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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH

INSTITUTO DE HISTÓRIA - IH

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA - PPGHC

Dissertação de Mestrado

Representações femininas em The Canterbury Tales


de Geoffrey Chaucer

por:

Anna Beatriz Esser dos Santos

Rio de Janeiro, maio de 2013


1

Anna Beatriz Esser dos Santos

Representações femininas em The Canterbury Tales


de Geoffrey Chaucer

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História Comparada,
Instituto de História, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Mestre em História.

Orientadora: Profª Drª Gracilda Alves.

 
2

Rio de Janeiro, maio de 2013

FICHA CATALOGRÁFICA

SANTOS, Anna Beatriz Esser dos.

Representações femininas em The Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer/ Anna


Beatriz Esser dos Santos - 2013.
Dissertação (Mestrado em História Comparada), Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Instituto de História, Rio de Janeiro, 2013.

Orientadora: Profª Drª Gracilda Alves.

1. Idade Média; 2. Inglaterra; 3. Mulher.

 
3

Anna Beatriz Esser dos Santos

Representações femininas em The Canterbury Tales


de Geoffrey Chaucer

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História Comparada,
Instituto de História, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do título de Mestre em História.

Orientadora: Profª Drª Gracilda Alves.

Aprovado em 13 de maio de 2013.

____________________________________________________________

Professora Doutora Gracilda Alves.

_____________________________________________________________

Professor Doutor Álvaro Alfredo Bragança Júnior.

_____________________________________________________________

Professora Doutora Vânia Leite Fróes.

_____________________________________________________________

Professor Doutor Francisco Carlos Teixeira da Silva (Suplente interno).

_____________________________________________________________

Professor Doutor Carlos Roberto Figueiredo Nogueira (Suplente exeterno).

 
4

EPÍGRAFE

"Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”

- Simone de Beauvoir

 
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre com palavras de carinho e de
incentivo, estiveram ao meu lado durante minha trajetória pessoal e acadêmica. Foram
eles que ouviram minhas dúvidas e apreensões e souberam me direcionar para o
caminho que me desse maior satisfação. Dedico a eles cada palavra deste trabalho.

Agradeço aos amigos mais próximos, cuja presença e conversas me deram mais
força e ânimo para continuar: Camila, Rocky, Desirée, Rodrigo, Natália, Adriano,
Nathália, Maíra, Vinícius, Jonathan, Andressa, Bruno, Jacque, Marcos e Aline. Destaco,
também, a ajuda não só pessoal como profissional de Bruno Marconi e o apoio
incondicional de Rosângela Maria de Souza. E, principalmente, agradeço a imensa
ajuda de Cristiano Ferreira que foi essencial nos retoques finais deste trabalho e me
incentivou com todas suas conversas amigas a prosseguir nesta área.

Agradeço a dedicação de minha orientadora, Profª Drª Gracilda Alves, por todas as
suas considerações e conversas e por efetivamente, ter ajudado a me tornar uma pessoa
e uma historiadora melhor.

Obrigada a todos por estarem constantemente enchendo de luz a minha vida.

 
6

RESUMO

Os Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer foram um marco para a Língua


Inglesa, pois têm o objetivo de ser um extrato da vida dessa sociedade do final do século
XIV. A partir deste, serão verificadas as transformações sociais ocorridas no período e
como os ideais de representação feminina foram articulados pelo autor da obra. Deste
modo, será analisado o discurso dos narradores em O Conto da Prioresa, Conto da
Outra Freira, Conto da Mulher de Bath, Conto do Moleiro, Conto do Mercador, Contos
do Feitor, Conto do Homem do Mar, Conto do Estudante e no Conto do Magistrado, no
que diz respeito à atuação da mujlher e seu espaço na sociedade medieval e em como a
historiografia aborda os valores de conduta presentes nesses contos, comparando-os
com a crítica social presente em Chaucer.

Palavras-Chave: Idade Média, Inglaterra, Mulher.

 
7

ABSTRACT

The Canterbury Tales, written by Geoffrey Chaucer, are considered a milestone


for the English Language; they have the goal of being an extract of this society’s life in
the late fourteenth century. We will verify the social changes and how the female
representation ideals were articulated by the author. We will analyze the speech of the
narrators in The Prioress’ Tale, The Second Nun’s Tale, The Wife of Bath’s Tale, The
Miller’s Tale, The Merchant’s Tale, The Reeve’s Tale, The Shipman’s Tale, The Clerk’s
Tale and The Man of Law’s Tale regarding to the role of women and their place in
medieval society and how the values of conduct are discussds in these tales comparing
them with the social critique presented in Chaucer’s work.

Keywords: Middle Ages, England, Women.

 
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LISTA DE ANEXOS

Anexo 1 - Manuscrito de Ellesmere.


Anexo2 - Rota de peregrinação de Londres a Canterbury.
Anexo 3 - Mapa referente à area francesa de Henrique II.
Anexo 4 - Mapa referente à area Inglesa e Francesa após o Tratado de Brétigny.

 
9

SUMÁRIO

Introdução …………………………………………… pg 10
Capítulo 1- O Tempo de Chaucer ………………….. pg 20
Capítulo 2 – As representações da mulher ………… pg 34
Capítulo 3 – As Mulheres Narradoras ……………... pg 51
3.1 - O Conto da Prioresa……………………………. pg 52
3.2 - O Conto da Outra Freira………………………. pg 63
3.3- O Conto da Mulher de Bath……………………. pg 71
Considerações finais ………………………………… pg 81
Bibliografia …………………………………………... pg 85
Anexos ………………………………………………... pg 91

 
10

Introdução

O trabalho por nós apresentado tem suas origens ainda na Graduação, quando
iniciamos o contato com as discussões de relações de poder e de representações no
laboratório de pesquisa Medievo/UFRJ, sob orientação da Professora Gracilda Alves.
Desde aquela época, mostramos interesse pela temática das representações e imagens do
feminino na Idade Média. Até então, nosso conhecimento sobre as mulheres medievais
se resumia à representação proposta por uma historiografia mais tradicional, que
restringe a mulher essencialmente a tutela do olhar masculino e do espaço privado.
Quando tivemos então o primeiro contato com a fonte por nós escolhida, The
Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer (Os Contos da Cantuária), entendemos que essa
representação poderia ser confrontada com os Contos presentes na obra.
O recorte temporal de nosso trabalho compreende o século XIV, pois é este o
contexto de produção dos Contos, livro que começou a ser escrito em 1386 até 1400, o
ano da morte do autor. Existem 83 manuscritos medievais dos Contos, alguns com os
textos completos, outros não1. Nenhum desses é do próprio Chaucer, mas há
manuscritos que foram copiados por escribas logo após a morte do autor. Um dos mais
importantes é o manuscrito Hengwrt2, copiado entre 1400 e 1410. O manuscrito mais
famoso é o manuscrito Ellesmere3, decorado com iluminuras que representam alguns
dos membros da peregrinação.
A primeira versão impressa dos Contos foi publicada em 1476 por William Caxton4,
seguida de outra em 1483. A obra foi, assim, a primeira grande obra em língua inglesa a
ser impressa. Em nossa pesquisa estamos usando duas traduções: a tradução da Penguin
para inglês moderno de Nevill Coghill5 pois preserva a estrutura em versos; e a tradução
em português de Paulo Vizioli6 que, apesar de ser em prosa, preserva a estrutura métrica
e as rimas.

                                                                                                                       
1
Pearsall, D. The Canterbury Tales. London: G. Allen & Unwin, 1985, p.1-2.
2
Ruggiers, P. G. A Facsimile and Transcription of the Hengwrt Manuscript With Variants from the
Ellesmere Manuscript.. University of Oklahoma Press. 1979. Disponível em
http://books.google.com.br/books?id=QiGazUrpnusC&printsec=frontcover&dq=chaucer+canterbury+tale
s&lr=&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false  
3
Anexo 1: Imagem do manuscrito de Ellesmere da Huntington Library em San Marino, California.
http://www.english.upenn.edu/~jhsy/scholarship.html
4
PEARSALLl, D. Op. Cit., p. 8.
5
CHAUCER, G. The Canterbury Tales. Tradução de Nevill Coghill. Londres: Penguin Books, 1975.
6
CHAUCER, G. Os Contos da Cantuária. Tradução de Paulo Vizioli. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988.

 
11

A escolha por estas duas traduções também se deve ao fato de ambas as obras
apresentarem os textos completos em língua moderna. Há somente uma diferença na
ordem dos contos. Paulo Vizioli segue Coghill e mantém a ordem clássica de
estruturação dos Contos, porém desloca O Conto do Médico e O Conto do Vendedor de
Indulgências depois de 7 contos, colocando-o após o Conto do Proprietário de Terras.
O autor afirma que esse deslocamento foi feito de forma a manter a coerência no
diálogo do prólogo do Conto do Vendedor de Indulgências com a Mulher de Bath, onde
há uma conversa entre esses dois narradores7.
The Canterbury Tales constitui uma pintura da sociedade da época e, pela variedade
dos gêneros em que se enquadram os diferentes contos, apresenta um panorama da
literatura medieval. Os Contos estão precedidos por um Prólogo onde são apresentados
todos os 21 narradores, que contemplam membros das três ordens que são agrupadas à
maneira inglesa8. Da 1ª ordem, os membros da nobreza como o Cavaleiro e o Escudeiro;
pela 2ª ordem, os membros do clero como a Prioresa, o Monge, o Frade, a Freira e seu
Secretário, o oficial de Justiça Eclesiástica, o Pároco, o Vendedor de Indulgências e o
Estudante de Oxford; e os da 3ª ordem, os trabalhadores, divididos entre os membros da
burguesia como o Mercador, o Médico, o Advogado, a Mulher de Bath (fabricante de
tecidos) e o proprietário de terras alodiais; e os dos setores populares como o Feitor, o
Moleiro, o Carpinteiro e o Camponês.
O prólogo funciona como um guia para os contos, já que explica a motivação por
trás de cada narrador. Verificamos alguns Contos possuem um prólogo que contém um
diálogo entre o narrador e o albergueiro como O Conto do Moleiro, O Conto do
Cozinheiro, O Conto do Magistrado, O Conto do Homem do Mar, O Conto da
Prioresa, O Conto de Chaucer, O Conto do Monge, O Conto do Padre da Freira, O
Conto do Frade, O Conto do Mercador, O Conto do Criado do Cônego e O Conto do
Provedor; outros são uma resposta a um conto anterior como no Conto do Feitor e no
Conto do Beleguim; outros possuem um aprofundamento da personalidade do narrador
como O Conto da Mulher de Bath e no Conto do Estudante; alguns são um apanhado
inicial da ideia do conto principal como no Conto do Proprietário de Terras, no Conto
                                                                                                                       
7
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p. XXII.
8
DUBY, G. As três ordens ou o imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982, p.313-314.
Duby diferencia o caso Inglês na construção social referente ao imaginário das três ordens após o século
XII. O autor salienta que na Inglaterra, a ordem que passou a receber maior destaque era a nobreza,
devido à cavalaria, ocupando esta o primeiro lugar.

 
12

do Vendedor de Indulgências e no Conto da Outra Freira; e outros que não tem


nenhum prólogo, como O Conto do Cavaleiro e no Conto do Médico.
Chaucer, em suas descrições, demarca as qualidades de cada um dos peregrinos,
especialmente no que diz respeito aos ofícios deles, colocando no meio dessas
descrições um leve tom de crítica. As caracterizações do autor no prólogo fazem o leitor
ter uma ideia inicial de como os personagens são apresentados e, sobretudo como o
autor vê cada um desses indivíduos, de acordo com suas características pessoais e seus
estamentos.
Por exemplo, a crítica mais profunda à nobreza está no Conto de Chaucer sobre Sir
Topázio, onde o narrador aponta a decadência dos ideais cavalheirescos, e discute a
ideia do aumento da burguesia mercantil em detrimento da nobreza. Porém os outros
estamentos também são criticados. A descrição dos membros do clero deve-se muito
mais à posição anticlerical do autor e ao clima de descontentamentos de sua época. O
Frade é retratado com moral duvidosa, chegando a enumerar os diversos pecados dele
(vender perdão, seduzir mulheres e preferir bebidas ao trabalho clerical). Chaucer
caracteriza, inclusive, mais o Frade como uma pessoa que busca lucro a todo custo do
que o próprio Mercador que, para o autor, é uma pessoa que conduzia seus negócios
com respeito. Os membros da burguesia também não são poupados; ele caracteriza
como inescrupuloso o Feitor que roubava secretamente de seu patrão, o Provedor de
uma escola de direito de Londres, que conseguia ludibriar e levar vantagem sobre vários
homens instruídos e o Moleiro que roubava para si três vezes mais farinha de seus
clientes do que deveria.
Quanto à estrutura narrativa, os Contos têm como ponto de partida uma
peregrinação composta por vinte e nove peregrinos, que incluem o próprio Chaucer
entre eles. Os peregrinos rumam à cidade da Cantuária, para visitar o túmulo de São
Thomas Beckett.9 A peregrinação, um evento religioso e social, abre a possibilidade de
interações de indivíduos que agirão de acordo com suas perspectivas sociais exprimidas
pela sua vocação e classe social10.

                                                                                                                       
9
Arcebispo da Cantuária, assassinado durante o reinado de Henrique II, em 1170, por ter jurado
fidelidade ao Papa quando dos conflitos entre o poder da Coroa e o do Papado. In: MAUROIS, André. A
História da Inglaterra. Rio de Janeiro: Pongetti, 1975. p.82-87.
10
BOITAN, P. e MANN, J. The Cambridge Chaucer Companion. Londres: Cambridge University
Press, 1986, p.104.

 
13

Quando pensamos as peregrinações11, é possível identificar características


principais: a viagem física, o objetivo do contato com o sagrado ao fim da caminhada, a
conquista das provações do caminho percorrido e a recompensa pelo esforço na forma
de dádivas que poderiam ser espirituais ou físicas. Os motivos para as peregrinações
também poderiam ser vários como a penitência, imposta até mesmo pelo confessor, a
busca de uma graça ou cura e a procura de relíquias, que também teria colocado reis e
nobres a caminho dos lugares santos.
Não há em The Canterbury Tales a motivação da peregrinação de cada uma dessas
pessoas, mas podemos apontar alguns traços que distinguem tal comitiva daquelas que
normalmente realizavam peregrinações. O primeiro deles deve-se à própria proposta de
percurso da viagem, pois não passam seu tempo através de orações piedosas e
participação nos ritos religiosos.
Esses peregrinos param em Southwark e reúnem-se na Taberna do Tabardo, onde o
Albergueiro os sugere que cada um conte uma história, o melhor narrador ganharia um
jantar como prêmio. Os peregrinos enfrentam o longo caminho com contos dos mais
diversos estilos.
Jacques Le Goff afirma que a taberna também funcionava como um grande centro
social, seja em áreas urbanas ou rurais; essas tabernas, como no caso dos Contos da
Cantuária, também serviam de albergue para visitantes estrangeiros. “Ali se
propagavam as notícias, portadoras de realidades longínquas, de lendas e de mitos. Ali
se formavam, na conversa, as mentalidades”12. E é exatamente isso que é entendido nos
Contos: na taberna, os personagens estarão juntos reunindo diferentes estamentos
sociais para uma troca de suas realidades.
Com o percurso dos peregrinos de Chaucer, estabelecemos nosso recorte espacial.
Para chegar ao local onde se encontra o túmulo de Thomas Becket, passam pela
principal estrada que ligava Londres a Canterbury13, cujos pontos são mencionados
poucas vezes ao longo da obra.
Após partirem de Southwark, em Londres, a primeira referência encontrada é a de
Deptford: “Olhe ali a cidade de Deptford! E já é quase hora prima. Olhe ali
                                                                                                                       
11
SOT, M. Peregrinação. In: LE GOFF, J. e SCHMITT, J.C.e (orgs.). Dicionário temático do Ocidente
Medieval. São Paulo: EDUSC/Imprensa Oficial SP, 2002, Vol. 2, p.353.
12
LE GOFF, J. A civilização do Ocidente Medieval – volume II. Lisboa: Estampa, 1984, p.74.
13
Anexo2: rota de peregrinação de Londres a Canterbury: Disponível em
http://www.npr.org/news/graphics/2009/apr/ct_map/staticimage.jpg

 
14

Greenwich, aquela terra de velhacos!”14. Alguns contos depois, é possível localizá-los


em Boughton-under-Blean: “Sabem vocês onde fica a cidadezinha de Bob-up-and-
down, junto à floresta de Blean, na estrada de Cantuária? Pois foi lá que o nosso
Albergueiro deu de rir e brincar”15. Essas são as cidades nas quais os peregrinos
passam até chegar a aldeia da última história a ser narrada, no Prólogo ao Conto do
Pároco.
Entendemos que a obra The Canterbury Tales é riquíssima devido aos diversos
personagens dos mais diversos estratos sociais que apresenta, entretanto, para uma
dissertação de mestrado se torna necessário um recorte temático na fonte. Desta
maneira, nosso tema são as mulheres. Tanto aquelas que são as peregrinas da obra e são
apresentadas no prólogo como O Conto da Prioresa, Conto da Outra Freira, Conto da
Mulher de Bath, assim como os contos onde as mulheres são as personagens centrais
como no Conto do Moleiro, Conto do Mercador, Contos do Feitor, Conto do Homem do
Mar, Conto do Estudante e no Conto do Magistrado.
Em nosso trabalho, refletimos sobre as condutas esperadas pela mulher e, para isto,
reunimos elementos para verificar tanto o comportamento que era idealizado, quanto o
que era condenado pelo pensamento de alguns pensadores daquele período. Analisamos
assim, as representações a respeito da construção da imagem dessas mulheres.
Quando nos referimos à construção, em especial de gêneros, estamos nos referindo a
algo que se opõe a ideias deterministas, pensamos sobre a produção social dos sentidos
(do que é masculino e feminino), a um processo que vem sendo construído ao longo do
tempo.
Para Tilly16, os estudos de gênero, embora tenham contribuído para novas
perspectivas de compreensão, subestimam a ação humana ao enfatizar o texto. Para a
autora, a desconstrução pode permitir que significados ocultados sejam percebidos, mas
não permite contribuir com novos. Assim a autora defende a História Social das
Mulheres, dizendo que esta contribuiu para identificar e expandir nossa compreensão
                                                                                                                       
14
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.61.
“Why, look! Here’s Deptford and it’s nine o’clock! And Greenwich too, with many a black guard in it.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.124.
15
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.278.
“Don’t you all know where stands a little town, /The one that people call Bob-up-and-down,/Near Blean
Woods on the way to Canterbury?/Well, it was thereabouts our host turned merry.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.493.
16
TILLY, L. A. Gênero, história das mulheres e História social. Cadernos Pagu (3) 1994: p. 29-62.

 
15

sobre os novos fatos do passado e propõe a utilização do gênero enquanto categoria de


análise:
Isto não é um apelo para integrar a história das mulheres a uma outra
história, o que poderia significar apenas acrescentar materiais sobre
mulheres e gênero sem analisar suas implicações, mas é um apelo para
escrever uma história analítica das mulheres e para vincular seus
problemas àqueles das outras histórias. É exclusivamente através desta
confrontação que a história das mulheres terá possibilidades de
modificar o quadro geral da história no seu conjunto.17

Para a autora, discutir gênero é abordar sobre algo social. O conceito de gêneros
sexuais apresenta-se para desconstruir a representação tradicional do feminino e do
masculino, ao entender que homens e mulheres são socialmente produzidos pelo
discurso dominante e também por crenças, imagens e símbolos presentes nas diferentes
culturas. Podemos então, com nossa fonte, observar e verificar novos modelos, novas
representações de como entendemos as mulheres medievais.
Quando utilizamos o termo Representação, referimo-nos ao conceito desenvolvido
por Roger Chartier18, que define tipos de “práticas” capazes de articular e dar sentido a
tudo que permeia o campo da cultura. As representações, de fato, fornecem sentido ao
conjunto das práticas sociais, mas se diferenciam a partir do grupo que as veicula e elas
não são discursos neutros, pois produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma
autoridade e mesmo a legitimar escolhas. Coexistem uma gama de representações que
são diferentes e também divergentes entre si, em uma luta constante, que servem a
interesses de grupos particulares dentro da sociedade. Tais se dão no nível simbólico e,
muitas vezes, não são facilmente identificáveis. A escolha do termo representação
contribui inclusive para desconstruir essa visão tradicional de como são pensadas as
mulheres do período medieval.
Como nossa fonte trata de um texto literário no qual contribui para a construção de
identidades sociais, de relações sociais e de sistemas de conhecimento e crença e cuja
reprodução e transformações (possíveis) cabem às práticas discursivas de que a
literatura é um veículo. E neste sentido, podem representar e/ou reproduzir ideologias,
que entendemos como,

                                                                                                                       
17
Idem, p.29-30.
18
CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela
Galhardo. Rio. de Janeiro: Difel, 1993, p.62-63.

 
16

significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações


sociais, as identidades sociais), que são construídas em várias
dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que
contribuem para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de dominação19

E como nessa construção textual o aspecto da lingua é essencial, esta pode ser
entendida, por um lado, a partir de sua função na sociedade, como um meio de
comunicação nos quais mensagens e informações são construídas e passadas; mas
também se pode compreender a linguagem como a própria comunicação, que é
constituída na sociedade, reflete e é representada pela própria.
A respeito do papel da linguae sua importância para pensar as relações de poder no
campo discursivo, as considerações de Bordieu são úteis para a análise de nossa fonte.
Ele explica que se pode conferir uma eficiência propriamente simbólica de construção
da realidade, isto porque estrutura a noção que os agentes sociais têm do mundo e como
se opera as relações nesse mundo. Assim, a língua pode ser compreendida como um
sistema simbólico que constitui instrumentos de conhecimento e de comunicação, de
visões de mundo e de percepção do mundo social. E afirma:
A percepção do mundo social é produto de uma dupla estruturação
social: do lado objetivo, ela está socialmente estruturada porque as
autoridades ligadas aos agentes ou às instituições não oferecem à
percepção de maneira independente, mas em combinações de
probabilidade muito desigual (...); do lado subjetivo, ela está
estruturada porque os esquemas de percepção e de apreciação, (...) são
produtos das lutas simbólicas anteriores e exprimem, de forma mais
ou menos transformada, o estado das relações de força simbólica20

As considerações de Bourdieu são pertinentes para essa discussão, pois através delas
pode-se precisar de que forma a linguagem exerce um poder e se constitui em um
instrumento que age sobre o mundo. É através deste poder simbólico percebido na
linguagem que o caráter social desta é reafirmado. A força das palavras se exerce na sua
ação comunicativa, pois elas propagam valores, significados, ideologias que perpassam
os agentes sociais e se configuram como formas de dominação e exercício de poder.
A questão da linguagem e das relações de poder se tornam ricas em nosso trabalho
porque a aproximação entre História e Literatura se dá na medida em que ambas são
                                                                                                                       
19
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães et al. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 2001, p.117.
20
BORDIEU, P. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004,
p.139-140.

 
17

formas de representar o mundo, as questões e indagações dos homens em determinada


época.
Ao pensar sobre a utilização de literatura como fonte para a história, Sandra Jatay
Pesavento afirma que “a Literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima da
época; o modo pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias,quais os valores
que guiavam seus passos,quais os preconceitos,medos e sonhos.” 21
Chartier vai mais além e chega inclusive a afirmar que quando textos literários são
usados pelos historiadores “perdem a sua natureza literária para serem reconduzidos
ao estatuto de documento, válidos porque mostrando, de um outro modo, o que a
análise social estabeleceu pelos seus próprios processos”22. Entendemos que o uso da
literatura como fonte irá oferecer ao historiador a possibilidade de encontrar prováveis
respostas do porquê da existência de diferentes representações que indivíduos ou seus
grupos faziam de sua sociedade numa época.
Além desses conceitos que nos auxiliarão em nossa pesquisa, estabelecemos como
método do campo da História Comparada as proposições de Marc Bloch expostas no
artigo intitulado Por uma História Comparada das Sociedades Européias.
Marc Bloch assinala que, em história, a comparação consiste em:
fazer a escolha, em um ou mais meios sociais diferentes, de dois ou
mais fenômenos que pareçam, à primeira vista, apresentar entre si
certas analogias, descrever as curvas de suas evoluções, constatar as
semelhanças e as diferenças e, dentro do possível, explicar umas e
outras. 23

Bloch acrescenta, logo a seguir, que duas condições são necessárias para haver
comparação em história: uma certa similitude entre os fatos observados e uma certa
dessemelhança entre os meios onde eles foram produzidos24.
Bloch distingue dois casos de aplicação do método na história: o primeiro é um
fenômeno análogo que se apresenta em meios sociais distantes no tempo e no espaço; e
o segundo é o que nos interessa de perto, onde o fenômeno é buscado em sociedades

                                                                                                                       
21
PESAVENTO, S. J. Relação entre História e Literatura e Representação das identidades Urbanas no
Brasil (século XIX e XX). Revista Anos 90, Porto Alegre,n°4, 1995, p.82.
22
CHARTIER, R. Op. Cit., p.62.
23
BLOCH, M. Pour histoire comparée des sociétés européennes. In: BLOCH, Marc. Mélanges
historiques. Paris, Serge Fleury e Editions de TEHESS, Tome 1, 1983, p.17.
24
BARROS, J.D. História Comparada – da contribuição de Marc Bloch à constituição de um moderno
campo historiográfico. Revista de História Social nº13. São Paulo:Campinas, 2007, p.7-21.

 
18

sincrônicas, vizinhas no espaço, com uma ou mais origens comuns25. Neste último caso,
então, a análise permitiria, também, a identificação das trocas exercidas por um meio
social sobre o outro.
Esta modalidade historiográfica atua de forma simultânea e integradora sobre
campos de observação diferenciados e delimitados, que ela mesma constitui e delineia.
Para nós, isso se mostra útil, pois iremos comparar mulheres que, apesar de serem de
estratos sociais diferenciados, elas estão no mesmo espaço e tempo, são representações
de mulheres inglesas da segunda metade do século XIV.
Nosso trabalho será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo abordaremos
questões religiosas, sociais, econômicas e políticas da Inglaterra do século XIV e como
essas questões influíram para a construção dos Contos por Chaucer. O período em que
viveu nosso autor (1340-1400) abrange os reinados de Eduardo III (1327-1377),
Ricardo II (1377-1399) e o reinado de Henrique IV (1399-1413)26. Este é um período
marcado por grandes mudanças que são essenciais para que entendamos não somente o
contexto de produção da fonte, como também para entendermos a sociedade na qual
Chaucer viveu e percebeu esses diversos tipos sociais.
No segundo capítulo analisaremos sobre a forma como eram pensadas as mulheres
na Idade Média, as condutas e ações esperadas das mulheres, e todo o conjunto de
comportamentos que eram idealizados e condenados pelos homens da época. Na análise
de nossa fonte entendemos como as palavras estão inseridas nas relações de poder e
como estas perpassam na forma como as mulheres eram percebidas pelos homens
medievais e como Chaucer, por conseguinte, explorou essas caracterizações e as
representou discutindo alguns dos Contos cujas temáticas giram em torno da conduta
feminina das mulheres narradas, as personagens d’ Conto do Moleiro, Conto do
Mercador, Contos do Feitor, Conto do Homem do Mar, Conto do Estudante e no Conto
do Magistrado.
No terceiro capítulo analisaremos especificamente a construção das representações
das mulheres na fonte e se centrará nas narradoras, onde verificaremos a caracterização
pessoal do autor sobre estas mulheres, o prólogo e o conto d’ O Conto da Prioresa,
Conto da Outra Freira, Conto da Mulher de Bath.

                                                                                                                       
25
BLOCH, M. Op. Cit., p.19.
26
MAUROIS, A. Op. Cit., p.112.

 
19

Com esta divisão de capítulos, propomos uma visão que não se orienta pela
representação tradicional de análise da condição social feminina, que se baseia no
pensamento e regras estabelecidas pelos membros da Igreja. Estamos mais interessados
em conhecer como viviam e eram percebidas as mulheres de carne e osso, fossem elas
membros da nobreza, religiosas ou comerciantes, assim como suas condições de vida e
sua relação com outros sujeitos.

 
20

Capítulo 1 – O Tempo de Chaucer


Neste capítulo abordaremos questões econômicas, políticas, sociais e religiosas da
Inglaterra do século XIV e como essas questões influíram para a construção dos
“Contos” por Chaucer. O período em que viveu nosso autor (1340-1400) abrange os
reinados de Eduardo III (1327-1377), Ricardo II (1377-1399) e o reinado de Henrique
IV (1399-1413)27. Este é um período marcado por grandes mudanças nessas áreas, tanto
as que tiveram efeitos negativos quanto as que tiveram efeitos positivos.

A situação econômica
A economia da Inglaterra teve momentos de declínio e de prosperidade. A partir do
reinado de Eduardo II, entre 1315 a 1322, houve um período denominado como “A
Grande Fome”, a primeira de uma série de crises em larga escala que atingiram
a Europa no início do século XIV. Na primavera de 1315, chuvas acima do normal
assolaram a maior parte da Europa e a temperatura se mantinha fria.
Nestas condições, os grãos não germinavam e as colheitas começaram quebrar28.
Alimentos cereais e o gado aumentaram o preço, o que levou ao aumento da inflação e à
queda do poder aquisitivo de boa parte da população. Os preços na Inglaterra dobraram
entre a primavera e o meio do verão29. O pico da fome foi atingido em 1317. Além
disso, as pessoas estavam enfraquecidas por doenças como pneumonia e tuberculose e a
maioria dos estoques de sementes havia sido consumida. Apenas em 1325 os níveis de
alimentos voltaram para condições normais. Miskimim estima que entre 10% e 25% da
população de muitas cidades e vilas morreram30. Embora a Peste Negra (1338-1375)
tenha atingido mortalmente mais pessoas, a Grande Fome foi mais sentida pela
população por anos.
Esta situação foi agravada pelo aumento dos impostos, com a finalidade de uma
maior arrecadação para custear as despesas com as guerras – o que, porém, acabou por
fortalecer o ciclo vicioso, ou seja, aumento da inflação, dos preços e carência alimentar.
Esta situação se mantém por um período de mais de trinta anos (1305- 1338); somente a
                                                                                                                       
27
MAUROIS, A. Op.Cit., p. 112.
28
LUCAS, H.S. The Great European Famine of 1315, 1316, and 1317. Speculum Vol. 5, No. 4 (Oct.
1930), p. 352. http://www.jstor.org/stable/2848143
29
KERSHAW, I. The Great Famine and Agrarian Crisis in England 1315-1322. Past & Present. Nº
59. Oxford University Press, 1973, p. 7. http://www.jstor.org/stable/650378
30
MISKIMIN, H. A Economia do Renascimento Europeu (1300-1600). Lisboa: Estampa, 1998, p.
274.  

 
21

partir daí começamos a verificar uma queda nos preços dos alimentos e uma melhoria
nas condições de vida da população.
A melhora das colheitas e da situação econômica de parte da população inglesa
aliou-se ao aumento das relações comerciais. O comércio de lã era a principal fonte de
riquezas da Coroa. As primeiras guildas de ofício31 estabelecidas na Inglaterra foram as
dos tecelões, em Londres e em Oxford, no século XIV. Houve também um grande
florescimento econômico, iniciado desde a entrada da Inglaterra na liga hanseática até
estabelecimento desta aliança. A liga hanseática dominou consideravelmente o sistema
econômico da Europa e influenciou a vida de todas as cidades32. O intenso comércio por
todo o Mar Báltico e pelo interior levou as cidades ao auge econômico.
Contudo, na segunda metade do século XIV, os comerciantes ingleses ameaçaram as
áreas onde havia o monopólio no Báltico. Até o final do século, já havia uma colônia
inglesa em Danzig33. A liga, na tentativa de defender este monopólio, ameaça o
comércio inglês, resultando na rescisão das concessões e privilégios da liga pelo
Parlamento, em 1377. Esta recisão só foi revogada quando os mercadores ingleses
receberam a reciprocidade dos direitos de trocas nos distritos da Hansa, o que ocorreu
em 138034.
A Inglaterra também mantinha um comércio de venda de lã e milhete em troca do
vinho produzido em Aquitânia. A união dos dois reinos permitiria o incremento deste
comércio – já que a venda da lã era a principal fonte de renda – além de afastar qualquer
interferência do reino vizinho que pudesse acarretar prejuízo a Inglaterra. Esse comércio
vinha sofrendo interferência do rei francês, que queria fortalecer sua posição perante os
nobres que lhe deviam obediência enquanto seus vassalos, mas que não reconheciam
sua autoridade. Entre estes encontravam-se o soberano inglês, como o Duque da
Aquitânia, e o Duque da Borgonha. A Borgonha era também de enorme importância
dentro do mapa das rotas de comercio da lã inglesa, principalmente através da província
de Flandres.
                                                                                                                       
31
As guildas eram irmandades de artesãos especializados num ofício particular, que administravam todas
as operações relacionadas a ele, fixando preços e salários. Elas controlavam também as oficinas nas quais
os jovens artesãos aprendiam sua arte. In: MAUROIS, A. Op.Cit, p. 53.
32
Smith, J.R. Hanseatic vogs and Baltic trade: interrelations between trade technology and ecology.
Nebraska: University of Nebraska, 2010, p. 16.
33
PALAIS, H. England's First Attempt to Break the Commercial Monopoly of the Hanseatic
League, 1377-1380. The American Historical Review, Vol. 64, No. 4 (Jul. 1959), p. 852.
34
Idem, p.856.

 
22

O rei francês havia se apoderado da Gasconha, de modo a desestabilizar o comércio


inglês. Tentou fazer com que o Duque da Borgonha aceitasse sua autoridade. A saída
encontrada pela Inglaterra para que isso não acontecesse foi a ameaça de levar a
Burgundia ao colapso econômico, paralisando suas exportações de lã para a província
de Flandres. Essa ameaça levou o Duque da Borgonha a estabelecer uma aliança com
Eduardo II contra os franceses. Podemos perceber assim que não foi difícil e mais tarde,
Eduardo III conseguir que os grandes comerciantes arcassem com os gastos de uma
guerra contra a França, já que estes não queriam perder seus negócios com Flandres. Já
os senhores de terras e cavaleiros viam na guerra uma forma lucrativa de aumentarem o
seu poder político, social e econômico.

A política Inglesa
A Guerra, que serviu para a construção da autonomia da Inglaterra, além de se
caracterizar por uma série de batalhas contra a França em uma disputa que debatia
questões específicas, como as reivindicações entre as dinastias Plantageneta e
Capetíngia, tinha como objetivo a quebra com “os vínculos feudais entre si: o rei da
Inglaterra era vassalo francês”35, onde a necessidade de se manifestar as pretensões ao
trono em 1337 foi a forma que a nobreza inglesa encontrou para “restabelecer seu
poder e controlar o próprio”36 reino. Esta área pertencia ao reino inglês desde o período
da invasão normanda no século XI.
Essa possessão foi bastante ampliada no século XII, com a ascensão ao trono inglês
de Henrique Plantageneta, cujo território abrangia, na época, grande parte do espaço
francês37. Porém, os descendentes de Henrique não conseguiram assegurar suas
possessões francesas38 – estas foram reconquistadas por Filipe Augusto, e o reino inglês
só conseguiu manter a região da Aquitânia39. As pretensões inglesas voltam no
momento em que o trono Francês fica vacante de herdeiros masculinos. Eduardo III
entra na disputa pelo trono porque era neto por linhagem feminina do rei da França,
Felipe, o Belo. Contudo, esta situação já havia sido contornada ao ser designado Felipe

                                                                                                                       
35
FRANCO Jr., H. Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo, Brasiliense, 1995, p. 105.
36
Idem, p.106.
37
Mapa referente à área de Henrique II no apêndice (mapa 1).
38
Mapa referente à área Inglesa após o Tratado de Brétigny no apêndice (mapa 2).
39
BOITAN, P. e MANN, J. The Cambridge Chaucer Companion. Londres: Cambridge University
Press, 1986, p. 55.

 
23

de Valois, sobrinho do rei, como sucessor ao trono. Eduardo não aceita esta designação
e declara guerra para garantir os seus direitos e tornar-se rei de França também40.
Paralelamente, o rei inglês procura apoio em outros reinos para a sua pretensão,
como nos afirma Miskimin, apontando que “Eduardo III fizera uma aliança com o rei
de Castela no propósito de obrigar a Flandres a juntar-se-lhe na guerra contra a
França”41, demonstrando que a disputa entre Inglaterra e França envolvia também as
relações comerciais com outras regiões.
Esta foi uma guerra longa e marcada por diversas fases. A primeira compreende o
período42 de 1337-1360, período de vitória inglesa, que terminou com o tratado de
Brétigny, que cedia à Inglaterra o controle da faixa costeira do norte e oeste da França; a
segunda compreende o período de 1360-1380, que é marcado pela recuperação francesa
com a assinatura do Tratado de Bruges, que restringia a posse inglesa à região de Calais
e da Gasconha; a terceira, de 1380-1420, período de vitória inglesa, em que a Inglaterra,
através do Tratado de Troyes, recebeu grande parte da região francesa e a última fase,
de 1420-1453, período de recuperação francesa através da derrota inglesa em Orléans e
de acordos com os borgonheses, culminando com o fim do conflito.
Verificamos que a primeira fase desta guerra, através das vitórias e riquezas
apreendidas, possibilitou ao rei inglês a criação de mecanismos de apoio à manutenção
de seu poder, valorizando o protocolo e a hierarquia de títulos, e a agregação à guerra do
sentimento de recompensa à honra e ao valor no combate. É dentro desta política que,
em 1348, cria A Ordem dos Cavaleiros Jarreteira. Esta reunia em torno do rei os
homens mais ricos, o que possibilitava o fortalecimento da política régia e lhe garantia
os recursos para dar continuidade à guerra43.

A organização social

                                                                                                                       
40
Idem, p. 58.
41
MISKIMIN, H. Op. Cit., p. 298.
42
MAUROIS, A. Op. Cit, p. 76-95.
43
GARDNER, J.C. The life and times of Chaucer. Nova York: Alfred A. Knopf, 1977, p. 41.

 
24

Em 1348, a Peste Negra chega à Europa, caindo sobre as populações que sofriam
pela fome e que estavam enfraquecidas44. Esta doença se alastrou pela Europa a partir
do Mediterrâneo. Estende-se por todo o continente, passando pela Itália e a Península
Ibérica primeiramente; vai até as diversas regiões da França, e, em julho do mesmo ano
chega à Inglaterra, até chegar, em 1350, nas áreas da Escócia e Escandinávia45.
Com a peste, configurou-se uma nova situação, através da perda demográfica, que
viria afetar a toda a sociedade inglesa. A diminuição da mão de obra campesina permitia
agora uma maior barganha por parte dos trabalhadores rurais (servos ou homens livres)
em relação aos senhores46. Através da menor oferta de trabalhadores, era possível exigir
melhores pagamentos por sua jornada de trabalho diária. Tais pagamentos podiam ser
feitos na forma de provisões de comida ou roupas, salário ou outras recompensas.
Temos, então, um crescente abandono das terras, que levou a um acúmulo dos lotes de
terra na mão de um só proprietário, que passou a empregar trabalhadores assalariados.
Com esse período de crise, muitos camponeses conseguiram acumular recursos, de
forma a se tornarem proprietários de lotes de terra por eles cultivados.
Neste sentido, percebe-se que há uma quebra com a ordem social vigente, através de
novas movimentações sociais, que levam o rei a lançar o Decreto dos Trabalhadores, em
1349, para resguardar os senhores do valor pago pelas jornadas de trabalho.
Após o falecimento de Eduardo III, o reino foi ficando cada vez mais instável, o
Parlamento tornou-se cada vez mais influente e a divisão entre os lordes e os comuns
mais nítida47. Como manifestação legal destas transformações sociais, em 1381, no
reinado de Ricardo II, e como resultado da cobrança de um novo imposto universal per
capita, igual para todos os habitantes do reino, e não proporcional ao nível social pelo
Parlamento, eclodiu o que ficou conhecido como a Revolta dos Camponeses, que foi
composta por uma série de levantes populares com o objetivo de reivindicar o fim dos
vínculos legais de vassalagem48. Assim, apesar de a vassalagem não ter tomado fim,
acabou perdendo adeptos e progressivamente as guildas começaram a conquistar o
controle do governo municipal nas cidades inglesas.
                                                                                                                       
44
SIMONI, K. De peste e literatura: imagens do Decameron de Giovanni Boccaccio. Anuário de
Literatura. Rio Grande do Sul: Florianópolis, 2007, p.32.
45
DELUMEAU, J. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1994, p.67.
46
LE GOFF, J. A Civilização do Ocidente Medieval – volume II. Lisboa: Estampa, 1984, p. 74.
47
LE GOFF, J. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 87.
48
FRYDE, N. La crisis de La baja edad media en Inglaterra según la investigación anglosajona de
los últimos veinte años. Barcelona: Crítica, 1997, p. 91.

 
25

A posição econômica dos segmentos inferiores melhorou após a peste, podendo


alguns vilões e homens livres prosperar com a compra e venda de terras, em parcelas
pequenas. Tais pedaços de terra eram adquiridos de seus senhores ou de outros vilões.
Este processo acabou por resultar em diferenças de riqueza entre os trabalhadores do
campo49.
Tecelões, sapateiros, seladores, ferreiros e aqueles que exerciam ofícios
especializados começaram também a ter um maior poder econômico, assim como os
donos de seus próprios estabelecimentos, como açougueiros, padeiros e taverneiros, que
podiam cobrar mais pelos seus serviços, ao passo que senhores de terras perderam
grande parte de seus benefícios, vendo-se obrigados a aceitar as cobranças por melhores
pagamentos e condições de trabalho feitas pelos trabalhadores rurais livres e pelos
vilões.
Nos anos seguintes, verifica-se o aparecimento de novos grupos sociais provocado
pela maior distribuição de riqueza entre os diversos segmentos, tornando a hierarquia
social mais estratificada. Esta quebra com a sociedade tripartida crescia e se tornava
cada vez mais diversificada.
Na perspectiva social, verifica-se durante a época de Chaucer uma nova articulação
feudal. Já no século XIV, as relações servis foram sendo substituídas gradualmente por
terras arrendadas e pagamentos em dinheiro. Também devido à guerra, a monarquia
estava se fortalecendo; uma prova de uma maior noção sobre isso, percebe-se nos
Contos de Chaucer, que se tornou um marco no desenvolvimento da Língua Inglesa.
De maneira geral, no reinado de Eduardo III, este período foi assinalado por uma
liderança inglesa que se enfraqueceu nos últimos anos do reinado; assim, acumularam-
se dificuldades financeiras trazidas tanto pelos gastos com a guerra como com a
mortalidade ocasionada pela Peste Negra.

                                                                                                                       
49
DUBY, G. Op. Cit., p.105.

 
26

O plano religioso
Além dos fatores político, econômico e social, durante o século XIV, há também a
questão religiosa, essencial como pano de fundo às críticas feitas aos membros do clero
para os contos analisados.
Na Inglaterra, no plano religioso, o que contribuiu para o questionamento que a
sociedade inglesa fazia à Igreja Católica da época a respeito das condutas e das práticas,
tem-se como fator inicial de ruptura o evento conhecido como O Grande Cisma do
Ocidente, a divisão que ocorreu entre 1378 e 1417, que veio contribuir para a crise por
que passava a instituição eclesiástica, principalmente com a tentativa do papa Gregório
XI de restituir o papado em Roma e apesar dos esforços da monarquia francesa dos
Valois em mantê-lo, a qualquer custo, na cidade de Avignon50.
O papa se estabelecera em Avignon em 1309, com a discordância dos romanos que o
queriam de volta, por se tratar de uma Igreja Romana, e também por razões econômicas.
Porém, após o restabelecimento do papado em Roma, Gregório XI morre, o que cria o
impasse a respeito de sua sucessão51. Em seguida, Bartolomeu Prignano, arcebispo de
Bari, é o escolhido, adotando o nome de Urbano VI. Este Papa era italiano de nascença
(mas não romano) e havia feito carreira em Avignon. Após assumir o posto, Urbano VI
modifica sua atitude em relação aos prelados que o haviam elegido. Passa a atacar o
luxo deles, o seu gosto pela pompa e o fato de que pouco fazem conformidade com o
ideal evangélico. Tal comportamento abre uma crise entre os cardeais.
A resolução dos prelados ante a posição de Urbano é a de tentar anular sua eleição.
Eles procuram nas coleções jurídicas argumentos que justifiquem esta medida, no
entanto, nenhum documento estabelece de forma peremptória a ilegalidade desta
eleição. Mas apesar da ausência documental, eles a desfazem apoiando-se em detalhes
irregulares do processo de eleição e declaram vago o trono papal romano.
Uma segunda eleição estabelece Clemente VII em Avignon. Estava desencadeado o
Cisma: a existência simultânea de dois papas, um residindo em Roma, outro na cidade
francesa. Houve um período, inclusive, em que existiram três Papas diferentes: Bento
XIII, de Avignon; Gregório XII, de Roma e Alexandre V, arcebispo de Milão. Somente

                                                                                                                       
50
VAUCHEZ, A. A espiritualidade na Idade Média Ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995,
p.64.
51
BALARD, M. Idade Média Ocidental: dos Bárbaros ao Renascimento. Lisboa: Dom Quixote, 1996,
p. 372.

 
27

com o Concílio de Constança e a eleição de Martinho V conseguiu-se reafirmar uma


liderança Papal una. Para as autoridades inglesas em Roma, a “eleição de Urbano era
legítima, o que suscitava nos cronistas ingleses um sentimento marcadamente
antifrancês” 52.
Com esta crise na liderança papal, a população cristã ficava abalada com esta
instabilidade, que também estava agravada pela crise da Europa no fim do século XIV.
Todo esse clima de descrença em relação à Igreja, que marcou a parte daquele,
culminou em críticas de vários setores em relação aos gastos excessivos e à cobiça dos
clérigos53.
Aliada à crise de seu papel como representante da Cristandade, a Igreja Católica teve
sua posição ameaçada com o desenvolvimento do sentimento nacional nos diversos
reinos. Na Inglaterra, a conseqüência deste processo foi a proibição, em meados do
século XIV, da apelação ao tribunal papal nos processos judiciais em curso no país e
envio de taxas eclesiásticas para o exterior. A instituição na Inglaterra começava a criar
autonomia em relação ao papado.
A Igreja na Inglaterra, assim como no resto das Ilhas Britânicas, em fins do
Medievo, passava pelo período “de enraizamento das práticas, valores e das
estruturas”54 que haviam se estabelecido nos séculos XII e XIII. Existia já uma ecclesia
anglicana instaurada e assim chamada desde o século XII55. O quadro humano da Igreja,
no século XIV, compreendia os bispos e os padres de paróquia, os monges, e também os
freis. Estes freis pertenciam às ordens mendicantes que haviam, no século XIII, se
inspirado no exemplo dado por São Francisco. Iam de lugarejo em lugarejo, nos quais
pregavam e pediam esmola. O dinheiro arrecadado era normalmente destinado aos
desvalidos, e não a eles próprios, uma vez que estes freis faziam voto de pobreza.
Como a Peste Negra havia criado uma fenda no tecido social da Cristandade e, a
partir disso, abrira espaço para uma série de transformações que viriam a afetar
praticamente todas as instâncias da vida social, a Igreja não deixou de sentir os efeitos
sociais e morais trazidos pela peste. Selvatici afirma que, na Inglaterra, a Igreja perdeu
                                                                                                                       
52
SELVATICI, M. Igreja Católica e sentimento religioso na Inglaterra do século XIV. Revista Aulas.
Campinas. N.4 – abril 2007/julho, 2000, p. 10.
53
BERLIOZ, J. Monges e religiosos na Idade Média. Lisboa: Terramar, 1994, p. 96.
54
SELVATICI, M. Op. Cit., p. 12.
55
CONTAMINE, P. L’Église dans les îles Britanniques. In: MAYEUR, J. M., PIETRI, C., VAUCHEZ,
A et VENARD, M. (dir.). Histoire du Christianisme, 6: Un temps d’épreuves (1274-1449). 1990. Paris,
Desclée/Fayard, p. 658.

 
28

55% de seus membros, tendo seu corpo encolhido de dezoito mil para somente oito mil
religiosos. A taxa de mortalidade entre o clero paroquial foi de 40%, enquanto entre os
56
bispos, esta foi abaixo de 18% . Em função de tal situação de calamidade, muitos
padres e capelães se recusavam a fazer o serviço religioso sem o pagamento de um
salário maior ao que costumavam receber em épocas normais.
Com a situação de abalo provocada pela epidemia no meio religiosos, é emitido um
mandado do bispo de Rochester, datado de 27 de junho de 1349, dirigido ao
arquidiácono, no qual é ordenado o serviço dos clérigos desta paróquia ante os mesmos
salários, como tentativa de manutenção dos serviços clericais. Mesmo com esta ordem,
muitos padres, ao verem que o número de seus paroquianos diminuía
57
consideravelmente, desertavam de suas funções .
Na realidade, os padres e freiras que fugiam da proximidade dos doentes o faziam
tanto quanto os médicos e notários. Eram, em verdade, homens simples, dotados dos
mesmos medos e angústias que afligiam as pessoas comuns. Entretanto, o julgamento
da comunidade a seu respeito foi incisivo na medida em que a peste mostrara o clero
como um corpo composto de homens e mulheres indignos do ofício sagrado58.
Apesar de as autoridades eclesiásticas terem expedido decretos e adotado medidas
no sentido de manter algum tipo de liderança espiritual sobre seu rebanho, quando da
ausência dos padres, este rebanho já começava a responder à situação de desespero
criada pela peste a sua própria maneira – principalmente, por meio do misticismo –, não
mais parecendo necessitar de seus mediadores espirituais.
Como tentativa de reafirmar a crença da população no clero, os pregadores
adquiriram uma grande importância pela Europa, aliados ao movimento de
peregrinação. Segundo André Vauchez59, locais como Santiago de Compostela, Roma,
Montserrat, Jerusalém e o Túmulo de Thomas Becket em Canterbury, que é o mote
central dos “Contos da Cantuária”, se tornaram grandes polos de peregrinação.
A peregrinação desenvolveu-se de forma intensa com a prática do deslocamento de
pessoas a locais considerados sagrados. Peregrinos de diversas localidades da
cristandade faziam essas viagens, que podiam ser para locais longe e de difícil
                                                                                                                       
56
SELVATICI, M. Op. Cit., p. 13.
57
COULTON, G. G. Medieval Panorama.The English Scene from Conquest to Reformation. New
York: The MacMillan Company, 1946, p.497.
58
Idem, p.500.
59
VAUCHEZ, A. Op. Cit., p.77.

 
29

realização devido aos obstáculos físicos dos caminhos que conduziam aos lugares
santos, como a ida para Jerusalém ou o caminho para Santiago de Compostela. As
dificuldades, no entanto, não impediam esse movimento dos viajantes cristãos, cujo
objetivo era o encontro com o sagrado. A jornada final, por ter sido árdua, também
engrandecia todo o propósito do cristão.
Normalmente, era após o final de uma peregrinação que os peregrinos podiam dispor
dos privilégios sociais. Por este motivo, muitos viajantes faziam questão de expor em
suas casas e oficinas os ícones, os certificados e os outros símbolos que comprovavam
sua participação em peregrinações. Encontramos também peregrinos motivados pela
busca de uma graça ou cura, motivações mais específicas que mobilizavam diversos
viajantes60. Muitos destes eram peregrinos piedosos ou ainda devotos que rumavam aos
locais representativos dos santos, mas, de modo geral, esperavam receber recompensas
por seu esforço, fossem elas recompensas materiais ou espirituais. Havia peregrinações
em busca de indulgências e também aqueles que peregrinavam como pedintes, contando
com a caridade de viajantes mais ricos ou mosteiros que lhes ofereciam abrigo.

A vida de Chaucer
Também se mostra importante para essa análise das representações veiculadas na
obra escrita por Geoffrey Chaucer (1340-1400) analisar a sua trajetória, desde sua
origem social até seu papel dentro da corte Inglesa, para entendermos como esse autor
foi um indivíduo que soube discutir e criar sobre a visão da sociedade em que viveu.
O poeta era de uma família de prósperos comerciantes de vinho, residente no bairro
londrino de Vintry. Seu pai, John Chaucer, tinha influência na corte de Eduardo III.
Chaucer foi pagem dentro da casa de Elizabeth de Burgh, condessa de Ulter e, mais
tarde, esposa de Lionel, Duque de Clarence. Assim, acaba recebendo a educação da
nobreza e os modos da corte. Numa sociedade em que a cortesia de gestos representa a
distinção social, tal aprendizado adquire grande importância no que diz respeito a
ascender socialmente61.

                                                                                                                       
60
JESUZ, V.A. Viagens de Peregrinação: devoção, salvação e outras possibilidades. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011  
61
MILLER, R.P.. Chaucer, Geoffrey. In: GROLIER Multimedia Encyclopedia. Danbury, Grolier
Interactive, 1997, p.1.

 
30

Acredita-se que Chaucer tenha estudado na Inns of Chancery (escola para trabalho
na corte inglesa) e na Inns of Court (escola para a prática da advocacia, em leis não
canônicas)62. Chaucer começa a ascender socialmente ao exercer diversas funções
administrativas e diplomáticas dentro da corte inglesa: ele presta serviços não só ao rei
Ricardo III, mas a seu filho John de Gaunt, Duque de Lancaster, que se torna seu
protetor durante toda a sua vida. Em 1366, casa-se com Philippa Roet, uma das damas
da rainha. Em 1367, ele já é um valete na casa de Eduardo III e, em 1368, já tem o posto
de escudeiro do Rei.
Em junho de 1374, Eduardo III o indica para o cargo de controle dos direitos
alfandegários e subsídios sobre a lã, peles e couro para o porto de Londres, e, em 1382,
Ricardo II o fez controlador dos direitos alfandegários de menor porte. Chaucer
manteve esses postos até 1385. No mesmo ano, serviu como juiz de paz para o Condado
de Kent e, no ano seguinte, tornou-se Cavaleiro do Condado, sendo eleito representante
no Parlamento, por Kent. Exercendo esta função, Chaucer ascendia à pequena nobreza.
Em 1389, tornou-se escrivão do rei. Assim, recebia também presentes e anuidades pelos
serviços prestados à Coroa63.
Esta carreira administrativa na corte e as diversas viagens que foi levado a fazer,
fizeram que Chaucer adquirisse conhecimentos diversificados, dando para a sua escrita
credibilidade, destinada a um público de corte que já se abria a novas pessoas que
exerciam funções administrativas, jurídicas ou de ciclos universitários. Se pensarmos na
vida de ocupações dentro da corte que Chaucer teve, perceberemos a importância de sua
produção artística, além de todo o conhecimento literário pelo qual perpassa sua obra,
“uma absorção da literatura clássica e vernacular nas três línguas com as quais ele
entrou em contato em suas funções diplomáticas: latim, francês e italiano”64.
As funções diplomáticas de Chaucer o levaram à França e à Itália. Estas últimas em
muito contribuíram ao nível de sua produção literária, uma vez que lhe permitiram
entrar em contato com os trabalhos de Boccaccio, Petrarca e Dante. Entre 1369 e 1370,
Chaucer escreveu O Livro da Duquesa em homenagem a Blanche, duquesa de

                                                                                                                       
62
Idem, p. 2.
63
MILLER, R.P. Op. Cit. p. 1.
64
SELVATICI, M. O poeta Geoffrey Chaucer e a “fundação” da literatura inglesa no Baixo Medievo.
Revista História. Unisinos. Maio/Agosto 2008, p. 183.

 
31

Lancaster e primeira esposa de John de Gaunt, morta em 1368. Este poema escrito de
forma narrativa é um típico exemplo da influência francesa sobre a escrita de Chaucer.
Além deste poema e da tradução de Le Roman de La Rose, outra obra de peso do
poeta que segue o mesmo padrão é The House of Fame. Este poema demonstra uma
influência da pré-Renascença italiana, já que contém uma paródia aberta da Divina
Comédia, de Dante. Entre 1380 e 1385, escreveu The Parliament of Fowls e Troilus and
Criseyde, que é considerado por muitos o primeiro romance de literatura inglesa:
Neste poema Chaucer transformou o estilizado Filostrato de
Boccaccio ao analisar profundamente motivos humanos comuns
dentro de uma visão Boeciana e fundamentalmente cristã. Somente
Shakespeare, mais de dois séculos mais tarde, igualaria a expressão da
‘miséria da condição humana’ de Chaucer [...]65

O conteúdo de Troilus e Criseyde parece ter causado um certo mal-estar dentro da


corte em relação a uma possível implicação de que as mulheres seriam mais infiéis no
amor do que os homens. A rainha Anne da Boêmia, esposa de Ricardo II, teria se
sentido ofendida e, por consequência disso, Chaucer teria sido obrigado a se retratar
perante os reis. Assim, em 1386, ele redige The Legend of the Saints of Cupid, também
conhecido como The Legend of Good Women, uma série de vidas de santas, como
retratação.
No final de 1386, Chaucer é afastado de seus cargos administrativos em
consequência do afastamento de John de Gaunt da Inglaterra, em missão militar na
Espanha, e de sua substituição pelo Duque de Glocester. O Duque, por não ser patrono
de Chaucer, decide colocar seus próprios partidários nos postos em que o poeta
trabalhava. Esta situação o compromete materialmente. É neste período de afastamento
da vida administrativa que Chaucer começa a redigir Os Contos da Cantuária.
Em 1389, John de Gaunt retorna da Espanha e com isso Chaucer tem de volta seus
favores e o seu ofício dentro da corte. Esses cargos são uma forma de manter o salário
do poeta e, assim, mostrar reconhecimento e agradecimento por sua honrosa vida de
serviços prestados à Coroa. Porém, o valor de vinte libras anuais que recebia desde o
reinado de Ricardo II, é dobrado em 1399, pelo recém-coroado Henrique IV, após o
apelo lançado pelo poeta, dentro da obra Complaint to his Empty Purse (Reclamação à
sua bolsa vazia), tendo em vista que “a evidência dos registros sugere que Chaucer

                                                                                                                       
65
MILLER, R.P. Op. Cit. p. 2.

 
32

estava sendo muito cuidadoso em relação ao seu dinheiro”66. Esta foi a última das
gratificações com as quais havia sido agraciado em vida. Chaucer morre em 25 de
outubro de 1400, sendo enterrado na Abadia de Westminster.

O lugar de Chaucer na poesia medieval inglesa


As obras de Geoffrey Chaucer e, especialmente Os Contos da Cantuária, deram ao
poeta o posto de pai da literatura inglesa, uma vez que o conteúdo e o aspecto formal de
suas obras são considerados um marco na história da língua inglesa: “foi um dos
primeiros escritores a conferir um cunho literário ao dialeto de Londres”67.
Por volta do século XIII, quando o Middle English já era utilizado na Inglaterra,
havia ainda muita diferença entre o idioma falado entre a sociedade. Enquanto “a maior
parte da população falava um inglês parecido com o que conhecemos hoje, a
aristocracia e o clero preferiam um dialeto francês e o latim”68. O francês falado nas
ilhas britânicas provém do período da invasão normanda, em 1066. Desde o século XI,
este dialeto é utilizado pela elite normanda que tomou o poder e se estabeleceu na
Inglaterra. Já a literatura em língua latina se mantém restrita à Igreja, nas obras que
visam à instrução sobre a vida e moral cristãs e a Bíblia.
Todavia, em 1244, os reis inglês e francês decretaram a proibição da posse de terras,
por uma só pessoa, nos dois reinos69. Isso culminou com o processo de nobres franceses
permanecerem em solo inglês. Assim, em meados de século XIV, o Middle English já
era falado pela maioria do reino. Em 1362, há uma decisão do Parlamento inglês de que
todas as decisões judiciais sejam feitas em língua inglesa70. Chaucer, ao escrever seus
textos em inglês, além de ilustrar essa realidade, inova e acaba dando à sua língua a
posição de um idioma literário.
A poesia narrativa de Chaucer é categorizada sob o nome de dream vision e, mais
especificamente para sua obra, é chamada de dream debat71, que é uma conversa menos

                                                                                                                       
66
GARDNER, J. C. Op. Cit., p. 5.
67
D’ONOFRIO, S. Literatura Ocidental: Autores e Obras Fundamentais. São Paulo: Ática, 1990, p.
155.
68
CEVASCO, M.E.; SIQUEIRA, V.L. Rumos da Literatura Inglesa. São Paulo, Ática, 1985, p.5.
69
GARDNER, J. C. Op. Cit. p.8.
70
Idem. p. 9.
71
RUSSELL, J. S. The English dream vision: anatomy of a form. Ohio: Ohio State University Press,
1988, p. 5-8.  

 
33

formal entre os personagens, que podem ser reais ou alegóricos. Normalmente há vários
interlocutores e vários tópicos de conversa.
As dream visions de Chaucer podem ter diversos tipos de configurações, que são
utilizadas em suas obras, porém a única constante é a figura central do narrador-
personagem. Um autor de dream vision é sempre um personagem na sua narrativa72 –
no caso dos Contos, o autor é efetivamente ele mesmo na narrativa. No período
medieval, este tipo de literatura era usado para a alegoria, uma forma de metáfora na
qual os personagens, objetos e ações dentro da narrativa personificam ou representam,
na maioria das vezes, qualidades abstratas e as relações entre essas abstrações73.
As alegorias normalmente têm um final que evoca significados morais. E como este
período na Idade Medieval é coberto de histórias com um fundo didático, Os Contos da
Cantuária de Chaucer é considerada a obra que melhor representa esta passagem de
uma nova forma de se conceber a literatura. Nela, as personagens do poeta são
personagens possíveis, uma vez que são inspiradas no quadro social da Inglaterra da
segunda metade do século XIV74.
 

                                                                                                                       
72
Idem, p.5.
73
SELVATICI, M. Op. Cit., p. 184.
74
D’ONOFRIO, S. Op. Cit., p. 155.  

 
34

Capítulo 2 – As representações da mulher


Neste capítulo, analisamos a conduta esperada para as mulheres, como forma de
fornecer elementos para as discussões de nosso trabalho, no qual verificamos alguns dos
Contos onde a questão da condição feminina adquire maior relevância. Para isto,
reunimos elementos para verificar tanto o comportamento que era idealizado, quanto o
que era condenado e as formas como as mulheres medievais eram representadas,
comparando essas representações às personagens de nossa fonte.
Nessa análise, entendemos como as palavras estão inseridas nas relações de poder e
como estas relações perpassam na maneira como as mulheres eram percebidas pelos
homens medievais – e de que forma Chaucer, por conseguinte, as representou e
explorou “as caracterizações da Prioresa, Griselda, e em tantas outras, os desafios
complexos e incoerentes do que significava tentar ser uma mulher na Inglaterra de
Chaucer.”75
Quando nos referimos a essas caracterizações de mulheres, entendemos a
importância de analisarmos as construções de identidade e, consequentemente, a
idealização de todo um conjunto de expectativas e funções de cada papel social.
Enquanto uma categoria e construção social, a noção de gênero refere-se aos papéis
veiculados por uma sociedade, que regem comportamentos predeterminados como
sendo apropriados e característicos de homens e de mulheres. Essa concepção se
encaixa em nosso trabalho, pois na sociedade medieval temos a representação do
conjunto de características esperadas para um homem nobre, religioso ou camponês,
assim como as expectativas para as mulheres dessa sociedade.
O processo de categorização inscrito no processo social de construção das
identidades constitui-se pela diferenciação entre os grupos a que se pertença, mas
também pela integração, sendo estes processos, de diferenciação ou integração,
simultâneos, manifestados por práticas de aproximação e distanciamento relativo às
situações sociais.
Entendendo essa relação entre identidade e representação social, destaca-se a
articulação entre a origem coletiva da identidade e a sua manifestação individual:

                                                                                                                       
75
“in his characterizations of the Prioress, Griselde, and so many others, the complex and incoherent
challenges of what it meant to try to be a women in Chaucer’s England.” In: BENNETT, J. M. Queens.
Whores and Maidens: Women in Chaucer’s England. London: Royal Holloway, 2002, p.27

 
35

os processos identitários não se resumem aos que envolvem a


identificação pelos outros, ou seja, a atribuição externa duma
identidade. Na abordagem psicossociológica, eles também englobam
os processos através dos quais os indivíduos constroem uma
concepção singular e distintiva de si próprios e gerem essa noção de
self nos diferentes contextos.76

Entendemos que diversas representações sobre as mulheres (e sobre os homens


também) foram sendo construídas ao longo da Idade Média e estabelecem um conjunto
de relações de expectativas. A desigualdade de gênero, como outras formas de
diferenciação social, se relaciona a um fenômeno instituído social e culturalmente, que
se processa no cotidiano de forma quase imperceptível e, com isso, acaba sendo
disseminada: os sistemas de diferenciação social como o gênero, têm como objetivo o
exercício e manutenção de poder.
Os indivíduos, porém, não são simples depósitos de valores, normas e condutas que
determinam comportamentos e atitudes institucionais e normativas; ao contrário,
também refletem e reagem, modificam ou mesmo interpretam essas regras, sem
esquecer que grupos e indivíduos inseridos nesse contexto estão sob estruturas de
coerção, como os contextos sócio-político, econômico, cultural, que não só criam as
desigualdades como as reproduzem77. E na literatura temos diversos exemplos de
estruturação das representações que foram sendo disseminadas ao longo dos séculos e
que ajudaram na construção de um imaginário do que é ser mulher.
Os relatos bíblicos sobre a tentação e o pecado original forneceram as bases para a
idealização do feminino78. A construção da imagem das mulheres no decorrer dos
séculos é iniciada com os erros de Eva, que não só se condenou, mas também carregou
Adão junto em sua desobediência a Deus: “O principal papel que a mulher (Eva) tem
no Antigo Testamento é o de instrumentum diaboli, um instrumento que causa a
perdição do gênero humano, resgatado depois pela descida do Salvador.”79
No Velho Testamento, a visão da mulher enquanto instrumento diabólico é um
componente presente na religião judaica e depois na cristã. Há, por exemplo, o caso de
                                                                                                                       
76
AMÂNCIO, L. Gênero: Representações e Identidades. Sociologia, Problemas e Práticas, nº 14, p. 135.
77
CABRAL, F., DÍAZ, M. Relações de gênero. Cadernos afetividade e sexualidade na educação: um
novo olhar. Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte; Fundação Odebrecht. Belo Horizonte:
Gráfica Editora Rona Ltda, 1999, p. 143-144.
78
MEDEIROS, S. K. L. A imagem das mulheres. In: MEDEIROS, S. K. L. Lamurientas, faladeiras e
mentirosas?: estudo sobre a condição social feminina no quatrocentos português. São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009, p. 63
79
PILOSU, M. A mulher, a luxúria e a Igreja na Idade Média. Lisboa: Estampa, 1995, p.29

 
36

Sansão, que, por meio das artimanhas femininas de Dalila, arca com a morte de vários
filisteus; ou Salomão, que se ajoelha diante de um falso ídolo por uma mulher.
Esse perigo representado pela mulher tentadora se enquadrava em uma noção
cultural em que a mulher assumia um papel subordinado ao homem. Os perigos a evitar
são a traição da religião tradicional e também a perdição, o desencantamento do desejo
e a impureza que conduz ao inferno80. Essa noção de mulher tentadora será utilizada por
Chaucer, por exemplo, para representar Alison do Conto do Moleiro, uma jovem que
seduz não só seu marido, mas também um estudante inquilino em sua casa. Esta mulher,
para Chaucer, é aquela que desvirtua, que corrompe, que trai, caracterizando traços
dessa visão de Eva do Antigo Testamento.
Nos primeiros séculos do Cristianismo, se desenvolve um topos de visão feminina
que aparece no contexto do monaquismo ascético, desenvolvido a partir do século III no
Egito. A exemplo disso, temos a vida de Santo Antônio, em que depois de o Diabo
tentá-lo com riquezas, alimentos, traz “a arma mais eficaz (…) aos jovens: a luxúria”81,
com vistas à fazê-lo abandonar a sua solidão voluntária e o afastamento dos
pensamentos sórdidos através da oração. Esta visão da mulher pecadora, seja o Diabo
encarnado ou de uma mulher em pecado, aparecem frequentemente nas histórias das
vidas dos monges e anacoretas.
A mulher, após tentar o asceta, ou acaba morta (como sinal da justiça divina) ou
consegue ser convertida. Ou seja, o papel da mulher é de sedução, de tentação sexual,
enquanto que o personagem tentado, o eremita, é o sujeito da trama. A mulher é uma
“mulher objeto”, usada pelo Diabo como instrumento para atingir os seus objetivos e
também por Deus, que permite a tentação para que se mostre a superioridade do espírito
sobre a carne. A mulher era percebida como ameaça à castidade que deveriam guardar.
Sendo assim, grande parte dos pensadores tinha uma visão temerosa da sexualidade
feminina, uma atitude bastante hostil com relação ao matrimônio e grande desconfiança
em relação ao prazer:
A moral cristã sempre condenou o prazer físico. Os moralistas
procuravam limitar ao extremo a sexualidade. Esta deveria servir
exclusivamente para a procriação. As relações sexuais dos casais
foram severamente disciplinadas. Qualquer expediente contraceptivo

                                                                                                                       
80
DUBY, G. A mulher, o amor e o cavaleiro. In: DUBY, G. (Org). Amor e sexualidade no Ocidente.
Lisboa: Teramar, 1991, p .226.
81
Ibdem, p.33

 
37

era culposo. Quando a descendência estivesse assegurada,


desaconselhava-se o contato carnal.82
Com base no estereótipo da responsabilidade de Eva em relação à existência do
pecado no mundo, obtinham uma justificativa mais do que adequada para justificar a
posição inferiorizada da mulher e o direito do homem de governá-la. O marido era o
chefe da família, a esposa e os filhos deviam-lhe obediência absoluta. Porém, o direito
canônico salientava a necessidade de haver livre consentimento de ambas as partes para
constituir um matrimônio válido, fator que já representava um progresso para a mulher.
Uma nova representação é dada no Novo Testamento, onde há Maria Madalena, que
é a pecadora arrependida, a que se redime. Vemos que as atitudes de Jesus para com a
mulher estrangeira (samaritana), a adúltera (depois associada à Maria Madalena)
condenada ao apedrejamento, eram de igualdade e compaixão. Podemos associar essa
imagem à Alice, a narradora do Conto da Mulher de Bath. Ela é uma mulher que já foi
casada cinco vezes (por interesse), o que caracterizaria a noção de sedução de Eva.
Porém, ao longo de seu prólogo, ela mostra que gosta de estar casada com seu marido, e
se submete ao casamento, se ela tiver o controle dos bens do casal:
E a partir do momento em que, graças à minha habilidade, recuperei o
comando, e desde o instante em que me disse: “Minha fiel
mulherzinha, você é livre para fazer o que quiser; guarde a sua honra e
proteja a minha dignidade”, nunca mais houve briga entre nós dois.
Por Deus, fui tão compreensiva e tão fiel a ele, que (...) não se
encontraria esposa igual.83

Como podemos ver, inclusive na obra de Chaucer, era responsabilidade da mulher a


competência na administração da casa e do dinheiro, tarefa que exigia extrema
habilidade, já que se encontravam sob a tutela do marido. Mesmo estando em uma
condição inferiorizada, a mulher participava do mundo do trabalho, até como modo de
reforçar o orçamento doméstico. Mesmo as mais ricas atuavam nos negócios, junto com
os maridos ou na falta destes.84

                                                                                                                       
82
MACEDO, J. R. A mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 1999, p.20.
83
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“And when I’d mastered him, and out of deadlock/ Secure myself the sovereignty in wedlock,/ And when
he said, ‘My own and truest wife,/ Do as you please for all the rest of life,/ But guard your honor and my
good estate,’/ From that day forward there was no debate./ So help me God I was as kind to him/ As any
wife(…) and as true. And he to me.”
In: CHAUCER, G. Op.Cit, 1975, p.298.  
84
OLIVEIRA, A. R. A imagem da mulher nas crónicas medievais. In: CASTRO, Z. O., SANTOS, M. T.
(Dir.). Faces de Eva: Estudos sobre a Mulher. Lisboa: Colibri. 2001. n.5, p.146.

 
38

No tocante ao ideal de conduta feminina, os clérigos transmitiam suas idéias através


de pregações, especialmente com o surgimento das ordens mendicantes, cuja principal
tarefa era pregar. No século XIII, enfatizavam-se os exempla, pequenas histórias
baseadas em lendas ou no cotidiano, que serviam de base para a pregação. Estes
pregadores empenhavam-se em atacar a vaidade feminina e a infidelidade, pondo em
oposição virtudes necessárias, como a castidade e a obediência85.
Com a ascensão da burguesia, surgem tratados voltados para assuntos bastante
práticos, ensinando a mulher a ser submissa ao marido e saber governar a casa. Ao
longo dos dois últimos séculos da Idade Média, o pensamento da burguesia ascendente
caracterizou boa parte da literatura desse período, com extremas críticas à personalidade
da mulher86. Sentimentos como a vaidade, a ambição e a ingratidão caracterizavam
diversas personagens de obras de autores da época. Muitas obras foram elaboradas com
o intento de ilustrar os infortúnios que assinalavam a vida de um homem casado com
uma megera. Macedo destaca que estes ataques à mulher estão amplamente vinculados
a um questionamento do sacramento do matrimônio.87
Embora a mulher estivesse, na teoria, destinada a permanecer submissa no
casamento, vemos, principalmente no trabalho de Chaucer, que este discurso teórico em
relação à conduta feminina era amplamente discutido e questionado mesmo pelas
mulheres, que encontravam subterfúgios para que nem sempre se comportassem como o
prescrito nas normas. Em alguns dos Contos, o que se verifica no comportamento de
algumas das personagens que abordaremos neste capítulo é que a maioria das pessoas
conhecia o discurso da moral cristã em relação às questões já apresentadas neste
capítulo, porém nem sempre aplicavam este discurso na vida prática.
Além dessas, temos a figura que exemplifica a representação máxima de virtude:
Maria, Mãe de Jesus, que se mostrou um exemplo de resignação, boa conduta e amor à
Deus, pois enfrentou todas as adversidades para dar à luz e criar o Salvador, aquele que
guiaria os homens – resgatando, assim, os pecados cometidos por Eva. Dessa forma, “a
mulher não será, portanto, mais o instrumento material através do qual se exerce a

                                                                                                                       
85
LEITE, M.M.S.B. Representações femininas na idade média: o olhar de Georges Duby. Sitientibus,
Feira de Santana, n.1, jul/dez 1999, p. 43.
86
VAUCHEZ, A. Op. Cit.,, 1995, p.149.
87
MACEDO, J. R. Op. Cit, p.57.

 
39

tentação de Satanás: a Virgem resgatou o pecado original de Eva, a primeira


tentadora, e a mulher já não é considerada perigosa como tal.”88
Nos Contos, essa representação de Maria aparece no Conto do Estudante, onde
Griselda passa por diversas provações que testam sua fé, mas em momento nenhum da
história ela esmorece ou deixa de se mostrar como uma verdadeira cristã.
Apesar das normas prescritas pela Igreja, no que dizem respeito aos direitos e
deveres da mulher, difundidas no Direito Canônico serem uniformes em toda a
Cristandade Ocidental, as leis seculares variavam muito de acordo com as regiões. No
caso inglês, o direito consuetudinário restringia os direitos da mulher de forma
particular. Porém, as formas de as representarem se assemelham às três grandes
representações que já abordamos aqui neste capítulo.
Segundo Duby, a conquista normanda gerou na Inglaterra um código legal, no qual a
mulher, ao casar pela primeira vez ou uma viúva que contraísse uma nova união, perdia
todos os seus direitos legais enquanto durasse o matrimônio. A única proteção de que a
mulher dispunha era a proibição de que seus bens pessoais ou a parte que lhe cabia na
herança do marido não lhe poderiam ser tirados sem autorização. Contudo, a partir do
século XIV, a mulher adquire maior autonomia neste aspecto, posto que a crescente
expansão do comércio inglês nesta época permitiu a muitas mulheres terem negócios
próprios. Esta desvantagem legal para a mulher casada na Inglaterra da época só era
amenizada com a viuvez, momento de aquisição de maior liberdade pessoal e legal.89
Na Inglaterra, também existem formas particulares de se verificarem os papéis
sociais das mulheres. Normalmente se pensam as mulheres medievais em categorias
extremas, baseadas em Eva ou em Maria, e até hoje a historiografia sobre mulheres no
medievo está pautada nessas duas visões opostas de mulher: “se torna claro que nem a
poço nem o pedestal – ou, de fato, o vasto espaço entre esses dois – podem descrever
adequadamente o que significava ser uma mulher na Inglaterra de Chaucer.”90
Entendemos que, assim como em nossa fonte, essas representações de mulher se
baseavam em Eva, em Maria Madalena ou na Virgem Maria, mas também as

                                                                                                                       
88
PILOSU, M. Op. Cit, p.32.
89
DUBY, G., PERROT, M. (dir.) História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990,
p.112-124.
90
“It becomes clear that neither the pit nor the pedestal – nor, indeed, the vast space between
the two – can adequately describe what it meant to be a woman in Chaucer’s England.”
(Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. Op. Cit., p.7.

 
40

ultrapassavam, e muitas vezes mesclavam as características de uma ou outra em uma só


personagem.
Já que analisamos as mulheres inglesas da época de Chaucer, que foram por ele
escritas, é necessário entender essas mulheres na história política inglesa, que é pautada
em tradições. Por exemplo, as Rainhas Regentes, algo que só ocorreu uma vez em 1135
e tornou esta prática aceita em teoria, mas nunca mais praticada de fato. Todavia, as
Rainhas Consortes tinham um papel importante no reinado, aliadas a um conjunto de
expectativas que fariam determinada rainha bem ou malquista pela corte.
Neste sentido, Bennet cita a rainha da época de Chaucer, Anne of Bohemia, que ao
chegar, em 1381, encontrou na Inglaterra um local com tradições bem definidas de
estrangeiras que se tornavam rainhas. A tradição determinava que boas rainhas
deveriam ser como Eleanor de Castela, esposas fiéis e férteis, que apesar de serem de
outro país, seriam o menos estrangeiras possível, não gastariam o orçamento real, e que
não tivessem uma influência exacerbada sob as decisões do marido. Contudo,
contrariando a todas as expectativas, Anne efetivamente nunca falou muito inglês, ela e
a sua corte eram conhecidos por gastarem muito e, principalmente, por nunca ter gerado
descendentes. Todas essas contrariedades deveriam fazer de Anne uma rainha cuja
memória não fosse valorizada pelos súditos, porém sua morte foi sentida pelo rei
Richard II, que mesmo se casando depois desejou que ao morrer seu corpo fosse
colocado ao lado do da falecida Rainha.
O motivo para que a memória de Anne tenha sido positiva foi seu sucesso
exercendo um papel de intercessão, como conselheira do rei. E, segundo a autora, o
papel de intercessora foi “a função definitiva das Rainhas Inglesas no final do século
XIV”91. As rainhas eram responsáveis por interceder e ajudar o rei a reinar com
sabedoria e justiça. E, neste momento, percebe-se mais um ponto interessante na análise
de Bennett: a autora afirma que a intercessão não era algo particular das rainhas, mas
havia também a noção de que toda esposa teria o papel de interceder nas atitudes de seu
marido para levá-lo à bondade, ao trabalho, à caridade e à paz. Podemos lembrar que o
papel de intercessora, assim como o da esposa fiel, nos remete à representação da
Virgem Maria.

                                                                                                                       
91
“the defining function of late fourteenth-century English queenship” (Tradução nossa) In:
BENNETT, J. M. Op. Cit., p.12.

 
41

Entendemos que esta análise é pertinente à proposta de aprofundar os modelos


tradicionais de interpretação do papel das mulheres, mostrando que existiam outras
expectativas relativas às atitudes das mulheres e que havia mais de uma forma de
considerar sua virtude, mesmo que ela não tivesse filhos.
Outra representação que podemos analisar são as prostitutas, uma vez que The
Canterbury Tales mostra que a peregrinação se inicia em Southwark, local que na época
tinha a prostituição tão bem estabelecida que no século XV foram escritas leis
municipais para regular o comportamento das prostitutas, dos donos de bordéis, dos
donos de estalagem e daqueles que usavam os serviços. Bennet defende que a posição
da Igreja era encarar a prostituição como um “mal necessário”92 para conter outros
males como estupro e homossexualidade.
O que caracterizava realmente o papel da prostituta era a promiscuidade e não a
troca de sexo por dinheiro. Esta hipótese, também defendida por Ruth Karras93, mostra
que era normal que se pagasse pelo acesso à mulher, especialmente às suas habilidades
e sua capacidade reprodutiva, já que era costume que a companhia feminina fosse
trocada por dinheiro, valores e presentes. As negociações de casamento e a corte
também seguiam estas premissas, onde o dote e as negociações de propriedade eram
feitas baseadas na capacidade reprodutiva das futuras esposas.
E por fim, há a representação da Donzela, especialmente um grupo de mulheres
que poderiam permanecer castas para estarem se aproximando dos martírios de Cristo e
se estabelecendo como um ideal para Santidade. O que Bennet argumenta é que, apesar
de a virgindade permanecer importante na Inglaterra Medieval, ela era suplantada por
outros caminhos para a Santidade; ou seja, a Santidade feminina não era
necessariamente associada às virgens, mas sim àquelas que se permaneciam castas.
Isto se deve ao fato de, na Inglaterra da época de Chaucer, haver um grande número
de mulheres que não eram casadas, mas não eram necessariamente virgens; a maioria
casava mais tarde e vivia parte da vida de maneira quase independente: sem precisar
morar com os pais, ganhando seu próprio dinheiro e tendo bens. Outras poderiam passar

                                                                                                                       
92
“as a necessary evil” (Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. Op. Cit, p.16.
93
Em seu estudo sobre prostituição em Chaucer. KARRAS, R. Commom women: Prostitution and
Sexuality in Medieval England. New York: Oxford University Press, 1996, p.131.

 
42

a vida toda sem se casarem e sem supervisão de um homem (de acordo com o censo em
1377).94
Para corroborar esta hipótese, Bennet lança mão de canções sobre as donzelas,
cantadas pelas mesmas, cujas histórias giravam em torno das noites de amor dessas
mulheres e, por mais que muitas das vezes as histórias terminassem com um fundo
moral, como algumas sendo estupradas, abandonadas ou grávidas, eram histórias que
mostravam as mulheres que esnobavam, ridicularizavam e até respondiam à altura dos
homens. Porém, apesar das canções e do número de mulheres que viviam sem a
supervisão de um homem (pois era esperado que filhas, mulheres e viúvas estivessem
sobre a tutela de algum homem na família), via-se estas “Donzelas sem tutela na
imaginação medieval como mulheres não naturais, pois estavam fora do estado
ordenado de dependência feminina ao governo masculino”95.
Entendemos, assim, que nos é dado a conhecer algumas figuras femininas se
abordarmos outras fontes que não os manuais produzidos pelos padres, levando em
conta não só a cultura religiosa de um determinado momento, mas os contextos
específicos que se modificaram ao longo dos séculos e das diversas sociedades que
ocuparam a Europa no medievo.
A análise da condição social feminina, quando elaborada em função da produção
cultural erudita predominante, conduz a resultados condicionados pelos códigos
culturais e crenças do lugar de sua produção – no caso da Idade Média, a Igreja.
Contudo, se considerarmos outros aspectos, é possível explorar novos campos de
investigação nos quais as mulheres deixam de figurar como seres sem expressão, sobre
os quais a Igreja detinha domínio e controle, passando a serem reconhecidas como
agentes históricos que participavam ativamente dos processos políticos, econômicos e
sociais nos quais estavam inseridas96.
Essas representações e construções de identidades femininas que estavam sendo
entendidas na Idade Média, aparecem nos contos onde as personagens são criticadas
pelo poeta inglês por atitudes como a infidelidade, a falsidade, a vaidade, a futilidade, e
diversas outras críticas e questionamentos no que diz respeito à vida conjugal. Neste
                                                                                                                       
94
MISKIMIN, H. Op. Cit., p. 301.
95
“Masterless maidens functioned in the late medieval imagination as unnatural women, for they were
outside the ordained state of female dependency on male government.” (Tradução nossa) In: BENNETT,
J. M. Op. Cit, p. 26.
96
MEDEIROS, S. K. L. Op. Cit., p. 67.

 
43

ponto, Jeffrey Richards atesta que, de acordo com o pensamento da época, o casamento
era, com efeito, visto como uma fonte de contrariedades:
O casamento era o fim da liberdade e o começo da responsabilidade.
‘Nenhum homem se casa sem se arrepender disso’ era um dos ditos
populares da época. Os fabliaux, as histórias ritmadas e obscenas das
vilas e cidades, apresentavam um elenco familiar de maridos traídos e
frequentemente mais velhos, de jovens esposas lascivas, padres
devassos e rapazes galantes e amorosos.97

O casamento entre pessoas de faixas etárias muito diferentes – aliás, o fator de


tensão em alguns dos contos de Chaucer que giram em torno do adultério, como o
Conto do Moleiro – era uma realidade comum na época medieval. Muitos homens, do
meio urbano principalmente, casavam-se com mulheres bem mais jovens, em
decorrência da viuvez ou por adiarem o matrimônio até possuírem condições financeiras
adequadas para tal finalidade98.
Assim, temos, dentre os contos escolhidos para análise, o Conto do Moleiro e o
Conto do Mercador, que tratam ambos de casos onde um homem relativamente idoso
desposa uma jovem que é considerada atraente. Podemos verificar que essas mulheres
guardam características da representação de Eva, a sedutora.
No caso do Conto do Moleiro, temos um carpinteiro rico e bem sucedido de Oxford,
que se casa com Alison, uma bela mulher de apenas dezoito anos, a quem aquele
guardava a sete chaves com medo que fosse traído. Temos aí a confirmação do que é
atestado por Jeffrey Richards, ou seja, um suposto vínculo existente, no imaginário da
época, entre o casamento e contrariedades futuras. Inclusive, no discurso do narrador
do Conto do Moleiro, notamos que estas tensões estão relacionadas, em grande medida,
ao adultério: “Era ciumento, mantendo-a sob sete chaves, pois como era velho, e ela
fogosa e jovem, tinha medo de ser corneado” 99.
Alison e Nicholas, o amante, armam um plano para que o Carpinteiro se ausentasse
da casa por um final de semana, ou seja, o que Alison esperava era simplesmente uma
oportunidade para escapar da vigilância do marido e levar a cabo seu plano de estar com
                                                                                                                       
97
RICHARDS, J. Sexo, Desvio e Danação – as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1993, p. 45.
98
COSER, M.C. Casamento, Política e Direito das Mulheres na Idade Média. Revista do Mestrado de
História, Vassouras, v.10-n°11, 2008, p.93-108.
99
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.50.
“Jealous he was and kept her in the cage,/ For he was old and she was wild and young;/ He thougt
himself quite likely to be stung.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.106.

 
44

Nicholas100. Há neste trecho a noção da presença do marido como aquele que tem a
tutela da esposa e a representação de que a mulher apenas espera uma oportunidade para
poder ceder à tentação do adultério.
No Conto do Mercador, ainda no preâmbulo, observamos as reclamações do
narrador em relação à vida conjugal; este chama sua mulher de megera, mostrando
assim uma representação baseada em Eva e oposta a de Maria, a de uma mulher que não
cumpre as funções de esposa:
‘Lamentos e lamúrias, preocupações e sofrimentos de noite e de
manhã são coisas que não me faltam (...) a exemplo, que me diz
respeito, é assim que levo a vida. Eu não poderia ter arranjado mulher
pior; e posso jurar que até o diabo, se fosse marido dela iria se dar
mal.’101

Neste conto, encontramos um nobre italiano de sessenta anos que resolve se casar
após adiar tal resolução por muitos anos. No entanto, Janeiro salienta sua opção por
desposar uma jovem, por considerar que as mulheres mais velhas seriam mais difíceis
de lidar, além do risco da infertilidade. Além disto, uma mulher mais nova e
inexperiente seria, no entender do personagem, mais submissa: “o casamento é um
coisa gloriosa, principalmente para um homem velho e de cabelos brancos. (...) Só que
ele precisa saber escolher uma esposa jovem e bonita, para que possa gerar herdeiro
para si e levar a vida no prazer e na alegria”102. Este trecho caracteriza a busca de uma
representação de boa esposa, aquela que será a provedora dos filhos e da casa.
A oportunidade para que a jovem esposa, Maio, e o criado, Damião, resolvam ceder
ao desejo e à paixão ocorre quando o nobre Janeiro fica cego repentinamente, e Maio,
furtivamente, cede ao jovem escudeiro a cópia da chave de um jardim particular da
propriedade. Com isto, Maio e Damião pretendiam consumar o adultério em um
momento de distração do marido cego. O destino dos personagens é decidido de forma
sobrenatural, através da discussão de Plutão e Prosépina, casal de deuses mitológicos.
                                                                                                                       
100
TAVARES, E.F. William Blake e os Peregrinos dos Canterbury Tales de Chaucer: Releituras Visuais
e Textuais. Fólio – Revista de Letras Vitória da Conquista v. 3, n. 2 p. 65-95 jul./dez. 2011, p. 75.
101
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.193.
‘Weeping and wailing, care and other sorrow,/ I know them well enough by eye and morrow, (…)/ that’s
the way it goes;/ I know too well that’s ho it goes with me./ I have a wife, the worst that there could be;
For if a fiendwere coupled to my wife,/ She’d overmatch him, you can bet your life.’
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p. 374.
102
 CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p. 194.
And certainly, as sure as God is King,/ To take a wife is a most glorious thing,/ Especially if a man is old
and hoary;(…)/ It’s then he ought to take her, young and fair,/ One upon whom he might beget and heir,
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.375.

 
45

Plutão pretende comprovar que a infidelidade é uma característica inerente às mulheres,


e sua esposa diz que as mulheres deveriam se defender das ofensas masculinas. Janeiro
tem sua visão restituída pelo deus greco-romano no exato momento em que sua esposa
está em pleno ato sexual com o escudeiro, porém Maio consegue enganar o marido,
convencendo-o de que este está delirando.
Em ambos os contos também há, de acordo com Derek Pearsall103, a presença de um
jovem intruso, que acaba funcionando como um pretexto para que as protagonistas
demonstrem sua capacidade de trair e enganar seus ingênuos cônjuges. No Conto do
Moleiro, a figura do intruso é um estudante da Universidade de Oxford, Nicholas,
inquilino da casa. Já no caso do Conto do Mercador não há exatamente um intruso, mas
sim um criado, Damião, que não esconde seu desejo pela esposa de Janeiro.
Neste ponto é interessante observar que na maioria dos contos satíricos deste gênero,
como os fabliaux, a classe social dos protagonistas é a pequena burguesia ascendente
em fins da Idade Média. O Conto do Mercador seria a única exceção nos Contos, já que
o personagem Janeiro pertence à nobreza104.
Normalmente o intruso é um homem mais jovem do que o marido logrado, embora
no Conto do Homem do Mar seja um monge sedutor, que aparenta ter idade mais
avançada do que os jovens dos demais contos. Além disto, estes intrusos são de origens
sociais diferenciadas, ou são universitários, como no caso dos Contos do Moleiro e do
Feitor, ou religiosos como no Conto do Homem do Mar.
Percebemos que as jovens esposas não cedem, inicialmente, ao assédio dos rapazes
apaixonados. No Conto do Moleiro, vemos a resistência inicial de Alison em relação a
Nicholas, temendo o ciúme do carpinteiro. Já o Conto do Mercador mostra o
comportamento tímido e introspectivo da jovem Maio, que não demonstrava afeto e
desejo na mesma proporção que seu marido fazia, atitude que pode ser relacionada ao
fato de muitos casamentos serem, na Idade Média, realizados em nome de interesses
financeiros e alianças políticas, sobretudo em famílias aristocráticas, não sendo o amor
um pré-requisito para o matrimônio.
No decorrer desses dois contos, as jovens esposas têm a oportunidade de fugir do
cerco de seus maridos e corresponder aos apelos dos rapazes, revelando um caráter
                                                                                                                       
103
The Canterbury Tales II: Comedy. In: MANN, J. BOITANI. P. The Cambridge Chaucer
Companion. Cambridge University Press, 1986, p.129
104
PEARSALL, D. Op. Cit. p.131.

 
46

considerado, no entender dos narradores, malicioso e pérfido, corroborando a imagem


construída em relação às mulheres, pelo pensamento da época, como seres propensos ao
pecado e à luxuria. Há, portanto a visão de Eva, pois estas esposas não cumprem com
suas funções no casamento e armam a traição para com seus maridos.
Outro conto que foca em aspectos negativos da representação feminina é O Conto
do Feitor, que descreve um moleiro desonesto e suas trapaças, até o momento em que
ele é enganado por dois estudantes de Cambridge. E logo no início do conto, a esposa
deste moleiro é apresentada pelo narrador como uma mulher exibicionista, arrogante e
orgulhosa. Essa arrogância provinha do fato de que a esposa do moleiro era filha do
pároco local, tendo recebido uma boa herança. Mas o que ele caracteriza como mais
importante para a escolha da esposa não é somente o fato de ela ser de família nobre,
mas o fato de a mesma ser casta, o que a faz merecedora dele e, portanto, apta a ser uma
boa esposa.
Era casado com uma mulher de família nobre. (...) Como ela fora
criada num convento, Simkin costumava dizer para todo mundo que
ele nunca teria se casado com uma mulher que não fosse virgem, ou
seja, que não fosse digna da sua condição de plebeu.105

Há outra mulher na história, Molly, a filha do casal, que é descrita como uma jovem
muito bonita, e, por essa razão, seus pais esperavam casá-la com um homem ilustre,
talvez membro da aristocracia. Vemos, portanto, que a família descrita pela narrativa
também faz parte da pequena burguesia. O moleiro engana os dois universitários para
que eles precisem pagar por um abrigo em sua casa, onde, porém, é ludibriado pelos
dois jovens, que se envolvem tanto com sua esposa, quanto com sua filha.
Entende-se que o moleiro foi, na realidade, castigado por seus golpes e atitudes
desonestas, já que, ao enganar diversas pessoas, acaba sendo traído pela esposa e pela
filha. De acordo com Richards, percebe-se que nenhuma crítica é feita à conduta dos
estudantes, que ludibriaram as duas mulheres, sendo os prejuízos relativos à moral e à
honra exclusivos do moleiro106.
O mesmo se dá no Conto do Homem do Mar, que trata de um rico comerciante
francês e de sua esposa. A esposa deste conto é descrita como uma mulher bonita,
                                                                                                                       
105
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.61.
“He had a wife and she was nobly born; (…)/ The nuns had given her education./ Simpkin would take no
woman, so he said,/ Unless she were a virgin and well-bred,/ To save the honour of his yeoman stock;”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.125.
106
RICHARDS, J. Op. Cit, p. 49.

 
47

consumista e extremamente fútil. O monge Dom John se aproxima da família fingindo


ser primo do comerciante.
Em um determinado momento, o religioso confessa que, na realidade, o que o fez se
infiltrar naquela casa foi a atração que sentia pela bela esposa do amigo. Neste caso, não
é a mulher que é a agente da sedução, é o homem que a procura. Inclusive, a esposa do
conto só aceita se entregar a Dom John porque precisa de um empréstimo para saldar
uma dívida: “Coitada de mim se meu marido vier a saber disso! É por isso que lhe
imploro: empreste-me aquela soma se não ele me mata!”107. Ao final do conto,
descobre-se que a quantia em dinheiro em troca dos favores sexuais havia sido
adquirida pelo próprio marido enganado.
No entanto, percebemos que, no discurso de Chaucer, a esposa do mercador é
apresentada como uma pessoa que manipula os homens através da beleza e da
sensualidade, indicando a crença vigente de que a mulher era, naturalmente, mais
inclinada aos excessos sexuais e ao pecado do que os homens108.
Apesar de ambos os contos se embasarem na visão da mulher que usa de sua beleza
para ser sedutora, nestes contos as mulheres não são efetivamente as culpadas pela
relação sexual da história. No Conto do Feitor, as duas mulheres são enganadas pelos
jovens que se vingam de Simkin, ou seja, elas são o instrumento para a punição, mas
não são elas que efetivamente seduzem os jovens. Já no Conto do Homem do Mar, o
adultério acontece não porque a esposa prefere um homem mais jovem, mas porque ela
é extremamente materialista e troca a relação sexual pelo dinheiro. Em ambos os contos,
quem busca o sexo é o homem que engana e não as mulheres.
Há também os contos nos quais as condutas femininas eram elogiadas e suas
personagens se destacavam em função da bondade, humildade, religiosidade e
submissão que assinala suas condutas, mesmo nas situações de grande adversidade, e
seguiam a noção da representação de Maria. Podemos, assim, estabelecer um contraste
entre o comportamento considerado exemplar e o que era considerado desviante dos
padrões morais estabelecidos pela sociedade à época de Chaucer, assim como podemos
verificar as representações de mulher que permeiam essa sociedade.
                                                                                                                       
107
 CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.91.
“Yet if my husband were to find it out/ I were as good as lost – ah, don’t deny!/ Lend me this little sum or
I shall die.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.179.
108
MACEDO, J.R. Op. Cit., p.57.

 
48

A protagonista do Conto do Magistrado é Constância, princesa notável devido a sua


generosidade e humildade. Já no Conto do Estudante, Griselda, é uma humilde
camponesa de uma aldeia italiana e conhecida por sua perfeição moral. Em ambos os
contos o desenrolar da história acontece quando as jovens recebem propostas de
casamento.
O sofrimento da princesa Constância109 tem início quando o rei sírio a pede em
casamento, convertendo-se ao cristianismo para desposá-la. A personagem mostra sua
resignação em ter de se casar com um homem completamente desconhecido, separando-
se para sempre de seus familiares. Esta aceitação de casamento está em pleno acordo
com o esperado para uma mulher pertencente à nobreza, ainda mais em um período em
que mulheres eram, frequentemente, enviadas para casar com homens desconhecidos, a
fim de concretizar alianças políticas.
Os percalços da jovem princesa têm inicio quando sua sogra, islâmica fervorosa,
conspira contra a nora em função de esta ter convertido o marido e vários membros da
corte síria ao catolicismo. Em um dia de festa, os conversos foram assassinados a
mando da sultana, cuja crueldade é realçada pelo narrador. Constância é poupada do
massacre, mas é colocada em um barco à deriva. A princesa vai parar no litoral da
Inglaterra, sendo recebida pelos habitantes do reino anglo-saxão da Nortúmbria. Através
de sua bondade e carisma, a jovem conquista a população do local, fazendo com que o
rei e sua corte se convertessem ao cristianismo; o rei toma Constância como esposa.
A resignação de Constância é subjacente à fé e à religiosidade da personagem, pois a
heroína é salva de diversos percalços graças à intervenção divina: a jovem é expulsa da
Inglaterra em virtude de uma intriga de sua segunda sogra, e é novamente colocada,
junto com seu filho, em uma embarcação à deriva. Contudo, ela consegue voltar a sua
terra natal.
O principal ponto deste conto não só se mostra na resignação de Constância, mas no
fato de esta personagem ser representativa de uma disseminação do Cristianismo em
                                                                                                                       
109
Na obra de Chaucer, o pai de Constância, Imperador de Roma não é nomeado. Na versão de John
Gower (amigo e contemporâneo de Chaucer que escreveu obras homólogas ao do autor inglês), que não
utilizamos para este trabalho, a personagem era filha de Tibério Constantino, que, em 578, se tornou
Imperador Romano do Oriente. Sua filha, chamada de Constantina, foi dada em casamento para Maurício
da Capadócia, que, em 582, o sucedeu no trono de bizâncio.
BERTOLET, C. E. Gower and “The Canterbury Tales”: The Enticement to Fraud." In: Approaches to
Teaching the Poetry of John Gower. Ed. Yeager, R. F., and Gastle, Brian W. New York: Modern
Language Association of America, 2011, p.136-142.  

 
49

áreas onde ele mostrava pouca força. Essa personagem se desloca de um extremo a
outro, sem ao menos parar nas principais capitais comerciais, mas se desloca para uma
Síria muçulmana e uma Inglaterra pagã. Ela, além de boa esposa e mãe, é aquela que
trará a salvação para diversos povos.
O Conto do Estudante também apresenta uma situação análoga, pois a jovem
Griselda é pedida em casamento por Valter, nobre senhor da aldeia onde a jovem vivia.
A jovem também não questiona a proposta e jura fidelidade e obediência110.
Griselda torna-se marquesa e conquista o carinho das pessoas de sua região devido à
sua bondade. Até que nasce a primeira filha do casal: Valter mostra-se obcecado em ter
provas da fidelidade e da obediência de Griselda, submetendo-a a testes extremamente
cruéis. Vemos que a resignação de Griselda frente às imposições de Valter é duplamente
realçada, devido à origem servil da personagem e a sua posição de esposa, fatores que
tornavam natural os excessivos conformismo e paciência da jovem.
Os apelos de ambos os contos devem ser entendidos levando em conta a
religiosidade da época de Chaucer, onde a submissão de ambas as personagens perante
o sofrimento é a chave para a redenção das mesmas. Segundo Frank Jr, a espiritualidade
de fins da Idade Média, que sublinhava o sofrimento e a dor da Paixão de Cristo, e o
fato de Chaucer ter dado, ao reescrever a saga de Constância, maior relevo aos
elementos religiosos, conferem ao Conto do Magistrado um caráter semelhante às
hagiografias, visto que a intervenção divina salva a heroína em vários momentos111.
O discurso religioso de então dava, com base nos exemplos de Cristo e da Virgem
Maria, grande importância à humildade, paciência e obediência, características
marcantes da conduta de Griselda. Ainda que, como vimos, o discurso de Chaucer
condene a crueldade excessiva de Valter, vemos que a conduta da jovem, enquanto
esposa, estava em conformidade com os ideais de comportamento da época, tanto que a
submissão constante da jovem leva ao arrependimento do marido e à felicidade do
casal112. Esta também se mostra o exemplo de boa esposa, aquela que se mantém ao
lado do marido, inclusive nas adversidades.

                                                                                                                       
110
ZACHÉ, F. As Retratações das Personagens Femininas em Chaucer:uma leitura de “The Clerk’s Tale”
e “The Wife of Bath’s Tale”. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 5 -
Edição 3 – Março-Maio 2012, p. 15.
111
FRANK Jr., R.W. The Canterbury Tales III: Pathos. In: MANN, J. BOITANI. P. The Cambridge
Chaucer Companion. Cambridge University Press, 1986, p.150.
112
ZACHÉ, F. Op. Cit, p. 18.

 
50

Ao discutirmos os contos escolhidos relativos à condição da mulher, observamos


que, nestes contos, cujas protagonistas buscam a atividade sexual fora do casamento ou
demonstram espontaneamente os seus desejos, o discurso de Chaucer, nas falas dos
narradores, expressa desprezo em relação a estas personagens. Já as personagens dos
outros contos, apresentam um perfil psicológico e moral coerente com os ideais da
época, calcados nos valores religiosos de então que, conforme já destacamos, dava
grande relevo ao sofrimento da Paixão de Cristo e à postura passiva perante as
dificuldades113.
Além disto, destacamos em diversos pontos deste trabalho o quanto o pensamento
da época, no que se refere à posição da mulher, estava pautado na inferioridade
considerada natural ao sexo feminino. Nesta perspectiva, vemos que as personagens
Constância e Griselda são elogiadas, no discurso de Chaucer, porque acabam aceitando
o papel passivo reservado a elas114.
Por outro lado, entendemos que ao longo de todo o nosso trabalho, esta questão da
inferioridade presumida às mulheres não pode ser aceita como uma verdade universal,
pois entendemos que aquelas personagens que acabam sendo passíveis de críticas do
poeta inglês podem demonstrar, na realidade, quais eram as formas encontradas pelas
mulheres de então para ter alguma possibilidade de ação e encontrar seu próprio espaço.
E, principalmente, o quanto das representações femininas foram sendo disseminadas e
também reconstruídas no discurso de Chaucer. Essas mulheres até tinham características
das representações de Eva ou Maria, mas também conseguiam juntar outras
representações femininas de esposa, amante, donzela e prostituta.

                                                                                                                       
113
PATTERSON, L. Chaucer and teh subject of History. Wisconsin: University of Wisconsin Press,
1991, p. 88.
114
ZESMER, D. M. Guide to English Literature: From Beowulf through Chaucer and Medieval Drama.
New York: Barnes and Noble, 1961, p. 213.  

 
51

Capítulo 3 - As Mulheres Narradoras

Como o foco de nosso trabalho são os papéis e as funções das mulheres em Os


Contos da Cantuária, neste Capítulo iremos analisar três histórias contadas por mulheres
e cujos personagens principais de seus contos também são mulheres: O Conto da
Prioresa, O Conto da Outra Freira e O Conto da Mulher de Bath.
O intuito para esta pesquisa se deve principalmente porque durante muito tempo a
história das mulheres foi uma temática pouco abordada pela historiografia. Inclusive, a
introdução de Duby e Perrot mostra a importância de se estudar os papéis
representativos das mulheres:
Mas é preciso recusar a ideia de que as mulheres seriam, em si
mesmas, um objeto de história. É o seu lugar, a sua ‘condição’, os
seus papéis e os seus poderes, as suas formas de ação, o seu silêncio e
sua palavra que pretendemos prescrutar, a diversidade das suas
representações – Deusa, Madona, Feiticeira... – que queremos captar
nas suas permanências e nas suas mudanças.115

Pretendemos aqui analisar as mulheres que Chaucer escreveu, repensando a imagem


singular em que normalmente são colocadas as mulheres medievais:
De maneira geral, os textos encontrados sobre as mulheres do
medievo limitam-se a trazer uma figura da mulher no singular, como
se uma imagem comportasse todas as possibilidades de existência das
mulheres. Por meio de uma, as imagens das mulheres em geral
aparecem, sem muita distinção de posição social, tempo ou lugar,
dentro de um modelo de representação social unívoca.116

É possível perceber que esses traços de idealização são extremamente acentuados, e


havia a ideia de que a representação de Eva seria uma diretriz moral a ser seguida. Esta
era apresentada com o objetivo de propor uma conduta que deveria ser reproduzida pelo
restante das mulheres, os quais serviam para vetar comportamentos considerados
errados. Tais comportamentos eram ditados por critérios que se baseavam na religião e
na moral, demonstrando a mulher religiosa e casta como personificação da salvação,
como molde a ser seguido e condenando as mulheres de comportamento contrário.

                                                                                                                       
115
DUBY, G.; PERROT, M. A História das Mulheres no Ocidente vol.2: A Idade Média. Porto:
Afrontamento, 1990, p.5.
116
SILVA, P.T.S.G. Idade Média, idade das "trevas"? Uma análise sobre a historiografia das mulheres
medievais. Labrys, estudos feministas, número 1-2, julho/ dezembro 2002.

 
52

Entendemos que, com esta obra, conseguiremos analisar diversos papéis e


representações nas quais as mulheres medievais perpassavam, mostrando que os
espaços de atuação destas não estavam somente circunscritos a duas categorias
extremas, como Eva e Maria, vistas no capítulo anterior, tendo vista que, as mulheres
por ele descritas, passam por uma gama de representações, assim como nossas
personagens-narradoras.
Apesar das três mulheres analisadas serem narradoras, há diferenças entre cada um
de seus prólogos e contos. No prólogo geral, onde Geoffrey Chaucer apresenta cada um
dos membros, há diferentes caracterizações de cada personagem. Enquanto a Prioresa e
a mulher de Bath tem toda uma caracterização de vestuário (cor da roupa, tipo de roupa,
tecido utilizado, a jóia que usa), há também um pequeno histórico sobre cada uma delas;
ao passo que para a Outra freira há somente uma linha, que diz que ela estava
acompanhando a prioresa, não há nenhuma caracterização de corpo ou vestuário assim
como não há nenhuma menção ao seu nome. As outras personagens são nomeadas:
Madame Eglantine e Alice.
Entre a Prioresa e Alice, há também mais uma semelhança: há interlocuções de
outros personagens em seus prólogos. Com Madame Eglantine, há um pedido educado e
respeitoso do Albergueiro para que a religiosa inicie seu conto, ao passo que para a
Mulher de Bath, há a fala do vendedor de indulgências, do oficial de justiça e do Frade,
que chamam atenção da narradora pelo seu preâmbulo ser tão grande. Mas o que se
destaca é o conto da Outra Freira que não tem nenhuma interlocução nem apresentação
de seu conto feito por outros personagens.
Tendo vista cada uma dessas mulheres, decidimos fazer a análise de cada conto, de
acordo com a posição social destas mulheres, da mesma maneira em que estas são
apresentadas no prólogo geral dos Contos. Iniciaremos pela Prioresa, após a Outra freira
e, por fim, a Mulher de Bath.

3.1 - O Conto da Prioresa


Madame Eglantine, a prioresa que está acompanhando o grupo de peregrinos até a
Cantuária, é uma personagem cuja presença nestes contos já mostra uma crítica de
Chaucer. Isto só pode ser entendido ao se comparar com os estudos dos cotidianos das

 
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religiosas nos conventos do período medieval, pois este espaço estabelece regras,
direitos e deveres que permeavam a vida das religiosas.
A peregrinação a Cantuária era uma tradição Inglesa, desde a morte de Thomas
Becket em 1170: “durante três séculos, a peregrinação a Canterbury foi um dos traços
permanentes da vida inglesa.”117, porém, segundo as regras eclesiásticas estabelecidas
pelo Papa Bonifácio III no início do século XIV118, as religiosas tinham sua saída do
claustro restrita o que seria permitido apenas em momentos de extrema necessidade e
para funções religiosas. Como a peregrinação era uma prática recorrente na Idade Média
e tinha seu propósito religioso, ela correspondia com a permissão de saída das freiras da
clausura.
As objeções à saída das freiras vem desde 791: “Desde 791, o clero vinha
esperneando para que as religiosas permanecessem fixas em um só lugar. Os bispos
tentaram fazer com que Eglentyne e o restante das freiras obedecessem a essa injunção,
119
por séculos, (...)” , porém , na vida cotidiana, os Bispos mais práticos pararam de
tentar manter a obediência da bula e se contentaram em recomendar que “as freiras não
saíssem ou fizessem visitas tão frequentemente, ou sem companhia, ou sem permissão,
ou sem uma boa razão.”120. Mesmo assim, eles não eram bem sucedidos, porque as
freiras tinham excelentes razões para saírem como visitar um parente doente, fazer
compras grandes para o convento e também participar de uma peregrinação.
O que é de se estranhar na saída da Prioresa e as duas freiras que a acompanhavam
não é o fato dela estar em uma peregrinação, mas o que estariam fazendo junto a um
grupo tão diverso quanto daqueles peregrinos. Principalmente, porque a freira estava
junto aos peregrinos em uma taberna e não em um mosteiro, convento ou casa
senhorial, como seria normal a uma religiosa ou uma nobre em trânsito.
Conventos serviam como postos de paragens para o pernoite das damas da corte e
religiosos que seguiam por viagens muito longas. É necessária a distinção entre os
postos de paragem das senhoras nobres nos conventos e aqueles que se destinavam às
populações em caminhada ou em peregrinação como as estalagens e as tabernas, onde
muitas vezes nestes ambientes, tinham lugar também vícios como o jogo, a bebida e a
                                                                                                                       
117
MAUROIS, A. Op. Cit., p.86.
118
POWER, E. Medieval People. London: Dover Publications, 1970. p. 93.
119
LÉON, V. Mulheres Audaciosas da Idade Média. Rio de Janeiro: Record, 1998, p.149.
120
“(...) ordering that nuns were not to go out or pay visits too often, or without a companion, or without
licence, or without a good reason.” (tradução nossa) In: POWER, E. Op. Cit., p.93.

 
54

prostituição. No texto, Chaucer não deixa nada explícito ou faz julgamentos em relação
a esse comportamento, ele apenas induz à reflexão, mostrando o rompimento das regras,
de que o lugar daquela religiosa de provável origem nobre não deveria ser uma taberna.
No prólogo da obra geral, Chaucer apresenta o perfil de Madame Eglantine, como
uma senhora refinada, dotada de boas maneiras, o que a diferenciava da maior parte dos
peregrinos. Seus modos à mesa são de corte, não deixando cair nenhuma migalha em
seu colo e não mergulhando demais os dedos no molho. Ao comer, ela estendia a mão
gentilmente até a carne e limpava os lábios muito bem após comer, de modo que
nenhuma marca aparecesse em seu copo.
Nos hábitos corteses achava a sua maior satisfação. Limpava tanto o
lábio superior que, quando acabava de beber, não se via em seu copo
nenhum sinal de gordura. E com que graça estendia a mão para
apanhar as iguarias! Sem dúvida, era uma pessoa de ânimo alegre,
agradável e sempre gentil de conduta, esforçando-se para imitar as
etiquetas da corte a fim de adquirir boas maneiras e merecer a
consideração de todos.121

As maneiras de Madame Eglantine são reproduções do comportamento de corte


difundido através dos manuais de boas maneiras. Estes textos, que possuíam uma
função didática, através de tratados e poemas foram produzidos na Europa entre os
séculos XIII e XIV visavam o condicionamento do indivíduo a certas regras de conduta
e definiam as atitudes reprovadas ou aprovadas dentro da sociedade. Desta forma, os
hábitos corteses, referem-se às formas de comportamento das grandes cortes feudais. 122
Nota-se que Chaucer utiliza a expressão “imitar” as etiquetas da corte, (na versão
em inglês usa a palavra “counterfeit”, que traz a mesma ideia) o que nos faz indagar se
esta palavra está sendo utilizada para mostrar que ela reproduz os modos corteses ou se
é para mostrar que na verdade, esta religiosa não tem esses hábitos naturalizados, o que
seria um indicativo de que sua origem não seja da alta nobreza, mas sim de uma
burguesia em ascensão ou de uma baixa nobreza.

                                                                                                                       
121
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.4-5.
“For courtliness she had special zest,/ And she would wipe her upper lip so clean that not a trace of
grease was to be seen/ Upon the cup when she had drunk; to eat,/ She reached a hand sedately for the
meat./ She certainly was very entertaining,/ Pleasant and friendly in her ways, and straining/ To
counterfeit a courtly kind of grace,/ A stately bearing fitting to her place,/ And to seem dignified in all her
dealings.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.23.
122
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro:Zahar, 1990, p.17.

 
55

No perfil delineado de Madame Eglantine, aparece uma crítica direta a sociedade,


pois comporta alguns elementos da proliferação de hábitos e modos da Corte no interior
da Igreja, principalmente nos conventos. O autor mostra a crítica na relação entre ideais
cristãos e o modismo da corte.
Por exemplo, no início da apresentação sobre Madame Eglantine, Chaucer menciona
Santo Elói, pois este santo era conhecido por nunca ter feito um juramento. Então, jurar
em seu nome, significava o mesmo que não fazer juramento nenhum. Na sociedade
Medieval, onde a escrita era domínio de poucos, estava no âmbito da palavra mediar as
relações humanas. Desta forma, o falso testemunho e o juramento em vão sofriam
condenações. Santo Elói era muito utilizado nos círculos nobres do período e fazer
menção a ele era uma forma de mostrar que se conhecia a moda da Corte: “A maior
praga que rogava era ‘por Santo Elói’.123”. Essa questão reforça a possível origem
desta religiosa, que mostra assim conhecer profundamente as maneiras de corte.
A Prioresa possuía animais de estimação, mais um costume das damas da Corte, e
alimentava-os com leite, carne e o melhor pão produzido. E chorava se um deles morria
ou se alguém os espancava. Salientamos aqui, a contradição criada pela ação da Prioresa
em dar de comer aos cachorros os melhores alimentos em um momento em que o clima
de revolta no campo de uma forma nunca antes vista contra a excessiva cobrança de
impostos por parte da Coroa, que tentava a qualquer custo manter guerra contra a
França (que já estava em desvantagem para a Inglaterra)124. Esse trecho denota que a
realidade na qual a Prioresa vivia estava bem distante daquela de fome e privações,
mostrando que seu estrato social era diferente.
A renúncia em favor dos pobres, incentivada como modelo pela Igreja, entra em
conflito com o ato de Madame Eglantine dar prioridade aos seus animais de estimação.
O comportamento de Madame Eglantine representa uma realidade medieval, de que a
maioria das freiras que ocupavam altos postos dentro da Igreja adivinha da nobreza.
André Vauchez125 nos explica que, muitas vezes, estas religiosas eram filhas mais
jovens que não tinham o dote necessário para se casarem. A decisão de enviá-las para

                                                                                                                       
123
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.4.
“Her greatest oath was only ‘By St. Loy’”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.22.
124
COULTON, G.G. Op. Cit., p.79.
125
VAUCHEZ, A. Op. Cit.,1995, p.44.

 
56

conventos era freqüente, assim como a promoção de cargos se devia à boa nascença e
aos bons contatos.
Tendo em vista o estamento social, Chaucer quis representar uma Prioresa com seus
valores muito superficiais, já que o fato de chorar por um animal morto não torna este
personagem efetivamente caridoso e piedoso. Ao retratá-la desta forma, a Prioresa é
caracterizada como sendo um tanto fútil para as reais necessidades das pessoas.
No entanto, Chaucer é incisivo na descrição de detalhes das características de
Madame Eglantine. Por exemplo, seu véu não cobre sua testa e “as freiras deveriam
usar seus véus presos abaixo de suas sobrancelhas, de modo que suas testas ficassem
sempre cobertas”126 já que, na verdade, a testa, o rosto e o colo era partes desejadas da
mulher, porque apenas estas ficavam visíveis.
Chaucer mostra sua ironia ao descrever que das contas do rosário da Prioresa pendia
um medalhão de ouro e a escritura Amor Vincit Omni127. Segundo a tradução de Paulo
Vizioli, este termo se mostra um pouco irônico já que a palavra amor em latim também
descreve o amor carnal; para falar de amor cristão o melhor termo seria charitas; se
ressaltam neste trecho duas características, a de que a prioresa não teria sentimentos
profundos sobre a vocação religiosa e que há, em suas características pessoais, a
ausência da humildade cristã, demonstrando que sua comoção é superficial, e a de que
ela pertence à aristocracia, pois exibe seus objetos de ouro, um sinal de que Chaucer
percebia a opulência do clero e, possivelmente não concordava com esta.
Entendemos que os maiores indícios dentro do prólogo dos Contos nos mostra que a
origem desta Prioresa é nobre, não só pelos hábitos de corte mencionados, mas também
porque ocupa um dos maiores cargos a que uma mulher pode chegar, dentro da
hierarquia eclesiástica no medievo, já que segundo Marc Bloch o alto clero provinha de
membros da nobreza: “(...)abades, bispos, arcebispos. Pela fortuna, o poder, a vocação
do mando, estes grandes senhores da Igreja estavam ao nível dos mais altos barões da
espada.”128. A legislação suntuária que entra em vigor na Inglaterra em 1363, tem como
objetivo organizar a sociedade segundo uma hierarquia de títulos e manter a distância
hierárquica da nobreza em relação a novos grupos que ascendem socialmente. Assim os

                                                                                                                       
126
“The nuns were supposed to wear their veils pinned tighly down to their eyebrows, so that their
foreheads were completely hidden(...)” (tradução nossa) In: POWER, E. Op. Cit., p.89.
127
“O amor tudo vence”, tradução de Paulo Vizioli: CHAUCER, G. Op. Cit., p.291.
128
BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: edições 70, p.402.

 
57

barões, segundo esta legislação, permanecem em posição mais alta que a dos cavaleiros,
numa tentativa de manutenção da hierarquia instituída no período feudal.129
Chaucer, ao caracterizar a Prioresa, coloca numa personagem práticas vigentes do
momento. Ele se baseia nos registros das condutas eclesiásticas de seu tempo, onde as
proibições em relação à aspectos mundanos do comportamento das religiosas eram
condenados. Isso demonstra que apesar dos esforços disciplinadores da Igreja, era difícil
estar alheio aos valores do mundo. Neste prólogo geral, o domínio do que era fútil em
detrimento da busca por uma vida de privações materiais e de elevação espiritual é
notadamente criticado por Chaucer.
O prólogo do Conto da Prioresa é um poema em louvor à virgem, onde ela pede
permissão ao Senhor para que fale sobre as virtudes de sua mãe; ela pede a Virgem que
a guie, pois é uma “criancinha que mal pode se exprimir sozinha”130. Toda a discrição
da Prioresa no prólogo dos Contos e o prólogo de sua história mostram a discrepância
entre os temas. Uma religiosa que se foca nos modos de corte e se mostra fechada em
seu estrato social e uma história onde se coloca como pequena e louva o modelo
máximo de virtude cristã, Maria.
Neste prólogo a personagem da Prioresa já estabelece a trama de seu Conto; ela irá
falar de uma mãe que mantém características virtuosas como as da Virgem e de seu
filho. Esta reverência à Virgem remonta ao século XII, momento a partir do qual o culto
a Maria é incentivado numa tentativa por parte da Igreja de diminuir a violência que
caracterizava a sociedade feudal, essencialmente masculina, composta de nobres
guerreiros para os quais a guerra era o ideal de vida. O culto mariano representava uma
valorização da mulher e de sua delicadeza através da figura de Maria: “Além de modelo,
Maria torna-se a mãe misericordiosa da humanidade. A ela os seus filhos passam a
recorrer nos momentos de angústia e desespero. A Virgem intercessora, sempre que
clamada, não abandona seus filhos e fiéis(...)131.
No conto, a prioresa narra sobre uma criança cristã que é assassinada pelos judeus.
A história se passa em uma cidade cristã, localizada na Ásia. Sobre o local, pode ter por
função enfatizar através da temática, a perseguição aos judeus no continente ou

                                                                                                                       
129
COULTON, G.G. Op. Cit., p.113.
130
Ibdem. p.97
131
PEREIRA, D.F. Maria: advogada nossa. Anais do XXII Congresso Internacional da ABRAPLIP, 2009,
p.148.

 
58

simbolizar a atração que o Oriente exercia sobre os cristãos na medida em que ali se
situava a Terra Santa.
A figura do judeu132, principalmente após a primeira Cruzada, era visto como algo
negativo e os cristãos discutiam muito com os judeus sobre a Bíblia. O judeu era o
outro, o estranho, o portador dos males, o influenciado por Satanás, o contrário às Leis
Cristãs. Assim Chaucer, “como cristão, expressava os sentimentos da comunidade
cristã na qual ele fazia parte, e ele assim os expressou com as habilidades poéticas e
retóricas que fazem o Contos da Cantuária um dos textos mais celebrados da Literatura
Inglesa.”133
A perseguição aos judeus teve diversos momentos. Durante o século X Jerusalém se
tornou um objetivo para os cristãos: este foi um dos componentes da Primeira Cruzada
que resultou na tomada de Jerusalém em 1099. Assim com a conquista da cidade e a
evocação pela paixão de Cristo, que era considerado uma vítima dos judeus, produziu
uma onda de ódio e de hostilidade contra os mesmos. Isso representou para os cristãos
do final do século X e por todo o século XI que, ao castigar os judeus, eles estavam
castigando os carrascos que haviam cometido aquele crime contra cristo134.
Le Goff afirma que a manutenção das judiarias pelo poder real na Cristandade é um
evento cujo aparecimento está diretamente ligado ao desenvolvimento do comércio
cristão na Baixa Idade Média, a partir do século XII135. Com o desenvolvimento do
comércio entre as cidades cristãs, os mercadores judeus perdem mais uma vez o seu
lugar. Sobre esta situação, eles buscam na ajuda das autoridades um sentido de proteção,
uma vez que sua grande prosperidade no campo comercial sempre lhes permitira
desfrutar de boas relações com reis, imperadores e bispos. Todavia, esta proteção tinha
de ser paga com pesados tributos, oriundos da prática usurária.
Esta condição de minoria religiosa em que os judeus se encontram dentro da
sociedade cristã medieval os transforma em alvos do ódio cristão. Sendo diferentes às

                                                                                                                       
132
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.77-79.
133
“Being a Christian, he expressed the sentiments of the Christian community in which he lived, and he
did so with the rhetorical and poetic skills which make of the Canterbury Tales one of the most celebrated
texts of English literature.” (tradução nossa) In: ZAGO, E. Reflections on Chaucer’s Prioress’ Tale.
Medieval Feminist Forum 16 n. 1, 1993, p.36.
134
MEDEIROS, M.M. O Conto da Prioresa de Geoffrey Chaucer: A Satanização da Figura do
Judeu na Literatura Medieval. XII Congresso Internacional da ABRALIC, 2011, p.3.
135
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.81.

 
59

ideias da moral cristã, eles praticam a usura, considerada um pecado contra a natureza, e
encontram nela sua fonte de vida durante a Baixa Idade Média.
Sabemos o quanto a estrutura da Igreja, assentada em moldes feudais, era estranha a
ideia de especulações e lucro. Estes dois aspectos que caracterizam os judeus afrontam a
posição de liderança espiritual detida pela Igreja naquele momento. A resposta
encontrada por ela é a veiculação da representação do judeu como o mal que habita a
Cristandade. Sendo conveniente aos propósitos dos cristãos que se iniciavam agora no
ofício da moeda, esta representação negativa acaba por fomentar toda uma prática anti-
judaica durante o período medieval.
Na Inglaterra, a expulsão dos judeus havia tido lugar no ano de 1290, por isso, a
perseguição a esse grupo por assassinatos não se fazia mais na época de Chaucer.
Entretanto, esta temática continuava a se reproduzir alimentadA pelas perseguições que
ainda ocorriam na Europa.
Le Goff, ressalta, que os judeus usurários eram odiados, mas eram mantidos por
serem úteis136. E é exatamente por este motivo que Chaucer estabelece um bairro judeu
no Conto: “Havia (...) um bairro judeu, que era mantido pelo senhor daquele país
apenas por causa do lucro sujo e da repugnante usura”137. Com estas linhas, se mostra
também a função exercida por este conto, a de uma propaganda anti-judaica.
A judiaria deste conto funciona como passagem dos habitantes da cidade. Uma
escola cristã localizava-se do outro lado desta judiaria e para chegar até ela, era
necessário atravessá-la. Entre as crianças que lá estudavam, havia o filho de uma viúva,
que aprendera com sua mãe a louvar à Nossa Senhora e a dizer ‘Ave Maria’ sempre que
visse sua imagem.
Quando estava na escola, o menino ouviu outras crianças cantando o hino em louvor
à Virgem, Alma Redemptoris, e interessou-se por aqueles versos em latim e decorou
todos os versos da música. Não conhecendo o latim, mas ainda curioso em relação à
música, o menino decidiu perguntar a um de seus colegas o significados dos versos.
Aprende que a letra se tratava de um hino em homenagem à Nossa Senhora, que dizia
que ela ouviria todas as preces feitas a ela por quem estivesse no momento da morte.
Percebe-se a importância do culto mariano, e a exaltação da imagem da Virgem Maria.

                                                                                                                       
136
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.78.
137
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.99.

 
60

Este trecho evidencia uma das funções exercidas pela escola na Idade Média, de
auxiliar a memória. O aprendizado era concebido como a memorização dos postulados
dados. A ideia de escola como vemos hoje, começa a se desenvolver na Idade Média, e
inicialmente era reservada a um pequeno número de clérigos, sem divisão de idades.
Nesse período adultos e crianças eram tratados sem diferenciação138. A criança só
começa a ter espaço com as cidades, já que assim ela pode se movimentar pelo bairro e
ter um lugar na escola. Antes deste momento, a criança não tinha seu espaço, era visto
como um pequeno adulto, que deveria trabalhar para o sustento da família. A criança de
nosso Conto frequenta a escola e é moradora de uma cidade139.
Assim todos os dias, no caminho de volta para casa, o menino aprendia os versos e a
melodia do hino com seu companheiro de escola, até cantá-lo perfeitamente, praticando
o hino ao caminhar pela judiaria. Ao verem esta cena, os judeus, que segundo o Conto,
estavam incitados por satanás tentam agir contra o menino. Naquele momento, os
malfeitores começam a arquitetar o plano de matar a criança e ao vê-lo passar, agarram-
no, cortam sua garganta e o jogam dentro de uma vala de excrementos. A prioresa,
então, lamenta a morte do menino, comparando os judeus da judiaria a ‘novos
Herodes’140. Percebemos aí o enfoque em mostrar o judeu, como o outro, o
desconhecido, aquele que está em oposição à cristandade.
A viúva espera pelo menino e começa a procurá-lo pela cidade. Ao saber que a
última vez que ele havia sido visto fora na judiaria perto da escola, ela pede à Nossa
Senhora que a ajude, até o momento em que encontra a vala onde seu filho havia sido
jogado. Um milagre acontece e o menino caído, com a garganta cortada, começa a
cantar o hino Alma Redemptoris com tal força que todos na judiaria são capazes de
escutá-lo. Os cristãos que passam pela rua, ao verem o que acontecera, chamam o chefe
da milícia e este rapidamente manda prender os judeus. A criança é levada à abadia
mais próxima ainda cantando o hino, enquanto o magistrado condena todos os judeus à
morte dolorosa, como forma de justiça ao crime cometido à criança:
Enquanto isso, o chefe da milícia condenou às piores torturas e à
morte infame todos os judeus que participaram do crime,
determinando a sua imediata execução. Não podia tolerar tanta

                                                                                                                       
138
ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,
1981, p.161.
139
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.87.
140
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.100.

 
61

maldade: quem com ferro fere, com ferro será ferido. Assim sendo,
ordenou que fossem arrastados por cavalos selvagens e depois
pendurados numa forca, conforme manda a lei.141

Colocado no altar, enquanto a missa é rezada, o menino recebe do abade água benta
e, ainda canta o hino. O abade pergunta como é possível que ele permaneça em tal
estado. A criança responde que o seu milagre é obra de Cristo, que o permite cantar o
hino de louvor à Mãe. E que o fato de ele cantá-lo sem parar é devido a um pequeno
grão de arroz colocado pela própria Virgem dentro de sua boca, que deve ser retirado no
momento de seu enterro. A utilização do grão nesta história é significativo pois remete a
elementos que permeiam a realidade medieval. Os cereais de maneira geral são a base
da alimentação do homem da época, momento em que houveram períodos de escassez
de alimentos.
No Conto este milagre, se mostra completamente ligado com a virtuosidade do
menino:
Oh grande Deus, que da boca dos inocentes recebe o maior louvor, eis
aí uma prova de seu poder! Aquela gema de castidade, aquela
esmeralda, aquele cintilante rubi do martírio, de lá onde jaziam
escondido com uma garganta seccionada pelo talho profundo, pôs-se
então a cantar Alma Redemptoris tão alto que as notas ecoavam em
toda a região.142

A presença do milagre nesta história reafirma a mentalidade Cristã da época. Os


milagres desempenhavam um grande papel na vida espiritual deste período, e não
apenas para os leigos. Eles “constituíam um dos meios de comunicação mais
importantes entre este mundo e o além”143. A noção de que Deus continuava a se revelar
aos homens por meio de prodígios estava na mentalidade da época. Assim, os cristãos

                                                                                                                       
141
Idem, p.99.
“The Provost then did judgement on the men/ Who did the murder, and he bid them serve/ A shameful
death in torment there and then/ On all those guilty Jews; he did not swerve./ ‘Evils shall meet the evils
they deserve.’/ And he condemned them to be drawn apart/ By horses. Them he hanged them from a
cart.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.192.
142
Idem, p.99.
“Great God, that to peform Thy praise hast called/ The innocent of mouth, how great Thy might!/ This
gem of chastity, this emerald,/ This jewel of martyrdom and ruby bright,/ Lying with carven throat/ Began
to sing O Alma from the ground/ Till all the place was ringing with the sound.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.191.
143
VAUCHEZ, A. Op. Cit., 1995, p.161.

 
62

estavam à procura de milagres, como uma prova de que o espírito de Deus se fazia
presente.
À partir do século XII, a Igreja estabeleceu que uma das formas de reconhecer um
santo para canonização seria através da realização de um milagre, já que naquele
momento o homem medieval acreditava no que era sobrenatural, que lhe era estranho.
Jacques Le Goff ainda acrescenta reiterando que: “os milagres podiam também dar-se
na vida de cada um, ou melhor; nos momentos críticos de todos aqueles que, por um
motivo ou por outro, merecessem beneficiar de tais intervenções espirituais.”144
O milagre na história tem o propósito de fazer a mãe encontrar o corpo do menino e
reafirmar a crença em Maria, pois é através dela que o milagre ocorre. Quando o abade
tira o grão da garganta do menino, a criança perde, enfim, a vida. O abade e os presentes
se comovem e choram. Junto ao abade, todo o convento se curva em homenagem e
agradecimento à Mãe de Cristo. Após a reverência, o menino é enterrado: “Depois,
todos se levantaram, saíram e transportaram o pequeno mártir para uma tumba de
mármore bem claro, e ali encerraram seu doce corpinho. E lá ficou! Queira Deus que
um dia possamos encontrá-lo.145
Chaucer representa a mãe viúva, como um modelo baseado na Santa Mãe; ela é
humilde e preocupada com seu filho. Assim como a mãe de Cristo, ela demonstra seu
amor e dedicação para a criança no momento da morte do menino, que representa um
papel de mártir, assim como Cristo. Analisando que a viúva representa um modelo de
mãe virtuosa, e o menino, representa Cristo e que a pena dada aos judeus é uma forma
de culpar os judeus pelos crimes cometidos a Cristo: “essa suposta execução pode ser
comparada com uma crucificação, que se desdobra e se desenrola no transcorrer da
história porque os assassinos de Cristo persistem em matar aqueles que Nele
crêem.”146
O sentimento de piedade demonstrado pela Prioresa ao terminar o conto é algo que
se contrapõe. A piedade que ela mostra, é uma piedade cristã, daquela que se padece
pelos martírios de Cristo, mesmo que isso signifique o castigo aos judeus, o povo visto

                                                                                                                       
144
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.92.
145
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.100.
“And after that they rose, and forth they went/ Taking this little martyr from his bier,/ And in a sepulcre
of marble clear/ Enclosed his little body, fair and sweet./ Where he now is, God grant we all may meet!”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.193.
146
MEDEIROS, M.M. Op. Cit., p.3.

 
63

como o exterior à fé de Cristo; o que é diferente da piedade que ela não mostra em sua
caracterização no prólogo, ao se manter longe da realidade da época e ostentar em seus
vestuários e no desperdício de comida.

3.2 - O Conto da Outra Freira


Em nossa fonte, temos duas narradoras religiosas que desempenham funções
distintas e demonstram sua fé de formas diferentes. Além de Madame Eglantine, temos
a Outra Freira, que não é um personagem sobre o qual se encontram muitas análises
literárias, pois normalmente sua história é entendida como apenas uma hagiografia
sobre Santa Cecília. Mas dessa narradora podemos perceber muitos aspectos
interessantes da representação das mulheres em Chaucer.
A Outra Freira não tem uma descrição individual no prólogo dos Contos como a
Prioresa e a Mulher de Bath não faz um prólogo pessoal antes de iniciar a sua história
como a Mulher de Bath, não conversa com os outros personagens; ela somente conta a
sua história quando é solicitada. Uma das razões para tal é que a Outra Freira é a
acompanhante da Prioresa, e seu conto não ter uma introdução respeitosa do albergueiro
denota sua posição tanto dentro da hierarquia da Igreja quanto por mostrar a diferença
de posição dentro da Nobreza. Percebe-se a posição da Prioresa pelas suas vestimentas e
modos, mas também se verifica a posição desta outra religiosa por não ter um prólogo
de sua pessoa147.
Outra razão da diferenciação está entre o prólogo de sua história e o prólogo da
Mulher de Bath, que tem interrupções desrespeitosas de outros personagens. Ou seja,
por não ter nenhuma interrupção em sua narrativa, percebe-se que Chaucer também
diferencia a Outra Freira, uma religiosa, da Mulher de Bath, uma mulher livre e
comerciante.
A falta de prólogo e interlocuções da Outra Freira é vista de acordo com a sua
posição social. Como vimos na análise do Conto da Prioresa, entendemos que a Prioresa
é uma mulher de posição nobre devido aos hábitos corteses, então, entendemos que a
Outra Freira não tem prólogo pois é um membro do terceiro estamento, sua voz e seu
nome não são o destaque e sim a demonstração de sua fé.

                                                                                                                       
147
MARTIN, Priscilla. Chaucer’s Women: Nuns, Wives and Amazons. Iowa City: University of
Iowa Press, 1990, p.148.

 
64

A narrativa do conto começa com um sermão contra o ócio que é bem apropriado
para uma freira e corresponde também ao tema de sua história, já que os atos de Santa
Cecília durante o conto, é o oposto da imagem do ócio que a outra freira apresenta em
seu prólogo: “(...)visto que o ócio, ao por a sua coleira no homem, faz que ele apenas
durma, coma e beba, devorando tudo o que os outros produzem.”148
Na Idade Média, a relação com o trabalho era visto de maneira diferente por cada
estamento. Cada um tem sua função na estrutura social: o clero tem a função da
caridade e da oração, a nobreza tem a função das guerras e o terceiro estamento tem a
função do trabalho manual. Para o primeiro e segundo estamentos, o trabalho manual
era visto como um castigo dado por Deus ao pecado do homem. À partir deste
pensamento, era também ensinado que cada um deveria contentar-se com sua situação
social, pois isso teria sido algo proposto por Deus para a população que vivia em
condição de pobreza149. Era ensinado que seria gesto de resignação e bem-visto aos
olhos de Deus. A Igreja ensinava que “a renúncia do monge é o ideal a que toda a
sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de
origem divina e de ordem providencial” 150.
Quanto à nobreza, como tinha sido agraciada por Deus, não deveriam trabalhar, pois
todo o sustento viria do trabalho do povo. Para o Clero, esta ideia “foi, todavia,
considerada como uma necessidade temporal desprezível com relação aos exercícios
da piedade”151. Ou seja, para a Igreja, esse ócio era preenchido com orações ou com o
trabalho de tradução e cópias de obras.
A própria freira mostra que não é vítima do ócio, pois afirma que traduziu a história
e toma Santa Cecília como seu exemplo: “Para livrar-nos desse mal, causa de tanta
perdição, pretendo aqui, com fiel diligência, traduzir e relatar a história de tua
gloriosa vida e tua paixão, oh tu, (...) Santa Cecília!”152

                                                                                                                       
148
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.253.
“We see that sloth can leash us in a sleep,/ To pass the time in sleeping, eating, drinking, /Devouring
other people’s work, unthinking.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.451.
149
ANDRADE, M. F. O Mosteiro de Chelas: Uma comunidade feminina na Baixa Idade Média.
Património e gestão. Porto: Disssertação (Mestrado em História Medieval) – Pós-graduação em História,
Universidade do Porto, 1996.
150
PIRENNE, H. História econômica e social da Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p.19.
151
Ibidem.
152
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.253.

 
65

A Outra Freira mostra ao leitor em seu prólogo quais seriam as possibilidades de


uma freira já que, não tendo mais a obrigação de uma vida de casada, ela devotaria sua
vida não só às orações, mas também ao estudo. Isto em uma época que os leigos
estavam começando a ser letrados, as mulheres fora do clero não tinham acesso à esta
educação, somente nos conventos. Demoraria mais de um século para que mulheres
nobres e leigas começassem a ser letradas, mas nos conventos, já havia uma tradição de
leitoras e tradutoras153. Percebe-se assim, que a Outra Freira gosta de seu ofício, e esta
representação mostra o quanto ela prefere seu ideal de castidade à vida de casada. Esta
narradora, mostra que tem suas características e seus ideais baseados na representação
de Maria, a casta, a que entende suas funções e as cumpre.
No início do prólogo, pode-se entender como Chaucer constrói esta freira, como a
imagem de uma cristã devota, que se satisfaz com sua vocação e está em paz com o fato
de ser a esposa de Cristo; porém, se analisarmos em nível individual, seu personagem
contrasta muito com a Prioresa, justamente por que Chaucer discute modelos de
conduta. A Prioresa é uma personagem caracterizada muito mais por sua posição de
nobre do que sua posição de religiosa: é chamada Madame Eglantine, enquanto a outra
freira nem ao menos tem um nome. A caracterização da Prioresa e de seus modos é bem
feminina, pois tem maneiras à mesa, tem modos de Corte e inclusive o francês que fala
é característico de uma dama da Corte. A outra freira mostra muito mais sua eficiência
como Cristã, pois não interage com os outros peregrinos, apenas reza. Ela pode não ser
mencionada pelos outros viajantes, mas mostra muito mais cultura intelectual que a
Prioresa, que é construída como um personagem mais emocional.
Antes de iniciar a sua história, a Outra Freira faz uma oração de louvor à Maria em
que são exaltadas todas as qualidades da Virgem: Imaculada, Meiga, Bendita e
Formosa. Nesta oração a freira pede iluminação à Virgem para contar a sua história,
assim como fez a Prioresa em seu prólogo. Ambas irão fazer a oração a Maria, por que
em sua representação está a base, aquela que provê e intercede154. A diferença está na
forma como ambos os louvores são feitos, a Prioresa se coloca como frágil, que não

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
“So, to put all such idleness away,/ The cause of so much ruin and stagnation, / I have, as diligently as I
may,/ Followed the legend in my own translation/ Touching thy sufferings and exaltation, (…)/ Cecilia
(…).”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.452.
153
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.99.
154
PEREIRA, D.F. Op. Cit., p.3.

 
66

consegue exprimir sozinha seu louvor e por isso precisa da ajuda de Maria; enquanto
que a outra religiosa se põe como uma humilde serva, inclusive pedindo perdão por
“não compor a história de maneira rebuscada”155. Ao construir este posicionamento,
Chaucer mostra que a vocação da Outra Freira é realmente séria, em detrimento da
construção da personagem da Prioresa.
O Conto da Outra Freira trata de uma exortação à Santa Cecília mostrando como
sua trajetória de vida e seus atos contribuíram para que ela demonstrasse suas virtudes e
sua santidade. Cecília é membro de uma família nobre romana que desde pequena foi
criada como cristã e por isto quer se manter casta: “Nunca cessava – como pude ler – de
orar, amando e temendo a Deus, e suplicando-lhe que preservasse a sua
virgindade.”156. Vê- se Cecília como um modelo perfeito de uma freira, porém sua
provação é maior, pois logo no começo da história ela se prepara para seu casamento e
pede em oração que seu corpo se mantivesse imaculado. Quando chega a noite de
núpcias, Cecília conta ao seu esposo Valeriano que havia um anjo que guardava por sua
castidade e se Valeriano a amar de maneira casta, ele também seria protegido.
As preocupações de Cecília devem-se, porque com o casamento, a mulher passava a
ser posse do marido e havia ênfase, inclusive na cerimônia, da importância da
consumação do mesmo. No século IX, as cerimônias matrimoniais entre nobres se
davam com os noivos deitados com os corpos nus sobre o leito e o pai do noivo
invocava as bençãos de Deus sobre o casal, selando a união entre as parentelas. Aos
poucos, os padres foram tornando-se importantes na cerimônia, limitando-se a abençoar
a cama do casal com água benta. No século XII, o casamento foi transformado numa
cerimônia totalmente pública, era uma festividade, um rito, uma solenidade. Já entre os
séculos XIII e XIV, a cerimônia matrimonial dividiu-se em duas partes. Na primeira, o
pai da noiva entregava a filha ao padre, que por sua vez, entregava-a ao noivo. Na
segunda parte, o padre colocava a mão de um sobre o outro e os entregavam ao
matrimônio157.
A mulher pertencia ao homem, porém, sua alma deveria pertencer a Deus, por isso
deveria guardar-se casta mesmo no casamento, mantendo relações sexuais apenas para
                                                                                                                       
155
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.254.
“Forgive me if I show no diligence/ To ornament my story or endite/ A subtle style (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.452.
156
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.255.
157
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.25.

 
67

gerar descendentes. As meninas eram levadas a se casar muito cedo, por cerca dos doze,
treze anos de idade, o que dificultava muito mais a realização do desejo que pudessem
ter de não se casar com determinado noivo, prevalecendo a imposição do pai. As moças
eram educadas aprendendo a bordar, cuidar de bebês e deviam ser doces, tímidas,
modestas, castas, discretas, prendadas e religiosas. Eram educadas para ser esposas. A
castidade deveria ser guardada por dois motivos principais: a honra da família e a
salvação da sua alma158.
Desde o final do século XII159, a Igreja procura estabelecer a idade mínima de doze
anos para as meninas e catorze anos para os rapazes, para o envolvimento em laços
matrimoniais. Mas se fosse de vontade das famílias envolvidas, devido a alianças
políticas, o casamento poderia ocorrer antes desta idade160. Ao mesmo tempo que os
clérigos defendiam a disposição dos noivos em se unirem em matrimônio, ratificavam a
escolha pelos pais. Para demonstrar que eram a favor do casamento pela vontade dos
noivos, teriam a oportunidade de aceitarem ou não durante a cerimônia matrimonial e,
por mais que a noiva não quisesse aceitar o noivo, receberia tamanha carga de pressão
emocional da família ou imposta pela própria sociedade, que não conseguia recusar-se,
ou se o fizesse, seria imensamente reprimida e submetida novamente ao mesmo ou a
outro noivo.
As próprias mulheres podiam achar bastante vantajoso o casamento arranjado desde
a infância. Era mais cômodo, uma garantia de sustento a vida inteira. Muitas delas ainda
crianças eram enviadas a morar nas casas de seus noivos, sendo tratadas como filhas
pelas famílias dos futuros maridos ou enviadas a conventos, onde deviam se manter até
o casamento como uma garantia aos noivos de que se manteriam castas e inocentes,
levando uma vida voltada para atos religiosos161. Também, muitas jovens como meio de
fugir a um casamento ao qual não desejavam recorreriam a proteção de conventos,
prometendo disponibilizar-se à castidade eterna, como já foi mencionado à respeito da
Prioresa. Em nosso Conto, Cecília não teve a escolha de ir a um convento e por esse
motivo, ela pede proteção e manutenção de sua virtude e castidade dentro do casamento.

                                                                                                                       
158
ARIÈS, P. Casamento Indissolúvel. S/d, p.16-39.
159
MACEDO, J. R. Op. Cit,, p.28-29.
160
DUBY, G; PERROT, M. (dir.) Op. Cit., p.289.
161
Idem, p.366.

 
68

No caso de Cecília, a virgindade é o que a diferencia em seu ideal cristão e o que faz
com que sua história seja acreditada por seu marido. Assim, Valeriano dirige-se ao local
indicado por Cecília e entra em contato com o Papa Urbano, que estava escondido nas
catacumbas dos santos. Lá Valeriano descobre que a história de Cecília é verdadeira e
se retira verdadeiramente convertido e batizado. Ao retornar à sua casa, encontra Cecília
com um anjo que entrega a ele e a Cecília coroa de lírios e diz:
Com corpos limpos e mentes imaculadas preservareis essas coroas (...)
eu as trouxe para vós do paraíso, e, acreditai-me, jamais irão murchar
ou perder o doce perfume. Também nãos serão visíveis, a não ser para
os castos e os que odeiam o pecado.162

Valeriano pede então que seu irmão Tibúrcio também tenha a mesma oportunidade
da graça. Tibúrcio ouve as palavras do casal e desperta para a verdade da vida espiritual
em que Cecília lhe explica sobre um só Deus e sobre os milagres de Jesus. Tibúrcio é
batizado e tem todas as graças concedidas por Deus.
A história então dá um salto de tempo e parte para o momento em que o magistrado
de Roma procura os dois irmãos e os leva à presença de Almáquio, o prefeito que, ao
saber de suas crenças, manda que os levem até uma estátua de Júpiter para sacrificarem,
sob a condição de, se não o fizessem, seriam mortos. São mandados ao templo pelo
oficial e corniculário do prefeito, Máximo que, no caminho, se apieda dos dois que vão
até a casa do oficial e conseguem levar a palavra de Jesus para todos os familiares deles.
Cecília então chega com padres e batiza todos os membros da família de Máximo.
Quando o dia amanhece, Cecília os lembra que ainda tem a sua missão a cumprir:
Agora, amados e caros cavaleiros de Cristo, rejeitai todas as obras das
trevas e armai-vos com a armadura da luz. Em verdade, combatestes o
bom combate, completastes a vossa carreira, guardastes a vossa fé.
Buscai a coroa da vida que não pode falhar; o reto Juiz, a quem
servistes, vô-la dará, porque vós a merecestes.163

                                                                                                                       
162
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.257.
“With a clean body and with spotless thought,/ Cherish these coronals for ever. (…)/ from Paradise were
brought/ For you, and they shall never rot away/ Or lose their savour, trust to what I say./ And they are
such as none shall see, unless/ His heart is chaste and hates all filthiness.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.458.
163
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.259.
“O you that are restored/ In Christ and are the soldiers of the Lord,/ Cast off the works of darkness and
put on/ The armour of righteousness, the night is gone./ You have done battle gretly and prevail,/ Your
course is done, your faith has never swerved; Go to the crown of life that cannot fail./ The righteous
judge and Savior you have served/ Shall give it you, for you have well deserved.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.462.

 
69

Como ambos recusaram a sacrificar pelos deuses, são mortos e suas almas sobem
aos céus. Máximo, comovido, conta a outras pessoas sobre o que ocorrera e que viu as
almas dos santos subirem aos céus e consegue assim, converter a muitos. Almáquio,
então, manda que ele seja flagelado e morto. Cecília pega seu corpo e o enterra junto à
Valério e Tibúrcio. O prefeito descobre, manda que ela também seja levada a sacrificar
pelos deuses; porém, Cecília consegue converter a todos os guardas que vão prendê-la.
Quando finalmente consegue capturar a Santa, e fica frente a frente com ela, Almáquio
percebe que Cecília é muito inteligente e não teme o seu poder; ele trava um diálogo
com Cecília para testar sua fé e mandar que ela cumpra sua ordem.
Cecília não só responde à altura de sua posição de nobre mas também com uma
autoridade moral devido à sua fé. Ao final diz para Almáquio:
‘Nenhuma palavra disseste que não me deixai entrever a tua
ingenuidade; em tudo e por tudo, te revelaste um oficial inábil e um
árbitro vão. Nada falta a teus olhos para seres tão cego, pois chama
deus aquilo que saber ser apenas uma pedra.’164

Almáquio manda que seja trancada em casa e que ateiem fogo na sala de banhos
com ela dentro. Por um dia inteiro a sala fica em chamas, mas Cecília permanece com o
corpo frio, sem sofrer nenhum mal. Assim, Valério manda que o carrasco desfira três
golpes no seu pescoço. Mesmo com os golpes, o carrasco não conseguiu separar a
cabeça do corpo dela e como a ordem havia sido de três golpes, ele não ousou desferir
mais nenhum golpe. Os cristãos a pegam e enxugam seu sangue e Cecília vive ainda por
três dias pregando e convertendo, doa seus móveis, os recomenda ao Papa Urbano e
pede para que sua casa seja transformada em uma igreja.
Percebe-se que o Conto da Outra Freira e o Conto da Prioresa apresentam uma
semelhança no enredo. O menino pego pelos judeus também teve sua garganta cortada,
e também conseguiu se salvar por conta de um milagre, e é este milagre que em ambas
histórias os personagens conseguem atestar a sua fé e cumprir sua trajetória antes de
efetivamente morrerem.

                                                                                                                       
164
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.261.
“There is no word in what you’ve said to me/ That did not publish your obliquity/ And prove yourself, I
say it without grudge,/ An ignorant official, a vain judge./ Nothing you lack to make your outward eye/
Totally blind, for what is seen by all/ To be stone you seek to glorify (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.465-466.

 
70

O que podemos também apreender nesta história é a voz de Cecília, que é muito
importante em todas as resoluções que são tomadas na história. Se não fosse a sua
decisão de permanecer casta, seu marido teria todos os direitos sobre seu corpo, mesmo
sendo ela uma cristã devota. Cecília consegue convencer a todos que sua castidade é
importante: primeiro através de suas preces, depois a Valério e a Tibúrcio.
Porém, o embate inicial não é entre seu marido e a Igreja e sim entre Cecília e todos
em sua volta, já que convencer a sua família de sua fé, ela também acaba fazendo parte
da conversão do soldado romano. Mesmo sendo uma conversão feita por Valério e
Tibúrcio, Cecília aparece ao fim para trazer os padres para o batismo e profere ela as
últimas palavras de exortação.
Há nessa história a força da personagem feminina e toda a forma como ela agrega e
converte as pessoas em sua volta, se assemelhando às conversões do cristianismo
primitivo e focando, principalmente, nessa relação com a fé, que vence todas
adversidades. Na história, inclusive, o foco não está nos diálogos que os outros
personagens travam e sim na voz clara de Cecília durante toda a história, proveniente de
sua autoridade e do poder que ela exerce devido à sua fidelidade à Deus. Ao escrever
sobre o Conto da Outra Freira, Priscila Martin afirma que o poder espiritual de Cecília é
o que a permite dominar os homens na história: “Claramente, a castidade de Cecília é
uma de suas maiores forças. Dá a ela vantagens políticas e espirituais. Ela não parece
somente igual a todos os homens da história, mas sim como mais poderosa do que
muitos.”165
Inclusive quando Cecília encontra a última autoridade masculina em sua trajetória, o
prefeito que ordena que faça sacrifícios aos ídolos de pedra, percebe-se que ela não é
capaz de persuadi-lo e convertê-lo ao cristianismo, mas tudo o que ela fala a ele é
baseado em argumentos inteligentes. Ela duvida do poder do prefeito e afirma que o
mesmo nunca terá o poder sobre a vida e a morte – algo que só estaria na competência
de Deus – dizendo que Almáquio é apenas um executor, que tem o mero poder de tirar
vidas e mostrando ao final de sua jornada na terra que a vida que ela valoriza é a vida
espiritual e por isso nada teme. Há neste trecho, a semelhança com a citação de Cristo

                                                                                                                       
165
“Clearly, Cecilia’s chastity is one of her gratest strengths. It gives her both political and spiritual
advantages. She seems not only equal with all the men in the story but actually more powerful than
most.” (Tradução nossa) MARTIN, P. Op. Cit., p.153.

 
71

em Mateus 22:21166, “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”,
traçando a diferença entre o poder temporal, mostrando que o prefeito não terá o poder
sobre ela já que esta foca-se no poder espiritual.
De uma maneira geral, o Conto da Outra Freira mostra uma personagem que
defende tão bem sua voz e seu direito de seguir sua fé que parece um oposto da
caracterização da Freira narradora. Enquanto Chaucer não apresenta nenhum traço que
se possa verificar a personalidade desta Freira; também não há, ao longo da obra,
nenhuma interação da mesma com outros personagens. Porém, sua história mostra uma
força tão grande, uma defesa tão forte dos ideais cristãos que permite apreender aí os
traços do tipo de mulher que a Freira é; uma personagem bem diferente de Madame
Eglantine, que mantém sua história no espaço esperado. A Outra Freira também não
foge do tipo de história que deveria contar, mas consegue mostrar a força de uma
mulher santa que lutou pelos seus ideais de fé em Cristo.

3.3- O Conto da Mulher de Bath


A Mulher de Bath é uma personagem muito peculiar nos Contos, pois desperta
atenção pela sua caracterização e seu prólogo. O prólogo dos Contos é uma descrição de
alguns de seus hábitos. Ele a descreve com uma fabricante de tecidos muito experiente,
e mostra que se vestia com tecidos muito bons e caros:
O capeirote, que aos domingos colocava na cabeça, era da melhor
fazenda; e tão cheio de dobras, que eu juraria que pesava umas dez
libras. De belo escarlate eram suas calças, bem justas; e seus sapatos
eram de couro macio e ainda úmido de tão novo. Tinha um rosto
atrevido, bonito e avermelhado. (...) Para dizer a verdade, tinha uma
janela entre os dentes. Confortavelmente montada num cavalo
esquipado, trazia na cabeça, protegida por amplo lenço, um chapéu
largo como um broquel ou um escudo.167

Por Chaucer já iniciar a descrição desta personagem pela caracterização física e de


sua indumentária, mostra a construção da imagem de uma mulher que ostenta seus belos

                                                                                                                       
166
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral. São Paulo, Paulus, 2005.
167
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.9-10.
“Her kerchiefs were of finely woven ground;/ I dared have sworn they weighed a good ten pound,/ The
ones she wore on Sunday, on her head./ Her hose were the finest scarlet red/ And gathered tight; her
shoes were soft and new./ (…) She had gap-teeth, set widely, truth to say./ Easily on an ambling horse she
sat/ Well wimpled up, and on her head a hat/ As broad as is a buckler or a shield.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.31-32.

 
72

tecidos e se foca nos seus atributos materiais, uma indicação que Chaucer a entende
como uma mulher fútil.
Na Idade Média, o matrimônio e família é um conceito que vai se modificando com
o tempo. A família aristocrática era, entre os séculos X e XI, inicialmente, composta de
forma linear pelos grandes clãs formados. Todos que trabalhavam na casa agregavam-se
à família, que não era determinada apenas pelos laços consangüíneos. Deste modo, o
grau de parentesco era amplo, propiciando alianças e abarcando filiações. Do
estabelecimento das relações feudo-vassálicas, esse quadro foi se transformando num
esforço de manter o patrimônio, uma vez que o feudalismo condicionou o tecido social
de áreas nobres da Europa168.
Assim, o parentesco foi perdendo a linearidade horizontal anterior, abrindo espaço,
cada vez mais, a uma verticalidade descendente ou a descendência por meio da
linhagem familiar. Estas mudanças afetaram profundamente a camada nobre da
sociedade. Entre os séculos X e XI, passou-se a favorecer os componentes familiares do
sexo masculino, prejudicando a mulher no momento da sucessão da herança familiar.
Mais tarde, até mesmo filhos homens sofreram prejuízos na sucessão, pois somente aos
primogênitos era dado o direito de herdar o melhor do legado da família. Os irmãos
menores, por sua vez, estavam sujeitos ao irmão mais velho, o chefe da casa, tendo a
todos os outros subordinados a sua vontade169. Tem-se registro de muitos filhos
segundos e terceiros que abandonavam o lar em busca da própria fortuna.
Uma vez escolhido o casamento como destino da mulher, é notório como as formas
de poder se projetavam na relação conjugal. Amor, afeto e carinho eram manifestações
pouco comuns nessas uniões. Segundo Macedo “a concepção éticosocial do amor não
se identificava com os compromissos e juramentos constantes nessa forma de
casamento”170. A mulher dirigia-se ao esposo como seu “senhor”, denotando assim a
transposição da vassalagem, do amplo domínio feudal, para o restrito meio doméstico.
O casamento era, sem dúvida, forma de união entre o homem e a mulher, mas não
os igualava: a mulher permanecia marcada pela fatalidade de Eva e responsável pela
queda de Adão. Ela trazia o estigma do pecado e concentrava em si todos os vícios

                                                                                                                       
168
COSTA, G.P. História do casamento. In: O amor e seus labirintos. Porto Alegre: Artmed, 2007.
p.22.
169
COSER, M.C. Op. Cit., p. 93-108.
170
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.16.

 
73

humanos; principalmente aqueles tidos como femininos, como a gula, a luxúria, a


sensualidade e a sexualidade. Por todos estes atributos, o clero enxergava a dominação
do esposo e as dores do parto como um castigo eterno pela danação de Eva. 171
Todos estes aspectos e fatores envolvidos na concepção da mulher na sociedade
medieval por seus contemporâneos provinham da fragilidade do sexo feminino e da sua
fraqueza perante os perigos da fornicação. A moral cristã não compreendia o prazer
físico; julgava-o objeto de declínio, de queda moral, por ser capaz de desviar o bom
homem do caminho de Deus, aprisionando-o ao próprio corpo.172
O autor mostra também a sua crítica: “Havia sido em toda a vida uma mulher de
respeito: tivera cinco maridos à porta da igreja, – além de alguns casos em sua
juventude (mas disso não é preciso falar agora)”.173 Este trecho irônico, demonstra a
ideia de que mesmo sendo casada, manteve muitas relações sexuais ao longo de sua
vida, ou seja, esta mulher não conservou a sua viuvez como virtude. Inclusive
mostrando todo o excesso de experiência desta Mulher Chaucer afirma: “Tinha
remédios para todos os males de amor, pois dessa arte conhecia a velha dança.”174.
No prólogo do Conto da Mulher de Bath, temos um longo relato de Alice sobre o
tipo de pessoa que foi e de seu passado. A narradora já foi casada cinco vezes na Igreja
e inicia discutindo a recomendação da época de que uma mulher não deveria casar
novamente após a viuvez, mantendo-se casta para o resto da vida. Ela defende que é
“melhor casar do que arder”175 e justifica seu discurso citando a Bíblia com as
passagens da mulher Samaritana e a casa de Salomão. Em seu prólogo, ela usa as ideias
tradicionais patriarcais para atender ao propósito de seu conto.
Quando ela defende o casamento como uma alternativa importante para a
virgindade, cita São Paulo, uma autoridade do sexo masculino que comenta sobre a
virgindade. Porém, também se percebe que seu conhecimento das escrituras bíblicas
provém do que ouviu dos seus maridos, como ao final de seu prólogo ela conta. A

                                                                                                                       
171
SOUSA, I. A Mulher na Idade Média: a metamorfose de um status. Revista da FARN, Natal, v.3, n.1/2,
jul. 2003/jun. 2004, p.162.
172
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.20.
173
Idem, p.10
174
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.10.
“And knew the remedies for love’s mischances,/ An art in which she knew the oldest dances.”
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975. p.32.
175
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.139.

 
74

prova disso é que ela cita uma interpretação do encontro de Jesus com a mulher
Samaritana no poço.
O que a personagem não cita, por possivelmente não ter o conhecimento é que é a
própria Samaritana quem afirma que não tem marido e não Jesus, o que poderia ajudar
no seu argumento. Assim, entende-se que, se ela efetivamente soubesse do texto,
poderia discuti-lo e argumentar sobre ele, já que um dos traços de sua característica com
seus maridos é a capacidade de discutir sempre até que seu ponto de vista fosse o
vencedor.
A personagem em seu discurso, não promove uma contestação aberta aos padrões
morais da época, admitindo que seu modo de vida foge aos ideais preconizados pelo
discurso da Igreja que apontava a castidade como uma forma ideal de vida e a
virgindade ligada a representação de Maria – a Virgem mãe. O casamento, nesta visão,
teria como objetivo único a procriação176. Nossa viúva reconhece esta posição, mas
também afirma que não se encaixa nesses padrões e que acha que é melhor não manter a
abstinência dentro do matrimônio. O interessante é perceber que esta mulher está
afirmando que a consumação do casamento é prazerosa, algo que não deveria ser
comentado por uma mulher.
O foco principal deste prólogo é o ponto de vista de Alice sobre o casamento, que o
descreve como um flagelo, fruto principalmente das artimanhas femininas, afirmando
que as mulheres juram e mentem com muito mais costume e facilidade. Ela relata que
casou com os primeiros maridos somente por interesse e também discorre sobre os
subterfúgios utilizados por ela para enganar e manipular seus cônjuges – ela jurava aos
maridos que saía a noite para espiar se eles estavam tendo encontros amorosos, mas na
verdade quem os tinha era ela:
Era por causa do lucro que eu suportava a luxúria dos três primeiros
maridos, e até demonstrava um apetite fingido, – pois nunca tive
predileção por carne seca. E era por isso também que eu os repreendia
tanto, não os poupando à própria mesa, nem que, ao lado deles,
estivesse sentado o Papa. 177

                                                                                                                       
176
MARTIN, P. Op. Cit., p.160.
177
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.143.
“His pleasures were my profit; I concurred,/ Even assumed fictitious appetite,/ Though bacon never gave
me much delight./ And that’s the bery fact that made me chide them./ And had the Pope been sitting there
beside them (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.287.

 
75

Percebemos aí a crítica de Chaucer ao comportamento feminino, já que o autor


constrói esta personagem com uma fala tão explícita que talvez seu objetivo fosse
efetivamente chocar, expondo ao ridículo o fato da comerciante ter casado com maridos
mais velhos, por suas posses. Essa prática era comum, porém o autor explicita que era
ela quem procurava os casamentos, pelas propriedades que receberia.
Labarge178 destaca que os romances e a poesia de corte dos séculos XII e XIII
tinham um ponto de vista muito mais secular, considerando o amor e o matrimônio
como dois conceitos incompatíveis na prática. No entanto, não devemos colocar esta
incompatibilidade como norma, pois, existiram uniões marcadas pelo afeto e, também,
como podemos perceber no prólogo da Mulher de Bath, um grande número de mulheres
extremamente dominadoras.
Segundo esta autora, a mulher deveria ser competente na administração da casa e do
dinheiro, tarefa que exigia habilidade, mas estava sob a tutela do marido. Mesmo
estando em uma condição inferiorizada, a mulher, sendo ela artesã, camponesa ou
comerciante, participava também do mundo do trabalho. Mesmo as mais ricas atuavam
nos negócios, junto com os maridos ou na falta deles.
Uma das poucas ocasiões onde uma mulher poderia ainda exercer relativa
autonomia era na viuvez. Miskimin discorre sobre tal proposição com casos de viúvas
inglesas que se tornaram grandes comerciantes de lã e tecidos, como Alice:
Os registros fiscais da administração inglesa mencionam casos de
mulheres envolvidas em transações mais importantes e vultosas que as
anteriormente citadas, ligadas, sobretudo à exportação de lã. A maior
parte dos casos diz respeito a viúvas de grandes negociantes forçadas,
para sobreviver, a continuar o negócio. De acordo com o Hundred
Rolls, no ano de 1274 alguns dos mais expressivos negociantes foram
viúvas londrinas (...) exportavam lã para Calais e outras cidades
francesas onde havia produção de tecidos.179

Seu quinto marido, sendo um estudante universitário, era letrado na antiguidade


clássica e lia obras que ressaltavam o caráter pérfido das mulheres, o que gerava nela
um grande incômodo e por que Janekin, o marido, era contra a sua opinião de quem
deveria comandar no casamento era a mulher. Neste momento em que há o embate com
Janekin e a discussão com ele, que se levanta e bate em Alice. No Conto, este momento

                                                                                                                       
178
LABARGE, Margaret W. La mujer em La Edad Media. Madri: Nerea, 1988, p.34
179
MISKIMIN, Harry. Op. Cit., p.211.

 
76

é entendido como algo que nunca havia acontecido entre o casal, não era comum aquele
marido bater em Alice. Este é o clímax de seu prólogo, o embate entre toda a postura
apresentada por ela até o momento e a figura contrária a isso, seu marido.
Porém sua luta efetiva não é somente pela submissão do marido e sim uma luta para
ser bem tratada por ele e se colocar na posição de esposa, dando a ele respeito e
obediência180. Entender e delimitar quais as visões pessoais de Chaucer (que não são
explícitas) é difícil, mas sua escolha por este tema e a representação desta esposa como
uma personagem que não é só compreensível em seu pedido mas também interessante
em seus pensamentos sobre o tipo de casamento que ela quer. Por mais que Alice tenha
tido problemas em seus quatro casamentos anteriores, ela não perde a esperança de ter
um bom marido para ela.
Seu casamento com Janekin é o único que termina da maneira que ela quer, Alice
está procurando por amor, pois ela já tem dinheiro e posses suficientes; ela poderia se
manter viúva e não necessitar mais de estar no poder de um homem, mas ela decide se
casar de novo. Pelo posicionamento de seu novo marido, ela percebe que ela não só
perdeu o controle de seu dinheiro e de suas posses, mas também seu posicionamento
perante o casamento, ela quer ser uma mulher com direitos perante suas posses181. Seu
marido quer transformá-la em uma mulher obediente e sem uma vida própria, ela decide
então reverter esta posição. Antes desse embate, vemos o estado mental de Alice:
“Por isso, quando percebi que ele pretendia passar a noite inteira lendo
aquele maldito volume, num impulso repentino arranquei-lhe três
folhas do livro, enquanto ele ainda lia, e desferi-lhe tal soco no rosto
que ele perdeu o equilíbrio e caiu de costas no fogo. Levantou-se
então de um salto, como um leão endoidecido, e, com o punho, bateu-
me com tanta violência na cabeça que vim ao chão desfalecida. Ao ver
que eu não me mexia, ficou horrorizado, julgando me morta; e teria
fugido dali se eu, finalmente, não tivesse recobrado os sentidos: ‘Oh,
você me matou, ladrão traiçoeiro?” gemi; “foi por causa de minhas
posses que você me assassinou? Assim mesmo, antes que eu morra,
quero dar-lhe um beijo”. Ao ouvir isso, ele se aproximou e se ajoelhou
junto a mim, dizendo: “Alice, minha querida, Deus me ajude, nunca
mais vou bater em você. Se fiz isso, foi por sua culpa. Perdoe-me, eu
lhe suplico!”182
                                                                                                                       
180
MARTIN, P. Op. Cit., p.168.
181
SILVA, M.S. As mulheres cristãs nas cidades da Idade Média. In: SANTOS, Maria Clara Curado.
Actas dos Colóquios sobrea temática da mulher. Moita: Câmara Municipal de Moita, 2001. p.150.
182
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“And when I saw that he would never stop/ Reading this cursed book, all night no doubt,/ I suddenly
grabbed and tore three pages out/ Where he was reading, at the very place,/ And fisted such a buffet in
his face/ That backwards down into our fire he fell./ Then like a maddened lion, with a yell/ He started up

 
77

Quando Janekin se preocupa com Alice e se junta a ela no nível da comunicação, ele
perde o direito ao seu livros e aceita um novo tipo de casamento, onde o homem cede
aos apelos da esposa, assim como ela perde a ilusão de um casamento idealizado, já que
Janekin percebe que ele a ama mais que a seus ideais:
Mais tarde, porém, após lamentos e queixas, finalmente nos
reconciliamos. Ele entregou o cabresto em minhas mãos, confiando-
me a direção da casa e das terras, bem como o controle de sua pessoa,
– palavras, atos, tudo. E eu, sem perda de tempo, o fiz queimar o tal
livro. E a partir do momento em que, graças à minha habilidade,
recuperei o comando (...)183

Só que se percebe também que mesmo recuperando seu controle, esta personagem
quer um casamento feliz e em paz, pois ela não agirá mais como agiu com seus maridos
anteriores:
nunca mais houve briga entre nós dois. Por Deus, fui tão
compreensiva e tão fiel a ele, que da Dinamarca à Índia não se
encontraria esposa igual. E assim também era ele comigo. Por isso,
peço a Deus, em sua majestade, que lhe abençoe a alma com sua graça
infinita. 184

Desta forma prólogo do conto da Mulher de Bath tem como objetivo mostrar que a
mulher é quem deve ter o controle e a escolha no matrimônio. Assim, as proposições da
Alice acabam por respaldar as críticas de Chaucer em relação ao comportamento
feminino, tendo em vista a forma como ela manipulava e enganava seus maridos,
estimulada pela ambição e pelo adultério. É possível apreender também que por mais
que um comportamento obediente e humilde fosse esperado das mulheres casadas da
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
and smote me on the head,/ And down I fell upon the floor for dead./ And when he saw how motionless I
lay/ He was aghast and would have fled away,/ But in the end I started to come to./ ‘O have you
murdered me, you robber, you,/ To get my land?’ I said. ‘Was that the game?’/ Before I’m dead I’ll kiss
you all the same.”/ He came up close and kneeling gently down/ He said, ‘My love, my dearest Alison,/ So
help me God, I never again will hit/ You, love; and if I did, you asked for it,/ Forgive me!”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.297-298.
183
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“We had a mort of trouble and heavy weather/ But in the end we made it up together./ He gave the bridle
over to my hand, / Gave me the government of the house and land,/ Of tongue and fist, indeed of all he’d
got./ I made him burn that book upon the spot. And when I’d mastered him, and out of deadlock/ Secure
myself the sovereignty in wedlock, (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.298.
184
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“From that day forward there was no debate./ So help me God I was as kind to him/ As any wife from
Denmark to the rim/ Of India, and as true. And he to me/ And I pray God that sits in majesty/ To bless his
soul and fill it with his glory.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.298.
Na tradução de Paulo Vizioli, há a modificação de to the rim (ao Reno) por à Índia, provavelmente para
preservar a rima da narração.

 
78

época, possivelmente existiram mulheres que encontraram maneiras de resistir ao


domínio masculino nas cidades.
Depois desta introdução, ela apresenta o argumento central que precede o seu conto,
uma posição contrária ao tratamento de mulheres como bens. E o mote central é que
toda sua história é percebida através de sua experiência de vida. E é mais uma coisa que
é comum entre o seu prólogo e a história de seu conto: não é só o desejo de igualdade
no casamento, mas também o fato de que sem conhecerem as mulheres, sem terem esta
experiência de vivência, os homens não podem entender aos seus desejos185.
Já que a experiência de seus casamentos depende da forma como Alice pode
manipular seus maridos, também entendemos que sua proclamada luta pela igualdade
no casamento acaba no momento em que Alice arma para Janekin pelo controle de seus
bens e os consegue, para se torna uma esposa obediente. Ou seja, seus embates não são
por dominação feminina e sim pelo amor de seu marido, ela quer ser tratada como uma
dama amada na tradição cortês e retribuir ao cônjuge o respeito e obediência186.
No Prólogo da Mulher de Bath, entende-se muito da percepção da mulher como
ameaça, a visão temerosa da sexualidade feminina:
A moral cristã sempre condenou o prazer físico. Os moralistas
procuravam limitar ao extremo a sexualidade. Esta deveria servir
exclusivamente para a procriação. As relações sexuais dos casais
foram severamente disciplinadas. Qualquer expediente contraceptivo
era culposo. Quando a descendência estivesse assegurada,
desaconselhava-se o contato carnal. 187

O papel do marido então era o de chefe da família e a esposa e, consequentemente


dos filhos, lhe devem obediência. No entanto, o Direito canônico salientava a
necessidade de haver livre consentimento de ambas as partes para constituir um
matrimônio válido, fator que já representava, em tese, um progresso para a mulher.
A concepção medieval em relação ao papel da mulher estava baseada na aceitação
indiscutível da inferioridade da mesma, decorrente do pecado cometido por Eva. As
obras dos Padres da Igreja, como São Jerônimo, tiveram grande influência em escritos

                                                                                                                       
185
MEDEIROS, M.M. Uma análise sobre o casamento medieval segundo Thomas Malory. Fênix –
Revista de História e Estudos Culturais Janeiro/ Fevereiro/ Março/ Abril de 2011, Vol. 8, Ano VIII nº 1.
p.2.
186
JARDIM, R.B. Sistemas rituais do processo matrimonial no medievo europeu ou sistemas
generificados de controle social. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.11, n. 14, 1º sem. 2010, p.64.
187
PILOSU, M. Op. Cit., p.20.

 
79

religiosos que viveram posteriormente. Enfatizava-se a virgindade como a melhor opção


de vida, traço que se tornou mais nítido com a Reforma Gregoriana, ocorrida no final do
século XI, quando o celibato clerical passou a ser norma exigida. Assim a imagem da
mulher como perversa, maliciosa e sedutora ganhou ainda mais relevo188.
Apenas as virgens e mulheres que optavam pela castidade e pela vida religiosa
estavam isentas destas críticas, já que consagravam suas vidas para Cristo. Neste
sentido, podemos entender também a forma como Outra Freira é representada por
Chaucer, uma personagem que não recebe objeções por nenhum dos outros peregrinos
durante a sua história, pois toda sua postura e o discurso da caridade davam a ela um
respaldo moral dentre os peregrinos.
Porém, tendo em vista todo o prólogo e as opiniões de Alice sobre o casamento e a
vida conjugal, podemos verificar que esta relação era mais fluida do que o que os
teólogos da Igreja recomendavam. Alice deixa a entender em seu prólogo que o prazer
sexual é importante para ela. E também é possível verificar que sua relação com
Janekin, após o clímax do seu prólogo mostra que será um esposo mais amoroso com
ela.
O Conto da Mulher de Bath, conta uma fábula na qual um cavaleiro da corte do rei
Artur é acusado de estuprar uma dama e é acusado de morte. Porém a Rainha pede
clemência ao cavaleiro e o Rei deixa a ela a decisão de como seria a punição do
cavaleiro. A Rainha pede que o jovem responda a indagação: “O que é que as mulheres
mais desejam?”. Para isso o cavaleiro teria um ano e um dia para sair pelo mundo e
procurar pela resposta.
Em um momento o cavaleiro chega a uma floresta e encontra uma velha lhe explica
a indagação que procura, a velha lhe diz que contará a resposta, desde que ele cumprisse
com um pedido dela. Ela então lhe diz o que as mulheres desejam e prontamente ele
volta ao reino para anunciar a Rainha. Ao chegar, responde:
Majestade, de modo geral”, disse ele, “o que as mulheres mais
ambicionam é mandar no marido, ou dominar o amante, impondo ao
homem a sua sujeição. Ainda que me mate, digo que é esse o seu
maior desejo. Vossa Majestade agora pode fazer comigo o que quiser:
estou a seu dispor. 189

                                                                                                                       
188
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.45.
189
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.153.

 
80

As mulheres da Corte concordam, e quando ele se prepara para ser liberado, a


mesma velha que anteriormente o havia ajudado, aparece e e pede à rainha que seja feita
justiça. Quer que o rapaz se case com ela. A Rainha e o rapaz concordam. O jovem
chora sua desgraça e parte com a velha. E ela, no entanto, faz com que ele pense nos
valores verdadeiros e na superficialidade das aparências. Pergunta-lhe o que ele prefere:
que ela seja uma mulher feia e velha, mas submissa e fiel ou que ela seja jovem e
atraente, mas que receba visitas em sua casa. O jovem resignado diz que confia na
sabedoria da velha e que, certamente, ela poderá escolher o melhor para eles. Se ela
pode escolher, ele concorda que é ela quem tem o poder na relação. Então a velha beija-
o e transforma-se numa jovem deslumbrante. Garante-lhe também que nunca usará da
prerrogativa de lhe ser infiel.
O foco não é no fato do homem ter o que ele quer, mas nas mudanças de suas ideias
sobre mulheres. O relacionamento final que o casal consegue é o resultado do melhor
entendimento do cavaleiro das experiências femininas, pois ele só consegue entender as
mulheres fazendo parte do mundo delas. Este conto guarda relação com o prólogo da
Mulher de Bath, pois é só no momento que o homem cede lugar à mulher, que a história
se resolve.
 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
“My liege and lady, in general said he,/ A woman wants the self-same sovereignty/ Over her husband as
over her lover,/ And master him, he must not be above her./ That is your greatest wish, whether you kill/
Or spare me; please yourself. I wait your will.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.304.

 
81

Considerações Finais

As contribuições oriundas dos movimentos feministas e das transformações


historiográficas, principalmente a partir da década de 1960, foram fundamentais na
fundamentação de uma História das Mulheres. Nesse sentido, ressaltam-se as
contribuições também da História Social, da História das Mentalidades e da História
Cultural, que tiveram papel principal no processo de levar as mulheres ao patamar de
objeto e sujeito da História. Com o desenvolvimento do conceito de gênero, não há mais
uma noção de naturalização do que significa ser homem ou mulher e sim a noção de que
esses padrões são construídos.

As reflexões que elaboramos ao longo deste trabalho apresentaram noções muitas


vezes dicotômicas entre as representações elaboradas pela Igreja e pela sociedade
medieval e aquelas que sugiram através de nossa análise das fontes. As primeiras foram
durante muito tempo analisadas e largamente discutidas pela historiografia, onde a
noção de mulher era aquela submissa, e a que deveria representar expectativas baseadas
em grandes representações de mulheres bíblicas. Em nossos Contos, podemos inferir
não somente a quebra com esta noção, mas também uma nova articulação feminina.

Através de nossa análise dos Contos, refletimos sobre novas representações de


mulher, diferente daquelas lidas e legitimadas por uma sociedade trifuncional veiculada
pela Igreja. Como suporte para nossa análise, utilizamos, dentro deste conto, as
representações do autor sobre a atitude da mulher em relação à um novo contexto social
na Inglaterra do século XIV.

As representações são fruto de um processo histórico, no qual as relações


culturais tem um papel essencial. Elas também não são grandes blocos engessados, mas
parte de um grupo de fatores que passam por escolhas, significações e estratégias. A
cultura trata sobre o modo com o qual nos relacionamos com o mundo e isso se opera
através da linguagem e pela atribuição de sentido através dos símbolos. E, ao optarmos
por verificar as mulheres dos Contos com base nas representações, entendemos que foi
possível analisar as mulheres em suas nuances.

Verificamos que a sociedade de Chaucer possui uma configuração social


marcadamente diversa daquela vigente no período feudal. Devemos considerar a

 
82

ascensão material do burguês, e também o enfraquecimento dos laços de servidão que


dá margens ao aparecimento de novos grupos sociais e fragiliza a nobreza senhorial.
Além disso, há a progressiva centralização do poder empreendida pela monarquia
inglesa, que se utiliza da força econômica da burguesia de forma a atingir seu objetivo
de alcançar maior concentração de poder.

A Igreja ainda era interpretada como a organização legítima da sociedade porque


permitia a instituição mediadora das relações dos homens para com Deus. Portanto,
veiculando representações da realidade, no sentido de explicá-la e legitimá-la enquanto
tal, a Igreja agia com o objetivo de manter uma situação na qual sua posição era
hegemônica. E, detendo tal posição dentro da Cristandade, vemos que, no nível
simbólico, as representações veiculadas por ela tinham o estatuto de oficiais, sendo
legitimadoras da ordem feudal anteriormente vigente.

Ao nos atermos à situação da Igreja no século XIV, entendemos que ela passa por
um período de crise. Esta se revela dentro da instituição, com as perdas humanas
ocasionada pela Peste Negra com a longa ruptura ocorrida no interior do papado – o
Cisma do Ocidente. Tal crise interna se reflete na imagem de guia espiritual que a Igreja
detém e acaba por criar na Cristandade um sentimento de orfandade espiritual. Além
disso, a prática mundana de seus membros que se desviava progressivamente da palavra
cristã por eles pregada, cria um contexto de descrença no clero, estimulando uma
religiosidade independente de sua mediação espiritual.

No mesmo sentido, há um conjunto de mudanças à partir do século XII, com o


surgimento de novas ordens voltadas para a prática da assistência aos necessitados e o
contato com os mais pobres. Neste mesmo período cresce também o culto mariano e a
consequente mudança no escopo de visão feminina, tirando a mulher da visão de ser
somente um instrumento de erro e dando à mulher a visão de intercessora.

O autor que utilizamos, Geoffrey Chaucer, torna-se, em nosso trabalho, o elemento


representante das transformações sociais ocorridas na Cristandade durante a Baixa Idade
Média. Como poeta da Corte, ele escreve a obra na qual ele procura retratar a sociedade
em que vive. Mostra que a literatura pode ser uma fonte a estudar os elementos de uma
sociedade e cultura. Para isto precisa-se entender o que o autor verificou em seu tempo,
as suas influências e acontecimentos marcantes de sua época, os atores sociais que ele

 
83

observava; e assim, perceber como este autor passou para um texto escrito suas
impressões, passíveis de erros, abstrações, anacronismos e críticas.

Chaucer representa em seus Contos toda a complexidade e variedade social da


Inglaterra do quatrocentos com o objetivo de legitimar o espaço burguês (do qual faz
parte), já há muito tempo integrado ao plano social. Por isso, à partir da análise dos
Contos selecionados, foi possível entender alguns elementos que permeavam a rotina, a
mentalidade e a vida das pessoas da época. Trabalhar com uma fonte literária como os
Contos da Cantuária propicia uma visão bastante peculiar sobre o tema a ser estudado;
é uma forma de perceber que haviam pessoas reais naquele tempo, e não apenas um ser
imaginário, produto de especulações; é possível verificar a existência de pessoas que
tinham opiniões, que interagiam umas com as outras que viviam e apreendiam
informações através do ambiente em que viviam.

Este trabalho abordou sobre os percalços de se pesquisar os cotidianos femininos na


Idade Média e de se atribuir conceitos muito gerais a esses estudos sem se deixar levar
pela subjetividade ao estudar tais casos. O pesquisador não consegue ser completamente
imparcial, visto que ele é fruto de seu ambiente, de suas relações pessoas e de suas
experiências; contudo o historiador deve buscar se despir do indivíduo contemporâneo
ao analisar as realidades culturais e sociais dos indivíduos do passado.

Propomos, entre os dois grandes blocos onde as mulheres poderiam se encaixar


entre duas imagens ou condições sociais extremas, inferir que talvez os ideais
fornecidos pela Igreja fossem postos em prática, de acordo com as condições materiais
das épocas e locais e não como elemento determinante para compreensão da condição
social feminina, pois esta era não somente consequência do aspecto religioso, mas
também do contexto social vivido.

Procuramos assim, em nosso trabalho, mostrar que as mulheres na Idade Média não
estavam fixadas em padrões globais; estavam elas imersas em conflitos cotidianos
frente a tais grandes representações que as encaixavam em padrões discursivos restritos.
O que buscamos mostrar aqui foi que o feminino, como uma série de representações que
se articulam umas às outras e com as demais dinâmicas e grupos sociais, é uma temática
vasta para ser explorada, riquíssima e que demanda crescentes estudos que
problematizem a história da mulher na Idade Média. Nossa pesquisa toma por foco essa

 
84

direção, que consideramos relevante dentro dos estudos medievais, em um contexto


atual de grandes transformações no qual as mulheres cada vez mais ocupam lugar de
agentes na produção de conhecimento, e de uma realidade social atual que
crescentemente busca sustentar suas bases na igualdade de direitos, com pressuposto
constitutivo para além das diferenças de gênero, mas na diferença em si, como marca
ontológica dos indivíduos em sociedade, independente de grupos e de interesses a eles
ligados.

 
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Anexos

 
92

Anexo 1

Imagem do manuscrito de Ellesmere da Huntington Library em San Marino, California.

 
93

Anexo2

Rota de peregrinação de Londres a Canterbury.

 
94

Anexo 3

Mapa referente à area francesa de Henrique II (em laranja, coral e amarelo).

 
95

Anexo 4

Mapa referente à area Inglesa (em vermelho) e Francesa (em verde) após o Tratado de Brétigny.

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