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INSTITUTO DE HISTÓRIA - IH
Dissertação de Mestrado
por:
2
FICHA CATALOGRÁFICA
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4
EPÍGRAFE
- Simone de Beauvoir
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos meus pais, que sempre com palavras de carinho e de
incentivo, estiveram ao meu lado durante minha trajetória pessoal e acadêmica. Foram
eles que ouviram minhas dúvidas e apreensões e souberam me direcionar para o
caminho que me desse maior satisfação. Dedico a eles cada palavra deste trabalho.
Agradeço aos amigos mais próximos, cuja presença e conversas me deram mais
força e ânimo para continuar: Camila, Rocky, Desirée, Rodrigo, Natália, Adriano,
Nathália, Maíra, Vinícius, Jonathan, Andressa, Bruno, Jacque, Marcos e Aline. Destaco,
também, a ajuda não só pessoal como profissional de Bruno Marconi e o apoio
incondicional de Rosângela Maria de Souza. E, principalmente, agradeço a imensa
ajuda de Cristiano Ferreira que foi essencial nos retoques finais deste trabalho e me
incentivou com todas suas conversas amigas a prosseguir nesta área.
Agradeço a dedicação de minha orientadora, Profª Drª Gracilda Alves, por todas as
suas considerações e conversas e por efetivamente, ter ajudado a me tornar uma pessoa
e uma historiadora melhor.
6
RESUMO
7
ABSTRACT
8
LISTA DE ANEXOS
9
SUMÁRIO
Introdução …………………………………………… pg 10
Capítulo 1- O Tempo de Chaucer ………………….. pg 20
Capítulo 2 – As representações da mulher ………… pg 34
Capítulo 3 – As Mulheres Narradoras ……………... pg 51
3.1 - O Conto da Prioresa……………………………. pg 52
3.2 - O Conto da Outra Freira………………………. pg 63
3.3- O Conto da Mulher de Bath……………………. pg 71
Considerações finais ………………………………… pg 81
Bibliografia …………………………………………... pg 85
Anexos ………………………………………………... pg 91
10
Introdução
O trabalho por nós apresentado tem suas origens ainda na Graduação, quando
iniciamos o contato com as discussões de relações de poder e de representações no
laboratório de pesquisa Medievo/UFRJ, sob orientação da Professora Gracilda Alves.
Desde aquela época, mostramos interesse pela temática das representações e imagens do
feminino na Idade Média. Até então, nosso conhecimento sobre as mulheres medievais
se resumia à representação proposta por uma historiografia mais tradicional, que
restringe a mulher essencialmente a tutela do olhar masculino e do espaço privado.
Quando tivemos então o primeiro contato com a fonte por nós escolhida, The
Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer (Os Contos da Cantuária), entendemos que essa
representação poderia ser confrontada com os Contos presentes na obra.
O recorte temporal de nosso trabalho compreende o século XIV, pois é este o
contexto de produção dos Contos, livro que começou a ser escrito em 1386 até 1400, o
ano da morte do autor. Existem 83 manuscritos medievais dos Contos, alguns com os
textos completos, outros não1. Nenhum desses é do próprio Chaucer, mas há
manuscritos que foram copiados por escribas logo após a morte do autor. Um dos mais
importantes é o manuscrito Hengwrt2, copiado entre 1400 e 1410. O manuscrito mais
famoso é o manuscrito Ellesmere3, decorado com iluminuras que representam alguns
dos membros da peregrinação.
A primeira versão impressa dos Contos foi publicada em 1476 por William Caxton4,
seguida de outra em 1483. A obra foi, assim, a primeira grande obra em língua inglesa a
ser impressa. Em nossa pesquisa estamos usando duas traduções: a tradução da Penguin
para inglês moderno de Nevill Coghill5 pois preserva a estrutura em versos; e a tradução
em português de Paulo Vizioli6 que, apesar de ser em prosa, preserva a estrutura métrica
e as rimas.
1
Pearsall, D. The Canterbury Tales. London: G. Allen & Unwin, 1985, p.1-2.
2
Ruggiers, P. G. A Facsimile and Transcription of the Hengwrt Manuscript With Variants from the
Ellesmere Manuscript.. University of Oklahoma Press. 1979. Disponível em
http://books.google.com.br/books?id=QiGazUrpnusC&printsec=frontcover&dq=chaucer+canterbury+tale
s&lr=&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
3
Anexo 1: Imagem do manuscrito de Ellesmere da Huntington Library em San Marino, California.
http://www.english.upenn.edu/~jhsy/scholarship.html
4
PEARSALLl, D. Op. Cit., p. 8.
5
CHAUCER, G. The Canterbury Tales. Tradução de Nevill Coghill. Londres: Penguin Books, 1975.
6
CHAUCER, G. Os Contos da Cantuária. Tradução de Paulo Vizioli. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988.
11
A escolha por estas duas traduções também se deve ao fato de ambas as obras
apresentarem os textos completos em língua moderna. Há somente uma diferença na
ordem dos contos. Paulo Vizioli segue Coghill e mantém a ordem clássica de
estruturação dos Contos, porém desloca O Conto do Médico e O Conto do Vendedor de
Indulgências depois de 7 contos, colocando-o após o Conto do Proprietário de Terras.
O autor afirma que esse deslocamento foi feito de forma a manter a coerência no
diálogo do prólogo do Conto do Vendedor de Indulgências com a Mulher de Bath, onde
há uma conversa entre esses dois narradores7.
The Canterbury Tales constitui uma pintura da sociedade da época e, pela variedade
dos gêneros em que se enquadram os diferentes contos, apresenta um panorama da
literatura medieval. Os Contos estão precedidos por um Prólogo onde são apresentados
todos os 21 narradores, que contemplam membros das três ordens que são agrupadas à
maneira inglesa8. Da 1ª ordem, os membros da nobreza como o Cavaleiro e o Escudeiro;
pela 2ª ordem, os membros do clero como a Prioresa, o Monge, o Frade, a Freira e seu
Secretário, o oficial de Justiça Eclesiástica, o Pároco, o Vendedor de Indulgências e o
Estudante de Oxford; e os da 3ª ordem, os trabalhadores, divididos entre os membros da
burguesia como o Mercador, o Médico, o Advogado, a Mulher de Bath (fabricante de
tecidos) e o proprietário de terras alodiais; e os dos setores populares como o Feitor, o
Moleiro, o Carpinteiro e o Camponês.
O prólogo funciona como um guia para os contos, já que explica a motivação por
trás de cada narrador. Verificamos alguns Contos possuem um prólogo que contém um
diálogo entre o narrador e o albergueiro como O Conto do Moleiro, O Conto do
Cozinheiro, O Conto do Magistrado, O Conto do Homem do Mar, O Conto da
Prioresa, O Conto de Chaucer, O Conto do Monge, O Conto do Padre da Freira, O
Conto do Frade, O Conto do Mercador, O Conto do Criado do Cônego e O Conto do
Provedor; outros são uma resposta a um conto anterior como no Conto do Feitor e no
Conto do Beleguim; outros possuem um aprofundamento da personalidade do narrador
como O Conto da Mulher de Bath e no Conto do Estudante; alguns são um apanhado
inicial da ideia do conto principal como no Conto do Proprietário de Terras, no Conto
7
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p. XXII.
8
DUBY, G. As três ordens ou o imaginário do Feudalismo. Lisboa: Estampa, 1982, p.313-314.
Duby diferencia o caso Inglês na construção social referente ao imaginário das três ordens após o século
XII. O autor salienta que na Inglaterra, a ordem que passou a receber maior destaque era a nobreza,
devido à cavalaria, ocupando esta o primeiro lugar.
12
9
Arcebispo da Cantuária, assassinado durante o reinado de Henrique II, em 1170, por ter jurado
fidelidade ao Papa quando dos conflitos entre o poder da Coroa e o do Papado. In: MAUROIS, André. A
História da Inglaterra. Rio de Janeiro: Pongetti, 1975. p.82-87.
10
BOITAN, P. e MANN, J. The Cambridge Chaucer Companion. Londres: Cambridge University
Press, 1986, p.104.
13
14
15
Para a autora, discutir gênero é abordar sobre algo social. O conceito de gêneros
sexuais apresenta-se para desconstruir a representação tradicional do feminino e do
masculino, ao entender que homens e mulheres são socialmente produzidos pelo
discurso dominante e também por crenças, imagens e símbolos presentes nas diferentes
culturas. Podemos então, com nossa fonte, observar e verificar novos modelos, novas
representações de como entendemos as mulheres medievais.
Quando utilizamos o termo Representação, referimo-nos ao conceito desenvolvido
por Roger Chartier18, que define tipos de “práticas” capazes de articular e dar sentido a
tudo que permeia o campo da cultura. As representações, de fato, fornecem sentido ao
conjunto das práticas sociais, mas se diferenciam a partir do grupo que as veicula e elas
não são discursos neutros, pois produzem estratégias e práticas que tendem a impor uma
autoridade e mesmo a legitimar escolhas. Coexistem uma gama de representações que
são diferentes e também divergentes entre si, em uma luta constante, que servem a
interesses de grupos particulares dentro da sociedade. Tais se dão no nível simbólico e,
muitas vezes, não são facilmente identificáveis. A escolha do termo representação
contribui inclusive para desconstruir essa visão tradicional de como são pensadas as
mulheres do período medieval.
Como nossa fonte trata de um texto literário no qual contribui para a construção de
identidades sociais, de relações sociais e de sistemas de conhecimento e crença e cuja
reprodução e transformações (possíveis) cabem às práticas discursivas de que a
literatura é um veículo. E neste sentido, podem representar e/ou reproduzir ideologias,
que entendemos como,
17
Idem, p.29-30.
18
CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela
Galhardo. Rio. de Janeiro: Difel, 1993, p.62-63.
16
E como nessa construção textual o aspecto da lingua é essencial, esta pode ser
entendida, por um lado, a partir de sua função na sociedade, como um meio de
comunicação nos quais mensagens e informações são construídas e passadas; mas
também se pode compreender a linguagem como a própria comunicação, que é
constituída na sociedade, reflete e é representada pela própria.
A respeito do papel da linguae sua importância para pensar as relações de poder no
campo discursivo, as considerações de Bordieu são úteis para a análise de nossa fonte.
Ele explica que se pode conferir uma eficiência propriamente simbólica de construção
da realidade, isto porque estrutura a noção que os agentes sociais têm do mundo e como
se opera as relações nesse mundo. Assim, a língua pode ser compreendida como um
sistema simbólico que constitui instrumentos de conhecimento e de comunicação, de
visões de mundo e de percepção do mundo social. E afirma:
A percepção do mundo social é produto de uma dupla estruturação
social: do lado objetivo, ela está socialmente estruturada porque as
autoridades ligadas aos agentes ou às instituições não oferecem à
percepção de maneira independente, mas em combinações de
probabilidade muito desigual (...); do lado subjetivo, ela está
estruturada porque os esquemas de percepção e de apreciação, (...) são
produtos das lutas simbólicas anteriores e exprimem, de forma mais
ou menos transformada, o estado das relações de força simbólica20
As considerações de Bourdieu são pertinentes para essa discussão, pois através delas
pode-se precisar de que forma a linguagem exerce um poder e se constitui em um
instrumento que age sobre o mundo. É através deste poder simbólico percebido na
linguagem que o caráter social desta é reafirmado. A força das palavras se exerce na sua
ação comunicativa, pois elas propagam valores, significados, ideologias que perpassam
os agentes sociais e se configuram como formas de dominação e exercício de poder.
A questão da linguagem e das relações de poder se tornam ricas em nosso trabalho
porque a aproximação entre História e Literatura se dá na medida em que ambas são
19
FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães et al. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 2001, p.117.
20
BORDIEU, P. O poder simbólico. Trad. Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004,
p.139-140.
17
Bloch acrescenta, logo a seguir, que duas condições são necessárias para haver
comparação em história: uma certa similitude entre os fatos observados e uma certa
dessemelhança entre os meios onde eles foram produzidos24.
Bloch distingue dois casos de aplicação do método na história: o primeiro é um
fenômeno análogo que se apresenta em meios sociais distantes no tempo e no espaço; e
o segundo é o que nos interessa de perto, onde o fenômeno é buscado em sociedades
21
PESAVENTO, S. J. Relação entre História e Literatura e Representação das identidades Urbanas no
Brasil (século XIX e XX). Revista Anos 90, Porto Alegre,n°4, 1995, p.82.
22
CHARTIER, R. Op. Cit., p.62.
23
BLOCH, M. Pour histoire comparée des sociétés européennes. In: BLOCH, Marc. Mélanges
historiques. Paris, Serge Fleury e Editions de TEHESS, Tome 1, 1983, p.17.
24
BARROS, J.D. História Comparada – da contribuição de Marc Bloch à constituição de um moderno
campo historiográfico. Revista de História Social nº13. São Paulo:Campinas, 2007, p.7-21.
18
sincrônicas, vizinhas no espaço, com uma ou mais origens comuns25. Neste último caso,
então, a análise permitiria, também, a identificação das trocas exercidas por um meio
social sobre o outro.
Esta modalidade historiográfica atua de forma simultânea e integradora sobre
campos de observação diferenciados e delimitados, que ela mesma constitui e delineia.
Para nós, isso se mostra útil, pois iremos comparar mulheres que, apesar de serem de
estratos sociais diferenciados, elas estão no mesmo espaço e tempo, são representações
de mulheres inglesas da segunda metade do século XIV.
Nosso trabalho será dividido em três capítulos. No primeiro capítulo abordaremos
questões religiosas, sociais, econômicas e políticas da Inglaterra do século XIV e como
essas questões influíram para a construção dos Contos por Chaucer. O período em que
viveu nosso autor (1340-1400) abrange os reinados de Eduardo III (1327-1377),
Ricardo II (1377-1399) e o reinado de Henrique IV (1399-1413)26. Este é um período
marcado por grandes mudanças que são essenciais para que entendamos não somente o
contexto de produção da fonte, como também para entendermos a sociedade na qual
Chaucer viveu e percebeu esses diversos tipos sociais.
No segundo capítulo analisaremos sobre a forma como eram pensadas as mulheres
na Idade Média, as condutas e ações esperadas das mulheres, e todo o conjunto de
comportamentos que eram idealizados e condenados pelos homens da época. Na análise
de nossa fonte entendemos como as palavras estão inseridas nas relações de poder e
como estas perpassam na forma como as mulheres eram percebidas pelos homens
medievais e como Chaucer, por conseguinte, explorou essas caracterizações e as
representou discutindo alguns dos Contos cujas temáticas giram em torno da conduta
feminina das mulheres narradas, as personagens d’ Conto do Moleiro, Conto do
Mercador, Contos do Feitor, Conto do Homem do Mar, Conto do Estudante e no Conto
do Magistrado.
No terceiro capítulo analisaremos especificamente a construção das representações
das mulheres na fonte e se centrará nas narradoras, onde verificaremos a caracterização
pessoal do autor sobre estas mulheres, o prólogo e o conto d’ O Conto da Prioresa,
Conto da Outra Freira, Conto da Mulher de Bath.
25
BLOCH, M. Op. Cit., p.19.
26
MAUROIS, A. Op. Cit., p.112.
19
Com esta divisão de capítulos, propomos uma visão que não se orienta pela
representação tradicional de análise da condição social feminina, que se baseia no
pensamento e regras estabelecidas pelos membros da Igreja. Estamos mais interessados
em conhecer como viviam e eram percebidas as mulheres de carne e osso, fossem elas
membros da nobreza, religiosas ou comerciantes, assim como suas condições de vida e
sua relação com outros sujeitos.
20
A situação econômica
A economia da Inglaterra teve momentos de declínio e de prosperidade. A partir do
reinado de Eduardo II, entre 1315 a 1322, houve um período denominado como “A
Grande Fome”, a primeira de uma série de crises em larga escala que atingiram
a Europa no início do século XIV. Na primavera de 1315, chuvas acima do normal
assolaram a maior parte da Europa e a temperatura se mantinha fria.
Nestas condições, os grãos não germinavam e as colheitas começaram quebrar28.
Alimentos cereais e o gado aumentaram o preço, o que levou ao aumento da inflação e à
queda do poder aquisitivo de boa parte da população. Os preços na Inglaterra dobraram
entre a primavera e o meio do verão29. O pico da fome foi atingido em 1317. Além
disso, as pessoas estavam enfraquecidas por doenças como pneumonia e tuberculose e a
maioria dos estoques de sementes havia sido consumida. Apenas em 1325 os níveis de
alimentos voltaram para condições normais. Miskimim estima que entre 10% e 25% da
população de muitas cidades e vilas morreram30. Embora a Peste Negra (1338-1375)
tenha atingido mortalmente mais pessoas, a Grande Fome foi mais sentida pela
população por anos.
Esta situação foi agravada pelo aumento dos impostos, com a finalidade de uma
maior arrecadação para custear as despesas com as guerras – o que, porém, acabou por
fortalecer o ciclo vicioso, ou seja, aumento da inflação, dos preços e carência alimentar.
Esta situação se mantém por um período de mais de trinta anos (1305- 1338); somente a
27
MAUROIS, A. Op.Cit., p. 112.
28
LUCAS, H.S. The Great European Famine of 1315, 1316, and 1317. Speculum Vol. 5, No. 4 (Oct.
1930), p. 352. http://www.jstor.org/stable/2848143
29
KERSHAW, I. The Great Famine and Agrarian Crisis in England 1315-1322. Past & Present. Nº
59. Oxford University Press, 1973, p. 7. http://www.jstor.org/stable/650378
30
MISKIMIN, H. A Economia do Renascimento Europeu (1300-1600). Lisboa: Estampa, 1998, p.
274.
21
partir daí começamos a verificar uma queda nos preços dos alimentos e uma melhoria
nas condições de vida da população.
A melhora das colheitas e da situação econômica de parte da população inglesa
aliou-se ao aumento das relações comerciais. O comércio de lã era a principal fonte de
riquezas da Coroa. As primeiras guildas de ofício31 estabelecidas na Inglaterra foram as
dos tecelões, em Londres e em Oxford, no século XIV. Houve também um grande
florescimento econômico, iniciado desde a entrada da Inglaterra na liga hanseática até
estabelecimento desta aliança. A liga hanseática dominou consideravelmente o sistema
econômico da Europa e influenciou a vida de todas as cidades32. O intenso comércio por
todo o Mar Báltico e pelo interior levou as cidades ao auge econômico.
Contudo, na segunda metade do século XIV, os comerciantes ingleses ameaçaram as
áreas onde havia o monopólio no Báltico. Até o final do século, já havia uma colônia
inglesa em Danzig33. A liga, na tentativa de defender este monopólio, ameaça o
comércio inglês, resultando na rescisão das concessões e privilégios da liga pelo
Parlamento, em 1377. Esta recisão só foi revogada quando os mercadores ingleses
receberam a reciprocidade dos direitos de trocas nos distritos da Hansa, o que ocorreu
em 138034.
A Inglaterra também mantinha um comércio de venda de lã e milhete em troca do
vinho produzido em Aquitânia. A união dos dois reinos permitiria o incremento deste
comércio – já que a venda da lã era a principal fonte de renda – além de afastar qualquer
interferência do reino vizinho que pudesse acarretar prejuízo a Inglaterra. Esse comércio
vinha sofrendo interferência do rei francês, que queria fortalecer sua posição perante os
nobres que lhe deviam obediência enquanto seus vassalos, mas que não reconheciam
sua autoridade. Entre estes encontravam-se o soberano inglês, como o Duque da
Aquitânia, e o Duque da Borgonha. A Borgonha era também de enorme importância
dentro do mapa das rotas de comercio da lã inglesa, principalmente através da província
de Flandres.
31
As guildas eram irmandades de artesãos especializados num ofício particular, que administravam todas
as operações relacionadas a ele, fixando preços e salários. Elas controlavam também as oficinas nas quais
os jovens artesãos aprendiam sua arte. In: MAUROIS, A. Op.Cit, p. 53.
32
Smith, J.R. Hanseatic vogs and Baltic trade: interrelations between trade technology and ecology.
Nebraska: University of Nebraska, 2010, p. 16.
33
PALAIS, H. England's First Attempt to Break the Commercial Monopoly of the Hanseatic
League, 1377-1380. The American Historical Review, Vol. 64, No. 4 (Jul. 1959), p. 852.
34
Idem, p.856.
22
A política Inglesa
A Guerra, que serviu para a construção da autonomia da Inglaterra, além de se
caracterizar por uma série de batalhas contra a França em uma disputa que debatia
questões específicas, como as reivindicações entre as dinastias Plantageneta e
Capetíngia, tinha como objetivo a quebra com “os vínculos feudais entre si: o rei da
Inglaterra era vassalo francês”35, onde a necessidade de se manifestar as pretensões ao
trono em 1337 foi a forma que a nobreza inglesa encontrou para “restabelecer seu
poder e controlar o próprio”36 reino. Esta área pertencia ao reino inglês desde o período
da invasão normanda no século XI.
Essa possessão foi bastante ampliada no século XII, com a ascensão ao trono inglês
de Henrique Plantageneta, cujo território abrangia, na época, grande parte do espaço
francês37. Porém, os descendentes de Henrique não conseguiram assegurar suas
possessões francesas38 – estas foram reconquistadas por Filipe Augusto, e o reino inglês
só conseguiu manter a região da Aquitânia39. As pretensões inglesas voltam no
momento em que o trono Francês fica vacante de herdeiros masculinos. Eduardo III
entra na disputa pelo trono porque era neto por linhagem feminina do rei da França,
Felipe, o Belo. Contudo, esta situação já havia sido contornada ao ser designado Felipe
35
FRANCO Jr., H. Idade Média: Nascimento do Ocidente. São Paulo, Brasiliense, 1995, p. 105.
36
Idem, p.106.
37
Mapa referente à área de Henrique II no apêndice (mapa 1).
38
Mapa referente à área Inglesa após o Tratado de Brétigny no apêndice (mapa 2).
39
BOITAN, P. e MANN, J. The Cambridge Chaucer Companion. Londres: Cambridge University
Press, 1986, p. 55.
23
de Valois, sobrinho do rei, como sucessor ao trono. Eduardo não aceita esta designação
e declara guerra para garantir os seus direitos e tornar-se rei de França também40.
Paralelamente, o rei inglês procura apoio em outros reinos para a sua pretensão,
como nos afirma Miskimin, apontando que “Eduardo III fizera uma aliança com o rei
de Castela no propósito de obrigar a Flandres a juntar-se-lhe na guerra contra a
França”41, demonstrando que a disputa entre Inglaterra e França envolvia também as
relações comerciais com outras regiões.
Esta foi uma guerra longa e marcada por diversas fases. A primeira compreende o
período42 de 1337-1360, período de vitória inglesa, que terminou com o tratado de
Brétigny, que cedia à Inglaterra o controle da faixa costeira do norte e oeste da França; a
segunda compreende o período de 1360-1380, que é marcado pela recuperação francesa
com a assinatura do Tratado de Bruges, que restringia a posse inglesa à região de Calais
e da Gasconha; a terceira, de 1380-1420, período de vitória inglesa, em que a Inglaterra,
através do Tratado de Troyes, recebeu grande parte da região francesa e a última fase,
de 1420-1453, período de recuperação francesa através da derrota inglesa em Orléans e
de acordos com os borgonheses, culminando com o fim do conflito.
Verificamos que a primeira fase desta guerra, através das vitórias e riquezas
apreendidas, possibilitou ao rei inglês a criação de mecanismos de apoio à manutenção
de seu poder, valorizando o protocolo e a hierarquia de títulos, e a agregação à guerra do
sentimento de recompensa à honra e ao valor no combate. É dentro desta política que,
em 1348, cria A Ordem dos Cavaleiros Jarreteira. Esta reunia em torno do rei os
homens mais ricos, o que possibilitava o fortalecimento da política régia e lhe garantia
os recursos para dar continuidade à guerra43.
A organização social
40
Idem, p. 58.
41
MISKIMIN, H. Op. Cit., p. 298.
42
MAUROIS, A. Op. Cit, p. 76-95.
43
GARDNER, J.C. The life and times of Chaucer. Nova York: Alfred A. Knopf, 1977, p. 41.
24
Em 1348, a Peste Negra chega à Europa, caindo sobre as populações que sofriam
pela fome e que estavam enfraquecidas44. Esta doença se alastrou pela Europa a partir
do Mediterrâneo. Estende-se por todo o continente, passando pela Itália e a Península
Ibérica primeiramente; vai até as diversas regiões da França, e, em julho do mesmo ano
chega à Inglaterra, até chegar, em 1350, nas áreas da Escócia e Escandinávia45.
Com a peste, configurou-se uma nova situação, através da perda demográfica, que
viria afetar a toda a sociedade inglesa. A diminuição da mão de obra campesina permitia
agora uma maior barganha por parte dos trabalhadores rurais (servos ou homens livres)
em relação aos senhores46. Através da menor oferta de trabalhadores, era possível exigir
melhores pagamentos por sua jornada de trabalho diária. Tais pagamentos podiam ser
feitos na forma de provisões de comida ou roupas, salário ou outras recompensas.
Temos, então, um crescente abandono das terras, que levou a um acúmulo dos lotes de
terra na mão de um só proprietário, que passou a empregar trabalhadores assalariados.
Com esse período de crise, muitos camponeses conseguiram acumular recursos, de
forma a se tornarem proprietários de lotes de terra por eles cultivados.
Neste sentido, percebe-se que há uma quebra com a ordem social vigente, através de
novas movimentações sociais, que levam o rei a lançar o Decreto dos Trabalhadores, em
1349, para resguardar os senhores do valor pago pelas jornadas de trabalho.
Após o falecimento de Eduardo III, o reino foi ficando cada vez mais instável, o
Parlamento tornou-se cada vez mais influente e a divisão entre os lordes e os comuns
mais nítida47. Como manifestação legal destas transformações sociais, em 1381, no
reinado de Ricardo II, e como resultado da cobrança de um novo imposto universal per
capita, igual para todos os habitantes do reino, e não proporcional ao nível social pelo
Parlamento, eclodiu o que ficou conhecido como a Revolta dos Camponeses, que foi
composta por uma série de levantes populares com o objetivo de reivindicar o fim dos
vínculos legais de vassalagem48. Assim, apesar de a vassalagem não ter tomado fim,
acabou perdendo adeptos e progressivamente as guildas começaram a conquistar o
controle do governo municipal nas cidades inglesas.
44
SIMONI, K. De peste e literatura: imagens do Decameron de Giovanni Boccaccio. Anuário de
Literatura. Rio Grande do Sul: Florianópolis, 2007, p.32.
45
DELUMEAU, J. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1994, p.67.
46
LE GOFF, J. A Civilização do Ocidente Medieval – volume II. Lisboa: Estampa, 1984, p. 74.
47
LE GOFF, J. Uma longa Idade Média. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 87.
48
FRYDE, N. La crisis de La baja edad media en Inglaterra según la investigación anglosajona de
los últimos veinte años. Barcelona: Crítica, 1997, p. 91.
25
49
DUBY, G. Op. Cit., p.105.
26
O plano religioso
Além dos fatores político, econômico e social, durante o século XIV, há também a
questão religiosa, essencial como pano de fundo às críticas feitas aos membros do clero
para os contos analisados.
Na Inglaterra, no plano religioso, o que contribuiu para o questionamento que a
sociedade inglesa fazia à Igreja Católica da época a respeito das condutas e das práticas,
tem-se como fator inicial de ruptura o evento conhecido como O Grande Cisma do
Ocidente, a divisão que ocorreu entre 1378 e 1417, que veio contribuir para a crise por
que passava a instituição eclesiástica, principalmente com a tentativa do papa Gregório
XI de restituir o papado em Roma e apesar dos esforços da monarquia francesa dos
Valois em mantê-lo, a qualquer custo, na cidade de Avignon50.
O papa se estabelecera em Avignon em 1309, com a discordância dos romanos que o
queriam de volta, por se tratar de uma Igreja Romana, e também por razões econômicas.
Porém, após o restabelecimento do papado em Roma, Gregório XI morre, o que cria o
impasse a respeito de sua sucessão51. Em seguida, Bartolomeu Prignano, arcebispo de
Bari, é o escolhido, adotando o nome de Urbano VI. Este Papa era italiano de nascença
(mas não romano) e havia feito carreira em Avignon. Após assumir o posto, Urbano VI
modifica sua atitude em relação aos prelados que o haviam elegido. Passa a atacar o
luxo deles, o seu gosto pela pompa e o fato de que pouco fazem conformidade com o
ideal evangélico. Tal comportamento abre uma crise entre os cardeais.
A resolução dos prelados ante a posição de Urbano é a de tentar anular sua eleição.
Eles procuram nas coleções jurídicas argumentos que justifiquem esta medida, no
entanto, nenhum documento estabelece de forma peremptória a ilegalidade desta
eleição. Mas apesar da ausência documental, eles a desfazem apoiando-se em detalhes
irregulares do processo de eleição e declaram vago o trono papal romano.
Uma segunda eleição estabelece Clemente VII em Avignon. Estava desencadeado o
Cisma: a existência simultânea de dois papas, um residindo em Roma, outro na cidade
francesa. Houve um período, inclusive, em que existiram três Papas diferentes: Bento
XIII, de Avignon; Gregório XII, de Roma e Alexandre V, arcebispo de Milão. Somente
50
VAUCHEZ, A. A espiritualidade na Idade Média Ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995,
p.64.
51
BALARD, M. Idade Média Ocidental: dos Bárbaros ao Renascimento. Lisboa: Dom Quixote, 1996,
p. 372.
27
28
55% de seus membros, tendo seu corpo encolhido de dezoito mil para somente oito mil
religiosos. A taxa de mortalidade entre o clero paroquial foi de 40%, enquanto entre os
56
bispos, esta foi abaixo de 18% . Em função de tal situação de calamidade, muitos
padres e capelães se recusavam a fazer o serviço religioso sem o pagamento de um
salário maior ao que costumavam receber em épocas normais.
Com a situação de abalo provocada pela epidemia no meio religiosos, é emitido um
mandado do bispo de Rochester, datado de 27 de junho de 1349, dirigido ao
arquidiácono, no qual é ordenado o serviço dos clérigos desta paróquia ante os mesmos
salários, como tentativa de manutenção dos serviços clericais. Mesmo com esta ordem,
muitos padres, ao verem que o número de seus paroquianos diminuía
57
consideravelmente, desertavam de suas funções .
Na realidade, os padres e freiras que fugiam da proximidade dos doentes o faziam
tanto quanto os médicos e notários. Eram, em verdade, homens simples, dotados dos
mesmos medos e angústias que afligiam as pessoas comuns. Entretanto, o julgamento
da comunidade a seu respeito foi incisivo na medida em que a peste mostrara o clero
como um corpo composto de homens e mulheres indignos do ofício sagrado58.
Apesar de as autoridades eclesiásticas terem expedido decretos e adotado medidas
no sentido de manter algum tipo de liderança espiritual sobre seu rebanho, quando da
ausência dos padres, este rebanho já começava a responder à situação de desespero
criada pela peste a sua própria maneira – principalmente, por meio do misticismo –, não
mais parecendo necessitar de seus mediadores espirituais.
Como tentativa de reafirmar a crença da população no clero, os pregadores
adquiriram uma grande importância pela Europa, aliados ao movimento de
peregrinação. Segundo André Vauchez59, locais como Santiago de Compostela, Roma,
Montserrat, Jerusalém e o Túmulo de Thomas Becket em Canterbury, que é o mote
central dos “Contos da Cantuária”, se tornaram grandes polos de peregrinação.
A peregrinação desenvolveu-se de forma intensa com a prática do deslocamento de
pessoas a locais considerados sagrados. Peregrinos de diversas localidades da
cristandade faziam essas viagens, que podiam ser para locais longe e de difícil
56
SELVATICI, M. Op. Cit., p. 13.
57
COULTON, G. G. Medieval Panorama.The English Scene from Conquest to Reformation. New
York: The MacMillan Company, 1946, p.497.
58
Idem, p.500.
59
VAUCHEZ, A. Op. Cit., p.77.
29
realização devido aos obstáculos físicos dos caminhos que conduziam aos lugares
santos, como a ida para Jerusalém ou o caminho para Santiago de Compostela. As
dificuldades, no entanto, não impediam esse movimento dos viajantes cristãos, cujo
objetivo era o encontro com o sagrado. A jornada final, por ter sido árdua, também
engrandecia todo o propósito do cristão.
Normalmente, era após o final de uma peregrinação que os peregrinos podiam dispor
dos privilégios sociais. Por este motivo, muitos viajantes faziam questão de expor em
suas casas e oficinas os ícones, os certificados e os outros símbolos que comprovavam
sua participação em peregrinações. Encontramos também peregrinos motivados pela
busca de uma graça ou cura, motivações mais específicas que mobilizavam diversos
viajantes60. Muitos destes eram peregrinos piedosos ou ainda devotos que rumavam aos
locais representativos dos santos, mas, de modo geral, esperavam receber recompensas
por seu esforço, fossem elas recompensas materiais ou espirituais. Havia peregrinações
em busca de indulgências e também aqueles que peregrinavam como pedintes, contando
com a caridade de viajantes mais ricos ou mosteiros que lhes ofereciam abrigo.
A vida de Chaucer
Também se mostra importante para essa análise das representações veiculadas na
obra escrita por Geoffrey Chaucer (1340-1400) analisar a sua trajetória, desde sua
origem social até seu papel dentro da corte Inglesa, para entendermos como esse autor
foi um indivíduo que soube discutir e criar sobre a visão da sociedade em que viveu.
O poeta era de uma família de prósperos comerciantes de vinho, residente no bairro
londrino de Vintry. Seu pai, John Chaucer, tinha influência na corte de Eduardo III.
Chaucer foi pagem dentro da casa de Elizabeth de Burgh, condessa de Ulter e, mais
tarde, esposa de Lionel, Duque de Clarence. Assim, acaba recebendo a educação da
nobreza e os modos da corte. Numa sociedade em que a cortesia de gestos representa a
distinção social, tal aprendizado adquire grande importância no que diz respeito a
ascender socialmente61.
60
JESUZ, V.A. Viagens de Peregrinação: devoção, salvação e outras possibilidades. Anais do XXVI
Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011
61
MILLER, R.P.. Chaucer, Geoffrey. In: GROLIER Multimedia Encyclopedia. Danbury, Grolier
Interactive, 1997, p.1.
30
Acredita-se que Chaucer tenha estudado na Inns of Chancery (escola para trabalho
na corte inglesa) e na Inns of Court (escola para a prática da advocacia, em leis não
canônicas)62. Chaucer começa a ascender socialmente ao exercer diversas funções
administrativas e diplomáticas dentro da corte inglesa: ele presta serviços não só ao rei
Ricardo III, mas a seu filho John de Gaunt, Duque de Lancaster, que se torna seu
protetor durante toda a sua vida. Em 1366, casa-se com Philippa Roet, uma das damas
da rainha. Em 1367, ele já é um valete na casa de Eduardo III e, em 1368, já tem o posto
de escudeiro do Rei.
Em junho de 1374, Eduardo III o indica para o cargo de controle dos direitos
alfandegários e subsídios sobre a lã, peles e couro para o porto de Londres, e, em 1382,
Ricardo II o fez controlador dos direitos alfandegários de menor porte. Chaucer
manteve esses postos até 1385. No mesmo ano, serviu como juiz de paz para o Condado
de Kent e, no ano seguinte, tornou-se Cavaleiro do Condado, sendo eleito representante
no Parlamento, por Kent. Exercendo esta função, Chaucer ascendia à pequena nobreza.
Em 1389, tornou-se escrivão do rei. Assim, recebia também presentes e anuidades pelos
serviços prestados à Coroa63.
Esta carreira administrativa na corte e as diversas viagens que foi levado a fazer,
fizeram que Chaucer adquirisse conhecimentos diversificados, dando para a sua escrita
credibilidade, destinada a um público de corte que já se abria a novas pessoas que
exerciam funções administrativas, jurídicas ou de ciclos universitários. Se pensarmos na
vida de ocupações dentro da corte que Chaucer teve, perceberemos a importância de sua
produção artística, além de todo o conhecimento literário pelo qual perpassa sua obra,
“uma absorção da literatura clássica e vernacular nas três línguas com as quais ele
entrou em contato em suas funções diplomáticas: latim, francês e italiano”64.
As funções diplomáticas de Chaucer o levaram à França e à Itália. Estas últimas em
muito contribuíram ao nível de sua produção literária, uma vez que lhe permitiram
entrar em contato com os trabalhos de Boccaccio, Petrarca e Dante. Entre 1369 e 1370,
Chaucer escreveu O Livro da Duquesa em homenagem a Blanche, duquesa de
62
Idem, p. 2.
63
MILLER, R.P. Op. Cit. p. 1.
64
SELVATICI, M. O poeta Geoffrey Chaucer e a “fundação” da literatura inglesa no Baixo Medievo.
Revista História. Unisinos. Maio/Agosto 2008, p. 183.
31
Lancaster e primeira esposa de John de Gaunt, morta em 1368. Este poema escrito de
forma narrativa é um típico exemplo da influência francesa sobre a escrita de Chaucer.
Além deste poema e da tradução de Le Roman de La Rose, outra obra de peso do
poeta que segue o mesmo padrão é The House of Fame. Este poema demonstra uma
influência da pré-Renascença italiana, já que contém uma paródia aberta da Divina
Comédia, de Dante. Entre 1380 e 1385, escreveu The Parliament of Fowls e Troilus and
Criseyde, que é considerado por muitos o primeiro romance de literatura inglesa:
Neste poema Chaucer transformou o estilizado Filostrato de
Boccaccio ao analisar profundamente motivos humanos comuns
dentro de uma visão Boeciana e fundamentalmente cristã. Somente
Shakespeare, mais de dois séculos mais tarde, igualaria a expressão da
‘miséria da condição humana’ de Chaucer [...]65
65
MILLER, R.P. Op. Cit. p. 2.
32
estava sendo muito cuidadoso em relação ao seu dinheiro”66. Esta foi a última das
gratificações com as quais havia sido agraciado em vida. Chaucer morre em 25 de
outubro de 1400, sendo enterrado na Abadia de Westminster.
66
GARDNER, J. C. Op. Cit., p. 5.
67
D’ONOFRIO, S. Literatura Ocidental: Autores e Obras Fundamentais. São Paulo: Ática, 1990, p.
155.
68
CEVASCO, M.E.; SIQUEIRA, V.L. Rumos da Literatura Inglesa. São Paulo, Ática, 1985, p.5.
69
GARDNER, J. C. Op. Cit. p.8.
70
Idem. p. 9.
71
RUSSELL, J. S. The English dream vision: anatomy of a form. Ohio: Ohio State University Press,
1988, p. 5-8.
33
formal entre os personagens, que podem ser reais ou alegóricos. Normalmente há vários
interlocutores e vários tópicos de conversa.
As dream visions de Chaucer podem ter diversos tipos de configurações, que são
utilizadas em suas obras, porém a única constante é a figura central do narrador-
personagem. Um autor de dream vision é sempre um personagem na sua narrativa72 –
no caso dos Contos, o autor é efetivamente ele mesmo na narrativa. No período
medieval, este tipo de literatura era usado para a alegoria, uma forma de metáfora na
qual os personagens, objetos e ações dentro da narrativa personificam ou representam,
na maioria das vezes, qualidades abstratas e as relações entre essas abstrações73.
As alegorias normalmente têm um final que evoca significados morais. E como este
período na Idade Medieval é coberto de histórias com um fundo didático, Os Contos da
Cantuária de Chaucer é considerada a obra que melhor representa esta passagem de
uma nova forma de se conceber a literatura. Nela, as personagens do poeta são
personagens possíveis, uma vez que são inspiradas no quadro social da Inglaterra da
segunda metade do século XIV74.
72
Idem, p.5.
73
SELVATICI, M. Op. Cit., p. 184.
74
D’ONOFRIO, S. Op. Cit., p. 155.
34
75
“in his characterizations of the Prioress, Griselde, and so many others, the complex and incoherent
challenges of what it meant to try to be a women in Chaucer’s England.” In: BENNETT, J. M. Queens.
Whores and Maidens: Women in Chaucer’s England. London: Royal Holloway, 2002, p.27
35
36
Sansão, que, por meio das artimanhas femininas de Dalila, arca com a morte de vários
filisteus; ou Salomão, que se ajoelha diante de um falso ídolo por uma mulher.
Esse perigo representado pela mulher tentadora se enquadrava em uma noção
cultural em que a mulher assumia um papel subordinado ao homem. Os perigos a evitar
são a traição da religião tradicional e também a perdição, o desencantamento do desejo
e a impureza que conduz ao inferno80. Essa noção de mulher tentadora será utilizada por
Chaucer, por exemplo, para representar Alison do Conto do Moleiro, uma jovem que
seduz não só seu marido, mas também um estudante inquilino em sua casa. Esta mulher,
para Chaucer, é aquela que desvirtua, que corrompe, que trai, caracterizando traços
dessa visão de Eva do Antigo Testamento.
Nos primeiros séculos do Cristianismo, se desenvolve um topos de visão feminina
que aparece no contexto do monaquismo ascético, desenvolvido a partir do século III no
Egito. A exemplo disso, temos a vida de Santo Antônio, em que depois de o Diabo
tentá-lo com riquezas, alimentos, traz “a arma mais eficaz (…) aos jovens: a luxúria”81,
com vistas à fazê-lo abandonar a sua solidão voluntária e o afastamento dos
pensamentos sórdidos através da oração. Esta visão da mulher pecadora, seja o Diabo
encarnado ou de uma mulher em pecado, aparecem frequentemente nas histórias das
vidas dos monges e anacoretas.
A mulher, após tentar o asceta, ou acaba morta (como sinal da justiça divina) ou
consegue ser convertida. Ou seja, o papel da mulher é de sedução, de tentação sexual,
enquanto que o personagem tentado, o eremita, é o sujeito da trama. A mulher é uma
“mulher objeto”, usada pelo Diabo como instrumento para atingir os seus objetivos e
também por Deus, que permite a tentação para que se mostre a superioridade do espírito
sobre a carne. A mulher era percebida como ameaça à castidade que deveriam guardar.
Sendo assim, grande parte dos pensadores tinha uma visão temerosa da sexualidade
feminina, uma atitude bastante hostil com relação ao matrimônio e grande desconfiança
em relação ao prazer:
A moral cristã sempre condenou o prazer físico. Os moralistas
procuravam limitar ao extremo a sexualidade. Esta deveria servir
exclusivamente para a procriação. As relações sexuais dos casais
foram severamente disciplinadas. Qualquer expediente contraceptivo
80
DUBY, G. A mulher, o amor e o cavaleiro. In: DUBY, G. (Org). Amor e sexualidade no Ocidente.
Lisboa: Teramar, 1991, p .226.
81
Ibdem, p.33
37
82
MACEDO, J. R. A mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 1999, p.20.
83
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“And when I’d mastered him, and out of deadlock/ Secure myself the sovereignty in wedlock,/ And when
he said, ‘My own and truest wife,/ Do as you please for all the rest of life,/ But guard your honor and my
good estate,’/ From that day forward there was no debate./ So help me God I was as kind to him/ As any
wife(…) and as true. And he to me.”
In: CHAUCER, G. Op.Cit, 1975, p.298.
84
OLIVEIRA, A. R. A imagem da mulher nas crónicas medievais. In: CASTRO, Z. O., SANTOS, M. T.
(Dir.). Faces de Eva: Estudos sobre a Mulher. Lisboa: Colibri. 2001. n.5, p.146.
38
85
LEITE, M.M.S.B. Representações femininas na idade média: o olhar de Georges Duby. Sitientibus,
Feira de Santana, n.1, jul/dez 1999, p. 43.
86
VAUCHEZ, A. Op. Cit.,, 1995, p.149.
87
MACEDO, J. R. Op. Cit, p.57.
39
88
PILOSU, M. Op. Cit, p.32.
89
DUBY, G., PERROT, M. (dir.) História das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990,
p.112-124.
90
“It becomes clear that neither the pit nor the pedestal – nor, indeed, the vast space between
the two – can adequately describe what it meant to be a woman in Chaucer’s England.”
(Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. Op. Cit., p.7.
40
91
“the defining function of late fourteenth-century English queenship” (Tradução nossa) In:
BENNETT, J. M. Op. Cit., p.12.
41
92
“as a necessary evil” (Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. Op. Cit, p.16.
93
Em seu estudo sobre prostituição em Chaucer. KARRAS, R. Commom women: Prostitution and
Sexuality in Medieval England. New York: Oxford University Press, 1996, p.131.
42
a vida toda sem se casarem e sem supervisão de um homem (de acordo com o censo em
1377).94
Para corroborar esta hipótese, Bennet lança mão de canções sobre as donzelas,
cantadas pelas mesmas, cujas histórias giravam em torno das noites de amor dessas
mulheres e, por mais que muitas das vezes as histórias terminassem com um fundo
moral, como algumas sendo estupradas, abandonadas ou grávidas, eram histórias que
mostravam as mulheres que esnobavam, ridicularizavam e até respondiam à altura dos
homens. Porém, apesar das canções e do número de mulheres que viviam sem a
supervisão de um homem (pois era esperado que filhas, mulheres e viúvas estivessem
sobre a tutela de algum homem na família), via-se estas “Donzelas sem tutela na
imaginação medieval como mulheres não naturais, pois estavam fora do estado
ordenado de dependência feminina ao governo masculino”95.
Entendemos, assim, que nos é dado a conhecer algumas figuras femininas se
abordarmos outras fontes que não os manuais produzidos pelos padres, levando em
conta não só a cultura religiosa de um determinado momento, mas os contextos
específicos que se modificaram ao longo dos séculos e das diversas sociedades que
ocuparam a Europa no medievo.
A análise da condição social feminina, quando elaborada em função da produção
cultural erudita predominante, conduz a resultados condicionados pelos códigos
culturais e crenças do lugar de sua produção – no caso da Idade Média, a Igreja.
Contudo, se considerarmos outros aspectos, é possível explorar novos campos de
investigação nos quais as mulheres deixam de figurar como seres sem expressão, sobre
os quais a Igreja detinha domínio e controle, passando a serem reconhecidas como
agentes históricos que participavam ativamente dos processos políticos, econômicos e
sociais nos quais estavam inseridas96.
Essas representações e construções de identidades femininas que estavam sendo
entendidas na Idade Média, aparecem nos contos onde as personagens são criticadas
pelo poeta inglês por atitudes como a infidelidade, a falsidade, a vaidade, a futilidade, e
diversas outras críticas e questionamentos no que diz respeito à vida conjugal. Neste
94
MISKIMIN, H. Op. Cit., p. 301.
95
“Masterless maidens functioned in the late medieval imagination as unnatural women, for they were
outside the ordained state of female dependency on male government.” (Tradução nossa) In: BENNETT,
J. M. Op. Cit, p. 26.
96
MEDEIROS, S. K. L. Op. Cit., p. 67.
43
ponto, Jeffrey Richards atesta que, de acordo com o pensamento da época, o casamento
era, com efeito, visto como uma fonte de contrariedades:
O casamento era o fim da liberdade e o começo da responsabilidade.
‘Nenhum homem se casa sem se arrepender disso’ era um dos ditos
populares da época. Os fabliaux, as histórias ritmadas e obscenas das
vilas e cidades, apresentavam um elenco familiar de maridos traídos e
frequentemente mais velhos, de jovens esposas lascivas, padres
devassos e rapazes galantes e amorosos.97
44
Nicholas100. Há neste trecho a noção da presença do marido como aquele que tem a
tutela da esposa e a representação de que a mulher apenas espera uma oportunidade para
poder ceder à tentação do adultério.
No Conto do Mercador, ainda no preâmbulo, observamos as reclamações do
narrador em relação à vida conjugal; este chama sua mulher de megera, mostrando
assim uma representação baseada em Eva e oposta a de Maria, a de uma mulher que não
cumpre as funções de esposa:
‘Lamentos e lamúrias, preocupações e sofrimentos de noite e de
manhã são coisas que não me faltam (...) a exemplo, que me diz
respeito, é assim que levo a vida. Eu não poderia ter arranjado mulher
pior; e posso jurar que até o diabo, se fosse marido dela iria se dar
mal.’101
Neste conto, encontramos um nobre italiano de sessenta anos que resolve se casar
após adiar tal resolução por muitos anos. No entanto, Janeiro salienta sua opção por
desposar uma jovem, por considerar que as mulheres mais velhas seriam mais difíceis
de lidar, além do risco da infertilidade. Além disto, uma mulher mais nova e
inexperiente seria, no entender do personagem, mais submissa: “o casamento é um
coisa gloriosa, principalmente para um homem velho e de cabelos brancos. (...) Só que
ele precisa saber escolher uma esposa jovem e bonita, para que possa gerar herdeiro
para si e levar a vida no prazer e na alegria”102. Este trecho caracteriza a busca de uma
representação de boa esposa, aquela que será a provedora dos filhos e da casa.
A oportunidade para que a jovem esposa, Maio, e o criado, Damião, resolvam ceder
ao desejo e à paixão ocorre quando o nobre Janeiro fica cego repentinamente, e Maio,
furtivamente, cede ao jovem escudeiro a cópia da chave de um jardim particular da
propriedade. Com isto, Maio e Damião pretendiam consumar o adultério em um
momento de distração do marido cego. O destino dos personagens é decidido de forma
sobrenatural, através da discussão de Plutão e Prosépina, casal de deuses mitológicos.
100
TAVARES, E.F. William Blake e os Peregrinos dos Canterbury Tales de Chaucer: Releituras Visuais
e Textuais. Fólio – Revista de Letras Vitória da Conquista v. 3, n. 2 p. 65-95 jul./dez. 2011, p. 75.
101
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.193.
‘Weeping and wailing, care and other sorrow,/ I know them well enough by eye and morrow, (…)/ that’s
the way it goes;/ I know too well that’s ho it goes with me./ I have a wife, the worst that there could be;
For if a fiendwere coupled to my wife,/ She’d overmatch him, you can bet your life.’
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p. 374.
102
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p. 194.
And certainly, as sure as God is King,/ To take a wife is a most glorious thing,/ Especially if a man is old
and hoary;(…)/ It’s then he ought to take her, young and fair,/ One upon whom he might beget and heir,
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.375.
45
46
Há outra mulher na história, Molly, a filha do casal, que é descrita como uma jovem
muito bonita, e, por essa razão, seus pais esperavam casá-la com um homem ilustre,
talvez membro da aristocracia. Vemos, portanto, que a família descrita pela narrativa
também faz parte da pequena burguesia. O moleiro engana os dois universitários para
que eles precisem pagar por um abrigo em sua casa, onde, porém, é ludibriado pelos
dois jovens, que se envolvem tanto com sua esposa, quanto com sua filha.
Entende-se que o moleiro foi, na realidade, castigado por seus golpes e atitudes
desonestas, já que, ao enganar diversas pessoas, acaba sendo traído pela esposa e pela
filha. De acordo com Richards, percebe-se que nenhuma crítica é feita à conduta dos
estudantes, que ludibriaram as duas mulheres, sendo os prejuízos relativos à moral e à
honra exclusivos do moleiro106.
O mesmo se dá no Conto do Homem do Mar, que trata de um rico comerciante
francês e de sua esposa. A esposa deste conto é descrita como uma mulher bonita,
105
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.61.
“He had a wife and she was nobly born; (…)/ The nuns had given her education./ Simpkin would take no
woman, so he said,/ Unless she were a virgin and well-bred,/ To save the honour of his yeoman stock;”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.125.
106
RICHARDS, J. Op. Cit, p. 49.
47
48
49
áreas onde ele mostrava pouca força. Essa personagem se desloca de um extremo a
outro, sem ao menos parar nas principais capitais comerciais, mas se desloca para uma
Síria muçulmana e uma Inglaterra pagã. Ela, além de boa esposa e mãe, é aquela que
trará a salvação para diversos povos.
O Conto do Estudante também apresenta uma situação análoga, pois a jovem
Griselda é pedida em casamento por Valter, nobre senhor da aldeia onde a jovem vivia.
A jovem também não questiona a proposta e jura fidelidade e obediência110.
Griselda torna-se marquesa e conquista o carinho das pessoas de sua região devido à
sua bondade. Até que nasce a primeira filha do casal: Valter mostra-se obcecado em ter
provas da fidelidade e da obediência de Griselda, submetendo-a a testes extremamente
cruéis. Vemos que a resignação de Griselda frente às imposições de Valter é duplamente
realçada, devido à origem servil da personagem e a sua posição de esposa, fatores que
tornavam natural os excessivos conformismo e paciência da jovem.
Os apelos de ambos os contos devem ser entendidos levando em conta a
religiosidade da época de Chaucer, onde a submissão de ambas as personagens perante
o sofrimento é a chave para a redenção das mesmas. Segundo Frank Jr, a espiritualidade
de fins da Idade Média, que sublinhava o sofrimento e a dor da Paixão de Cristo, e o
fato de Chaucer ter dado, ao reescrever a saga de Constância, maior relevo aos
elementos religiosos, conferem ao Conto do Magistrado um caráter semelhante às
hagiografias, visto que a intervenção divina salva a heroína em vários momentos111.
O discurso religioso de então dava, com base nos exemplos de Cristo e da Virgem
Maria, grande importância à humildade, paciência e obediência, características
marcantes da conduta de Griselda. Ainda que, como vimos, o discurso de Chaucer
condene a crueldade excessiva de Valter, vemos que a conduta da jovem, enquanto
esposa, estava em conformidade com os ideais de comportamento da época, tanto que a
submissão constante da jovem leva ao arrependimento do marido e à felicidade do
casal112. Esta também se mostra o exemplo de boa esposa, aquela que se mantém ao
lado do marido, inclusive nas adversidades.
110
ZACHÉ, F. As Retratações das Personagens Femininas em Chaucer:uma leitura de “The Clerk’s Tale”
e “The Wife of Bath’s Tale”. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação Ano 5 -
Edição 3 – Março-Maio 2012, p. 15.
111
FRANK Jr., R.W. The Canterbury Tales III: Pathos. In: MANN, J. BOITANI. P. The Cambridge
Chaucer Companion. Cambridge University Press, 1986, p.150.
112
ZACHÉ, F. Op. Cit, p. 18.
50
113
PATTERSON, L. Chaucer and teh subject of History. Wisconsin: University of Wisconsin Press,
1991, p. 88.
114
ZESMER, D. M. Guide to English Literature: From Beowulf through Chaucer and Medieval Drama.
New York: Barnes and Noble, 1961, p. 213.
51
115
DUBY, G.; PERROT, M. A História das Mulheres no Ocidente vol.2: A Idade Média. Porto:
Afrontamento, 1990, p.5.
116
SILVA, P.T.S.G. Idade Média, idade das "trevas"? Uma análise sobre a historiografia das mulheres
medievais. Labrys, estudos feministas, número 1-2, julho/ dezembro 2002.
52
53
religiosas nos conventos do período medieval, pois este espaço estabelece regras,
direitos e deveres que permeavam a vida das religiosas.
A peregrinação a Cantuária era uma tradição Inglesa, desde a morte de Thomas
Becket em 1170: “durante três séculos, a peregrinação a Canterbury foi um dos traços
permanentes da vida inglesa.”117, porém, segundo as regras eclesiásticas estabelecidas
pelo Papa Bonifácio III no início do século XIV118, as religiosas tinham sua saída do
claustro restrita o que seria permitido apenas em momentos de extrema necessidade e
para funções religiosas. Como a peregrinação era uma prática recorrente na Idade Média
e tinha seu propósito religioso, ela correspondia com a permissão de saída das freiras da
clausura.
As objeções à saída das freiras vem desde 791: “Desde 791, o clero vinha
esperneando para que as religiosas permanecessem fixas em um só lugar. Os bispos
tentaram fazer com que Eglentyne e o restante das freiras obedecessem a essa injunção,
119
por séculos, (...)” , porém , na vida cotidiana, os Bispos mais práticos pararam de
tentar manter a obediência da bula e se contentaram em recomendar que “as freiras não
saíssem ou fizessem visitas tão frequentemente, ou sem companhia, ou sem permissão,
ou sem uma boa razão.”120. Mesmo assim, eles não eram bem sucedidos, porque as
freiras tinham excelentes razões para saírem como visitar um parente doente, fazer
compras grandes para o convento e também participar de uma peregrinação.
O que é de se estranhar na saída da Prioresa e as duas freiras que a acompanhavam
não é o fato dela estar em uma peregrinação, mas o que estariam fazendo junto a um
grupo tão diverso quanto daqueles peregrinos. Principalmente, porque a freira estava
junto aos peregrinos em uma taberna e não em um mosteiro, convento ou casa
senhorial, como seria normal a uma religiosa ou uma nobre em trânsito.
Conventos serviam como postos de paragens para o pernoite das damas da corte e
religiosos que seguiam por viagens muito longas. É necessária a distinção entre os
postos de paragem das senhoras nobres nos conventos e aqueles que se destinavam às
populações em caminhada ou em peregrinação como as estalagens e as tabernas, onde
muitas vezes nestes ambientes, tinham lugar também vícios como o jogo, a bebida e a
117
MAUROIS, A. Op. Cit., p.86.
118
POWER, E. Medieval People. London: Dover Publications, 1970. p. 93.
119
LÉON, V. Mulheres Audaciosas da Idade Média. Rio de Janeiro: Record, 1998, p.149.
120
“(...) ordering that nuns were not to go out or pay visits too often, or without a companion, or without
licence, or without a good reason.” (tradução nossa) In: POWER, E. Op. Cit., p.93.
54
prostituição. No texto, Chaucer não deixa nada explícito ou faz julgamentos em relação
a esse comportamento, ele apenas induz à reflexão, mostrando o rompimento das regras,
de que o lugar daquela religiosa de provável origem nobre não deveria ser uma taberna.
No prólogo da obra geral, Chaucer apresenta o perfil de Madame Eglantine, como
uma senhora refinada, dotada de boas maneiras, o que a diferenciava da maior parte dos
peregrinos. Seus modos à mesa são de corte, não deixando cair nenhuma migalha em
seu colo e não mergulhando demais os dedos no molho. Ao comer, ela estendia a mão
gentilmente até a carne e limpava os lábios muito bem após comer, de modo que
nenhuma marca aparecesse em seu copo.
Nos hábitos corteses achava a sua maior satisfação. Limpava tanto o
lábio superior que, quando acabava de beber, não se via em seu copo
nenhum sinal de gordura. E com que graça estendia a mão para
apanhar as iguarias! Sem dúvida, era uma pessoa de ânimo alegre,
agradável e sempre gentil de conduta, esforçando-se para imitar as
etiquetas da corte a fim de adquirir boas maneiras e merecer a
consideração de todos.121
121
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.4-5.
“For courtliness she had special zest,/ And she would wipe her upper lip so clean that not a trace of
grease was to be seen/ Upon the cup when she had drunk; to eat,/ She reached a hand sedately for the
meat./ She certainly was very entertaining,/ Pleasant and friendly in her ways, and straining/ To
counterfeit a courtly kind of grace,/ A stately bearing fitting to her place,/ And to seem dignified in all her
dealings.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.23.
122
ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. Rio de Janeiro:Zahar, 1990, p.17.
55
123
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.4.
“Her greatest oath was only ‘By St. Loy’”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.22.
124
COULTON, G.G. Op. Cit., p.79.
125
VAUCHEZ, A. Op. Cit.,1995, p.44.
56
conventos era freqüente, assim como a promoção de cargos se devia à boa nascença e
aos bons contatos.
Tendo em vista o estamento social, Chaucer quis representar uma Prioresa com seus
valores muito superficiais, já que o fato de chorar por um animal morto não torna este
personagem efetivamente caridoso e piedoso. Ao retratá-la desta forma, a Prioresa é
caracterizada como sendo um tanto fútil para as reais necessidades das pessoas.
No entanto, Chaucer é incisivo na descrição de detalhes das características de
Madame Eglantine. Por exemplo, seu véu não cobre sua testa e “as freiras deveriam
usar seus véus presos abaixo de suas sobrancelhas, de modo que suas testas ficassem
sempre cobertas”126 já que, na verdade, a testa, o rosto e o colo era partes desejadas da
mulher, porque apenas estas ficavam visíveis.
Chaucer mostra sua ironia ao descrever que das contas do rosário da Prioresa pendia
um medalhão de ouro e a escritura Amor Vincit Omni127. Segundo a tradução de Paulo
Vizioli, este termo se mostra um pouco irônico já que a palavra amor em latim também
descreve o amor carnal; para falar de amor cristão o melhor termo seria charitas; se
ressaltam neste trecho duas características, a de que a prioresa não teria sentimentos
profundos sobre a vocação religiosa e que há, em suas características pessoais, a
ausência da humildade cristã, demonstrando que sua comoção é superficial, e a de que
ela pertence à aristocracia, pois exibe seus objetos de ouro, um sinal de que Chaucer
percebia a opulência do clero e, possivelmente não concordava com esta.
Entendemos que os maiores indícios dentro do prólogo dos Contos nos mostra que a
origem desta Prioresa é nobre, não só pelos hábitos de corte mencionados, mas também
porque ocupa um dos maiores cargos a que uma mulher pode chegar, dentro da
hierarquia eclesiástica no medievo, já que segundo Marc Bloch o alto clero provinha de
membros da nobreza: “(...)abades, bispos, arcebispos. Pela fortuna, o poder, a vocação
do mando, estes grandes senhores da Igreja estavam ao nível dos mais altos barões da
espada.”128. A legislação suntuária que entra em vigor na Inglaterra em 1363, tem como
objetivo organizar a sociedade segundo uma hierarquia de títulos e manter a distância
hierárquica da nobreza em relação a novos grupos que ascendem socialmente. Assim os
126
“The nuns were supposed to wear their veils pinned tighly down to their eyebrows, so that their
foreheads were completely hidden(...)” (tradução nossa) In: POWER, E. Op. Cit., p.89.
127
“O amor tudo vence”, tradução de Paulo Vizioli: CHAUCER, G. Op. Cit., p.291.
128
BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: edições 70, p.402.
57
barões, segundo esta legislação, permanecem em posição mais alta que a dos cavaleiros,
numa tentativa de manutenção da hierarquia instituída no período feudal.129
Chaucer, ao caracterizar a Prioresa, coloca numa personagem práticas vigentes do
momento. Ele se baseia nos registros das condutas eclesiásticas de seu tempo, onde as
proibições em relação à aspectos mundanos do comportamento das religiosas eram
condenados. Isso demonstra que apesar dos esforços disciplinadores da Igreja, era difícil
estar alheio aos valores do mundo. Neste prólogo geral, o domínio do que era fútil em
detrimento da busca por uma vida de privações materiais e de elevação espiritual é
notadamente criticado por Chaucer.
O prólogo do Conto da Prioresa é um poema em louvor à virgem, onde ela pede
permissão ao Senhor para que fale sobre as virtudes de sua mãe; ela pede a Virgem que
a guie, pois é uma “criancinha que mal pode se exprimir sozinha”130. Toda a discrição
da Prioresa no prólogo dos Contos e o prólogo de sua história mostram a discrepância
entre os temas. Uma religiosa que se foca nos modos de corte e se mostra fechada em
seu estrato social e uma história onde se coloca como pequena e louva o modelo
máximo de virtude cristã, Maria.
Neste prólogo a personagem da Prioresa já estabelece a trama de seu Conto; ela irá
falar de uma mãe que mantém características virtuosas como as da Virgem e de seu
filho. Esta reverência à Virgem remonta ao século XII, momento a partir do qual o culto
a Maria é incentivado numa tentativa por parte da Igreja de diminuir a violência que
caracterizava a sociedade feudal, essencialmente masculina, composta de nobres
guerreiros para os quais a guerra era o ideal de vida. O culto mariano representava uma
valorização da mulher e de sua delicadeza através da figura de Maria: “Além de modelo,
Maria torna-se a mãe misericordiosa da humanidade. A ela os seus filhos passam a
recorrer nos momentos de angústia e desespero. A Virgem intercessora, sempre que
clamada, não abandona seus filhos e fiéis(...)131.
No conto, a prioresa narra sobre uma criança cristã que é assassinada pelos judeus.
A história se passa em uma cidade cristã, localizada na Ásia. Sobre o local, pode ter por
função enfatizar através da temática, a perseguição aos judeus no continente ou
129
COULTON, G.G. Op. Cit., p.113.
130
Ibdem. p.97
131
PEREIRA, D.F. Maria: advogada nossa. Anais do XXII Congresso Internacional da ABRAPLIP, 2009,
p.148.
58
simbolizar a atração que o Oriente exercia sobre os cristãos na medida em que ali se
situava a Terra Santa.
A figura do judeu132, principalmente após a primeira Cruzada, era visto como algo
negativo e os cristãos discutiam muito com os judeus sobre a Bíblia. O judeu era o
outro, o estranho, o portador dos males, o influenciado por Satanás, o contrário às Leis
Cristãs. Assim Chaucer, “como cristão, expressava os sentimentos da comunidade
cristã na qual ele fazia parte, e ele assim os expressou com as habilidades poéticas e
retóricas que fazem o Contos da Cantuária um dos textos mais celebrados da Literatura
Inglesa.”133
A perseguição aos judeus teve diversos momentos. Durante o século X Jerusalém se
tornou um objetivo para os cristãos: este foi um dos componentes da Primeira Cruzada
que resultou na tomada de Jerusalém em 1099. Assim com a conquista da cidade e a
evocação pela paixão de Cristo, que era considerado uma vítima dos judeus, produziu
uma onda de ódio e de hostilidade contra os mesmos. Isso representou para os cristãos
do final do século X e por todo o século XI que, ao castigar os judeus, eles estavam
castigando os carrascos que haviam cometido aquele crime contra cristo134.
Le Goff afirma que a manutenção das judiarias pelo poder real na Cristandade é um
evento cujo aparecimento está diretamente ligado ao desenvolvimento do comércio
cristão na Baixa Idade Média, a partir do século XII135. Com o desenvolvimento do
comércio entre as cidades cristãs, os mercadores judeus perdem mais uma vez o seu
lugar. Sobre esta situação, eles buscam na ajuda das autoridades um sentido de proteção,
uma vez que sua grande prosperidade no campo comercial sempre lhes permitira
desfrutar de boas relações com reis, imperadores e bispos. Todavia, esta proteção tinha
de ser paga com pesados tributos, oriundos da prática usurária.
Esta condição de minoria religiosa em que os judeus se encontram dentro da
sociedade cristã medieval os transforma em alvos do ódio cristão. Sendo diferentes às
132
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.77-79.
133
“Being a Christian, he expressed the sentiments of the Christian community in which he lived, and he
did so with the rhetorical and poetic skills which make of the Canterbury Tales one of the most celebrated
texts of English literature.” (tradução nossa) In: ZAGO, E. Reflections on Chaucer’s Prioress’ Tale.
Medieval Feminist Forum 16 n. 1, 1993, p.36.
134
MEDEIROS, M.M. O Conto da Prioresa de Geoffrey Chaucer: A Satanização da Figura do
Judeu na Literatura Medieval. XII Congresso Internacional da ABRALIC, 2011, p.3.
135
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.81.
59
ideias da moral cristã, eles praticam a usura, considerada um pecado contra a natureza, e
encontram nela sua fonte de vida durante a Baixa Idade Média.
Sabemos o quanto a estrutura da Igreja, assentada em moldes feudais, era estranha a
ideia de especulações e lucro. Estes dois aspectos que caracterizam os judeus afrontam a
posição de liderança espiritual detida pela Igreja naquele momento. A resposta
encontrada por ela é a veiculação da representação do judeu como o mal que habita a
Cristandade. Sendo conveniente aos propósitos dos cristãos que se iniciavam agora no
ofício da moeda, esta representação negativa acaba por fomentar toda uma prática anti-
judaica durante o período medieval.
Na Inglaterra, a expulsão dos judeus havia tido lugar no ano de 1290, por isso, a
perseguição a esse grupo por assassinatos não se fazia mais na época de Chaucer.
Entretanto, esta temática continuava a se reproduzir alimentadA pelas perseguições que
ainda ocorriam na Europa.
Le Goff, ressalta, que os judeus usurários eram odiados, mas eram mantidos por
serem úteis136. E é exatamente por este motivo que Chaucer estabelece um bairro judeu
no Conto: “Havia (...) um bairro judeu, que era mantido pelo senhor daquele país
apenas por causa do lucro sujo e da repugnante usura”137. Com estas linhas, se mostra
também a função exercida por este conto, a de uma propaganda anti-judaica.
A judiaria deste conto funciona como passagem dos habitantes da cidade. Uma
escola cristã localizava-se do outro lado desta judiaria e para chegar até ela, era
necessário atravessá-la. Entre as crianças que lá estudavam, havia o filho de uma viúva,
que aprendera com sua mãe a louvar à Nossa Senhora e a dizer ‘Ave Maria’ sempre que
visse sua imagem.
Quando estava na escola, o menino ouviu outras crianças cantando o hino em louvor
à Virgem, Alma Redemptoris, e interessou-se por aqueles versos em latim e decorou
todos os versos da música. Não conhecendo o latim, mas ainda curioso em relação à
música, o menino decidiu perguntar a um de seus colegas o significados dos versos.
Aprende que a letra se tratava de um hino em homenagem à Nossa Senhora, que dizia
que ela ouviria todas as preces feitas a ela por quem estivesse no momento da morte.
Percebe-se a importância do culto mariano, e a exaltação da imagem da Virgem Maria.
136
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.78.
137
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.99.
60
Este trecho evidencia uma das funções exercidas pela escola na Idade Média, de
auxiliar a memória. O aprendizado era concebido como a memorização dos postulados
dados. A ideia de escola como vemos hoje, começa a se desenvolver na Idade Média, e
inicialmente era reservada a um pequeno número de clérigos, sem divisão de idades.
Nesse período adultos e crianças eram tratados sem diferenciação138. A criança só
começa a ter espaço com as cidades, já que assim ela pode se movimentar pelo bairro e
ter um lugar na escola. Antes deste momento, a criança não tinha seu espaço, era visto
como um pequeno adulto, que deveria trabalhar para o sustento da família. A criança de
nosso Conto frequenta a escola e é moradora de uma cidade139.
Assim todos os dias, no caminho de volta para casa, o menino aprendia os versos e a
melodia do hino com seu companheiro de escola, até cantá-lo perfeitamente, praticando
o hino ao caminhar pela judiaria. Ao verem esta cena, os judeus, que segundo o Conto,
estavam incitados por satanás tentam agir contra o menino. Naquele momento, os
malfeitores começam a arquitetar o plano de matar a criança e ao vê-lo passar, agarram-
no, cortam sua garganta e o jogam dentro de uma vala de excrementos. A prioresa,
então, lamenta a morte do menino, comparando os judeus da judiaria a ‘novos
Herodes’140. Percebemos aí o enfoque em mostrar o judeu, como o outro, o
desconhecido, aquele que está em oposição à cristandade.
A viúva espera pelo menino e começa a procurá-lo pela cidade. Ao saber que a
última vez que ele havia sido visto fora na judiaria perto da escola, ela pede à Nossa
Senhora que a ajude, até o momento em que encontra a vala onde seu filho havia sido
jogado. Um milagre acontece e o menino caído, com a garganta cortada, começa a
cantar o hino Alma Redemptoris com tal força que todos na judiaria são capazes de
escutá-lo. Os cristãos que passam pela rua, ao verem o que acontecera, chamam o chefe
da milícia e este rapidamente manda prender os judeus. A criança é levada à abadia
mais próxima ainda cantando o hino, enquanto o magistrado condena todos os judeus à
morte dolorosa, como forma de justiça ao crime cometido à criança:
Enquanto isso, o chefe da milícia condenou às piores torturas e à
morte infame todos os judeus que participaram do crime,
determinando a sua imediata execução. Não podia tolerar tanta
138
ARIÉS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos,
1981, p.161.
139
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.87.
140
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.100.
61
maldade: quem com ferro fere, com ferro será ferido. Assim sendo,
ordenou que fossem arrastados por cavalos selvagens e depois
pendurados numa forca, conforme manda a lei.141
Colocado no altar, enquanto a missa é rezada, o menino recebe do abade água benta
e, ainda canta o hino. O abade pergunta como é possível que ele permaneça em tal
estado. A criança responde que o seu milagre é obra de Cristo, que o permite cantar o
hino de louvor à Mãe. E que o fato de ele cantá-lo sem parar é devido a um pequeno
grão de arroz colocado pela própria Virgem dentro de sua boca, que deve ser retirado no
momento de seu enterro. A utilização do grão nesta história é significativo pois remete a
elementos que permeiam a realidade medieval. Os cereais de maneira geral são a base
da alimentação do homem da época, momento em que houveram períodos de escassez
de alimentos.
No Conto este milagre, se mostra completamente ligado com a virtuosidade do
menino:
Oh grande Deus, que da boca dos inocentes recebe o maior louvor, eis
aí uma prova de seu poder! Aquela gema de castidade, aquela
esmeralda, aquele cintilante rubi do martírio, de lá onde jaziam
escondido com uma garganta seccionada pelo talho profundo, pôs-se
então a cantar Alma Redemptoris tão alto que as notas ecoavam em
toda a região.142
141
Idem, p.99.
“The Provost then did judgement on the men/ Who did the murder, and he bid them serve/ A shameful
death in torment there and then/ On all those guilty Jews; he did not swerve./ ‘Evils shall meet the evils
they deserve.’/ And he condemned them to be drawn apart/ By horses. Them he hanged them from a
cart.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.192.
142
Idem, p.99.
“Great God, that to peform Thy praise hast called/ The innocent of mouth, how great Thy might!/ This
gem of chastity, this emerald,/ This jewel of martyrdom and ruby bright,/ Lying with carven throat/ Began
to sing O Alma from the ground/ Till all the place was ringing with the sound.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.191.
143
VAUCHEZ, A. Op. Cit., 1995, p.161.
62
estavam à procura de milagres, como uma prova de que o espírito de Deus se fazia
presente.
À partir do século XII, a Igreja estabeleceu que uma das formas de reconhecer um
santo para canonização seria através da realização de um milagre, já que naquele
momento o homem medieval acreditava no que era sobrenatural, que lhe era estranho.
Jacques Le Goff ainda acrescenta reiterando que: “os milagres podiam também dar-se
na vida de cada um, ou melhor; nos momentos críticos de todos aqueles que, por um
motivo ou por outro, merecessem beneficiar de tais intervenções espirituais.”144
O milagre na história tem o propósito de fazer a mãe encontrar o corpo do menino e
reafirmar a crença em Maria, pois é através dela que o milagre ocorre. Quando o abade
tira o grão da garganta do menino, a criança perde, enfim, a vida. O abade e os presentes
se comovem e choram. Junto ao abade, todo o convento se curva em homenagem e
agradecimento à Mãe de Cristo. Após a reverência, o menino é enterrado: “Depois,
todos se levantaram, saíram e transportaram o pequeno mártir para uma tumba de
mármore bem claro, e ali encerraram seu doce corpinho. E lá ficou! Queira Deus que
um dia possamos encontrá-lo.145
Chaucer representa a mãe viúva, como um modelo baseado na Santa Mãe; ela é
humilde e preocupada com seu filho. Assim como a mãe de Cristo, ela demonstra seu
amor e dedicação para a criança no momento da morte do menino, que representa um
papel de mártir, assim como Cristo. Analisando que a viúva representa um modelo de
mãe virtuosa, e o menino, representa Cristo e que a pena dada aos judeus é uma forma
de culpar os judeus pelos crimes cometidos a Cristo: “essa suposta execução pode ser
comparada com uma crucificação, que se desdobra e se desenrola no transcorrer da
história porque os assassinos de Cristo persistem em matar aqueles que Nele
crêem.”146
O sentimento de piedade demonstrado pela Prioresa ao terminar o conto é algo que
se contrapõe. A piedade que ela mostra, é uma piedade cristã, daquela que se padece
pelos martírios de Cristo, mesmo que isso signifique o castigo aos judeus, o povo visto
144
LE GOFF. Op. Cit., 1984, p.92.
145
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.100.
“And after that they rose, and forth they went/ Taking this little martyr from his bier,/ And in a sepulcre
of marble clear/ Enclosed his little body, fair and sweet./ Where he now is, God grant we all may meet!”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.193.
146
MEDEIROS, M.M. Op. Cit., p.3.
63
como o exterior à fé de Cristo; o que é diferente da piedade que ela não mostra em sua
caracterização no prólogo, ao se manter longe da realidade da época e ostentar em seus
vestuários e no desperdício de comida.
147
MARTIN, Priscilla. Chaucer’s Women: Nuns, Wives and Amazons. Iowa City: University of
Iowa Press, 1990, p.148.
64
A narrativa do conto começa com um sermão contra o ócio que é bem apropriado
para uma freira e corresponde também ao tema de sua história, já que os atos de Santa
Cecília durante o conto, é o oposto da imagem do ócio que a outra freira apresenta em
seu prólogo: “(...)visto que o ócio, ao por a sua coleira no homem, faz que ele apenas
durma, coma e beba, devorando tudo o que os outros produzem.”148
Na Idade Média, a relação com o trabalho era visto de maneira diferente por cada
estamento. Cada um tem sua função na estrutura social: o clero tem a função da
caridade e da oração, a nobreza tem a função das guerras e o terceiro estamento tem a
função do trabalho manual. Para o primeiro e segundo estamentos, o trabalho manual
era visto como um castigo dado por Deus ao pecado do homem. À partir deste
pensamento, era também ensinado que cada um deveria contentar-se com sua situação
social, pois isso teria sido algo proposto por Deus para a população que vivia em
condição de pobreza149. Era ensinado que seria gesto de resignação e bem-visto aos
olhos de Deus. A Igreja ensinava que “a renúncia do monge é o ideal a que toda a
sociedade deve aspirar. Procurar riqueza é cair no pecado da avareza. A pobreza é de
origem divina e de ordem providencial” 150.
Quanto à nobreza, como tinha sido agraciada por Deus, não deveriam trabalhar, pois
todo o sustento viria do trabalho do povo. Para o Clero, esta ideia “foi, todavia,
considerada como uma necessidade temporal desprezível com relação aos exercícios
da piedade”151. Ou seja, para a Igreja, esse ócio era preenchido com orações ou com o
trabalho de tradução e cópias de obras.
A própria freira mostra que não é vítima do ócio, pois afirma que traduziu a história
e toma Santa Cecília como seu exemplo: “Para livrar-nos desse mal, causa de tanta
perdição, pretendo aqui, com fiel diligência, traduzir e relatar a história de tua
gloriosa vida e tua paixão, oh tu, (...) Santa Cecília!”152
148
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.253.
“We see that sloth can leash us in a sleep,/ To pass the time in sleeping, eating, drinking, /Devouring
other people’s work, unthinking.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.451.
149
ANDRADE, M. F. O Mosteiro de Chelas: Uma comunidade feminina na Baixa Idade Média.
Património e gestão. Porto: Disssertação (Mestrado em História Medieval) – Pós-graduação em História,
Universidade do Porto, 1996.
150
PIRENNE, H. História econômica e social da Idade Média. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p.19.
151
Ibidem.
152
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.253.
65
“So, to put all such idleness away,/ The cause of so much ruin and stagnation, / I have, as diligently as I
may,/ Followed the legend in my own translation/ Touching thy sufferings and exaltation, (…)/ Cecilia
(…).”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.452.
153
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.99.
154
PEREIRA, D.F. Op. Cit., p.3.
66
consegue exprimir sozinha seu louvor e por isso precisa da ajuda de Maria; enquanto
que a outra religiosa se põe como uma humilde serva, inclusive pedindo perdão por
“não compor a história de maneira rebuscada”155. Ao construir este posicionamento,
Chaucer mostra que a vocação da Outra Freira é realmente séria, em detrimento da
construção da personagem da Prioresa.
O Conto da Outra Freira trata de uma exortação à Santa Cecília mostrando como
sua trajetória de vida e seus atos contribuíram para que ela demonstrasse suas virtudes e
sua santidade. Cecília é membro de uma família nobre romana que desde pequena foi
criada como cristã e por isto quer se manter casta: “Nunca cessava – como pude ler – de
orar, amando e temendo a Deus, e suplicando-lhe que preservasse a sua
virgindade.”156. Vê- se Cecília como um modelo perfeito de uma freira, porém sua
provação é maior, pois logo no começo da história ela se prepara para seu casamento e
pede em oração que seu corpo se mantivesse imaculado. Quando chega a noite de
núpcias, Cecília conta ao seu esposo Valeriano que havia um anjo que guardava por sua
castidade e se Valeriano a amar de maneira casta, ele também seria protegido.
As preocupações de Cecília devem-se, porque com o casamento, a mulher passava a
ser posse do marido e havia ênfase, inclusive na cerimônia, da importância da
consumação do mesmo. No século IX, as cerimônias matrimoniais entre nobres se
davam com os noivos deitados com os corpos nus sobre o leito e o pai do noivo
invocava as bençãos de Deus sobre o casal, selando a união entre as parentelas. Aos
poucos, os padres foram tornando-se importantes na cerimônia, limitando-se a abençoar
a cama do casal com água benta. No século XII, o casamento foi transformado numa
cerimônia totalmente pública, era uma festividade, um rito, uma solenidade. Já entre os
séculos XIII e XIV, a cerimônia matrimonial dividiu-se em duas partes. Na primeira, o
pai da noiva entregava a filha ao padre, que por sua vez, entregava-a ao noivo. Na
segunda parte, o padre colocava a mão de um sobre o outro e os entregavam ao
matrimônio157.
A mulher pertencia ao homem, porém, sua alma deveria pertencer a Deus, por isso
deveria guardar-se casta mesmo no casamento, mantendo relações sexuais apenas para
155
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.254.
“Forgive me if I show no diligence/ To ornament my story or endite/ A subtle style (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.452.
156
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.255.
157
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.25.
67
gerar descendentes. As meninas eram levadas a se casar muito cedo, por cerca dos doze,
treze anos de idade, o que dificultava muito mais a realização do desejo que pudessem
ter de não se casar com determinado noivo, prevalecendo a imposição do pai. As moças
eram educadas aprendendo a bordar, cuidar de bebês e deviam ser doces, tímidas,
modestas, castas, discretas, prendadas e religiosas. Eram educadas para ser esposas. A
castidade deveria ser guardada por dois motivos principais: a honra da família e a
salvação da sua alma158.
Desde o final do século XII159, a Igreja procura estabelecer a idade mínima de doze
anos para as meninas e catorze anos para os rapazes, para o envolvimento em laços
matrimoniais. Mas se fosse de vontade das famílias envolvidas, devido a alianças
políticas, o casamento poderia ocorrer antes desta idade160. Ao mesmo tempo que os
clérigos defendiam a disposição dos noivos em se unirem em matrimônio, ratificavam a
escolha pelos pais. Para demonstrar que eram a favor do casamento pela vontade dos
noivos, teriam a oportunidade de aceitarem ou não durante a cerimônia matrimonial e,
por mais que a noiva não quisesse aceitar o noivo, receberia tamanha carga de pressão
emocional da família ou imposta pela própria sociedade, que não conseguia recusar-se,
ou se o fizesse, seria imensamente reprimida e submetida novamente ao mesmo ou a
outro noivo.
As próprias mulheres podiam achar bastante vantajoso o casamento arranjado desde
a infância. Era mais cômodo, uma garantia de sustento a vida inteira. Muitas delas ainda
crianças eram enviadas a morar nas casas de seus noivos, sendo tratadas como filhas
pelas famílias dos futuros maridos ou enviadas a conventos, onde deviam se manter até
o casamento como uma garantia aos noivos de que se manteriam castas e inocentes,
levando uma vida voltada para atos religiosos161. Também, muitas jovens como meio de
fugir a um casamento ao qual não desejavam recorreriam a proteção de conventos,
prometendo disponibilizar-se à castidade eterna, como já foi mencionado à respeito da
Prioresa. Em nosso Conto, Cecília não teve a escolha de ir a um convento e por esse
motivo, ela pede proteção e manutenção de sua virtude e castidade dentro do casamento.
158
ARIÈS, P. Casamento Indissolúvel. S/d, p.16-39.
159
MACEDO, J. R. Op. Cit,, p.28-29.
160
DUBY, G; PERROT, M. (dir.) Op. Cit., p.289.
161
Idem, p.366.
68
No caso de Cecília, a virgindade é o que a diferencia em seu ideal cristão e o que faz
com que sua história seja acreditada por seu marido. Assim, Valeriano dirige-se ao local
indicado por Cecília e entra em contato com o Papa Urbano, que estava escondido nas
catacumbas dos santos. Lá Valeriano descobre que a história de Cecília é verdadeira e
se retira verdadeiramente convertido e batizado. Ao retornar à sua casa, encontra Cecília
com um anjo que entrega a ele e a Cecília coroa de lírios e diz:
Com corpos limpos e mentes imaculadas preservareis essas coroas (...)
eu as trouxe para vós do paraíso, e, acreditai-me, jamais irão murchar
ou perder o doce perfume. Também nãos serão visíveis, a não ser para
os castos e os que odeiam o pecado.162
Valeriano pede então que seu irmão Tibúrcio também tenha a mesma oportunidade
da graça. Tibúrcio ouve as palavras do casal e desperta para a verdade da vida espiritual
em que Cecília lhe explica sobre um só Deus e sobre os milagres de Jesus. Tibúrcio é
batizado e tem todas as graças concedidas por Deus.
A história então dá um salto de tempo e parte para o momento em que o magistrado
de Roma procura os dois irmãos e os leva à presença de Almáquio, o prefeito que, ao
saber de suas crenças, manda que os levem até uma estátua de Júpiter para sacrificarem,
sob a condição de, se não o fizessem, seriam mortos. São mandados ao templo pelo
oficial e corniculário do prefeito, Máximo que, no caminho, se apieda dos dois que vão
até a casa do oficial e conseguem levar a palavra de Jesus para todos os familiares deles.
Cecília então chega com padres e batiza todos os membros da família de Máximo.
Quando o dia amanhece, Cecília os lembra que ainda tem a sua missão a cumprir:
Agora, amados e caros cavaleiros de Cristo, rejeitai todas as obras das
trevas e armai-vos com a armadura da luz. Em verdade, combatestes o
bom combate, completastes a vossa carreira, guardastes a vossa fé.
Buscai a coroa da vida que não pode falhar; o reto Juiz, a quem
servistes, vô-la dará, porque vós a merecestes.163
162
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.257.
“With a clean body and with spotless thought,/ Cherish these coronals for ever. (…)/ from Paradise were
brought/ For you, and they shall never rot away/ Or lose their savour, trust to what I say./ And they are
such as none shall see, unless/ His heart is chaste and hates all filthiness.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.458.
163
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.259.
“O you that are restored/ In Christ and are the soldiers of the Lord,/ Cast off the works of darkness and
put on/ The armour of righteousness, the night is gone./ You have done battle gretly and prevail,/ Your
course is done, your faith has never swerved; Go to the crown of life that cannot fail./ The righteous
judge and Savior you have served/ Shall give it you, for you have well deserved.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.462.
69
Como ambos recusaram a sacrificar pelos deuses, são mortos e suas almas sobem
aos céus. Máximo, comovido, conta a outras pessoas sobre o que ocorrera e que viu as
almas dos santos subirem aos céus e consegue assim, converter a muitos. Almáquio,
então, manda que ele seja flagelado e morto. Cecília pega seu corpo e o enterra junto à
Valério e Tibúrcio. O prefeito descobre, manda que ela também seja levada a sacrificar
pelos deuses; porém, Cecília consegue converter a todos os guardas que vão prendê-la.
Quando finalmente consegue capturar a Santa, e fica frente a frente com ela, Almáquio
percebe que Cecília é muito inteligente e não teme o seu poder; ele trava um diálogo
com Cecília para testar sua fé e mandar que ela cumpra sua ordem.
Cecília não só responde à altura de sua posição de nobre mas também com uma
autoridade moral devido à sua fé. Ao final diz para Almáquio:
‘Nenhuma palavra disseste que não me deixai entrever a tua
ingenuidade; em tudo e por tudo, te revelaste um oficial inábil e um
árbitro vão. Nada falta a teus olhos para seres tão cego, pois chama
deus aquilo que saber ser apenas uma pedra.’164
Almáquio manda que seja trancada em casa e que ateiem fogo na sala de banhos
com ela dentro. Por um dia inteiro a sala fica em chamas, mas Cecília permanece com o
corpo frio, sem sofrer nenhum mal. Assim, Valério manda que o carrasco desfira três
golpes no seu pescoço. Mesmo com os golpes, o carrasco não conseguiu separar a
cabeça do corpo dela e como a ordem havia sido de três golpes, ele não ousou desferir
mais nenhum golpe. Os cristãos a pegam e enxugam seu sangue e Cecília vive ainda por
três dias pregando e convertendo, doa seus móveis, os recomenda ao Papa Urbano e
pede para que sua casa seja transformada em uma igreja.
Percebe-se que o Conto da Outra Freira e o Conto da Prioresa apresentam uma
semelhança no enredo. O menino pego pelos judeus também teve sua garganta cortada,
e também conseguiu se salvar por conta de um milagre, e é este milagre que em ambas
histórias os personagens conseguem atestar a sua fé e cumprir sua trajetória antes de
efetivamente morrerem.
164
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.261.
“There is no word in what you’ve said to me/ That did not publish your obliquity/ And prove yourself, I
say it without grudge,/ An ignorant official, a vain judge./ Nothing you lack to make your outward eye/
Totally blind, for what is seen by all/ To be stone you seek to glorify (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.465-466.
70
O que podemos também apreender nesta história é a voz de Cecília, que é muito
importante em todas as resoluções que são tomadas na história. Se não fosse a sua
decisão de permanecer casta, seu marido teria todos os direitos sobre seu corpo, mesmo
sendo ela uma cristã devota. Cecília consegue convencer a todos que sua castidade é
importante: primeiro através de suas preces, depois a Valério e a Tibúrcio.
Porém, o embate inicial não é entre seu marido e a Igreja e sim entre Cecília e todos
em sua volta, já que convencer a sua família de sua fé, ela também acaba fazendo parte
da conversão do soldado romano. Mesmo sendo uma conversão feita por Valério e
Tibúrcio, Cecília aparece ao fim para trazer os padres para o batismo e profere ela as
últimas palavras de exortação.
Há nessa história a força da personagem feminina e toda a forma como ela agrega e
converte as pessoas em sua volta, se assemelhando às conversões do cristianismo
primitivo e focando, principalmente, nessa relação com a fé, que vence todas
adversidades. Na história, inclusive, o foco não está nos diálogos que os outros
personagens travam e sim na voz clara de Cecília durante toda a história, proveniente de
sua autoridade e do poder que ela exerce devido à sua fidelidade à Deus. Ao escrever
sobre o Conto da Outra Freira, Priscila Martin afirma que o poder espiritual de Cecília é
o que a permite dominar os homens na história: “Claramente, a castidade de Cecília é
uma de suas maiores forças. Dá a ela vantagens políticas e espirituais. Ela não parece
somente igual a todos os homens da história, mas sim como mais poderosa do que
muitos.”165
Inclusive quando Cecília encontra a última autoridade masculina em sua trajetória, o
prefeito que ordena que faça sacrifícios aos ídolos de pedra, percebe-se que ela não é
capaz de persuadi-lo e convertê-lo ao cristianismo, mas tudo o que ela fala a ele é
baseado em argumentos inteligentes. Ela duvida do poder do prefeito e afirma que o
mesmo nunca terá o poder sobre a vida e a morte – algo que só estaria na competência
de Deus – dizendo que Almáquio é apenas um executor, que tem o mero poder de tirar
vidas e mostrando ao final de sua jornada na terra que a vida que ela valoriza é a vida
espiritual e por isso nada teme. Há neste trecho, a semelhança com a citação de Cristo
165
“Clearly, Cecilia’s chastity is one of her gratest strengths. It gives her both political and spiritual
advantages. She seems not only equal with all the men in the story but actually more powerful than
most.” (Tradução nossa) MARTIN, P. Op. Cit., p.153.
71
em Mateus 22:21166, “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”,
traçando a diferença entre o poder temporal, mostrando que o prefeito não terá o poder
sobre ela já que esta foca-se no poder espiritual.
De uma maneira geral, o Conto da Outra Freira mostra uma personagem que
defende tão bem sua voz e seu direito de seguir sua fé que parece um oposto da
caracterização da Freira narradora. Enquanto Chaucer não apresenta nenhum traço que
se possa verificar a personalidade desta Freira; também não há, ao longo da obra,
nenhuma interação da mesma com outros personagens. Porém, sua história mostra uma
força tão grande, uma defesa tão forte dos ideais cristãos que permite apreender aí os
traços do tipo de mulher que a Freira é; uma personagem bem diferente de Madame
Eglantine, que mantém sua história no espaço esperado. A Outra Freira também não
foge do tipo de história que deveria contar, mas consegue mostrar a força de uma
mulher santa que lutou pelos seus ideais de fé em Cristo.
166
Bíblia Sagrada – Edição Pastoral. São Paulo, Paulus, 2005.
167
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.9-10.
“Her kerchiefs were of finely woven ground;/ I dared have sworn they weighed a good ten pound,/ The
ones she wore on Sunday, on her head./ Her hose were the finest scarlet red/ And gathered tight; her
shoes were soft and new./ (…) She had gap-teeth, set widely, truth to say./ Easily on an ambling horse she
sat/ Well wimpled up, and on her head a hat/ As broad as is a buckler or a shield.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.31-32.
72
tecidos e se foca nos seus atributos materiais, uma indicação que Chaucer a entende
como uma mulher fútil.
Na Idade Média, o matrimônio e família é um conceito que vai se modificando com
o tempo. A família aristocrática era, entre os séculos X e XI, inicialmente, composta de
forma linear pelos grandes clãs formados. Todos que trabalhavam na casa agregavam-se
à família, que não era determinada apenas pelos laços consangüíneos. Deste modo, o
grau de parentesco era amplo, propiciando alianças e abarcando filiações. Do
estabelecimento das relações feudo-vassálicas, esse quadro foi se transformando num
esforço de manter o patrimônio, uma vez que o feudalismo condicionou o tecido social
de áreas nobres da Europa168.
Assim, o parentesco foi perdendo a linearidade horizontal anterior, abrindo espaço,
cada vez mais, a uma verticalidade descendente ou a descendência por meio da
linhagem familiar. Estas mudanças afetaram profundamente a camada nobre da
sociedade. Entre os séculos X e XI, passou-se a favorecer os componentes familiares do
sexo masculino, prejudicando a mulher no momento da sucessão da herança familiar.
Mais tarde, até mesmo filhos homens sofreram prejuízos na sucessão, pois somente aos
primogênitos era dado o direito de herdar o melhor do legado da família. Os irmãos
menores, por sua vez, estavam sujeitos ao irmão mais velho, o chefe da casa, tendo a
todos os outros subordinados a sua vontade169. Tem-se registro de muitos filhos
segundos e terceiros que abandonavam o lar em busca da própria fortuna.
Uma vez escolhido o casamento como destino da mulher, é notório como as formas
de poder se projetavam na relação conjugal. Amor, afeto e carinho eram manifestações
pouco comuns nessas uniões. Segundo Macedo “a concepção éticosocial do amor não
se identificava com os compromissos e juramentos constantes nessa forma de
casamento”170. A mulher dirigia-se ao esposo como seu “senhor”, denotando assim a
transposição da vassalagem, do amplo domínio feudal, para o restrito meio doméstico.
O casamento era, sem dúvida, forma de união entre o homem e a mulher, mas não
os igualava: a mulher permanecia marcada pela fatalidade de Eva e responsável pela
queda de Adão. Ela trazia o estigma do pecado e concentrava em si todos os vícios
168
COSTA, G.P. História do casamento. In: O amor e seus labirintos. Porto Alegre: Artmed, 2007.
p.22.
169
COSER, M.C. Op. Cit., p. 93-108.
170
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.16.
73
171
SOUSA, I. A Mulher na Idade Média: a metamorfose de um status. Revista da FARN, Natal, v.3, n.1/2,
jul. 2003/jun. 2004, p.162.
172
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.20.
173
Idem, p.10
174
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.10.
“And knew the remedies for love’s mischances,/ An art in which she knew the oldest dances.”
CHAUCER, G. Op. Cit., 1975. p.32.
175
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.139.
74
prova disso é que ela cita uma interpretação do encontro de Jesus com a mulher
Samaritana no poço.
O que a personagem não cita, por possivelmente não ter o conhecimento é que é a
própria Samaritana quem afirma que não tem marido e não Jesus, o que poderia ajudar
no seu argumento. Assim, entende-se que, se ela efetivamente soubesse do texto,
poderia discuti-lo e argumentar sobre ele, já que um dos traços de sua característica com
seus maridos é a capacidade de discutir sempre até que seu ponto de vista fosse o
vencedor.
A personagem em seu discurso, não promove uma contestação aberta aos padrões
morais da época, admitindo que seu modo de vida foge aos ideais preconizados pelo
discurso da Igreja que apontava a castidade como uma forma ideal de vida e a
virgindade ligada a representação de Maria – a Virgem mãe. O casamento, nesta visão,
teria como objetivo único a procriação176. Nossa viúva reconhece esta posição, mas
também afirma que não se encaixa nesses padrões e que acha que é melhor não manter a
abstinência dentro do matrimônio. O interessante é perceber que esta mulher está
afirmando que a consumação do casamento é prazerosa, algo que não deveria ser
comentado por uma mulher.
O foco principal deste prólogo é o ponto de vista de Alice sobre o casamento, que o
descreve como um flagelo, fruto principalmente das artimanhas femininas, afirmando
que as mulheres juram e mentem com muito mais costume e facilidade. Ela relata que
casou com os primeiros maridos somente por interesse e também discorre sobre os
subterfúgios utilizados por ela para enganar e manipular seus cônjuges – ela jurava aos
maridos que saía a noite para espiar se eles estavam tendo encontros amorosos, mas na
verdade quem os tinha era ela:
Era por causa do lucro que eu suportava a luxúria dos três primeiros
maridos, e até demonstrava um apetite fingido, – pois nunca tive
predileção por carne seca. E era por isso também que eu os repreendia
tanto, não os poupando à própria mesa, nem que, ao lado deles,
estivesse sentado o Papa. 177
176
MARTIN, P. Op. Cit., p.160.
177
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.143.
“His pleasures were my profit; I concurred,/ Even assumed fictitious appetite,/ Though bacon never gave
me much delight./ And that’s the bery fact that made me chide them./ And had the Pope been sitting there
beside them (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.287.
75
178
LABARGE, Margaret W. La mujer em La Edad Media. Madri: Nerea, 1988, p.34
179
MISKIMIN, Harry. Op. Cit., p.211.
76
é entendido como algo que nunca havia acontecido entre o casal, não era comum aquele
marido bater em Alice. Este é o clímax de seu prólogo, o embate entre toda a postura
apresentada por ela até o momento e a figura contrária a isso, seu marido.
Porém sua luta efetiva não é somente pela submissão do marido e sim uma luta para
ser bem tratada por ele e se colocar na posição de esposa, dando a ele respeito e
obediência180. Entender e delimitar quais as visões pessoais de Chaucer (que não são
explícitas) é difícil, mas sua escolha por este tema e a representação desta esposa como
uma personagem que não é só compreensível em seu pedido mas também interessante
em seus pensamentos sobre o tipo de casamento que ela quer. Por mais que Alice tenha
tido problemas em seus quatro casamentos anteriores, ela não perde a esperança de ter
um bom marido para ela.
Seu casamento com Janekin é o único que termina da maneira que ela quer, Alice
está procurando por amor, pois ela já tem dinheiro e posses suficientes; ela poderia se
manter viúva e não necessitar mais de estar no poder de um homem, mas ela decide se
casar de novo. Pelo posicionamento de seu novo marido, ela percebe que ela não só
perdeu o controle de seu dinheiro e de suas posses, mas também seu posicionamento
perante o casamento, ela quer ser uma mulher com direitos perante suas posses181. Seu
marido quer transformá-la em uma mulher obediente e sem uma vida própria, ela decide
então reverter esta posição. Antes desse embate, vemos o estado mental de Alice:
“Por isso, quando percebi que ele pretendia passar a noite inteira lendo
aquele maldito volume, num impulso repentino arranquei-lhe três
folhas do livro, enquanto ele ainda lia, e desferi-lhe tal soco no rosto
que ele perdeu o equilíbrio e caiu de costas no fogo. Levantou-se
então de um salto, como um leão endoidecido, e, com o punho, bateu-
me com tanta violência na cabeça que vim ao chão desfalecida. Ao ver
que eu não me mexia, ficou horrorizado, julgando me morta; e teria
fugido dali se eu, finalmente, não tivesse recobrado os sentidos: ‘Oh,
você me matou, ladrão traiçoeiro?” gemi; “foi por causa de minhas
posses que você me assassinou? Assim mesmo, antes que eu morra,
quero dar-lhe um beijo”. Ao ouvir isso, ele se aproximou e se ajoelhou
junto a mim, dizendo: “Alice, minha querida, Deus me ajude, nunca
mais vou bater em você. Se fiz isso, foi por sua culpa. Perdoe-me, eu
lhe suplico!”182
180
MARTIN, P. Op. Cit., p.168.
181
SILVA, M.S. As mulheres cristãs nas cidades da Idade Média. In: SANTOS, Maria Clara Curado.
Actas dos Colóquios sobrea temática da mulher. Moita: Câmara Municipal de Moita, 2001. p.150.
182
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“And when I saw that he would never stop/ Reading this cursed book, all night no doubt,/ I suddenly
grabbed and tore three pages out/ Where he was reading, at the very place,/ And fisted such a buffet in
his face/ That backwards down into our fire he fell./ Then like a maddened lion, with a yell/ He started up
77
Quando Janekin se preocupa com Alice e se junta a ela no nível da comunicação, ele
perde o direito ao seu livros e aceita um novo tipo de casamento, onde o homem cede
aos apelos da esposa, assim como ela perde a ilusão de um casamento idealizado, já que
Janekin percebe que ele a ama mais que a seus ideais:
Mais tarde, porém, após lamentos e queixas, finalmente nos
reconciliamos. Ele entregou o cabresto em minhas mãos, confiando-
me a direção da casa e das terras, bem como o controle de sua pessoa,
– palavras, atos, tudo. E eu, sem perda de tempo, o fiz queimar o tal
livro. E a partir do momento em que, graças à minha habilidade,
recuperei o comando (...)183
Só que se percebe também que mesmo recuperando seu controle, esta personagem
quer um casamento feliz e em paz, pois ela não agirá mais como agiu com seus maridos
anteriores:
nunca mais houve briga entre nós dois. Por Deus, fui tão
compreensiva e tão fiel a ele, que da Dinamarca à Índia não se
encontraria esposa igual. E assim também era ele comigo. Por isso,
peço a Deus, em sua majestade, que lhe abençoe a alma com sua graça
infinita. 184
Desta forma prólogo do conto da Mulher de Bath tem como objetivo mostrar que a
mulher é quem deve ter o controle e a escolha no matrimônio. Assim, as proposições da
Alice acabam por respaldar as críticas de Chaucer em relação ao comportamento
feminino, tendo em vista a forma como ela manipulava e enganava seus maridos,
estimulada pela ambição e pelo adultério. É possível apreender também que por mais
que um comportamento obediente e humilde fosse esperado das mulheres casadas da
and smote me on the head,/ And down I fell upon the floor for dead./ And when he saw how motionless I
lay/ He was aghast and would have fled away,/ But in the end I started to come to./ ‘O have you
murdered me, you robber, you,/ To get my land?’ I said. ‘Was that the game?’/ Before I’m dead I’ll kiss
you all the same.”/ He came up close and kneeling gently down/ He said, ‘My love, my dearest Alison,/ So
help me God, I never again will hit/ You, love; and if I did, you asked for it,/ Forgive me!”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.297-298.
183
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“We had a mort of trouble and heavy weather/ But in the end we made it up together./ He gave the bridle
over to my hand, / Gave me the government of the house and land,/ Of tongue and fist, indeed of all he’d
got./ I made him burn that book upon the spot. And when I’d mastered him, and out of deadlock/ Secure
myself the sovereignty in wedlock, (…)”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.298.
184
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.149.
“From that day forward there was no debate./ So help me God I was as kind to him/ As any wife from
Denmark to the rim/ Of India, and as true. And he to me/ And I pray God that sits in majesty/ To bless his
soul and fill it with his glory.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.298.
Na tradução de Paulo Vizioli, há a modificação de to the rim (ao Reno) por à Índia, provavelmente para
preservar a rima da narração.
78
185
MEDEIROS, M.M. Uma análise sobre o casamento medieval segundo Thomas Malory. Fênix –
Revista de História e Estudos Culturais Janeiro/ Fevereiro/ Março/ Abril de 2011, Vol. 8, Ano VIII nº 1.
p.2.
186
JARDIM, R.B. Sistemas rituais do processo matrimonial no medievo europeu ou sistemas
generificados de controle social. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.11, n. 14, 1º sem. 2010, p.64.
187
PILOSU, M. Op. Cit., p.20.
79
188
MACEDO, J. R. Op. Cit., p.45.
189
CHAUCER, G. Op. Cit., 1988, p.153.
80
“My liege and lady, in general said he,/ A woman wants the self-same sovereignty/ Over her husband as
over her lover,/ And master him, he must not be above her./ That is your greatest wish, whether you kill/
Or spare me; please yourself. I wait your will.”
In: CHAUCER, G. Op. Cit., 1975, p.304.
81
Considerações Finais
82
Ao nos atermos à situação da Igreja no século XIV, entendemos que ela passa por
um período de crise. Esta se revela dentro da instituição, com as perdas humanas
ocasionada pela Peste Negra com a longa ruptura ocorrida no interior do papado – o
Cisma do Ocidente. Tal crise interna se reflete na imagem de guia espiritual que a Igreja
detém e acaba por criar na Cristandade um sentimento de orfandade espiritual. Além
disso, a prática mundana de seus membros que se desviava progressivamente da palavra
cristã por eles pregada, cria um contexto de descrença no clero, estimulando uma
religiosidade independente de sua mediação espiritual.
83
observava; e assim, perceber como este autor passou para um texto escrito suas
impressões, passíveis de erros, abstrações, anacronismos e críticas.
Procuramos assim, em nosso trabalho, mostrar que as mulheres na Idade Média não
estavam fixadas em padrões globais; estavam elas imersas em conflitos cotidianos
frente a tais grandes representações que as encaixavam em padrões discursivos restritos.
O que buscamos mostrar aqui foi que o feminino, como uma série de representações que
se articulam umas às outras e com as demais dinâmicas e grupos sociais, é uma temática
vasta para ser explorada, riquíssima e que demanda crescentes estudos que
problematizem a história da mulher na Idade Média. Nossa pesquisa toma por foco essa
84
85
Bibliografia
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90
Páginas de Internet
http://books.google.com.br/books?id=QiGazUrpnusC&printsec=frontcover&dq=chauce
r+canterbury+tales&lr=&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false
Acessado em 13/08/2012 às 15:05 horas.
http://www.npr.org/news/graphics/2009/apr/ct_map/staticimage.jpg
Acessado em 25/09/2012 às 17:00 horas.
http://www.jstor.org/stable/2848143
Acessado em 10/10/2012 às 11:30 horas.
http://www.jstor.org/stable/650378
Acessado em 07/06/2012 às 20:00 horas.
91
Anexos
92
Anexo 1
93
Anexo2
94
Anexo 3
95
Anexo 4
Mapa referente à area Inglesa (em vermelho) e Francesa (em verde) após o Tratado de Brétigny.