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O CU (DE) PRECIADO: NESTOR PERLONGHER EO SANTO DAIME! Cleiton Zéia Miinchow* O cu depreciado Nem todo o saber foi expropriado, quero dizer a Preciado. Basta olhar para além da linha do Equador, para o “cu do mundo’: Imagino, en- ‘io, Beatriz experimentando nio o gel quimico da testosterona, mas ayahuasea, 0 vinho amazbnico. Deixando-se, assim, sentir-se menos ‘europeia,¢ por isso mesmo menos masculina, ela perde o género. Vai se deixando ser Horesta, xami, Iansi, para pensar em Judith Butler en- «quanto ouve o mito do Diabo sem Cu, que fala de peixes ede homens, ld no Alto Rio Negro (PELUCIO. 2014, p. 5). A palavra queer, originada na Iingua inglesa, remonta a um uni- verso de sentido que se movimenta do campo da ofensa para o da afir- macdo; queer € 0 estranho, 0 anormal: as sexualidades, os géneros, os corpos, as praticas, as éticas, as estéticas, as epistemologias; queer é tudo aquilo que foge ativamente ao padrio de normalidade. A aplicagio do termo queer aos homossexuais com objetivo ofensivo tem sido apontada como ponto de uma clivagem, de agredidas por serem identificadas a0 termo, as pessoas homossexuais passaram a afirmar o queer como valor TO proces wabalho @o wruido creo dc uma pana peferida no dia 26 de mato de 2017 sao elo de Pedongher- corpo e expen a0 Sanro Dsime. Noss apesenraio integoa mes “Tora queer eas estudos de ‘ubalemidade: 3 crpos que se tcanenm-” ocortda po oso do Il Simpésio de Genero smalidade: elig- ‘er midasc corpora edo I Congreso Nacional de Ginero eSenulidade de Mato Grso do Sel A modanga {i culos deve una ste de ftores qu vrelconam a estado da pesquisa, scm mdanga sense manos robomica ge: contate com a corespondncla de Pero por exempo, os permit entender Se manera Jian pesins posblidades de atarns da reagent coda quer co Santo Dain fi fundamental para. o ‘Zocteimento dete princi esd que dedifrentes anes contoa como aul ders penows isin que tnerecem nos sinctos agradesimentn:Emmanel Theumer, qb nos indica algescainbos pra enconsrasos ‘Batra de pins )uan Pablo Qui, que ns concedes acess spare da correspondence Peslonghe qu, Jnramente com Maeco Beni, rata de npn, «Cella Palmer, editors da corespondéncia de Pelonghs, {nos dyponbizov a vo sida nao publicado no Bras. ‘Eee em Flosofa Moderne Contemporines pla Unvenidade Federal do Paand (UFPR), profesor no Ine tio Feral de Edacago, Gite Tecnologia de Mato Groso do Sol (IFS) -Campes Douradospsquisador {Bo grupo de pesqua Edeeagio roisonal, novo & Inerdiciplnaridade (EDUPI) e do Rizoma: coleav de ‘xperimenragtesindicpinas. Dislogos Sabre GéneroeSexulidade 57 positivo. Como, no portugues brasileiro, obter a mesma forca performa- tiva que 0 termo mantém em seu idioma de origem, o inglés? Como traduzir 0 queer para o portugués? A antropéloga Larissa Pelicio, em tradugdes e toredes ou 0 que se quer dizer quando dizemos queer no Brasil, procurou pensar o tensionamento da tradugdo do termo queer, a citacdo gue figura na abertura do presente texto encontra-se envolvida no esfor- go de realizar essa tradugao. Neste contexto, Peliicio recorre a Preciado como autor estratégico no processo de construgéo de um movimento crftico decolonial do queer, uma critica daquilo que, em Preciado, no € depreciado. Para compreendermos a radicalidade da critica, importa observar que o fildsofo espanhol desenvolve uma filosofia cuijo sujeito politico €a multitude dos anormais, os detritos emanados do feminismo radical, do movimento queer, dos movimentos medicinais alopéticos, dos movimentos de liberagao das drogas. Testo Yonqui € 0 livro de Preciado que, em conversa com Pedro Paulo Pereira, antropélogo com quem divide um taxi na Marginal Tie- t@, Pelticio tomou como objeto de pensamento, nele, Preciado, ainda nominado Beatriz, experimentou, por meio de protocolos de intoxi- cago voluntétia, testosterona gel, a finalidade dessa experimentacao, conforme a fil6sofa, foi a de trair aquilo que o sistema quis fazer dela Ao examinar os fluxos que atravessam seu corpo proprio, a filésofa dese- nhou um mapa das novas dinamicas do capitalismo. Diferentemente de ‘Toni Negri e Michael Hardt, Preciado pensa a produgao do Império, na perspectiva de uma sexopolitica, como Império Sexual, trata-se do pen- samento que se exerce da cintura para baixo. A sexopolitica, enquanto disciplina filos6fica, evidencia a existéncia de cadeias semistico técnicas € biomoleculares por meio das quais desenha-se uma Era Farmacopor- nogréfica na qual o sexo, a sexualidade e 0 género sio ficgdes politicas que operam na produco e extragao de mais-valia corporal: a Potentia gaudendi, a poténcia de gozar que todo corpo tem. As tedricas da sexo- politica sio chamadas por Preciado de trabalhadoras anais, elas sio as engrenagens das redes de trafico de drogas, os herboristas conhecedores das tradigdes ancestrais de bruxaria, os laborat6rios farmacéuticos, os equenos traficantes ¢ os yonquis (PRECIADO. 2008, p.186). Trabalha- dores anais porque o anus é entendido pela filésofa, desde seu primeito livro, Manifesto Contrassexual, como “centro transitério de trabalho de desconstrugdo contrassexual” (PRECIADO. 2002, p. 26), trata-se de um nes, Apurecido Francisco dos Rel, Vivian ds Veig Siva (orgs) na forca performs B, o inglés? Como rissa Pelvicio, em fos queer no Brasil, mo queer, a citacao envolvida no esfor- secorre a Preciado de um movimento jem Preciado, nao da critica, importa sofia cujo sujeito ados do feminismo fcinais alopaticos, mversa com Pedro ina Marginal Tie- e, Preciado, ainda tocolos de intoxi- 1 experimenta pa quis faz: io, a fildsofa dese- Diferentemente de 240 do Império, na il, trata-se do pen- politica, enquanto semidtico técnicas Era Farmacopor- 0 ficgies politicas poral: a Potentia s tedricas da sexo- anais, clas sio as tas conhecedores farmacéuticos, os p-186). Trabalha- esde seu primeiro io de trabalho de 6), trata-se de um ) 6rgio estratégico no processo de desconstrugdo do corpo cis/hetero orga- nizado, 0 corpo straight, o corpo produzido como normal. A escolha por comegar um texto sobre as traducdes e torgoes do queer no Brasil fazendo referéncia ao filésofo Paul B. Preciado nao é casual. Pehicio explica que ela se relaciona ao fato do filésofo ser con- siderado uma espécie de Rainha do queer, ou tinico capaz de disputar tal titulo com Judith Butler, uma das mais lembradas em terras latino- -americanas quando se pensa em teoria queer. Além disso, Preciado, conforme Pelticio, é um dos filésofos que, contemporaneamente, me- Ihor tém pensado o cu’, porém, como se pode ler na citagdo com a qual iniciamos o presente texto, é justamente para o cu do mundo, aquele que fica abaixo da linha do equador, que Preciado nao olhou. O vinho amaz6nico como protocolo voluntario de intoxicagdo ao invés da tes- tosterona gel, imagina Pehicio, como vimos na epigrafe que compde a abertura de nosso texto, faria a filésofa “sentir-se menos europeia, e por isso mesmo menos masculina”, ela perderia o género e se deixaria “ser floresta, xami, Tans, para pensar em Judith Butler enquanto ouve o mito do Diabo sem Cu, que fala de peixes e de homens, li no Alto Rio Negro”. O vinho amazénico, ao que parece, faria Preciado olhat para o cu do mundo. Nao temos noticia de que Preciado tenha consumido ou abordado a ayahuasca em algum de seus trabalhos, porém a imaginagio de Pehicio abriu a possibilidade de nos perguntarmos a respeito daquilo que 0 vinho amazénico poderia produzir num fil6sofo queer, ou, para falar ao gosto da antropologa brasileira, cu. Viveiros de Castro, em Pode uma figura humana ocultar uma afec- ¢0 Jaguar, nos fala da vantagem dos etndlogos relativamente aos filé- sofos, os primeiros, quando colocam uma questo metafisica, podem e devem “perguntar aos membros dos coletivos que estudam 0 que eles pensam a respeito”, para os filésofos, a0 contrério, de maneita geral, se- ria importante “que eles mesmos encontrem as respostas” (VIVEIROS, DE CASTRO. 2006, p.3). Deleuze é uma das excegdes na historia do pensamento filos6fico, além do produzir conjuntamente muitos de seus trabalhos com Guattari, para criar seus conceitos se fez acompanhar de obras de filésofos, pintores, mtisicos, escritores e de muitos outros inter- cessores. O filésofo € um solitério, mas sua solidao 6 acompanhada de cps np meen Pe cl el eT Jota See ‘Carucosano qua podese er “uma dela mejores aca ela politique hay alededor del an a encontaes cenallibro de Bests Presado Teo Yong (p72) Didlogos Sobre GanereSexvalidade 59 personagens conceituais, poderfamos recordar a carta escrita por Nietzs- che a um amigo para contar que sua solidao, depois da leitura de Espi- nosa, tomnara-se “dualido”, uma solidao acompanhada, povoada‘. Em Perlongher, encontramos a personagem que procuravamos para auxiliar @ pensar a experiéncia da ayahuasca; além de ter consumido a bebida soba ritualizagao do Santo Daime, ele tem sido apontado como tedrico queer antes da teoria queer. No prefacio d’O Negécio do Miché, Larissa Peliicio, agora juntamente com Richard Miskolci, observa que “para os Ieitores contemporaneos, familiarizados com a teoria queer, surpreende © vanguardismo” de Perlongher “que, quase ao mesmo tempo que Eve Kosofsky Sedgwick (1985) nos Estados Unidos, (..) prope nao discursar sobre 0 outro, mas reconhecer seu desejo (...)” (PERLONGHER. 2008, p.15). Palmeito, estudiosa do pensamento perlongheano, na introdugdo as cartas de Perlongher, escreveu Queer antes de la emergencia de tal concepto, sus conceptualizaciones ‘que interpelaban las categorias de género e identidad desde una pers- pectiva materialist atravesada por la teoria del devenir y la revolucién molecular de Deleuze y Guattar,resulearon claves para la formacién de lun pensamiento queer latinoamericano (incluyendo su radical critica a Ia estabilizacién y normalizacién de la identidad gay a través de espejis ‘mos ideolégicos como el matrimonio universal). Sus contrabandos terarios, desde poetas queer como Roberto Piva y Glauco Mattoso y sus técnicas de publicacién marginales yautogestivas hasta la introduccién del portuitol como lengua poética, pasando por el puente de plata que tune el neobarroco cubano, braslefio yrioplatense, sentaron las bases de tun nuevo canon latinoamericano minoritario y de una micro industria editorial alternativa. (PERLONGHER. 2016 p.11-2) Nesse sentido, voltando ao artigo Tradugdes e torgdes ou o que quer dizer quando dizemos queer no Brasil, Perlongher é pensado por Pelicio como um dos marcos de uma “teoria cu” latino-americana produzida fora dos regimes falogocéntricos e heteronormativos da ciéncia canéni- ‘4 Teste di cara escria por Nite a Overbeck: Datadade 30d jlo de 1881, nea lof diz que path ‘om Espinosa uma tendoca geal sber, fazer do conhccmentoo mas potence don setae cxabelen ones fonts capitals da dori de Espinosa: “nga liberdae ds von, os fas onden moral do manda, oeis os, fsmo.o mal As divergtncia ene ox dis Neasche expla rected difcenga de tempo ecu “ln vars sscrve Nirche, “mia soldi, que, como sobre o came de cevadas montanhas tans canta recs to, imine repiago dif e me ex sng, 0 menos agora, uma uid” (MARTINS. sO tas pose dos aero: Spinone Nieache.pVXIl). Para pensar sobre solids acormpanhada no procemo eracved fale ives Tis quests sobre Sis veze dois (Godard), env concedid por Deeus Fv Chic da Cina {0 DELEUZE.Conversgoes 53.7), © Ana Marin Gomes, Aparecdo Francisco dos Reis, Vivian da Veiga Silva ongs) ca” (PE tedrico AIDS. lugara selhave Thos, se de “det 6rgios) (Perlor ganiza das op PELU gays pe pital” | homos dade d aprese ] quest’ autore “rela borar | fundar uma } dessa pela p Anus 3 e entr subjet sujeit 2013, do an -ego-c a leitu trole « porm termo por Nietzs- de Espi- ovoada*. Em para auxiliar 0 tedrico , Larissa que “para os F, surpreende mpo que Eve nao discursar SHER. 2008, 2 introducao sprualizaciones lesde una pers- y la revolucién 2 formacién de radical critica a sintroduccién e de plata que on las bases de ero induscria wo que quer por Pelicio : produzida cia canéni- fds oe para eer cco mands on et at pscce dor ro els rs da Cina (CE ca” (PELUCIO. 2014, p.1). Para sustentar a ideia de Perlongher como tedrico cu, a autora transcreve o trecho de um de seus tiltimos trabalhos, AIDS. Nele o autor discorre sobre o modo como a Aids servia para dar lugar a uma divisio entre os encontros sexuais, separando-os entre acon- selhaveis ¢ desaconselhdveis conforme “seu grau de risco”. Esses conse- Thos, se examinados de perto, pensa Perlongher, revelariam a pregacio de “determinada organizacao dos organismos (fungdes hierérquicas dos 6rgios): a boca para comer, o cu para cagar, 0 pénis para a vagina etc” (Perlongher, 1987, p. 83. Grifos do autor), 0s usos que escapam a essa or- ganizacio, especialmente o coito anal, conforme o autor, estdo “no alvo das operagdes médico-jornalisticas desencadeadas pela AIDS” (apud PELUCIO, 2014). Neste contexto, ele recorda a palavra de ordem dos gays paulistas no scu apogeu contestat6rio: “O coito anal derruba o ca- pital” (Idem). Ao recordar a frase que ecoou em diversos movimentos homossexuais no ocidente, Perlongher chama atengao para a centrali dade do Anus no processo de reorganizagao dos 6rgaos, assim, Pelticio o apresenta como marco de uma teoria cu latino-americana. Javier Saéz e Sejo Carrascosa também chamam atencdo para a questio da analidade no pensamento de Perlongher que, conforme os autores de Por el culo, teria, nos anos 80, assinalado a existéncia de uma “telacao entre poder e analidade” (p.69). Com a finalidade de corro- borar o dito sobre Perlongher, eles retomam um texto cujo problema fundamental pode ser traduzido nas seguintes questées: Como se mata uma Marica? Como o desejo se movimento no interior da produgao dessa morte? Em Matan a una Marica, ensaio de Perlongher, publicado pela primeira vez em outubro de 1988 na revista Fin de Siglo n° 16, 0 Anus aparece como lugar de convergéncia das forcas que se sobrepoe € entrepde umas as outras, esse proceso constitui-se como ponto de subjetivacdo do sujeito continente, “sujeitar o cwé, de alguma maneira, sujeitar o sujeito da civilizagao (...) 4 humanizagao” (PERLONGHER. 2013, p.47). De Deleuze ¢ Guattari ele extraf a ideia da privatizagio do Anus como “passo essencial para instaurar 0 poder da cabega (logo- -ego-centrico) sobre o corpo” (PERLONGHER, 2013,p.45). Seguindo a leitura de Saéz ¢ Carrascosa, o Anus seria a “grande metéfora do co trole dos sistemas sociais” (p.70). Esse sistema regula um jogo de forgas por meio da construgao de uma estrutura topolégica com um dispositivo termodinamico, a politica se realiza na regulagao desses espagos e fluxos Diflogos Sobre GéneroeSexulidade 61 de energia. O controle da abertura dos espacos é fundamental para ma- nutengao de sua existéncia, uma cidade fechada, nos dizem os autores, uma cidade morta. Hé um jogo de forgas que convergem no anus pro- duzindo a violencia que mata a Marica, anormal que faz. uso prazeroso de um 6rgio cuja tinica funcdo oficialmente permitida é a excrecao. As fronteiras de espagos, verdadeiras zonas de intensidade, estao sob cons- tante vigilancia e violencia. O uso marica do anus produz intensidade suficiente para desorga- nizar a organizagio heterossexual do organismo, nao se trata de roman- tismo, ha muitos perigos para quem foge & normalidade, no contexto de 1987, Perlongher traca as linhas da trama que entrelaca a AIDS, a repressfo policial e a homofobia no processo de producao de estranhos cadaveres. O pecado de Addo, livro dos jornalistas Vicente Guerra e Maia, serve a Perlongher para pensar como a homofobia, dispersa no tecido social, se materializa - sem que seja necessério um plano explici- tamente organizado, sem que exista uma espécie de conspiracao anti- -homossexual - em assassinatos, com metodologia ¢ estilo semelhante a0 dos esquadrdes da morte, carregados de ideais justiceiros. O controle do esfincter desempenha papel essencial em uma sociedade masculina libidinalmente homossexual, a contengao do anus se faz necessaria para estancar os fluxos que poderiam fazer ruit a organizagdo do organismo produzido num processo de privatizagao do anus. As linhas de fuga aber- tas pelo de ambuleio da marica, que se aventura pela noite com seu or- gulho de rabo, “abre um campo minado de perigos” (PERLONGHER. 2013, p48). O alvo de sua cagada pode transformar-se no autor da morte do seu corpo, seu desejo nao ignora os perigos envolvidos na busca pelo prazer com michés, dentre os quais, como observa Perlongher, também se encontram os assassinos das loucas. ‘Ahipermasculinizagdo, levada ao artificio na postura dos pratican- tes da prostituigao viril, é lida por Perlongher como recusa a se identi- ficar a figura do homossexual, o que também é uma demanda dos pré- prios “clientes pederastas, que buscam, precisamente, jovens que nao sejam homossexuais” (PERLONGHER. 2013, p.48). O peso de manter essa representagio pode explicar a mudanga que se passa no plano dos corpos, quando 0 gozo se transforma em morte. O miché, conforme Perlongher, produz. sua hipermasculinidade a partir da extracao de uma qualidade libidinal presente no simulacro masculino “normal” e “ocul- 62 Ana Maria Gomes, Aparecido Francico do Rts, Vivian da Vega Sa (orgs) tana fis pa). Ess de ser p rem vio desorgai se langa mesma de sew: LONG! A no proc do, por Gonzal cos € ef e dava Por onc Delew: ponto | Guatta liagao | Delew ade p balhos pelo q mento DEC. Guatté emerg rias, el cles, a0 rep simétr sobre de co que p apont logos ntal para ma- M 0s autores, no anus pro- 0 prazeroso ‘excreco. As tao sob cons- ra desorga- de roman- “no contexto ga a AIDS, a de estranhos ite Guerra e . dispersa no lano explici- piracdo anti- semelhante . O controle € masculina cesséria para 9 organismo le fuga aber- com seu or- ONGHER. lor da morte | busca pelo er, também 0s pratican- ase identi. da dos pré- ns que nijo yde manter » plano dos -conforme do de uma I" € “ocul- ta na figura sedentéria dos adultos héteros” (PERLONGHER. 2013, p-4). Essa atividade libidinal, marcada pelo desejo de penetrar e 0 medo de ser penetrado, organiza 0 corpo ¢ 0 tecido social de modo a dispara- rem violéncia contra as loucas. Aos perigos envolvidos no processo de desorganizacao do corpo a partir de seu ponto de subjetivagao as loucas se lancam com seu orgulho de rabo. Assim, Perlongher repete Sartre: “a ‘mesma turgéncia que sente o macho com o endurecimento progtessivo de seu miisculo, a sentira Genet como a abertura de uma flor” (PER- LONGHER. 2013, p.49). ‘A presenca do pensamento de Deleuze ¢ Guattari é fundamental no processo de producio de Perlongher, quanto a isso nfo ha desacor- do, porém, hé desacordo quanto ao peso dessa presenca: assim, Horacio Gonzales, nas Jornadas Perlongher, na mesa intitulada efeitos filoséfi- cos ¢ epistemolégicos, recordou Néstor como “Alguém que lia Deleuze ¢ dava aulas de antropologia”, Jodo Silvério Trevisan, por sua vez, em Por onde andou Perlongher, o caracterizou como um “fandtico da dupla Deleuze e Guattari” (TREVISAN. 2002. p.145). Primeiro tratemos do ponto em que nao ha desacordo, Perlongher {oi leitor de Deleuze Guattari, isso o situa dentro da antropologia. Viveiros de Castro, em Fi- liagao Intensiva e Alianga Demoniaca, a respeito da relevancia da obra de Deleuze e Guattari, escreveu que esta “é no mfnimo tao grande quanto a de pensadores como Michel Foucault ¢ Jacques Derrida, cujos tra- balhos j4 foram extensivamente absorvidos (ainda que mal-entendidos) pelo que poderfamos chamar de contracorrentes dominantes do pensa- mento social contempordneo, na Antropologia inclusive” (VIVEIROS DE CATRO.2007, p.92). Ainda conforme Castro, a obra de Deleuze e Guattari foi importante para as “miltiplas politicas contraculturais que emergiam de 68, pela arte experimental e pelos movimentos de mino- rias, em particular por algumas correntes do mais importante de todos eles, o feminismo”, a novidade da filosofia de Deleuze “foi incorporada ao repertério conceitual de novos projetos estratégicos de antropologia simétrico-reflexiva” e “reivindicada por algumas disquisigSes influentes sobre dindmicas do capitalismo tardio”. Porém, so raras as utilizagdes de conceitos deleuzianos na antropologia clissica, “ao contririo do que poderia ser” (VIVEIROS DE CATRO.2007, p.93). Por outro lado, aponta o perspectivista amaz6nico, “o trabalho de alguns dos antrop6- Jogos mais inovadores nas tiltimas décadas, como Roy Wagner, Marilyn Didlogos Sobre GineroeSexualidade 63 Strathern ou Bruno Latour, mostra conexdes sugestivas, que ainda ndo creio tenham sido registradas, com as ideias de Deleuze; conexdes que ainda nao foram, sobretudo, conectadas entre si” (VIVEIROS DE CA- ‘TRO.2007, p.93-4). Perlongher, certamente pode ser incluido entre 0 0] dos antropélogos citados por Viveiros, isso ndo significa, entretanto, que possamos reduzi-lo a simples leitor de Deleuze, ele tinha suas criti- as ao filésofo e, de sua filosofia, fez uma leitura criativa, Nao se trata de leitura interpretativa, mas produtiva e experimental. Deleuze concebeu “a histéria da filosofia como uma espécie de enrabada, ou, o que d4 no mesmo, de imaculada concepgao” (DELEU- ZE. 2010, p.14), 0 filésofo se imaginava “chegando pelas costas do autor ¢ lhe fazendo um filho, que seria seu, ¢, no entanto, seria monstruo- so” (Idem, ibidem.). Somente com Nietzsche 0 procedimento nio se efetuou, impossivel submeté-lo a este tratamento, “Filhos pelas costas € ele quem faz” (Idem, ibidem.). E na relagdo da analidade com pro- dugio do pensamento que podemos encontrar um dos elementos que ndo tornam Perlongher um fandtico ou mesmo um simples leitor de Deleuze, enquanto este tiltimo penetra, o primeiro se deixa penetrar. Se o nus é pensado por Deleuze ¢ Guattari como o primeiro érgio a ser privatizado, Perlongher tornaré o pensamento uma poténcia anal, é ele que engravida desses anjos barrocos negros que slo seus conceitos®. Por outras palavras, estamos a nos perguntar sobre como produzir um con- ceito pelas costas, a experiéncia que Deleuze teve somente com a obra de Nietzsche nos parece constitutiva do processo de criago conceitual de Perlongher quando pensa o Santo Daime. Cada vez mais metido no Daime A Perlognher interessou processo de expansio ¢ urbanizagao do Santo Daime, religiio cujas raizes remontam a década de 1930 ¢ & flo- resta amaz6nica, especialmente a fronteira brasileira demarcada pelo Acre e Bolivia. Consta que no Maranhio vive um homem negro, filho ee ee eg qu cfrne cil princi ovo ware cheese fe enfrsedo om s Falsra Nene esd, Guy Honcqunphen thd como ois pin aed ce oaseainn {nc no fcc ldo ate nn movmeno de prea, Hosen ¢Peengher bce Icera do ins a flosofa de Delewze e Gaara, seria increant fier ua arog do ows pari ds lint rues eos ates JO Ans Epo (64 Ana Maria Gomes, Aparecdo Francisco dos Reis, Vivian da Veiga Siva (orgs) de pessos que, dep« antes de busca da radia, Ihe deménio direito, s bida e pa to Irineu vinham % que, sen (CENA tros com neu Sen Banister capi, k palavra ou enrec “liana di das alm: pouces | beleceu somente construc escravizadas, chamado Raimundo Irineu Serra (1890-1971) is de ouvir de seu tio sobre a necessidade de viajar pelo mundo se casar, foi - levado pelo fluxo econémico da borracha - em da sorte no Acre. Ant6nio Costa, amigo com quem dividiu mo- The falou de uma bebida consumida pelos indios para invocar 0 i, Irineu ficou interessado, pois jé estava cansado de fazer tudo o, servir a Deus ¢ nada receber. Os dois amigos foram atrés da be- ‘¢ participaram do ritual, porém, duas coisas aconteceram, enquan- ineu chamava pelo deménio somente a imagem de crucifixos Ihe am A mente, ao passo que seu amigo conversou com uma senhora sentada na lua, Ihe disse que da préxima vez iria falar com Irineu NASCIMENTO. 2005, p.33). Depois de um proceso de encon- com a Santa Clara (Virgem da conceigao, Rainha da Floresta)’ Iri- Serra assumiu a tarefa de produzir a bebida feita a partir do cip6 isteriopsis Caapi e da folha Psychotria viridis, conhecida como Yagé, pi, kahi, natema, pinde ¢ vegetal, outros nomes para Ayahuasca, a quichua que pode ser traduzida como “corda dos enforcados enredadeira de almas” (SCHULTTES; HOFMANN. 2000, p.124), das almas ou cipé das almas” (CARNEIRO. 2005, p.111) “vinho almas ou vinho dos mortos” (PERLONGHER.2013, p. 203). Aos ucos Raimundo Irineu Serra, conhecido como Mestre Irineu, esta- eu os elementos da doutrina do Santo Daime, contribuindo nao mente para aumentar a lista de nomes dados a bebida’, mas para a ido de uma nova forma de sua ritualizagao. Tepca do celica de Mase cs don svg eye como strand de aids eas Morera MacRae arediam quilt de conto com cultura vegeta tena fmentdo ooo- i): Provarincas nny de den o qe invceram mt cetmoaias passa erm emidaes ou ingens, desconhects por rine ese clear (MOREIRA, P: MARAE, E201], $8). Est cgucm osotes modo mci ue ines pana scone men asst (em, dem) dass nomes Mestre rnc tibia vcioroucrors ens esa dindade Morea e MacRae em Ea Venho Tonge mest anc ces companhsiroycocraran go "omportant destas nominee ds Mes emprepaa no proces de enificae, iso grat ocr cambiat esimblico dos sigasados Tao sigan” (CE MOREIRA, P: MACRAE. E2011 p.122) TO mpuivo “dare” foi ubwaninado por Mee Irines para dar novo nome a bia qu le, proven la compels car, orca Mace spect Jol elas aes cg doe, no deD. Pela or lnk de new se Dime o nome debian de Franco Grane a crigem do nome ap: ome send dala pr nes (CE MOREIRA, P; MACRAF, F201, p01). Os anne endica 1 de rin dos terme aces por vcs indore meson como tm exorgo no proceso deconsroo de Idendad pac con posive coe dum dejo dear conoraesejoratas abla aclerientos ers acing digs shel” (MOREIRA, P; MACRAE £2011 p01) aver ques bjs de perl conzaram os ago do cig penal vig Asim, puss dee ys pre aC orate (oes) arf, de Marr (oc) pus agbee de mec ou chacons afl) pra Trinh ests modangas contin or bore, "dva mals esperabldade proceso a propo de Antonio Cosa e Tiney” (MOREIRA, P, MACRAE,E.2011, 102), Didlogos Sobre Ganeroe Sexualidade 65 as costas om pro- atos que eitor de etrar. Se do a ser al, é ele tos*. Por im con- na obra neeitual de pessoas escravizadas, chamado Raimundo Irineu Serra (1890-1971) que, depois de ouvir de seu tio sobre a necessidade de viajar pelo mundo antes de se casar, foi - levado pelo fluxo econémico da borracha - em busca da sorte no Acre. Anténio Costa, amigo com quem dividiu mo- radia, lhe falou de uma bebida consumida pelos indios para invocar 0 deménio’, Irineu ficou intéressado, pois ja estava cansado de fazer tudo direito, servir a Deus e nada receber. Os dois amigos foram atrés da be- bida e participaram do ritual, porém, duas coisas aconteceram, enquan- to Irineu chamava pelo deménio somente a imagem de crucifixos The vinham mente, ao passo que seu amigo conversou com uma senhora que, sentada na lua, Ihe disse que da proxima ver iria falar com Irineu (CE NASCIMENTO. 2005, p.33). Depois de um processo de encon- tros com a Santa Clara (Virgem da conceigio, Rainha da Floresta)’ Iri- neu Serra assumiu a tarefa de produzir a bebida feita a partir do cipé Banisteriopsis Caapi e da folha Psychotria viridis, conhecida como Yagé, caapi, kahi, natema, pinde e vegetal, outros nomes para Ayahuasca, palavra quichua que pode ser traduzida como “corda dos enforcados ou enredadeira de almas” (SCHULTTES; HOFMANN. 2000, p.124), “liana das almas ou cipé das almas” (CARNEIRO. 2005, p.111) “vinho das almas ou vinho dos mortos” (PERLONGHER.2013, p. 203). Aos poucos Raimundo Irineu Serra, conhecido como Mestre Irineu, est2- beleceu os elementos da doutrina do Santo Daime, contribuindo no somente para aumentar a lista de nomes dados a bebida’, mas para a construgio de uma nova forma de sua ritualizagao. ‘7 ropaia dh eendinno de Mew nu dos os ects dan como stand decider enon Mon Maca acean ques se econo cn ego mend pon {Str (-)Prevrimere anv de "ent o ue nrocram ces banca nes ‘Shoda culmea docu pores co gs’ QUOREIRA, Pe MACRAE-E 2011 p88) Ene pomum.squem ef tren odors mala qu bines pa conbecr mar osmanen (fm ie. J xen deve nome Mote inc atu ios outer cna drinde More Mace. emEaVenbo 2 leagerna Une seu companion ccs gus impor dee engin cede a hogs cpr no poe cir in prone cots ane canis Sve dp npcan”(CEMOREIRA P MACHAE E01, p23) 0 mp “atme labman pr Mere Kine par dt ovo ome bia ql, proven Scat coeupede cue, Mow acho spam do rlacr esos dome to deD. Recs ‘Sheree Runa desea su Duimeo ne taj node ancic Geog So noes trecon co das poring (Ce MOREA; MACRAE. 201, p.01) Os srs een oso de ‘omy do temo los por geist indn ene ono uno proce deconst de ‘aside pps eno ponte hen um dj dear conse pra abolara comer ‘ut voc egos ins ecaboca (MOREIRA. P.MACRAE-E 2011 plO)j-mevergeess (iam cj depen comms nox wig do dio pral ipe Ari ure dee piss pers ‘Eine ds borthea ott) pur afl de Man (op prs ogc ee mx on chaos le) part ‘inh’ eas mudangas cootincam of aatores “va mais espetablidadee roteyo a grupo de Antonio Coma naa? (MOREIRA, MACRAE. E2011, p02). Didlogos Sobre GénaroeSexualidade 65 O Santo Daime, a partir do final da década de 80, comegow a fa- zer um movimento de expanso para os grandes centros urbanos, atual- mente encontram-se igrejas do Santo Daime nos mais diferentes locais do pafs e do mundo. Ato continuo a morte de Mestre Irineu algumas Jinhas passaram a existir, uma delas €a CEFLURIS, linha do Padrinho Sebastio, possivelmente em 1986, juntamente como antropélogo Ma- cRae, Perlongher foi ao Centro Eclético de Fluente Luz Universal Flor das Aguas, igreja da linha do Padrinho Sebastido, com a finalidade de beber, pela primeira vez, Daime’-Da seguinte maneira ele descreve um dos rituais em que participou: Estamos em uma ceriménia de ingestao de ayahuasca, realizada em uma “igreja” do Santo Daime. Os participantes da ceriménia ~ homens de um lado, mulheres de outro, ataviados austeramente: camisa branca ¢ ‘alga azul, para os primeiros; camisae saia das mesmas cores para elas; para a ceriménia da coincidentes com datas religiosas ou onomésticas, ‘© uniforme ¢ branco com cintas verdes ¢ elas luzem coroas; uma estrela de seis pontas, com uma éguia ¢ uma lua gravadas, orna o peito dos fardados (“Uniformizados’, ou sea, iniciados) ~ se disp6e em forma de Lem tomo de uma mesa de onde cintilam velase pedras transparentes «em brancura de mantel bordado: no centro, ergue-se imponente a Cruz de Caravaca (duas madeiras horizontais,simbolizando a segunda vinda de Cristo & terra) (PERLONGHER. 2013, p211) Em carta data de 03 de janeiro de 1989 ¢ enderegada a Sara, Nés- tor discorreu sobre a apatia e impaciéncia que sentia e contou A amiga que, naquele periodo, “Io tinico interesante son las sesiones quincenales del Santo Daime, aunque los viajes son irregulares, de vez en cuando sobreviene la peia (el malestar, la experiencia de muerte). Y tanta reli- giosidad es como un terremoto en la cabeza” (PERLONGHER. 2016, p. 113). A irregularidade das viagens é uma das marcas da experiéncia com a ayahuasca, ora acontecem viagens fantésticas chamadas pelos adeptos de miragées, ora pode acontecer uma peia, uma experiéncia entendida como sofrida e de aprendizado, importa observar que num mesmo ¢ tinico ritual cada um dos participantes pode ter as duas expe- rigneias, sendo que a peia pode ser entendida como espécie de miracao 5, Ofialmente Randa em 198 Ira Hor das Aguas de to Paulo fo cleo de “inure dere grea is como: Cé.da Val, Cs da Lua hein, Céu da Nova Era, Cade Mati (Cthe//afariaaramidam.org/os 8+ los. de_jramida/genalogi hom). A joa pelo que conta Brig, Peonghcr,prvarimence, fenton 8 Iga Flr das Aguas ances d sua nda oc (BAIGORIUA, p21 Apad FLORES. 2.2), (66 Ana Maria Gomes, Aparecdo Francisco dos Res, Vivian da Veiga Siva (ores) com alg escrevet viard ur consegu “noveds nia fue GHER. talhdo ¢ dos trab A Revista ga ou d tabelge Ele se ¢ estar in que enj do “car Santo | da pod qual, e« a daresp © camy que nu que de de inte o sentir movim respost em seu to, Per visoriat (PERL del pey “deseri de pro perceb com algum grau de sofrimento. Em marco do mesmo ano Perlongher escreveu novamente & amiga a respeito do Daime: promete que Ihe en- viard um livro sobre a religido da ayahuasca ¢ observa a dificuldade de conseguir participar num ritual na unio do vegetal, por fim, conta uma “novedad: con Lutizmar nos “fardamos” en el Daime, pero la ceremo- nia fue mAs triste que lo deseado, por anemia glucémica” (PERLON- GHER, 2016, p.117). Por palavras diversas, Perlongher ingressou no ba- talhao da Rainha, passou a utilizar as roupas designadas para cada um dos trabalhos de Santo Daime. Ainda em 1989, respondendo a um conjunto de questées para Revista Babel, Perlongher se viu diante da questéo referente & sua cren- ga ou descrenga em Deus, sua resposta é titil para entendermos o es- tabelecimento de um vinculo oficial com a doutrina de Juramidam. Ele se assume ateu em rela¢do a0 monotefsmo judaico-cristio e afirma estar impressionado com “os paganismos mais ou menos sincréticos” que encontrou desde sua chegada ao Brasil em 1982, como é 0 caso do “candomblé de estirpe africana, ¢, mais recentemente, a religidio do Santo Daime, de origem amazénica, que sacraliza a experimentagao. da poderosa ayahuasca (ou yagé)” (PERLONGHER. 2001, p.103), a qual, continua Perlongher, proporciona “um acesso direto A experiéncia divina” (PERLONGHER. 2001, p.104). Importa observar o movimento da resposta, desloca-se a questo do campo da crenga em um Deus para © campo do pensamento na multiplicidade: “Ocorre-me pensar, mais que num Deus, numa multiplicidade proliferante de entidades divinas que denominam, por assim dizer, estados intensivos, sinais de transito de intensidades” (PERLONGHER. 2001, p.104); do pensamento para © sentimento: “O que se sente, sim, € que existe uma forga extatica no movimento” (PERLONGHER. 2001, p.104). No mesmo conjunto de tespostas 4s 69 questdes jd € possivel perceber a presenga da ayahuasca em seu trabalho, assim, sobre o que estava escrevendo naquele momen- to, Perlongher respondeu: “uma série de poemas curtos intitulados pro- visoriamente de “Yagé”, “inspirados” na experiéncia do Santo Daime” (PERLONGHER. 2001, p.22); devedores, observa ele, dos Cuadernos del peyote, de Carlos Ricardo, porém, completa, nao ha neles intengao “deseritiva’, mas “sensitiva’ (Idem, ibidem). Essa telacdo de produgdo de producdo que atua no meio de Perlongher e o Santo Daime pode ser percebida também numa carta escrita & Sara com data de 08 de agosto Didlogos Sobre GéneroeSerualidade 67 de 89 na qual ele conta a amiga que estd prestes a fazer duas viagens, uma a Franga por ocasido de um bolsa de pesquisa, mas antes, observa: [..] me voy al Acre con Luizmar, ereo, alrededor del 24 de agosto y an- tes del 15 de setiembre, para visitar el Céu de Mapid, consegu‘ un pasaje via Universidad. Estoy cada vez mds metido en el Santo Daime. Recibo hhimnos. ¥ en principio estoy bien, esctibiendo (poesia, logré preparar parte dela antologfa de poesia neobarroca a salir en Brasil) (PERLON- GHER. 2016, p.121). Dois meses depois, do Acre, no dia 08 de setembro de 1989, Per- Jongher novamente escreveu a Sara e contou que, no caos da partida, antes de viajar, consultou uma mae de santo do candomblé pata saber se ‘os deuses eram favordveis a sua viagem a cidade Luz, Paris, o restante da carta se dedica a viagem em busca, junto aos “campesinos metafisicos”, do entendimento do império do Daime. Além de ter ido a Colénia Cin- co Mil, Perlgonher também conta que foi a uma igreja chamada Anajai “a la orilla del gigantesco Rio Purus, entre drboles ventosos, fascinante, se llega por canoa también” (PRELONGHER. 2016, p. 124). O custo, 0 f- nanciamento da UNICAMP, o transporte, 0 caminho, as dificuldades, a falta de 4gua limpa, de luz e banho, as tripas soltas por causa do Daime, as mil coisas que necessitou levar para a viagem na floresta amaz6nica, nada disso escapa a Perlongher. Na viagem ao Acre, Perlongher experimentou dois tipos de rituais, porém, por mais que tenha prometido ser “detalhado”, s6 nomeou um. deles: participou de um feitio — ritual de produgao da bebida. Este tipo de ritual costuma durar alguns dias, homens ficam com a fungao de trabalhar com 0 Cipé e realizar a mistura final que constitui o ché do Santo Daime, as mulheres, por sua vez, trabalham a folha, a recolhem e lavam. Perlongher, na ala masculina, bateu cip6 ~ ritualizou o processo de maceragao do baniesteropis caapi ao entoar cdnticos ritmados pelas batidas compassada de marretas (dle madeira roliga) que se movimentam nas mais de bracos masculinos a comporem um movimento uniforme, Néstor, como relata na carta, ndo aguentou mais que uma hora. Mui- tas coisas precisam ser feitas em um feitio, mas trabalhar € 0 essencial, trabalhar e tomar Daime, Perlongher limpou o cip6 e mirou, o Daime foi o que contribuiu para que cle superasse as dificuldades apresentadas (68 Ana Maria Gomes, Aparecdo Francisco do Rts, Vivian da Veiga Sia (orgs) por ambi passagem que faim que imp. Ne mas link no plan¢ niza 0 €¢ mistico, nos faz. entendi tudo aq éxtasis” a antrop do Dain Dai-m “ NHER nica mi por ambiente tdo diferente dele, a este respeito, pode-se ler a seguinte passagem na carta: “Nada de lo que yo sabfa servia. Vida dura, A medida que fuimos integrandonos en los trabajos del Daime, la cosa mejor6. Lo que importa es la fuerza” (PERLONGHER. 2016, p.125). Al fin del trabajo, srvieron un daime concentrado poderosisimo, todo se volvi6 una gigantesca bola o rueda de mutaciones que se mudaban en ‘otras transformaciones, todo devenia otra cosa, la referencia inclusive egoica se perdia —ahi se vela por qué apelar a todos los dioses, por qué Jos himnos alivian. La manera de pasar ese trance dificil y maravilloso cs quedarse sentado en el Iugar, no moverse un milimetro, so pena de brotarse (PERLONGHER. 2016, p.125). Nesta miragdo relatada por Perlongher, € possivel perceber algu- mas linhas do seu interesse pela relagdo entre bebida e doutrina: a agdo no plano dos corpos e no plano de expresso que desorganiza e reorga- niza 0 corpo no processo de producdo de corpo sem 6rgos como corpo mifstico, a despersonalizagdo que nos distancia da identidade do eu e nos faz mergulhar na multiplicidade em que o outro, a vida coletiva, 6 entendida como anterior ao eu, 0 sincretismo religioso voraz, 0 éxtase ¢ tudo aquilo que ele produz: “La poesia ~ pienso ahora — es um ramo del éxtasis” (PERLONGHER. 2013, p.172). A poesia é preciso acrescentar a antropologia, a escritura de maneira geral. Sobre a viagem em busca do Daime, Perlongher finaliza a carta com um resumo: [Jel viaje vale la pena, ¢sabsolutamente necesario para entender qué BB fincso de cs el Daime, ahi se siente el proyecto de imperio, el nacimiento de un Shade imperio. Hay que ir preparado, fuerte, porque es bastante duro. Pero a tampoco imposible, uno se sorprende viendo cuin grande es la plas- * ticidad y la capacidad de adaptacién y de transformacién (PERLON- OU © processo GHER. 2016, p.125). los pelas -movimentam nto uniforme, Dai-me Daime! na hora. Mu € 0 essencial, rou, o Daime s apresentadas “O grande erro de Hitler foi nao ter destruido Paris” (PERLOG- NHER. 2001, p.83), sentencia Perlongher em Nove Meses em Paris, crO- nica montada a partir de uma conversa com Marfa Ines Aldaburu. “Na Didlogos Sobre Genero eSexuaidade 69 segunda metade de 1989, cometi o erro (a imprudéncia, fascinado, qual menina proletéria, pelas Iuzes benjaminianas das passagens de Lutéce) de aceitar, apés duro tramite, uma bolsa em Paris” (PERLONGHER. 2001, p.83). A crOnica trata dos dissabores da viagem, do seu insensato deslocamento e dos infortiinios da estada em Paris. A roupa, os intelec- tuais, a guerra racial, os mais variados comportamentos franceses fun- cionam como a ocasiio do exercicio de uma perspectiva minoritéria. Qual Paris Perlongher lamentava nao ter sido destruida? A Paris que expe no Louvre como propriedade sua os saques culturais que realizou ao longo de sua hist6ria, a Paris que discrimina drabes. “Kis a grande li- do de Paris: a gente aprende a distinguir num instante um érabe de um berbere” (PERLOGNHER, 2001, p, 86). Quando examina a intelectu- alidade francesa, representada nas figuras de Deleuze, Foucault, Guat- tari, Baudrillard, Michel Maffesoli, Perlongher nao perdoa nenhum, a0 tiltimo deles, para se ter uma ideia, ele chama de “palhago das massas que, para cada duas ou trés que acerta, manda fora 40 abacaxis” (PER- LONGHER. 2001, p.85). Dente eles, Deleuze é figura de destaque: Deleuze, de longe o melhor dees, é absolutamente inabordavel. Apo- sentado pela universidade, ¢ um sujeito completamente dspero que fa, de caso pensado, politica de causar rejcigio, Tem unhas compridas ‘como gutras, prontas para arranhar até o dilaceramento quem fica sob sua mira e, dizem, zanza feito um autista pelo labirinto do metr6, como um yeti pelas cavernas himalaias (PERLONGHER. 2001, p.85-6). A falta de reconhecimento de Deleuze entre os franceses também € observada por Perlongher: “Ei isto que acontece conosco, este € nosso erro: ficamos fascinados por personagens que, na Franca, sfo absoluta- mente marginais, caem de pau neles. Os que nos agradam, na Franga, So 0s acabados, os que eles destrufram, perseguiram, espancaram até a crucificagao” (PERLONGHER 2001, p 86). A menor popularidade de Deleuze relativamente a Foucault é explicada por ele com recurso aos dois volumes de Capitalismo e Esquizofienia: Anti-Edipo e Mil Platés. Os franceses, no dizer de Perlongher, execraram gencralizadamente 0 Anti-Edipo, no conseguiram perdoar o livro. Maio de 68, ano que mar- ca oacontecimento no qual os dois livros se inscrevem, é ignorado pelos franceses do mesmo como se um argentino esquecesse de 1945, 0 tinico 70 Ana Maria Gomes, Aparecdo Francisco do Res, Vivian da Veiga Siva (orgs) que se Perlon mes incom modo repetin contin GHEE tudo i Ainda se deiy mente aende livro, territo anos § dos ac contr brevis prime vincu GHE diante p. 89 de D acont como trabal lo, qual Lutéce) GHER. ‘insensato intelec- s fun- e realizou grande li- be de um intelectu- alt, Guat- phum, a0 as massas is” (PER- staque: vel. Apo- ispero que compridas zm fica sob cx, como * 85-6). também e € nosso absoluta- 1 Franca, ram até a idade de curso aos il Platés. mente 0 gue mar- ado pelos , 0tinico que se lembrava de 68 era Guattari, por isso mesmo objeto de piada. Perlongher nao fala no Santo Daime em 9 meses em Paris, embora, no mesmo perfodo, nas cartas a Sara Torres a pergunta “e o Daime?” niio 6 incomum. Na crénica, a ideia de religido aparece na eritica que dirige ao modo como “umas feministas antigas, sobrevivente da Atkisons! Vivem repetindo formulas ja vazias a titulo de evocacao. Nesta altura do século continuam dizendo que a teligido é uma reterritorializagdo” (PERLON- GHER. Evita. p.88). Na religiio do Santo Daime Perlongher, a0 que tudo indica, haveria encontrado a possibilidade de desterritorializacao, Ainda na crOnica, aos autores de Mil Platés Perlongher reprova terem se deixado perder por tudo aquilo que é némade e vagabundo, ironica- mente a critica que ele dirige as feministas € inversamente proporcional a enderegada ao segundo volume de Capitalismo e Esquizofrenia, neste livro, conforme o poeta do éxtase, Deleuze e Guattari “se jogam na des- tertitorializacdo as cegas” (PERLONGHER. 2001, p.89). Publicado nos anos 80, Mil Platés, na leitura de Perlongher, ndo consegue dar conta dos acontecimentos [.-] da épocasinistra etenebrosa dos 90, toda essa onda de alternativo, Psicodclismo, loucura, enfim, tudo isso acabou, o feminismo, 0 movi- ‘mento gay, tudo isso foi destruido e rebentos horrorosos estalaram nas uas,com a herofna substituindo o LSD. Uma coisa reles vil: querem se matar” (PERLONGHER. 2001, p. 89) Na Franga dos 90, seguindo a leitura de Perlongher, “tudo se re- contracaracterizou” (RERLONGHER. 2001, p. 89), mesmo para 0 “so- brevivente do fumo, s6 resta o isolamento mais extremo e nauseante. 0 primeiro baseado os precipita na mais 4spera marginalidade. Todos os vinculos entre o marginal e a sociedade foram destruidos” (PERLON- GHER. 2001, p.89). Se, por um lado, Perlongher conclui que Deleuze, diante deste quadro, “estoicamente, batalha” (PERLONGHER. 2001, P. 89); por outro, no computo geral da critica, constata que a filosofia de Deleuze ¢ Guattari ndo d4 conta da realidade que se inaugura, 0 acontecimento dos anos 90 lhes escaparia, A bolsa de doutoramento, conseguida apés duro tramite, tinha ‘como finalidade amparar uma pesquisa sobre o Santo Daime, enquanto trabalhava neste projeto, a Revista Societés, em setembro de 1990, pu- Dislogos Sobre GdneroeSexulidade 71 blicou La force de la forme: Notes sur la religion du Santo Daime, artigo seminal do qual resultaré uma versio mais ampla sob titulo “La religién de la ayahuasca”, publicada em 1997 em Prosa Plebeya, livro organiza- do por Osvaldo Baigorria e Christian Ferrer, que retine, como o proprio tttulo indica, a prosa perlongheana . Para Perlongher a ayahuasca nfo € da religido, mas a religido é da ayahuasca, eis a hipétese: “(...) haveria no Santo Daime um fundo xaménico “recoberto” por uma forma reli- giosa” (PERLONGHER. 2013,p.223). Perlongher toma emprestado de Jean-Pierre Chaumeil, que investigou os Yagua do Nordeste Peruano os usos xaménicos da ayahuasca, a ideia do xamanismo como facilitador “da incorporacao progressiva de novos modelos (...) nos quadros conceituais tradicionais” (PERLONGHER. 2013, p.213), como “um sistema em per- petua adaptacdo com a realidade vivida” (PERLONGHER. 2013,p.213). Perlongher nao ignora as linhas dominantes, porém, no trabalho em ques- tdo, explora, especialmente, a experiéncia da multiplicidade no movimen- to de constititigao do real que se produz. na relagdo entre forca e forma. Para chegar a formulagao das ideias de forca e forma, em La religién de la ayahuasca, ele lanca mao de conceitos assinados por Deleuze e Guattari, a propria compreensio da ideia de droga é construfda em relagao com 0 pensamento de Guattari, para o qual, haveria dois tipos de uso da droga: um uso solitério, préprio ao capitalismo, e outro coletivo, proprio do xa- manismo. Perlongher situa seu interesse em pensar o Santo Daime no modo como se articula “uma ritualizagao moderna com um uso de plan- tas de poder tomado como primitivo e tradicional” (PERLONGHER. 2013, p.214), essa articulagao funcionaria como elemento que tora pos- sivel ao Santo Daime, dentro da panoramica do tratamento dispensado as drogas no interior das sociedades modernas, rasgar, “com a firmeza da f6 divina, 0 s6rdido circuito da droga”. Essa experiéncia também serve, na 6tica de Perlongher, para “iluminar um elemento extatico presente, ainda que borrado, na cultura da droga” (PERLONGHER. 2013,p.214) O antropélogo nao ignora a existéncia de outras religiGes que também fazem uso de substéncia psicoativas, porém a doutrina do Santo Daime o impressiona pela avidez sincrética, mais simultdnea que hierdrquica, pelo ecletismo, pela negagdo do principio de identidade, pela multiplicidade, pela plasticidade proliferante, pelo comunitarismo ¢ pela capacidade de ctiagio de sentido. A diferenga entre experiéncia e doutrina, construida a partir de 72 Ana Maria Gomes, Apareido Francisco dos els, Vivian da Veiga Silva (orgs) averia a reli- do de oe os or “da ques- imen- orma. ide la attari, om 0 droga: do xa- ne no plan- HER a pos- nsado za da serve, sente, 214) nbém ime o pelo dade, de de tir de uma leitura do San Juan de La Cruz, permitiu a Perlongher trabalhar a diferenga entre sentir e compreender para pensar a poténcia musical da doutrina do Santo Daime. Nessa religiao as crencas ndo so ape- nas a priori ideolégico, elas também tomam por “base a experiéncia da divindade, vivenciada a partir da visio propiciada pela ayahuasca” (PERLONGHER. 2013, p. 224). A doutrina presente nos hinos funcio- naria como maneira de “dar forma a experiéncia e evitar que ela caia na insensatez, acaso pavorosa, do puro drama pessoal” (PERLONGHER, 2013,224). Os efeitos produzidos pelas substincias, nesse sentido, se- riam inseparaveis de certo plano de expressio, assim, no haveria um feito puramente clinico da droga. Plano do corpos e plano de expresso, conceitos de Deleuze ¢ Guattari, servem a Perlongher para distinguir 0s efeitos visuais, corporais, puramente fisicos ocasionados pela bebida, daqueles produizidos pelos hinos e rituais. O plano dos corpos € 0 plano da “experiéncia do corpo, no corpo, com o corpo, nesse sentido dionist- aco” (PERLONGHER. 2013, p. 225), 0 plano de expresso, por sua vez, relaciona-se a tudo que se refere a doutrina de Juramidam. Entre ambos os planos, ha relagdo de pressuposigao recfproca, um no determina o outro, mas pressupdem-se_ simultaneamente com autonomia relativa. A incapacidade para construir um plano de expressio auténomo funcionaria, para Perlongher, como critério para distinguir um uso descendente de um uso ascendente da drogal0. A experiencia selvagem, desprovida de ritual e da dimensao do sagrado, correria 0 risco de cair num “caos trégico”, numa “voragem de destrui- cio e autodestruigio”, o éxtase acabaria funcionando como destruidor do corpo fisico, por mais que este uso nao perca “sua condigdo de agen- ciamento coletivo”, “cada um continua no infemo de sua prépria de- pendéncia solitéria”, niilista. “Assim, a medida em que nao articulam o balbuciar de suas marginalidades de uma forma eficiente se deforma a experiéncia, se Ihes endurece ou Ihes esfria a alma, e so vitimas fé- ceis das maquinas sociais de disciplinamento” (PERLONGHER. 2013, .226). Os mecanismos que essas maquinas colocam em operagio, observa Perlongher, “parecem tomar forma de um dispositivo andlogo em seu funcionamento ao da sexualidade enunciado por Foucault, que também produz efeitos de proliferacdo sob a forma de uma loquaz inter- 10, Una era nara sobre a nogo de “oo sucendentc” “wo descends” enontaseno excelente ess Az Jan Suzano a aber Hansa undona como sucola de Kian (CEPERLONGHER. 2010, p.277-321) Ditlogos Sobre Genero Sexulidade 73 digo” (PERLONGHER. 2013, p. 226). A experiéncia do Daime ao instituir um plano de expressiio au- ténomo, que tora a experiéncia do éxtase uma saida de si que ndo tem como retomo um individuo isolado, conseguiria, € 0 que podemos supor, fazer frente ao dispositivo da droga, suas maquinas e mecanismo de disciplinamento. Os conceitos emprestados de Mil Platés logo so abandonados sob a alegacdo de que s6 serviram para colocar a questio em termos de forca e forma. A primeira lida em termos do axé do can- domblé ¢ da ideia nietzschiana de Dionisio, a segunda, por sua vez, lida numa relacdo com 0 apolineo. ‘Tanto no uso desritualizado da droga quanto no ritualizado hé uma experiéneia comum, é aquela que se passa no corpo, 0 encontro das forcas que ganham forma posteriormente a0 éatase. O dionisfaco, no caso do Santo Daime, nao se aproximaria do sentido de um carnaval pagio ¢ sim com “a ruptura com o princfpio de individuacao e a fusio das individualidades em um sentido mistico de unidade com o cosmos, com a natureza, com os outros homens, em lugar da autoconsciéncia individualista, o éxtase coletivo” (PERLON- GHER. 2013,p.228). Esse distanciamento do dionisfaco em seu senti- do carnavalesco encontra-se na prépria compreensao do Santo Daime no que se refere A sexualidade, esta é vista como um impeditivo para “ascensdo a um plano astral”, trata-se, para Perlongher, menos de uma proibigdo moral e mais de uma “economia de forcas”, para explicar a tensio entre o dionisfaco e o apolinio ele recorre a terminologia de Ma- ffesoli e sugere que a resolugio para a tensdo se resolveria numa espécie de harmonia conflitual. Nesse sentido, Perlongher vé no crescimento do culto da ayahuasea entre os setores da dita vanguarda o “indicio de um processo mais vasto de converso das velhas buscas de éxtase no sexo € na droga desritualizada, no acesso direto a experiéncia do sagrado atra- vés do transe corporal” (PERLONGHER. 2013, p.233) “Tecnicamente, tengo una ifeccién por el virus hiv” (PERLON- GHER. 2016, p.131), assim Perlongher escreveu a Sara em carta datada del6 de fevereiro de 1990. Em Paris cle foi a um hospital, fez o teste ¢ o resultado foi positivo. Ao mesmo tempo em que descobriu a presenca do virus em seu organismo, reconheceu estar passando por uma trans- formagao total ocasionada pelo Santo Daime, 0 tinico problema, segun- do ele, € 0 fato dessa transformacao acontecer no momento em que a enfermidade se aproximava, “me questiono”, esereve Perlongher, “tudo 74 Ana Maria Gomes, Apaeco Francisco dos Res, Vivian da Veiga Siva (orgs) o que ‘iltima engae a preok jovem entre ¢ a0 Bra cura F mesm partir ndo pe 2016, lidade sobre Coleg intitul beyas aulil de co utiliza sem 6 sagra Th Oj cond iment © que pensava ¢ escrevia e me aferro a religido do Santo Daime como tiltima salvagao” (PERLONGHER. 2016, p.132). A relagao entre a do- enga € 0 Santo Daime volta a aparecer em outra carta dirigida a Sara, a preocupagao central de Perlongher € o produto do encontro com um jovem do Daime que estava em Paris 0 advertiu da incompatibilidade entre 0 AZT ¢ o Daime, mesmo assim Perlongher anseia pelo retorno a0 Brasil, deseja fazer um trabalho de cura e tem esperangas na prépria cura por meio do Santo Daime. Em Sao Paulo Perlongher ouvir o mesmo discurso que ouvira em Paris: partir do momento em que estou tomando antibisticos me dizem que no posso tomar daime, e isso me deixou em rufnas” (PERLONGHER. 2016, p.146). Enquanto trata de pensar sobre a compatibilidade ow incompatibi- lidade entre 0 AZT11 e o Daime, Perlongher segue produzindo artigos sobre o tema. Em 1991, como produto dessas pesquisas, apresentou, no Colégio Argentino de Filosofia, na cidade de Buenos Aires, um ensaio intitulado Las formas del éxtasis,transcrito ¢ publicado no livro Prosa Ple- beya sob 0 titulo de Antropologia do éxtase. Neste tiltimo, Perlongher volta a utilizar conceitos préprios a filosofia de Deleuze ¢ Guattari. O conceito de corpo sem érgios, que os filésofos tomam emprestado de Artaud, utilizado de maneira imprevista por Perlongher que transforma o corpo sem 6rgios em um corpo mistico, o Santo Daime se apresenta como pos- sibilidade da construgao dessa zona de intensidade que se coloca contra a organizagio do organismo que distribui fungdes hierarquizadas entre 0s drgios. A sexualidade quase nao é tematizada no tratamento que Per- Iongher dispensa ao Santo Daime, gostarfamos de sugerir que 0 pequeno espaco reservado por ele ao tratamento de questdes relativas a sexualidade relaciona-se & compreensio do sexo como caminho para o éxtase, saida de si, porém, € preciso recordar que Perlongher explica o aumento da busca pelo culto do Santo Daime como indicio de uma conversao das velhas formas de busca, onde o éxtase sexual seria substitufdo pelo éxtase do sagrado. Deste perfodo também resulta o projeto de escritura de um Auto TO post Ramon Nunes allo em do um oe alta ronan sore axenic deser HIV post fro ccamumi Ayaan Em Uns Reflesiosobre HIV e Aya, to plea em 2017, cleo con oe "Mo exitem estado obo ema no Bra eno exterior ee os da sahane ote beneficiad, dow ea, cbse de bio taraento com anerrisipl zao doce, occ se combina © {rau mic coms eticin darts Ae, cone pens Mella a proc decay da condi de rope sua mins depres, linpa x emt dos preconcstonemedon mers osc Imunol (CE ep! ageciaidcom ome agp sans fem/S41) Didlogos Sabre GéneroeSexulldade 75 Sacramental do Santo Daime para o qual Perlongher conseguiu uma bolsa de pesquisa ¢ criacao da Guggenhein Foundation, de Nova lorque. Josely Vianna Baptista, convidada por Perlongher a trabalhar no referido projeto, escreveu que se tratava da [..] escritura de um auto (a partir de uma pesquisa prévia do género originadz na idade média) tendo como tema os hinos religiosos desse cculto. © poeta queria que o auto nascess bilingue, em espanhol e por- ‘tugués (.). Tenho comigo eépia do longo fragmento inicial desse auto, fem que a Ayahuasca, um ser andrégino, “fel aos claro-escuros da luta cntre 0 dia e a noite, dialoga com a luz (vestida com uma tinica “de lamé bem brilhante") ¢ com a Forga, o Vento ¢ 0s Indios, tudo sobre tum carro alegérico que consistiria em uma rampa giratéria sobre a qual correria um gongérico reio (“espejo de cristal") repleto de Arvores,cipés e flores, animais pintados de cores vivas e uma iridescente anaconda gi- gante “fechando o conjunto”[..] (PERLONGHER, p.119).. Ainda conforme Baptista, para Perlongher, “ver seu Auto do Daime - cespécie de extatica écogla dos trépicos — encenado para multiddes, segundo © rito neotribal do autentico show de rock, teria sido a gléria” (PERLON- GHER, p.119). Em 1992 a relagio de Perlongher com o Santo Daime pa- rece ter chegado ao fim, ele escreve a uma amiga contando que o Brasil esté um horror, o govemador do Acre havia sido assassinado e suspeitava-se, na ocasiao, do Santo Daime. “Falando nisso”, continua ele, “nunca mais voltei no Daime. Agora Walter € 0 padrinho, mas o grupo implodiu em vdrios fragmentos. Cada dia tomo mais consciéncia do caréter dogmético da seita’. (PERLONGHER. 2016, p.225). Infelizmente nao temos acesso a carta de rompimento com o Santo Daime que, conforme Eschavarren, Perlongher teria escrito (PERLONGHER. 2010, p.274), porém, pelo teor da carta que dispomos, nos parece seguro concluir com ele que, no caso da relagao com o Santo Daime, se passou 0 mesmo que se passava com relagdo a outros grupos dos quais Perlongher fizera parte: de cada um deles ele “saiu ejetado, seja por discrepancias te6ricas ou taticas com os membros dos grupos que uma vez. integrara fosse porque as circunstancias, ou as al- ternativas historias mudaram” (PERLONGHER. 2010, p.274).O mesmo parece valer para o caso da relacdo de Perlongher com a filosofia de Deleu- ze e Guattari, sempre uma alianga barrosa feita pelas costas, ele se deixava penetrar para produzir seu proprio pensamento, como resultado nos deixou 76 Ana Maria Gomes, Aparecido Francisco dos Reis, Vivian da Veiga Sv ongs) jiu uma Torque. referido sava com jum deles membros ou as alk O mesmo de Deleu- se deixava 305 deixou ‘uma obra capaz de revelar, entre outras coisas, o atefsmo possivel de ser ex- traido do Santo Daime, ocorre que esse atefsmo, para falar ao gosto dos eri- ticos de Espinosa, esta embebedado de Deus. No gozo do éxtase, em Deus, encontram-se 0 erdtico a religiao. No dia 26 de novembro de 1992, na cidade de Sao Paulo, Perlongher foi sepultado “em meio a uma ceriménia organizada pelos adeptos do Santo Daime” (PERLONGHER 2013, p.14). Uma ungio quase extrema Comegamos a presente investigagio com duas questdes: 0 que po- deria produzir o Santo Daime com um filésofo queer? O que um filésofo queer poderia produzir com 0 Santo Daime? Essas duas questdes, presen- tes em nosso processo investigativo como horizonte, esto atravessadas por dois discursos que encontramos pelos caminhos: o documentério da Tran- quilo Producciones, Soy lo que soy, ¢ um texto de Joao Silvério Trevisan, Por onde andou Perlongher. No documentario encontramos a imagem, construfda em menos de dois minutos, de uma relagdo quase fanatica com a religido. No caso especifico da imagem construfda no documen- tério, a0 longo do texto mostramos que Perlongher, desde 0 comego da sua relacao com o Santo Daime, deu um sentido especifico a experiéncia do divino ocasionada pela ayahuasea, jé fardado, continuava se dizendo ateu relativamente ao Deus da tradicao judaico-crist@, nfio buscava uma crenga, mas uma experiéncia na multiplicidade, nao um reforgo do eu, mas uma fuga ativa de si, 0 éxtase. Sem deixar de reconhecer as linhas do- minantes e as dogmatizagdes presentes na religido, Perlongher se interes- sava por intensificar as linhas de fuga presentes na experiéncia do Santo Daime. A droga, como ele mesmo disse, no tem um efeito puramente clinico, nos parece legitimo dizer o mesmo a respeito da religio, para um ‘bom uso é preciso construir um plano de expresso politicamente consis- tente. Em Poronde andou Perlongher, Jodo Silvério Trevisan, a respeito da telacdo de Perlongher com o Santo Daime, coloca uma questo central para pensarmos nossa problematica geral [1 por mistérios que sé a Histria explica, bandeou-se com parte do ‘grupo para o mundo alucinado do Santo Daime. Assim, homossexual iconoclasta Perlongher vomitava sacratoriamente, enquanto cantava Didlogo Sobre Genero e Sexvalidade 77 hinos religiosos, em busca de entendimento, orientado por lideres reli- siosos que odiavam homossexuais (TREVISAN. 2002, p.148). Em relagdo aos “mistérios que s6 a historia explica”, nao temos elementos para concluirmos que os lideres religiosos dos espagos frequentados por Perlongher “odiavam homossexuais”, como afirma Trevisan; porém sabemos que a organizagio do espaco religioso no San- to Daime opera uma distribuigao que repde o continuum sexo-género governado por uma ética bindria: “Os participantes da ceriménia — ho- mens de um lado, mulheres de outro, ataviados austeramente: camisa branca e calga azul, para os primeiros; camisa e saia das mesmas cores para elas” (PERLONGHER. 2013, p.211). Durante os Tituais, homens € mulheres so postos em lados opostos sob vigilancia constante, a uk trapassagem dessas fronteiras esta sujeita a sangdes que buscam repor a Propria divisao bindria; geralmente, com uma explicacao fundante que Temonta a ideia da existéncia de energias masculinas e femininas essen- ciais, universais e trans-historicas justifica-se uma divisio no plano dos compos: saias em corpos com vaginas, calgas em corpos com penis 2, a distribuigdo dentro de cada um dos lados também tem sas marcas cespectficas, além da altura como critério fisico no processo de distribui- ao dos participantes em torno da mesa dos trabalhos, critérios mor também sao colocados em operagao, assim, ser casado ou nao, ser vir. gem ou no, serio elementos determinantes do lugar do participante no espago ritualistico. Por que nada disso Perlongher coloca em questdo? Talvez a resposta para isso se encontre numa investigacao sobre os moti- vos especificos da ruptura com a religido, interessa observar que, se nos trabalhos antropoldgicos a sexualidade mal é mencionada, se os poucos hinos de Perlongher consultados por nés falam de anjinhos, na poesia € possfvel encontrar “uma coorte de errantes divindades” a proliferar. Haroldo de Campos, em Neobarroso: in memoriam, poema de- dicado a Perlongher por ocasido de seu falecimento, escreveu: “O sa- 10 Santo Daime é ja uma ~ ungdo quase extrema” (PERLONGHER. 12 Hires de eransfobia em algunas gas do Sano Dame traserual Kart Oltia por exemplo rato, emy ma csp decartabertana forma de vdeo, tr sido viens devon transi na les Chad Suns Grain Joclznda ne Macph is, conforme cle mesmo relat, uma io, pois outa grea nes lige nose, sentam o mesmo tipo de psicio fete a ransexualidade, cle, inchnn, desi cada em us des lg Che, {ped wwsyousabecomy/ wach2r=xp_vGQGxlAU)- Ket Ole inflzmene mio €uma ecco estlove woe de soe trasfobianareligo do Santo Daine, um ds pouciscpagosem que se problemas Sante Due denn, gia doFashookinclads de Madina Soper nea oni encontrar alguns rears de waa (her ‘wnftchook com speritevista/poxs/771626889517368), mas também de omporenentonncaso coma pPorexemplo,o cso du traversal Larisa Eugelmann, que tees entdade de nero repetalac piece fade ‘ual feminin da Casade Caridad Laz do Alvorecer (hus: /wwcebook com/superctevita pots! 51603 4508408942.135793 516032065076853/1235863546427031/hype= Actes) 78 Ana Maria Gomes, Apaeco Franclsco dos Rel, Vivian da Veig Siva (org) 2001, © poet como re um O qua Perlon inteng: pensar tensa, | -Hung sugerit (PERL poentia ta, a pe nas triy “transf Referi NASCI Fundag PELUC ‘o queer temos ‘espacos afirma no San- co-genero nia — ho- e: camisa nas cores , homens nte, a ul- mn repor a lante que las essen- jlano dos pénis12, is marcas distribui- 9s morais 9, ser vir- pante no questo? = 0s moti- le, se nos s poucos na poesia liferar. ema de- a: “O sa- NGHER. ey sinc Germain =e = igs he pen Dain cua obi (ep? ison cone, pee fad rn SIDS 2001, p.107). Nao fosse o quase entre as palavras “ungio” e “extrema” © poema teria selado 0 entendimento do final da vida de Perlongher como periodo entregue a uma fé cega. Inteligentemente 0 poeta inse- re um advérbio de intensidade para modular o extremismo da ungao. O quase abre um espaco interessante no entendimento da relacdo de Perlongher com o Santo Daime que, em momento algum tivemos a intengao de fechar, no quase buscamos as linhas de intensidade de um pensamento que se deixava capturar para produzir uma fuga mais in- tensa, Echavarren, comentando o primeiro livro de Perlongher, Austria -Hungira, identifica a inquietude € radicalidade do mesmo no ato de sugerir “um masoquismo inerente a ao prOprio fato de ser penetrado” (PERLONGHER. 2001, p.110), nesse sentido ele cita o trecho de um poema de Perlongher em que o prazer é obtido de maneira imprevis- ta, a personagem do poema sente prazer com 0 movimento da stéstica nas tripas, assim, numa sem ceriménia, nos dird Echavarren, Perlongher “transformava a opressdo em gozo” (PERLONGER. 2001, p10). Referéncias CARNEIRO, R. Pequena enciclopédia da historia das drogas e bebidas. Rio de Janet Elsevier, 2003, DELEUZE, G. Conversagdes. Sao Paulo: Ed.34, 2010. GUATTARI, F; ROLNIK, S. 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Santo Anconio (CEP: 79.100470-Campo Grande -MS Fones: (67) 3362-5545 - Cel: (67) 99297-4890 ieedtors@gmailcom + wewlifeedicora.com.be Dado Inteaconi de Caslopa aPlcsto (CIP) Gomes, Ana Mara Rei, Apucedo Francisco dos Siva, Vivian da Veiga Dige Soe Gin « Sule / Ane Maia Cone, Apacs Franc dor es Ves Va Song) "Cong Coe a Editora, 2018, = = See 1p: 230n IsaNo73.9541504957 Ge 2 Sendale Talo Ui Pr pode upc en geo mcr csdncnsoa pent eviae dco Atuah pesquisas € 6s eventos n regio Sul, Sexualidade 2015, despc reunindo p realizadas, nidade aca que ora apr ra edigdo, do Sul (UF Outre tado de M: contra mull damental a tematicas d priticas ed dois miclec de reunir p movimente temiticas d ost ratorio de E e pelo Nui Grosso do | ou 2004, que duagao, te homofobia ON

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