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16 DE ABRIL DE 2017
O que é bonito pra mim, pode não ser pra você. Por isso, a beleza é relativa. Mas não
podemos relativizá-la histórica ou culturalmente, porque se algo é bonito para cada um,
não basta a generalização do que é bonito para uma época ou para determinado
grupo. O mais certo então é acreditar na singularidade da pessoa, na intuição da
beleza, na criança quando diz espontâneamente que algo é bonito, pois é aí que nos
encontramos todos numa base comum e misteriosa. O ocidente herdou da cultura
clássica a associação da beleza à simetria. Mas as linhas irregulares da natureza, a
marca das ondas na areia, um solo de Coltrane, o skyline das montanhas, são todos
belos e assimétricos. A beleza pertence a uma ordem superior e insondável. As
imperfeições lhe são intrínsecas. O belo pressupõe o feio e o feio o belo. É a partir da
pessoa que podemos tocar o absoluto.
II
Por enquanto, tentemos entender um dos componentes da equação. Não raro, muitos
artistas afirmam que não se preocupam com o público. É verdade que o artista não
deve pensar, a priori, na aceitação de sua obra, mas acontece que é movido por um
sentimento que além de seu é também compartilhado por muitos. O artista possui o
dom e a habilidade técnica de cristalizar sentimentos num objeto e através dele
transmití-los às pessoas. Esse é o elo. Como diz Léon Tolstói, a arte é um meio de
comunicação que transmite sentimentos entre os homens. Por isso, dá particular
atenção ao contágio, ou seja, o quanto a obra de arte consegue reunir as pessoas em
torno dos sentimentos que evoca. Poderíamos dizer então que a arte se realiza em
dois âmbitos: primeiro, o formal, intrínseco ao objeto, que encerra em si relações
imbrincadas de sentido e potência; e segundo, o grau de comunicação – ou de
contágio – com o público. O público é imprescindível; sem ele, a obra não existe, senão
virtualmente.
IV
V
A tensão provém do fato da música não operar somente no nível fisiológico ou natural,
mas também no cultural. Como nos ensina Lévi-Strauss, se por um lado podemos
sentir a música no corpo, no batimento do coração ou no ritmo da respiração, por outro,
ela é também a oposição e combinação de todos os sons percebidos no mundo físico,
organizados em um sistema cultural – as escala musicais, por exemplo. A cultura seria
portanto um nível de articulação vital para a comunicação entre artista e público, pois
consiste numa base de significações comum, assimilada inconscientemente por todos.
A beleza na música residiria justamente na tensão entre os níveis da natureza e da
cultura, em um jogo complexo que ora quebra, ora confirma as expectativas do ouvinte.
VI
VIII
Por que será então que mesmo os melhores da cena experimental carioca ainda não
conquistaram um público maior na cidade? Parte da resposta está na educação escolar
e familiar insatisfatórias e no descumprimento dos meios de comunicação de seu papel
de formadores da cultura. Mas também há outra explicação. Normalmente, a música
experimental é também instrumental. O fato dela não conter palavras e/ou narrativas a
coloca em posição de desvantagem, por exemplo, com a canção popular, uma vez que
as palavras criam, para além do som, um segundo nível de entendimento e
comunicação com as pessoas. A aproximação entre a música experimental e a canção
é exemplo de alto tensionamento entre natureza e cultura, encontro da vitalidade com a
comunicabilidade, de onde podem surgir resultados estéticos surpreendentes, é a
melhor promessa de futuro para a música do Rio de Janeiro.