seus recursos têm origem em convênios
para prestação de serviços a instituições públicas (SETUBAL, 2001).
6
O 5S na Escola é um programa de padronização de comportamentos, que procura solucionar problemas e introduzir hábitos
saudáveis entre professores e alunos. A sigla 5S vem das iniciais de cinco palavras japonesas: Seiri, Seito, Seisho, Seiketsu e
Shitsuke, que visam à criação de um ambiente favorável à qualidade na ótica empresarial sob o padrão de acumulação flexível.
No Brasil, a sigla é interpretada como os cinco sensos: utilização, ordenação, limpeza, saúde e autodisciplina. Um estudo sobre
as exigências comportamentais, intelectuais e morais impostas pelo atual modelo de organização societal é realizado por Pereira
(2003). A autora analisa as mudanças no que denomina “código disciplinar” – que seria o conjunto de normas, regras, preceitos e
valores morais úteis ao capital, estabelecidos no chão-de-fábrica, mas que extrapolam o espaço fabril, redefinindo todo o modo
de organização do trabalho e da vida – a partir das mudanças no modo de produção capitalista e que têm implicações no campo
educacional.
119
120
No segundo eixo se concentram os programas nas áreas de saúde (Educação Afetivo-Sexual, Ver é Viver,
Sempre Sorrindo, Ouvir Bem para Aprender Melhor7), meio ambiente e cultura (teatro, música, literatura e oficinas).
Os avanços do projeto têm ocorrido de acordo com as especificidades dos municípios envolvidos. O eixo Escola
Formal está sendo implementado em dois municípios mineiros8: Vespasiano, abrangendo o conjunto das escolas da
rede municipal, com cerca de 13 mil alunos, sob a consultoria do SGI do Pitágoras; e João Monlevade, nas sete
escolas da rede municipal, com cerca de sete mil alunos. Para a implementação do projeto Cidade-Educação,
vinculado ao PEQ, em Monlevade, buscou-se consultoria também junto à Prattein 9. Os programas complementares do
PEQ – Ver é Viver; Ouvir Bem para Aprender Melhor; Educação Afetivo-Sexual; Cultura na Escola e Circuito
Ambiental – estão sendo implementados em Contagem, Juiz de Fora, Vespasiano e João Monlevade, em Minas
Gerais; Cariacica, no Espírito Santo, e Piracicaba e São Paulo, em São Paulo.
O município de Vespasiano se destaca por ter sido o primeiro a incorporar o PEQ, em praticamente todas as
dimensões do programa, disseminando-o para a totalidade das escolas da rede municipal. O grau de sedimentação
do PEQ no município rendeu à Secretaria Municipal de Educação de Vespasiano diversos prêmios: Moção de
Congratulações da Câmara Municipal de Vespasiano (2001); Medalha Anísio Teixeira – Mérito em Gestão – Ilhéus/BA
(2001); Prêmio Escola de Qualidade – Pitágoras Bahia (2002); Selo Escola Solidária (2003); Prêmio Parceria com
Jornal Agora – Vespasiano (2003 e 2004); Troféu Prêmio Mineiro de Qualidade e Reconhecimento na Faixa Ouro –
Belo Horizonte/MG (2004).
Mudanças na Escola Formal: a Experiência de Vespasiano
Em 2000, a Fundação Pitágoras foi contratada para implementar o SGI em Vespasiano, que passou a fazer parte da
rotina das escolas, por meio de um conjunto de dinâmicas presenciais e a distância: Soluções Integradas de Gestão
Avançada (SIGA)10. A partir dessa ação, constataram-se mudanças significativas na educação escolar local. Um
processo de capacitação foi implementado nessa primeira fase, envolvendo a equipe técnica da Secretaria Municipal
de Educação (SME)11. Com isso, em dois meses, a “alta liderança (AD)”12 da secretaria elaborou o esboço do plano
municipal de educação, contendo as direções estratégicas de qualidade.
No lugar do denso Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE), a SME “[...] apresentava o conjunto da nova política
educacional com 15 metas, 40 medidas e 4 estratégias” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:8). Em relatório
avaliativo da experiência, a secretária de educação em exercício registrou que, a princípio, os profissionais da
educação “acharam muito difícil13. Nunca tinham tido contato com planejamento estratégico e gestão de recursos
humanos. Era um vocabulário diferente para a educação” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:8). Destacou, ainda,
que a introdução do PEQ gerou novas demandas de qualificação profissional. Para que as metas definidas no plano
pudessem ser alcançadas, o município teve de “bancar, a todo professor da rede aprovado em vestibular para o curso
normal superior, as mensalidades e transporte escolar durante o curso” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:10).
Tendo como referência as 15 metas estabelecidas pela SME, cada escola elaborou seu “próprio” plano de ação. Sob
o discurso da “gestão integrada”, nota-se que a essência da proposta educacional foi gerada pela SME, em convênio
com a FBM e sob a consultoria da Fundação Pitágoras.
A partir de então, são transferidos para o espaço escolar os valores empresariais, o que pode ser observado na
identificação do aluno como “cliente”, da família como um dos “fornecedores”, do prefeito como “patrocinador”, da

7
Nesses projetos são estabelecidas parcerias com outras instituições como, por exemplo, a Associação de Médicos Oftalmologistas
de Minas Gerais, a Fundação de Otorrinolaringologia, no intuito de diagnosticar problemas de acuidade auditiva e visual,
encaminhando os alunos para os devidos níveis de resolutividade e fornecer óculos e aparelhos auditivos gratuitamente.
8
Em Piracicaba (SP), a Fundação Belgo-Mineira já encerrou o programa de capacitação de educadores em quatro escolas da rede
municipal, com cerca de 3 mil alunos.
9
A Prattein é uma empresa de consultoria em políticas, programas e pesquisas nas áreas de educação e desenvolvimento social,
que atende a empresas privadas, fundações e institutos empresariais, órgãos públicos e organizações do terceiro setor. Ela vem
desenvolvendo “estratégias de parceria” e um método de trabalho em gestão educacional junto a secretarias municipais de
educação (disponível em: <http://www.prattein.com.br>).
10
Caracteriza-se pela formação de grupos, em diferentes níveis de capacitação, do SGI.
11
No processo de adequação da educação local às estratégias empresariais, no ano de 2001, dois professores de cada escola
participaram do curso de formação no programa 5S. O objetivo era que esses professores agissem como multiplicadores, ou
seja, disseminassem para o conjunto de professores e alunos da rede o modelo empresarial de padronização de comportamentos.
12
De acordo com o Relatório de Gestão/2004 da SME de Vespasiano, a “alta liderança”, descrita pela sigla AD, é formada pela
secretária de educação, os chefes de divisão e a coordenação do programa, o que representa 10 pessoas, em um universo de 21
escolas e 868 funcionários. A AD faz a integração entre a SME, a escola e o aluno. Já as “médias lideranças” (MD) seriam
formadas por diretores administrativos e supervisores pedagógicos.
13
No relatório da primeira etapa de avaliação da experiência de Vespasiano (2001) da FBM, é destacada a reclamação de vários
professores quanto à sobrecarga de trabalho gerada pelo PEQ, sobretudo no cumprimento da tarefa de contínua elaboração de
gráficos, apontando ainda uma grande dificuldade em compreender plenamente seu significado.
120
121
educação escolar como “produto”, das escolas de outras redes de ensino como “concorrentes” e de todos os
alunos e moradores da região como “mercado” (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE VESPASIANO,
2004).
Para os elaboradores do PEQ, o ensino fundamental tem como finalidade “possibilitar o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo, meios essenciais para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de se relacionar no meio
social e político” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:9).
Para consecução desses objetivos, traçaram-se as metas e estratégias constantes do Plano Municipal de Educação
(FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2003:19):
METAS:
1. Ler com autonomia diferentes tipos de textos, compreendendo a leitura em suas dimensões : o dever, a
necessidade e o prazer.
2. Escrever diferentes tipos de textos adequando-os às circunstâncias, formalidades e propósitos da
interação com o leitor.
3. Expressar oralmente em função da intencionalidade do locutor, das características do receptor, das
exigências da situação e dos objetivos estabelecidos.
4. Calcular com agilidade, utilizando-se de estratégias pessoais e convencionais, distinguindo as situações
que requerem resultados exatos ou aproximados, comprovando-os por meio de procedimentos de verificação.
5. Resolver criticamente situações do cotidiano, elaborando procedimentos de solução, comparando seus
resultados e validando as estratégias.
6. Interagir com os outros, desenvolvendo a percepção das interdependências na realização de projetos
comuns, preparando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua identidade e respeitando a dos outros, considerando
valores e pluralismo de compreensão mútua e busca de paz.
7. Usar novas tecnologias como fonte de informação para adquirir e construir conhecimentos.
Estratégia 1: Fortalecimento de Parcerias
8. Envolvimento ativo das famílias para ajudar nas metas de educação de qualidade para todos os alunos.
9. As escolas atuarão com a comunidade em iniciativas visando ao sucesso da sua finalidade e estratégias.
Estratégia 2: Investimento na Qualidade Profissional
10. As atividades de desenvolvimento profissional estarão alinhadas às metas de educação de qualidade para
todos os alunos.
11. Envolvimento dos profissionais na melhoria dos principais processos que impactam seus resultados.
12. Avaliação de desempenho apontada para o melhoramento contínuo dos profissionais.
Estratégia 3: Implementação do Sistema de Gestão Unificado
13. As escolas operacionalizarão as metas do plano de melhoramento da Secretaria Municipal de Educação.
Estratégia 4: Adequação das Condições Operacionais
14. As escolas garantirão ambiente propício à aprendizagem.
15. As escolas garantirão a realização das aulas e atividades programadas.
Essas metas direcionam todo o processo educativo. Nele, cada indivíduo – aluno(a), professor(a), diretor(a) etc. – é
responsável por traçar metas pessoais e coletivas para que possa, por meio delas, cumprir sua “missão” pessoal e de
grupo em um tempo determinado, que serão posteriormente avaliadas. O documento de Vespasiano traz um exemplo
da missão pessoal de um aluno do ensino fundamental14:

A minha missão pessoal é conseguir uma boa aprendizagem, melhorar minha concentração
para ser educado, estudioso e atencioso com todos os colegas, para que possa passar de
ciclo, aprender e melhorar a convivência com todos os alunos, fazendo minhas atividades,
obedecendo à professora, preenchendo os gráficos, fazendo todos os deveres de casa e
comparando os meus gráficos com os da turma (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:18).

Para o acompanhamento das metas do plano são afixados, nas paredes de cada sala de aula, os gráficos de
desempenho dos alunos. A elaboração de gráficos de desempenho é uma prática comum a todos, com o objetivo de
registrar os processos da escola. As metas e a missão de toda a comunidade escolar encontram-se expostas em
diversos lugares da escola e as melhores práticas pedagógicas de cada escola são apresentadas em praça pública a
pais, comunidade local, regional e de outros estados.
Para a efetivação das metas propostas, fez-se necessário um processo de capacitação desenvolvido pela SME, que
passou a empreender ações como o Programa de Educação e Treinamento (PROET), para garantir o cumprimento do
Plano Estratégico elaborado pela AD. A SME incentivou ainda a formação de grupos de estudos e a realização de
auto-estudo, orientando e monitorando a MD no desenvolvimento dessa sistemática em relação a seus funcionários

14
No documento, não é explicitado se o aluno definiu a “missão” sozinho, ou se houve interferência de outros atores em sua
elaboração.
121
122
imediatos. Por sua vez, a capacitação de novos funcionários é feita imediatamente após seu ingresso na
instituição, por meio do Processo de Capacitação – Intensivão, com carga horária de 12 horas/aula15.
A presença de funcionários em eventos educacionais externos é incentivada. Entretanto, ela é monitorada pela AD: o
funcionário é orientado a “preencher um instrumento justificando a sua participação, vinculando o objetivo do evento
com o desenvolvimento do gerenciamento de rotina” (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE VESPASIANO,
2004:31). Encerrado o evento, o funcionário tem o compromisso de repassar as informações a sua equipe de
trabalho. Da mesma forma, funcionários convidados a realizar palestras ou publicar artigos referentes à SME devem,
antes, encaminhar seus textos para aprovação de sua chefia (ação prevista pelo Código de Conduta Ética da SME e,
por isso, sujeita a medidas punitivas).
A SME vale-se ainda de diversos processos e instrumentos que atendem às direções estratégicas estabelecidas:
Checando Ações (instrumento utilizado mensalmente pela AD/MD para monitorar o cumprimento das ações dos
líderes, professores e funcionários de apoio); Consensograma (ferramenta de qualidade para aferir mensalmente a
satisfação das pessoas com a atividade desenvolvida); Alinhando Expectativas (monitoramento anual das ações das
escolas para atendimento às expectativas das partes interessadas); Escola a 1000 por Hora (concurso anual criado
pela SME para as escolas municipais, a fim de avaliar o desenvolvimento do SGI por meio de relatórios de gestão);
Priori (instrumento para verificação semanal do cumprimento dos padrões de trabalho e verificação do cumprimento
das atividades da semana; AMA (instrumento anual de avaliação dos professores da rede municipal); dentre vários
outros.
São implantadas ainda estratégias de estímulo e reconhecimento do trabalho desenvolvido, por intermédio de
concursos e premiações a escolas, professores, alunos e funcionários: A Estrela é Você (sistema de reconhecimento
mensal dos funcionários da SME pela AD); Aplauso (sistema de reconhecimento público anual para os participantes
dos times de metas priorizadas pela SME, grupos de trabalho e capacitadores de oficinas); Bravo (sistema anual de
reconhecimento de professores e funcionários da escola); além de inúmeros outros.
Uma outra ferramenta adotada em algumas escolas, elaborada pelos professores segundo orientação do SGI e
utilizada para analisar os resultados das ações implementadas, é o Positivo (pontos positivos) e o Delta
(possibilidades de melhoramento). Constantemente, em cada sala de aula dessas escolas, são discutidos os pontos
positivos das ações desenvolvidas e o que é preciso fazer para melhorar o funcionamento da sala de aula.
Além das anteriores, a estratégia do cartaz Carinha Feliz registra, diariamente, quem fez os deveres, colaborou com
os colegas e apresentou um bom comportamento em sala de aula. O próprio aluno avalia seu desempenho e desenha
uma carinha feliz (positivo) ou tristonha (rendimento insatisfatório). Quem tiver mais carinhas felizes ao final da
semana tem sua foto estampada na parede. Há, ainda, o quadro de registro Minha Freqüência Vale Ouro, que
controla e expõe a freqüência e os atrasos do aluno; o Ligadinho na Missão, uma tabela que controla o cumprimento
de cada missão do aluno e da sala, e o quadro Corrida da Aprendizagem, que classifica a turma com um determinado
símbolo (foguete, carro, bicicleta ou tartaruga), de acordo com a “velocidade” de aprendizagem empreendida em cada
uma das metas16.
Dentre as modificações introduzidas na Escola Formal a partir do PEQ, encontra-se o Caderno de Competências,
criado por uma das escolas da rede, que se tornou referência, passando a ser utilizado pelas demais escolas
municipais. Trata-se de um caderno em formato de livro, que discrimina as competências que o aluno deve apresentar
em cada meta para atingir um bom desempenho ao final do ciclo e prosseguir os estudos.
Vale destacar ainda o Reloginho de Leitura. Às segundas-feiras, o aluno leva para casa um texto e uma cartela de
registro. O processo é apreendido no depoimento de uma aluna de Vespasiano17:

Durante a semana, com a ajuda dos pais, cronometramos o tempo gasto com a leitura do
texto em minutos e segundos; registramos e, na sexta-feira, junto com a professora,
avaliamos o nosso desempenho. Em seguida, comparamos os resultados. Todo bimestre,
estabelecemos uma meta de um número de palavras que devemos ler em um minuto. Ao
final do processo, quem alcançar a meta recebe um relógio de verdade.

Complementando o processo avaliativo, tem-se ainda: Ficha Avaliativa, Avaliação de Conteúdo Não-Pedagógico,
Avaliação Externa da SME, participação no Sistema Mineiro de Avaliação Escolar (SIMAVE), além dos diversos
instrumentos de avaliação do grau de satisfação ou insatisfação em relação a merenda, aula, atendimento pela
diretora, pela secretária etc.

15
A admissão de funcionários ocorre mediante concurso público ou contratação. Os postulantes aos cargos são submetidos a um
processo técnico de avaliação, em que são analisadas suas “competências técnica, administrativa, político-social e interpessoal”
(SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE VESPASIANO, 2004).
16
MARQUES, Andrea e FONSECA, Cláudia. Valorizando idéias e ideais. Megaprocesso SGI. Câmera: Marcelo Luz. Edição:
Studio Luz. 1 DVD.
17
Idem, ibdem.
122
123
A ficha avaliativa é considerada um “instrumento de medida uniforme elaborado pelas pedagogas da rede, com
sugestão de professores das 19 escolas” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:27, grifo nosso). Essa ficha é
separada por metas, constando em cada meta o desdobramento das competências que o aluno deve alcançar. Já a
avaliação de conteúdo “não-pedagógico” diz respeito a um registro para “medir as estratégias para cumprir a missão e
as metas”, em particular oito das 15 metas estabelecidas que se relacionam “à participação das famílias na vida
escolar, investimentos na qualificação profissional do corpo docente das escolas, envolvimento geral da comunidade”
(FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2002:27).
Desde a implantação do PEQ, já foram realizadas diversas avaliações externas da SME. Por meio de um “concurso
universal”, avaliaram-se as metas do Plano de Melhoramentos. As provas, aplicadas simultaneamente nas escolas da
rede, foram elaboradas a partir do currículo dos ciclos, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Em relação aos funcionários da SME, cabe ressaltar que a avaliação de desempenho é o referencial para ascensão
na carreira, o que acarreta melhoria no salário. Por meio da Agenda 1000, a AD verifica mensalmente o desempenho
dos funcionários18.
Os instrumentos avaliativos estão alinhados e fazem parte do cotidiano de aluno(a)s, professor(a)s, diretor(a) e equipe
técnica da Secretaria de Educação. Seguindo os princípios gerais da administração gerencial, preconizados no Plano
diretor da reforma do aparelho do Estado (BRASIL, 1995), a gerente do PEQ da FBM observa que “um dos pilares
dessa nova política educacional é a avaliação séria e constante, pois quem não avalia não gerencia” (FUNDAÇÃO
BELGO-MINEIRA, 2002:31).
As estratégias educativas propostas e executadas pelo PEQ baseiam-se majoritariamente nos postulados da teoria da
competência, ao dar pouca ênfase à formação cognitiva do aluno, restringindo-a à aprendizagem de rudimentos de
leitura, escrita e cálculos (Metas 1, 2, 3). Não há referência a conhecimentos envolvendo a relação homem-natureza e
homem-sociedade.
O Relatório de Avaliação de Vespasiano realça o destaque dado por alguns professores ao grande volume de
trabalho gerado pelo PEQ, o que prejudica o tratamento de outros conteúdos. Segundo eles, o problema estaria na

[...] grande quantidade de trabalho gerada pelo PEQ e sobretudo pela necessidade de
elaboração contínua de gráficos e a falta de tempo para realizar as novas tarefas aos lado
das antigas (implantação de ciclos, cumprimento de planos de ensino das disciplinas que
extrapolam as metas de aprendizagem priorizadas pelo plano de melhoramentos da escola
etc. (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2001).

As demais metas são direcionadas à aquisição de competências que conformem as novas gerações da classe
trabalhadora ao exercício do trabalho alienado e a princípios caros ao novo projeto de sociabilidade burguesa.
Programa Educação Afetivo-Sexual (PEAS-Belgo): uma Atividade Suplementar
De acordo com a FBM, o Programa Educação Afetivo-Sexual tem a sua gênese no vídeo Segredos de Adolescente19.
Esse trabalho foi disseminado para as escolas da rede estadual de Belo Horizonte pela Secretaria de Educação de
Estado de Minas Gerais (SEE-MG), em parceria com a Fundação Odebrecht e o Sistema Salesiano de Vídeo.
Posteriormente, foram também elaborados materiais, como o caderno Afetividade na Educação, na busca de
sistematização dos fundamentos do programa. Em 1994, foi criado e incluído no currículo escolar das escolas
estaduais de Belo Horizonte o PEAS do estado de Minas Gerais.
No ano de 1995, foi realizada a primeira avaliação do PEAS, pelo Centro de Desenvolvimento do Ser Humano da
USP – referendando o projeto da USP – que constatou a aquisição, por parte dos alunos, de informações e
conhecimentos acerca da sexualidade que criaram “condições necessárias para mudanças de atitude” (FUNDAÇÃO
BELGO-MINEIRA, 2000b). Dando continuidade ao processo avaliativo, em 1997 foi realizada uma segunda avaliação
pelo Centro de Pesquisas sobre Doenças Materno-Infantis (entidade vinculada à UNICAMP), que, embora tenha
apontado resultados positivos importantes, também destacou fatores negativos importantes, como “a necessidade de
melhor definição dos objetivos e dos marcos de referência do projeto, de revisão da metodologia e dos conteúdos, da
capacitação e da integração entre ações de educação e de saúde” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000b).
O final da década de 1990 se constituiu em um marco significativo na trajetória do PEAS, devido a um novo convênio
firmado entre a SEE-MG e a Fundação Odebrecht, bem como com a Secretaria de Estado da Saúde. O programa
passou a ser um projeto válido para institucionalização em todas as escolas da rede pública estadual de Minas
Gerais, ganhando um “novo olhar” e novas estratégias para permitir a ampliação de suas ações de maneira
organizada e uniforme em todas as regiões do estado.

18
A Agenda 1000 contém as ações a serem implementadas durante o ano pela AD, além de formulário padronizado de Pesquisas
de Expectativas e de Efetividade a serem aplicadas. Há, ainda, a Agenda 1000 da Escola, do Funcionário de Apoio e a do
Professor.
19
O argumento desse vídeo foi idealizado por um adolescente de Belo Horizonte, premiado em um concurso da Fundação
Odebrecht em 1992, que reconhecia trabalhos educacionais desenvolvidos por adolescentes.
123
124
Em 2000, a FBM tornou-se “parceira” do estado, passando com isso a disseminar o programa para os municípios
mineiros em que a empresa atua. De acordo com relatório da Associação Beneficente da Companhia Siderúrgica
Belgo-Mineira (ABEB), há diferenças entre o PEAS do estado e o da Belgo-Mineira, dentre elas a municipalização do
programa, a capacitação dos educadores e o controle e monitoramento das ações.
O primeiro passo da FBM ao assumir o PEAS foi “conhecer o Programa de Educação Afetivo Sexual – PEAS –
instituído pelas SEE/MG, Secretaria de Saúde de Minas Gerais e Fundação Odebrecht” O segundo, foi “elaborar e
adequar o Programa de Educação Afetivo-Sexual – “Peas-Belgo”, conforme necessidades e interesses da Fundação
Belgo-Mineira e do Programa Ensino de Qualidade” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000b, grifo nosso). A
incorporação da Belgo-Mineira como mais uma parceira do programa gerou revisões e reformulações nos objetivos,
conteúdos, metodologia e referencial teórico, bem como em sua organização. A partir de então, o objetivo geral é
propiciar o “desenvolvimento pessoal e social do adolescente através de ações de caráter educativo e participativo,
focalizadas nas questões da sexualidade e da saúde reprodutiva” (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2000b).
Esse aparente interesse “humanista” do empresariado industrial pela questão sexual já havia sido detectado por
Antonio Gramsci (2001), quando da análise dos primórdios do fordismo. Sobre o puritanismo americano do início do
século XX, ele afirma:

[...] a aparência de puritanismo assumida por este interesse (como no caso o


proibicionismo) não deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não se pode
desenvolver o novo tipo de homem solicitado pela racionalização da produção e do trabalho
enquanto o instinto sexual não for absolutamente regulamentado, não for também
racionalizado (Gramsci, 2001:252).

É essencialmente para garantir a reprodução ampliada do capital pelo aumento da produtividade da força de trabalho
e para conformar o cidadão aos padrões da sociabilidade burguesa, que o empresariado passa a intervir diretamente
na conformação do comportamento sexual das massas trabalhadoras no fordismo e também na acumulação flexível.
Enquanto no fordismo o controle do comportamento sexual dos trabalhadores pelo empresariado era realizado por
meio de inquéritos dos industriais sobre a vida íntima dos operários e também por intermédio de serviços de inspeção
criados pelas empresas para controlar a moralidade dos operários na acumulação flexível (Gramsci, 1991), esse
controle vem sendo exercido por vários aparelhos privados de hegemonia, inclusive a escola, sendo o PEAS um
exemplo dessa estratégia de dominação.
A implementação do programa se deu, inicialmente, por meio da capacitação de nove técnicos formadores em
conjunto com técnicos das Diretorias Regionais de Saúde e Superintendências Regionais de Ensino indicados pela
SEE e pela Fundação Odebrecht. Em seguida, foi iniciada uma capacitação dos profissionais das escolas
participantes (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2003). Essa capacitação ocorreu por intermédio de diversos cursos
oferecidos pela FBM, assessorada por empresas prestadoras de consultorias especializadas na área. Tais cursos
foram ministrados nas escolas e também nas dependências da empresa siderúrgica. Por fim, foram desenvolvidas
nas escolas ações educativas, participativas e preventivas com os adolescentes 20.
A Agência de Responsabilidade Social Modus Faciend (Belo horizonte), criada em 1993, é umas das empresas que
prestam consultoria à FBM, sobretudo no desenvolvimento do projeto Protagonismo Juvenil. Inicialmente, a Modus
Faciendi era voltada para a prestação de serviços de consultoria nas áreas social e educativa por intermédio da
Modus Faciendi Publicações & Serviços Ltda. A partir de 1991, ingressando no campo das atividades formativas e da
realização de cursos, seminários, palestras, encontros e outros eventos educativos, criou uma segunda empresa
voltada para esse segmento, a Modus Faciendi Treinamento & Desenvolvimento Ltda. Em junho de 2000, surgiu a
terceira empresa do grupo, a Modus Faciendi Mobilização & Comunicação Ltda., cujos objetivos são a produção e
comercialização de publicações em diferentes suportes. No ano seguinte, ampliando seu raio de ação, instalou um
escritório na cidade de São Paulo21.
Dentre os materiais empregados na capacitação docente e difusão das idéias empresariais sobre o comportamento
afetivo-sexual da juventude brasileira, destaca-se o documento Sexualidade do adolescente: fundamentos para uma

20
O PEAS vinha sendo implementado nos municípios onde a Siderúrgica Belgo-Mineira estabelecera parcerias por meio de
convênio firmado entre a prefeitura e a empresa. No entanto, em certa medida, a adesão ao projeto de parceria em algumas
localidades tem encontrado resistências. Por isso, atualmente, o PEAS-Belgo começa a ser expandido para outras escolas da
rede pública – escolhidas pela siderúrgica –, não mais necessitando de assinatura de contrato de parceria. Esse fato pode ser
constatado no município de Juiz de Fora, onde há quatro anos a empresa não conseguiu expandir oficialmente a parceria para o
conjunto da rede pública de ensino, como previsto por ela. A difusão do PEAS-Belgo para outras escolas representa uma
mudança de tática, um novo instrumento da FBM na conquista da credibilidade da empresa junto à comunidade escolar – uma
vez que se trata de questões socialmente importantes, como a saúde – na busca por construir um consenso social em torno da
idéia de parceria entre empresas e escolas.
21
Disponível em:<http://www.modusfaciendi.com.br.>.
124
125
ação educativa (BALEEIRO et al., 1999), elaborado pela Fundação Odebrecht. Na primeira parte desse material
são encontrados os marcos referenciais – conceituais e metodológicos – para uma ação educativa no campo da
educação sexual, abordando especificamente o conceito de sociedade, de jovem e de escola e a função da educação,
a importância de novos conteúdos curriculares e métodos direcionados a essa faixa etária.
Seguindo as interpretações hegemônicas quanto aos problemas do mundo contemporâneo, os formuladores do
documento admitem que os jovens de hoje passam por uma “crise decorrente da fragmentação das cosmovisões, da
dissolução das utopias” (BALEEIRO et al., 1999:27). A ausência de programa ideológico ou massificação e
uniformização de comportamentos leva os educadores (os vários sujeitos políticos coletivos na sociedade civil,
inclusive o empresariado) a “buscar despertar os impulsos da vinculação e atuação solidária” (FUNDAÇÃO BELGO-
MINEIRA, 2000b, grifo nosso).
Observam, ainda, que essa atuação solidária dos jovens deve ser estimulada por meio de ações específicas, porque a
adolescência, apesar de uma fase comum a ser vivida por todos os indivíduos, não pode ser padronizada, porque a
forma de viver a adolescência depende não só da história de vida pessoal, mas também do contexto sociocultural em
que o indivíduo está inserido.
Os formuladores desse documento não pensam nos jovens em geral, mas, especificamente, nos jovens da classe
trabalhadora. Eles sabem que

Enquanto nas classes populares do meio urbano, as crianças assumem mais cedo papéis
típicos do adulto (trabalhar, ganhar a vida, ser pai ou mãe), as classes média e alta passam
atualmente por uma longa moratória. A necessidade de preparação intelectual e profissional
complexa adia a entrada dos jovens no mercado de trabalho, e, conseqüentemente, sua
independência financeira (BALEEIRO et al., 1999:52, grifo nosso).

Sem explicar historicamente essas distintas trajetórias de vida, “respeitando simplesmente as diferenças”, os
formuladores do documento admitem que o jovem das classes populares do meio urbano – o aluno das escolas
públicas – pode e deve ser estimulado a envolver-se nas “novas formas de exercício de cidadania pelo engajamento
voluntário em torno de ações comunitárias” (BALEEIRO et al., 1999:54), justificando ser a adolescência uma “etapa de
despertar para o social e para o universal, o momento ideal para a participação na solução de problemas concretos e
de interesse coletivo” (BALEEIRO et al., 1999:54, grifo nosso). Por isso, privilegiam, no envolvimento com esses
jovens, o trabalho de grupo, desde que este não extrapole os limites do individualismo característico da concepção
neoliberal de mundo. É bastante elucidativa dessa postura ético-política a seguinte afirmação: “por meio de diálogo e
do aprendizado em grupo aprendemos a pensar coletivamente, ampliando horizontes: entretanto, o processo de
decisões é pessoal!” (BALEEIRO et al., 1999:59).
O protagonismo juvenil22 atribuído aos jovens das classes populares, proposto pelo PEAS, circunscreve-se a uma
atitude “pró-ativa” no sentido de sua inclusão social nos marcos de um mundo paradoxalmente desigual e justo.
As propostas educacionais do documento Sexualidade do adolescente: fundamentos para uma ação educativa
seguem as mesmas diretrizes dos temas transversais dos PCN. Seus formuladores consideram que os PCN “abrem
espaço para a produção de conhecimentos menos fragmentados e mais inseridos na realidade do aluno, com a
possibilidade de associar a formação para a cidadania à formação para o desenvolvimento tecnológico” (BALEEIRO
et al., 1999:33).
Em relação à escola, o documento aponta a para a necessidade de que esta se aproxime das demandas reais das
pessoas e se transforme “numa instituição capaz de influir significativamente no desenvolvimento pessoal e social de
seus alunos e, portanto, na transformação da sociedade” (BALEEIRO et al., 1999:14). Já a função social da escola
seria constituir-se, ao lado da família, em “agente privilegiado de educação porque socialmente reconhecida como tal,
e porque nela as situações e aprendizagens podem ser planejadas para gerar conhecimentos mais reflexivos e
abrangentes” (BALEEIRO et al., 1999:21).
O documento apresenta a idéia de que a escola passa por uma crise de identidade para enfrentar o século XXI, e que
as vantagens competitivas hoje na sociedade pós-industrial são a capacidade de estocar, criar e aplicar
conhecimentos. E que, diante desse fato, o processo educativo demanda a adoção de intervenções capazes de gerar
flexibilidade, autonomia, responsabilidade e comprometimento social. Requer, portanto, uma escola capaz de “formar
cidadãos capazes de criar uma convivência baseada em direitos e deveres que assegurem a dignidade humana”.
Para dar conta dessa “renovação” na educação, o documento aponta a necessidade de clareza de seus
pressupostos, valores e metas, saber que tipo de pessoa se quer formar e que tipo de sociedade se quer construir
(BALEEIRO et al., 1999).

22
Expressão usada por Antônio Carlos Gomes da Costa para caracterizar a participação dos adolescentes no seu entorno social
(BALEEIRO et al., 1999:54).
125
126
Vale salientar que esse novo tipo de sociedade, de homem e de escola preconizados como universais, conforme
vem defendendo o programa político da terceira via, na realidade, responde a interesses específicos daqueles que
implementam o programa, como bem ilustra outro trecho do documento:

[...] faz parte do nosso projeto de nação o desenvolvimento de uma convivência


democrática, fundada no diálogo, na interação e na tolerância, o que só é possível por meio
do trabalho em colaboração e parceria, que inclua a compreensão dos papéis dos diferentes
atores do processo (BALEEIRO et al., 1999:19, grifo nosso).

Quanto aos conteúdos, o documento ressalta a importância dos PCN na introdução de temas raramente tratados
como conteúdos da educação escolar, dentre eles, a auto-estima e identidade, a cooperação e solidariedade,
motivação socioafetiva para ação, capacidade de trabalhar em grupo e sexualidade. Ressalta ainda que, ao proporem
novos conteúdos educacionais, os PCN “assinalam uma necessidade de mudança radical nas prioridades
educacionais” e “conseqüentemente no atendimento das necessidades da sociedade atual” (BALEEIRO et al.,
1999:14, grifo nosso).
Ainda de acordo com os proponentes do documento, o trabalho na escola com o tema da sexualidade se caracteriza
como estratégico para a efetivação do seu projeto de sociedade, sendo considerado

[...] uma via privilegiada de educação para a vida por favorecer a atuação não só no nível
das individualidades adolescentes, mas também nos padrões de convivência interpessoal e
de organização social (BALEEIRO et al., 1999:19, grifo nosso).

Observa-se, nesse enunciado, que o PEAS-Belgo, além de abordar questões importantes do universo adolescente,
como o conhecimento do próprio corpo, da saúde (doenças sexualmente transmissíveis, reprodução etc.), constitui-se
também em uma das importantes estratégias da pedagogia da hegemonia, na construção/difusão da nova forma de
ser e de viver, no mundo capitalista contemporâneo.
Especificamente em relação ao comportamento sexual dos futuros cidadãos trabalhadores, o esperado atualmente
pelo empresariado brasileiro não difere muito das suas históricas preocupações, ou seja, “uma rígida disciplina dos
instintos sexuais (do sistema nervoso), ou seja, um fortalecimento da ‘família’ em sentido amplo (não desta ou
daquela forma do sistema familiar), a regulamentação e estabilidade das relações sexuais”, como observou Gramsci
(2001:264), em relação aos momentos iniciais da organização científica do trabalho. Atualmente, os novos conteúdos
abrangem a orientação sexual, a preocupação com as doenças sexualmente transmissíveis – principalmente AIDS – e
também a questão do preconceito, ou melhor, da aceitação das diferentes opções sexuais. A diferença substantiva
não reside na introdução de novas temáticas, mas nos métodos de dominação adotados: nos anos iniciais do
fordismo era utilizada, prioritariamente, a coerção; na atualidade, busca-se o consentimento.
Até 2004, o PEAS-Belgo já havia capacitado mais de 700 educadores e profissionais da saúde e atingido cerca de 35
mil adolescentes das escolas públicas municipais e estaduais (FUNDAÇÃO BELGO-MINEIRA, 2003).
As diretrizes político-pedagógicas destacadas pelo documento estão presentes nas ações educacionais do PEAS,
desde o planejamento e execução das atividades à confecção de materiais didáticos para alunos, professores e redes
de ensino, como evidenciam as várias dinâmicas desenvolvidas nas salas de aula. Dentre estas, destacam-se: Anjo:
Cuidar, Concordo-Discordo, Chuva de Idéias, Falta de Oxigênio e Corpo Humano.
Na dinâmica Anjo: Cuidar – “Tem sempre alguém pensando em você”, por meio de um sorteio, cada participante
torna-se “o anjo protetor” de determinada pessoa e recebe a tarefa de “cuidar” dele durante o ano.
Já na dinâmica Concordo-Discordo, são feitos comentários e questionamentos sobre os quais os participantes devem
se posicionar concordando ou discordando. Ao final, faz-se um comentário geral sobre as posições assumidas,
refletindo sobre a questão dos valores.
Na Chuva de Idéias, por sua vez, após definir um tema, os participantes escrevem em um grande painel suas opiniões
a respeito do tema. Refletem sobre suas opiniões e as dos outros e, por fim, identificam que opiniões podem ser
diferentes.
Na dinâmica de integração Falta de Oxigênio, são desenhados no chão três grandes quadrados. Ao som de uma
música, os participantes dançam e, quando a música é interrompida, correm para os quadrados, pois só ali “existe
oxigênio”. Com o passar do tempo, vão sendo retirados alguns quadrados, restando apenas um e, obviamente, não
mais comportando todos os participantes, sobrando apenas um pequeno espaço onde todos precisariam se adaptar
para poder respirar. Ocorre uma disputa por um lugar dentro do único quadrado e alguns ficam de fora.
Por último, a dinâmica do Corpo Humano visa a trabalhar a importância do trabalho em grupo. Nessa atividade, os
participantes são chamados a construir um boneco: um grupo o faz em conjunto e um outro constrói as partes
separadamente, unindo-as posteriormente. O resultado e a diferença entre os bonecos montados, um coeso e
entrosado, e outro sem nenhuma sintonia e proporcionalidade, são postos para discussão entre os participantes.

126
127
Embora entrem em conflito direto com o discurso de garantia e defesa da pluralidade cultural, do respeito às
diferenças e à liberdade de escolha que permeiam as propostas educacionais empresariais, essas atividades
vivenciadas atingem plenamente o objetivo de uniformizar o comportamento das classes dominadas.
Essa uniformização das práticas educacionais não se restringe ao PEAS-Belgo – ela abarca o conjunto de atividades
desenvolvidas pela FBM, em sintonia com as estratégias político-ideológicas da “responsabilidade social” elaboradas,
no Brasil, pelo Instituto Ethos.

127
9. IGREJA CATÓLICA E EDUCAÇÃO NO BRASIL DE FHC E LULA DA SILVA: TEMPOS
MODERNOS, SONHOS ANTIGOS
Ronaldo Sant’Anna
A década de 1990 trará um duplo e complexo desafio para a Igreja Católica brasileira. Confrontado a uma conjuntura
histórica marcada, dentre outros fatores, pelo que Gramsci irá definir como “socialização da participação política”, a
qual, na nossa formação social, durante esse período, assume índices inquestionáveis, o sujeito político coletivo
católico precisará responder a duas ordens de demandas. Por um lado, a competição com outros sujeitos, também
vivamente empenhados em assegurar uma sólida intervenção nas questões relativas à sociedade brasileira. Por
outro, sob uma perspectiva mais diretamente interna, ao crescimento de um elenco de manifestações religiosas,
sobretudo as denominadas pentecostais, as quais passam a ameaçar quantitativa e qualitativamente a presença
católica na discussão, na proposição e na interpretação de teses relativas ao funcionamento dessa mesma sociedade.
Balizado por esses temas, procura-se trazer à tona as maneiras encontradas pela Igreja Católica de enfrentamento
desses desafios, focalizando-se, prioritariamente, as atuações do catolicismo voltadas para uma de suas ações
sociais específicas – as educacionais1.
Faz-se importante frisar, desde logo, que o principal argumento aqui defendido será o de que três conjunturas
históricas dotadas, sem dúvida, de especificidades – os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-1998 e 1999-2002) e a primeira metade do governo Lula da Silva, iniciado em 2003 – registram, em nossa
maneira de entender, adaptações e certas correções de rumo por parte da Igreja Católica, sem que em nenhum
momento e sob nenhuma hipótese haja uma efetiva alteração, quer se esteja voltado para suas formulações
doutrinárias ou para suas ações políticas.
Durante o período histórico em tela, ocorre o ápice de um processo interno ao catolicismo 2, o qual dará a marca
principal de sua atuação social. Boa parte da literatura especializada registra, ao longo dessa etapa, o refluxo daquela
que, desde os anos de 1970, havia sido uma das principais formas encontradas pela Igreja de se fazer presente na
trama social: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (MAINWARING, 2004 3). Estimuladas, tanto pelo núcleo
doutrinário católico (no plano mundial, por intermédio do Vaticano; em termos mais locais, pelo Conselho Episcopal
Latino-Americano (CELAM) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)), quanto por uma busca, em termos
de ação, de vincular suas atuações ao “agir no mundo” e ao “compromisso com os pobres”, as CEBs haviam sido,
desde os anos de 1970, uma das maneiras prioritárias descobertas pela Igreja Católica de resolução de uma dupla e
dialética questão: como se mostrar sintonizada com os desafios do mundo moderno (uma “atualização da fé”), ao
mesmo tempo em que, incentivadas por setores não direta e formalmente pertencentes ao aparelho católico, atar a
Igreja a determinadas demandas das classes subalternas de formação social brasileira. Em outras palavras,

Através de uma compreensão cautelosa da relação entre a política e a religião, uma


apreciação mais madura de como fazer um trabalho com as classes populares e de como
respeitar seus valores religiosos e culturais, uma relação mais harmoniosa entre a hierarquia
e a consolidação de novas estruturas eclesiásticas, a Igreja pôde agir coesamente, apesar
de suas diferenças internas (MAINWARING, 2004:202).

[...] as CEBs propriamente ditas são comunidades de fé, onde as pessoas se reúnem para
fazer a leitura da Bíblia, participar de uma cerimônia religiosa e discutir suas vidas
(MAINWARING, 2004:189).

A partir do final da década de 1980, entretanto, começa, efetivamente, a ocorrer o citado refluxo dessa atuação. Dois
fatores fundamentais, para boa parte da literatura especializada, incumbem-se de explicar o fato. O primeiro diz
respeito à postura adotada tanto pelo Vaticano, por intermédio do papa João Paulo II, quanto em termos mais locais,
pelo CELAM e pela CNBB. Essas instâncias passam a recomendar e orientar a Igreja Católica brasileira para um


Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando em Educação pela UFF. Professor da rede
privada de ensino superior de Niterói. Membro do Coletivo de Estudos de Política Educacional.
1
Convém deixar claro que, principalmente por nossa opção teórico-metodológica, uma separação entre as ações educacionais e as
demais ações sociais católicas dar-se-á por motivos puramente didáticos. Até mesmo porque conforme o referencial de análise
gramsciano, as ações de um sujeito político coletivo visam prioritariamente a uma determinada formação humana integral, a qual,
obviamente, relaciona-se vivamente com todas as esferas referentes ao pensamento/ação, portanto, não somente a uma de suas
facetas.
2
Quaisquer análises sobre a atuação social da Igreja Católica devem, necessariamente, levar em conta a capacidade própria desse
sujeito de interpretar/agir sobre a realidade, de acordo com seus interesses, em uma dialética articulação com a história e seus
demais sujeitos. Considera-se Romano (1979) o melhor representante dessa corrente de pensamento. Para uma perspectiva
relativamente próxima, embora com um referencial político completamente distinto, ver Doimo (1995). Um inventário minucioso
dessa discussão pode ser visto ainda em Sant´Anna (2001).
3
Mainwaring (2004) faz um bom inventário da literatura pertinente, com a qual está-se trabalhando neste texto.
129
retorno à “espiritualidade”, na direção de um novo tipo de compromisso, o qual, privilegiando os temas mais
individuais, colabore para um desvencilhamento das questões explicitamente políticas, dentre outros. Mais ainda,
verifica-se – e vale frisar que ainda se está apenas acompanhando a literatura pertinente, tendo como ilustrativos
exemplos Mainwaring (2004) e Doimo (1995) – uma intervenção direta dos grupos mais proximamente vinculados
doutrinária e politicamente a Roma, quer seja por meio da substituição de bispos, ou da nomeação de cardeais para
localidades consideradas tensionadas, além da preparação de materiais destinados a retraduzir a atuação ideal
católica4.
O outro fator diz respeito ao que a mesma literatura define como um movimento, o qual, iniciado durante a abertura
política (1979-1985), encarrega-se de mostrar à Igreja Católica que o ressurgimento da sociedade civil, por intermédio
de suas organizações, somado ao renascimento da vida partidária, incumbir-se-iam de permitir à Igreja um retorno a
suas preocupações mais espirituais, dado que canais competentes e mais naturalmente aptos que ela, Igreja,
poderiam representar, fiscalizar e encaminhar as demandas da sociedade civil brasileira.
Estar-se-ia, pois, para parte bem considerável da literatura empenhada em analisar a presença católica na história
brasileira dos anos de 1990, diante de um duplo processo, caracterizado, em poucas palavras, por uma certa saída de
cena da Igreja Católica, a qual teria como principal saldo uma maior abertura para outros canais destinados à
mobilização social. Uma análise mais apurada dessas teses reveste-se de capital importância para a linha de
argumentação que se objetiva construir no presente texto.
Quanto ao cerceamento oriundo de Roma a determinadas manifestações do catolicismo, há pouco o que questionar.
Nesse sentido, valeria a pena, a título de ilustrativo exemplo, rememorar a verdadeira cruzada, movida dentro do
aparelho católico, sobre alguns dos formuladores do principal embasamento teórico das CEBs, isto é, a Teologia da
Libertação. Seria conveniente também relembrar a importantíssima mudança conceitual,ainda em termos doutrinários,
produzida pelo CELAM, da “libertação” (Medellín, 1968), para a ênfase na “justiça social” (Puebla, 1979), coroadas
pela “evangelização” (Santo Domingo, 1992). Ilustrativamente, a principal agência definidora da doutrina católica para
a América Latina, isto é, o CELAM, afirma, categoricamente, que:

As ideologias marxistas se têm difundido no mundo operário, estudantil e docente e em


outros meios com a promessa de maior justiça social. Na prática, suas estratégias têm
sacrificado muitos dos valores cristãos e, portanto, humanos ou caído em irrealismos
utópicos, inspirando-se em políticas que, ao usar a força como instrumento fundamental,
incrementam a espiral da violência (CELAM, 1986:98).

Ainda que de acordo, portanto, com esses argumentos, registram-se certas divergências, teórico-metodológicas e
políticas, com relação às conclusões empenhadas em verificar a citada saída de cena do catolicismo, a partir do
refluxo das CEBs. E aqui, faz-se mister uma longa digressão.
A Igreja Católica demonstra, historicamente, uma rara capacidade de, adaptando-se aos novos desafios trazidos à
tona pelas especificidades de cada conjuntura histórica, manter e, quem sabe, alargar sua presença social. Antes de
qualquer coisa, pois, o refluxo das CEBs, no nosso entendimento, aponta para uma necessidade, esta sim, histórica,
sentida pelo catolicismo, tanto doutrinária quanto no que tange à ação política, de aliar-se ao bloco, o qual, a partir
principalmente da década de 1990, empenhar-se-á em obter o consenso social quanto a suas teses. Senão, vejamos:
os dois pensadores estudados na primeira parte deste livro, Antonio Gramsci e Anthony Giddens, defendem, dentre
suas inúmeras teses, duas, as quais devem ser trazidas para a nossa análise. Para Gramsci, o decisivo consenso
necessário à possibilidade de construção da hegemonia desejada por determinadas classes sociais e frações de
classes demanda a participação, ainda que limitada às questões mais especificamente individuais ou econômico-
corporativas dos setores subalternos. Nesse mesmo sentido, a busca pela hegemonia apresenta como um de seus
pontos nevrálgicos – o qual será, evidentemente, central para o neoliberalismo brasileiro da terceira via – a ênfase na
necessidade de que os homens associem-se, tomem parte em determinados movimentos, ou, em uma palavra, não
sejam, sob nenhuma hipótese, deixados ao sabor de uma possível “apatia”, a qual, potencialmente, representa uma
possibilidade, ainda que difícil, de contra-hegemonia. Por conseguinte, para o mesmo Gramsci, determinados
processos históricos (dos quais o brasileiro da década de 1990 é representativo) exigem a elaboração de um modelo
de cidadania, o qual, voltado para uma articulação nunca negligenciada entre a produção material e a elaboração da
consciência, seja capaz de êxito na complexa tarefa de gestar uma mensagem voltada para as particularidades de
todos os indivíduos.
Giddens, por seu turno, defende a tese segundo a qual determinados desmandos produzidos historicamente pelo
capitalismo, somados ao autoritarismo intrínseco e nato ao socialismo, colocariam, para todos (obviamente, na sua
visão...) os empenhados em um melhor equacionamento da vida social, a necessidade de uma verdadeira e eficaz
harmonização das relações sociais, a qual seria obtida por intermédio de um modelo de organização da sociedade
responsável pela eliminação dos sempre nefastos e ameaçadores conflitos. Tal modelo, situado de maneira

4
Mainwaring (2004) analisa, com minúcia, esse processo. Para uma visão da própria Igreja, ver Beozzo (1996).
129
130
eqüidistante aos dois anteriores e atento a suas falhas, teria como seus fundamentos ideológicos mais preciosos
a preocupação com a família, a satisfação das necessidades pessoais dos indivíduos, a defesa ecológica, a busca
(sempre carregada de doses generosas) da fraternidade e do bem-comum, além de uma maior eficácia na resolução
das demandas sociais, por meio do estímulo ao pertencimento dos homens a associações comunitárias e mais
próximas de seus interesses5.
Três fatores incumbem-se de comprovar, inequivocamente, as razões pelas quais discorda-se de parte considerável
das análises sobre a participação da Igreja Católica na história social brasileira. Mais ainda cumprem a vital tarefa de
começar a demonstrar, a partir de agora, de maneira mais explícita, que tipo de lugar, tanto em termos doutrinários
quanto no que concerne mais diretamente à ação política, será ocupado pela Igreja no Brasil, desde a última década
do século passado até os dias atuais.
Sintomaticamente, a diminuição do espaço social outrora ocupado pelas CEBs será mais do que compensada por um
movimento, interno ao catolicismo, o qual, surgido nos Estados Unidos, durante os anos de 1960, receberá,
explicitamente ou não, um importante apoio por parte dos setores definidores da pauta de atuação da Igreja Católica6.
Refere-se, evidentemente, neste momento, à denominada “Renovação Carismática Católica” (RCC). Preocupado
vivamente com o desenvolvimento das chamadas religiões pentecostais e, ao mesmo tempo, bastante interessado em
se desvincular de um modelo de ação política, nas palavras da Igreja, próximo demais de interpretações sobre a
realidade valorizadoras de certas contradições e conflitos (obviamente que sem chegar à sua radicalidade) 7, o
catolicismo passa a investir maciçamente em um formato de religião, o qual, a seu ver, enfatizando a espiritualidade e
o indivíduo, seja capaz de fornecer à sociedade uma resolução mais dinâmica de suas reivindicações. Assim, a RCC
enfatizará o desvinculamento dos homens das questões econômicas, uma maior inserção no desejo de salvação
individual, preceitos morais conservadores e distantes de quaisquer tipos de questionamentos, além de uma
interpretação do momento religioso como “instante de cura”. Nas palavras de um analista:

Os carismáticos, ao contrário dos católicos das CEBs, centram a vida religiosa na esfera da
intimidade, desenvolvem acentuado controle moral no âmbito da família, dos costumes e da
sexualidade, desinteressam-se completamente dos problemas de caráter coletivo e, por
conseguinte, da militância política (PRANDI, 1998:15).

No interior do mesmo catolicismo, o Movimento de Renovação Carismática Católica agora


se espalha velozmente, usando técnicas e conteúdos doutrinários do pentecostalismo,
reintroduzindo o milagre, a preocupação centrada no indivíduo e reinaugurando em grande
estilo, uma vez que agora fica disponível para as massas católicas, a valorização do êxtase
religioso (PRANDI, 1998:23).

Esse movimento cumpre, para os interesses da Igreja Católica, de maneira bastante portentosa, um duplo objetivo:
refrear a presença e o crescimento de outras explicações religiosas (dentro e fora da Igreja), com as quais o sujeito
político coletivo católico encontrar-se-á em disputa, mormente a partir do começo dos anos de 1990 e, principalmente,
demonstrar a participação do catolicismo na construção do consenso acerca do projeto de sociedade hegemônico no
Brasil, da mesma década de 1990 aos dias atuais. Ou seja, a RCC representa uma importante tentativa de elaboração

5
Analisando e procurando estabelecer suas teses como contrapontos eficazes à verdadeira corrosão do caráter humano provocada
pelos dois sistemas, a sociologia de Giddens respira poesia, ao afirmar que “um bom relacionamento é o que se estabelece entre
iguais, em que cada parte tem iguais direitos e obrigações. Num relacionamento assim, cada pessoa tem respeito pela outra e
deseja o melhor para ela. O relacionamento puro é baseado na comunidade, de tal modo que compreender o ponto de vista da
outra pessoa é essencial. A conversa, ou diálogo, é o que basicamente faz o relacionamento funcionar. O relacionamento funciona
melhor se as pessoas não escondem muita coisa uma da outra – é preciso haver confiança mútua. E a confiança tem de ser
trabalhada; não pode ser simplesmente pressuposta. Finalmente, um bom relacionamento é aquele isento de poder arbitrário,
coerção e violência” (GIDDENS, 2003:71).
6
Alguns dados, oriundos da maior e mais recente pesquisa acerca da filiação religiosa dos brasileiros, devem ser mencionados: a
quantidade de indivíduos que se declaram católicos passa de 122.3 milhões em 1991 para 125.5 milhões em 2000. Os
evangélicos, por seu turno, são 13.1 milhões em 1991 e 26.4 milhões em 2000 (JACOB, 2003). Prandi (1998), em um dado
fundamental para a presente análise, afirma que no início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, os
católicos carismáticos representam cerca de 3.8 milhões de indivíduos, ou o dobro dos católicos vinculados às CEBs.
7
Vale lembrar que uma preocupação central atravessa toda a história contemporânea da Igreja Católica, atualizada conforme as
especificidades de cada conjuntura histórica, ou seja, a de, criticando violentamente, marcar suas diferenças de
interpretação/ação social quando confrontada ao marxismo. Para mais informações, ver Mainwaring (2004), Lima (1979),
Compêndio do Vaticano II (1998) e CELAM (1992).
130
131
de um modelo de cidadania, o qual, revelando algumas das características defendidas por Giddens, é tão dura e
acertadamente criticado por Gramsci.
O segundo fator relaciona-se ainda mais de perto à construção teórica que embasa o presente livro. O estudo dos
principais documentos produzidos pelo Vaticano, pelo CELAM e pela CNBB atesta o desejo, obviamente que nem
sempre explicitado, da Igreja Católica de tomar parte na produção do consenso em torno do neoliberalismo,
hegemônico na formação social brasileira a partir de 1990. Outrora empenhada em liberar determinados setores de
seu aparelho para um compromisso com a “libertação” (dentro dos limites previamente estipulados pela Igreja), a
mesma Igreja Católica enfatizará, a partir desse período histórico, alguns temas que, na sua maneira peculiar de
interpretar/agir na realidade, serão entendidos como os principais meios de “evangelizar” os homens. Assim, o
catolicismo estimulará fortemente a necessidade de que tanto dominantes quanto dominados sejam capazes de,
entendendo as mensagens católicas, empenhar-se na construção do bem-comum. Nessa mesma direção, a Igreja
estará direcionada, doutrinária e politicamente, para o estímulo a ações sociais que se pautem pela solidariedade,
pelo espírito comunitário, pela fraternidade, pela valorização, enfim, da presença e participação dos homens em uma
mesma teia de relações sociais, independentemente de sua posição socioeconômica. Em outras palavras, as ações
sociais católicas estarão direcionadas para o estímulo da capacidade de doação (em todos os sentidos) das classes
sociais mais “favorecidas”. Ou, numa formulação mais ousada ainda, o ideal católico, a partir desse momento
histórico, consiste na formulação de um modelo de formação humana que, dotado de um determinado grau de
consciência social, incumba-se da intrincada tarefa de assegurar a paz em nome da qual a mensagem católica é
articulada. Nas palavras do próprio sujeito político coletivo católico:

Unimo-nos aos construtores e dirigentes da sociedade – governantes, legisladores,


magistrados, chefes políticos e militares, educadores, empresários, responsáveis sindicais e
tantos outros – e a todos os homens de boa vontade que trabalham na promoção e defesa
da vida, na exaltação e dignidade do homem e da mulher, a na defesa de seus direitos, na
busca e promoção da paz [...]. Desta IV Conferência, nós os exortamos a que, no exercício
de sua respeitável missão a serviço dos povos, se empenhem em favor da justiça, da
solidariedade e do desenvolvimento integral, orientados pelo indispensável imperativo ético
em suas decisões (CELAM, 1992:57)8

O terceiro fator traduz-se na principal forma de atuação social utilizada pela Igreja Católica durante o período histórico
analisado neste texto. De maneira, para os olhares mais apressados, paradoxal, a tentativa de contenção,
orquestrada pelo Vaticano, destinada a enquadrar determinadas manifestações, consideradas mais “políticas” e, pois,
direcionada para os grupos orientadores das agora esvaziadas CEBs, coloca o sujeito político coletivo católico em um
dilema que pode ser definido, em poucas palavras, pelo receio de não possuir uma mensagem diretamente voltada
para as necessidades e demandas das classes sociais subalternas. Nesse sentido, a Igreja precisará descobrir um
formato de atuação política capaz de, a um só tempo, manter sua posição de prestígio e presença junto ao enorme
contingente social “excluído” do projeto de sociedade hegemônico, reforçando, se possível, um perfil de atuação que,
longe de trazer à tona possíveis conflitos e contradições desse mesmo projeto, encarregue-se, ao contrário, de
assegurar sua manutenção e hegemonia, por meio do consenso.
Mais uma digressão impõe-se neste momento. O modelo social neoliberal da terceira via utiliza, como uma de suas
categorias ideológicas9 centrais, a relevância do convencimento – insiste-se – das classes sociais dominadas, de suas
possibilidades de “inclusão social”. Melhor dizendo, mais do que assistir passivamente ao surgimento e
desenvolvimento de ações e organizações sociais empenhadas na crítica, no questionamento e no desejo de ruptura
com um modelo societário que, em termos radicais, contribui cotidianamente para a elevação do contingente de
alijados de suas prerrogativas definidoras (os “excluídos”), esse projeto apresenta como marca fundamental o
estímulo a uma participação e a uma organização social que possuem traços, para este capítulo, absolutamente
relevantes. Por intermédio da valorização da noção de “inclusão social”, estimula-se vivamente a idéia/prática de que
muito mais importante do que a denúncia de um modelo comprometido com a exploração, a qual poderia ter um
potencial de estímulo à contra-hegemonia, seria a constituição de ações voltadas para a conquista desses mesmos
contingentes sociais. Assim, é maciçamente enfatizada, ideológica e, pois, politicamente, a idéia segundo a qual todos
podem fazer parte, independentemente de sua posição, da mesma sociedade, dado que podem, efetivamente, estar

8
Ratificando a linha de análise aqui apresentada, a Igreja Católica brasileira, por intermédio de sua principal agência de
formulação doutrinária, a CNBB, lança, ao final de 2004, aquele que pretende ver como principal elemento de orientação dos
católicos em suas ações sociais, a Campanha da Fraternidade de 2005, interessantemente tendo como norte central a “busca pela
paz”.
9
O conceito de ideologia é tomado aqui de maneira fiel às reflexões gramscianas, interessadas em demonstrar que, caracterizadas
como normas de conduta orientadoras da vida, determinadas ideologias, dotadas de força social, devem, pela materialidade que
acabam possuindo, ser bastante bem analisadas.
131
132
incluídos, quer seja por meio do pertencimento a associações voltadas para reivindicações setoriais e específicas,
do atendimento a demandas que não violem os princípios definidores, na raiz, do projeto societário, ou ainda, da
valorização da idéia de que existe, por mais que os poucos e rebeldes críticos procurem negar, um interesse comum,
capaz de, estimulando o sentido de doação dos mais bem posicionados na escala social, traduzir seus interesses em
um mesmo caminho dos daqueles não tão bem agraciados assim. Portanto, colocada em prática a idéia de que a
“inclusão social” deve ser perseguida e construída, ter-se-ia a curiosa eliminação da possibilidade de real
emancipação de determinadas classes sociais, posto que, mais do que a sua existência ameaçadora, o que se
observaria seria, isto sim, propostas e ações destinadas a abrigar em seu seio dominantes e dominados, exploradores
e explorados, patrões e empregados, homens e mulheres, brancos e negros, “normais” e “deficientes”, enfim,
“incluídos” e não-emancipados.
Uma análise mais apurada da participação da Igreja Católica na cena social brasileira, desde os anos de 1990 até os
dias atuais, demonstra o quanto esse sujeito político coletivo não só está de acordo, como colabora com tais
proposições. Esse fato, vale deixar bastante claro, encarrega-se de justificar o principal argumento que motiva este
texto, isto é, a presença decisiva do catolicismo na construção do consenso necessário à hegemonização do projeto
societário vigente na formação social brasileira, desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso até a
primeira metade do governo Lula da Silva. Mais do que isso, entende-se que tal colaboração dar-se-á,
fundamentalmente no caso específico da Igreja, por intermédio de sua busca de atuar como importante agente ou
aparelho capaz de estimular a noção de “inclusão social”. Um importante analista do tema lembra que:

Como se muitos aspectos problemáticos da realidade social estivessem à espera de quem


os batizasse, lhes desse nome. E não estivessem à espera de quem lhes descobrisse os
significados ocultos e ocultados, os mecanismos de produção e reprodução da miséria, do
sofrimento, das privações. E, sobretudo, lhes descobrisse as contradições e fragilidades, as
brechas que se abrem na práxis de um vivido capaz de transformar a vida e o mundo e dar
sentido à esperança radical do homem que se humaniza e se liberta a si mesmo de
carências, de pobrezas, na luta de todos os dias, vivente de distintos tipos de exclusão.
Sobretudo, carente de vida com sentido, que essa, sim, é a exclusão historicamente maior e
mais grave (MARTINS, 1997:10).

Considera-se importante, mais uma vez, observar que, sob um ponto de vista distinto daquele de certas correntes
teóricas, a Igreja Católica brasileira, em seu esforço de se fazer presente, alcançando êxito em suas disputas não
apenas com outras interpretações religiosas, mas também quando posta vis-à-vis os demais sujeitos políticos
coletivos, nas questões sociais do Brasil, desde os anos de 1990 até os dias atuais, encontra um tríplice formato de
atuação, destinado a abarcar, por meio da especificidade de suas proposições, todos os setores da sociedade. Mais
ainda – e de modo plenamente satisfatório para os interesses católicos – essa mesma atuação procurará responder
às demandas e reivindicações, também particulares, de todos os grupos.
Esse tríplice formato pode ser definido de modo bastante claro. Por intermédio do movimento “Renovação Carismática
Católica”, a Igreja constrói uma mensagem destinada a um público mais bem posicionado socioeconomicamente – os
setores médios –, privilegiando a busca de salvação individual e sua propagação por meio de um rígido controle
moral, aliado ao fomento à participação política destinada às doações materiais e espirituais 10. Para as classes sociais
dominantes, a mensagem católica fixar-se-á no estímulo ao sentido de fraternidade, responsável pela manutenção de
suas conquistas e posições. O objetivo é nítido, ou seja, formar indivíduos que, impregnados pela idéia do bem-
comum, atuem como líderes solidários, fraternos, defensores de suas comunidades e, principalmente, aptos para agir
com a denominada responsabilidade social, tão decisiva na contenção de rebeldias ameaçadoras da ordem. Para os
pobres, finalmente, a Igreja Católica construirá um vasto elenco de ações sociopolíticas, caracterizadas por um
movimento dialético: disseminar a idéia segundo a qual, ainda que dificilmente em termos explícitos, o contingente de
“excluídos” e alijados seria insignificante, diante de todos os estímulos, produzidos pelo bloco no poder, do
associativismo, dos movimentos reivindicativos comunitários, enfim, do pertencimento das classes dominadas a uma
rede social que, atendendo a algumas de suas demandas, ainda que tópica e insatisfatoriamente, assegurar-lhes-ia,
em um futuro sempre adiado, uma melhor posição no estrato social. Ou ainda, mais objetivamente, do alívio, sempre
gradual e paulatino, de sua situação de pobreza. Pobreza esta que, devidamente aliviada, não precisaria ser
eliminada. Ao mesmo tempo, valorizar, internamente, a idéia de que o catolicismo ainda está, embora com nova
roupagem, comprometido principalmente com a mesma parcela da sociedade para a qual suas proposições são
formuladas – os pobres. Nessa mesma direção, discursos e práticas católicos, reconstruídos politicamente a partir dos

10
Na principal pesquisa que orienta a brevíssima análise acerca da RCC produzida neste capítulo, o autor menciona,
ilustrativamente, a presença, nesse movimento religioso, de um grande empresário, proprietário de uma das maiores redes de
lojas de vestuário popular do país, a rede “C&A”, relatando a influência que o movimento carismático desempenha em seu
estilo de liderança.
132
133
novos desafios surgidos a partir dos anos de 1990, continuam encontrando meios eficazes de convencer as
classes dominantes e o bloco no poder de que as mudanças, na sociedade e no catolicismo, não são capazes de
afastar a Igreja dessas posições11.
Toda essa análise sobre a atuação social da Igreja Católica encontra, em suas ações mais especificamente situadas
no espectro educacional, uma importante corroboração. Mais ainda, será por intermédio de um breve
acompanhamento de suas proposições educacionais, tanto no nível escolar, quanto no plano definido como popular
ou político, que se tornará possível demonstrar três pontos: o compromisso do sujeito político coletivo católico com o
atual projeto societário hegemônico: o quanto a educação possui de centralidade para esse projeto; por que a Igreja
elege os temas educacionais como prioritários em sua pauta de interpretação/ação social, desde o começo da década
de 1990. Vale analisar um pouco mais minuciosamente as fórmulas encontradas pelo catolicismo de contribuir,
literalmente, em termos pedagógicos, para a construção da hegemonia do neoliberalismo brasileiro da terceira via.
As ações católicas direcionadas para a educação política das grandes massas estarão voltadas, do princípio dos anos
de 1990 até os dias atuais, para a tentativa de colocação em prática de um duplo e concomitante objetivo, qual seja,
estimular na sociedade – prioritariamente, nas grandes massas – uma das idéias mais caras para o atual projeto
societário, isto é, a valorização da filantropia. Nesse sentido, o objetivo fundamental consiste em disseminar
idéias/práticas destinadas a fomentar o sentido de doação das classes dominantes às dominadas. Mais importante
ainda, a Igreja Católica pretende, embora muitas vezes de maneira não explícita, assumir a condução, com destaque,
do processo de conscientização dos contingentes sociais “excluídos” do neoliberalismo brasileiro da terceira via,
visando à sua inclusão como partícipes da construção do consenso acerca desse mesmo modelo. Por isso, o
catolicismo reivindica para si o importante papel de auxiliar, ainda que procurando manter certo tom “crítico”, no
processo de formação educacional das grandes massas. Tal fato parece devidamente demonstrado por intermédio da
análise de suas ações educacionais populares centrais, destinadas, em suas próprias palavras, à criação de
condições necessárias para que setores da sociedade alijados do mercado de trabalho formal, por exemplo, portanto,
passíveis de acolhimento a possíveis críticas ao atual projeto societário, tornem-se, após as ações educacionais
preconizadas pela Igreja, aptos a tomar, efetivamente, parte de uma convivência social pacífica, ordeira e,
fundamentalmente, colaboradora em termos de hegemonia12.
De maneira ainda mais objetiva, poder-se-ia dizer que as principais propostas e ações educacionais católicas,
definidas como preparatórias para o trabalho e orientadas pela valorização da filantropia, incumbem-se de colaborar
para a formação de um modelo de homem, o qual, reconhecedor da importância de instituições que substituem, a
contento, o Estado, atuará socialmente respaldando um projeto societário que, produzindo sua “inclusão”, afasta de
seu elenco de possibilidades a idéia de emancipação radical. Em outros termos, a aparente “condenação” feita pela
Igreja ao Estado abre, nas reflexões gramscianas, mais espaço para que o bloco no poder, do qual a Igreja toma,
evidentemente, parte, assuma, por meio de um Estado que, nessa perspectiva, torna-se ampliado, a condução dos
processos sociais em busca de hegemonia.
Tal análise assume ainda mais nitidez com a demonstração do quanto o catolicismo está atualizado com as
especificidades geradas a partir da década de 1990, ao, ilustrativamente, substituir, em sua própria pauta de atuação,
os desgastados e criticados temas do “assistencialismo” e da “caridade” por uma noção bem mais afeita aos ideais
contemporâneos de hegemonização do neoliberalismo. Assim 13:

[...] a Igreja, historicamente, sempre atuou através de sua ação caritativa, em favor dos
pobres. Hoje, mais do que nunca, a filantropia – vista como ações solidárias da sociedade
civil – é convocada a ocupar emergencialmente os lugares vazios deixados pela ausência de
políticas públicas em favor das camadas populares 14.

11
Recomenda-se que o leitor reveja os dados sobre a presença social católica, apresentados no capítulo 3 deste livro. Dois aspectos,
basicamente, devem ser considerados: a magnitude das ações católicas durante os anos de 1990, abrangendo um número, sem
dúvida, bastante robusto de indivíduos, somada à clareza desse sujeito político coletivo quanto à importância de diversificar o
suficiente suas ações, atingindo, por meio de tal medida, não somente uma fatia considerável da sociedade, mas,
fundamentalmente, um rol bastante variado de reivindicações, demandas e encaminhamentos.
12
Para um maior detalhamento, ver aquele que se constituirá no principal documento destinado a orientar as ações sociais católicas
durante o segundo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja, a Campanha da Fraternidade realizada em
1998, sintomaticamente, voltada diretamente para as questões educacionais. Consulte-se, pois, CNBB (1998b).
13
ANAMEC/CERIS. Pesquisa sobre as obras sociais da Igreja Católica. Atuação das escolas (1998); atualização das informações
sobre as escolas católicas (1996-1999). Brasília/Rio de Janeiro, 2000.
14
Vale lembrar, mais uma vez, o quanto esse perfil de atuação permanecerá, em suas grandes linhas, mantido até os dias atuais.
Recorde-se, por exemplo, do grande rol de medidas “emergenciais” e assistencialistas tomadas pelo Estado, com a marcante
colaboração da Igreja Católica, a partir do governo do atual presidente da República.
133
134
Mais ainda, a Igreja Católica procura, por meio da ênfase em suas ações sociais, à noção de filantropia, atingir um
duplo objetivo: assegurar a presença de sua maneira própria de ler/agir sobre a realidade,demonstrando, dessa
forma, que tipo de contribuição específica, de resto, valiosa para o neoliberalismo da terceira via, teria a dar;
participar, de maneira articulada aos interesses do bloco responsável pela colocação em prática do atual projeto
societário, na formulação de uma de suas noções ideologicamente mais caras, isto é, a de filantropia. Essa menção
cumpre o relevante papel de ratificar o quanto análises empenhadas em ver historicamente a Igreja sempre a reboque
de outros sujeitos políticos coletivos, estes sim, formuladores de interpretações/ações sobre a realidade social
brasileira, padecem do erro de não conseguir dar conta de um aspecto fundamental: a capacidade do catolicismo de,
adequando-se aos novos tempos, no caso específico, por meio da noção de filantropia, conviver, de maneira
articulada com as classes dominantes, contribuindo para que essa noção, especificidades à parte, colabore para que
a chamada “responsabilidade social”, defendida pelo bloco em busca de hegemonia, assuma tonalidades reais.
Esse tópico torna-se ainda mais claro a partir da lembrança das nuances observadas por um dos momentos centrais
de definição da pauta de atuação do catolicismo brasileiro, qual seja, as Campanhas da Fraternidade. Assim, essas
campanhas, destinadas, dentre outras metas, a unificar os católicos em torno dos temas doutrinária e politicamente
considerados mais fundamentais, enfatizam, em sintonia com as conjunturas históricas analisadas neste texto, temas
como a Fome, em 1986, portanto, sintomaticamente antes da implementação do neoliberalismo brasileiro da terceira
via. Em 1991, etapa imediatamente posterior ao embate de projetos societários distintos, a Igreja volta seu foco para o
Trabalho. O período do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, ratificando a presente análise, caracteriza-
se por temas mais diretamente vinculados à temática da filantropia e às preocupações individuais, tais como Família
(1994), Excluídos (1995), Fraternidade e Política (1996), Encarcerados (1997). Acompanhando esse raciocínio, ter-se-
á a centralização em um Milênio sem Exclusão (2000), Drogas (2001), Indígenas (2002) e, no governo Lula da Silva,
Idosos (2003), Água (2004), Solidariedade (2005)15.
Quanto ao outro objetivo das ações católicas voltadas para as massas, reside na ênfase dada por esse sujeito político
coletivo acerca de sua disponibilidade para uma atuação como importante colaborador do Estado na colocação em
prática de políticas destinadas a um melhor equacionamento das questões sociais. Em um de seus principais
documentos de orientação – a Campanha da Fraternidade de 1998 –, a Igreja Católica, “opondo-se” à ausência, pela
incapacidade e pela ineficácia, de uma resolução das questões relativas à sociedade por meios exclusivamente
estatais, mostra-se efetivamente disposta a suprir tal ineficácia. Dito de outra maneira, o catolicismo procura mostrar a
toda a sociedade explicitamente – ainda que de modo mais indireto ao bloco no poder – o quanto seu histórico, sua
doutrina e sua maneira própria de ver/agir sobre a realidade encarregam-se de ratificar a defesa de suas ações
educacionais. O raciocínio, nesse ponto, é razoavelmente simples, ou seja, se a Igreja está devidamente apta a
colaborar para que as grandes massas, apartadas historicamente em termos educacionais, passem a estar
devidamente capacitadas, sob o ponto de vista gramsciano, técnica e, sobretudo, moralmente, caberia ao Estado
reconhecer sua ineficácia, dando a oportunidade de que a própria sociedade civil – leia-se, obviamente, o bloco
histórico empenhado em tornar-se hegemônico – por intermédio de uma de suas principais instituições, assuma o
comando, comunitariamente, de seus próprios destinos, no caso em tela, educacionais. Nada mais implicitamente
satisfatório para uma das principais formulações do atual projeto societário, isto é, o convencimento social quanto à
pertinência e à legitimidade de uma cada vez maior retirada de cena, mormente para o público situado nos escalões
subalternos, da presença estatal.
No que concerne mais especificamente à educação escolar, a atuação da Igreja Católica, ao longo de todo o período
analisado no presente capítulo, representa uma importante corroboração da linha de estudo traçada até aqui. Nesse
sentido, tanto as proposições, quanto as ações educacionais escolares do catolicismo buscarão, no entendimento
aqui apresentado, atingir um objetivo central, o qual, de resto, sobrepõe-se aos demais, ou seja, demonstrar o quanto
a Igreja possui de interesse em tomar parte, de maneira destacada, na produção, por via de suas ações pedagógicas,
da hegemonia, vital para o atual projeto societário.
Primeiramente – e sob perspectiva um tanto distinta daquela verificada antes dos anos de 1990 – a Igreja Católica
concentrará suas ações em termos de educação escolar em um duplo e articulado objetivo. Explica-se, procurando
ratificar a qualidade de suas instituições educacionais, sobretudo aquelas que se constituem em pontas-de-lança
durante os anos de 1990, quais sejam, as universitárias, qualidade esta, para o catolicismo, bastante superior à
observada nas instituições públicas, a Igreja busca convencer a sociedade acerca da legitimidade e da justiça dos
subsídios financeiros do Estado a suas universidades. Dito de outra maneira, o catolicismo apresenta-se, mais uma
vez, como agente capaz de atender com muito mais eficácia e, em suas palavras, sem a danosa preocupação com o
lucro, qualidade e presteza às demandas da sociedade. Tal fato atesta, ainda na visão católica, seu enquadramento
como formulador e colocador em prática de uma das idéias centrais do neoliberalismo, qual seja, a vantagem do
“público não-estatal” quando colocado vis-à-vis ao arcaico público. Isso fica ainda mais nítido com as seguintes
menções:

15
Os dados completos a respeito podem ser consultados em <http:// www.cnbb.org.br>. Os agradecimentos do autor a André Souza
Martins, por ter alertado para a necessidade dessa análise.
134
135
É notório que nossas instituições de ensino superior católicas são consideradas
eficientes, sérias e de boa qualidade de ensino, mas que precisam e desejam constante
aprimoramento. Entendemos que se faz necessária a democratização do acesso, isto é,
igualdade de oportunidades, entre os alunos das escolas mantidas pelo Poder Público e as
nossas, o que hoje não acontece. Este fato constitui-se em flagrante injustiça social16.

Na abordagem da temática da educação formal, enfatizar a necessidade da qualidade da


escola pública e da importância de uma parceria Estado-sociedade no desenvolvimento do
processo educativo. A escola não pode ser relegada à estrutura estatal, deve também ser
assumida pela comunidade (CNBB, 1998:27).

Outro fator de igual importância diz respeito ao perfil de homem que será formado pelas instituições educacionais
católicas, sobretudo as de nível superior. Demonstrando-se, mais uma vez, competente em sua capacidade de
interpretação/ação diante dos desafios históricos, a Igreja situar-se-á em um lugar decisivo para o êxito do modelo
neoliberal da terceira via. Aqui, caberia rememorar o quanto a busca pelo consenso, preocupação central desse
modelo, demanda a formação de lideranças, as quais, moral e politicamente, baseiem sua atuação social em valores
ideológicos capitais, tais como a fraternidade, o sentido de pertencimento às relações sociais com tonalidades
comunitárias, o voluntarismo, o forte senso de doação, ou, em outras palavras, a tão decantada responsabilidade
social, devidamente incorporada. A sintonia e a valorização de tais idéias pela Igreja Católica são nítidas, por, no
mínimo, duas ordens de fatores. O primeiro ligado à sua principal preocupação, qual seja, formar em suas
universidades homens capazes de aliarem à técnica e à capacitação profissional uma formação moral responsáveis
por torná-los líderes modernos, os quais, por terem tido uma orientação católica, possuirão a humanidade capaz de
afastá-los da fria preocupação apenas com o lucro, enxertando-lhes a necessária consciência social. Na visão da
principal liderança do catolicismo no plano mundial, o papa João Paulo II:

Os estudantes são solicitados a perseguir uma educação que harmonize a excelência do


desenvolvimento humanístico e cultural com a formação profissional especializada. [...] Eles
devem ter consciência da seriedade de sua profissão e sentir a alegria de serem, amanhã,
“leaders” qualificados, testemunhas de Cristo, nos lugares onde deverão desempenhar sua
missão (CONSTITUIÇÃO APOSTÓLICA DO SUMO PONTÍFICE JOÃO PAULO II, 1990:21).

O segundo, estimular, novamente junto à sociedade, um corpo ideológico responsável pelo convencimento quanto ao
acerto dessas argumentações, posto que o principal fator responsável pelo alívio da grave situação social verificada
no país residiria em uma possível humanização das elites, fundamental, na visão católica, não apenas para as classes
dominantes, mas, principalmente, para as subalternas.
A mensagem católica para a educação escolar brasileira, entretanto, não se esgota nessas proposições. Não se pode,
por conseguinte, perder de vista outra de suas atuações decisivas, ou seja, a busca, por intermédio de uma aliança
explícita com o Estado, de atendimento a determinadas demandas oriundas das classes subalternas. Em outros
termos, o catolicismo propõe – mais uma vez, coroado de sucesso – que o Estado colabore com a Igreja,
estimulando, principalmente a partir do governo Lula da Silva, programas de concessões de bolsas de estudos, nas
universidades católicas, para estudantes considerados carentes17. O principal saldo, nesse sentido, parece consistir
na busca, produzida pelo sujeito político coletivo católico, de atuação como importante agente de “inclusão social”
(evidentemente, com o sentido dado a esse conceito ao longo desta análise), responsável, na sua visão particular de
realidade, por colaborar com uma melhoria na situação social de contingentes, os quais, se fossem, de fato,
excluídos, correriam o grave risco de não enxergar alternativas para suas condições de vida no seio do projeto
societário neoliberal. Em outros termos, ao trazer para suas universidades homens que, sem essa oportunidade, não
adquiririam alguns dos valores mais caros para seu efetivo pertencimento à sociedade, a Igreja Católica estimula,
nesses mesmos homens, o sentido de gratidão – ponto fundamental, em termos doutrinários, para o catolicismo –
responsável pela convicção de que, graças às oportunidades dadas pelos mais aquinhoados, o projeto societário
atualmente em voga na formação social brasileira estaria assegurando chances reais de mobilidade social a todos os
que se interessem por obtê-las. De maneira ainda mais sintética, a formação intelecto-profissional-moral preconizada
pela Igreja abarcaria, a partir da ênfase em valores que se sobrepõem a conflitos e contradições, dominados e
dominadores, substituindo-os, a contento, por homens, os quais, livres de sua condição social de origem, estariam,

16
CNBB/ABESC. Comunicado mensal. Situação atual das universidades católicas. Brasília, nº 788, maio, 1988:741.
17
Os dados quantitativos a respeito podem ser consultados na página eletrônica do Ministério da Educação e em
ANAMEC/CERIS: Pesquisa sobre as obras sociais da Igreja Católica. Atuação das escolas (1998); atualização das informações
sobre as escolas católicas (1996-1999). Brasília/Rio de Janeiro, 2000.
135
136
todos, irmanados e colaborando, cada um à sua maneira, para uma “inclusão” que, no olhar católico, seria
responsabilidade não de determinadas classes sociais, mas de toda a sociedade civil, independentemente das
nefastas origens de classe, capaz de, vale insistir, esmaecer quaisquer conflitos entre dominantes e dominados,
tornando-os responsáveis pela construção do “bem-comum”.
As análises aqui produzidas, portanto, parecem apontar para um curioso e intrigante ponto. Dotada de um enorme
sentido de adaptação, para seus interesses específicos, inegavelmente exitosa, aos desafios trazidos pela história
brasileira, desde a década de 1990, a Igreja Católica interpreta a realidade, percebe os meios de melhor agir na
história, identifica seus principais aliados e opositores, arma-se para as disputas com seus cada vez mais raros
concorrentes e, fundamentalmente, constrói um discurso, o qual, embasando satisfatoriamente suas práticas,
assegurará sua presença social. Presença esta dotada, insiste-se, de uma leitura da realidade capaz de observar, a
contento, os movimentos da história. E também, com o perdão de uma última ousadia, vislumbrar em que ponto a
cruz pode ser vista com mais nitidez e brilho. Ainda que certas nuvens, por vezes, teimem em esconder o sol...

136
10. VILA OLÍMPICA DA MARÉ E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESPORTE EM FAVELAS NO RIO DE
JANEIRO
Marcelo Paula de Melo
A implementação e a gestão de políticas sociais representam novas faces de atuação do Estado capitalista em nosso
tempo. Seja em sua relação com diversos organismos na sociedade civil, ou mesmo em sua natureza de atuação,
pode-se dizer que o papel do Estado se altera no bojo do projeto neoliberal de terceira via.
Assim, será abordada uma face específica dessa alteração na natureza de atuação do Estado, mais especificamente
a partir das relações travadas com as chamadas Organizações Não-Governamentais (ONGs). Menos do que fazer
uma exegese teórica do campo das ONGs, pretende-se um debate a partir da experiência concreta da Vila Olímpica
da Maré, implementada pela ONG União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM). Tal ONG é composta por líderes
comunitários, representantes de outras ONGs, como o Movimento Viva Rio, empresários, membros do Instituto de
Pesquisa e Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ), por
intermédio do Centro de Redes de Excelência (CRE) e da Prefeitura do Rio de Janeiro (PRJ). O projeto consubstancia
uma política pública de esporte da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer da cidade do Rio de Janeiro (SMEL). Além
do convênio UEVOM-SMEL, também há a participação direta da PETROBRAS e da Empresa de Correios e
Telégrafos como financiadoras do programa.
O Campo das ONGs em Nosso Tempo: Disputas e Adesões
A visão em que Estado e sociedade civil tornam-se entes com vida própria, abstraídos das relações sociais travadas
entre as classes e suas frações, legitima a aproximação e a criação de organismos na sociedade civil para se
tornarem implementadores de políticas públicas. Pode-se afirmar que não se trata de um processo de retirada ou
substituição do Estado. O que se observa é uma nova configuração na atuação do Estado capitalista no bojo de seu
atual momento histórico. Diferentemente do Estado desenvolvimentista, em que a execução de políticas públicas era
feita diretamente pela aparelhagem estatal, nota-se que os processos decisórios continuam no âmbito da
aparelhagem estatal, sendo sua execução delegada a organismos na sociedade civil, que, em geral, em outro tempo
compunham o conjunto das forças que lutavam por ampliação de direitos. Isso pode ser evidenciado considerando a
atual natureza de atuação das chamadas ONGs. Sua trajetória histórica no Brasil nas últimas décadas do século XX e
neste início de século XXI se insere na referida redefinição do papel do Estado e dos organismos na sociedade civil.
Conhecidas pelo termo “não-governamental” para buscar expressar o fato de não estarem vinculadas aos governos
no momento de seu surgimento na sociedade, grande parte das ONGs no Brasil emerge atuando na assistência
técnica, jurídica e também política a muitos movimentos sociais que eclodiram na transição dos anos de 1970 para a
década seguinte. Como grupos de pressão e participação popular, ao se aproximarem de diversos movimentos
sociais as ONGs se inseriam na luta pela inclusão na agenda política de temáticas com pouca visibilidade até então,
como os direitos de grupos étnicos, mulheres, crianças e adolescentes, direitos humanos, de liberdade de orientação
sexual, ecologia, bem como diversos direitos que implicavam a melhoria das condições de vida como saúde,
educação, saneamento básico, redução do custo de vida, entre outros (DOIMO, 1995).
Eram quase que exclusivamente financiadas nos anos de 1970 e 1980 por ONGs estrangeiras, por redes de
financiamento dos governos dos países centrais, por organizações da Igreja Católica Internacional e organismos
financeiros internacionais, como o Banco Mundial. Como aponta Herbert de Souza (1991:6), o Betinho, essa nova
tendência de ação dos organismos internacionais ganha força a partir do fim das ditaduras militares na América
Latina, sendo que estes buscavam “parceiros” com uma clara marca antiestatal, para promover “o desenvolvimento
social em harmonia com o mercado. Ao invés do Welfare State, poderíamos entrar na área do ONGs Welfare. É claro
que não caberia às ONGs o papel de dirigentes do desenvolvimento, esse papel é do mercado (leia-se grande
capital)”.
Pela importância da figura de Betinho 1, suas palavras são emblemáticas de uma tendência que ganhou força nos
anos de 1990. Afirmava que as ONGs são contra o Estado e o mercado, já que nasceram contra aquele e de costas
para este. Segundo ainda Betinho, as ONGs são contra o Estado por razões diversas dos neoliberais, não
pretendendo sua substituição – “pelos menos por agora”. Assim, aponta que

[...] as ONGs sabem que nem o Estado nem o mercado são capazes de produzir o máximo
de bem-estar para todos na medida em que se organizam e atuam na lógica da excludência
e da perpetuação das desigualdades. As ONGs querem democratizar o mercado [...] e o


Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor do Curso de Educação Física da UNIABEU e do
Curso de Normal Superior do Instituto Superior de Educação da FAETEC em Três Rios (RJ). Pesquisador do Coletivo de
Estudos de Política Educacional.
1
Betinho foi um importante intelectual orgânico na difusão da ideologia da atuação dos organismos na sociedade civil como
executores de políticas sociais tanto nos anos de 1980 como no início de 1990. Seja na formulação de propostas, seja
coordenando a execução não se pode negar sua importância. Sua figura representa um movimento, mais do que apenas uma
posição pessoal.
138
Estado. [...] Elas não têm vocação do Estado, não compartem a obsessão por lucros do
mercado, não substituem os atores sociais do mundo presente (SOUZA, 1991:8).

Ao propor “[...] acabar com o estatal e restabelecer o público” (SOUZA, 1991:9), Betinho introduz na cena política a
idéia do “terceiro setor” e das denominadas organizações públicas não-estatais – presentes nos projetos de reforma
da aparelhagem estatal do primeiro governo FHC.
O discurso de Betinho e de seus pares antecipa a direção que boa parte das ONGs assumiria ao longo de 1990. Se,
de certa forma, ocorria uma disputa interna acerca do papel político desses organismos, começam a se tornar
majoritárias, no decorrer da década, concepções pouco combativas, voltadas mais para a atuação em colaboração
com estados e empresas, diluindo o caráter de antagonismo entre projetos de sociedade. Os organismos
internacionais também seguem essa trilha. Segundo John Garrison (2000:13), em texto publicado pelo Banco
Mundial,

[...] durante a última década, as ONGs vêm vivenciando transformações profundas em seus
paradigmas conceituais e estruturas organizacionais, transformando-se em entidades mais
propositivas, especializadas e voltadas para a obtenção de resultados.

Com isso, a aproximação ideológica com uma concepção não mais contestatória, e sim de colaboração, se fez valer
também nesse campo, juntamente ao conhecido descrédito e desqualificação dos que se posicionam de formas não-
subservientes, como se percebe nas palavras de Betinho: “[...] as velhas barreiras ideológicas, resquícios da Guerra
Fria, precisam ser substituídas por uma busca mais pragmática de soluções efetivas para os problemas humanos
urgentes” (GARRISON, 2000:28).
Em 1991, é fundada a Associação Brasileira de ONGs (ABONG), que começa a obter visibilidade pública a partir do
evento da ONU sobre o meio ambiente no Rio de Janeiro em 1992. Essa entidade representa as ONGs associadas
frente a outros organismos na sociedade civil e junto ao Estado. As entidades que fundam a ABONG 2 fazem parte, em
geral, do conjunto denominado “ONGs pioneiras”, que já atuavam desde os anos de 1980, sendo essa identidade
muito importante como tentativa de diferenciação em relação às que surgem nos anos de 1990: elas gozam de
alguma legitimidade com setores da esquerda, devido a um passado de enfrentamento à ditadura. Não por acaso,
defendem que as associadas da ABONG tenham como objetivo principal o “fortalecimento da cidadania na conquista
e expansão dos direitos sociais e democracia”3.
A partir de 1995, no primeiro ano de governo de FHC, as relações ONGs e Estado se intensificam. O Programa
Comunidade Solidária desempenhou papel fundamental nesse processo. Assim, com a significativa profusão de
organismos na sociedade civil sem fins lucrativos, nos anos de 1990, dentre os quais as ONGs, o perfil de muitos
destes se alterou. Mesmo aqueles que outrora apresentavam inegáveis vínculos com movimentos sociais e
organizações populares, acabam se conformando dentro do atual paradigma. A ênfase no acesso aos fundos públicos
passa a ser também uma de suas principais bandeiras. Não por acaso, como relatam Silvio Caccia Bava e Lúcia
Pontes4 (1996:134), a ABONG encaminha à Presidência da República, em março de 1995, uma proposta de nova
legislação:

[...] para regulamentar o campo das entidades sem fins lucrativos, com o propósito de tornar
mais efetivo seu controle social e mais transparente suas atividades. Outro objetivo dessa
proposta é garantir o acesso a fundos públicos para entidades que efetivamente estejam
comprometidas com a defesa da qualidade de vida da população e com a construção da
cidadania.

O padrão de financiamento das ONGs se altera substantivamente. A diminuição quantitativa do volume de recursos
internacionais esteve acompanhada da exigência para que sua própria natureza de atuação se alterasse. Assim, a
mudança de postura política dos financiadores implicou remodelamento de suas ações, com uma progressiva
substituição da agenda reivindicativa pela ampliação de direitos para a perspectiva de execução de políticas muitas
definidas pelos financiadores, sejam estes os organismos internacionais, sejam os governos.
A tendência de participação de ONGs na execução de políticas sociais é parte do projeto desses organismos, como
afirmam Caccia Bava e Pontes (1996:130): “trata-se de uma iniciativa inovadora que demonstra, pelos que a

2
Atualmente, a ABONG conta com 270 associadas, sendo 262 ONGs e oito fundações empresariais, divididas em oito fóruns
regionais, de forma a abranger todo o território nacional.
3
ABOG. Propostas da ABONG para o marco legal das ONGs/maio de 2004. Disponível em: <http://www.abong.org.br>. Acesso
em: 27 jun. 2004.
4
Os autores também eram e são atores, ou seja, membros da diretoria da ABONG, sendo Caccia Bava o diretor geral dessa
entidade por dois mandatos.
138
139
defendem, uma vontade política de reforma do Estado e de democratização do espaço público”. Essa ênfase se
refere aos processos de descentralização/desconcentração como forma de transferência e delegação da execução
das políticas públicas a organismos na sociedade civil.
A ABONG avança nesse posicionamento, como se verifica nos textos de Jorge Durão (2001), então membro da
diretoria e hoje diretor-geral, e de Sérgio Haddad5 (2001).
Durão, ao propor debater o marco legal do chamado “terceiro setor” e o papel das ONGs, localiza essas últimas entre
o neoliberalismo e as tendências de estatismo, que reduziriam o público ao estatal. Para esse autor/ator, a última
concepção não incorpora a noção de “uma esfera pública ampliada, e por isso não é capaz de compreender a
natureza complexa da discussão sobre os fundos públicos, e a legitimidade e necessidade de acesso de organizações
da sociedade civil a esses fundos [...]” (HADDAD e OLIVEIRA, 2001:4).
Apoiando-se, ainda que não fazendo menção direta, na noção da existência de organismos públicos não-estatais
cunhados a partir da reforma da aparelhagem estatal, Durão (2001) justifica a necessidade de as ONGs terem acesso
aos fundos públicos. Para tal, incorre na chamada síndrome do “deu-no-new-york-times”, ou seja, louva-se uma
prática apenas por ocorrer nos países centrais. Assim, defende Durão que o acesso das ONGs aos fundos públicos
“[...] ocorre em todos os países em que o capitalismo se tornou mais civilizado (sic) através dos controles impostos ao
mercado e do Estado de Bem-Estar Social”.
Nota-se essa mesma posição nas palavras de Sérgio Haddad, quando afirma que os termos “sociedade civil
organizada” (sic) e “organizações da sociedade civil” indicam um grande universo de organizações constituídas
“livremente por cidadãos que atuam diante da carência de produtos e serviços que o Estado não atende de modo
satisfatório e o mercado não tem interesse em atender” (HADDAD e OLIVEIRA, 2001:62). Não por acaso, tem-se que
a atuação dos organismos, “[...] complementando a ação do Estado na esfera pública, [...] mereceria incentivos fiscais
especiais e recursos públicos que financiassem seus programas de cooperação com o governo” (HADDAD e
OLIVEIRA, 2001:66).
Um significativo número de ONGs vem se assumindo como parte do chamado “terceiro setor”, objetivando garantir
uma identidade consoante com o termo que está em voga no momento. Outras, sobretudo as mais antigas, teriam
resistências em se afirmarem como tal. Segundo Durão (2001:9), “a ABONG e suas associadas não se identificam
nem teórica nem politicamente com a categoria de terceiro setor, construção ideológica de matriz neoliberal”. Isso,
contudo, não implica uma ruptura com os pressupostos neoliberais, já que o mesmo autor defende que “a construção
no imaginário social da noção de terceiro setor parece ter representado já uma abertura de novos espaços mais
plurais para a intervenção das ONGs, um campo para novas alianças, espaços de intervenção e instrumentos de
trabalho” (2001:8). Não obstante, afirma que “não entendemos que a disputa no terreno conceitual ou a recusa
intransigente a atuarmos no terreno demarcado pela ideologia dominante como o do terceiro setor constitua estratégia
mais adequada aos nossos interesses” (DURÃO, 2001:9). Dado que, para essas organizações, a afirmação do
chamado “terceiro setor” representa novas possibilidades de financiamento para suas ações, o fato de estarem
vinculadas à implementação do projeto de sociedade neoliberal, que por princípio a ABONG combateria, em nome de
seus compromissos com a “democracia” e a “cidadania”, pode então ser perdoado.
Esse fenômeno não ficou restrito ao Brasil. James Petras (1999:88), estudando o papel das ONGs no contexto do
ajuste neoliberal na Bolívia, observou diversos fenômenos semelhantes à realidade brasileira: o aumento significativo
do número dessas organizações, as mudanças no paradigma de seu financiamento, bem como sua atuação na
execução das políticas governamentais. Petras também aponta a transfiguração institucional e política nas ONGs
bolivianas mais antigas. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Para o autor, essas organizações

[...] viram-se forçadas a entrar na disputa por fundos e a apresentar-se como agências de
desenvolvimento, quando perceberam o risco de se afogar em um mar de siglas. Grande
parte da diversidade dos pontos de vista representada por essas instituições perdeu-se
nessa múltipla concorrência entre as ONGs, que se converteram em clientes especiais dos
doadores internacionais (PETRAS, 1999:88).

Francisco de Oliveira (2002) alerta que a capacidade de inovação política demonstrada nos anos de 1980 pelas
ONGs, trazendo para a agenda pública temas com pouca visibilidade, articulando redes de movimentos sociais na luta
por direitos, fiscalizando/denunciando a ação do bloco no poder – foi absorvida, na década seguinte, pelo novo projeto
de sociabilidade do capital, de maneira tão intensa a ponto de se desqualificar as ações de críticas e de denúncia
como “radicais”. Segundo Oliveira (2002:57), a referida metamorfose fez com que mesmo as antigas ONGs
passassem a aceitar

5
Esse texto de Haddad, então presidente da ABONG, é escrito em parceria com Anna Cynthia Oliveira, que se apresenta como
“consultora independente para temas de governança e gestão de organizações da sociedade civil, parcerias e responsabilidade
social de empresas”.
139
140
[...] o papel de administrar o possível, para minorar a pobreza, pressionados por todos
os lados, desde a vitória semântica da direita até as promessas do Banco Mundial e os
fundos internacionais [...] e inúmeras outras instituições que ajudaram no passado e hoje
cobram realismo e visibilidade [...] As ONGs da democratização foram engolfadas pela onda
reducionista, mas sofrem de uma incômoda consciência de capitulação. Por trás do
“realismo” insinua-se um movimento intenso de privatização da vida, das instituições e das
políticas [...] O Estado não precisa ser desmontado institucionalmente, mas sim
politicamente.

Oliveira (2002:61) também aponta como muitas ONGs têm atuado no sentido de construção de consensos em torno
do atual projeto de sociedade, implicando aceitação da lógica atual. Com isso, nota-se uma mudança pragmática que
transforma essas organizações em

[...] ventríloquos da escassez, que se imporá necessariamente numa economia capitalista


[...] O minimalismo da viabilidade pode estar se transformando numa perigosa administração
da pobreza [...]. Será trágico e não apenas irônico que a administração da pobreza
transforme as ONGs da democratização em ersatz de empresa não lucrativas que
administram recursos para a reprodução de sua lógica, cuja lógica é do lucro.

Apontar o caráter fragmentário das ações propostas pelas ONGs, que atuam focando uma questão ou público-alvo
em geral, é cair no lugar comum. Em si, essa fragmentação não é problemática, desde que haja um elemento de
síntese com o qual essas lutas se encontrem em uma busca por promover um outro projeto de sociedade, em que tais
questões sejam consideradas tão importantes quanto as mais tradicionais no campo da esquerda.
Contudo, o que se tem é uma atuação de grande parte desses organismos no campo do que Gramsci (2000b) chama
de interesse econômico-corporativo ou egoístico passional. Com isso, a dimensão universal da luta das ONGs é
perdida em nome do “foco único” na bandeira apresentada. Mesmo a efetivação/conquista da reivindicação concorre
com outros postulantes de bandeiras tão legítimas quanto essas. Uma espécie de competição dos necessitados, em
que ninguém quer segurar a “lanterna dos afogados”. Assim, se perde de vista o elemento que une tais bandeiras,
que é a natureza intrínseca de desigualdade que marca a sociedade capitalista. De modo algum se propõe a
desconsideração das dimensões particulares das lutas das ONGs, movimentos sociais e de sindicatos, mas se busca
unir tais dimensões específicas no enfrentamento da relação social fundamental no capitalismo, que é a exploração
de classe.
Deve-se, contudo, considerar a possibilidade concreta de exceções, tanto no que se refere às práticas sociais desses
organismos, quanto ao seu papel na construção de projeto contra-hegemônicos de sociedade. O que se ressalta é
que frente às características gerais assumidas por esses organismos, pode-se remeter ao título do texto de Petras,
como uma ajuda ambígua das ONGs.
Vila Olímpica da Maré: Relação Estado-Sociedade Civil em uma Política Pública de Esporte
No contexto da redução dos direitos sociais, característica do projeto neoliberal, surge um número significativo do que
se denominou chamar “projetos sociais” esportivos e/ou culturais, sobretudo em bairros pobres e/ou favelas,
viabilizados por organismos privados e por políticas públicas financiadas e/ou executadas pelo Estado.
A Vila Olímpica da Maré (VOM), uma política pública de esporte e lazer na favela carioca de mesmo nome, é um
exemplo disso. Sua trajetória pode ser dividida em dois momentos: o primeiro, parte das discussões iniciais no âmbito
da União das Associações de Moradores da Maré (UNIMAR), e sua aproximação inicial com a ONG Movimento Viva
Rio, a Prefeitura do Rio de Janeiro (PRJ), por intermédio de sua Secretaria de Habitação, o Instituto de Pesquisa e
Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ/Projeto Centros de Excelência (COPPE/CENTEX) e, posteriormente, com a
PETROBRAS, que a financiaria. Esse momento chega ao fim com o término da gestão de Luiz Paulo Conde na PRJ
no ano de 2000. O segundo momento se inicia com a reaproximação da Prefeitura, via Secretaria de Esportes e Lazer
(SMEL), no início de 2001, quando César Maia é eleito e a VOM passa por diversas mudanças de ordem política,
econômica e também na dinâmica de seu funcionamento. Essa fase termina com o fechamento da VOM em
dezembro de 2003, após a renúncia do presidente da ONG UEVOM.
A idéia de um centro esportivo na favela da Maré se deu a partir da criação de uma associação, no início de 1995, que
congregava as associações de moradores de todas as “comunidades” que formam o chamado Complexo da Maré.
Assim, a criação do referido centro esportivo tornou-se uma de suas bandeiras de luta e reivindicação junto aos
governos.
A mobilização ganhou força quando a cidade do Rio de Janeiro se preparava para pleitear ser a sede dos Jogos
Olímpicos de 2004, que ocorreria na Ilha do Fundão/Cidade Universitária (UFRJ), vizinha à Maré.
A construção de um centro esportivo na Maré, em geral mais conhecida pelas notícias sobre o tráfico de drogas e
violência, contribuiria para modificar essa imagem. Nesse momento, surgem propostas defendendo a construção de
um muro que encobrisse a Maré durante os Jogos, principalmente durante visita dos representantes do Comitê
Olímpico Internacional. Tendo como pano de fundo “responder” aos defensores da proposta do muro, a ONG Viva
140
141
Rio, em articulação com a PRJ, propõe aos líderes comunitários a realização de um evento esportivo durante a
visita da delegação do Comitê Olímpico Internacional, contrapondo a imagem da Maré apenas como locus da
violência, ajudando também na divulgação da idéia da criação de uma vila olímpica na Maré. Assim, realiza-se em
novembro de 1996 uma “Pré-Olimpíada” no local, amplamente divulgada na grande mídia durante suas três semanas
de duração. Na ocasião, o então prefeito César Maia assinou uma carta de intenção de construção da vila olímpica.
Já naquele momento, “previa-se a criação de uma ONG que cuidará da gestão da Vila Olímpica da Maré” 6, bem como
a nomeação de um conselho-diretor para administrar o complexo esportivo, sendo formado por representantes da
Prefeitura, da Escola de Educação Física da UFRJ e de empresas privadas 7. O modelo de delegação da
implementação de políticas públicas para organismos na sociedade civil começou a ser moldado na VOM desde o
início.
Com a vitória de Luiz Paulo Conde (PFL, vice de César Maia) para a PRJ no pleito de 1996, começam as discussões
tripartites envolvendo a ONG Viva Rio, a PRJ e a UNIMAR para a implementação propriamente dita da VOM.
Também é relevante apontar a aproximação entre a VOM e um setor da COPPE/UFRJ, o Projetos de Centro/Redes
de Excelência (CENTEX), responsável pela implementação da chamada metodologia de Centros de Excelência. A
VOM passou a fazer parte do projeto Centros/Redes de Excelência, sendo também denominada em documentos
oficiais como Centro de Excelência Sócio-Desportivo Vila Olímpica da Maré.
O projeto do CENTEX previa a existência de uma organização inicial, que seria a base do programa a ser
implementado. No caso em questão, esse papel é representado pela ONG UEVOM. Para sua efetivação, seria
necessária a complementação por meio de “parcerias estratégicas nos campos governamentais, acadêmico, das
Instituições da sociedade nacional, das Instituições do exterior”. Segundo o projeto CRE, não se trata apenas de
aporte financeiro, mas sim de compor um grupo gestor, que seria escolhido pelas “entidades líderes, [...] ouvindo os
parceiros internos e externos”8. O papel do Estado em senso estrito como “parceiro”, sobretudo no que se refere ao
financiamento, não é minimizado. Torna-se emblemática a necessidade de existência de um “grupo líder para
conduzir o projeto, com acesso à alta administração da entidade ou do órgão da administração pública responsável”
(FANTINE e OLIVEIRA, 1998:9).
As ações do CENTEX correspondem ao novo modelo de implementação de “políticas públicas” por organismos
privados. Embora em momento algum esse órgão se apresente como parte do chamado “terceiro setor”, sua ligação
com essa ideologia fica clara quando aponta a necessidade de a VOM possuir uma “ancoragem governamental”.
Assim:

[...] um trabalho de vanguarda deve contemplar acordos estratégicos com órgãos


governamentais buscando conferir ao empreendimento um caráter também de
desenvolvimento nacional – fator fundamental para sua sustentabilidade e permanência no
tempo no agrado da sociedade. Disso resultam importantes ações e responsabilidades
conjuntas (CENTEX/COPPE9).

Subjaz a essas formulações a noção de entidade “à parte”, ou mesmo um novo organismo implementador. Por isso,
na VOM, a proposta gerou não apenas a ONG UEVOM, como também seu modelo de gestão. O conselho gestor era
formado por membros da PRJ, da PETROBRAS, da ONG UEVOM e do CENTEX/COPPE.
Paralelamente, as construções da estrutura física da VOM avançavam. Seu local de instalação foi alterado para o
terreno do antigo Parque Burle Marx, às margens da Linha Vermelha e próximo a duas grandes “comunidades”: Baixa
do Sapateiro e Nova Holanda. Assim, a VOM localiza-se numa espécie de fronteira imaginária, constituída por um
“valão” e por uma rua que corta as duas comunidades, delimitando facções rivais que controlam a venda de drogas na
Maré. A constituição da VOM passou a representar um espaço “neutro” em relação aos conflitos entre as facções e
onde haveria possibilidade de convívio entre pessoas de todas as comunidades.
Nesse momento, nasce efetivamente a União Esportiva Vila Olímpica da Maré (UEVOM) 10, a ONG responsável por
gerir os recursos recebidos da PRJ e também por procurar outras formas de financiamento para a Vila Olímpica da
Maré. A criação da UEVOM também tinha como fundamento possibilitar a ampliação das fontes de financiamento, já

6
PRÉ-OLIMPÍADA da Maré termina com rap e festa. O Globo, Rio de Janeiro, 18 nov. 1996, Caderno RIO, p. 13.
7
No desdobramento desse processo, a aproximação com a UFRJ se deu via COPPE e não pela Escola de Educação Física (EEFD).
O contato com a EEFD se processou por meio do contato pessoal com alguns docentes dessa unidade e não de forma
institucional.
8
CENTEX/COPPE. Projetos Centro de Excelência e a construção da riqueza nacional: histórico, fundamentos, metodologia e
parcerias estratégicas. Disponível em: <http:// www.centrosdeexcelencia.com.br>. Acesso em: 21 maio 2004.
9
CENTEX/COPPE. Projetos Centro de Excelência e a construção da riqueza nacional: histórico, fundamentos, metodologia e
parcerias estratégicas. Disponível em: <http:// www.centrosdeexcelencia.com.br>. Acesso em: 21 maio 2004.
10
“Associação civil sem fins lucrativos, filantrópica e de caráter assistencial, social e cultural...” para administrar a Vila Olímpica
(UEVOM, 1999c:1).
141
142
que a participação financeira da PRJ deveria ser temporária, até a VOM ser sustentável com a receita advinda
das “parcerias”, tal como explicitado em seu plano de trabalho (UEVOM, 2000c). Como defendeu um de seus
membros:

Porque a UEVOM como ONG pode buscar recursos em empresas estatais, privadas e assim
sucessivamente. A PMRJ não tem como buscar esses recursos em empresas. Então a
UEVOM é que fazia esse intercâmbio. A UEVOM é que ia buscar recursos internacionais,
nacionais, nas empresas privadas. Aqueles patrocínios que tinham por ali. A UEVOM e não
a PMRJ. Porque a PMRJ não podia fazer isso. Então a UEVOM fazia esse meio de campo
(Entrevistado A)11.

Na efetivação da UEVOM, a participação de todas as associações de moradores é substituída por um novo modelo
organizacional, que tira do âmbito da UNIMAR boa parte da tomada de decisões. Nesse processo, embora tenham
sido incorporados dois diretores da UNIMAR e seu presidente, que também se tornou presidente da UEVOM, a
correlação de forças dentro da ONG passou a ser favorável ao grupo interno da UNIMAR alinhado à ONG Viva Rio e
à Prefeitura (Entrevistados A, C, G).
Embora as discussões viessem acontecendo, o surgimento efetivo da ONG só se deu nos primeiros meses de 1999,
sendo sua primeira reunião realizada em 19 de maio de 1999, nas dependências do CENTEX/COPPE, com a
presença da diretoria, de sócios fundadores, de representantes do CENTEX, SMH/PRJ, ONG Viva Rio e UNIMAR.
Para atender ao modelo proposto pelo CENTEX, o chamado conselho gestor da ONG é formado por membros da
diretoria e por representantes dos diversos “parceiros”. A fala do representante da ONG Viva Rio na referida reunião,
como se verifica em sua ata, é emblemática. Assim, a “[...] VOM é uma obra da PRJ, que considerou necessária a
constituição de uma ONG para gestão do complexo esportivo” (UEVOM, 1999a:1, grifo nosso). Tendo como objetivo
autorizar o “Poder Executivo Municipal a associar o Município em Associação Civil a ser instituída com o objetivo
precípuo de administrar o Parque Olímpico da Maré [...]” (RIO DE JANEIRO, 1999, grifo nosso), foi votado, em 3 de
março de1999, o projeto de lei (PL) nº 1.040/99, que tramitou na Câmara Municipal do Rio de Janeiro durante o ano
de 1999. No entanto, antes mesmo da criação oficial da ONG UEVOM, as articulações já estavam se construindo no
sentido de estabelecer o mecanismo jurídico para a implementação da VOM. É emblemática a defesa feita pelo então
prefeito do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, acerca da necessidade da aprovação do PL. Conde apontava que o
município tinha procurado estimular

[...] ainda, na forma de lei, a participação das Associações de Moradores na gestão dos
espaços destinados ao esporte e ao lazer, assim como [havia] buscado executar as ações
governamentais de forma descentralizada, ou desconcentrada, com entidades criadas
mediante autorização legislativa e vinculadas à Administração Municipal (RIO DE JANEIRO,
1999a).

Essas palavras revelam o intuito de aproximação com as associações de moradores para que se tornassem
implementadores das políticas municipais, prevendo, inclusive, a criação de organismos especificamente para esse
fim, o que possibilitaria um maior controle das ações desses importantes organismos na vida política carioca. Assim,
em um contexto de desemprego em massa, agudizado em bairros populares/favelas, esse mecanismo vem reforçar
as bases de cooptação12.
No caso específico da VOM, o referido PL gerou a Lei nº 2.878/1999, aprovada em 4 de outubro de1999. A lei, em seu
artigo 2º, prevê que a “associação civil” criada deverá contemplar em seu estatuto a criação de conselho de
administração, “[...] de cuja composição, o Município participe, obrigatoriamente, de forma plural, e no qual se façam
presentes entidades da sociedade civil e da iniciativa privada” 13, com poder de veto em questões estatutárias. Mais

11
Como apontou outro entrevistado: “ao mesmo tempo não fica amarrado nas vicissitudes de ser uma Prefeitura ou um governo do
Estado ou um órgão federal. É oxigenado pela comunidade quando está dirigindo. Mas que comunidade dirigindo junto? Foi o
formato que nós passamos: morador e a sociedade, através de movimentos, empresários” (Entrevistado C).
12
Não por acaso, o então prefeito Conde reconhece que a construção da Vila Olímpica da Maré “... [serviria] de marco para futuras
ações com os mesmos objetivos”.
13
O artigo 19º do Estatuto da UEVOM está descrito da mesma forma que o projeto de lei municipal: deverá haver um “Conselho
de Administração [...] composto por representantes do Município do Rio de Janeiro-RJ de forma plural, de entidades da
sociedade civil e da iniciativa privada, e de pessoas físicas de notória importância” (UEVOM, 1999b:4). Além disso, assim
como na Lei nº 2.878/1999, no Estatuto está resguardado ao município o direito de veto em questões de alteração estatutária.
Fica, assim, evidenciado que os atores envolvidos na elaboração do estatuto atuaram diretamente no processo de elaboração do
texto da lei.
142
143
ainda, a participação de empresas no conselho de administração deveria ser proporcional ao aporte financeiro
dessas empresas à associação civil (RIO DE JANEIRO, 1999b).
No restante do texto da lei há pontos muito importantes que conformaram o papel político pensado pela VOM, seja
pelo CENTEX, seja pela ONG Viva Rio ou mesmo por representantes da PRJ. Segundo essa lei, em seu inciso 3 do
artigo 3º, a associação civil “[...] poderá realizar convênios, firmar contratos, promover atividades para arrecadação
financeira, receber doações [...]” para efetivação de suas ações.
Assina-se, em 15 de dezembro de 1999, o Convênio entre a PRJ e a UEVOM, no qual a primeira cede a essa última a
administração da VOM por um ano e libera para ela o primeiro aporte financeiro trimestral. A concessão dos recursos
subseqüentes manteve-se condicionada à apresentação da prestação de contas. Nesse convênio, é definida a
participação da PRJ no Conselho de Gestão da ONG, como determinou a Lei nº 2.878/1999. Desse conselho
participaram cinco representantes da PRJ, por intermédio de diversas secretarias, e os cinco diretores da ONG
UEVOM.
No início dos trabalhos da VOM, as atividades eram desenvolvidas por pessoas da Maré, que, de alguma forma, já
atuavam com esportes, seja em “escolinhas” de futebol, organizando campeonatos ou mesmo na condição de
diretores de esportes nas associações de moradores. Por serem conhecidos no local, também tiveram a função de
trazer alunos para o projeto.
Para dar-lhe maior credibilidade, foi necessário contratar professores formados em Educação Física, por meio de
convênio com algum Instituto Superior de Educação Física. Inicialmente, uma universidade privada foi procurada, mas
não foi possível o convênio. Assim, surge a opção pela Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ. Além do
CENTEX/COPPE ser um órgão dessa universidade, a proximidade física também facilitou esses contactos, que não
ocorreram de maneira institucional. Sem dúvida, a presença de professores e estudantes da UFRJ à frente da
condução pedagógica da VOM daria um “peso” muito maior na hora de apresentar o projeto aos possíveis
financiadores14. Dois professores da EEFD/UFRJ assumem a coordenação pedagógica e, em maio de 2000, a VOM
começa a funcionar.
Nesse momento, incorporando preceitos da ideologia da responsabilidade social empresarial, a direção da UEVOM, a
partir das diretrizes delineadas pelo CENTEX, envia a proposta de parceria a grandes empresas, objetivando a
realização do que se chamou de “parceria estratégica” para o aporte de recursos, podendo com isso, além de dispor
do potencial de marketing da VOM, atuar no Conselho de Gestão (UEVOM, 2000c).
Com isso, em 2000, a PETROBRAS tornou-se “parceira estratégica” da UEVOM, ao lado da PRJ, e do
CENTEX/COPPE. Isso implicava também a difusão de uma nova imagem da grande empresa brasileira. Afirmava-se
um “[...] alinhamento do conceito de ‘desenvolvimento com cidadania’ no âmbito de toda a sua atuação empresarial,
potencializando seu papel de protagonista no mundo dos negócios, para a consolidação de uma política de
responsabilidade social corporativa” 15. A promoção de ações sociais pela PETROBRAS implicou também uma nova
dimensão educativa da empresa na sociedade.
Nas eleições municipais em 2000, o então prefeito Luiz Paulo Conde é derrotado no pleito municipal por seu ex-aliado
e padrinho político, César Maia. Ambos, durante a campanha, reivindicaram a “paternidade” da VOM. Dez dias após o
resultado do pleito, a presidência da UEVOM enviou uma carta felicitando o vencedor, apresentando-se como um
possível parceiro no futuro mandato. Nessa carta, afirmou-se a continuidade do projeto delineado na gestão anterior
de César Maia e a necessidade imperativa de manutenção do contrato com a PMRJ, para ampliar o alcance da
atuação da ONG. Não obstante, também se solicitava que o candidato eleito interviesse junto à administração ainda
em vigor para obter a liberação de recursos retidos e a renovação anual do convênio, já próxima de vencimento.
Afirma-se que

[...] se trata do maior projeto em termos de atendimentos a comunidades carentes (sic) e do


único modelo com integração da questão esporte, cultura, educação, saúde, nutrição e
empreendedorismo no país, operando segundo os moldes de Qualidade Total e da plena
integração com Universidades e Parceiros para conquistas de recursos e ampliação do
campo de abrangência da Vila (UEVOM, 2000d:2).

14
Ao ser perguntado se a presença de professores da EEFD/UFRJ representava um ganho na imagem do programa, obtivemos a
seguinte resposta: “A primeira coisa que se perguntava era quem era aquele grupo que estava trabalhando lá, qual a origem do
grupo, o que eles faziam. E quando se sabia que era da UFRJ, o nível de credibilidade aumentava muito e se conseguiram
muitas coisas por ter ancorando o projeto uma universidade do porte da UFRJ. Isso aí sempre ajudou e abriu portas”
(Entrevistado C).
15
Petrobras e a responsabilidade social. Disponível em: http://www.petrobras.com.br/ responsabilidade>. Acesso em: 5 ago.
2004.
143
144
Assim, preparava-se o terreno para que a VOM assumisse, a partir de 2001, uma nova função política, sendo
definida como uma política pública da PRJ, por meio de uma relação orgânica com a Secretaria Municipal de Esporte
e Lazer (SMEL).
No primeiro dia útil do novo governo, em 02 de janeiro de 2001, a UEVOM enviou uma carta ao prefeito, reiterando os
termos da carta anterior, com agravante de que o convênio de administração da VOM à UEVOM havia expirado no
mês anterior. Defendendo a relevância da VOM, a ONG objetiva convencer o prefeito recém-empossado de que a
VOM desempenhava “[...] um papel da mais alta importância social a um baixíssimo custo para a Prefeitura” (UEVOM,
2001a).
Conforme relata o Informativo da UEVOM, de janeiro de 2001, na primeira semana do ano a VOM recebeu a visita de
dois assessores diretos do Secretário de Esporte e Lazer – Ruy Cezar. Na verdade, esta foi uma das primeiras de
uma série de visitas oficiais, que culminaram, no final do mesmo mês, com a visita do Secretário de Esportes.
Mais do que afirmar que tais visitas teriam sido decorrentes da capacidade de pressão da VOM, havia/há uma grande
confluência de interesses e concepções de mundo entre o projeto/programa em questão e os princípios políticos que
nortearam as ações do grupo à frente da PMRJ. Considerando que naquele momento a VOM era o único centro
esportivo da PMRJ em favela, passou a representar uma espécie de modelo às outras vilas olímpicas/centros
esportivos que posteriormente foram aberta(o)s na gestão César Maia.
A VOM passa por significativas mudanças, deixando de ter a PRJ apenas como um “parceiro estratégico” para se
tornar uma política pública do município, fazendo parte dos projetos Centros Esportivos de Ações Sócio-Educacionais
(CEASE) da SMEL.
A partir daí, a VOM passaria a atuar de forma relativamente diferente. Embora fosse um projeto de lazer, passou a
receber crianças vindas diretamente das escolas públicas municipais para, durante o período de aulas, realizarem
atividades esportivas. Com esse mecanismo, resolveu-se um dos principais problemas que a VOM apresentava: a
justificação do real quantitativo de freqüentadores que apontava em seus relatórios, tanto à PRJ, quanto à
PETROBRAS. Como os alunos vinham diretamente das escolas para a VOM, em uma espécie de freqüência
compulsória, transmitia-se tanto a impressão visual de que havia muitos freqüentadores, como a garantia de
justificação do quantitativo apresentados nos relatórios aos financiadores. A freqüência à VOM deixava de ser uma
decisão das crianças/jovens e seus responsáveis para ser decisão da escola. Como apontado nas entrevistas, tal
processo foi objeto de determinação da Secretaria de Educação às escolas para que encaminhassem seus alunos à
VOM.
Mesmo considerando as poucas possibilidades de lazer existentes na Maré para crianças e jovens, foi preciso
recorrer a essas ações com as escolas “[...] para melhorar a freqüência” (UEVOM, 2000d). Destaca-se que tais ações
conjuntas – VOM/escolas – estiveram imbuídas da missão de garantir o quorum do projeto apresentado nos balanços
mensais e relatórios apresentados à PRJ e à PETROBRAS. Assim, a impressão que isso passava era a de que a
VOM realmente era atraente para crianças e jovens na Maré, quando na verdade aqueles que vinham com as escolas
não retornavam em seus momentos de lazer16.
Embora não assuma textualmente o discurso do chamado “terceiro setor”, essa ONG apresenta argumentos
semelhantes, colocando-se, de certa forma, no mesmo campo. Enquanto o documento do referido projeto CEASE –
que orientou as políticas públicas de esporte da SMEL – aborda a importância do estabelecimento de parcerias com
empresas, ONGs, universidades, federações esportivas, o projeto da UEVOM afirma que:

[...] a sociedade acordou para a extrema conveniência de reunir seus próprios recursos aos
do poder público, no interesse da solução de seus problemas crônicos ou da satisfação de
suas necessidades mais importantes. Decorrem então projetos de parcerias [...] estruturados
para buscar recursos na iniciativa privada e unir projetos do poder público, com isso
minimizando os gastos governamentais (UEVOM, 2000d:4) 17.

Isso é evidenciado na natureza da atuação da PETROBRAS no âmbito do projeto. Trata-se não apenas de um
patrocinador, mas de um parceiro, que comunga dos mesmos preceitos. Assim, a VOM passa a ocupar um papel de
destaque no interior das chamadas iniciativas de responsabilidade social da empresa.
Quando a PETROBRAS decide sistematizar seus mecanismos de financiamento para os diversos projetos sociais no
país a partir de 2001, lançando o programa “PETROBRAS Social”, a VOM é convidada e representada na figura de
seu presidente, em uma cerimônia nacional em sua sede no Rio de Janeiro. Como apontado no Informativo da VOM,
esse processo “[...] marca a evolução da PETROBRAS, de patrocinadora financeira de projetos para agente do
desenvolvimento sustentável, de coadjuvante para co-protagonista das ações” (UEVOM, 2001h:4).

16
Para mais informações e detalhes desse processo, consultar Marcelo de Paula Melo (2005).
17
A VOM apresenta como um de seus objetivos “incentivar a participação de empresas no esforço de promoção do bem-estar
social” (UEVOM, 2001d:18).
144
145
A importância do projeto para a PETROBRAS pode ser evidenciada nas diversas campanhas publicitárias da
empresa em que a VOM figura como um exemplo de sua responsabilidade social, inclusive sendo citada pela Revista
Exame em novembro de 2001, no seu “Guia de Boa Cidadania Corporativa”, como um dos 20 projetos sociais de
destaque no Brasil. O projeto da VOM rendeu à empresa o prêmio Top Social em 2001, concedido pela Associação
de Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil 18.Também foi comum a apresentação de alguns projetos da VOM,
como coral, balé, dança de rua, entre outros, em eventos realizados pela PETROBRAS no Rio de Janeiro. Assim,
conforma-se a VOM enquanto expressão concreta da concepção de responsabilidade social empresarial, sendo uma
espécie de modelo para as ações da PRJ/SMEL.
No decorrer desse processo, houve uma mudança na relação da VOM com as lideranças comunitárias. Estas
passaram a ocupar cargos na direção e na própria ONG como contratados. Tais pessoas eram consideradas
“dinamizadores comunitários” por possibilitarem a aproximação dos “anseios” da população com o grupo que iria
implementar os projetos de esportes. Um técnico da SMEL, quando entrevistado, explicitou a posição governamental
nos seguintes termos: “[...] em hipótese alguma, um projeto de cunho social, dentro de uma área de risco social, tem
chance de dar certo se não tivermos essa pessoa, que precisa ser uma representação legítima, ao nosso lado. Os
líderes comunitários são os braços políticos das comunidades” 19.
Isso se deu na VOM por meio da contratação de uma cooperativa de moradores da Maré, a COOPJOVEMARE,
sendo que o presidente da UEVOM era um dos seus principais diretores. É interessante apontar que na VOM se
fizeram presentes diferentes tipos de relação de trabalho. A maioria dos moradores da Maré era contratada
diretamente pela ONG, tendo resguardados seus direitos trabalhistas. As funções de segurança e limpeza de piscina
eram exercidas por pessoas contratadas mediante terceirização, desde que a empresa contratada só empregasse
moradores da própria Maré. A equipe de professores, profissionais de saúde e agentes comunitários de esporte eram
“contratados” como membros da cooperativa. Sob a aparente mudança na natureza da inserção no mundo do
trabalho, já que teoricamente em uma cooperativa não haveria relação de subordinação entre empregador e
empregado, e sim uma relação entre iguais, configura-se um mecanismo explícito de precarização das relações de
trabalho, sem os direitos trabalhistas garantidos pela CLT. Nessa condição não lhes eram/são garantidos direitos
trabalhistas. Sendo estes a maioria do corpo de trabalhadores da VOM, pode-se dizer ter sido esta uma bem-sucedida
estratégia de inserção precarizada no trabalho. Assim, direitos como férias remuneradas, 13º salário, licença
maternidade, dentre outros, não faziam/ fazem parte do cotidiano de grande parte dos trabalhadores da Vila Olímpica.
Era comum o atraso no pagamento dos funcionários por dois ou três meses em grande parte das vilas olímpicas, sob
a alegação de problemas burocráticos das cooperativas. Por meio desse instrumento de inserção no trabalho, o bloco
no poder, de certa forma, pode condicionar a continuidade do emprego dos profissionais ao seu prosseguimento junto
à administração pública. Há nesse processo uma dimensão pedagógica que, em um contexto de desemprego
estrutural, conforma e limita as possibilidades de contestação ou mesmo de apresentação de discordâncias com o
projeto, já que isso implicaria riscos à continuidade no emprego.
No caso da VOM, isso se processava em estratégias que combinavam tanto coerção como consenso para obter o
consentimento ativo do conjunto dos trabalhadores. Considerando a própria conjuntura desfavorável a reivindicações
dos trabalhadores, eram constantes menções em reuniões de que seus trabalhadores eram cooperativados e que,
nessa condição, prestavam serviço à ONG UEVOM, não tendo nenhum vínculo com a SMEL/PMRJ!
Esse misto de coerção e consenso também se expressa em duas cláusulas no contrato de Convênio 027/2001, entre
a UEVOM e a SMEL/PRJ, com emblemáticos títulos – “Do Vínculo Empregatício” e “Da Exclusão de
Responsabilidades”. Neles se verifica:
● Cláusula Décima – Do Vínculo Empregatício

Em hipótese alguma haverá vínculo empregatício entre os profissionais envolvidos na


execução dos trabalhos decorrentes deste convênio, permanecendo os mesmos vinculados
às pessoas jurídicas as quais estejam subordinados;

● Cláusula Décima Primeira – Da Exclusão de Responsabilidades

O Município não será responsável por quaisquer compromissos assumidos pela UEVOM
com terceiros (...).

18
Petrobras e a responsabilidade social. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/responsabilidade>. Acesso em: 5 ago.
2004
19
Esse mecanismo de relação direta entre o bloco no poder e lideranças comunitárias foi marcante em todas as Vilas Olímpicas da
Prefeitura, sendo a VOM uma espécie de laboratório dessa experiência. O mecanismo de contratação de profissionais por meio
de cooperativas também se fez presente nas outras experiências da prefeitura.
145
146
§2º O município não é responsável por quaisquer ônus, direitos ou obrigações
vinculadas à legislação tributária, trabalhista, previdenciária ou securitária e decorrentes da
execução do presente convênio (RIO DE JANEIRO, 2001:4).

Em 2003, os funcionários administrativos – quase em sua totalidade moradores da Maré – ficam aproximadamente
três meses sem salários. As causas do atraso foram atribuídas às questões burocráticas na renovação anual do
convênio com a PETROBRAS. Isso implicou significativas discussões e até movimentos de paralisação das
atividades. Frente à “ameaça” de paralisação, os trabalhadores eram constantemente lembrados de que o contrato
realizado com os parceiros, no caso a PETROBRAS e a PRJ, previa rescisão imediata caso houvesse interrupção das
atividades. Com isso, a própria continuidade do projeto estaria ameaçada pela atitude dos reivindicantes. Assim, o par
coerção/consenso se apresenta na tentativa de desmobilizar qualquer reivindicação por meio da responsabilização
dos trabalhadores pela eventual suspensão do contrato.
Outro importante e eficiente instrumento de consenso de que o projeto se valeu foi a sessão dos informativos mensais
da VOM, sobretudo até 2001, onde se apresentava o quadro “Balanço Social das Atividades”. Esses informativos
eram apresentados à PETROBRAS e à PRJ/SMEL, além de órgãos da imprensa, que, porventura, visitassem o
projeto. Nesse quadro eram apresentados “[...] os benefícios propiciados pela Vila Olímpica, retratando os serviços
prestados por moradores da comunidade” (UEVOM, 2001d:7), que se manifestavam no

[...] aproveitamento da mão-de-obra local, gerando oportunidades de prestação de serviços


variados como fornecimento de pães para lanches, conserto de uniformes, aquisição de
materiais em geral, contratação de serviços eventuais, contribuindo assim para a geração de
renda e melhoria de qualidade de vida dos moradores (UEVOM, 2001e:9).

Um dos pontos mais realçados nesses balanços era a geração de empregos diretos e indiretos que a VOM
proporcionava. Nos informativos de janeiro a junho de 2001, discriminava-se não apenas os que atuavam na VOM
como “celetistas”, ou “terceirizados”, como também os diversos tipos de serviços que a VOM requisitara aos
moradores da Maré. Em junho de 2001, havia 364 moradores que, de alguma forma, prestavam serviços à VOM.
Nesse cálculo incluíam-se desde funcionários da VOM até profissionais da equipe de professores, médicos e
estagiários, embora naquele momento apenas quatro membros dessa relação de fato moravam na Maré.
Outra face da atuação da VOM como educadora político-coletiva se refere à difusão/promoção do chamado “trabalho
voluntário”. Tanto no caso do projeto envolvendo mães de alunos e moradores do entorno da VOM que estivessem
desempregados, como no episódio de participação voluntária de uma professora de balé e de um doador de materiais
para as aulas. Assim, como descrito em um jornal da PRJ/SMEL, “o trabalho voluntário também é uma das marcas da
VOM. Mães de alunos criaram grupos que contribuem com a limpeza e a conservação da área” (RIO DE JANEIRO,
2003a:4).
Pode-se apontar a participação “voluntária” da professora de balé e do “doador” como pioneiros. Tal experiência durou
apenas o segundo semestre de 2001. As ações foram saudadas como exemplos de solidariedade e de mobilização
social que a VOM teria despertado fora da Maré. Nota-se nos informativos uma ênfase na atitude altruísta da referida
experiência. Encontram-se menções à existência de “[...] um doador voluntário, sr. [...], que se comprometeu a
contribuir para o projeto com um salário mínimo mensal para o apoio ao projeto Balé Clássico, bem como fará
assistência de trabalho voluntário, auxiliando a professora na organização da freqüência das aulas” (UEVOM,
2001g:13).
Tanto a professora quanto o doador voluntário estavam, na verdade, realizando o “serviço” por conta de uma
penalidade sofrida por problemas de ordem fiscal com a Receita Federal. A referida experiência durou exatamente o
tempo referente à penalidade: seis meses. Desde o início, o projeto Balé Clássico foi apresentado a todos como
temporário, o que queria dizer que a atuação “voluntária” tinha data certa para terminar.
Aqui se apresenta uma face educativa da solidariedade individual como enfrentamento de questões coletivas: as
exposições públicas, os informativos acerca do projeto de balé e a atuação voluntária da professora e do doador, por
sua ação desinteressada e altruísta, manteriam o projeto funcionando. Isso fica claro no apontamento que
encontramos no Informativo da UEVOM (2001f:16):

Os pais e responsáveis das alunas citaram que serão eternamente gratos, não só à Vila
Olímpica mas principalmente à professora [...] que, com seu trabalho totalmente voluntário,
tem realizado o sonho de cada um: a oportunidade de ver sua filha freqüentando aulas de
balé clássico.

Os programas Guardiões da Natureza e Limpeza e Mães Amigas também se consubstanciam em importantes


experiências de promoção do voluntariado. O primeiro se caracterizava pela atuação de algumas pessoas
desempregadas na manutenção e limpeza na área externa da VOM, ou seja, em toda a extensão da frente da Vila
Olímpica. O segundo era referente à atuação de algumas mães de alunos na realização de tarefas como limpeza,
146
147
distribuição de lanches, lavagem de louças e roupas, reparos de uniformes. Os participantes de ambos os
programas recebiam cestas básicas mensais como forma de “agradecimento” por sua participação.
Esses dois programas foram constantes na VOM até seu fechamento em dezembro de 2003, assumindo uma grande
importância, seja pelas cestas básicas que distribuíam, seja pela adesão que garantiam ao projeto. Assim, um
importante mecanismo educativo de adesão espontânea, na busca de conformação ético-política dos participantes se
fez presente, objetivando a disseminação tanto da noção de auto-responsabilização dos moradores pela limpeza e
conservação de seu local de moradia, bem como pela idéia de transformar essa solidariedade em ação coletiva
repolitizada por meio do consenso ao projeto de sociabilidade neoliberal da terceira via. De acordo com o relato de
seus integrantes:

Eu fico aqui o dia inteiro. Faço o que for preciso: reparo uniformes, faço limpeza, lavo louças.
Meus filhos saem da escola e vêm direto para cá. Aqui eles lancham e praticam esporte.
Assim, consigo evitar que fiquem nas ruas [...] Devo muito à Vila Olímpica.

Nós cuidamos das plantas e somos responsáveis pela limpeza das calçadas e dos jardins
em frente à Vila Olímpica. Contribuo com minha comunidade fazendo a minha parte.

Eu fico orgulhosa de poder ensinar reciclagem para outras pessoas. A Vila Olímpica foi a
nossa salvação. As crianças ficaram disciplinadas e têm melhorado muito o rendimento
escolar.

Embora tenha assumido diretamente com uma política pública da PRJ/SMEL, a VOM também apresentou uma
característica comum a muitos “projetos sociais”: a possibilidade de interrupção temporária ou permanente das
atividades. Na VOM não foi diferente.
No início de dezembro de 2003, repentinamente, há uma surpreendente renúncia do presidente da ONG UEVOM,
alegando motivos de saúde, em uma reunião a que são convocados todos os “parceiros”, representantes das
associações de moradores. A ONG precisaria nomear um novo presidente, sendo que seu vice deveria assumir a
direção da UEVOM, inclusive juridicamente no que tange ao cotidiano administrativo da instituição. Esse vice-
presidente era Rubem César Fernandes, da ONG Viva Rio. Mas logo este também renuncia, o que levaria à
necessidade de convocação de uma Assembléia Extraordinária, pelos sócios fundadores, para escolha de um novo
presidente. E esses sócios fundadores eram empresários vinculados à ONG Viva Rio e ao CENTEX/COPPE.
Nesse ínterim, circulam notícias na grande mídia de que os traficantes da Maré estariam intervindo no funcionamento
da VOM, inclusive solicitando dinheiro à direção da UEVOM, para que esta continuasse a funcionar. Tal fato é
amplamente negado por diretores da ONG e pessoas da comunidade.
Com isso, oficialmente, a PRJ antecipa o recesso de fim de ano em uma semana, com a perspectiva de sua volta em
janeiro de 2004. Entretanto, isso não acontece, permanecendo as atividades suspensas até julho de 2004. A alegação
oficial era de que a ONG UEVOM deveria eleger seu novo presidente para que as atividades fossem retomadas. Tal
processo é estendido até o início de julho de 2005, que, coincidentemente, ou não, marca o início da campanha
eleitoral para a Prefeitura do Rio de Janeiro, na qual o prefeito César Maia foi reeleito, tendo o Projeto Vilas Olímpicas
como uma de suas principais plataformas políticas. O antigo presidente da ONG UEVOM volta a seu posto e a VOM
volta a funcionar.
Em Busca Permanente de Respostas...
A constituição da VOM representa a concretização do novo modelo de políticas sociais nos moldes do projeto de
sociabilidade neoliberal de terceira via. A atuação da ONG UEVOM, junto com seus proponentes, ONG Viva Rio,
CENTEX/COPPE, bem como sua interface com o executivo municipal se manifesta como materialização dessa
concepção. O papel político desempenhado por esse organismo na sociedade civil, com um novo modelo de
associativismo prestador de serviços, leva-o a uma atuação unicamente de colaboração com a PRJ, sendo contratada
para implementar o projeto. Embora com faces de participação da “sociedade civil” na gestão/implementação de
ações, nota-se que há nesse processo uma nova modalidade dessa mesma participação.
Torna-se ainda mais significativo o fato de que tal dimensão, longe de ser específica da experiência em questão, é
parte constitutiva do projeto de sociedade dominante. A partir da criação da VOM fica explícita uma gama de
características da nova face de atuação do Estado na concepção e execução de suas políticas públicas. Isso se
expressa tanto na disseminação das ideologias da responsabilidade social empresarial e do trabalho voluntário, como
na relação Estado e ONG UEVOM, que consubstancia os preceitos do projeto neoliberal da terceira via.
Assim, a VOM é a expressão concreta de uma tendência que focaliza a ação (ao invés de buscar universalizar),
descentraliza a execução (na medida em que permite, por meio do voluntariado, a participação em ações bem
distantes do centro decisório do poder), podendo ser tomado como demonstração da nova concepção de
desenvolvimento de políticas públicas no neoliberalismo da terceira via.
147
148
A criação da ONG com representantes diretos do executivo municipal, de empresas, de alguns representantes de
associações de moradores, e ainda de outras ONGs apresenta-se como um significativo exemplo do chamado pacto
social. Um mecanismo de diluição de antagonismos de classes, uma apresentação da união de forças entre diferentes
sociais que se unem para promover o “bem comum”, no caso, a implementação da VOM. Mesmo que haja um
reconhecimento de diferenças, conflitos, tudo isso é possivelmente superável pelo diálogo entre todos os envolvidos.
Contudo, esse mesmo “bem comum” pode ser pensado como um resgate de uma certa coesão social e do
desenvolvimento de uma nova cultura cívica capaz, apesar de todas as adversidades, de responder “positivamente” à
manutenção das relações de poder.
A VOM se concretiza como um importante mecanismo de obtenção de consenso popular na medida em que serve
para divulgação de projetos com concepções de mundo que não levam à problematização crítica das difíceis
condições de vida, não apenas na Maré, mas na sociedade em geral.
A criação da ONG UEVOM, mesmo que relacionada à efetivação de um programa de esporte, em momento algum
esteve inserida na luta coletiva pelo direito social ao esporte e à organização comunitária. Esse organismo surge com
a notória função de ser o ente jurídico demandado por todos para a regularização do funcionamento da VOM nos
moldes do projeto, contemplando assim, nessa perspectiva, os interesses e concepções de mundo dos envolvidos.
Isso fica explicitado quando se considera todo o processo de sua constituição e de aprovação da lei que autoriza o
município a estabelecer convênio com a ONG então criada. A mobilização de organismos na sociedade civil, em torno
de demandas específicas, aparentemente desvinculadas da organização da sociedade, em que a luta conjunta por
transformações sociais é abandonada em nome de um pragmatismo prestador de serviços se manifesta no exemplo
da VOM.
Mais uma vez, grandes desafios se apresentam para a construção de um outro projeto de sociedade. Não era para se
esperar algo diferente. Dessa vez, enfrenta-se o grande consenso em torno da apresentação do capitalismo como
único projeto de sociedade capaz de organizar as relações sociais de produção da existência. Esses desafios
demandam sua consideração, não apenas como um modo de produção de mercadorias, mas sim como um projeto de
sociabilidade, que busca fazer-se presente nos mais variados planos da existência social, por intermédio de seus
valores e princípios éticos, políticos, estéticos e morais.
Tal postura possibilita novas perspectivas de conhecer as diversas estratégias do bloco no poder para legitimar sua
hegemonia. Com isso, pode-se pensar e propor novas formas de enfrentamento das bases de legitimação do capital e
também elaborar novas estratégias de resistência e de apresentação de propostas alternativas ao capitalismo, para
que assim se consiga não apenas convencer o conjunto da população, mas tocar-lhes o coração da necessidade
histórica da recriação da existência humana sobre novos valores, a partir dos quais a exploração do homem pelo
homem não seja considerada algo natural ou apenas recriminável, mas sim inadmissível. E isso não é possível no
capitalismo.

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SOBRE OS AUTORES:

LÚCIA MARIA WANDERLEY NEVES

Doutora em Educação, foi docente no Mestrado em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
quando se aposentou. Atualmente, é professora participante do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal Fluminense e pesquisadora visitante da FIOCRUZ. É autora dos livros Educação e Política no
Brasil de Hoje (1994), Brasil 2000: Nova Divisão de Trabalho na Educação (2000) e organizadora e co-autora dos
livros Política Educacional nos Anos 90: Determinantes e Propostas (1995), O Empresariamento da Educação: Novos
Contornos do Ensino Superior no Brasil dos Anos 1990 (2000), Reforma Universitária do Governo Lula: Reflexões
para o Debate (2004). Coordenadora do Coletivo de Estudos de Política Educacional.

ADRIANA ALMEIDA SALES DE MELO

Doutora em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMPU/SP), é professora adjunta do Centro de


Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Educação-Mestrado em Educação Brasileira dessa mesma universidade. É colaboradora do Coletivo de Estudos de
Política Educacional, coordenadora do Núcleo de Avaliação e Gestão Educacional e do grupo de pesquisa
Planejamento e Política Educacional da UFAL. Além de vários artigos publicados na área, é autora dos livros:
Educação e Hegemonia no Brasil de Hoje (1998) e A Mundialização da Educação: Consolidação do Projeto Neoliberal
na América Latina – Brasil e Venezuela (2004).

ADRIANE SILVA TOMAZ

Graduada em Educação Física pela Universidade Gama Filho, é mestre em Educação pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), professora da rede municipal de ensino de Juiz de Fora e autora de artigos na área de Educação
Física Escolar. É colaboradora do Coletivo de Estudos de Política Educacional.

ANDRÉ SILVA MARTINS

Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFF, é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Pesquisador do Coletivo de Estudos de Política Educacional e do Núcleo de Educação, Trabalho, Tecnologia da
UFJF. Co-autor do livro Reforma Universitária do Governo Lula: Reflexões para o Debate (2004).

IALÊ FALLEIROS

Formada em História pela Universidade de Campinas (UNICAMP/SP), é mestre em Educação pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Professora do Ensino Fundamental da rede particular de ensino do Rio de Janeiro e
pesquisadora do Coletivo de Estudos de Política Educacional.

KÁTIA REGINA DE SOUZA LIMA

Professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), é doutoranda do Programa de
Pós-Graduação da UFF. Co-autora dos livros O Empresariamento da Educação: Novos Contornos do Ensino Superior
no Brasil dos Anos 1990 (2000), Reforma Universitária do Governo Lula: Reflexões para o Debate (2004).
Pesquisadora do Coletivo de Estudos sobre Política Educacional e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação
Superior (FEUFF/CNPq). Membro do GT de Política Educacional da ADUFF Seção Sindical do ANDES Sindicato
Nacional.

MARCELO PAULA DE MELO

Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), é professor do curso de Educação Física da
UNIABEU e do curso de Normal Superior do Instituto Superior de Educação da FAETEC em Três Rios (RJ). Tem
trabalhos publicados em periódicos nacionais sobre políticas públicas de esporte e lazer. Pesquisador do Coletivo de
Estudos de Política Educacional.

MARIA EMILIA BERTINO ALGEBAILE

Especialista em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Educação pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). Assistente Parlamentar da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e professora
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da rede privada de ensino superior do RJ, é co-autora do livro O Empresariamento da Educação: Novos
Contornos do Ensino Superior no Brasil dos Anos 1990 (2000). Pesquisadora do Coletivo de Estudos de Política
Educacional e membro do grupo de pesquisa Políticas Públicas e Educação Superior, da PUC-PR/CNPq.

RONALDO SANT’ANNA

Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutorando em Educação pela mesma
universidade. Professor da rede privada de ensino superior de Niterói, é membro, desde 2001, do Coletivo de Estudos
de Política Educacional e co-autor do livro O Empresariamento da Educação: Novos Contornos do Ensino Superior no
Brasil dos Anos 1990 (2000). Possui outros trabalhos publicados em formato de artigos e capítulos de livro, tanto na
área mais especificamente educacional, quanto na de humanidades, como a antropologia, a sociologia e a ciência
política.

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