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ARTETERAPIA: CRIATIVIDADE, ARTE E SAÚDE MENTAL COM PACIENTES


ADICTOS 1

Conference Paper · July 2008

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9 authors, including:

Ana Cláudia Afonso Valladares Ricardo Marciano dos Santos


University of Brasília Federal University of Rio de Janeiro
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Artigo: VALLADARES, A. C. A. et al. “Arteterapia: criatividade, arte e saúde mental
com pacientes adictos”. In: JORNADA GOIANA DE ARTETERAPIA, 2., 2008,
Goiânia. Anais... Goiânia: FEN/UFG/ABCA, 2008. p.69-85. Cap.9 (ISBN: 978-85-
61789-00-8).

ARTETERAPIA: CRIATIVIDADE, ARTE E SAÚDE MENTAL COM


PACIENTES ADICTOS1

Ana Cláudia Afonso Valladares2


Ana Paula Freitas Lima3
Cíntya Rocha de Oliveira Lima4
Bruna Priscila Brito Ribeiro dos Santos48
Isabela Barros de Carvalho48
Gabriela Camargo Tobias48

Resumo: A Arteterapia é um processo terapêutico predominantemente não-


verbal, por meio das artes plásticas, que acolhe o ser humano com toda sua
diversidade, complexidade, dinamicidade e o auxilia a encontrar novos
“sentidos” para sua vida do dependente químico. O trabalho objetivou
descrever e analisar as sessões de Arteterapia aplicadas aos dependentes
químicos jovens. Métodos: esta pesquisa é um relato de experiência de
atividades de Arteterapia, realizada com um total de 98 usuários adolescentes
e adultos e de ambos os sexos de um Hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO. As
análises das imagens foram baseadas no referencial teórico da Psicologia
Analítica. Compuseram o estudo 32 intervenções breves de Arteterapia
realizadas duas vezes por semana no período de agosto a dezembro de 2007.
Resultados: as sessões de Arteterapia facilitam a expressão da subjetividade
dos participantes e auxiliam, sobremaneira, tanto na auto-expressão, como na
elaboração de conteúdos internos e alívio de tensões. Permitiram, ainda, que o
criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos
e, em seguida, melhorassem a ativação e a estruturação do processo de seu
desenvolvimento interno. O processo arteterapêutico, por promover o contato
com o universo simbólico e a integração dos conteúdos psíquicos
inconscientes, ajudou no desenvolvimento evolutivo dos dependentes
químicos, o que significa dizer que possivelmente a ajudou no seu processo de
individuação. Concluindo, trabalhar a Arteterapia com dependentes químicos

1
Pesquisa inserida no Grupo de Pesquisas em Paradigmas Assistenciais em Terapias
Alternativas (NEPATA) da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás
(UFG).
2
Arteterapeuta e Enfermeira-Psiquiátrica, Profª Drª da Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG), Presidente da Associação Brasil Central de
Arteterapia (ABCA), membro do conselho diretor da UBAAT, integrante da rede PsicoArt. E-
mail: aclaudiaval@terra.com.br
3
Graduanda de Enfermagem da UFG e relatora do trabalho
4
Graduanda de Enfermagem da UFG
permite a troca com o outro que possui características semelhantes as suas e
ainda, favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados ao
próprio transtorno.

Palavras-chave: Arteterapia; Saúde Mental; Teoria Junguiana; Enfermagem


Psiquiátrica; Dependência Química; Juventude; Processo de Cuidar em Saúde
e Enfermagem.

El Arteterapia: la creatividad, el arte y la salud mental con pacientes


drogadictos

Resumen: El Arteterapia es un proceso terapéutico predominantemente no


verbal, a través de las artes plásticas, que acoge al ser humano con toda su
diversidad, complejidad, dinamismo y ayuda encontrar nuevos "sentidos" para
la vida del drogadicto. Este trabajo objetivó describir y analizar las sesiones de
Arteterapia aplicadas a los jóvenes drogadictos. Esta investigación es un relato
de la experiencia de las actividades de Arteterapia, realizadas con un total de
98 usuarios adolescentes y adultos y de ambos sexos de un hospital
psiquiátrico de Goiânia-GO, Brasil. Los análisis de las imágenes fueran
apoyadas en el referencial teórico de la Psicología Analítica. Compusieron el
estudio 32 intervenciones breves de Arteterapia realizados dos veces a la
semana en el período de agosto a diciembre de 2007. Las sesiones de
Arteterapia facilitan la expresión de la subjetividad de los participantes y los
ayudan, tanto en la autoexpresión, como en la elaboración de contenidos
internos y alivio de las tensiones. Permitieron que el creador pudiese expresar
sus sentimientos, adquirir conciencia de los mismos y, luego, mejoras en la
activación y el estructuración del su proceso de desarrollo interno. El proceso
arteterapéutico, al promocionar el contacto con el universo simbólico y la
integración de los contenidos psíquicos inconscientes, ayudó en el desarrollo
evolutivo de las personas drogadictas, logrando verbalizar y posibilitar un
acercamiento en su proceso de individualización. Concluyendo, trabajar el
Arteterapia con personas drogadictas permite el cambio con los demás
pacientes quienes poseen características similares a las suyas, favorece
compartir sus dificultades y ansiedades relacionadas con el trastorno
respectivo.
Fig.1 – Atendimento de Arteterapia com grupo de jovens dependentes
químicos hospitalizados em fase de desintoxicação, realizado em um hospital
Psiquiátrico de Goiânia/GO em 2007. Os usuários estão confeccionando
máscaras de telhas.

Introdução
A dependência química é um tema relevante, em especial, em nossa
sociedade contemporânea e envolve aspectos complexos e abrangentes. O
adolescente “busca uma identidade” que dê sentido à sua existência humana e
constantemente encontra erroneamente nas “drogas de abuso” ou substâncias
psicoativas e nos grupos marginais um grande aliado a esta busca (BAPTISTA,
2006).
Dentro da visão da Psicologia Analítica, e segundo Zoja (1992), os
adolescentes buscam nos grupos de pares “rituais de iniciação”, almejando
atingir a vida adulta e a regeneração de conteúdos psíquicos. Visto que a
estreiteza do mundo contemporânea dificulta o homem de estar mais próximo
do seu inconsciente, as drogas psicoativas representariam o amenizar inicial,
rápido e de maneira “mágica” da inserção do adolescente no grupo. O grupo
“drogadicto” por meio de rituais de iniciação cria a ilusão no adolescente da
possível transformação “mágica” de sua identidade: de criança para a vida
adulta (BAPTISTA, 2006; LESSA, 2004; ZOJA, 1992).
A expectativa do consumo inicial, que a pessoa parece buscar uma
dimensão no superior e sagrada, predomina, no plano consciente, com a
simples curiosidade de usar a droga psicoativa. Entretanto quando as
experiências do consume vão se repetindo e a vida de antes prossegue ou
ainda acentua o seu caráter profano, o usuário é obrigado a reprimir cada vez
mais profundamente a experiência arquetípica de vida – morte, que não é mais
um processo de iniciação e se torna uma repetição obsessiva e destrutiva
(LESSA, 2004).
A Arteterapia, aplicada ao dependente químico e de acordo com os
novos paradigmas de atenção em saúde mental, é um processo terapêutico
predominantemente não-verbal, por meio das artes plásticas, que acolhe o ser
humano com toda sua diversidade, complexidade, dinamicidade e o auxilia a
encontrar novos “sentidos” para sua vida, objetivando a reinserção e inclusão
social.
A Arteterapia também procura respeitar os diversos aspectos dos
usuários, como os afetivos, culturais, cognitivos, motores, sociais entre outros,
aspectos tão importantes na saúde mental (VALLADARES, 2004;
VALLADARES & CARVALHO, 2005a e b). Presume-se, então, que a análise
dos conteúdos das produções simbólicas: cores, profundidade, criatividade etc
apresenta o registro dos momentos de suas vidas (URRUTIGARAY, 2003;
2006).
Furth (2004), Leite (2002), Norgren (2004), Valladares (2004, 2005a e b) e
Valladares et al. (2000, 2002, 2004) acreditam que, tanto na arte quanto na
Arteterapia, os conteúdos do inconsciente são registrados pela produção
simbólica (imagens), pela cor, formas, movimentos, ocupação no suporte e
padrões expressivos gerais, elementos que compõem o processo de
transformação e obtêm consistência a partir da criação plástica. Assim, as
imagens produzidas pelos usuários ajudam na compreensão da trajetória
psíquica deles.
O trabalho objetivou descrever e analisar as sessões de arteterapêutico
aplicadas aos dependentes químicos jovens. As análises das imagens foram
baseadas no referencial teórico da Psicologia Analítica.

Metodologia
Esta pesquisa é um relato de experiência de atividades de Arteterapia,
realizada com um total de 98 usuários jovens de ambos os sexos de um
Hospital Psiquiátrico de Goiânia/GO.
Compuseram o estudo 32 intervenções breves de Arteterapia realizadas
duas vezes por semana, no período matutino, em ambiente inicialmente
fechado e posteriormente descontraído e junto à natureza, com participação
média de 15 usuários por sessão, em sua maioria de pessoas do sexo
masculino. O período total abrangeu os meses de agosto a dezembro de 2007.
O grupo foi formado por pessoas aquiescentes ao processo, sendo o
mesmo rotativo, pois a clientela era livre para entrar e sair do grupo e das
sessões quando quisesse.
Os pacientes apresentaram oscilação no diagnóstico clínico (OMS, 2003).
Os transtornos mentais decorrentes do uso abusivo de Substâncias Psicoativas
variaram entre as drogas: álcool, opióides, canabinóides, sedativos ou
hipnóticos, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis. Os
usuários se encontravam em fase de desintoxicação das substâncias
psicoativas e estavam internados na Ala de Dependentes Químicos de um
Hospital Psiquiátrico particular de Goiânia/GO.
O tratamento preconizado nesta Instituição aos dependentes químicos era
de 28 dias de internação, atendimento por uma equipe multiprofissional e
atividades terapêuticas diversas, além do acompanhamento familiar.
Os objetivos das intervenções de Arteterapia foram facilitar a expressão
da subjetividade dos participantes e auxiliar, tanto na auto-expressão, quanto
na elaboração de conteúdos internos, alívio de tensões, angústias, medos,
expectativas e ansiedades, bem como favorecer a integração do grupo.
Permitir, ainda, que o criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir
consciência dos mesmos e, em seguida, melhorar a ativação e a estruturação
do processo de seu desenvolvimento interno.
Resultados e Discussão
Descrição dos temas trabalhados (séries) nas sessões de Arteterapia:
A) Série Mandalas
Objetivos: A mandala tem uma dupla finalidade, o de conservar a ordem
psíquica, se ela já existe; ou de restabelecê-la, se desapareceu. Nesse último
caso, incentiva a criação do ser humano (JUNG, 2005).

Atividades desenvolvidas: Tipologia de Jung: quatro funções – quatro


elementos da Arteterapia (terra, fogo, ar e água). Utilizou-se dos seguintes
materiais: terra - colagem com areia e pedras coloridas sobre mandala de
papel. Fogo - velas e giz de cera derretidos sobre mandala de papel. Ar –
materiais gráficos coloridos (desenho) sobre modelos diversos de mandala já
pré-riscadas sobre papel. Água - pintura sobre CD.

Desenvolvimento: Elemento Ar (Desenho) – Função Pensamento.


Elemento Terra (Areia e pedras) – Função Sensação.
Elemento Água (Pintura) – Função Sentimento.
Elemento Fogo (Giz e vela)– Função Intuição.

Comentários/Análise: O desenho (Ar) permitiu o distanciamento emocional,


trabalhou a racionalidade, ajudou a organizar os fatos e as idéias. O ar é o
símbolo da liberdade, da expansão, da comunicação e da criação (CHEVALIER
& GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
A terra é firme, próximo à realidade, é um símbolo ligado às raízes e às
bases da humanidade. Possibilitou ajuda na estruturação psíquica, permitiu
percepções de sensações/fenômenos e favoreceu a imaginação criativa. A
terra é o símbolo da origem da vida, que sustenta, nutri e acolhe o ser
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991;
LEXIKON, 1994).
A água trouxe flexibilidade, abertura e envolvimento. Símbolo que trouxe a
expansão, a fluidez, o frescor e o relaxamento. Facilitou a concretização de
imagens psíquicas internas. A água é fonte de vida, centro de regenerecência e
meio de purificação (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005;
FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
O fogo permite entrar em contato mais rápido com a luz porque faz
iluminar aspectos negativos, sombrios etc. O fogo trouxe uma energia intensa e
por meio dele, os jovens drogadictos perceberam um sentido no que estavam
fazendo. O fogo é um símbolo purificador, regenerador e transformador
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991;
LEXIKON, 1994).
Esta série Mandalas possibilitou que se estimulassem as funções
psíquicas menos desenvolvidas, iluminando aspectos sombrios da psique. A
utilização dos quatro elementos na Arteterapia exerce a finalidade de revitalizar
áreas desusadas, núcleos bloqueados, recupera a possibilidade de fluxo da
energia psíquica (PHILIPPINI, 2005).

B) Série Corpo
Objetivos: Resgatar a identidade do dependente químico e preencher o vazio.
“O fato é que o auto-retrato pode ser distorcido da realidade, porque muitas
vezes tal imagem associa-se a aspectos idealizados ou patológicos que
geralmente refletem dificuldades profundas com o próprio corpo”
(VALLADARES & CARVALHO, 2005b, p.40).

Atividades desenvolvidas: Representação do próprio rosto com técnicas de


desenho e pintura em papel.
Representação do corpo inteiro com técnicas de colagem utilizando-se de
pedaços de papéis, pedras coloridas ou pingos de velas em papel e tecidos.
Representação de personagens com técnica de pintura num mural coletivo.

Desenvolvimento: Representação do próprio rosto – trabalho individual.


Representação do corpo inteiro – trabalho em grupo.
Representação de vários personagens – personagens confeccionados no início
individualmente, mas dentro de uma composição coletiva.

Comentários/Análise:
A representação do próprio rosto possibilitou “expressar o mundo interno” dos
usuários. A ação criativa revelou a riqueza inconsciente dos dependentes
químicos.
A representação do corpo inteiro foi um trabalho de juntar fragmentos (pedaços
de papel, pingos de velas ou pedras coloridas). Representou simbolicamente a
construção ou reintegração das personalidades fragmentadas e em desordem
dos adictos.
Com a representação de vários personagens permitiu-se estabelecer uma
ponte entre o intrapsíquico e o extra psíquico, possibilitou-se a percepção de si
mesmo e analisar a troca com o outro e a integração do grupo.

C) Série Hospital
Objetivo: Investigar a relação do dependente químico com o ambiente
hospitalar, seus sentimentos e necessidades, tendo em vista que o desenho
concretiza pensamentos, exercita a memória e ainda relaciona-se ao
movimento e reconhecimento do objeto, no caso, o hospital (VALLADARES,
2007).

Atividades desenvolvidas: Representação temática e projetiva do hospital


utilizando-se das técnicas de desenho ou pintura sobre tela.

Desenvolvimento: Representação plástica do hospital – trabalho individual.

Comentários/Análise:
Símbolos recorrentes:
– Lago: “É interpretado plasticamente quase sempre como um olho aberto da
terra. É visto como moradia de entidades subterrâneas, de fadas, ninfas,
espíritos das águas etc. Representa no geral o feminino ou o inconsciente”
(CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
- Casa: Local de moradia, simboliza a cena das relações intrafamiliares, desde
as mais satisfatórias até as mais frustrantes. Relações familiares – lugar onde
são buscados os afetos, a segurança e as necessidades básicas que
encontram preenchimento na vida familiar. Provoca associações referentes à
vida doméstica no passado, presente ou como gostaria que fosse no futuro ou,
ainda, uma combinação desses estágios. Auto-retrato – relações do sujeito
com a realidade e a fantasia, sobre os contatos que faz com o meio
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991;
LEXIKON, 1994).
- Árvore: símbolo da vida, sempre abundante e auto-renovadora, pode estar
simbolicamente associada ao arquétipo do Self, e pode também expressar a
imagem da própria pessoa, evidenciando o seu crescimento e
desenvolvimento, além de poder conter um aspecto maternal, provendo-nos
com sua proteção, sombra, abrigo, dando-nos frutos que alimentam,
transmitindo solidez, permanência e enraizamento estável (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; JUNG, 2005;
LEXIKON, 1994).
Atividade que favoreceu trabalhar a criação artística versus a compulsão pela
droga. A criação ampliou os horizontes dos usuários e trouxe a liberdade de
escolha que favorece mudanças.

D) Série Máscaras
Objetivo: A máscara, como o teatro, amplia conceitos, exagera fatos, amplia a
vida, mostra algo além do que aparenta (AMARAL, 1996).

Atividades desenvolvidas: Tipologia de Jung: quatro funções – quatro


elementos da Arteterapia (terra, fogo, ar e água). Utilizou-se dos seguintes
materiais: terra – pintura sobre telha de argila. Fogo - velas e giz de cera
derretidos sobre mascara de papel. Água – pintura sobre atadura gessada
tendo como molde o balão. Ar – material gráfico (desenho) sobre máscara de
papel.

Desenvolvimento: Elemento Ar (Desenho) – Função Pensamento.


Elemento Terra (Telha) – Função Sensação.
Elemento Água (Pintura) – Função Sentimento.
Elemento Fogo (Velas e Giz de cera) – Função Intuição.

Comentários/Análise:
As atividades possibilitaram trabalhar o autoconhecimento. A arte é a
linguagem da alma.
E) Série Mãos e Pés
Objetivos: Com as mãos seguramos, criamos e tocamos as outras pessoas.
Representa a realização/concretização de todos os fenômenos (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
Os pés estão associados à mobilidade, com as implicações agressivas, de
equilíbrio e autonomia (RETONDO, 2000).

Atividades desenvolvidas: Confecção das mãos na atadura gessada e pintura


sobre o gesso ou representação das mãos e pés sobre papel e posteriormente
coloridos em técnica de desenho.

Desenvolvimento: Representação de mãos e pés – trabalho individual com


auxílio das coordenadoras.

Comentários/Análise:
A mão pôde simbolizar a capacidade de influenciar o ambiente. Os usuários
puderam refletir sobre seu fazer, suas ações, sua vitalidade, seu crescimento,
sua vida e sua energia.
Os pés permitiram aos usuários refletirem sobre o contato deles com a
realidade, as atitudes de se por na vida, dando indicações de segurança, do
envolvimento no meio ambiente (a adaptabilidade).
A confecção de mãos e pés permitiu re-inventar modos de lidar com a
realidade. Pela ação criativa, pensamentos, idéias, sentimentos puderam se
materializar.

F) Série Histórias
Objetivos: As histórias procuram colocar o usuário diante de um processo que
envolve tanto a organização do real, como da sua criação, exercendo a função
ao mesmo tempo estruturante e expressiva, implicando transformação de
significados (VALLADARES, 2003).

Atividades desenvolvidas: Leitura de histórias em quadrinhos já prontas de


jornais e criação de suas próprias histórias em técnica de desenho e pintura
(carimbo) sobre papel.
Desenvolvimento: Leitura de histórias de forma coletiva ou individual e criação
de histórias pessoais de forma individual.

Comentários/Análise:
O exercício valorizou o potencial expressivo e imaginativo dos jovens em
recuperação e foi um instrumento na recuperação dos adictos e o oposto da
alienação trazida pelo uso abusivo de drogas.

F) Série Construção
Objetivos: A construção resgata a edificação, a estruturação, a organização e
a elaboração da matéria e ao mesmo tempo, simbolicamente, incitam o
indivíduo a construir sua vida pessoal (VALLADARES & NOVATO, 2001).

Atividades desenvolvidas: Construção de uma cidade com sucata.

Desenvolvimento: Cada usuário deveria construir sua própria casa e algum


elemento coletivo da cidade de forma individual. Depois coletivamente
deveriam montar a cidade com os elementos já confeccionados e criar novos
elementos, pessoas e ambientes.

Comentários/Análise:
O exercício possibilitou ao jovem dependente químico construir e transformar
na ação criativa, pois a Arteterapia é um processo alquímico e não é só uma
catarse.

A simbologia que mais esteve presente nos trabalhos foram:


- Flôr: “Símbolo da natureza efêmera da vida e da beleza, e da eterna
renovação da vida. É uma imagem do “Centro” e, portanto, uma imagem
arquetípica da alma. As flores anunciam a primavera, que revela a aceleração
do ciclo de evolução pessoal. Assinalam o cumprimento de uma meta ou tarefa
que exigiu muita dedicação” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT,
2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
- Sol: “É representado freqüentemente como personificação da luz e, por
conseguinte, ao mesmo tempo, da inteligência cósmica suprema, do calor, do
fogo e do princípio vital. Imagem simbólica da ressurreição e, de modo geral,
de cada novo começo” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005;
FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
- Pássaros: são símbolos antigos da alma humana, do elemento ar e do
processo de transformação. Os pássaros voando para cima podem representar
idéias sendo divulgadas ou trazidas à luz” (CHEVALIER & GHEERBRANT,
2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).
- O número Dois: “O dois indica tensão, separação e conflito. Ele é uma ligação
saudável que anuncia o retorno da harmonia” (CHEVALIER & GHEERBRANT,
2003; CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; LEXIKON, 1994).

As atividades mais prazerosas para os usuários, segundo relato verbal


deles foram:
- Mandalas com velas: o fogo purifica e regenera. Mensageiro entre o mundo
dos vivos e dos mortos. A vela é o símbolo da luz, da alma individualizada e da
relação entre o espírito e a matéria (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003;
CIRLOT, 2005; FINCHER, 1991; JUNG, 2005; LEXIKON, 1994).
- Máscaras de telhas: A telha ou telhado simbolizam área vital da fantasia e da
intelectualidade, os impulsos e as tentativas de controle. Refletem o grau em
que a pessoa devota seu tempo à fantasia e em que medida ela se volta para
esta área a fim de obter satisfação (RETONDO, 2000).
- Mão engessada: Representa a realização e a concretização de todos os
fenômenos (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER,
1991; LEXIKON, 1994).
- Construção da cidade: A pessoa com a vivência de construção e de
transformação sente-se apta e segura a dar forma, direção e movimento à sua
própria vida, o que se constitui não só num processo externo, mas também
interno do indivíduo (SAAD, 1998).

Ao criar e transformar materiais expressivos, os usuários puderam


vivenciar sensações, idéias, sonhos, desejos, expectativas, fantasias
relacionando-se de uma outra forma com o material e, conseqüentemente, a
atividade pode despertar neles a identificação de sentimentos, atitudes e
dificuldades que até então não eram expressos nem modificados, porque a
comunicação não-verbal fala por si só, sem necessariamente ter que ser
expresso de maneira verbal.
As sessões de Arteterapia facilitaram a expressão da subjetividade dos
participantes e auxiliaram, sobremaneira, tanto na auto-expressão, como na
elaboração de conteúdos internos e alívio de tensões. Permitiram, ainda, que o
criador pudesse expressar seus sentimentos, adquirir consciência dos mesmos
e, em seguida, melhorassem a ativação e a estruturação do processo de seu
desenvolvimento interno.
Aspectos da persona dos usuários puderam ser vistos em trabalhos feitos
durante as sessões de Arteterapia, quando eles criaram personagens fictícios
ou não e ao narrar suas histórias, o que permitiu a eles entrar em contato com
os aspectos psíquicos para serem compreendidos e transformados.
A sombra é representada pelos sentimentos negativos, como raiva,
frustração e inveja, que se acumulam no inconsciente e não são facilmente
expostos pelas pessoas em geral. Sentimentos de revolta, medo e raiva
experenciados pelos usuários, muitas vezes não podem ser aceitos pela
sociedade e expressos por eles, e se acumulam como sombras no seu
inconsciente. Oferecer oportunidades para que estes símbolos (sombras)
venham à tona por meio dos trabalhos plásticos, de maneira lúdica e que não
ameace a estrutura psíquica juvenil, favorece a sua elaboração.
A sombra normalmente está implícita e presente, ao mesmo tempo, em
qualquer trabalho artístico, o que sugere dizer que os dependentes químicos
tenham projetado em seus personagens e histórias aspectos sombrios da sua
personalidade e relacionados com seu momento de vida atual.
Na dinâmica do processo arteterapêutico, quando as imagens internas
são projetadas, elaboradas e transformadas do material plástico ao produto
expressivo final, é como se as pessoas externassem simbolicamente parte de
si, e, ao mesmo tempo, levassem as imagens e os conteúdos trabalhados
“para dentro” novamente, mas desta vez decodificados e ressignificados
(VASCONCELLOS & GIGLIO, 2006).
A Arteterapia trabalha com símbolos, que são imagens arquetípicas e
apresentam características individuais e coletivas simultâneas. Os
dependentes químicos, ao trazerem as imagens e os símbolos para o plano
material, trouxeram também conteúdos de sua história pessoal inseridos na
história coletiva da humanidade (inconsciente coletivo); assim, as significações
encontradas nas culturas, nos mitos e nas religiões, simultaneamente, faziam
ligação com a história de vida dos usuários, que expuseram cores, formas e
símbolos representativos do seu mundo subjetivo, com significados especiais
para eles naquele momento de vida, elementos que também os ligam aos
significados que estes foram tendo para a humanidade ao longo dos tempos.
O universo imagético é um recurso que permite ao inconsciente pessoal e
coletivo expressar-se, promovendo, desse modo, o fluxo de energia psíquica
por meio do eixo simbólico que liga a consciência ao inconsciente; com isso, as
vivências pessoais puderam ser elaboradas, significadas e transformadas.
Jung denomina de “função transcendente” o processo compensatório e
auto-regulador da psique, que além de promover a conexão entre opostos,
preenche a lacuna entre consciência e inconsciente. Ao trabalhar com os
usuários nas sessões de Arteterapia, percebeu-se a evolução no seu
dinamismo psíquico e a organização do seu mundo interno, ao visualizar
melhora no seu quadro emergente, e isto supõe que houve a integração
psíquica de alguns símbolos do inconsciente para o consciente deles.

“A droga seduz e convida maliciosamente para uma aventura


perigosa e excitante e na verdade conduz a um poço profundo
e negro, na maioria das vezes sem volta. A ação criativa
estimula a pulsação de vida que cada um tem dentro de si. E a
VIDA é, de fato, a maior e mais completa AÇÃO CRIATIVA”
(VIBRANOVSKI, 2002, p.140).

O processo arteterapêutico, por promover o contato com o universo


simbólico e a integração dos conteúdos psíquicos inconscientes, ajudou no
desenvolvimento evolutivo dos dependentes químicos, o que significa dizer que
possivelmente ajudaram-no no seu processo de individuação e na sua “busca
de identidade”, característica desta fase de desenvolvimento.
Ademais as sessões de Arteterapia facilitam o vínculo terapêutico positivo
entre profissionais/alunos e usuários.

Conclusões
As imagens dos usuários ao serem projetadas nas produções plásticas,
mostraram suas histórias de vida e o momento existencial deles, sinais
sugestivos ou não de fragilidade emocional como: suas angústias, medos,
objetivos, metas e planos futuros.
Concluindo, trabalhar a Arteterapia com dependentes químicos permite a
troca com o outro que possui características semelhantes às suas e ainda,
favorece o compartilhar de dificuldades e anseios relacionados à própria
dependência, podendo os personagens expressar e lidar de uma forma mais
natural com a doença.

Este trabalho pode trazer contribuições importantes para a área de saúde


mental, pois a Arteterapia é uma prática acessível ao tratamento de
dependentes químicos e pode ser um suporte importante para esta clientela,
cujos resultados vêm sendo satisfatórios. É importante também apontar que
este estudo poderá ser utilizado em contextos de Arteterapia clínica ou
institucional, tendo em vista o valor e a eficácia do trabalho arteterapêutico aqui
demonstrados.
A saúde mental vem ampliando seus conhecimentos e utilizando-se de
novas práticas na assistência a seus usuários, assim, o investimento no
trabalho e em práticas complementares e criativas, com jovens dependentes
químicos, é fator importante no novo cenário da atenção em saúde mental.
Este tipo de atendimento, no qual se incluem as sessões de Arteterapia,
permite que se valorize o potencial existente em cada ser humano, objetivando
melhorar sua saúde e qualidade de vida.

Referências
AMARAL, A. M. Teatro de formas animadas. São Paulo: Edusp, 1996.

BAPTISTA, G. C. Adolescência e drogas: a escuta dos dependentes. São


Paulo: Vetor, 2006.

CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos,


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