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Chantagem
Emocional
Quando as pessoas ao seu redor
usam o medo, a obrigação e a culpa
para manipular você
1998
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................6
Eu disse ao meu marido que ia fazer um curso de uma aula por semana e ele ficou a
ponto de explodir, com aquele seu jeito calado. “Faça o que quiser, afinal é o que você sem-
pre faz”, ele disse, “mas não espere que eu esteja aqui quando voltar para casa. Estou sem-
pre aqui para você, por que não pode estar sempre aqui para mim?”. Eu sabia que isso não
fazia sentido, mas me senti extremamente egoísta. Desisti do curso e pedi de volta o di-
nheiro da inscrição. – Liz.
Eu havia planejado passar as festas de Natal viajando com minha mulher, umas fé-
rias que há quatro meses esperávamos ansiosamente. Telefonei para minha mãe para dizer
que as passagens finalmente foram compradas e ela disse com voz chorosa, “Mas e a ceia
de Natal? Você sabe que todos sempre se reúnem nas festas de fim de ano. Se vocês fizerem
essa viagem, em vez de virem à ceia, vão arruinar as festas para todos. Como pode fazer
isso comigo? Quantos natais você acha que ainda terei?”. É claro que cedi. Minha mulher
vai me matar, mas não vejo como sentirei algum prazer nas férias, assoberbado como estou
pelo sentimento de culpa. – Tom
Eu disse ao meu chefe que precisaria de alguma ajuda, ou de um prazo maior para o
projeto no qual estava trabalhando. Assim que mencionei que realmente precisava de al-
guém para me ajudar, ele disse furioso: “Sei o quanto você quer ir para casa, para sua fa-
mília, mas embora sintam sua falta agora, você sabe que o quanto irão apreciar a promo-
ção que vai ter. Precisamos de um membro de equipe, com dedicação total para esse traba-
lho – exatamente o que pensei que você fosse. Mas, vá em frente. Passe mais tempo com as
crianças. Apenas lembre-se de que se essas são as suas prioridades, nós precisamos recon-
siderar nossos planos para você”. Eu me senti completamente encurralada. Agora não sei o
que devo fazer. – Kim.
O que está acontecendo aqui? Por que algumas pessoas nos levam a pensar: “Eu per-
di outra vez. Eu sempre concedo. Eu não disse o que estava realmente sentindo. Por que
nunca consigo explicar o que estou pensando? Por que não consigo fazer valer a minha von-
tade?”. Sabemos que fomos manipulados. Sabemos que nos sentimos frustrados e ressenti-
dos, e sabemos que desistimos do que queremos para satisfazer outra pessoa, mas simples-
mente não sabemos como evitar isso. Por que algumas pessoas conseguem nos sobrepujar
emocionalmente, deixando-nos com uma sensação de derrota?
As pessoas que estamos enfrentando nessas condições de derrota inevitável são ma-
nipuladoras habilidosas. Elas nos envolvem numa intimidade reconfortante quando conse-
guem o que querem, mas frequentemente acabam por nos ameaçar para ter o que desejam,
ou por nos enterrar em uma pesada carga de culpa e de autocensura quando não conseguem
o que querem. É como se estivessem mapeando os caminhos para conseguir o que desejam
de nós, mas geralmente não têm a mínima ideia do que estão fazendo. Na verdade, muitas
dessas pessoas podem parecer amáveis e sofredoras e nem um pouco ameaçadoras.
Geralmente é uma pessoa especial – um sócio, pai ou mãe, irmão ou irmã, amigo ou
amiga – que nos manipula com tanta persistência que parecemos esquecer tudo o que sabe-
mos sobre ser um adulto eficiente. Podemos ser habilidosos e bem-sucedidos em outras ati-
vidades, mas com essas pessoas ficamos confusos, indefesos. Elas nos têm na palma da
mão.
Minha cliente Sarah, por exemplo, repórter de tribunal, uma morena encantadora, que
há quase um ano namorava um construtor chamado Frank. Um casal muito unido, com trin-
ta e poucos anos, eles se davam bem – até surgir o assunto casamento. “Então”, disse Sarah,
“ele mudou completamente de atitude. Parecia querer que eu provasse alguma coisa”. Tudo
foi esclarecido quando Frank a convidou para um fim de semana romântico numa casa nas
montanhas. “Quando chegamos, a casa de toras de madeira estava cheia de andaimes e latas
de tinta e ele me deu um pincel. Eu não sabia o que fazer e comecei a pintar”. Eles traba-
lharam quase todo o dia em silêncio, e quando finalmente se sentaram para descansar, Frank
tirou do bolso um enorme anel de noivado, de brilhante.
Eu perguntei: “O que está acontecendo?”, contou Sarah, “e ele disse que precisava
saber se eu tinha espírito esportivo, se não ia esperar que ele fizesse tudo no casamento”. É
claro, esse foi o fim da história.
Nós marcamos a data e todo o resto, mas estávamos subindo e descendo como um
ioiô. Ele não parava de me dar presentes, mas também não parava de me submeter aos seus
testes. Se eu me negava a tomar conta dos filhos da irmã dele, num fim de semana, dizia
que eu não tinha um sentimento muito forte de família e que talvez fosse melhor desistir do
casamento. Se eu falava em expandir meu negócio, isso significava que não estava real-
mente comprometida com ele. Assim, resolvi dar um tempo. Tudo continuou na mesma, eu
sempre cedendo. Mas eu dizia a mim mesma que ele era um homem formidável e que talvez
estivesse com medo de casar e tudo de que precisava era sentir-se mais seguro comigo.
Perdidos no FOG
Por que pessoas inteligentes e capazes têm dificuldade para compreender um com-
portamento que parece tão óbvio? Uma das razões principais é que o chantagista torna quase
impossível perceber como nos está manipulando, porque cria um FOG espesso que obscure-
ce suas ações. Lutaríamos contra isso se fosse possível, mas ele providenciaria para que lite-
ralmente não fosse possível ver o que está acontecendo. Uso FOG, tanto como metáfora pa-
ra a confusão que os chantagistas criam em nós quanto como uma lente para queimá-lo.
FOG é aqui uma sigla de Medo, Obrigação e Culpa (Fear, Obligation, Guilty) os instru-
mentos da profissão dos chantagistas. Eles inserem um FOG abrangente nos seus relaciona-
mentos, garantindo da nossa parte o medo de traí-los, a obrigação de fazer sua vontade e o
terrível sentimento de culpa se não fazemos.
Porque é difícil atravessar esse FOG para reconhecer a chantagem emocional quando
está acontecendo – ou até mesmo em retrospecto – criei a lista seguinte, que nos ajuda a de-
terminar se estamos sendo alvo de um chantagista.
As pessoas importantes na sua vida:
Ameaçam dificultar sua vida se você não fizer o que elas querem?
Ameaçam constantemente terminar o relacionamento se você não se submeter?
Dizem ou insinuam que farão alguma coisa contra elas mesmas ou que entrarão
em depressão, se você não fizer o que elas querem?
Sempre querem mais, não importa o quanto você dá?
Normalmente têm certeza de que você vai se submeter a elas?
Ignoram ou desprezam seus sentimentos e necessidades?
Fazem promessas mirabolantes condicionadas ao seu bom comportamento, e ra-
ramente as cumprem?
Sempre o acusam de ser egoísta, mau, ganancioso, insensível e desinteressado,
quando você não faz o que querem?
Inundam você com elogios quando cede aos desejos deles e fazem o contrário
quando isso não acontece?
Usam o dinheiro como arma para conseguir o que querem?
Se você respondeu sim ao menos para uma dessas perguntas, está sendo chantageado
emocionalmente. Mas posso garantir que há várias mudanças que podem ser feitas imedia-
tamente, para melhorar sua situação e o modo como está se sentindo agora.
Quando estou sendo egoísta e quando estou sendo fiel aos meus desejos e priori-
dades?
Quanto posso fazer ou ceder sem me sentir ressentido ou deprimido?
Ao se submeter à vontade do chantagista, estarei violando minha integridade?
Encontrarão neste livro os instrumentos para determinar, passo a passo, onde come-
çam e onde terminam suas responsabilidades para com os outros – um dos pontos mais im-
portantes para se livrar da manipulação.
Uma das maiores dádivas deste livro é o auxílio para administrar e reduzir o senti-
mento de culpa inspirado pelo chantagista. Mostrarei como tolerar o desconforto inevitável,
resultado da sua mudança de comportamento para anular o sentimento de culpa que você
não merece. Mostrarei como a culpa diminui à medida que agimos de modo saudável e au-
toafirmativo. E mostrarei que sem a culpa o chantagista é impotente.
Eu o acompanharei através do processo de realizar as principais mudanças interiores,
que facilitam o controle das reações instintivas à chantagem emocional, substituindo-as por
escolhas conscientes e positivas, para determinar até onde está disposto a chegar e à custa
do próprio bem-estar.
Enquanto eu o ajudo a resistir à chantagem, ajudo também a decidir quando um epi-
sódio de chantagem não merece nossa luta, e como até mesmo ceder ao chantagista pode ser
uma estratégia inteligente. Em raros casos extremos, o único recurso saudável é cortar rela-
ções completamente com o chantagista, e eu explicarei porque e como isso deve ser feito
quando todos os outros recursos fracassam.
Quando finalmente conseguimos a compreensão e os meios comportamentais que
podem nos livrar do ciclo mortal da chantagem emocional, adquirimos reservas incríveis de
entusiasmo e energia.
“Eu consegui dizer não ao meu namorado e compreender que suas exigências eram
irracionais”, disse minha paciente Maggie. “Nada fiz para magoá-lo, embora ele tentasse dar
a entender que eu tinha feito. E pela primeira vez, não capitulei nem telefonei dez minutos
depois, para pedir desculpas ou fazer o que ele queria”.
Escrevi este livro para todos aqueles que lutam para continuar uma interação com
namorado, pai ou mãe, colega de trabalho ou amigo que está estrangulando com as gavinhas
da manipulação um relacionamento que, sem isso, seria bom.
Por favor, compreendam que embora eu não possa estar ao seu lado na sua viagem
através deste processo, terão meu apoio moral a cada passo do seu esforço às vezes difícil,
mas que pode mudar sua vida. Eu os ajudarei no trabalho importante de construir relaciona-
mentos novos e saudáveis – não apenas com os chantagistas da sua vida, mas também com
vocês mesmos.
É preciso muita coragem para enfrentar a chantagem emocional. Este livro dará a vo-
cês a força para fazer isso.
PRIMEIRA PARTE:
Para compreender
o acordo da chantagem
1. Diagnóstico:
Chantagem emocional
Jim e Helen, um jovem casal que conheço, estão juntos há pouco mais de um ano.
Helen, professora de literatura em uma escola profissionalizante, tem enormes olhos casta-
nhos e um sorriso aberto e perfeito. Foi apresentada a Jim numa festa, e Jim é encantador.
Alto, fala macia, ele é músico e compositor de sucesso. Há uma grande afeição entre os
dois. Entretanto, para Helen, o prazer de estar com Jim está começando a esfriar. Na verda-
de, o relacionamento passou por seis estágios de chantagem emocional.
Para ter uma ideia clara da aparência e da sensação dos seis sintomas da chantagem
emocional, vejamos uma versão simplificada do conflito que surgiu entre Helen e Jim. Al-
guns dos sintomas descrevem o comportamento de Jim, outros mostram o de Helen.
1. Uma exigência. Jim quer uma coisa de Helen. Em sua opinião, eles passam tanto tempo
juntos, que seria melhor morar na mesma casa. “Eu praticamente já moro aqui”, diz ele.
“Vamos oficializar isso”. O apartamento dela é espaçoso e a metade das coisas dele já está
ali, ele acrescenta, portanto será uma transição simples.
Às vezes os chantagistas não verbalizam com tanta clareza o que querem, como Jim,
mas fazem com que nós deduzamos o que desejam. Jim poderia insinuar indiretamente essa
sugestão, talvez ficando de mau humor no casamento de um amigo, depois fazendo com que
Helen insistisse para saber o motivo. “Eu gostaria de estar mais com você. Às vezes sinto-
me muito só”, e finalmente dizer que gostaria de morar com ela.
À primeira vista, a sugestão de Jim parece carinhosa e não uma exigência, mas logo
fica bem claro que ele está determinado a fazer o que quer e não pretende discutir ou mudar
de opinião.
2. Resistência. A ideia de Jim morar no seu apartamento não agrada Helen e ela diz que
não está preparada para esse tipo de relacionamento. Ela gosta muito dele, mas quer conti-
nuar com sua privacidade.
Se fosse uma pessoa menos direta, Helen poderia resistir de outros modos. Poderia fi-
car distante e menos carinhosa, ou dizer que resolveu pintar o apartamento e ele deve retirar
suas coisas até terminar a pintura. Porém, ela expressa claramente sua resistência, a mensa-
gem é clara. A resposta é não.
3. Pressão. Quando Jim não obtém a resposta desejada, não tenta compreender os senti-
mentos de Helen. Ao contrário, ele se esforça para fazer com que ela mude de ideia. A prin-
cípio ele age como se estivesse disposto a discutir o assunto, mas a conversa se torna unila-
teral e depois uma verdadeira palestra. Jim transforma a declaração de resistência de Helen
numa declaração das deficiências dela, e apresenta os próprios desejos e exigências sob a
forma mais positiva possível. “Eu só quero o que é melhor para nós dois. Só quero dar o
melhor para você. Quando duas pessoas se amam, devem desejar compartilhar suas vidas.
Por que não quer compartilhar comigo? Se você não fosse tão egocêntrica, podia abrir um
pouco a sua vida”.
Então, ele usa todo seu charme e pergunta, “Não me ama o suficiente para querer mi-
nha presença o tempo todo?”. Outro chantagista poderia aumentar a pressão, afirmando com
insistência inexorável que isso vai melhorar o relacionamento e aproximá-los mais um do
outro. Seja qual for o estilo, a pressão entra em cena, embora possa ser disfarçada em ter-
mos carinhosos – por exemplo, Jim faz com que Helen saiba o quanto sua relutância o faz
sofrer.
4. Ameaças. Lutando contra uma muralha de resistência, ele enumera então as consequên-
cias dessa atitude negativa. Os chantagistas podem ameaçar para nos causar sofrimento ou
infelicidade. Podem deixar bem claro o quanto nós os fazemos sofrer. Podem também nos
tantalizar com promessas do que irão nos dar, ou do quanto vão nos amar, se fizermos sua
vontade. Jim trabalha com ameaças veladas. “Se você não pode assumir esse compromisso,
depois de tudo o que temos sido um para o outro, talvez esteja na hora de procurarmos ou-
tras pessoas”. Ele não ameaça diretamente terminar o relacionamento, mas é impossível não
compreender a insinuação.
5. Consentimento. Helen não quer perder Jim e procura se convencer de que talvez tenha
sido um erro impedir a mudança dele para seu apartamento, a despeito da insistente sensa-
ção de mal-estar. Os dois falam apenas superficialmente sobre as preocupações dela, e Jim
nunca procura amenizá-las. Alguns meses depois, Helen abandona a resistência e Jim vai
morar com ela.
6. Repetição. A vitória de Jim conduz a um período de calma. Agora que conseguiu o que
queria, ele retira a pressão e o relacionamento parece estabilizado. Helen ainda não está à
vontade com a situação, mas está também aliviada por ter se livrado da pressão e reconquis-
tado o amor e a aprovação de Jim. Jim descobriu que aplicar pressão e fazer com que Helen
se sinta culpada é a melhor forma de conseguir o que ele quer. E Helen aprendeu que o mo-
do mais rápido de acabar com a pressão é ceder à vontade dele. O terreno está preparado
para um padrão de exigências, pressão e consentimento.
Esses sintomas parecem tão claros e tão perturbadores que seria natural imaginar si-
nais de alarme quando começam a aparecer. Mas em geral somos absorvidos pela chanta-
gem emocional antes que possamos percebê-la. Em parte isso acontece porque a chantagem
emocional leva aos extremos de comportamento que nós usamos e encontramos o tempo
todo, a manipulação.
Muitas formas de manipulação não aparecem como problemas. Nós todos manipula-
mos uns aos outros uma vez ou outra. Aprendemos um sem-número de jogos para manobrar
as pessoas para que façam o que queremos. Um dos meus favoritos é, “Nossa, eu gostaria
que alguém abrisse as janelas”, em vez de “Quer, por favor, abrir as janelas?”.
É incrível a dificuldade que a maior parte das pessoas sente em ser diretas, mesmo
quando se trata de pequenas coisas, quanto mais quando há muito em jogo e queremos algo
importante. Par que não pedir simplesmente? Por que pedir é arriscado. E se a outra pessoa
disser não? Permitir a outros saberem o que queremos de modo direto e claro é algo que
poucos fazem. Temos medo de nos colocar em situação desvantajosa se dissermos o que
queremos ou o que sentimos. E se, no fim, ficarmos furiosos – ou, o que é pior, e se formos
rejeitados? Na verdade não é um pedido, assim se a pessoa disser não, não será realmente
um não, certo? Podemos nos livrar de qualquer desconforto.
Podemos também evitar uma atitude agressiva ou insinuar uma necessidade se não fi-
zermos um pedido direto. E mais fácil encontrar meios indiretos, na esperança de que as
pessoas possam ler nas entrelinhas e descobrir o que queremos. “O cachorro parece estar
precisando sair um pouco (insinuação, insinuação)”.
Às vezes fazemos isso sem palavras. Insinuações óbvias ou sutis – um suspiro, um
muxoxo, aquilo que é chamado de “aquela cara”, todos nós usamos esses meios, e estamos
todos na posição de receptores, até mesmo no melhor dos relacionamentos. Porém, há um
estágio evidente em que a manipulação diária se transforma em algo muito mais prejudicial.
A manipulação se transforma em chantagem emocional quando é insistentemente repetida
para nos coagir a concordar com as exigências do chantagista e o preço são nossos desejos e
nosso bem-estar.
Um pouco depois de ter vendido um livro de fotografia, no qual havia trabalhado du-
rante mais de um ano, minha amiga Denise relatou uma situação que havia se formado entre
ela e Amy, uma amiga que trabalhara com ela na agência de publicidade, até as duas resol-
verem ser freelancers. Denise se perguntava se Amy a estava chantageando emocional-
mente.
Eis o que Denise me contou:
Desde o começo, sempre nos foi possível conversar sobre qualquer coisa. Passáva-
mos horas comparando observações sobre a luta para trabalhar por conta própria e os de-
safios da vida depois de termos limitado nosso campo de trabalho – nós duas começamos
trabalhando para grandes agências, e às vezes sentimos falta desse meio. Comentávamos o
quanto é assustador estar sozinha e procuramos nos ajudar mutuamente. Éramos realmente
muito amigas até eu dizer que estava trabalhando neste livro.
Ela disse que estava feliz por mim, mas logo depois telefonou e disse, “Quer saber
de uma coisa? Acho que estou com um pouco de inveja. Tenho trabalhado tanto ultimamen-
te e não está acontecendo quase nada. Eu gostaria que você não falasse sobre seu trabalho
e no quanto está entusiasmada, por algum tempo – é um assunto muito delicado para mim”.
Então eu disse: “Tudo bem”. E como se nada tivesse acontecido, mudamos de assunto e
começamos a falar sobre o trabalho dela.
Agora, basta mencionar alguma coisa sobre o livro e ela diz, “Seria melhor que não
falássemos sobre isso”. Isso está começando a me deixar tensa, mas eu gosto dela e estou
tentando me ajustar para jogar de acordo com suas regras.
À primeira vista pode parecer que Amy está pressionando Denise para conseguir o
que quer e controlar a interação entre as duas, decidindo sobre o que podem e o que não po-
dem falar. Mas na verdade Amy está reconhecendo sinceramente os próprios sentimentos e
tendo cuidado para estabelecer os limites de o quanto é capaz de ouvir sobre o sucesso de
Denise. Amy tem direito de fazer isso. É humano sentir inveja quando uma pessoa consegue
algo que desejamos para nós, especialmente quando estamos numa fase não muito boa da
vida. Há momentos em que nós todos queremos evitar certos assuntos, e como Amy temos
direito de estabelecer os limites. Denise também tem direito de resolver que não está satis-
feita com os limites determinados por Amy e expressar seu desconforto, ou passar menos
tempo com Amy.
Nesta situação, Amy não fez ameaças, quer diretas, quer indiretas, sobre o que está
disposta a fazer se Denise não atender a seu pedido. Também não há pressão real, apenas
uma declaração de necessidade e sentimentos. Sim, há um conflito. Sim, Denise não se sen-
te à vontade com a mudança no relacionamento. Sim, há sentimentos muito fortes. Mas,
não, isso não é chantagem emocional.
Cruzando a linha
Pedir a alguém para não falar sobre determinado assunto é bastante inofensivo. Po-
rém, se o conflito envolve algo mais sério, negócio entre sócios, problema com bebida, de-
sonestidade no trabalho? Nesses casos, as pessoas podem dizer coisas terríveis umas para as
outras, e a determinação dos limites começa a parecer chantagem emocional porque os sen-
timentos são muito fortes. Contudo, mesmo aqui, há uma diferença definida entre a deter-
minação apropriada de limites e a chantagem emocional. Mais uma vez, comparemos um
casal nessa situação.
O caso
Conheço meu amigo Jack e sua mulher, Michelle, há muitos anos e sempre admirei
seu casamento. Há uma grande diferença de idade entre os dois – Jack é 15 anos mais velho
–, mas entre eles, ambos músicos da orquestra sinfônica, parece haver um tipo bastante raro
de intimidade. Certa noite, Jack se ofereceu para me levar de carro à reunião de um grupo da
ópera em que os dois fazem parte, e na volta para casa tivemos oportunidade de conversar.
“Como é que a coisa funciona entre vocês dois?”, perguntei. “Quem contou a vocês o se-
gredo de um casamento perfeito?”.
A resposta de Jack não foi o que eu esperava.
Para dizer a verdade, nem sempre foi tudo tão perfeito. Pelo menos, eu não fui. Vou
contar uma coisa que poucas pessoas sabem. Há três anos eu fiz uma coisa estúpida. Co-
mecei a sair com uma jovem violinista que estava tocando na orquestra como convidada. O
caso durou pouco, mas eu me senti culpado como o diabo. Foi uma cretinice. Não parei
para pensar. Eu não estava aguentando mais esconder o fato de Michelle e sabia que as
coisas jamais seriam as mesmas entre nós depois que ela soubesse. Então resolvi que o me-
lhor para mim era contar tudo e enfrentar o que viesse.
A princípio pensei que ela ia me matar. Passou duas semanas quase sem falar comi-
go e dormia na sala. Mas então ela me surpreendeu. Disse que tinha pensado muito e con-
cluiu que precisávamos elaborar um plano se pretendíamos passar juntos o resto de nossas
vidas. Ela disse que estava danada comigo, mas queria propor um acordo. Ela esqueceria o
caso e não ia me atormentar com ele, nem usar o fato quando quisesse alguma coisa de
mim. Mas se eu não me comprometesse a um relacionamento exclusivo com ela, não desis-
tisse dessa bobagem toda e concordasse em procurarmos juntos aconselhamento familiar,
não seria possível continuar com o relacionamento. E se eu não pudesse assumir esse com-
promisso, ela não poderia continuar com o casamento, porque não ia viver com inseguran-
ça, incerteza e desconfiança.
Eu disse a Jack que ele tinha sorte por ter Michelle porque ela havia determinado os
limites de forma saudável, um processo que descreverei, de modo a permitir um exame mais
profundo, na segunda parle deste livro. A atitude de Michelle foi a seguinte:
Comparemos a atitude de Michelle em face da crise com a de um casal que tive como
cliente há alguns anos. O casamento de Stephanie e Bob estava à beira do abismo, e quando
chegaram ao meu consultório mal falavam um com o outro. Um casal atraente, com quase
quarenta anos. Bob é advogado, especializado em direito fiscal com uma grande clientela e
Stephanie é corretora de imóveis. Uma vez que a ideia de me procurar foi de Bob, pedi que
ele começasse a sessão.
Ele disse:
Não sei quanto mais posso aguentar. Cometi um erro terrível há dezoito meses, que
está nos destruindo. Tive um caso muito breve com uma mulher que conheci numa viagem
de negócios. A culpa foi toda minha. Isso jamais devia ter acontecido. Mas aconteceu. E
estou fazendo o melhor possível para compensar meu erro porque eu amo Stephanie e quero
continuar com ela. Temos uma boa vida, dois belos filhos. Mas, meu Deus, eu estou sendo
tratado como um assassino. Ela simplesmente não desiste.
Agora, ela fala no caso sempre que quer alguma coisa. Só ela resolve quando seus
pais podem passar uns tempos conosco, coisas tolas, como qual o filme que vamos assistir,
o que devo comprar para fazê-la feliz. No momento, ela quer ir à Europa, justamente quan-
do estou para começar a trabalhar num caso importante e não posso de modo nenhum de-
sistir. Eu gostaria que ela fosse com uma amiga, mas ela quer o que quer quando quer. En-
tão eu devo largar tudo e ir à Europa. E como se fosse obrigado, porque eu a traí. Ela diz:
“Você me deve. Nem que você viva mil anos, nunca poderá compensar o que fez comigo”.
Se eu não concordo o tempo todo, ela faz questão de lembrar o quanto fui miserável. Ela
chegou a pregar um adesivo no armário de remédios do banheiro, dizendo: “trapaceiro”.
Como posso não ceder? Tenho medo que ela me deixe se eu não fizer o que ela quer. É ver-
dade. Eu a enganei e me sinto péssimo por isso. Como a gente sai desse atoleiro?
Stephanie, como Michelle, tinha direito de ficar zangada, mas sua reação foi punitiva
e controladora. Na verdade, foi chantagem. Assustada e insegura quando soube do caso de
Bob, Stephanie erroneamente acreditou que podia prendê-lo fazendo com que ele se sentisse
tão culpado que atenderia a todas as suas vontades. A todo o momento, usando a transgres-
são como uma arma, o fazia sentir moralmente inferior e indigno de respeito. Sua ameaça
era clara e constante: “Se não fizer o que eu quero, vou fazer da sua vida um inferno”. Sua
mensagem era: “Agora eu estou no controle”.
Uma crise como essa pode ser uma experiência repleta de perigo e oportunidades. É
também uma dessas situações complexas da vida, carregadas de potencial para chantagem.
Michelle usou sua experiência para mudar o foco do seu relacionamento com Bob e definir
o que esperava dele, dela mesma e do casamento dos dois. Mas Stephanie ficou presa num
atoleiro de raiva e vingança.
As possibilidades de ferir ou de curar existem em qualquer situação que escolhemos
para manter um relacionamento, depois de uma transgressão séria, como a traição de um
companheiro de trabalho, um desentendimento grave na família, a descoberta de ter sido
enganado por um amigo. Mas se as duas partes demonstram boa vontade e querem real-
mente resolver qualquer crise que ameace o relacionamento, não há lugar para chantagem
emocional.
Como saber se a pessoa está mais interessada em vencer do que em resolver o pro-
blema? Ela não vai nos dizer. Certamente não vai chegar e dizer: “Pouco me importa o que
você quer, só estou tentando seguir meu caminho”. Numa situação intensamente emotiva,
nossa percepção fica ofuscada, uma condição que se agrava quando somos pressionados. A
lista seguinte ajuda a diagnosticar a chantagem emocional, esclarecendo as intenções e os
objetivos do comportamento da outra pessoa.
Quando a pessoa quer realmente resolver um conflito com você de modo justo e
compassivo, ela faz o seguinte:
Como vimos no caso de Michelle e Jack, podemos ficar zangados com alguém sem
tentar vencê-lo emocionalmente. Desacordos, mesmo os maiores, não precisam se misturar
com insultos ou julgamentos negativos.
Se o objetivo principal da pessoa for vencer, ele ou ela:
Quando perceber que alguém está tentando conseguir o que quer, sem se importar
com o quanto isso possa custar a você, estará diante do limite máximo do comportamento
do chantagista emocional.
De flexível a congelado
Eu não sei se é por causa do meu trabalho. Sei que ela me ama, mas não gosto do
que está acontecendo conosco. À menor sugestão de passarmos algum tempo separados –
meus amigos estão sempre me convidando para um cinema ou para conversar um pouco
depois do trabalho – ela fica realmente ofendida. Olha para mim com aqueles olhos gran-
des e tristonhos e diz, “Qual é o problema? Está farto de mim? Não quer mais ficar comi-
go? Pensei que estivesse louco por mim”. Se eu começo a fazer planos, ela fica amuada, me
pede para desistir e demonstra claramente o quanto eu a faço infeliz. Eu não sabia que ela
era tão carente. Acho ótimo quando ela sai com as amigas, mas Jo está fazendo isso cada
vez menos. É como se quisesse ficar dentro do meu bolso. Uma vez tomei coragem e sai com
amigos e ela ficou sem falar comigo o resto da semana. Eu pensei que ela era a mulher que
eu queria – ela é formidável, mas estou começando a ficar muito ressentido. Nosso relacio-
namento é tão bom em tantas coisas. Mas, que diabo, ela sem dúvida gosta de impor a pró-
pria vontade.
Ela teve uma infância difícil, portanto eu sei por que é tão carente. Eu não a culpo
por se sentir insegura. Às vezes é maravilhoso ter uma mulher que me ama tanto, que não
quer nunca me perder de vista. Mas, para ser franco, isso começa a me aborrecer. Ela con-
segue o que quer fazendo com que eu me sinta culpado como o diabo o tempo todo. E eu me
sinto como um moleirão a cada vez que cedo aos seus caprichos.
Embora sem admitir, Allen sabia que, atrás daqueles olhares de súplica de Jo e daque-
las declarações de amor, havia uma exigência, reforçada por uma pressão muito bem colo-
cada. Jo queria que ele passasse todo seu tempo livre com ela – era o único papel que Jo lhe
permitia desempenhar. Ele não tinha permissão para atividades ou interesses só seus. Mas
Allen estava fazendo o que faz a maior parte dos alvos de chantagem emocional, especial-
mente no começo. Ele concedia a Jo o benefício da dúvida e procurava explicar aquela ati-
tude por ter pena da infância difícil dela e pelo que sentia por ela agora.
Ele fez também o que a maioria das pessoas faz quando pressionada por uma pessoa
carente ou possessiva. Interpretou o fato como um sinal do quanto Jo gostava dele. Como
veremos mais adiante, compreensão e compaixão não nos levam a nada, quando se trata de
chantagem emocional. Na verdade, apenas acrescentam combustível às chamas da chanta-
gem.
Quando começamos a sentir os sintomas da chantagem emocional em qualquer tipo
de relacionamento, a sensação é de que alguém puxou o tapete sob nossos pés. De um mo-
mento para o outro, compreendemos que na verdade não conhecemos nosso parceiro, nosso
pai, nossa mãe, nosso irmão, nosso chefe ou nosso amigo. Alguma coisa foi perdida. Quase
não há espaço para flexibilidade ou acordo. Não há equilíbrio de poder, nenhuma sensação
de que um dos dois pode fazer sua vontade em certos casos e o outro fazer a dele em outras
ocasiões. Onde antes nunca era necessário “pagamento” por amor e respeito, agora devemos
ceder sempre à vontade do chantagista para podermos estar em suas graças.
2. As quatro faces
da chantagem
Na linguagem da chantagem, todas essas frases são meios para apresentar exigências.
Porém, parecem muito diferentes porque cada uma reflete um tipo de chantagem. Quando
examinamos de perto a chantagem emocional, o que parece ser um único tipo de comporta-
mento na verdade se divide em quatro partes, distintas umas das outras, como um facho de
luz ao passar por um prisma.
O castigador
Começo este guia de campo para o quarteto de chantagistas com o mais conhecido
deles – o castigador – não porque é necessariamente o mais comum, mas porque é o mais
evidente. É impossível não notar que você esteve diante de um castigador, porque qualquer
sinal de resistência provoca a sua ira imediata. A ira pode ser expressa de maneira agressiva,
com ameaças diretas – chamo este grupo de punidores ativos – ou através de uma fúria con-
tida, como fazem os punidores passivos. Seja qual for o estilo, os castigadores querem rela-
cionamentos onde o equilíbrio do poder é completamente unilateral: “Ou é do meu jeito ou
rua” 1, é o lema do castigador. Não importa o que você sente ou o que precisa, o castigador
irá sobrepor-se a você. Ele anula o companheiro ou companheira.
Os castigadores ativos
Como Liz descobriu, não existe um terreno mais fértil para os castigadores do que
problemas conjugais, o fim de um relacionamento amoroso ou um divórcio. Talvez os chan-
tagistas mais poderosos sejam indivíduos como Michael, que nos períodos de extremo es-
tresse e de dor podem ameaçar tornar a vida das suas vítimas mais miserável ainda, negando
recursos financeiros ou contato com os filhos – e que acrescentam qualquer outra punição
que possam idealizar.
As pessoas que tentam lidar com os chantagistas castigadores estão sempre naquela
situação de “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Se resistirmos e tentarmos per-
manecer firmes, corremos o risco de o castigador realmente pôr em prática suas ameaças. Se
cedermos, ou pelo menos conseguirmos algum tempo extra, passamos a nadar num caldei-
rão de raiva: raiva contra o chantagista por criar uma situação tão opressiva e sufocante, e
raiva contra nós mesmos por não termos a coragem de lutar contra ele.
Não é de admirar que pessoas que dominam a arte de transformar adultos, antes
competentes, em crianças, sejam pais ou mães. Muitas vezes nossos pais precisam manter o
controle sobre nossas vidas, bem depois de termos deixado o ninho, acreditando que compe-
te a eles determinar com quem devemos casar, como devemos criar nossos filhos, onde de-
vemos morar e como. Podem exercer um poder enorme por causa da nossa lealdade, bem
como por termos passado uma vida inteira com medo de merecer sua desaprovação. Esse
medo pode pairar ameaçador quando nossos pais exercem pressão sobre nós, usando testa-
mentos ou a promessa de dinheiro para reforçar sua autoridade e nossa obediência.
Meu cliente Josh, um designer de móveis, de 23 anos, encontrou o amor da sua vida,
uma interessante mulher de negócios chamada Beth. Ele está extremamente feliz e só há um
problema: seu pai, Paul.
Meu pai sempre foi muito religioso – somos católicos – e todos da família sempre ca-
saram com católicos. Acontece que eu me apaixonei por uma judia que conheci jogando
racquetball! Tentei contar ao meu pai, mas ele praticamente ficou louco. Ameaçou não ser
avalista do empréstimo para meu negócio, no qual depositei todos meus planos para o futu-
ro, se me casasse com Beth e, além disso, me cortar do seu testamento. E quer saber de uma
coisa? Ele é bem capaz de fazer isso. Não posso levar Beth a casa deles, nem mencionar
seu nome, e isso tudo é ridículo. Não adianta falar com meu pai a respeito – eu já tentei.
Ele diz solenemente que esse assunto não deve ser mencionado nunca mais e sai da sala.
Então eu me pergunto, por acaso estou à venda? Quanto vale a minha alma? Devo deixar
de ver minha família, ou será melhor continuar mentindo para eles, fingindo que Beth não
existe? Isso está me matando. É mais do que o dinheiro – sempre fui muito unido a minha
família e agora não posso ir para casa sem mentir.
Os pais que são castigadores geralmente exigem que o filho escolha entre eles e as
pessoas que ele ama, criando uma situação em que qualquer escolha é vista como traição. E
os filhos chantageados geralmente se apegam à fantasia de que se desistirem agora da pes-
soa “inadequada” em favor da paz na família, na próxima vez eles talvez encontrem alguém
que possa passar no teste. Mas, é claro, não passa de fantasia. Os pais que usam esse tipo de
chantagem inevitavelmente encontrarão algum defeito na próxima pessoa escolhida tam-
bém, e em todas as outras que representem uma ameaça para seu controle.
Josh fez o possível na tentativa de apaziguar o pai sem desistir de seus propósitos.
Para todas as saídas que achava, só podia ver escolhas que comprometiam sua integridade.
Ou cedia à vontade do pai, o que não era uma opção aceitável – não tinha a menor intenção
de desistir de Beth – ou fingia que aceitava vivendo uma mentira.
Enquanto manobramos para evitar a fúria dos castigadores e o seu modo agressivo de
nos manipular, passamos a fazer coisas que nos surpreendem – mentimos, guardamos se-
gredos e agimos sorrateiramente para manter a ilusão de que obedecemos. Somos como um
adolescente rebelde, que, além de estar violando seus próprios padrões, ainda carrega o peso
extra da autocensura pela frustração de não conseguir enfrentar o chantagista.
Tratamento do silêncio
Os castigadores não precisam ser articulados, nem mesmo dizer uma palavra, para
transmitir sua mensagem. Tão agressivos quanto os chantagistas que já vimos, são os mal-
humorados e os calados, que se escondem em sua fúria não verbal.
Jim, o músico compositor que conhecemos no capítulo anterior, revelou-se um casti-
gador silencioso logo depois de ir morar com Helen, e a descrição que ela faz do seu estilo
de pressão é um exemplo perfeito do seu estilo de chantagem.
Não sei o que fazer com Jim. Quando fica zangado comigo, ele se cala e parece estar
a milhares de quilômetros de mim. Sei que ele está zangado, mas ele não diz. Outra noite,
cheguei em casa com uma dor de cabeça terrível. Minhas aulas foram cansativas e o chefe
do meu departamento me pediu um relatório do pessoal para completar seu orçamento –
não há descanso para o cansado. Jim fez o jantar, acendeu algumas velas, me recebeu ma-
ravilhosamente e eu fiquei comovida. Ele é um doce. Mais tarde, quando ele quis se acon-
chegar comigo no sofá, eu sabia o que me esperava – ele queria fazer amor. Geralmente,
isso seria ótimo. Mas minha cabeça latejava ainda, eu estava pensando nas coisas que dei-
xei de fazer naquele dia, no trabalho e me sentia tão sexy quanto um saco de papel. Tentei
explicar do modo mais delicado possível que não era um bom momento para mim e se não
podia deixar para outro dia. Mas ele entendeu tudo errado. Ele não gritou, não disse uma
palavra. Apertou os dentes e com aquele olhar gélido saiu da sala. Entrou no estúdio, bateu
a porta e ligou o som a todo volume.
O silêncio duro e frio desses castigadores é algo que poucas pessoas podem suportar
e quase somos capazes de vender a nossa alma para não viver com isso. “Diga alguma coi-
sa”, imploramos. “Grite comigo. Qualquer coisa é melhor do que esse silêncio”. Geralmen-
te, quanto mais tentamos fazer com que nos digam o que está errado, mais eles se fecham e
se calam, com pavor de nos enfrentar e a sua própria raiva.
Eu não sabia o que fazer. Eu sentia no peito aquela horrível angústia de culpa. Ele
foi tão romântico e eu estou sendo tão fria. Então, entrei no estúdio e tentei falar com ele.
Jim ficou ali sentado, olhando para mim como se eu não existisse e então disse, “Não fale
comigo”. Eu tinha de fazer alguma coisa para me livrar da culpa. Vesti uma camisola
branca de cetim, voltei para o estúdio, passei os braços em volta do pescoço dele e pedi
desculpas. Acabamos fazendo amor ali mesmo. Parece sexy, mas não foi para mim. Eu esta-
va ainda com dor de cabeça e tão tensa que parecia que ia me partir ao meio e foi tudo hor-
rível. Mas acho que estava desesperada para fazer com que ele falasse comigo. Não podia
mais suportar aquele tratamento de silêncio outra vez.
Punição dupla
Quando se tem um relacionamento duplo – seu parceiro é seu chefe, ou seu melhor
amigo é seu sócio – o potencial para punição cresce exponencialmente. O castigador pode
transferir toda a turbulência de um relacionamento para o outro, e geralmente o faz.
Minha cliente Sherry, uma ambiciosa e bela modelo de 28 anos, estava extremamente
agitada na primeira vez que me procurou. Estava tentando terminar um romance com o ho-
mem para o qual trabalhava. Ela havia resolvido ser secretária para conhecer por dentro a
indústria do cinema e logo se tornou assistente do chefe de uma empresa de efeitos especi-
ais, um instável produtor de filmes de 52 anos chamado Charles. Charles, assim como Sher-
ry, havia estudado nas melhores universidades do país e compartilhavam um verdadeiro
amor pelos obscuros filmes silenciosos e pela arte moderna. Sherry sentiu-se imediatamente
atraída pelo homem que levava a sério seus gostos e ideias. Suas conversas são sempre ani-
madas, e, devido à posição que ela ocupa, Charles confia a Sherry todas as particularidades
do seu negócio. Há meses ele a vem preparando para ser sua diretora de operações, uma po-
sição que permitirá sua presença nos encontros com clientes e sua colaboração na operação
dos negócios.
Os amigos de Sherry a aconselharam a não se envolver com o chefe, especialmente
porque ele é casado, mas ela o achava mais interessante do que os homens da sua idade e,
embora no começo não tivesse sentido nenhuma atração por ele, as longas horas e a intensi-
dade do trabalho que realizavam juntos os aproximou mais. A tensão sexual cresceu e se
transformou num relacionamento intensamente romântico.
Eu sei, eu sei. A regra número um diz que nunca, em tempo algum se deve ter um ca-
so com o chefe. Mas Charles é um homem notável. Ninguém jamais me fez sentir o que sinto
por ele. Eu gostava de ver como sua mente funcionava e também sua experiência de vida.
Ele tem tanto para me ensinar e eu me sentia como se tivesse ganhado o prêmio de primeira
aluna da sua classe. Eu adorava a intimidade, sabendo quanta coisa compartilhamos. Sei
que temos os mesmos planos para a empresa. Ele não pode conversar com a mulher sobre
seu trabalho – ela é alcoólatra e está sempre flutuando em algum ponto do espaço. Mesmo
antes de nos envolvermos emocionalmente, ele dizia que, assim que ela estivesse suficien-
temente sóbria para ficar de pé sozinha, ele ia deixá-la. Então eu saltei para o lugar vago.
Depois de dois anos de promessas quebradas finalmente compreendi que Charles es-
tava perfeitamente satisfeito com a situação de ter uma esposa e uma amante, e a perspecti-
va de viver permanentemente nesse papel não me agradava. Quero uma família de verdade
algum dia. Estávamos jantando e ele começou a me falar do seu plano de férias em Paris
com a mulher e a filha. Ele sabe o quanto eu amo Paris e sempre falávamos em casar lá.
Compreendi então que estava vivendo na terra da fantasia. Fiquei arrasada, tentando en-
frentar essa descoberta e finalmente disse a Charles que queria que nosso relacionamento
voltasse para aquela intimidade assexuada do começo. Seria triste, mas nós dois podería-
mos seguir nossas vidas.
Charles foi sempre tão generoso e bondoso para mim que fiquei chocada com sua
reação completamente inesperada. Ele disse que se eu deixasse de dormir com ele podia
dar adeus a ele e ao meu emprego. Não sei se posso suportar a separação e a perda do em-
prego ao mesmo tempo. Finalmente estou muito perto de um trabalho que adoro e tenho
medo de que ele feche a porta para mim. Mas continuar com ele seria o mesmo que me
prostituir. Eu não poderia me olhar no espelho. Nem acredito que posso estar considerando
essa possibilidade.
Quanto mais íntimo o relacionamento, mais é o que está em jogo – e mais vulnerá-
veis são os chantageados aos castigadores. Não queremos nos afastar das pessoas que ama-
mos profundamente e às quais somos ligados há muito tempo – ou, em casos como o de
Sherry, pessoas das quais depende também o nosso contracheque. Em geral, fazemos de tu-
do para evitar um confronto com essas pessoas. Permitimos a nós mesmos acreditar em nos-
sos castigadores e jogamos para o fundo do baú todos os alertas de nossa intuição a respeito
do comportamento deles. Josh, por exemplo, simplesmente não podia ver que embora o pai
afirmasse que só pensava no bem dele, suas exigências eram completamente egocêntricas e
pouco ou nada tinham a ver com os sentimentos do filho. As exigências dos castigadores
raramente têm.
Quando a chantagem se intensifica, as consequências ameaçadas por não obedecer
podem ser alarmantes. Abandono. Isolamento completo. Negação de dinheiro ou de outros
recursos. Explosões de fúria. E, no mais terrível extremo, ameaças de maus-tratos físicos,
As ameaças mais sinistras, é claro, se transformam em abuso emocional à medida que avan-
çam para intimidação, e o chantagista toma o controle total.
Evidentemente, no calor da chantagem emocional, cegos pela intensidade de suas ne-
cessidades, os castigadores parecem ignorar por completo nossos sentimentos ao mesmo
tempo em que não se preocupam muito com o próprio comportamento. Eles acreditam re-
almente que o que querem é justo e estão fazendo o que é o correto. Enfrentar um castigador
pode exigir um desgaste tremendo de energia interior, mas pode ser feito. Com instrumentos
e orientação adequados, todos os alvos desse tipo de chantagem que conhecemos consegui-
ram recuperar sua confiança de adultos e puderam finalmente ser capazes de dizer – e mos-
trar – que não seriam mais chantageados.
Nós todos já conhecemos os sinais de birra de um terror seis anos berrando em voz
alta: “Se não me deixar ficar acordado para assistir os vídeos, vou prender a respiração até
ficar azul!”. Os adultos são um pouco mais sofisticados, mas o princípio é o mesmo. Dizem
para nós que se não fizermos o que querem, irão ficar descontrolados e talvez até incapazes
de viver direito. Podem prometer fazer alguma coisa para prejudicar a própria vida, ou
mesmo se machucarem, porque sabem que o melhor modo de nos manipular é ameaçar a
própria saúde ou a própria felicidade. “Não discuta comigo, porque vou ficar deprimido ou
doente”. “Faça-me feliz, se não deixo meu emprego”. “Se você não fizer isso, paro de co-
mer, de dormir, começo a beber ou a usar drogas. Vou arruinar completamente a minha vi-
da”. “Se me deixar, eu me mato”. Essas são as ameaças dos que punem a si mesmos.
Allen, o homem de negócios que conhecemos no Capítulo 1, aos poucos começa a
compreender que a nova mulher, Jo, o está chantageando quando descreve o que pode acon-
tecer com ela se não for feita sua vontade. Com o passar do tempo, a exigência constante de
Jo para monopolizar o tempo dele e sua falta de interesse em procurar atividades indepen-
dentes da companhia do marido tomaram a forma de uma pressão insuportável para ele.
Não sei se estou preparado para tomar uma atitude drástica, mas nada parece capaz
de convencê-la. Já tentei conversar sobre o fato de que as coisas não estão funcionando
entre nós, mas ela se recusa a falar nesse assunto. Fica calada e às vezes vejo lágrimas nos
seus olhos. Então ela vai para o banheiro e tranca a porta. Eu peço para ela sair e final-
mente ela começa a falar – ou, acho que devo dizer, liga aquela máquina de fabricar culpa.
Na última vez, tudo o que eu queria era passar alguns dias com minha irmã na casa
que ela tem na floresta, no Oregon. Parecia que eu ia para outro planeta sem deixar o novo
endereço. “Você sabe que não vou dormir enquanto você estiver fora e nem vou conseguir
trabalhar”, ela disse. “Preciso ter você ao meu lado. E isso é muito estressante para mim.
Sabe que conto com você para me ajudar nos preparativos para a estação das grandes li-
quidações. Se você não estiver aqui para ajudar a organização, tudo vai por água abaixo.
Não posso fazer tudo o que preciso sob esse tipo de pressão. Não se importa com o fato de
eu precisar de você? É isso que você está querendo, arruinar toda a minha vida só para
passar uma semana fora de casa?”.
Eu disse, “Pelo amor de Deus, não é o fim do mundo. Só quero passar alguns dias
com minha irmã”. Mas para Jo eu a estava abandonando. Cancelei a viagem. Estou fingin-
do que nunca tive vontade de ir. Talvez não seja tão mau assim. Desde que eu disse que ia
ficar em casa, ela tem sido carinhosa e encantadora. Parece outra lua-de-mel. Mas em cer-
tos momentos tenho a impressão de que não posso respirar.
Uma atmosfera dramática, repleta de histeria e de crise (que você precipitou, claro)
envolve os autopunidores, que são em geral extremamente carentes e dependentes. Eles ten-
dem a procurar uma espécie de fusão com as pessoas que os rodeiam e têm grande dificul-
dade para assumir responsabilidade pela própria vida. Quando recorrem à chantagem, justi-
ficam suas exigências atribuindo a nós a culpa por todas as dificuldades reais ou imaginá-
rias. Na verdade, têm um talento incrível para fazer com que nos sintamos responsáveis por
tudo o que acontece com eles. Enquanto que os castigadores transformam seus alvos em
crianças, os que punem a si mesmos dão a eles o papel de adultos – o único adulto no rela-
cionamento. Somos nós que devemos correr quando choram, consolar quando estão aborre-
cidos, descobrir o problema e procurar resolvê-lo. Nós, os alvos, somos as únicas pessoas
competentes para salvá-los de si mesmos, para socorrê-los do desespero, para proteger sua
fragilidade.
Um dos telefonemas mais frequentes no meu programa de rádio era de pais de meia-
idade desesperados, querendo saber como lidar com um filho viciado em drogas, que se re-
cusa a trabalhar ou estudar e que está acabando com os recursos da família. Sempre que os
pais tentam mudar a situação, surgem ameaças pesadas e rápidas. “Tudo bem, vou embora.
Aposto que vai ficar satisfeito quando me vir na rua. Eu sei que nunca me amou”. “Vou ser
prostituta e então você ficará feliz”. O pai ou a mãe, intimidado, concorda em manter o sta-
tus quo, mesmo que seja destrutivo para toda a família.
Minha cliente Karen, enfermeira aposentada, com quase sessenta anos, está traba-
lhando arduamente com terapia para resolver o relacionamento com a filha, Melanie. Para
ajudar Melanie a se livrar de uma dependência grave de drogas, Karen pagou um dispendio-
so programa de reabilitação, procurou aconselhamento para si mesma, entrou para o famoso
Al-Anon e encorajou Melanie a ingressar em um programa de treinamento no hospital onde
ela havia trabalhado. Karen não esperava gratidão, mas também não esperava chantagem.
Melanie é uma grande garota e eu me orgulho do que ela tem feito para consertar
sua vida. Mas brigamos o tempo todo por causa de dinheiro. Quando ela casou com Pete,
eles me pediram dinheiro para dar de entrada no pagamento de uma casa. Você sabe de
quanto é a pensão de uma enfermeira. Eu adoraria poder ajudar, mas não tinha disponibi-
lidade de dinheiro, a não ser que retirasse da minha conta da aposentadoria e tive medo de
fazer isso. É a única coisa que tenho para o meu futuro. Mas a mensagem de Melanie foi:
“por que eu podia ter dinheiro e ela não?”. Ela precisava comprar aquela casa.
Eu me preocupo porque sei que a sua recuperação está um pouco frágil e ela não es-
tá muito firme ainda. Então, você sabe, é algo do tipo “se você não cuidar de mim, posso
voltar a me drogar”. A ameaça é que se não eu não trata-la do modo que ela quer ser tra-
tada, ela começa a beber de novo. Não tenho escolha – tenho de ajudar a comprar aquela
casa.
A afirmação de Karen, de não ter escolha, é uma das que ouço muitas vezes dos alvos
de chantagem, e isso mostra o sentimento de vitimização que sentem. Na verdade, Karen
tinha várias opções, mas seria preciso algum trabalho para que pudesse ver e usar algumas
delas. A ameaça de Melanie de sair dos trilhos foi um golpe direto na jugular de Karen. Co-
mo eu a fiz notar, era uma tática de força bruta que não combinava muito com sua descrição
de Melanie como uma pessoa fraca, a máscara que muitos autopunidores utilizam como ca-
muflagem.
A autopunição extrema
Finalmente compreendi que preciso deixá-lo para construir uma vida própria, mas
sempre que faço alguma coisa nesse sentido, ele ameaça tomar uma overdose de soníferos.
Na primeira vez, eu achei um tanto engraçado. Eu disse que queria entrar para um curso de
desenho e ele disse, “Então, o melhor para mim é morrer”. Ele é sempre tão dramático que
pensei que era brincadeira. Mas ele começou a dizer coisas como, “Não posso viver sem
você”, e “se você me deixar, não posso prometer continuar a viver”. Não é mais engraçado
agora – é apavorante. Sinto tanto amor e empatia pelo sofrimento dele, mas ao mesmo tem-
po fico furiosa. Por que ele me impõe essa condição? Tudo o que eu queria era entrar para
um curso de desenho.
O sofredor
A imagem do sofredor está gravada em nossa cultura num quadro muito familiar.
Uma mulher tristonha, sentada num apartamento com pouca luz, esperando o telefonema de
um dos seus filhos. “Como estou?”, ela diz, quando o telefone toca finalmente. “Você está
me perguntando como estou? Você não me telefona, nem me visita. Esqueceu-se da sua pró-
pria mãe. Você se preocupa tanto comigo que seria melhor eu enfiar a cabeça no forno”.
Os sofredores dão a entender que se eles estão infelizes, doentes ou simplesmente
sem sorte, só existe uma única solução: fazer a sua vontade deles – mesmo que não tenham
dito o que eles querem. Não ameaçam fazer mal a nós ou a si mesmos. Mas deixam bem
claros que, se você não fizer o que eles querem, vão sofrer e a culpa será sua. Esta última
parte da acusação, “a culpa será sua”, quase nunca é declarada, mas como veremos tem um
efeito quase mágico na consciência do alvo da chantagem.
Ele quase nunca me diz claramente o que quer e nos raros dias em que tem a bonda-
de de me informar, se eu não concordo, ele fica triste ou abatido e sai para andar. Ele tem
os olhos mais tristes do mundo. Costumávamos ter esses “não desentendimentos” quando a
mãe dele queria nos visitar – geralmente no momento mais inconveniente. Eu desisti da luta
porque me sentia culpada quando via a tristeza de Joe.
Isso é típico. Ele suspira longa e exageradamente e quando eu pergunto qual é o
problema, olha para mim com aqueles olhos magoados e diz: “Nada”. Então, tenho de des-
cobrir qual o crime que cometi dessa vez. Sento na cama e peço que me desculpe se eu fiz
alguma coisa para aborrecê-lo, mas será que ele não podia pelo menos me dizer o que foi?
Depois de uma hora mais ou menos eu tenho a resposta. Certa vez eu disse que achava que
não podíamos comprar o computador que ele queria! Como eu podia ser tão insensível e
mão-de-vaca! Então eu disse “vá em frente, compre o computador” – e surpresa, surpresa –
toda a tristeza desapareceu como que por encanto.
Joe não se sente bem tendo que sentar e falar com Patty sobre o computador. Por isso
resolveu demonstrar o que quer de outro jeito – usou de toda a arte teatral que tinha para
enviar a mensagem de que ela o tinha deixado contrariado, o fez ficar doente, provocado
uma dor de cabeça. Estava arrasado pela depressão por causa da “maldade” dela. Os sofre-
dores olham no espelho e veem uma vítima. Raramente assumem a responsabilidade de es-
clarecer as coisas ou pedir pelas coisas que querem.
Os sofredores podem parecer fracos a primeira vista, mas são na verdade uma forma
silenciosa de tiranos. Podem não gritar ou fazer cenas, mesmo assim seu modo de agir ma-
chuca, confunde e nos enche de revolta.
A vítima da circunstância
Tess é a mais nova da equipe e esquece que a maioria de nós teve de fazer trabalhos
desagradáveis e sem importância e lutar arduamente para chegar onde estamos. Ela pensa
que pode, com quase 15 anos menos de experiência, ser designada para as tarefas mais im-
portantes. Tentei explicar isso para ela, mas ela é impaciente demais. Então ela começou a
ter problemas com nosso chefe e criou uma verdadeira paranóia com medo de perder o em-
prego. Todos os dias ela entra no meu escritório e desfia freneticamente a lista de tudo o
que saiu errado.
Dale, um dos sócios, odeia o trabalho dela. Tess não conseguiu convencer um cliente
importante e ela acha que ele a está evitando. Seu computador não funciona. E, oh, sim, o
cachorro comeu o trabalho que ela fez em casa. Às vezes ela percebe o humor disso tudo,
mas a insegurança está sempre presente.
Diz que está tão deprimida que mal pode levantar da cama de manhã, começou a
fumar um cigarro depois do outro, parece estar perdendo peso… Tentei tranquilizá-la e
pensei que estava conseguindo, mas então houve uma reviravolta que me deixou muito in-
comodada. Ela começou a me pressionar para transferi-la para a minha equipe que está
trabalhando num projeto novo e grande. “Se não fizer isso, vou ser despedida”, ela disse.
“Dale me detesta, mas confia em você, e se me ajudar a ficar nas graças dele, sei que tudo
vai ser diferente”. Todos os dias era a mesma coisa. “Vou ser despedida se você não me
fizer esse pequeno favor”, e “Estou muito preocupada e agitada. Você tem de me ajudar a
sair disto”.
O fato é que eu não acho que ela esteja qualificada para trabalhar conosco, mas
mesmo assim a incluí no projeto porque me parecia quase egoísmo da minha parte se eu
não fizesse isso. Ela realmente me venceu – acreditei em sua ideia de que eu era a única
pessoa que estava entre ela e uma profunda depressão. Não que seus problemas no trabalho
tivessem algo a ver com sua atitude. Agora estou preocupada porque terei de exigir demais
de todos os outros, porque essencialmente estamos com uma pessoa a menos – Tess não
pode nos acompanhar. Quando a chamei para a equipe, me senti como um tipo de mentora.
Não me sinto mais assim. Sinto-me usada. É difícil de acreditar, mas ela quer mais respon-
sabilidade, mesmo não dando conta da que já tem. Eu quero ajudá-la – de certa forma, ve-
jo-me nela quando eu era mais jovem, mas a coisa está começando a ficar fora de controle
e vai acabar prejudicando minha reputação na agência se eu não parar com isso.
Sofredores como Tess nos dizem como as cartas estão dispostas contra eles, como o
destino conspirou para destruí-los. Seu tema pode ser o antigo blues que diz, “Se não fosse
pela falta de sorte, eu não teria sorte alguma”. Tudo de que precisam é uma pequena oportu-
nidade para virar o jogo. Geralmente têm um encanto de desprivilegiados que pode ser co-
movente. Claro, esses sofredores nos dão a entender que se não tiverem uma oportunidade –
isto é, se nós não a conseguirmos para eles – vão fracassar. E esse fracasso, que eles sabem
descrever com detalhes impressionantes, cairá sobre nossas cabeças. Eles ativam com eficá-
cia nosso instinto de salva-vidas e zeladores. O problema é que, se dermos a “pequena aber-
tura” que eles pedem, quase certamente voltarão para pedir outra. Pajear um sofredor não é
algo temporário, mas um trabalho de tempo integral.
O tantalizador
Ele disse que linha alguns amigos produtores que estavam procurando – como foi
mesmo que ele disse? – um trabalho inteligente como o meu. Haveria uma festa no fim da
semana e ele disse que me apresentaria a eles. Eu tenho trabalhado tanto que me pareceu
uma chance sensacional. Então o barato começou a ficar caro2. “Não convide nenhum da-
queles seus amigos boêmios”, ele disse. “Eu acho que eles estão atrasando sua vida”.
Julie não aceitou a imposição e não houve nenhum encontro com os amigos influen-
tes de Alex, apenas mais promessas deliciosas. Alex costumava dar presentes caros – um
novo computador para substituir o velho processador de textos, companhia diária para o fi-
lho dela de sete anos, Trevor. Mas cada presente era acompanhado por um novo arco para
ela saltar. Ele podia abrir mais portas para Julie se ela o ajudasse a organizar mais eventos
sociais na casa dele. Certamente Julie podia desistir de escrever à noite para receber os con-
vidados com ele – era para o bem dela.
Como gostava de Alex e era suficientemente ambiciosa para desejar o que ele tinha
para oferecer, Julie tentou prosseguir. Então veio o que seria o último arco através do qual
ela devia saltar.
Ele disse estar pensando que seria muito melhor se Trevor fosse morar com o pai por
algum tempo. Eu teria mais tempo para trabalhar e podia me dedicar inteiramente à minha
carreira. “Seria apenas temporário”, ele garantiu. E então disse alguma coisa a respeito de
não ser possível eu fazer o papel de mãe3 quando estava tão perto do sucesso.
Foi então que Julie acordou e, logo depois, terminou seu relacionamento com ele. Era
impossível para ela não ver a realidade – uma série sem fim de testes e exigências. Alex, um
tantalizador típico, era uma pessoa repleta de presentes e promessas sempre acompanhados
de condições sobre o que Julie deveria fazer. “Eu a ajudo se…”, “posso facilitar o caminho
2
“Then came the bait and switch” (original): Bait-and-switch (isca e troca) é uma tática de preços desleais que consis-
te na propaganda enganosa da venda de um produto muito barato (a isca) e, ao chegar ao ponto de venda, só é encon-
trado outro produto mais caro (a troca) com a conhecida desculpa de "falta de estoque devido à grande procura por
parte de nossos clientes". Ocorre quando uma empresa estabelece seu preço de venda muito baixo, muitas vezes
abaixo do custo, com a intenção de tirar seus concorrentes do mercado. É o famoso "gato por lebre".
3
“Mommy track”.
para sua carreira se…”. Finalmente, Julie compreendeu que isso nunca terminaria. Cada vez
que ela chegava perto da cenoura, Alex a retirava. Os tantalizadores não oferecem coisa al-
guma de coração aberto. Cada presente sedutoramente embrulhado tem uma trama de se-
gundas e terceiras intenções.
O preço da admissão
Minha irmã Carol e eu sempre tivemos um relacionamento difícil. Nossos pais nos
orientaram para uma competitividade entre nós duas e estavam sempre fazendo o jogo das
favoritas. Eu era a favorita da minha mãe e Carol era do meu pai. Mas quem tinha o di-
nheiro era meu pai. Ele era “mão fechada” comigo, mas sempre mais indulgente com Ca-
rol. Ela sabia exatamente como manobrá-lo. Meu pai era um controlador e não suportava a
ideia de ser contrariado. Determinou regras absurdas para nós sobre hora de entrar em
casa, com quem saíamos e eu estava sempre discutindo com ele. Mas Carol não. Ela fazia
com perfeição o papel da filha obediente e recebia as recompensas. Carol ganhou um Ja-
guar quando fez dezesseis anos, viagens à Europa, as melhores escolas, tudo. Mas nunca
aprendeu a ter autoconfiança, ao passo que eu aprendi muito cedo que, se quisesse ser al-
guma coisa, teria de lutar por isso sozinha.
Quando meu pai morreu, ele continuou o jogo do favoritismo, mesmo do túmulo.
Deixou a maior parte do dinheiro para Carol e praticamente nada para mim. Fiquei mago-
ada e zangada quando Carol não quis partilhar comigo nem uma pequena parte da herança
e nosso relacionamento, que nunca foi bom, deteriorou quase totalmente. Durante os anos
que se seguiram à morte do meu pai, raramente nos falamos ou nos vimos, e finalmente dei-
xamos de nos falar completamente. Resumindo, Carol e eu não gostamos muito uma da ou-
tra.
Certo dia, no mês passado, ela me telefona inesperadamente. Está chorando e quer
mil dólares emprestados para comprar mantimentos para a família. O marido é um tremen-
do de um pé frio e perdeu todo o dinheiro com investimentos malucos. Carol empenhou suas
joias e pediram dinheiro emprestado à minha mãe, para o banco não executar a hipoteca
da casa. A confusão era total. Enquanto isso, eles não modificaram seu estilo de vida em
nada. Eles têm uma valiosa coleção de arte e até uma Ferrari.
Quando Carol viu que eu ia negar o empréstimo, ela então apelou: “Não tenho mais
ninguém a quem recorrer”. “Não sei mais o que fazer – pensei que você estaria disposta a
ajudar sua família em caso de necessidade” – de repente eu era família outra vez.
Num primeiro momento, Carol era a sofredora clássica, dizendo a Jan como as coisas
estavam horríveis para ela e que Jan podia corrigir isso. Quando viu que Jan não estava ce-
dendo, mudou de tática e acenou com uma cenoura especial.
Sua voz ficou doce repentinamente e disse: “Sabe, eu adoraria se você começasse a
vir jantar e passar as festas de Natal conosco. Seria como nos velhos tempos”. Ela tirou a
munição exatamente da fantasia que eu tenho de rostos sorridentes em volta de uma bela
mesa de Natal. Minha mãe agora está sozinha e eu também. Carol é a única que tem uma
família intacta, um marido e filhos adolescentes. Sempre fico um pouco triste no Natal por
causa dessa distância entre nós. Eu sei que tenho amigos que estão mais próximos de mim
do que a minha família, mas quando as luzes de Natal acendem no Hollywood Boulevard,
eu sinto este anseio por uma família feliz. Sei também que nunca tivemos isso e que nunca
teremos, mas no meu coração eu daria qualquer coisa para ter. Devo admitir que o “convi-
te” de Carol foi uma grande tentação para mim e lutei muito para resolver qual era a atitu-
de mais certa a se fazer.
Carol fez parecer que a admissão no seio da família podia ser conseguida por mil dó-
lares – uma quantia minúscula para algo que Jan desejava tanto. Mas é claro, o preço que
Jan teria de pagar se cedesse à pressão da irmã seria muito mais alto. Teria de violar a pró-
pria integridade, permitindo que Carol perpetuasse seu padrão de gastos excessivos e irres-
ponsabilidade financeira e teria também de confiar em alguém que sempre a havia engana-
do. Mas a tentação de Jan era real. É difícil resistir à fantasia da boa família, criada por ela –
uma boa família é algo que todos desejamos; algo que muitos de nós não conseguimos. O
desejo é demasiado forte e a possibilidade de conseguir nos atrai como um ímã. Finalmente,
porém, consegui convencer Jan de que se ela não tinha esse tipo de família a essa altura da
vida, provavelmente jamais teria. Carol pintou um lindo quadro para ela, mas não era real.
Não se pode fazer um cheque de mil ou de um milhão de dólares para adquirir intimidade,
por mais que os chantagistas insistam em dizer que é possível.
Todas as forças que estavam trabalhando em Jan – a culpa, a tentação de fazer o pa-
pel de bem-sucedida e correta, a promessa tantalizadora de família com que Carol acenava –
atingiu um lugar muito vulnerável dentro dela. Mas, como veremos, sua experiência com
essa profunda chantagem emocional foi a marca definitiva que a ajudou a resistir a uma
forma coerciva de manipulação.
4
FOG: neblina, nevoeiro, névoa em inglês.
5
Fear, Obligation, Guilt.
Medo
…abandoná-lo.
…desaprová-lo.
…deixar de amar você.
…gritar com você.
…fazer você infeliz.
…enfrentar você.
…despedi-lo.
Seja lá o que for especificado, foi algo moldado para se encaixar nos contornos dos
medos que deixamos transparecer. Na verdade uma das coisas mais dolorosas da chantagem
emocional é a violação da confiança que nos fez revelar tanto de nós mesmos e desenvolver
um relacionamento mais do que superficial com o chantagista. Nas situações que se seguem,
observe o modo como o chantagista focaliza seu ataque exatamente nos temores que irão
provocar as reações mais fortes.
O nosso primeiro encontro com o medo ocorre na infância, quando literalmente não
podemos sobreviver sem a boa vontade das pessoas que cuidam de nós. Essa vulnerabilida-
de cria o pavor de abandono do qual algumas pessoas jamais se libertam. Nós, os humanos,
somos animais tribais e a ideia de perder o apoio e a afeição daqueles que amamos e dos
quais dependemos pode ser quase insuportável. Isso faz do medo do abandono um dos nos-
sos temores mais potentes, mais preponderantes e mais fáceis de serem ativados.
Lynn, uma fiscal da receita federal quase cinquentona, há cinco anos casou-se com
Jeff, um carpinteiro de 45 anos. Ela me procurou porque tinha acumulado uma longa lista de
ressentimentos e más impressões contra ele, e queria descobrir um meio de melhorar o rela-
cionamento. Jeff deixou o emprego dois anos depois do casamento. Combinaram entre si
que, com o salário de Lynn, ele podia dedicar todo seu tempo cuidando da casa, um pequeno
rancho perto de Los Angeles. Mas isso tem sido uma constante fonte de desentendimento
entre eles.
Jeff e eu não temos uma relação das mais justas. Eu ganho o dinheiro e ele gasta.
Não, isso não está certo. Eu trabalho fora de casa e ele toma conta do rancho – da casa,
dos animais, da propriedade, de mim. Algumas vezes eu realmente gosto disso, mas me sen-
tiria melhor se ele fizesse algum esforço para procurar trabalho. O fato é que a maior parte
do dinheiro que temos vem do que eu ganho, mas ele sempre acha um jeito de gastar demais
e eu sou muito mole quando ele quer alguma coisa.
Ultimamente temos discutido sobre gastos e nossas prioridades, e nos últimos meses
ele começou a ficar de cara amarrada quando não entramos em acordo – ou quando não
concordo com ele. Ouço a porta de tela bater e ele grita algo como “Vou sair”, e vai para o
celeiro. Ele sabe que não suporto quando se distancia de mim. Estou sempre andando atrás
dele pela casa toda – se ele vai para outro cômodo, eu praticamente me sinto abandonada.
Quando meu primeiro casamento fracassou, o que eu mais detestava era a solidão de entrar
na casa vazia, e eu nunca mais quero sentir isso. Contei para Jeff – e ele costumava ser pa-
ciente comigo, sabendo que gosto de estar fisicamente perto dele. Portanto, quase fico lou-
ca quando ele foge de mim.
A primeira coisa que acontece é que começo a achar que ele está zangado comigo e
vai me deixar. Logicamente, sei que isso é bobagem. Estamos passando maus momentos,
mas nos amamos e ele não vai a lugar algum. Mas isso está me assustando. É difícil dizer o
que se passa na minha cabeça, mas estou ficando louca com essas brigas.
Para Lynn, ficar sozinha era como cair no que ela chamava de buraco negro, um poço
de depressão que a consome por dentro. O buraco negro é a coisa mais assustadora que ela
pode imaginar e, sempre que Jeff sai de perto dela, ele cresce ameaçadoramente sobre ela.
Tivemos uma das piores crises quando o caminhão velho dele quebrou e ele começou
a sugerir que seria ótimo se pudesse comprar um novo. Dizia que poderia fazer muito mais
com um caminhão novo, talvez alguns bicos como apanhar mercadorias nos outros ranchos
do vale. Quando eu disse que não podíamos bancar um caminhão novo, ele ficou furioso.
Eu detesto brigar, mas infelizmente não tínhamos o dinheiro, eu ficava dizendo para ele.
Alguns dias depois disso, ele disse que a única coisa com que eu me importo é o dinheiro,
que eu não dava valor a todo o trabalho que ele tinha para tornar minha vida agradável e
feliz e que talvez eu desse mais valor a ele se me deixasse sozinha por algum tempo. Então
ele saiu e ficou fora de casa por quatro dias. Eu fiquei louca de preocupação. Eu o encon-
trei na casa do irmão e implorei para ele voltar para casa. Ele disse que só voltaria se eu o
respeitasse pelo que ele é e começasse a demonstrar esse respeito.
Jeff reagiu como um animal ferido, cheio de atitudes defensivas sobre seu papel no
relacionamento e humilhado pela lembrança constante de o quanto era financeiramente de-
pendente. Apesar da nossa grande evolução social nas últimas décadas, relacionamentos
como o deles continuam fora da norma tradicional e Jeff, como muitos homens cujas parcei-
ras ganham mais do que eles, sente-se numa posição frágil – que precisava proteger e justi-
ficar. O casal havia concordado com aquele arranjo financeiro, mas, para Jeff, Lynn mudava
os sinais toda vez que ele queria alguma coisa. De repente, o fato de ele não ganhar dinheiro
algum não era mais uma coisa boa e isso o deixou confuso, fazendo com que se voltasse
contra Lynn para recuperar o equilíbrio.
Por sua vez, Lynn passou da confusão e do medo para o pânico total. Relacionamen-
tos íntimos despertam nossos mais fortes temores porque é onde somos mais vulneráveis.
Podemos funcionar num alto nível em outras áreas das nossas vidas, apenas para virar geleia
diante de uma rejeição, ou uma ameaça dela, pelo parceiro.
Depois de todas as minhas súplicas, Jeff finalmente voltou para casa, mas não estava
falando muito e a tensão era tão grande que eu tinha de fazer alguma coisa. Eu não aguen-
tava mais. Meus pais eram assim – zangados, distantes e silenciosos, com toda aquela falsa
cortesia – e eu sempre detestei isso. Jurei que nunca viveria daquele modo com pessoa al-
guma. Então, eu tinha da abrir caminho entre os sentimentos negativos. Pensei muito e per-
guntei para mim mesma, o que é mais importante – Jeff ou o dinheiro?
Logo Jeff estava dirigindo um caminhão novinho em folha. Sendo algo inesperado ou
não, agora que conseguiu era como se tivesse conquistado uma pequena igualdade no rela-
cionamento e sabia o que era preciso para que Lynn consentisse. Embora não tivesse formu-
lado conscientemente uma estratégia para jogar com o medo que Lynn demonstrava ter de
zanga, silêncio e abandono, quando sentia que não estava recebendo o que precisava e me-
recia, usava seus trunfos. Criou-se um padrão: sempre que Jeff se afastava, Lynn cedia. Jeff
aprendeu que se Lynn ficasse com medo, bastava irritá-la com seu silêncio, que ela dava o
que ele queria – não que ele fosse uma pessoa ruim, não que estivesse tentando maltratar
Lynn, mas a coisa estava funcionando.
Como a chantagem de Jeff aparentemente é baseada no dinheiro, às vezes Lynn pare-
ce um contador tentando encaixar seus sentimentos num livro de balanço, enquanto evita
enfrentar o terror do buraco negro. E ela fica como uma louca obcecada ruminando seu pro-
blema.
Eu na verdade sou louca por ele, mas fico pensando se não estaria melhor sem ele.
Isso está me custando muito dinheiro. Ele depende completamente de mim.
Ela fala com maior relutância de sua própria dependência emocional de Jeff.
Como posso pensar em acabar o relacionamento e começar tudo de novo com outra
pessoa? Tenho tanto medo de voltar para a depressão em que estava antes de casar com
ele.
Eu disse para Lynn que ela estava jogando fora o bebê com a água do banho. Sim,
havia um conflito financeiro entre eles, mas seu medo de abandono cegava tanto que a tor-
nava incapaz de ver o relacionamento objetivamente sempre que Jeff a chantageava. Em vez
de tentar trabalhar um acordo saudável, Lynn ligou o piloto automático e, ressentida, con-
sentiu.
O medo nos leva a um pensamento preto-e-branco-catastrófico. Lynn estava certa de
que se enfrentasse Jeff, ele a abandonaria e isso dava a ela apenas duas opções: ceder ao que
ele queria, ou terminar o relacionamento, o que a livraria da chantagem, mas estaria sozinha
e de volta ao “buraco negro”. Eu disse a Lynn que havia outra escolha: juntas nós podíamos
resolver o aspecto do relacionamento que estava causando aos dois tantos problemas no pre-
sente, e trabalhar para aliviar seu medo de abandono.
Medo da raiva
Quando eu era pequeno, meu pai costumava gritar tão alto quando ficava bravo que
eu tinha medo de que a casa caísse em cima de nós. É ridículo, mas ainda sinto o mesmo
quando ele fica zangado comigo, embora ele tenha abrandado um pouco com a idade. Eu
reajo como se ele ainda fosse aquela pessoa assustadora da minha infância.
Reflexos condicionados
Obrigação
Nós todos chegamos à idade adulta com regras e valores bem estabelecidos a respeito
de o quanto devemos a outras pessoas e quanto do nosso comportamento deve ser determi-
nado por ideais como dever, obediência, lealdade, altruísmo e autossacrifício. Todos nós
temos ideias profundamente enraizadas sobre esses valores e geralmente pensamos que são
nossas ideias próprias, mas na verdade elas foram moldadas através da influência de nossos
pais, da educação religiosa, das crenças vigentes na sociedade, da mídia e das pessoas pró-
ximas a nós.
Geralmente nossas ideias sobre dever e obrigação são razoáveis, e formam um alicer-
ce ético e moral para nossas vidas, coisa que eu não sugeriria serem descartadas. Mas, mui-
tas vezes, nossa tentativa de comparar o peso da responsabilidade que temos conosco mes-
mos com o peso do que devemos a outras pessoas provoca certo desequilíbrio na balança.
Exageramos a favor do dever.
Os chantagistas nem por um momento hesitam em testar nosso senso de obrigação,
enfatizando de quantas coisas eles desistiram, o quanto fizeram pelo chantageado e o quanto
devemos a eles. Podem até usar os reforços da religião e das tradições sociais para acentuar
o quanto devemos sentir que devemos a eles.
Eles vão muito além dos limites do relacionamento de dar-e-receber, deixando claro
que, gostando ou não, o nosso dever é dar o que eles querem. Essas expectativas são especi-
almente confusas quando o chantagista tem sido generoso. Mas amor e boa vontade podem
rapidamente desaparecer da equação quando substituídos por obrigação e senso dever im-
posto.
Uma cliente que tratei anos atrás ficou na minha lembrança como o típico alvo de
chantagem manipulado por meio da obrigação e do dever. Maria, 37 anos, administradora
hospitalar, casada com um renomado cirurgião, descrevia a si mesma como uma dessas pes-
soas que está sempre presente quando se precisa. Ela aparecia às quatro horas da manhã se
você estivesse deprimido e precisando de companhia, e estava sempre ajudando as pessoas
porque gostava da satisfação de dar.
O marido, Jay, tirou a maior vantagem possível dessa característica durante todo o
tempo do atribulado casamento.
Eu pertenço à geração em que se casar, ter filhos e ser uma esposa boa e devotada é
o trabalho mais importante que uma mulher pode ter, e provavelmente Jay casou comigo
por isso. Eu gosto do meu trabalho no hospital, mas meu lar – esse é o centro do meu mun-
do. Fiz um seminário na minha igreja onde aprendi uma coisa que sempre levarei comigo.
Basta uma pessoa para um relacionamento dar certo. Se você der tudo o que tem e pedir a
ajuda de Deus, pode vencer todas as turbulências que surgirem na sua frente. Como mulher,
levo muito a sério tudo o que devo à minha família e Jay sabe muito bem disso.
Jay usou e abusou durante anos do senso de obrigação de Maria, enfatizando – e pro-
vavelmente acreditando – que, não importa o que fizesse, ele era um bom provedor, cum-
prindo sua parte no negócio.
Todos sempre acharam que éramos o casal perfeito, mas o que ninguém sabia era
que Jay era um mulherengo compulsivo. Antes do casamento, ele me contava suas aventu-
ras sexuais, gabando-se do número de mulheres que o perseguiam ou que estavam apaixo-
nadas por ele. Na verdade, eu não queria saber, mas era bom saber que eu fui escolhida
entre todas as mulheres que ele podia ter tido. Hoje eu sei o quanto fui ingênua.
Não sei ao certo quantos casos ele teve depois que casamos, mas sei que foram mui-
tos. Convenções fora da cidade, trabalho até altas horas no consultório, a frequência com
que confundia suas histórias e sua indiferença crescente para comigo eram todos sinais de
infidelidade. Então começaram os telefonemas de “amigos” que o tinham visto com outra
mulher. Meus instintos diziam que eles não estavam inventando, mas levei muito tempo para
resolver enfrentá-lo. Tantas ideias conflitantes enchiam a minha mente. Eu sentia que devia
a ele – ele tinha trabalhado arduamente para nós.
Jay tomou a ofensiva ao pressionar Maria para ficar com ele, haja o que houver –
porque isso era dever dela.
Ele negou tudo, é claro. “Como ousa acreditar nessas fofocas maldosas?” disse.
“Tudo o que eu faço é trabalhar e me sacrificar para que esta família tenha sempre o me-
lhor. Muitas vezes eu não queria ficar até tarde no hospital, mas fazia isso por você – e
agora está usando contra mim. Como pode pensar em me deixar e desmanchar a família?
Olhe à sua volta e veja o que você tem, comparado com o que as outras mulheres têm. Não
posso acreditar que não dê valor ao esforço que tudo isso me custou”. Quando ele termi-
nou, eu tive de concordar – eu devia a ele lealdade e confiança. E os meus filhos. Eu amo
demais os meus filhos. Como podia fazer isso com eles – eles amam o pai. Como eu podia
separar a família?
Então ele pôs as mãos nos meus ombros e murmurou no meu ouvido: “Vista aquele
vestido preto que eu gosto tanto e eu a levo para jantar. E não quero ouvir outra vez a pala-
vra divórcio. Isso é tudo fofoca e não tem nada a ver com você”. Fiquei tão confusa que
preguei um sorriso nos lábios, vesti o vestido e saí com ele, como se nada tivesse aconteci-
do.
Jay sabia exatamente quais eram os pontos mais sensíveis de Maria e para alcançá-
los ele descrevia as consequências de uma possível separação, procurando atingir direta-
mente seu senso de dever familiar. Além de abandonar o marido esforçado e trabalhador, ele
dizia, estariam também condenando os filhos a uma vida de abandono e infelicidade.
A relutância em desfazer uma família faz com que muitas pessoas continuem em re-
lacionamentos deteriorados. Ninguém quer traumatizar ou ameaçar a segurança dos filhos,
nem ter de lidar com o sofrimento e a incerteza deles. Alguns alvos de chantagem encaram
tão passionalmente suas obrigações com os filhos que fazem o que consideram erroneamen-
te um sacrifício nobre e desistem do seu direito de ter uma boa vida. Embora Maria fosse
infeliz, a ideia de desmanchar a família a deixava apavorada, mantendo-a paralisada.
Seu senso de obrigação era tão poderoso que quase a definia completamente. Maria
orgulhava-se disso, e instintivamente se defendia contra as sugestões de que sua vida não
fazia justiça aos seus próprios padrões. Exageros seguiam-se a exageros enquanto Jay de-
turpava o verdadeiro sentido de dever e responsabilidade, aumentando sua importância de
tal modo que encobria a sua própria infidelidade. Segundo Jay, a obrigação de Maria para
com ele tinha que ser completa. A obrigação dele para com ela terminava onde ele queria –
nesse caso, na ideia de permanecer fiel a ela. No seu papel de mártir e de como-pode-fazer-
isso-comigo, ele ignorava como podia fazer isso com ela e os filhos, já afetados pela tensão
que sua infidelidade havia criado. Como seria bom se os chantagistas fossem tão sensíveis
com nossos sentimentos quanto eles querem – e até mesmo exigem – que sejamos com os
deles.
Jay se recusava a fazer qualquer coisa em relação ao seu papel na desintegração do
relacionamento, dizendo que estava muito ocupado – e isso não era uma coisa necessária.
Ele não havia feito nada de errado e, se Maria era infeliz, então ela devia se “tratar” para
que pudessem voltar ao que era antes.
Eu disse a Maria que independente da posição que Jay – ou qualquer outra pessoa –
tomasse, sua obrigação era cuidar de si mesma, bem como dos outros. Sua atitude de auto-
negação ao se submeter à vontade de Jay não se baseava em seu amor-próprio ou no exame
de suas escolhas – era uma reação automática à chantagem emocional.
Como acontece tantas vezes com as pessoas facilmente manipuladas através do senso
de obrigação, Maria pensou em fazer o que era melhor para todos, menos para ela. A maio-
ria de nós tem uma terrível dificuldade para definir nossos limites, onde começa e termina a
nossa obrigação para com os outros. E, quando o nosso senso de obrigação é maior do que o
nosso amor-próprio e a nossa autoestima, os chantagistas aprendem rapidamente como tirar
vantagem disso.
A dívida eterna
Logo no início dos meus trabalhos com Lynn, descobri que ela havia revidado os ata-
ques de Jeff com uma chantagem própria.
Convidei Jeff para uma sessão em conjunto e pedi a ele para descrever o que tinha
acontecido:
Cheguei ao ponto em que precisava ficar longe dela por alguns dias. Nunca a ouvi
dizer exatamente o que ela pensa do nosso relacionamento, antes de ela me chamar na casa
do meu irmão, depois da briga por causa do caminhão. Ela chorou e chorou e finalmente
começou a gritar, dizendo mais ou menos isto: “Se você me amasse de verdade, jamais faria
isso comigo. Como pode ser tão egoísta? Você só pensa em si mesmo e só quer pegar, pegar
e pegar. Você sabe quem ganha o dinheiro aqui. Você sabe quem faz os cheques. Depois de
tudo o que eu fiz por você, como se atreve a me deixar assim? Se deixar de falar comigo
outra vez, o dinheiro vai parar tão depressa que nem vai ter tempo de pensar”. Foi quando
compreendi que tínhamos um sério problema. Depois disso, ficamos tão assustados com o
que estava acontecendo que resolvemos fazer terapia.
Como muitos chantagistas, Lynn mirou na questão de o quanto Jeff devia a ela, en-
quanto fazia uma série de julgamentos morais negativos sobre o caráter e os motivos dele.
Fez de tudo para coagir Jeff a ficar, indo muito além de enfatizar a obrigação dele para com
ela e tentando amedrontá-lo, como ele a havia amedrontado. Lynn desistiu do seu poder
quando foi freneticamente atrás dele pedindo para voltar e, para reconquistar esse poder,
passou para o papel de chantagista, de onde podia controlar.
Não é incomum num relacionamento a mudança de papéis dentro do casal, ambos se
alternando entre alvo e chantagista. Uma pessoa pode chantagear mais do que a outra, mas
raramente a chantagem é apenas de um lado. Podemos ser chantageados num relaciona-
mento e chantagistas em outro. Por exemplo, se o seu chefe faz chantagem emocional com
você no trabalho, a frustração e o ressentimento que você sente e não pode ou não quer ex-
pressar diretamente a ele pode fazer com que você use as mesmas táticas com seus filhos ou
com seu parceiro para recuperar um pouco a sensação de controle. Ou, como no caso de
Lynn e Jeff, a mudança pode ocorrer dentro do relacionamento, com o alvo chantageando o
chantagista.
A obrigação é um sentimento particularmente difícil de manter na proporção certa em
nossas vidas. Quando é muito pouco nos desviamos das nossas responsabilidades. Demais –
como quando Lynn começou a “contabilizar” cada contribuição sua para o relacionamento –
e somos soterrados sob o inevitável peso das cobranças e dos ressentimentos que surgem.
Daí para a chantagem é um passo.
Culpa
1. Eu pratico a ação.
2. A outra pessoa fica aborrecida.
3. Assumo toda a responsabilidade pelo aborrecimento da outra pessoa, quer eu te-
nha algo a ver com o caso ou não.
4. Eu me sinto culpado.
5. Faço qualquer coisa para corrigir a situação e poder me sentir melhor.
A culpa imerecida pode não ter nada a ver com prejudicarmos de fato alguém, mas
tem tudo a ver com acreditar que prejudicamos. Os chantagistas emocionais nos incitam a
assumir responsabilidade total por suas reclamações e desgraças, fazendo todo o possível
para reprogramar os mecanismos básicos e necessários da culpa verdadeira, transformando-
os numa linha de produção de culpas imerecidas onde as luzes piscam continuamente: cul-
pado, culpado, culpado.
O efeito é inegável. Nós todos queremos acreditar que somos pessoas boas, e a culpa
criada pelos chantagistas ataca especialmente a noção que temos a nosso respeito de sermos
pessoas amorosas e de valor. Nós nos sentimos responsáveis pelo sofrimento dos chantagis-
tas e acreditamos neles quando dizem que estamos aumentando o sofrimento deles quando
não fazemos sua vontade.
Acusar é o jogo
Numa lista como essa, as afirmações parecem absurdas. É muito provável que essas
queixas nada tenham a ver com o alvo criticado. Porém, geralmente não reconhecemos as
mensagens confusas pelo que elas são, porque a maioria de nós tem uma tendência para as-
sumir a culpa por qualquer coisa quando a pessoa de quem gostamos está com algum pro-
blema. Os chantagistas têm imenso prazer em deixar bem claro como e por que devemos
assumir toda responsabilidade pela situação, e por que a parte deles é mínima ou nenhuma.
Nós compramos a acusação e nosso sentimento de culpa flui livremente. Estamos prontos
para o alívio que sentimos quando cedemos ao chantagista.
Tecendo a teia
É impossível separar as emoções que formam o FOG dentro de nós quando o chanta-
gista emocional arma o palco para a manipulação. Onde encontramos um elemento do FOG,
os outros certamente estão por perto.
Com Maria, por exemplo, a obrigação e a culpa estavam estreitamente unidas. Pou-
cas pessoas podem considerar a possibilidade de não cumprir o que consideram sua obriga-
ção sem se sentir culpadas, e Maria não foi exceção.
Jay fez questão de repetir mil vezes que se eu o deixasse a culpa seria toda minha. Eu
ficava deitada na cama, pensando em como era estar falhando como esposa e mãe, e me
sentia culpada como o diabo. Devo admitir que fiquei paralisada por um longo tempo. Não
suportava a ideia de desapontar meus filhos – meu Deus, eles não merecem ter sua vida
desmantelada, arruinada. Qualquer coisa boa que eu tivesse feito no passado parecia com-
pletamente anulada pela ideia de desagregar a família. Eu mal podia dizer a palavra divór-
cio porque isso me fazia sentir extremamente egoísta.
Mais uma vez Maria se via em último lugar, e Jay sabia que podia contar com ela pa-
ra manter essa situação. Embora as ações de Jay dessem a ela motivos suficientes para se
sentir zangada e magoada, esses sentimentos eram sufocados pelo crescente sentimento de
culpa que sentia.
Como Maria, muitas pessoas continuam mantendo suas interações cotidianas com um
chantagista que as inunda de culpa, porém o ressentimento e até o autodesprezo que se for-
mam dentro delas é corrosivo. Com pouco prazer ou intimidade verdadeira, aquilo que pa-
rece ser um casamento ou uma amizade vai se transformando em uma estrutura oca.
Foi há muito, muito tempo. Meu marido, o pai de Melanie, morreu num acidente de
carro quando Melanie era pequena. Melanie estava no carro – foi gravemente ferida e ficou
com cicatrizes no rosto. Paguei a cirurgia plástica e ela ficou ótima, mas ainda se preocupa
com algumas marcas leves na testa. E claro, eu paguei anos de terapia porque sei o quanto
aquilo foi difícil para Melanie.
Levei muito tempo para eu lidar com meus sentimentos de culpa naquela noite. Eu
sabia que a culpa foi do outro motorista – mas se não tivéssemos entrado naquela rua… Se
tivéssemos esperado até o dia seguinte para viajar, como meu marido queria… se… Mela-
nie tem sua versão para provar que eu sou a vilã da história. Jamais deixa de me lembrar
de que íamos acampar porque eu insisti que precisava de um pouco de descanso. Se eu não
estivesse pensando só em mim mesma e em deixar o escritório por alguns dias, o carro não
estaria onde estava e o acidente não teria acontecido. Sei que é irracional, mas o caso é
que alimenta o meu sentimento de culpa e eu acabo dando o que ela quer.
Por mais que Karen procurasse aliviar seu sentimento de culpa, Melanie jamais a
deixava esquecer por muito tempo. Karen descobriu – como inevitavelmente o chantageado
acaba descobrindo – que ceder uma vez ou outra não acaba com a chantagem, apenas inten-
sifica as exigências.
Às vezes me pergunto – terei de pagar por isso o resto da minha vida? Tentei ajudá-
la, mas ela nunca está satisfeita. Sei que não tenho culpa pelos problemas dela, mas tudo
parece se resumir naquele momento em que um maldito bêbado bateu no nosso carro.
A culpa de Karen se confunde com seu o senso de obrigação para com a filha. Para
ela, esse sentimento de culpa contínuo significa que ela sempre vai dever a Melanie pelo
que aconteceu, mesmo não sendo sua culpa, e até Karen compreender o que está acontecen-
do, vai sempre se curvar às exigências de Melanie, numa tentativa de pagar pelo que ela so-
freu.
Eu não sei o que mais posso fazer para me penitenciar. Preciso sair de casa para ga-
nhar a vida e não posso passar o tempo todo procurando convencê-la do meu arrependi-
mento. Não sei como posso fazer com que Stephanie sinta-se segura outra vez e ela se recu-
sa a me dizer o que é preciso fazer. Mas ela não desiste. Eu a fiz sofrer, portanto ela vai me
quer ter certeza de que eu sofra tanto quanto ela, ou mais. Jesus, até os criminosos saem da
prisão depois de algum tempo, mas eu estou cumprindo pena de prisão perpétua sem condi-
cional.
Stephanie tinha todo o direito de estar zangada e magoada, mas ela estava mantendo
os dois suspensos no tempo e usando o sentimento de culpa de Bob para controlá-lo. En-
quanto a culpa dominasse suas interações, não havia a menor probabilidade de cura. En-
quanto Bob e Stephanie não aprendessem a manejar essa emoção instável, nenhum dos dois
era capaz de ver uma saída para a chantagem emocional, que havia posto o relacionamento
em paralisia profunda.
A culpa é a bomba de nêutrons do chantagista. Pode fazer com que o relacionamento
permaneça, mas desgasta a confiança e a intimidade que nos faz querer permanecer nele.
Confuso e desnorteado
Há muitos anos, eu morei numa comunidade na praia, onde, várias vezes por ano, a
neblina aparece no fim do dia e dura toda a noite. Certa noite, quando eu voltava tarde do
trabalho, a neblina estava extremamente espessa e eu dirigia o carro esforçando-me para
enxergar. Fiquei aliviada quando cheguei à minha rua e vi a entrada para a minha casa. Po-
rém, não sei por que, meu controle remoto não funcionava para abrir a porta da garagem.
Quando saí do carro para ver o que estava acontecendo, percebi que estava na frente da ga-
ragem da casa vizinha. Simplesmente, eu só percebi o que estava fazendo depois de ter fei-
to.
Minha experiência naquela noite foi idêntica ao que acontece quando viajamos den-
tro do FOG da chantagem emocional. Mesmo quando nosso senso de orientação é bom, o
FOG criado pela chantagem emocional acrescenta uma nova dimensão que nos desorienta,
mesmo no meio da situação mais familiar ou de um relacionamento.
Não se pode ter estabilidade emocional quando o FOG controla nossa vida. Ele des-
faz nosso senso de perspectiva, deforma nossa história pessoal e obscurece nossa compreen-
são do que está acontecendo à nossa volta. O FOG dribla os nossos processos de pensamen-
to e vai direto para nossos reflexos emocionais. De repente somos derrubados sem saber o
que nos atingiu. Placar: Chantagista 100 x Chantageado 0.
4. Os instrumentos de trabalho
Como é que os chantagistas criam FOG em nossos relacionamentos com eles? Como
nos manobram para que deixemos de lado nossos melhores interesses para cair no padrão
frustrante de exigência-pressão-consentimento?
Podemos começar a ter uma ideia de como o processo funciona examinando mais de
perto as estratégias consistentemente usadas pelos chantagistas – os seus instrumentos pes-
soais de trabalho.
Isolados e combinados esses instrumentos reforçam um ou mais elementos do FOG,
potencializando a pressão dentro de nós, até procurarmos alívio, cedendo à vontade do
chantagista. Eles também ajudam os chantagistas a justificar seus atos, tanto para eles mes-
mos quanto para nós. Esse elemento é crucial porque contribui para camuflar a chantagem
em razões aceitáveis, e até mesmo nobres, para efetivá-las. Como os pais que punem os fi-
lhos dizendo “só estou fazendo isso para seu bem”, os chantagistas são mestres na justifica-
tiva, e usam seus instrumentos para nos persuadir de que a chantagem, de certa forma, é pa-
ra o nosso próprio bem.
Os instrumentos são uma constante no cenário infinitamente variado da chantagem
emocional e todos os chantagistas, independente do estilo que adotam, usam um ou vários
deles.
Deturpando os fatos
Os chantagistas veem nossos conflitos com eles como reflexos do quanto somos de-
sorientados e desequilibrados, enquanto se definem como sensatos e bem intencionados. Ou,
simplesmente falando, nós somos os bandidos e eles os mocinhos. Em política esse processo
de passar os eventos pelo filtro do mocinho/bandido é chamado spin, ou deturpação dos fa-
tos em proveito próprio, e os chantagistas são os doutores originais do spin, mestres na arte
de pôr um halo em seus próprios caráter e motivos, maculando os nossos com sérias dúvi-
das, ou até mesmo com lama.
O doutor em spin
Uma mulher chamada Margaret me telefonou certo dia dizendo que seu casamento
estava com um problema sério e ela queria ver se havia algum meio de salvá-lo. Marcamos
uma entrevista e, quando ela chegou, fiquei impressionada com seu encanto e porte gracio-
so. Margaret tinha quarenta e poucos anos e estava divorciada há cinco anos, quando conhe-
ceu o novo marido num grupo de solteiros da igreja. Depois de um namoro curto e intenso,
os dois se casaram. Estavam juntos há mais ou menos um ano quando ela me procurou.
Estou tão confusa e deprimida! Preciso de algumas respostas – não sei quem está
certo, ele ou eu. Realmente, pensei que desta vez tinha acertado. Cal é bonito, bem-
sucedido e eu pensei que fosse realmente bom e carinhoso. O fato de termos nos conhecido
na igreja era importante para mim porque significava que nossos valores e crenças eram
iguais. Imagine o meu choque quando mais ou menos oito meses depois de casados ele me
pediu para eu fazer parte de sexo grupal com ele – e ele tem feito isso há anos. Disse que
me amava tanto que queria compartilhar esse prazer comigo.
Quando eu disse que de modo nenhum eu faria isso – a ideia me enoja – ele ficou
genuinamente chocado. Disse que sempre amou a minha sensualidade, e queria me iniciar
em algo que iria enriquecer realmente a minha vida. Disse que sabia que estava se arris-
cando falando no assunto, mas que aquilo era uma prova de amor da parte dele querer par-
tilhar tudo comigo. E fazer aquilo com ele seria uma prova de amor de minha parte.
Quando eu disse definitivamente que não, ele ficou muito ofendido e zangado. Disse
que havia se enganado comigo. Pensou que eu era uma mulher liberal, de mente aberta e
carinhosa, e não tinha ideia de que eu pudesse ser tão desmancha-prazeres e puritana – eu
não era o tipo de mulher por quem ele tinha se apaixonado. Então ele me feriu profunda-
mente. Disse que se eu não fizesse, ele tinha muitas ex-namoradas que dispostas a fazer.
Como todos os doutores em spin. Cal estava interpretando seus desejos em termos
cintilantemente positivos e descrevendo a resistência de Margaret como sombriamente ne-
gativa. Os chantagistas nos dizem que precisam vencer porque o que eles querem trará algo
muito mais amoroso, mais aberto, mais maduro. É o que há de melhor. E isso é um direito
legítimo deles. Ao mesmo tempo – e às vezes, da forma mais delicada – eles nos chamam de
egoístas, arrogantes, imaturos, tolos, ingratos, fracos. Qualquer resistência da nossa parte é
transformada em algo que vai desde um sinal de carência até uma evidência das nossas fa-
lhas.
Cal chegou até a insinuar que Margaret o havia sido enganado ou iludido pelo com-
portamento anterior dela. Mas talvez ela pudesse mudar a opinião dele se concordasse em ir
com ele, o que provaria que ela era a mulher de mente aberta e sensual que ele queria que
fosse.
Confusão de rótulos
Vou focalizar os rótulos usados por Cal para descrever Margaret porque o spin sem-
pre envolve o uso de adjetivos – positivos para o chantagista e o chantageado obediente,
negativos para a pessoa que resiste. Cal interpretou suas diferenças com Margaret como in-
dicação de que havia algo errado com ela e então passou a fazer uso de rótulos para reforçar
sua posição. A experiência é desorientadora. Os rótulos usados pelos chantagistas são tão
diferentes daqueles que nós escolheríamos, que depois de algum tempo começamos a duvi-
dar dos nossos próprios rótulos, e a internalizar os questionamentos do chantagista sobre a
nossa capacidade, as nossas percepções, o nosso caráter, os nossos méritos, o nosso charme,
os nossos valores. Estamos presos num denso FOG da pior espécie, como disse Margaret.
Eu não conseguia entender como Cal podia ser tão diferente do homem com quem
pensei ter casado. Como podia ter me enganado tanto? Não podia acreditar. Da maneira
mais racional que alguém possa imaginar, fez parecer como se eu o tivesse levado a acredi-
tar que faria qualquer coisa com ele, e continuava dizendo como seria bom para nós en-
quanto casal. Segundo ele, para mim era mais fácil pensar que estava deixando de perceber
alguma coisa e que, se conseguisse compreender suas ideias sobre sexo grupal, a coisa não
me pareceria tão absurda. Isso me deixou realmente em conflito. Pensava: talvez eu seja
convencional. Talvez até um pouco puritana. Talvez eu simplesmente não seja capaz de en-
tender. Comecei a pensar que havia alguma coisa errada comigo e que eu estava fazendo
uma tempestade num copo d’água.
Margaret estava certa de que para ela – e para seu casamento – o sexo grupal não po-
dia ter efeitos positivos, mas como Cal continuava insistindo, ela começou a duvidar de si
mesma. Quando o spin é eficiente, faz com que fiquemos confusos sobre o que é prejudicial
ou saudável, e passamos a questionar o que está acontecendo entre nós e o chantagista.
Aceitamos o spin porque queremos que nossos amigos, amantes, chefes ou membros da fa-
mília sejam corretos e bons, mas não pessoas cruéis, insensíveis ou opressivas. Todos nós
queremos confiar no outro, em vez de reconhecer que ele ou ela nos está manipulando,
usando rótulos que nos deixam envergonhados ou nos fazem sentir anormais.
Margaret tentou ardentemente adaptar de maneira lógica a situação à imagem que
havia visualizado de sua vida com Cal. Certamente havia algo que ela não compreendia ain-
da, uma interpretação que faria parecer aceitável a exigência de Cal. Se suas preocupações
eram válidas, o que isso significaria sobre o seu casamento, sobre Cal? Eram perguntas as-
sustadoras, e em algum nível Margaret não queria enfrentá-las. Não queria admitir para si
mesma que havia cometido um erro a respeito de Cal. Era menos doloroso para ela aceitar a
versão que Cal apresentava da realidade, do que enfrentar a incômoda verdade sobre ele e o
relacionamento deles.
Cal, além de induzir Margaret a duvidar dela mesma, valeu-se fortemente de seu sen-
so de obrigação. No seu spin, era dever de Margaret, como esposa, participar no sexo grupal
com ele – ele não queria uma mulher que negava isso a ele. Imagine a surpresa dela e o
quanto deve ter se sentido vulnerável quando ele ameaçou substituí-la por alguém disposta a
concordar com seu pedido “razoável”. Infelizmente, Margaret cedeu.
Não posso acreditar que cedi à pressão e concordei em tentar, já que significava tan-
to para ele. Estou terrivelmente envergonhada. Detestei cada minuto. Eu me senti suja e
furiosa e terrivelmente deprimida.
O FOG era tão espesso e Margaret tinha ficado tão desnorteada que não era de se
surpreender que ela tivesse feito algo que, em outras circunstâncias, nunca chegaria a fazer.
Transformando-nos em “Bandidos”
Eu não podia acreditar no que meu pai estava dizendo. Era como se eu tivesse criado
uma espécie de conspiração para arruinar a vida dele. Por que eu o estava torturando? Por
que eu estava cravando uma estaca no seu coração? De um dia para o outro eu passei de
filho bom para o maior salafrário da família.
Josh estava longe da família há muitos anos, mas como a maioria das pessoas que
ouvem o pai ou a mãe dizer “Você me fez sofrer”, ou “você me desapontou”, sentiu o im-
pacto dessas afirmações como um soco no estômago.
Palavras como essas, vindas de uma pessoa que nos é chegada, inserem-se em nós,
afetando o giroscópio interior que dirige nossos atos, deixando-nos com um senso comple-
tamente precário de nós mesmos. Evidentemente, podemos ser chamados de insensíveis,
imprestáveis, ou egoístas em qualquer relacionamento com um chantagista, mas esses adje-
tivos são especialmente difíceis de suportar quando vêm do pai ou da mãe, que durante to-
dos os anos da nossa formação consideramos repositórios da nossa sensatez e da nossa inte-
gridade. Pais que usam o spin contra os filhos podem arrasar a nossa autoconfiança mais
depressa do que qualquer outra pessoa.
Patologizando
Tenho a sensação de que Alice é mais devotada a mim do que qualquer outra pessoa
que já conheci. Foi um barato incrível o tempo que passei com ela assim que nos conhece-
mos. Ela ia para minha casa, sentava na minha cama e lia os rascunhos do meu trabalho e
se empolgava com eles. Parecia apreciar o que eu estava tentando fazer e gostava daquilo
tanto quanto eu. Eu me apaixonei loucamente por ela. Alice já viu todos os filmes que eu fiz,
tem senso de humor, é uma beleza e acha que fomos feitos um para o outro.
Porém, depois de alguns meses, ela começou a insistir para morarmos juntos. Vivia
dizendo que achava maravilhoso o fato de termos nos encontrado e que sabia que o relaci-
onamento transformava nossas vidas. Tudo o que eu precisava fazer era abandonar minha
resistência – deixar o barco correr e deixar que Deus nos guiasse para o grande relaciona-
mento. Ela dizia que minha relutância era por causa do meu rompimento com minha ex no
ano passado, mas que eu tinha de enfrentar meus temores, não fugir deles. Parecia bom,
mas para mim parecia apressado demais.
Alice e Roger passavam muito tempo falando sobre o trabalho que cada um deles es-
tava fazendo para o Al-Anon e um ajudava o outro. Mas Alice gostava de fazer o papel de
terapeuta, especialmente quando Roger falava sobre seu temor de que o relacionamento es-
tivesse caminhando muito depressa. Ele estava tentando controlar as coisas, ela dizia, e pre-
cisava parar de resistir. Mesmo nessa fase inicial, Alice definia a hesitação de Roger como
sequelas de um comportamento neurótico do tempo em que ele bebia, embora ele estivesse
sóbrio há onze anos. E Roger acreditou nessa interpretação. Apesar da sensação de que Ali-
ce o estava confundindo, resolveu que talvez ela estivesse certa. Disse a ela que podia se
mudar para o apartamento dele.
Ela parecia ver com tanta clareza o nosso futuro, e eu estava apenas tentando levar a
coisa um passo de cada vez – mas quando alguém ama a gente desse modo, parecem toma-
dos por uma enorme onda de energia, e você é arrastado para dentro dela. Admito que isso
me deixou um pouco tenso, mas estava me virando. Porém, nos últimos dois meses, ela co-
meçou a falar em ter um filho. Ela está com 35 anos e realmente ávida por um filho. Ela diz
que não precisamos casar, mas isso seria uma chance perfeita de expressar todo nosso
amor e criatividade. Ela deu para ler em voz alta livros sobre bebês e mostrar fotos minhas
de quando eu era pequeno para ver como o bebê vai ser. Para mim é demais. Não sei se
quero passar o resto da minha vida com ela, ou se quero ser pai de alguém. Preciso de es-
paço para trabalhar e escrever.
Não que eu não goste dela e não ache que ela é sensacional, mas preciso esclarecer
as coisas. Não tenho certeza de sentir por Alice o que ela parece sentir por mim – simples-
mente não tenho certeza. Então eu disse que precisava ficar sozinho por um tempo para
conseguir uma perspectiva melhor.
Ela disse alguma coisa como “Tenho medo de você quando fala desse modo. Você
disse que me amava, mas pelo que acabou de dizer, tenho de pensar que é um tremendo
mentiroso. Sei que tem medo de se aproximar demais de mim, depois da confusão que você
criou em seu último relacionamento, mas pensei que estivesse pronto para começar a viver
no presente e não mais no passado. Sei que sou uma pessoa muito intensa, mas pensei que
tinha encontrado o meu par. Acho que não posso ficar zangada, mas tenho pena de você.
Você tem muito medo da vida para jamais experimentar o amor. Só se sente bem com suas
pequenas fantasias de cinema. Enfrente a verdade, você é um bêbado sóbrio, exatamente
como o seu pai mulherengo”.
Fico repetindo essas palavras na minha cabeça e me perguntando se ela tem razão.
Eu tenho mesmo muita dificuldade para estabelecer relacionamentos. Talvez eu não saiba
estar com alguém que me ama de verdade.
Eu disse a Roger que ele tinha deixado passar uma coisa que a maioria das pessoas
esquece: não há nada de “errado” com você só porque não ama uma pessoa tanto quanto ela
o ama. Como muitos patologizadores, Alice usou erradamente a palavra amor. Seus atos
estavam repletos de dependência, desespero e da necessidade de possuir Roger completa-
mente, o que nada tem a ver com amor de uma pessoa madura. Mas para ela a pressão se
justificava em nome da sua enorme e avassaladora paixão por ele – e se Roger não podia
igualar sua intensidade, a única explicação que ela podia aceitar era de que ele devia ter al-
gum horroroso problema psicológico.
Em sua reação ao pedido de Roger por mais espaço, Alice recorreu a uma tática mui-
to usada pelos patologizadores: revidou atirando no rosto dele as coisas desconfortáveis que
Roger havia confiado sobre ele mesmo e sua família. Roger havia contado coisas sobre pai
dele, que havia substituído a bebida por sua compulsão pelas mulheres e Alice sabia que,
como geralmente acontece, Roger temia “ficar igual ao pai”. Segredos, temores ou confi-
dências partilhadas com um patologizador tornam-se armas de fácil acesso num conflito.
Fatos dolorosos da vida – divórcios, batalhas pela custódia dos filhos, abortos – que conta-
mos num momento de intimidade são usados como provas da nossa instabilidade. Para Ro-
ger, a “evidência” apresentada por Alice de que sua sobriedade duramente conquistada foi
de alguma forma distorcida era motivo de alarme.
Os chantagistas emocionais geralmente nos acusam de incapacidade de amar ou de
conservar amizades, simplesmente porque não nos sentimos tão próximos deles, como ami-
gos ou amantes, quanto eles acham que devíamos sentir. É uma variedade de patologização
a qual muitos de nós somos vulneráveis, especialmente quando consideramos os relaciona-
mentos íntimos como teste decisivo da nossa sanidade mental. Embora seja uma extensão
para os chantagistas argumentar que um relacionamento não está dando certo porque esta-
mos doentes ou danificados, ideias como essas vão direto ao coração e geralmente alcançam
o objetivo.
Nem todos os patologizadores classificam abertamente seu alvo como doente. Esse
instrumento possui disfarces mais sutis. Quando me procurou, minha cliente Catherine esta-
va com a confiança abalada, depois de várias desavenças com sua antiga terapeuta.
Ficou claro para mim não só pelo tom de voz, mas pela linguagem corporal e sua
atitude como um todo, que ela estava irritada comigo – e eu me sentia horrível com isso. Eu
tinha medo de que ela ficasse furiosa comigo. Isso seria a confirmação definitiva de que eu
não estava bem. Afinal, nosso terapeuta é o árbitro do que é certo ou errado, e se minha
terapeuta não gosta de mim ou não me aprova, é porque realmente há algo de errado comi-
go. Além disso, eu sempre tive medo de palavras ásperas e furiosas. Quando estamos tra-
tando com alguém numa posição de autoridade, tudo isso é multiplicado por dez.
Arrogantemente, “autoridades” como Rhonda mostram que não podem ser questio-
nadas ou contrariadas. Dizem que querem o melhor para nós e que resistir a isso é uma pro-
va de o quanto somos obstinados, mal informados e inseguros. Eles são os especialistas no
assunto, mesmo quando se trata do profundo conhecimento que temos de nós mesmos, e não
temos o direito de questionar seus conselhos ou sua interpretação da situação.
Segredos perigosos
Grande parte das famílias que têm segredos “vergonhosos” como abuso de criança,
alcoolismo, distúrbios emocionais e suicídio, fazem um acordo tácito de esconder esses fa-
tos e nunca falar a respeito. Mas quando uma pessoa tenta modificar os costumes e se afas-
tar desse sistema familiar que sobrevive na base da negação e do segredo, é comum ser es-
tigmatizada pelos outros membros da família como alguém louco, degenerado ou destruidor
da família, por ousar questionar tais segredos por tanto tempo negados. Vi esse tipo de pato-
logização frequentemente nos anos em que me especializei em trabalhos com adultos que
foram vítimas de abuso sexual e/ou físico na infância. À medida que os meus clientes come-
çavam a se recuperar, queriam e precisavam falar sobre suas experiências, mas algumas fa-
mílias lutavam obstinadamente para que isso acontecesse.
E axiomático que quanto mais problemática é uma família, mais procura bloquear os
membros que tentam recuperar a saúde mental. E quase sempre usam a chantagem. Amea-
ças de abandono, expulsão, castigo, retaliação e total desaprovação e desprezo podem esma-
gar a determinação da pessoa cuja tentativa corajosa de reestabelecer sua sanidade mental
foi patologizada como egoísta, inconveniente e destrutiva.
Roberta, 30 anos, executiva de telemarketing, tem ainda marcas no pescoço e nos os-
sos provocadas pelo abuso a que foi submetida pelo pai. Quando nos conhecemos ela estava
hospitalizada para tratamento de depressão numa das clínicas onde eu trabalhava. Uma das
primeiras coisas que ela me disse foi que não podia mais guardar segredo do abuso físico da
família.
Quando Roberta começou a falar sobre sua infância, ela procurou a confirmação da
mãe sobre tudo o que tinha visto e experimentado, mas em vez da compreensão que espera-
va, o que recebeu foi uma patologização.
Há seis meses procurei minha mãe e contei que havia descoberto que tinha ainda al-
gumas marcas de antigos castigos infligidos por meu pai. E ela praticamente explodiu. Dis-
se que eu falava como se meu pai tivesse me matado ou coisa assim. Eu disse: “lembra
quando papai me pegou pelos cabelos, me rodopiou e me jogou no chão?”.
Ela me olhou como se eu fosse uma extraterrestre e disse: “Oh, meu Deus de onde
está tirando essas ideias? O que aqueles médicos estão dizendo para você? Eles fizeram
lavagem cerebral em você?”. E eu disse: “Mamãe, você estava sempre por perto quando
ele me espancava – na porta, assistindo”. Ela surtou. Não podia suportar aquilo. Disse que
eu estava inventando tudo aquilo e que eu devia estar louca. Como eu ousava falar do meu
pai daquele jeito? Ela disse que não podia mais falar comigo enquanto eu não procurasse
ajuda e parasse de contar mentiras tão terríveis. Foi devastador.
Para a mãe de Roberta aquelas lembranças eram tão ameaçadoras que ela não só ne-
gou como também pressionou Roberta para fazer o mesmo, ameaçando cortar qualquer con-
tato com ela enquanto não parasse de perturbar a família. Tentativas saudáveis como a de
Roberta para trazer à tona e discutir o que aconteceu com ela geralmente são quase sempre
vistas como mórbidas pelos outros membros da família, classificadas de “ficção” ou “exage-
ro” e o produto de uma mente doentia. Podemos precisar desesperadamente expressar a ver-
dade do que aconteceu, mas é preciso muita determinação, preparação e apoio para enfrentar
a patologização generalizada que acompanha os abusos contínuos ou os problemas mais
profundos da família.
A patologização atua em uma área de difícil defesa para nós. Seria fácil nos defender
contra as críticas contra as nossas habilidades e realizações quando estamos cercados por
sólidas confirmações externas do que somos capazes de fazer. Mas quando um chantagista
diz que somos psicologicamente deficientes de alguma forma, podemos aceitar essa descri-
ção como uma interpretação legítima. Sabemos que não podemos ser completamente objeti-
vos sobre nós mesmos, e muitas vezes nos apavoramos achando que estamos possuídos por
demônios. Os patologizadores agem sobre esse temor.
Como o spin, a patologização nos faz duvidar das nossas lembranças, do nosso jul-
gamento, da nossa inteligência e do nosso caráter. Mas com a patologização isso vai mais
longe. Esse instrumento nos faz duvidar da nossa sanidade.
Recrutando aliados
Mamãe telefonou e nos pediu para vir e contar a verdade sobre o que aconteceu na
nossa família, porque somos uma boa família e Roberta só está tentando nos destruir. A se-
nhora sabe o quanto ela tem estado doente – olhe para ela, entrando e saindo do hospital
por causa de depressões, tentativas de suicídio… Não ficaria surpreso se ela estivesse ou-
vindo vozes, ou coisa parecida.
Ele sorriu, olhando para os pais e irmãs e todos balançaram afirmativamente as cabe-
ças.
Ela sempre teve grandes problemas. Nós todos queremos ajudá-la a melhorar, mas
não podemos deixar que ela saia contando histórias de horror a nosso respeito. Ela inven-
tou esse negócio de abuso, e muita gente parece acreditar nisso. Só queremos limpar nosso
nome e conseguir para que ela tenha a ajuda que precisa.
Roberta já estava tendo dificuldade para continuar afirmando o que ela sabia, depois
da negação da mãe, e agora a tarefa estava mais difícil ainda. Ela estava enfrentando uma
sala cheia de chantagistas que queriam obrigá-la a ficar calada. E aquele grupo coeso de
pressão dizia à “traidora” que só seria bem-vinda ao seio da família se ficasse de boca fe-
chada, para que eles pudessem continuar com o tipo de comportamento que, embora destru-
tivo para todos, era familiar e, portanto, bem aceito.
Ele viu que as ameaças, seduções e todas as coisas que tinham funcionado no passa-
do não surtiam mais efeito, por isso chamou a artilharia pesada – os pais dele. Eu adorava
meus sogros. O pai dele também era médico e a mãe uma boa alma que tem sido maravi-
lhosa comigo desde o dia em que nos conhecemos. Assim, quando o pai de Jay telefonou
sugerindo uma reunião de família na casa deles, eu hesitei um pouco, mas achei que devia a
eles essa consideração.
Assim que entrei, percebi que tinha cometido um erro. Jay tinha chegado mais cedo e
evidentemente havia contado aos pais o quanto eu estava sendo irracional. Como seria pos-
sível eles serem objetivos sobre o seu menino dourado e serem justos comigo?
A preocupação de Maria era justificada. De modo algum os pais de Jay podiam ser
objetivos naquela situação e o que aconteceu não foi surpresa.
Durante mais de uma hora eles falaram sobre as crises que todos os casamentos
atravessam, dizendo que não se pode ir embora ao menor sinal de problemas. Disseram que
Jay tinha concordado em passar mais tempo em casa e diminuir suas horas de trabalho no
hospital e que isso resolveria o nosso desentendimento. Agora, se eu parasse de usar a pa-
lavra divórcio, ninguém precisava saber de coisa alguma. Perguntaram se eu queria ter na
consciência a destruição da família, especialmente sabendo o quanto Jay me amava. Disse-
ram que o sofrimento dele partia seus corações, e você sabe o que isso podia fazer com as
crianças? Como eu podia ser capaz de fazer tantas pessoas infelizes quando o meu marido
fazia tanto para garantir um bom futuro para mim?
Quando perguntei se Jay tinha contado sobre os casos extraconjugais dele, pela rea-
ção deles percebi que não. Ficaram tão embaraçados que cheguei a pensar que talvez com-
preendessem um pouco a mais minha infelicidade por estar com seu filho. Então o pai disse
a coisa mais incrível: “Essa não é uma boa razão para destruir uma família! A família vem
em primeiro lugar. Não se pode destruir tudo ao primeiro sinal de um problema e jogar tu-
do pela janela. Pense nas crianças – nossos netos”. Isso doeu!
Agora, em vez de estar enfrentando uma pessoa só numa quebra-de-braço, Maria es-
tava com três, e isso consumiu todas as suas forças interiores para conseguir permanecer
firme. A mensagem de todos eles era exatamente a mesma – era como se Jay tivesse escrito
o roteiro – mas ouvir as mesmas palavras de Jay na boca de pessoas que ela amava e confia-
va tinham um peso muito maior ainda.
Quando amigos e família não são reforços suficientes para os chantagistas, eles po-
dem recorrer a uma autoridade superior, como a Bíblia, ou outras fontes externas de conhe-
cimento ou especialidade, para solidificar sua posição. Esta forma de pressão pode soar tão
simples como: “Minha terapeuta diz que você está sendo implicante” ou “Eu fiz um curso
onde aprendi que…” ou “A consultora sentimental do jornal diz que…” ou “Meu primo, que
fez pós-doutorado, disse que…”.
Sensatez e sabedoria ecoam de modo diferente em cada um, e ninguém pode reivin-
dicar seu monopólio, mas podemos contar com a insistência do chantagista, através de cita-
ções seletivas, comentários, ensinamentos e mais uma quantidade enorme de fontes para
provar que só existe uma verdade: a dele.
Comparações negativas
“Porque você não pode ser como…” Essas palavras representam um violento golpe
emocional que atinge violentamente as dúvidas que temos sobre nós mesmos, o nosso medo
de não sermos adequados. O chantagista geralmente cita outra pessoa como modelo, um
ideal impecável que nunca podemos alcançar. Essa pessoa não teria problema algum em
satisfazer as exigências do chantagista – por que nós não podemos?
“Veja sua irmã – ela está superinteressada em ajudar no negócio”.
“Frank não parece ter problema algum para entregar o trabalho dentro do prazo – tal-
vez você possa conseguir algumas dicas com ele”.
“Você não vê Mona abandonando o marido quando as coisas ficam difíceis”.
Comparações negativas de imediato nos fazem sentir deficientes. Não somos tão
bons, nem tão leais, nem tão bem dotados quanto fulano ou fulana, e nos sentimos ansiosos
e culpados por causa disso. Tão ansiosos, de fato, que podemos nos dispor a fazer a vontade
do chantagista só para provar que ele está errado.
Minha cliente Leigh é corretora da bolsa cuja mãe, Ellen, é faixa-preta na arte das
comparações negativas, e tem sentido essa pressão de várias maneiras através dos anos.
Quando meu pai morreu, minha mãe ficou completamente indefesa. Durante toda a
vida algum homem tinha tomado conta dela, e quando meu pai morreu ela passou para mim
a responsabilidade por sua vida.
Logo descobri que as minhas obrigações eram (a) passar grande parte do meu tem-
po com minha mãe e (b) arranjar um advogado para ela, um contador para ela e fazer uma
porção de coisas que ela podia perfeitamente fazer sozinha. Mas ela é muito boa no papel
de coitada e imediatamente entrei no jogo. Não tenho dificuldade para fazer essas coisas,
então não havia problema algum para mim. A lenda é que eu ganharia amor e aprovação
por causa disso. Mas a realidade é que não existe coisa alguma que satisfaça uma mulher
como minha mãe. Assim, é claro, o contador tinha cobrado caro demais, o advogado não
passava de um salafrário, e eu era uma criminosa por ter deixado de jantar com ela porque
tinha prometido ao meu filho ajudá-lo no ensaio de sua peça na escola.
Se o que eu fazia não estivesse perfeito, com certeza iria ouvir um sermão. E sempre
que eu começava a me afastar, ela pedia ajuda da minha prima Caroline. Muito rapidamen-
te era “Caroline quer ficar comigo o tempo todo. Veja que boa filha ela tem sido para mim
– muito mais do que minha própria filha”. Eu me pergunto se ela tem a mínima ideia do
quanto essas palavras me feriam e como me faziam sentir culpada. Passei a ficar mais tem-
po do que eu queria com ela, tentando resolver seus problemas, só para evitar ser compa-
rada com Caroline.
A pessoa com quem somos comparados parece receber todo o amor e toda a aprova-
ção que desejamos para nós, e é plenamente natural que nossa reação seja competitiva ten-
tando conseguir aquela posição. Para Leigh as comparações eram intermináveis, e impossí-
veis de serem igualadas.
Pressão perigosa
Eu sou bastante eficiente e tenho muitas ideias boas. Trabalho bem com escritores e
gosto do meu trabalho. Mas meu chefe exige de mim mais do que de qualquer outra pessoa
no escritório e está sempre me comparando com Miranda. É como se eu nunca fosse capaz
de fazer o bastante. Se eu consigo quatro contratos numa semana, meu chefe, Ken, diz: “Is-
so é ótimo. Miranda fazia isso em uma semana de pouco movimento. O recorde dela era de
oito ou nove”. Se eu digo que preciso sair na hora, numa noite qualquer, em vez das minhas
10 ou 11 horas habituais, ele diz que a ética do trabalho morreu com Miranda. Ela é lendá-
ria porque praticamente vivia no escritório.
Eu acredito que Miranda devia ter sido brilhante – mas ela bebe como um gambá,
não tem família e vive para o trabalho. O caso é que estou tentando competir com ela – e eu
tenho a minha vida. Preciso passar algum tempo com meus filhos e com meu marido, fazer
o trabalho na minha igreja, coisas que são realmente importantes para mim. Mas Ken está
sempre exigindo mais, e às vezes quando ele diz que eu posso vir a ser a próxima Miranda,
se eu fizer apenas mais um projeto, eu mordo a isca. Ele me faz ir para frente e para trás.
Se não faço o que ele quer, diz que estou longe de me igualar a ela. E sempre diz também
que tenho talento para ser uma estrela como ela – se fizer o trabalho extra que ele quer. Ele
diz que não devo ver como trabalho extra, mas pensar como um seguro do meu emprego.
Minha família está ficando louca porque eu nunca estou presente, estou ficando exa-
usta, e comecei a sentir dores nos braços e no pescoço por causa do computador. E, o pior
de tudo, estou questionando a minha competência. Além disso, me sinto no dever de atingir
o padrão de Miranda, como se nunca pudesse ser boa o suficiente enquanto não chegar lá.
O chantagista emocional detesta perder. Ele pega o velho ditado que diz “Não impor-
ta se você ganha ou perde, o importante é como você joga”, e o inverte, dizendo “Não im-
porta como você joga, o importante é não perder”. Para o chantagista emocional não vale
conservar nossa confiança, não vale respeitar nossos sentimentos, não vale ser justo. As re-
gras básicas que permitem o dar-e-receber e a convivência saudáveis são jogadas pela jane-
la. No meio de um relacionamento que nos parece sólido, é como se alguém de repente gri-
tasse: “CADA UM POR SI!”, e imediatamente a outra pessoa pula para tirar vantagem de
nós quando estamos desprevenidos.
Por que vencer é tão importante para ele? Por que faz isso conosco? Por que precisa
tanto conseguir o que querem de modo tão prejudicial a ponto nos punir se isso não aconte-
cer?
Frustração e rejeição
Com esses pensamentos girando o tempo inteiro em sua mente, os chantagistas acre-
ditam que não têm nenhuma chance de vencer – a não ser que endureçam o jogo. Essa cren-
ça é o denominador comum por baixo de todo tipo de chantagem emocional.
Privação e dependência
Para alguns chantagistas essas convicções estão enraizadas numa longa história de
ansiedade e insegurança, e se procurarmos em seu passado geralmente vamos encontrar im-
portantes conexões entre incidentes de sua infância e alguns de seus medos adultos de pri-
vação. Allen, o empresário cuja mulher usou de chantagem para evitar que ele fizesse pla-
nos que não a incluíssem, começou a compreender alguns dos motivos daquele comporta-
mento quando, um pouco antes do aniversário da morte do pai, Jo ficou extremamente tris-
tonha.
Perguntei se podia fazer alguma coisa para animá-la, e ela me mostrou algumas fo-
tos que eu nunca vira antes, da sua formatura no primeiro grau. O pai tinha morrido duas
noites antes das fotografias e ela parecia uma menininha assustada tentando sorrir. Em se-
guida Jo teve de tratar de tudo depois da morte dele – telefonar para os parentes, tratar do
enterro, até mesmo se preparar para a grande cerimônia na escola, em que ia fazer o dis-
curso que o pai a ajudou a escrever. Tinha de ficar firme, porque a família toda desmoro-
nou. Recentemente falei com a mãe dela sobre isso e ela disse que Jo nem chorou muito.
Apenas se isolou no quarto.
Jo me disse que amava o pai como nunca havia amado ninguém e então, de repente,
ele se foi. Acho que ela sempre teve medo de que eu também fosse embora e aquele apego
todo era uma forma de me segurar.
Foi fácil localizar as raízes primárias da privação de Jo, mas sempre devemos ter em
mente que o comportamento humano é complexo, modelado por uma variedade de fatores
fisiológicos e psicológicos. Geralmente desafia uma explicação simples. Nascemos com
temperamento e predisposições genéticas pessoais – o nosso circuito exclusivo – e esses
elementos interagem com o modo como somos tratados, com o que aprendemos sobre nós
mesmos e com nossos relacionamentos com outras pessoas, determinando a forma das nos-
sas vidas interior e exterior.
Eve, cujo namorado artista, Elliot, era supersensível à frustração e frequentemente
fazia ameaças de autodestruição quando se sentia em perigo, certa vez me contou uma con-
versa que teve com a irmã de Elliot.
Ela riu quando perguntei se sabia por que ele estava sempre fazendo birra. A irmã
disse que ele era assim desde que nasceu. Quando era ainda um bebê, se a mamadeira não
estivesse na posição certa na sua boca ou se ficava molhado por dois segundos, gritava
como se fosse derrubar a casa. Quando cresceu um pouco, era um terror com seus ataques
de raiva. Ela disse que era o jeito dele – a criança mais geniosa e mais carente que já tinha
visto.
A criança cresceu e se tornou um adulto genioso e carente, que continuou fazendo
birra para conseguir o que queria. Uma grande parte do temperamento básico de Elliot esta-
va presente na infância, incluindo a baixa tolerância à frustração.
Complementando ou reforçando esses fatores genéticos, é claro, há mensagens pode-
rosas das pessoas responsáveis por nós e da sociedade em que vivemos sobre o que somos e
como devemos nos comportar. Experiências marcantes na infância, na adolescência e até
mesmo na idade adulta criam poderosas crenças e sentimentos que frequentemente vêm à
tona, especialmente durante conflitos ou quando estamos sob pressão. Retornamos a antigos
padrões porque são familiares e, mesmo que possam causar dor, nos fornecem uma estrutura
tranquilizadora e segura. Acreditamos também que mesmo que o antigo comportamento não
tenha funcionado anteriormente, se for repetido agora vai dar certo.
Como Jo, muitos chantagistas conservam a fantasia de que o desamparo e a escassez
experimentados na infância vão sumir e agora, como adultos, como num passe de mágica,
serão capazes de “corrigir” uma situação desfavorável, um pai ou mãe descontente, ou ga-
rantir a segurança que desejam. Acreditam que podem compensar parte das frustrações do
passado alterando a realidade do presente.
A incapacidade para tolerar a frustração pode também ser uma resposta a incertezas e
pressões recentes. O potencial para chantagem cresce drasticamente durante crises como
separação ou divórcio, perda de emprego, doença e aposentadoria, que desgastam a noção
que o chantagista tem de si mesmo como uma pessoa de valor. Na maior parte do tempo ele
mal percebe conscientemente seus temores recentemente ativados. Tudo o que pode ver é o
que quer naquele momento e o melhor modo de conseguir.
Para Stephanie, o que precipitou a crise foi a confissão do marido do seu breve caso
extraconjugal. Bob estava se esforçando para levar o casamento de volta à terra firme e fa-
zendo terapia regularmente, mas Stephanie continuava inflexível sobre seu direito de manter
o marido na linha, com doses saudáveis de chantagem emocional. Depois de um ano de hos-
tilidades e retaliações, Bob estava quase pronto para desistir. Eu disse a ele que seria uma
boa ideia levar Stephanie para uma consulta em conjunto e ela concordou.
Você, mais do que ninguém, devia compreender. Eu li todos os seus livros e você fala
muito sobre a importância de não deixar que as pessoas façam o que querem conosco e que
devemos abrir o jogo e determinar os limites. Tenho todo direito de estar zangada e Bob
merece algum castigo pelo que fez.
Eu disse a Stephanie que reconhecia seu direito de estar zangada, magoada, traída e
chocada, e não queria de modo algum desconsiderar seu sofrimento. Mas eu disse também
que há uma grande diferença entre confronto e chantagem emocional. Enquanto ela talvez
sentisse alguma satisfação no papel de mulher traída e vingadora e com direito de punir
Bob, seu casamento estava indo por água abaixo.
À medida que a sessão prosseguia, Stephanie ficou visivelmente menos defensiva e
ao descrever, em prantos, o que sentiu quando soube do caso de Bob, surgiu outro aspecto
que lançou muita luz sobre o motivo pelo qual tinha tanta dificuldade para ignorar sua ne-
cessidade de vingança.
Não é a primeira vez que entrego meu coração e minha alma a um homem que me
decepcionou, e Bob sabia disso. Como foi capaz de sequer pensar em sair com outra pes-
soa, sabendo como fiquei arrasada quando meu primeiro marido me traiu? Eu quase morri.
O que acha que devo fazer agora? Como posso confiar nele outra vez? Nunca me senti tão
rejeitada, tão humilhada, tão… tão inadequada em toda a minha vida!
Stephanie não estava apenas tentando enfrentar o que Bob havia feito, que já estava
sendo um tanto difícil, mas também a dor da experiência com o primeiro marido. Tendo
perdido a confiança em Bob e também em si mesma, ela revidou usando a chantagem emo-
cional punitiva, o único modo pelo qual achava que podia recuperar o controle do caos
emocional que a dominava.
Embora fatos da infância de Stephanie possam ter desempenhado um papel numa
parte das suas reações, focalizamos seus pontos comuns em sua vida adulta. Quando
Stephanie viu o quanto a dor desencadeada pelo primeiro casamento estava prejudicando o
que podia voltar a ser um bom relacionamento com Bob, concordou em ver uma terapeuta.
Ela e Bob estão trabalhando arduamente e conseguiram usar a crise como catalisador para
abrir novas áreas de comunicação e de exploração. Acredito que eles vão conseguir.
Um mundo encantado
Alguns dos mais intrigantes chantagistas são aqueles que parecem ter tudo e sempre
querem mais. Parece absurdo sugerir que são motivados pela privação, porque aparentemen-
te poucas vezes a experimentaram. No entanto, geralmente uma pessoa que foi superprote-
gida e mimada teve pouca oportunidade de desenvolver a confiança na própria capacidade
para enfrentar qualquer tipo de perda. Ao primeiro sinal de que podem ser privados de al-
guma coisa, entram em pânico e se defendem com a chantagem.
Esse era definitivamente o caso do médico, marido de Maria, Jay. Eu sabia, por meu
trabalho com Maria, que Jay era um homem que tudo teve facilmente. Ele passou pela fa-
culdade de medicina sem grandes problemas, tornou-se famoso como pioneiro de várias
técnicas cirúrgicas e se movimentava com facilidade nos círculos sociais mais badalados. A
palavra que me veio à mente foi: privilegiado.
Sua infância foi incrível. Sem abusos, sem traumas, nada além de adoração. O pai
era pobre e foi o primeiro da família a ir para a universidade. Aquele homem era espanto-
so. Fez o curso de medicina com uma combinação de trabalho duro, obstinação e mais ou
menos duas horas de sono por noite. Trabalhava meio dia como garçom para ganhar o su-
ficiente para sair com a mãe de Jay. Ele contou que uma das coisas que prometeu a si mes-
mo foi que Jay jamais passaria pelo que ele havia passado. Jay foi uma criança de ouro,
sem dúvida alguma. Quando resolveu ser médico, seus pais não pouparam despesas para
seus equipamentos de química e os acampamentos de verão. Nada de empregos de meio-
período para ganhar dinheiro. Ele recebeu o mundo numa bandeja – com aulas de tênis,
casacos esportivos de cashmere e, claro, muitas mulheres.
A vida de Jay foi mais do que privilegiada – foi irreal. Para garantir que o filho ja-
mais sofresse qualquer tipo de privação, o pai pouco fez no sentido de prepará-lo para de-
cepções e contratempos.
Há dois aspectos negativos nesse mundo fantástico. A pessoa que cresce nesse porto
seguro cria expectativas irreais, acreditando que tudo o que quiser cairá em seu colo. Pior
ainda, não terá oportunidade de desenvolver a habilidade vital de lidar com a frustração que
todos precisamos. Com o que pode parecer as melhores intenções e motivações, o pai de Jay
na verdade acabou criando um tipo de deficiente emocional.
Quando Maria desafiou a convicção de Jay de que ele tinha direito a tudo – carreira,
família, mulher e amante – foi a primeira pessoa que ele amava que ameaçou tirar uma coisa
importante dele. Jay entrou em pânico. Alguém tinha alterado as regras e o seu único meio
de recuperar a posição habitual no topo do mundo era a chantagem emocional.
Estranhos íntimos
Quando Jay recrutou os pais para pressionar Maria e convencê-la a ficar com ele, ela
mal podia acreditar no que eles estavam dizendo:
Meu Deus – com o que estou lidando aqui? Pessoas que eu amava e respeitava, de
um momento para o outro, demonstram não ter qualquer convicção moral ou ética. Será
que manter as aparências é mais importante do que os sentimentos e a decência humana
básica?
Maria viu Jay passar do homem encantador pelo qual tinha se apaixonado para um
desleal e estranho manipulador. Quando uma pessoa próxima de nós recorre à chantagem
emocional, ficamos perplexos com a mudança na sua personalidade, um processo que pode
ser gradual ou surpreendentemente rápido. Na verdade, grande parte da dor e do sofrimento
da chantagem emocional reside no fato de vermos pessoas de quem gostamos e que pensa-
mos que gostam de nós transformando-se em indivíduos que precisam tanto conseguir o que
querem que estão dispostos a passar por cima dos nossos sentimentos.
Liz teve uma sensação de desorientação quando Michael descreveu a brutalidade com
que a puniria se ela continuasse a falar em deixá-lo.
O que ele disse foi: “Quando eu acabar com você, o dinheiro que vai receber não vai
servir nem para comprar comida de cachorro. E pode se despedir das crianças. Estou pen-
sando em levá-las para o Canadá, para que não tenham de ouvir suas mentiras a meu res-
peito”. E aquele era o homem com quem eu fizera amor e para quem desnudei meu corpo e
minha alma. Que diabo ele é?
Todos os chantagistas que vimos estão centrados quase exclusivamente em suas pró-
prias necessidades, em seus próprios desejos. Não parecem nem um pouco interessados nas
nossas necessidades ou no quanto nos afeta a pressão que estão fazendo.
Chantagistas podem ser como pequenos tratores quando não fazemos a vontade de-
les, tornando-se agressivos em sua busca obsessiva dos seus objetivos. É um amor estranho,
aquele que é completamente cego para os sentimentos do seu alvo.
Minha indicação para o prêmio de “Narcisista do Ano” é para o marido de Patty, Joe,
que se enfiou em sua cama com uma versão moderna da “melancolia” do passado, quando
Patty disse que não podiam comprar um novo computador. Num incidente recente, Joe de-
monstrou seu egocentrismo sem paralelo.
Joe ganha bem, mas gasta mais depressa do que qualquer um de nós pode ganhar,
por isso estamos sempre endividados. Na semana passada a pilha de contas estava real-
mente enorme e ele sugeriu que eu telefonasse para minha tia para pedir um empréstimo.
Minha tia está muito bem de vida, mas há pouco tempo foi operada de câncer da mama. Eu
disse que de modo algum podia incomodá-la agora, e não conseguia acreditar como era
possível ele estar pressionando tanto. “Aqui está o telefone dela no hospital”, ele disse.
“Não é preciso nem procurar. Telefone agora – isso não é nada demais. Ela não está sen-
tindo dores no momento e você sempre foi a favorita dela. Por que não pode fazer essa pe-
quena coisa para mim?”.
Câncer da mama? Hospital? Cirurgia? Nada disso era problema para o chantagista.
Afinal, ele queria alguma coisa. AGORA. E naquele momento de urgência, ninguém mais
existia na face da Terra a não ser ele.
Geralmente o egocentrismo do chantagista vem da crença de que o suprimento de
atenção e afeição disponível para ele é finito – e está acabando rapidamente. Elliot é tão
egocêntrico que mesmo quando a namorada quer fazer um curso de aperfeiçoamento, isso
tem a ver com ele. Na cabeça dele, ceder ao desejo de Eve o priva da sua segurança. E se ele
precisar de qualquer coisa quando ela estiver fora de casa? Se ele ficar entediado ou se sen-
tir só? Quem vai tomar conta dele? O universo gira em torno dele, exatamente como quando
era pequeno. Mais uma vez ele é o pequeno tirano de cinco anos, exigindo total atenção e
satisfação da pessoa de quem depende, e sempre querendo mais.
Os chantagistas emocionais quase sempre agem como se cada divergência fosse uma
situação de tudo-ou-nada6 no relacionamento. O desapontamento e a frustração que sentem
são tão intensos diante da resistência que eles explodem à menor discórdia, fazendo com
que atinja o relacionamento como um todo. Para que fazer tanta confusão quando alguém se
recusa a jantar com seus pais, por que ser tão agressivo quando alguém diz que quer fazer
um curso, quer sair para pescar, ou não demonstra tanto entusiasmo por seus planos? A fero-
cidade de seus desejos só faz sentido quando percebemos que os eles não estão reagindo a
6
Make-or-break factor.
uma situação atual, mas ao que ela simboliza para eles no passado.
Isso ficou claro por algumas coisas que Eve me contou a respeito do passado de Elli-
ot, em que ele acreditava que um homem não pode ter o que quer de uma mulher indepen-
dente.
Lembro-me de ele ter me contado o quanto seu pai reclamava por se sentir abando-
nado. A mãe de Elliot deve ter sido uma verdadeira pioneira no mundo dos negócios. Tinha
uma pequena empresa de roupas infantis, que estava indo muito bem – exceto para o mari-
do, que a detestava. Elliot disse que o que mais se lembrava da mãe era de ela estar sempre
fora de casa. Ela era amorosa quando estava com eles, mas então, de repente tinha de fazer
uma viagem de negócios e Elliot sentia demais sua falta. O pai estava quase sempre zanga-
do com ela e constantemente dizia coisas como: “Essas malditas mulheres – fazem qual-
quer coisa quando precisam de nós, mas esquecem de nossa existência quando começam a
se virar sozinhas”. Acho que se uma criança ouve muitas vezes, isso acaba gravando em
sua mente.
A mensagem que Elliot tirou disso era inequívoca: as mulheres nunca serão parceiras
amorosas a não ser que você tenha certeza de que elas estejam por perto o tempo todo. Ele
provavelmente iria negar esse tipo de crença, mas sua reação exagerada com Eve revelava
que antigos demônios o atormentavam. Para Elliot, qualquer sinal de independência em uma
mulher é uma ameaça. Eve passou a ser uma substituta da mãe, a mulher de quem ele foi
emocionalmente dependente e intimamente ligado. Ela também o abandonaria, assim como
sua mãe havia abandonado seu pai – e ele – por estar sempre ausente. Toda vez que Eve ten-
tava caminhar para a porta, Elliot começava a reviver a antiga sensação de privação.
Como acontece com todo o tipo de reação exagerada, há muito barulho e muita emo-
ção, mas os verdadeiros sentimentos, os sentimentos básicos, raramente são expressos. Elli-
ot deseja desesperadamente uma intimidade completa, mas o ataque que ele faz contra Eve é
quase uma garantia de que não vai conseguir. Vejamos o que foi expresso com palavras e o
que não foi, quando Eve sugeriu que ele devia procurar ajuda profissional para sua ansieda-
de.
O que Elliot disse: “Você vai sair e fazer o que bem entender e eu vou ficar sozinho –
para que vou viver então? Você não se importa nem um pouco comigo”.
O que ele quer dizer: “Estou assustado porque você está mudando. No começo eu era
suficiente para você, agora não sou mais. Se você fizer o curso, tenho medo de que consiga
uma carreira independente e não vai mais ter tempo para mim. Tenho medo de que você en-
contre outra pessoa. Tenho medo de que você se torne independente. Não vai precisar mais
de mim e vai me deixar”.
Porém, esse tipo de comunicação não fazia parle do repertório de Elliot. Se fizesse,
ele não precisaria recorrer à chantagem emocional. Talvez, como muitos homens, estivesse
envergonhado da própria carência e dos próprios temores. A única opção que ele via para
conseguir o que desejava era esbravejar – reagindo exageradamente à menor indicação de
que Eve queria aperfeiçoar a si mesma.
Roger, o roteirista de cinema, ficou abismado com o ataque furioso de Alice contra
ele, quando não concordou imediatamente com a sugestão de ter um filho. Quando ele de-
monstrou incerteza, ela teve a clássica reação exagerada.
Você nunca se importou comigo de verdade. Como pode chamar isto de amor quando
não quer fazer uma coisa que vai nos aproximar mais ainda? Não confio mais em você.
Nem tenho certeza se o amo ainda! Você tem alguns problemas muito sérios e realmente
precisa de ajuda!
Alice passou anos com medo de perder de repente tudo o que tinha, por isso não era
estranho querer garantias para o futuro. Porém, como a maioria dos chantagistas, escolheu
um estilo opressivo para acabar com a resistência do seu alvo.
Sua reação exagerada, que tomou a forma de um acerbo ataque verbal contra Roger,
originou-se em algum lugar dentro dela, repleto de carências e temores. Por mais que procu-
rasse prender Roger a ela, ele não podia preencher essa lacuna para ela, mesmo que quises-
se.
Com seu trabalho na Al-Anon, Alice conseguiu compreender que estava tentando al-
gemar Roger e que se não procurasse ajuda teria muitas dificuldades com o relacionamento.
Desde então ela conseguiu reduzir significativamente a pressão sobre Roger e dar ao relaci-
onamento tempo para evoluir naturalmente.
Frequentemente o chantagista vence com táticas que provocam uma brecha intrans-
ponível no relacionamento. No entanto, a vitória em curto prazo geralmente parece um
triunfo suficiente – como se não houvesse futuro a ser considerado.
A maioria dos chantagistas opera a partir de um padrão mental “quero-o-que-quero-
quando-quero”. Parecem ter uma incapacidade infantil de relacionar comportamento com as
consequências, e não pensam um minuto sequer no que irá sobrar para eles desde que consi-
gam o consentimento do seu alvo.
É difícil acreditar que Michael, Elliot, Alice, Jay, Stephanie ou qualquer outro chan-
tagista que vimos até agora possam pensar que irá sobrar alguma coisa que valha a pena se
seu alvo ceder às ameaças e pressões deles. Que tipo de relacionamento o pai de Josh espe-
ra, exigindo que ele desista da mulher que ama? Margaret, pressionada por Cal para tomar
parte em sexo grupal, cedeu à chantagem emocional do marido, mas foi sentença de morte
para seu casamento.
7
Collection agency.
Liz conseguiu tempo para reunir suas forças, fingindo que cedia às ameaças de Mi-
chael. Como disse Liz:
Telefonei para meu advogado e pedi para ele suspender qualquer providência. Eu
esperava que agora, mais calmo, Michael estivesse disposto a um diálogo racional. Ele está
sendo um doce porque pensa que me levou para onde ele queria e que finalmente faremos
as pazes com um beijo. A verdade é que estou apenas agindo mecanicamente. Estou vivendo
com um homem de quem nem gosto mais, quanto mais amar.
O lucro da punição
8
Truísmo nada mais é do que obviedade. É falar uma verdade que salta aos olhos, aquilo que é óbvio.
se permitissem alguns momentos de introspecção, provavelmente ficariam revoltados com
os temores e com a vulnerabilidade que iam descobrir. Um dos paradoxos mais fascinantes
do comportamento humano é que as pessoas raivosas e castigadoras são na verdade pessoas
muito assustadas, mas que raramente enfrentam ou aliviam seus medos. Ao contrário, elas
atacam as outras pessoas quando estão frustradas para provar como são fortes. Criam tanta
infelicidade com esse comportamento que geralmente são abandonadas, praticamente garan-
tindo que aquilo que mais temem realmente aconteça.
Minimizando as perdas
Num minuto eu sou a mulher mais bela, excitante e interessante do mundo, mas é só
eu dizer que me sinto como se estivesse num beco sem saída, e que preciso sair dessa situa-
ção para poder ir em frente com a minha vida, que passo a ser uma bruxa de coração frio,
que não se importa com todo o stress que ele está passando e o esforço que ele faz para re-
solver as coisas. Agora fica me dizendo que tudo o que ele faz é dar, dar, dar e tudo o que
eu faço é receber, receber, receber – o que é uma volta completa de 180 graus no que está
realmente acontecendo. Ah – e do nada ele está encontrando defeito em tudo o que faço no
escritório. Se ele está tentando tornar a minha vida miserável, está trabalhando muito bem.
Como ele pode se voltar contra mim desse modo?
Diante da perspectiva de perder a amante jovem, e vendo que suas ameaças não sur-
tiam efeito, Charles fez alguma coisa para aliviar a própria dor – começou a desvalorizar
Sherry. Se pudesse tornar Sherry menos desejável, menos valiosa, então não estaria perden-
do grande coisa, e seu sentimento de perda seria consideravelmente aliviado. Afinal de con-
tas, é fácil jogar fora uma mercadoria estragada. Podia também, para justificar a demissão
dela, desvalorizar seu trabalho. Desvalorização dupla, punição dupla.
A desvalorização é uma tática comum para os chantagistas raivosos. Alivia o incô-
modo do confronto e permite minimizar o sentimento de perda. Mas fazendo isso eles envi-
am ao seu alvo mensagens duplamente confusas. É como se estivessem dizendo: “Você não
presta, mas vou fazer tudo ao meu alcance para não perder você” – mais uma prova de o
quanto se sentem desesperados.
Mesmo quando a última coisa que desejam é terminar o relacionamento, geralmente
os chantagistas é que iniciam o rompimento se percebem que seu parceiro está mesmo re-
solvido a ir embora. Essa atitude agressiva permite que continuem no controle, com a velha
jogada de salvar as aparências dizendo: “É melhor sair antes que seja despedido”.
Como aqueles pais que acreditam que o castigo molda o caráter de uma criança, os
chantagistas podem se convencer de que estão nos ajudando com a punição. Em vez de sen-
tir culpa ou remorso por estar ferindo alguém de quem tanto gostam, eles podem na verdade
sentir orgulho disso. Eles estão nos transformando em pessoas melhores 9, justificam.
Alex, o tantalizador que conhecemos no Capítulo 2, acreditava que ao prometer ajuda
e contratos à sua namorada Julie, mas negando tudo isso se ela não se mostrasse “à altura”,
estava lhe fazendo um grande favor.
Ele me disse que mandar meu filho morar com meu ex-marido era a melhor coisa
para mim. Tudo era em termos de “Você está apenas se prevenindo” e “O que quero é ver
você alcançar seu potencial”, quando na verdade o que ele queria era ter a mim só para ele
sem meu filho atrapalhando. Sem dúvida, ele estava sendo muito generoso…
Conforme vimos, às vezes o estresse atual na vida do chantagista reabre antigas feri-
das e ele ataca um alvo que se tornou o substituto de uma figura do passado. Quando isso
acontece, a punição pode ser exagerada e parecer completamente injustificada.
Michael, talvez o mais típico castigador que encontramos, começou a parecer um
monstro para Liz, que praticamente entrava em estado de choque diante de seus ataques
verbais. Quando perguntei a ela porque achava que ele era tão cruel com ela, Liz ficou em
silêncio por um momento, depois respondeu:
Sabe, quando eu penso nisso tudo, acho que Michael era como um barril de pólvora
pronto para explodir. Ele tem trabalhado duro desde os quatorze anos nos negócios da fa-
mília. Eles vendem equipamento para escritório e a empresa é muito próspera. Michael
9
Eles estão nos mostrando a “realidade”, “mostrando o caminho” ou aquilo que “é certo”; enfim, estão dando uma
“lição de vida”.
10
Kick in the pants: uma mensagem enérgica de encorajamento ou desafio.
nunca teve tempo para ser realmente criança. Ele era bom em esportes – e ainda é bastante
atlético – mas seus pais nunca o deixaram jogar. Precisava fazer o estoque, varrer a loja ou
fechar o caixa.
Quando começamos a sair, fomos certa vez a Chicago e ele sabia tudo sobre os pré-
dios. Disse que seu grande sonho sempre foi fazer uma faculdade de arquitetura. Mas eles
nunca permitiram isso, então ele desistiu. Ele é muito responsável. Sei que ele tem muita
mágoa, mas nunca disse uma palavra e nunca vai dizer. Mas não acho que isso significa
que ele tenha de descarregar tudo em mim.
Eu disse a Liz que ela estava certa, não havia desculpas para esse tipo de ataque ver-
bal e para as ameaças que Michael fazia. Mas era importante para ela entender que as críti-
cas que Michael fazia e raiva dele contra os supostos defeitos dela nada tinham a ver com
ela, mesmo sendo difícil não tomá-las pessoalmente. Quando Liz se encheu e ameaçou dei-
xá-lo, as punições aumentaram febrilmente. O medo de Michael de ficar sem ela detonou as
frustrações armazenadas que Liz presenciava.
Se Michael tivesse a habilidade de expressar seus sentimentos, talvez dissesse: “Por
favor, não leve embora meus sonhos outra vez. Tenho sofrido decepções, mágoas e muitas
perdas desde meus quatorze anos, e nunca tive realmente o que eu queria. Ninguém se preo-
cupava comigo e isso é muito doloroso. Como meus pais puderam destruir tudo o que eu
amava e me obrigar a trabalhar numa coisa que eu detesto? E agora você quer me deixar?
Não vou aguentar se isso acontecer outra vez. Quanto desapontamento pensa que posso su-
portar?”.
Esse é um discurso repleto de emoção que devia ser endereçado para os pais de Mi-
chael, mas, por ter sido controlado por eles durante toda a vida, nunca se sentiu seguro ou
forte suficiente para fazê-lo. Toda a tristeza e a revolta que Michael sofreu não desaparece-
ram. Aumentaram com o passar do tempo. Ele confundiu a pessoa de Liz, a quem ele ama-
va, com a figura dos pais de quem ele tanto se ressentia.
Por estranho que pareça, a punição mantém o chantagista numa forte conexão emoci-
onal conosco. Ao criar uma atmosfera altamente carregada, o chantagista sabe que está ati-
vando nossos sentimentos, e, mesmo sendo sentimentos negativos, criaram um forte elo co-
nosco. Você pode estar ressentido e até odiar o chantagista, mas enquanto estivermos foca-
dos nele, ele não estará abandonado ou sendo descartado com indiferença. A punição man-
tém uma boa quantidade de paixão e de calor num relacionamento fraturado.
A ex-mulher de Allen, Beverly, continuou a puni-lo do modo mais doloroso possível
– usando os filhos como arma. Allen e Beverly tiveram um divórcio muito complicado.
Embora o casamento tivesse sido uma fonte de infelicidade e de estresse para ambos, o di-
vórcio foi algo que ele queria e ela não. E Beverly lutou contra o divórcio com unhas e den-
tes. Haviam feito algumas tentativas de reconciliação, e até tentaram aconselhamento, mas
nada adiantou.
Ela sabia o que as crianças representavam para mim. Acho que pouca gente compre-
ende o que significa para um homem não poder estar com os filhos todos os dias, especial-
mente quando eles estão crescendo. Tive de me divorciar de Beverly, mas eu não queria me
divorciar dos meus filhos. No começo ela ameaçava dizendo que, se eu a deixasse, nunca
mais veria as crianças. Dizia que ia morar em outro estado, talvez até mesmo em outro pa-
ís. Entrei em pânico. Não podia pensar direito. Conheço mulheres que fizeram isso – que
diabo, conheço homens que fizeram isso com suas ex-mulheres.
Finalmente, todo mundo se acalmou e Allen conseguiu direitos liberais de visita aos
filhos. Ele e Beverly conseguiam se tratar com cortesia e ela obedeceu a ordem do tribunal.
Mas quando ele casou com Jo, a chantagem recomeçou.
Agora que tenho em minha vida alguém que amo de verdade, ela não se conforma.
Acho que enquanto eu estava solteiro, ela pensava que ainda havia esperança. Sei que ain-
da está bastante amargurada. Por isso está voltando à carga através dos filhos. Se me atra-
so dez minutos para apanhá-los, ela os leva para outro lugar. Levo quase uma hora de car-
ro da minha casa à dela e nem sempre posso chegar na hora. Na semana passada tive de
esperar quase uma hora e meia. Quando ela chegou de carro, foi logo dizendo: “Não vou
ficar esperando por você. Como posso saber que vai aparecer?”. Ela espera que eu ouça
sem dizer nada. Mas se eu preciso mudar o horário por algum motivo, fica prestes a explo-
dir. E se a pensão das crianças atrasa um dia, ela telefona, ameaçando me levar de volta ao
tribunal para reduzir minhas visitas. Cristo, estamos conversando mais agora do que quan-
do estávamos casados!
Beverly evidentemente não desistiu dele e nem do casamento. E como muitos chan-
tagistas divorciados, tanto homens quanto mulheres, ela está usando a arma mais poderosa
do seu arsenal – os filhos – para manter uma ligação emocional com ele. Allen e Beverly
estão legalmente divorciados, mas o divórcio psicológico ainda não aconteceu.
O uso dos filhos como arma contra quem não tem a custódia é uma das formas mais
antigas e mais cruéis de chantagem emocional. Não pode haver aposta mais alta. É especi-
almente eficaz por causa da intensidade das emoções envolvidas. Mantém pessoas, que an-
tes se amavam, travadas numa batalha onde todos saem perdendo.
A coisa mais importante deste breve estudo sobre a mentalidade do chantagista é que
a chantagem emocional parece ter tudo a ver conosco e a sensação é de que tudo depende
de nós, mas na maior parte das vezes nada tem a ver com você. Ao contrário, ela surge de
alguns aspectos bastante inseguros dentro do chantagista na tentativa de estabilizá-los.
Grande parte da culpa, do spin e da arrogância que tanto mal fazem à nossa autoestima –
geralmente mal o suficiente para nos submeter à pressão do chantagista – não é válida. É
baseada no medo. Baseada na ansiedade. Baseada na insegurança. E esse medo, essa ansie-
dade e essa insegurança residem dentro do chantagista. Muitas vezes a chantagem emocio-
nal tem muito mais a ver com o passado do que com o presente, e está mais relacionada com
a satisfação das pretensões do chantagista do com qualquer coisa que ele diga que fizemos
ou deixamos de fazer.
Isso não quer dizer que não desempenhamos um papel central no processo da chan-
tagem. Afinal, nada teria acontecido sem o nosso consentimento. Agora chegou o momento
de examinar os fatores dentro de nós que permitem que a chantagem tenha efeito.
6. A chantagem requer duas pessoas
A chantagem exige duas pessoas. É um dueto, não um solo, e não pode funcionar sem
a participação ativa do alvo.
Sei que muitas vezes a sensação não é exatamente essa, e sei como é natural ficarmos
defensivos sobre o nosso próprio comportamento. É sempre mais confortável nos concen-
trarmos no que a outra pessoa está fazendo do que tomar conhecimento daquilo que nós co-
locamos na mesa. Porém, para desfazer sua parceria na chantagem, é preciso voltar sua
atenção para dentro de si mesmo e examinar quais elementos que o tem levado, muitas ve-
zes inconscientemente, a participar da chantagem emocional.
Por favor, lembre-se de que quando falo em participar da chantagem não estou suge-
rindo que você a provoca ou é sua causa direta, mas sim que você permite que ela aconteça.
Pode ser que você nem mesmo perceba que algumas exigências são absurdas. Pode parecer
apenas que você esteja sendo uma boa esposa ou um bom funcionário, ou um bom filho ou
uma boa filha – ao acatar as preferências de outra pessoa quase sem questionar, simples-
mente porque você aprendeu que é isso que deve ser feito.
Ou então pode estar sabendo plenamente que é chantageado, mas sente como se não
pudesse resistir a ela porque a pressão do chantagista desencadeia em você respostas quase
que programadas, fazendo-o que reagir automaticamente ou impulsivamente.
Tenha em mente que nem todos respondem à tentativa de chantagem se submetendo a
ela. Se for esse o seu caso, posso ajudá-lo a entender como e por quê. Para começar, reflita
um pouco nas seguintes perguntas, e depois responda.
Diante das pressões de um chantagista, você:
Se a resposta foi “sim” pelo menos uma vez, suas reações diante da pressão estão
contribuindo para criar um clima ideal para a chantagem.
Os pontos explosivos11
Por que algumas pessoas, por mais inteligentes ou presentes que sejam, parecem tão
vulneráveis à chantagem emocional, enquanto outras conseguem se livrar dela facilmente?
A resposta está em nossos pontos explosivos, um feixe sensível de nervos emocionais que
existem no interior de todos nós. Cada ponto é como uma célula de energia carregada com
11
Hot buttons: pontos vulneráveis, ou alarmes ou botões ultrassensíveis. Pontos muito sensíveis e de fácil acesso.
nossos casos emocionais não resolvidos – ressentimentos armazenados, culpas, insegurança
e vulnerabilidade. Esses são os nossos pontos fracos, moldados por nosso temperamento
básico e nossas sensibilidades junto com nossas experiências desde pequenos. Cada ponto,
se examinado, revelará vívidas camadas da nossa história pessoal – como fomos tratados,
qual autoimagem levamos conosco e como fomos marcados pelas impressões do passado.
Os sentimentos e lembranças armazenados em nossos pontos explosivos podem estar
cicatrizados e, quando eventos na nossa vida atual relembram algo soterrado em nosso ínti-
mo, podem provocar reações além do pensamento ou da lógica, jorrando pura emoção ar-
mazenada e ganhando poder durante longos períodos.
Nem sempre podemos lembrar os incidentes que levaram à formação dos nossos pon-
tos explosivos, e quando se trata da complexidade do por que fazemos o que fazemos, pode
ser difícil estabelecer causa e efeito. Mas se você alguma vez se perguntou para onde os sen-
timentos e as experiências “acumulados” vão, um bom lugar para se procurar são os seus
pontos explosivos.
Ao longo dos anos o nosso panorama emocional se torna cravejado por esses pontos
explosivos, e muitos de nós delineamos áreas em nossas vidas para se navegar fora delas.
Na verdade, a estratégia mais comum de quem tenta lidar com essas áreas espinhosas pode
ser resumida em quatro palavras: evitar a todo custo. Podemos não ter consciência do que
estamos fazendo, mas, quando tomamos esse caminho cheio de esquivas, estamos nos ex-
pondo mais do que pensamos. Quando passamos na ponta dos pés em volta desses pontos
explosivos, praticamente estamos traçando um mapa de onde se localizam que é facilmente
visível pelas pessoas que nos conhecem bem.
Todos nós sabemos o que desperta a sensibilidade das pessoas que nos cercam; não é
segredo quando um amigo tem medo de ficar com raiva ou tende a assumir a culpa. Mas
geralmente somos compreensivos e não usamos esse conhecimento para nossos próprios
fins. Quando os chantagistas sentem-se seguros, também não usam. Porém, diante da resis-
tência seus temores de perda se inflamam. Deixam de lado a compreensão e usam cada bit
de informação que têm a nosso respeito para garantir sua vitória.
Para nos resguardar de serem ativados nossos pontos explosivos, desenvolvemos uma
série de traços específicos de personalidade. São partes tão integrantes de nós que num pri-
meiro momento podem não parecer que são mecanismos de defesa contra aquilo que teme-
mos. Mas quando olhamos mais de perto, percebemos que estão profundamente relaciona-
dos com nossos pontos explosivos. Ironicamente, são justamente essas qualidades “proteto-
ras” que nos deixam vulneráveis à chantagem emocional. Elas são:
O viciado em aprovação
É perfeitamente normal querer a aprovação das pessoas de quem gostamos – nós to-
dos queremos a sua boa vontade. Mas, quando necessitamos demais dessa aprovação e ela
se torna uma droga indispensável, apontamos um holofote nesse ponto explosivo, fazendo
dele um alvo fácil para o chantagista.
Na Introdução, falei sobre minha cliente Sarah, que constantemente precisava provar
a si mesma para Frank, seu namorado. Cada vez que ela passava em um dos testes de Frank,
era recompensada pela aprovação dele. Mas toda vez em que ela o contrariava, ele retirava
suas recompensas e ela se sentia miserável. Então ela tentou manter um fluxo ininterrupto
de aprovação, cedendo às pressões dele – mesmo quando o que ele queria era contra todos
seus princípios.
Não suporto quando ele fica aborrecido comigo. Quando eu disse que pintar a casa
de madeira não era como eu esperava passar o fim de semana, ele apenas balançou a ca-
beça e foi para a varanda. Fui atrás dele e ele disse que não podia acreditar no quanto mi-
mada e infantil eu estava sendo. Fiquei com medo e muito abalada. Entrei, vesti algumas
roupas velhas e peguei o pincel. Então ganhei aquele largo sorriso e um abraço, e eu pude
respirar outra vez.
Sarah acabava de conseguir a sua “dose”. Não há nada de errado em querer aprova-
ção, nem pedir por isso. Mas os viciados em aprovação precisam de um suprimento constan-
te, e se consideram fracassados se não conseguem obtê-lo. Eles não acreditam que estão
bem enquanto outra pessoa não lhes disser que estão, e o sentimento de segurança deles de-
pende quase exclusivamente de uma confirmação externa. O lema do viciado em aprovação
é “Se não recebi uma aprovação, eu fiz algo errado”. Ou, pior ainda, “Se não recebi aprova-
ção, tem algo errado comigo”.
A descrição de Sarah de como ficava arrasada quando Frank se aborrecia com ela in-
dica uma necessidade visceral de aprovação e um pavor imenso do que poderia acontecer se
não recuperasse essa aprovação. Esse temor está diretamente relacionado com o de uma cri-
ança pequena. Na fantasia da criança, as consequências de perder a aprovação são catas-
tróficas: “Fiz uma coisa de que papai (ou mamãe) não gostou. Papai está zangado comigo.
Papai não me ama mais. Acho que papai vai me mandar embora. Vou ficar sozinho e vou
morrer”.
Sarah descobriu que a tendência dela para relacionar aprovação com sobrevivência
não tinha tanto a ver com seus pais, mas com sua avó, que tomava conta dela enquanto eles
trabalhavam.
Meu Deus, ela era assustadora! Vivia num apartamento abaixo do nosso, dado por
meus pais, e era para lá que eu ia quando voltava da escola. Ela era sempre muito crítica –
dizia que eu era muito barulhenta e preguiçosa. Dizia que Deus não gosta de meninas pre-
guiçosas e que às vezes elas são mandadas embora. Não acredito que fosse por maldade, e
tenho certeza de que alguém dizia coisas ridículas como essa para ela, quando era peque-
na. Mas eu ficava morrendo de medo. Ela me ensinou um verso de que jamais me esqueci:
“Bom, melhor, excelente / Nunca descanse / Até o bom ficar melhor / E o melhor ficar exce-
lente” 12.
Sarah aprendeu muitas coisas com a avó, que ela adorava e com quem passava mui-
tas horas quando era menina. – Algumas dessas lições foram úteis, outras um pouco menos.
Aprendeu que quando se comportava de modo a ter a aprovação da avó, era uma boa me-
nina e, portanto, estaria segura. Mas aprendeu também que o que ela fazia jamais era sufici-
entemente bom para a avó perfeccionista e que aquele esquivo “excelente” nunca estava ao
seu alcance.
Os sentimentos que Sarah descreve por Frank – sua compulsão para agradar e o medo
da desaprovação que parecem quase ter vida própria – são coisas conhecidas de todos os
viciados em aprovação, e um sinal claro de que alguém ativou um ponto explosivo.
Quando somos pequenos necessitamos da aprovação dos poderosos gigantes que nos
protegem, e o fantasma dessa necessidade pode nos assombrar por muito tempo depois de
aprendemos a nos cuidar sozinhos. Na casa onde Sarah cresceu, o amor era dado e retirado
de acordo com seu “desempenho”, e ela desenvolveu uma necessidade voraz da aprovação
das outras pessoas. Frank usava essa necessidade como munição quando negava seu “aplau-
so” e afeição. Mentalmente Sarah sabia que não podia agradar a todos o tempo todo – mas
sentia que devia tentar.
Sarah focalizava principalmente a aprovação de Frank. Maria, que tentava suportar a
pressão do marido para manter o casamento, mesmo depois de descobrir que ele estava
saindo com outras mulheres, viu-se dominada por uma preocupação um tanto diferente: O
que os outros vão pensar?
Não se admite o divórcio na minha família, nem entre as pessoas com quem convivo.
Se isso parece antiquado, tudo bem. Sou antiquada e me orgulho disso. Não suporto a ideia
de não conseguir manter meu casamento. E nem quero pensar no que aconteceria se eu re-
solvesse deixar Jay. O que os outros iam pensar? Minha vida ia desmoronar. Meus pais fi-
cariam furiosos comigo, assim como os pais dele, meus filhos e meu pastor da igreja. Todos
iam pensar que não tive coragem para ficar firme e lutar por meu casamento.
Enquanto justificava do melhor modo sua decisão de continuar com Jay, parecia que
estava pressionada pelo peso da tradição familiar, da história e da comunidade, e ela estava
certa de que não havia outra opção senão aguentar. Tinha certeza de que estaria abandonan-
do seus princípios se considerasse a possibilidade de divórcio. Mas à medida que trabalha-
mos juntas, Maria começou a perceber que as crenças às quais tanto se apegava haviam sido
impostas a ela – as ideias que defendia tão ferozmente nem sequer eram dela – e a sua defi-
nição de uma boa família ou um bom casamento era bem maior e mais profunda do que
“permanecer junto haja o que houver”.
12
“Good, better, best / Never let it rest / Until good is better / And better is best”.
Para Maria, essa descoberta foi uma libertação, mas mesmo assim ela relutava em ex-
plorar ou expressar as convicções genuínas que estava descobrindo em si mesma porque
precisava manter a aprovação dos parentes, dos amigos e da comunidade religiosa. Essa mu-
lher, que tinha um bom emprego, dirigia uma casa, criou dois filhos maravilhosos e tinha
uma vida muito ativa na igreja e na sociedade, transformava-se numa criança indefesa
quando imaginava a desaprovação das pessoas de quem gostava. Enquanto procurávamos as
raízes dessa fome por aprovação, um processo que levou semanas, Maria lembrou o que
sempre considerou um “pequeno incidente” ocorrido quando estava ainda no primeiro grau.
Eu sempre fui a Caxias na escola, mas certo dia, quase no fim do ano letivo, meu na-
morado Danny, que era o amor da minha vida, disse que ninguém ia notar se faltássemos à
última aula para ir à praia. Nós fomos à praia e não pensei mais nisso. Porém, alguns dias
depois, meu pai começou a perguntar se eu tinha alguma coisa para contar a ele. Eu disse
que não me lembrava de nada, e ele disse que não podia acreditar que sua filha pudesse
mentir para ele, por isso ia me perguntar outra vez. Eu tinha alguma coisa para contar?
Meu coração disparou, mas não consegui confessar. Simplesmente fiquei paralisada.
Então, numa voz muito baixa e calma, meu pai contou que tinham telefonado da escola e
ele sabia o que eu havia feito. Eu tinha envergonhado a ele e a nossa família e devia pedir
desculpas a todos durante o jantar, naquela noite, e preparar uma aula para sua escola
dominical de adultos sobre a importância de dizer a verdade.
Aquilo me destruiu por dentro. Fiz o que ele mandou, mas nunca vou esquecer a hu-
milhação e o sentimento de abandono que senti. Era como se eu tivesse sido marcada em
brasas com a letra escarlate M, de mentira, e durante semanas vivi com a impressão de que
todos estavam me tratando de modo diferente. Acho que foi a última vez que eu saí da linha.
O apoio que tenho da minha família e da minha comunidade é frágil. Pode ser reti-
rado de um momento para o outro se eu os desagradar. Preciso merecer sua aprovação.
Esta não era a mensagem pretendida, ou apropriada, mas foi a que Maria carregou
durante toda a vida, medindo seu sucesso pela aprovação dos outros. Antes de pensar em
enfrentar a pressão de Jay, ela precisava desaprender essa lição – agora, depois de mais de
três décadas – que não lhe servia mais, e tinha que mudar seu repertório de respostas diante
da desaprovação dos outros.
Os viciados em aprovação mais sensíveis relutam em tomar qualquer ação do seu in-
teresse se estiverem arriscando ser desprezados por alguém. Eve, por exemplo, mal podia
suportar um olhar de estranheza de um vendedor de loja e, como muitos de nós já fizemos
em algum momento, concordava em ficar com itens que pretendia trocar, se a pessoa atrás
do balcão a fizesse se sentir culpada por isso. Ela não podia sequer se arriscar à desaprova-
ção de um estranho.
A voz da razão
Liz, que luta com a chantagem punitiva do marido, Michael, tem a voz macia de DJ
de rádio FM na madrugada e modos tão plácidos que é difícil, para quem não a conhece,
notar que está aborrecida. Quando comentei isso, ela riu.
Quando Liz descreveu a si mesma desse modo, foi muito convincente porque “cal-
ma”, “suave”, “inabalável”, e “ótima sob pressão” tinham se tornado parte da sua autodefi-
nição. Ela parecia irradiar essas qualidades. Porém, evidentemente sua situação com Micha-
el estava longe de ser calma.
Acho que me apaixonei por Michael porque somos muito diferentes. Ele é descontra-
ído, enérgico e direto – tem um lado realmente apaixonado, muito fogo. Eu sou mais dis-
creta, mais segundo plano. Acho que eu sabia desde o começo que Michael tem um tempe-
ramento forte, mas só vi pela primeira vez depois de muito tempo e, como já disse, eu sei
como controlar acessos de raiva. Isso parece ridículo, não parece? Aqui estou eu casada
com esse maníaco furioso que vive me ameaçando, estou morrendo de medo dele e continuo
dizendo que posso lidar com acessos de raiva. Bem, eu achava que posso. E então tudo saiu
do controle, e eu também. Todos os afagos, delicadezas e pedidos de desculpas pareciam
deixá-lo mais louco de raiva. Eu não compreendo. O que saiu errado?
Eu jamais pensaria em sair com um homem que erguesse a voz para mim. Minha
mãe e meu pai me encheram de gritos o suficiente enquanto eu crescia. Meu pai é uma pes-
soa revoltada, o que faz dele exatamente o tipo errado para a carreira militar. Não conse-
guia ser promovido nem para garantir sua sobrevivência, por isso durante vinte anos não
passou de pouco mais do que arquivista. Ele não podia ver os idiotas cretinos – palavras
dele – sendo promovidos antes dele apenas porque eram bons em obedecer, e sentia-se frus-
trado. Ao chegar em casa, ele gritava com minha mãe, ela gritava de volta e os dois batiam
portas, panelas e frigideiras na cozinha – era uma coisa muita assustadora para nós, os
filhos. Eu sabia que não ia acontecer nada, mas meu irmão corria para o quarto e começa-
va a chorar, e nós empurrávamos a cama dele contra a porta, para proteção – para os gri-
tos não entrar, suponho. Quando a coisa ficava realmente feia, papai saía furioso de casa e
ficava fora por alguns dias. Não era um grande trauma, mas você sabe, não quero mais
esse tipo de drama na minha vida. Já estive lá. Já fiz isso. Isso realmente me desanima.
A estratégia de Helen, agora que era adulta, para evitar a raiva – “prefiro não estar
perto de pessoas que têm acessos de raiva” – era um eco da sua estratégia da infância – fuja
para longe e se esconda até acabar a pancadaria, ou num lugar onde jamais a encontrarão.
Não constava dos planos de Helen o fato de a raiva ser uma emoção humana normal, e por
mais que se esforce para encontrar um lugar onde ela não existe, ou uma pessoa que não se
entregue a ela, jamais conseguirá.
Quando conheci Jim, pensei que estava no céu. Ele é calmo e gentil e sempre está es-
crevendo recados e fazendo canções para mim – um verdadeiro romântico. Desde o mo-
mento em que o conheci, nunca podia imaginá-lo gritando ou fazendo uma cena. Negócio
fechado! Fico com ele! Mas você conhece o ditado: “Tenha cuidado com o que deseja por-
que pode conseguir”? Bem, agora, eu sei o que significa.
Pode parecer que o único modo de me afastar é gritar comigo – isso faz sentido. Mas
Jim é o contrário, e quando está zangado, fica mais quieto. Não me diz o que está errado –
não diz coisa alguma. Chego quase a desejar que ele comece a gritar, porque assim fico
sabendo do que se trata. Isso é o pior. Quando ele se distancia, eu simplesmente morro por
dentro. É como se eu estivesse completamente isolada – dentro de um bloco degelo no meio
do oceano Atlântico. Não posso suportar quando ele fica zangado daquele modo quieto e
gelado. Tenho de tirá-lo daquela concha, nem que precise ficar de cabeça para baixo.
Ou, como acontece cada vez mais frequentemente, cedendo à chantagem emocional.
Ajudei Helen a reconsiderar as escolhas feitas por ela, quase todas na infância, sobre
o modo de enfrentar a raiva – depois trabalhamos para abrir um espaço para elas em sua
vida. Ela conseguiu melhorar muito sua vida com Jim, um processo que veremos nos capítu-
los seguintes.
Ninguém gosta de acessos de raiva, mas se acreditarmos que sempre depende de nós
evitá-los, ou se os abafamos para manter a paz a qualquer preço, o alcance dos atos acessí-
veis a nós tem a largura de uma corda bamba: Podemos recuar, ceder, acalmar – todas as
coisas que dizem aos chantagistas como irão conseguir o que querem de nós.
Acusações bizarras
Ele ficou realmente furioso e não parava de dizer que tudo era culpa minha. Disse:
“Veja, agora vão me internar num hospital para doentes mentais e vou ter de me matar, e
você pode agradecer a si mesma por isso. Agora tenho esse precedente e vão me internar, e
vou morrer por causa disso”. Foi horrível. Senti como se estivesse causando sofrimento
nele só pelo fato de eu ser quem sou, e não sabia o que fazer.
Nunca vou esquecer aquele dia. Vejo como se tivesse acontecido ontem. Eu estava no
banco da frente do enorme e velho Pontiac, com meu pai. Paramos num cruzamento e olhei
pela janela para umas crianças que brincavam no jardim. Papai olhou para mim e disse:
“Você não sabe nada importante, sabe?”.
Olhei para ele e ele disse, “Se eu tivesse um ataque cardíaco neste momento, você
não ia saber o que fazer, certo? Não ia saber o que fazer e eu ia morrer bem na sua frente”.
Então, ele pisou no acelerador e continuamos seguindo em frente. Ele não disse mais nada,
e eu também não. Apenas contei as pintas na saia do meu vestido e tentei não pensar em
coisa alguma.
Mas é claro que a pequena Eve pensou no que para ela era uma acusação do pai. Você
tem oito anos, devia ser capaz de me salvar, mas não é. Eve acreditou que era responsável
por manter o pai vivo – não devia ser capaz de fazer isso? – e portanto seria responsável se
ele morresse. Para uma criança, a família é o mundo e desapontar alguém da família é dei-
xar o mundo desmoronar, levando a todos com ele.
“A coisa mais verdadeira do mundo na minha família era, ‘se não for boa para o pa-
pai, ele vai morrer’”, Eve disse. “Eu acreditava piamente nisso”. O comportamento do pai
era estranho e, para uma criança, aterrorizador. Como Eve podia avaliar objetivamente o
comportamento de Elliot quando o bizarro era a norma para ela?
A experiência com o pai plantou a semente do estilo de aceitar a culpa que ainda es-
tava com ela. Embora nem sempre seja possível fazer uma conexão tão direta de fatos da
infância com problemas da vida adulta, com a aceitação de culpa e chantagem emocional,
no caso de Eve as semelhanças eram mais do que evidentes.
A Síndrome de Atlas
As pessoas com a Síndrome de Atlas acreditam que só elas podem resolver todos os
problemas, deixando os próprios interesses em último lugar. Como Atlas, que carregava o
mundo nos ombros, arcam com o peso de pôr em ordem os sentimentos e os atos de todo
mundo, como uma expiação por qualquer transgressão passada ou futura.
Karen, a enfermeira que já conhecemos, desenvolveu a síndrome de Atlas na adoles-
cência, quando os pais se divorciaram.
Quando papai foi embora, mamãe ficou quase completamente sozinha e eu devia
compensar a perda. A. família dela estava toda em Nova York e nós morávamos na Califór-
nia. Ela contava apenas com uma ou duas amigas e dependia de mim.
Lembro-me de quando eu tinha uns quinze anos e tive a primeira oportunidade de
passar fora de casa, com uma amiga, a festa de Ano-Novo. Minha mãe e eu havíamos pla-
nejado jantar fora naquela noite e depois ir ao cinema, mas, perto do Natal, minha amiga
telefonou dizendo que tinha combinado um encontro para mim, com um rapaz que eu não
conhecia e que podíamos sair os quatro juntos, ela, o namorado e eu com o rapaz. A ideia
me encantou, eu queria muito ir, mas ao mesmo tempo me sentia um pouco culpada. Con-
versei a respeito com uma tia e ela me disse: “Frances não pode esperar que você fique
com ela quando tem uma oportunidade dessas – vá!”.
Tomei coragem e disse para minha mãe que queria sair com minha amiga e o rapaz
desconhecido. Ela ficou tão magoada, seus olhos encheram-se de lágrimas e ela disse:
“Muito bem, o que vou fazer na festa de Ano-Novo?”. Eu fui ao encontro e me diverti bas-
tante, mas quando cheguei em casa minha mãe estava na cama com enxaqueca, pratica-
mente gritando de dor e eu sabia que isso nunca teria acontecido se eu tivesse ficado com
ela. Eu me senti terrivelmente culpada. Eu não queria desistir de toda a minha vida, mas
não queria magoar minha mãe mais do que tinha magoado.
Karen tinha só quinze anos, mas já aprendera a permitir que a mãe dependesse dela.
Se não tomasse conta da mãe, quem mais poderia fazer isso? Jamais lhe ocorreu que a mãe
podia tomar conta de si mesma. Além disso, se a irritasse ou a “magoasse” não fazendo o
que ela queria, a mãe iria embora também.
A princípio eu não sabia o que fazer, mas um dia descobri o que podia ajudar. Apa-
nhei papel e lápis e redigi um contrato. “Por meio deste, prometo à minha mãe que quando
eu crescer providenciarei para que ela tenha uma vida maravilhosa. Tratarei de fazer com
que tenha milhões de amigos e coisas interessantes para fazer. Amor, Karen”. Dei o con-
trato para ela numa tarde e ela sorriu e disse que eu era uma boa menina.
Muitas pessoas assumem a tarefa de manter o bem-estar de outra pessoa, uma res-
ponsabilidade imensa, mas que pode trazer certas recompensas. Karen descobriu um meio
de se sentir poderosa. Descobriu como fazer a mãe feliz – e garantir que seu mundo não ia
desmoronar.
É difícil ignorar a tendência para a síndrome de Atlas. A filha de Karen, que a estava
chantageando, lembrando o quanto tinha sofrido no acidente de carro anos atrás, percebeu
como a mãe reagia à avó – e à maioria das pessoas na vida dela. Foi fácil para Melanie ati-
var o ponto explosivo da responsabilidade.
Melanie e eu somos muito unidas e eu sei como é difícil para ela seguir o Programa
e se manter sóbria. Se não fosse pelo acidente e pelas cicatrizes, ela seria mais forte. Eu
sou enfermeira e conheço a face da dor. Eu gostaria de ter poupado tudo isso a ela, mas
uma vez que não me foi possível, preciso protegê-la agora. É meu dever de mãe. Não gosto
da pressão que ela está fazendo, mas quero que ela tenha o que eu não tive. Eu amo Karen
e meus netos, demais! Sabe que ela ameaça não me deixar ver meus netos, quando fica zan-
gada comigo? Nossa família precisa ficar unida e se eu sou a única capaz de fazer isso, eu
o farei.
Como a maioria das pessoas com a síndrome de Atlas, Karen não tinha ideia de onde
começava e onde terminava sua responsabilidade pelas outras pessoas, porque há muito
tempo disseram a ela que devia tomar conta de todo o mundo, exceto dela mesma.
A culpa e a responsabilidade são aliadas íntimas e é difícil ver os limites entre as du-
as. À medida que eu trabalhava com Karen para desligar o seu instintivo “Você tem razão –
a culpa é minha. Eu lhe devo reparações”, ela começou a definir, pela primeira vez na vida
adulta, um modo de abrir espaço no seu mundo para as próprias necessidades e o grau exato
de responsabilidade pelos outros que ela queria assumir.
O coração compassivo
Compaixão e empatia inspiram bondade, até mesmo atos nobres, e temos pouco res-
peito pelas pessoas incapazes desse sentimento. E difícil imaginar como essas qualidades
podem dar origem a problemas. Porém, a compaixão pode se transformar numa piedade tão
avassaladora que nos leva a renunciar ao nosso bem-estar a favor de outra pessoa. Quantas
vezes já dissemos, “Não posso deixá-lo porque tenho muita pena dele”, ou “Ela olha para
mim com as lágrimas descendo pelo rosto e eu faço tudo o que ela quer”, ou “Estou sempre
cedendo a ela, mas ela teve uma vida tão difícil…”. Deixamo-nos apanhar na rede das ne-
cessidades emocionais de outras pessoas e perdemos a capacidade de avaliar objetivamente
os problemas e ver qual o melhor modo de fazer o bem.
O que dá a algumas pessoas a capacidade de sentir empatia pelos problemas ou pelo
sofrimento de outras pessoas e oferecer ajuda apropriada, ao passo que outros, os corações
compassivos, sentem-se obrigados a voar como o Super-homem e dar tudo a elas para ali-
viar seu sofrimento – mesmo que tenham de sacrificar o amor-próprio e a saúde? Como vi-
mos até agora, onde há uma compulsão para agir e uma resposta automática que pode rico-
chetear contra nós, quase sempre há um ponto explosivo.
O poder da piedade
Eu sempre fui independente, mas me preocupava com ela. As outras mães não fica-
vam doentes o tempo lodo, mas ao menor sinal de problema, minha mãe ficava de cama. Eu
estava sempre sintonizada nela – sabia pelo som atrás da porta do quarto se ela estava dor-
mindo ou acordada, e sabia se estava dormindo bem ou com um sono agitado. Se ela estava
dormindo profundamente, eu entrava no quarto e ouvia sua respiração, para ter certeza de
que estava bem. Era parte do meu trabalho quando meu pai não estava em casa.
Era um campo de treinamento feito sob medida para um coração compassivo. Quan-
do vivemos com um progenitor ou qualquer outra pessoa importante na nossa vida, que é
física e/ou mentalmente carente, tornamo-nos ultrassensíveis às pistas que eles nos dão. Ca-
da movimento das pálpebras, cada pequeno suspiro ou mudança no tom de voz é repleto de
significado e chegamos até mesmo a sintonizar, como Patty, nas pequenas diferenças da res-
piração da pessoa quando está dormindo. Porém uma criança, como Patty era, não pode fa-
zer coisa alguma para ajudar.
Como vimos, muitas vezes quando somos crianças resolvemos fazer as coisas melho-
res quando crescermos, e é comum para muitas pessoas reviver cenas da infância para ter
certeza de que tudo vai dar certo, agora que temos o poder de corrigir o que está errado.
Você conhece o chavão: “Você casou com seu pai?”. Eu casei com minha mãe! Joe,
evidentemente, não é tão deprimido quanto minha mãe – na verdade, o que eu amo nele é
sua energia quando está feliz. Mas ele tem um temperamento tão inconstante – para cima e
para baixo. Suspira do mesmo modo, até vai para a cama quando está zangado, como mi-
nha mãe, e quando isso acontece, eu ponho em prática todo o antigo treinamento. Joe diz
que eu leio a mente dele. Quando ele começa a ficar triste, eu pareço adivinhar o problema
que o aflige ou o trago para a superfície, como ninguém mais poderia fazer. Quando estive-
mos juntos pela primeira vez, gostei da sensação de que combinávamos perfeitamente e tive
certeza de que podia fazê-lo feliz. Mas ele começou a esperar que eu leia sempre sua mente
e isso está ficando desgastado.
Estar com ele é como estar com um garotinho numa loja de brinquedos. Sabe como
algumas crianças escolhem alguma coisa muito cara – que não pretendemos comprar – e
agarram-se a ela como se lhes pertencesse? E então parece que acabamos de tirar seu me-
lhor amigo, quando devolvemos o brinquedo à prateleira? Eu sou aquela que acaba com-
prando a maldita coisa para fazer a criança sorrir. Isso não é horrível?
Quando Zoe olhou para trás, para sua vida, à procura do local em que deve ter se for-
mado seu ponto explosivo, não encontrou nenhum trauma especial. Sua infância foi feliz,
ela disse, e teve toda a assistência e todo o apoio da família.
Eu só não me encaixava perfeitamente porque não era tão sossegada como uma me-
nina devia ser. Eu era realmente competitiva e sempre gostei de ganhar. Isso preocupava
muito meus pais. Quando eu ia bem na escola, eles diziam que eu estava me exibindo. Mi-
nhas irmãs compreenderam a mensagem e nunca pareciam se esforçar demais, mas eu era
diferente. Minha família sempre dizia que se orgulhava de mim, mas que não era bonito
para uma menina chamar atenção fazendo tanto barulho.
Zoe passou anos mantendo a cabeça baixa, tentando não “se destacar demais” em
ambientes que não encorajavam a contribuição feminina. Mas seu trabalho era sempre no-
tado e, embora ela nunca tivesse esperado um cargo de chefia, tinha agora dez pessoas tra-
balhando sob suas ordens.
O caminho tem sido tão difícil para as mulheres e para mim pessoalmente, que sem-
pre jurei que ia modificar as coisas. Acho que há espaço suficiente para decência e compai-
xão no mundo dos que trabalham, e eu sempre quis que as pessoas que trabalham sob mi-
nhas ordens me considerem amiga, além de chefe. Não estou interessada em mandar ou
impor minha vontade à equipe. Somos colegas, não senhor e escravos. Quem diz que preci-
samos deixar a nossa humanidade no lado de fora da porta só porque temos um escritório
luxuoso?
Zoe sempre se orgulhou da sua capacidade de dar conselhos e apoio às outras mulhe-
res. Nessa arena, ela estava perfeitamente à vontade. Zoe, a nobre e compassiva. Zoe, a
mentora. Zoe, a amiga, sempre disposta a ajudar. Ela era, sem reserva alguma, o protótipo
do coração compassivo, e não queria deixar o que considerava suas melhores qualidades à
medida que subia na sua carreira.
Com essa determinação de ser uma boa pessoa, além de chefe. Zoe fez amizade com
algumas pessoas da equipe, especialmente com Tess. As duas jantavam juntas regularmente
e iam ao teatro, uma paixão que compartilhavam. Por causa desse relacionamento social, era
difícil para Zoe agir como chefe com Tess e negar qualquer coisa para ela. Como vimos no
caso de Charles e Sherry, envolver-se com alguém pessoal e profissionalmente ao mesmo
tempo, mesmo quando é uma amizade e não um romance, é sempre perigoso e geralmente
acaba mal, especialmente quando uma pessoa tem mais autoridade do que a outra.
No caso de Charles e Sherry, o chefe era o chantagista emocional, um cenário típico e
previsível. Porém no caso de Zoe, a chefe tinha alguns pontos explosivos que faziam dela
um alvo ideal para a chantagem da sua subordinada.
Ela insiste para que eu lhe dê mais responsabilidade no trabalho. Diz que se sou sua
amiga, por que não posso ajudá-la? Quando tento explicar que amizade não tem nada a ver
com minha responsabilidade para com a empresa, ela diz que estou deslumbrada com mi-
nha posição e embriagada pelo poder. Minha nossa, isso me parece tão familiar. Não quero
que as pessoas tenham medo de mim ou pensem que sou insensível. É horrível! Está me dei-
xando louca.
Zoe ainda não havia resolvido seu conflito interior entre a parte que queria ter su-
cesso e a parte que se preocupava mais em ser querida. Estava sofrendo da Síndrome da Boa
Menina – uma doença que afeta muitas mulheres do nosso tempo, que se preocupam imen-
samente com a própria capacidade de ter poder e sucesso e ao mesmo tempo ser querida.
Devido à ambivalência a respeito de “'como devia” se comportar. Zoe abriu completamente
a porta para a chantagem e Tess entrou.
Zoe era um terreno ideal para Tess empilhar lixo, disposta a ouvir sua infindável lita-
nia de queixas. Mas quando Zoe tinha algo importante para fazer, ou não podia passar muito
tempo com Tess, ela lembrava, “Você é a única que pode me ajudar. Não vou conseguir na-
da sem você”. Isso era música para os ouvidos de Zoe. Foi assim que ela conseguia amor no
passado – com seu carinho, sua compaixão e seu calor, sempre presente para quem preci-
sava dela. Mas a música estava cheia de notas desafinadas para quem quisesse evitar a chan-
tagem emocional. Zoe precisava ampliar a definição de compaixão para se incluir nela.
O inseguro
Saber que não somos perfeitos e que podemos errar é saudável. Mas a autoavaliação
saudável pode facilmente se transformar em autodepreciação. Quando alguém nos critica,
podemos discordar a princípio, depois achar que nossos sensores e medidores estão com
defeito. Como podemos estar certos quando uma pessoa que é importante para nós diz que
estamos errados? Talvez estejamos nos iludindo. Sabemos o que vemos e o que experimen-
tamos, mas não confiamos nos nossos sentidos e frequentemente ignoramos a verdade das
nossas ideias, dos nossos sentimentos, da nossa intuição, deixando que os outros nos digam
como devem ser.
Isso é comum quando interagimos com uma autoridade, especialmente nossos pais. É
outra vez “Papai sabe tudo”. Mas pode acontecer também com um amante ou um amigo que
admiramos, que por acaso é um chantagista. Investimos nesses seres idealizados com poder
e sabedoria e acreditamos que são mais inteligentes, mais sábios, mais “certos” do que nós.
Podemos não gostar do que eles fazem, ou não achar justo o que nos pedem, mas como não
confiamos em nós mesmos, deixamos que façam o que querem, jamais questionando suas
exigências ou sua versão da realidade. (Isto se aplica especialmente às mulheres que recebe-
ram muito cedo a mensagem de que são criaturas emotivas e portanto não podem saber nada
importante, ao passo que os homens são superiores, os donos da razão e da lógica).
Se nós atribuímos sabedoria e inteligência a outra pessoa – o que geralmente acon-
tece quando não confiamos em nós mesmos – fica uma coisa muito simples para essas pes-
soas manter ativa nossa insegurança. Elas sabem tudo, e além de tudo, sabem o que é me-
lhor para nós.
Não posso perder ioda minha família por causa disso. Durante toda a vida tentei fa-
zer algo importante para chamar a atenção deles, mas nunca pareciam notar. Meu irmão
era o preferido dos meus pais por ser o primeiro filho, mas quando nasci, eu era apenas
uma menininha gorducha e meu pai não suportava isso. Ele me odiou desde a primeira vez
em que me viu. Tudo o que eu faço é errado. Ninguém acredita em mim. Eu só quero que
eles gostem de mim e agora eles me odeiam. Devo estar louca por pensar em fazer o que
estou fazendo. Talvez eles estejam certos.
Sob a pressão da família para negar tudo o que tinha dito ou enfrentar o exílio, Ro-
berta quase cedeu, tinha se tornado o bode expiatório da família.
Não é incomum uma pessoa se tornar a representante de tudo o que acontece de er-
rado numa família. Roberta era o repositório da negação e do segredo da família, e tinha de
absorver a culpa, a tensão, a ansiedade, para que todos pudessem manter o equilíbrio. Desse
modo, ninguém na família precisaria ver o quanto estavam mentalmente doentes.
É extremamente difícil acreditar que nossa percepção é válida quando as pessoas que
amamos nos dizem que estamos loucos, errados ou doentes. Mas, com apoio e trabalho ár-
duo, Roberta reuniu coragem para ficar firme. Sua recuperação seria impossível se não ti-
vesse se livrado da dúvida a respeito do próprio julgamento, que a atormentava há tanto
tempo. Como todos os estilos comportamentais que vimos, essa dúvida não a mantinha a
salvo – mas numa prisão.
A luta para defender com firmeza o que sabemos, ou até mesmo apenas compreender
que fechamos numa prisão o centro perceptivo do nosso eu, pode não ser tão dramática
quanto a de Roberta, mas tem a mesma importância. Para Roberta, a sua verdade era uma
questão de sobrevivência psíquica; para a maioria das pessoas é o único meio de acabar com
uma chantagem emocional.
Uma questão de equilíbrio
Pede desculpas?
Procura “explicar”?
Fica argumentando?
Chora?
Implora?
Muda ou cancela compromissos ou planos importantes?
Cede, esperando que seja a última vez?
Desiste facilmente?
Se você respondeu sim a qualquer uma dessas perguntas, está agindo como treinador
e astro coadjuvante no drama da chantagem. Todos os dias da nossa vida nós ensinamos as
pessoas como devem nos tratar, mostrando o que aceitamos e o que não aceitamos, o que
evitamos enfrentar, o que deixamos passar. Podemos até acreditar que somos capazes de
acabar com o comportamento perturbador de outra pessoa se o ignorarmos ou não dermos
muita importância, mas a impressão efetiva que recebem quando não estabelecemos clara-
mente o que é ou não aceitável é: “Funcionou. Faça outra vez”.
O que muitas pessoas não percebem é que a chantagem emocional é construída a par-
tir de uma série de testes. Se ela funciona em pequena escala, nós a veremos novamente
numa arena mais abrangente. Quando cedemos à pressão ou ao desconforto, estamos forne-
cendo um reforço positivo, uma recompensa por mau comportamento. A dolorosa verdade é
que toda vez que permitimos alguém corroer nossa dignidade e nossa integridade, somos
cúmplices ajudando aqueles que irão nos ferir.
Vivemos na ilusão de que a chantagem emocional aparece de repente em nossa vida,
como um furacão, vinda do nada e nos derrubando com sua força e sua fúria. “Como a outra
pessoa pode ter mudado tanto?”, perguntamos a nós mesmos. “Como as coisas de repente se
tornaram tão tensas?”. Às vezes a entrada da chantagem emocional num relacionamento é
repentina, mas com a mesma frequência é construída lentamente, ganhando terreno com o
passar do tempo, porque nós permitimos.
Liz começou a me contar seus problemas com o marido, Michael, descrevendo como
se sentia apavorada com as ameaças de punição dele. Mas, olhando para trás compreendeu
que, muito antes da grande crise entre os dois, vinha permitindo que Michael saísse impune
de vários incidentes de uma chantagem emocional mais sutil.
Michael sempre foi o Senhor Perfeito. É o tipo de cara que marca um encontro e vai
embora se você se atrasa cinco minutos – só para deixar claro que você deveria ter sido
pontual. Eu devia ter percebido quando ele começou a arrumar minhas revistas na mesa de
centro e a reclamar quando estavam desarrumadas. Suas regras – e ele tem uma regra para
as mínimas coisas – foram uma fonte de tensão entre nós desde o momento em que passa-
mos a morar juntos. E quando tivemos os gêmeos então, nem me fale. Tente manter uma
casa impecável com crianças pequenas. Mas a realidade não significava coisa alguma para
Michael. Ele continuava sempre dizendo como queria que eu arrumasse a casa. Como ele
fazia isso? Bem, ele tem seus métodos.
Lembro-me do dia em que deixei alguns pratos na pia em vez de pôr na máquina pa-
ra lavar. Quando entrei em casa, Michael tinha empilhado os pratos no chão. Eu mal podia
acreditar – mas não disse nada. Apenas engoli em seco e apanhei os pratos.
Liz simplesmente concluiu que estava errada e merecia a bronca de Michael, mas era
ela quem o estava treinando. Michael não podia deixar de notar o quão eficiente tinha sido a
sua punição.
Pensando agora em tudo isso, é como se ele estivesse sempre procurando descobrir
um meio de corrigir meus erros. Certa vez saí e não fechei a porta da garagem. Quando
voltei, Michael tinha desligado o mecanismo automático da porta e tive de descer do carro
para abrir. Era como um daqueles castigos que nossos pais inventam para que os filhos
jamais esqueçam. Ele me convenceu de que eu sou descuidada, irresponsável e péssima
mãe. Eu me senti culpada como o diabo e acabei pedindo desculpas.
Castigos mesquinhos como os de Michael roubam nossa dignidade e nossa força. São
os equivalentes emocionais de uma palmada, e servem para nos infantilizar – reduzindo-nos
a crianças más que precisam de uma lição. Como Liz acabou descobrindo, a culpa que sen-
timos logo se traduz em “Eu sou uma pessoa má, portanto mereço o castigo”.
Com seus alarmes vitais zumbindo, Liz nem sequer considerou permitir que Michael
percebesse o quanto estava zangada e jamais pensou em enfrentá-lo. Porém, escondendo
seus sentimentos, ela estava treinando seu marido para intensificar seu comportamento cas-
tigador para mantê-la na linha. O chantagista aprende rapidamente até que ponto pode che-
gar, observando até onde nós permitimos que chegue. Não sabemos o que teria acontecido
se Liz tivesse cortado logo no começo o comportamento dele. Sabemos que Liz o ensinou
que se ele a infantilizasse, a insultasse e a ameaçasse, iria conseguir o que queria. Os casti-
gos aplicados por Michael tornaram-se repetidos, foram crescendo progressivamente, e fi-
nalmente atingiram um ápice assustador quando ele ameaçou cortar toda a ajuda financeira e
tirar os filhos, se ela tentasse deixá-lo.
Superficialmente parece não haver uma relação direta entre desligar o automático da
porta da garagem e as ameaças que vieram depois, mas os incidentes iniciais foram como o
resfriado que pode levar à pneumonia – perigosos quando ignorados e não tratados.
Como descobrem todos os alvos de chantagem emocional, o presente é um prólogo
para o futuro. O que ensinamos hoje voltará a nos atormentar amanhã.
Autochantagem
A despeito do título deste capítulo, às vezes a chantagem precisa apenas de uma pes-
soa. Podemos facilmente encenar todos os elementos da chantagem sozinhos – desde a exi-
gência até a resistência, a pressão e as ameaças, agindo simultaneamente como chantagista e
alvo da chantagem. Isso acontece quando o medo de reações negativas de outra pessoa é
muito intenso, e nossa imaginação toma o controle. Supomos que se pedirmos o que quere-
mos, a outra pessoa vai desaprovar, se afastar de nós, ficar zangada e estamos tão resolvidos
a nos proteger que não nos permitimos o mínimo risco de perguntar “O que você diria se
eu…”.
Vou mostrar o que quero dizer.
Minha amiga Leslie sonha com uma viagem à Itália há mais de um ano, combinando
com amigos e providenciando entradas para a ópera. Porém, há seis meses, sua filha Elaine
teve um divórcio difícil e Leslie a está ajudando com alguns empréstimos ocasionais e to-
mando conta dos dois filhos pequenos de Elaine, quando ela vai trabalhar. Leslie e Elaine
tiveram sua cota de tempos difíceis, mas ficaram mais unidas depois do divórcio de Elaine,
e Leslie está feliz com a nova amizade que nasceu entre elas.
“Eu não poderia jamais fazer qualquer coisa que prejudicasse essa amizade”, disse
Leslie “e sei que se fizer a minha viagem, ela vai ficar zangada e achar que estou sendo ego-
ísta. Como posso tirar essas férias quando ela está lutando para se manter e precisa da minha
ajuda?”. Provavelmente a filha de Leslie vai resolver tudo muito bem se a mãe falar da via-
gem, mas Leslie se recusa a ver a realidade, preferindo adiar as férias tão necessárias.
Quantas vezes nos privamos de alguma coisa razoável e perfeitamente dentro dos
nossos meios, simplesmente por temermos a reação de outra pessoa? Arquivamos nossos
sonhos e planos porque “temos certeza” de que alguém vai se opor a eles – muito embora
jamais tenhamos tentado falar a respeito. Queremos uma coisa, resistimos, pressionamos a
nós mesmos, imaginando as consequências negativas e nos privamos do que queremos. Cri-
amos o nosso FOG particular. Isso é autochantagem.
Podemos mesmo ter uma história com outra pessoa que justifique nossa apreensão
sobre sua reação, mas muitas vezes imaginamos coisas totalmente irreais. Podemos até nos
ressentir contra alguém por nos impedir de fazer algo de que nem tem conhecimento. An-
damos cautelosamente em volta dos nossos pontos explosivos e nos trancamos num cofre,
num padrão sem ar da autochantagem.
Uma advertência
Por favor, não usem este capítulo como um instrumento de autopunição. Até agora,
você fez o melhor possível com o que sabia. Sempre pertenceu ao APC – esse vasto grupo
de pessoas cujo comportamento se formou Antes da Percepção Consciente.
Olhe com carinho para a pessoa que você tem sido, e depois use este capítulo para
compreender a fundo o acordo da chantagem emocional e o papel que você tem desem-
penhado nela.
7. O impacto da chantagem
A chantagem emocional pode não estar ameaçando diretamente nossa vida, mas ame-
aça a nossa posse mais valiosa – a nossa integridade. A integridade é um lugar dentro de nós
onde residem nossos valores e nossa bússola moral, que definem o que e certo e o que é er-
rado para nós. Embora tenhamos a tendência de igualar integridade à honestidade, na ver-
dade é muito mais. A própria palavra tem o significado de “inteiro” ou “completo” e nós a
experimentamos como o conhecimento de que “Isto é o que eu sou. Isto é o que eu acredito.
Isto é o que estou disposto a fazer – e é aqui que determino meus limites”.
A maioria das pessoas não teria dificuldade para determinar o que se deve e o que
não se deve fazer, ou os mandamentos do “Você deve” e “Você não deve”, que nos guiam.
Contudo, tecer essas crenças no tecido das nossas vidas e as defender sob a pressão da chan-
tagem emocional é um pouco mais difícil. Muitas vezes cedemos e comprometemos nossa
integridade, perdendo a capacidade de lembrar como é ser íntegro.
Como é nos sentirmos íntegros? Veja a lista seguinte – talvez seja até bom ler em voz
alta – e imagine que cada uma dessas afirmações é verdadeira para você na maior parte das
vezes.
São afirmações libertadoras e repletas de força para serem aplicadas a nós mesmos, e
quando refletem realmente nosso modo de ser no mundo, nos dão um ponto de referência e
uma sensação de equilíbrio que nos impedem de sermos levados para fora do eixo pelo es-
tresse e pela pressão que constantemente enfrentamos. Quando cedemos à chantagem emo-
cional, riscamos os itens dessa lista, um a um, esquecendo o que é certo para nós. E cada
vez que fazemos isso, sacrificamos um pouco mais a nossa integridade.
Quando violamos esse senso essencial de nós mesmos, perdemos uma das forças ori-
entadoras mais lúcidas da nossa vida. Ficamos perdidos, à deriva.
Fracote. Covarde. Fracasso. Tolo. Temos dezenas de palavras para descrever a nós
mesmos, quando nos afastamos de um chantagista emocional, depois de ceder a ele mais
uma vez. Nosso julgamento sobre nós mesmos é obscurecido dentro do FOG da chantagem
emocional. “Se eu tivesse alguma coragem, não estaria cedendo”, dizemos para nós mes-
mos. “Será que sou mesmo tão fraco? O que está acontecendo comigo?”.
Não é preciso ser inflexível nem se punir por ceder a alguém, quando se trata de pe-
quenas coisas. Nós todos sabemos que muitas vezes temos de ceder um pouco e concordar,
e frequentemente ceder à pressão não é tão desabonador. Porém, adotar o padrão de ceder a
coisas que não são boas para nós, tem um impacto muito negativo na nossa autoimagem. Há
sempre um limite, um ponto em que ceder é violar nossos mais importantes princípios e
crenças.
O preço que pagamos por agir como se esse ponto não existisse tornou-se dolorosa-
mente claro para Maria, depois de algum tempo. Alguns meses depois de começarmos a tra-
balhar juntas, ela me pareceu extremamente quieta numa das sessões, uma mudança do seu
modo tipicamente extrovertido. Perguntei o que estava acontecendo e ela respondeu falando
lentamente.
Tantas coisas me deixam furiosa. E claro que não estou feliz com o que Jay fez. Mas
o que me preocupa mais é o que eu fiz a mim mesma. Sei que falamos muito sobre família, e
como sempre honrei minha família e ela sempre esteve em primeiro lugar na minha vida.
Mas quando olho no espelho, vejo uma mulher que não se respeita o bastante para dizer ao
marido “Não vou deixar que você continue degradando a mim e ao meu casamento com
sua infidelidade”. Sinto-me como se realmente tivesse desapontado a mim mesma. Fiz de
tudo, menos defender os meus direitos. Seria melhor pregar um cartaz em mim dizendo,
“Pode me chutar”.
Eu a fiz notar que, embora não parecesse para ela, já havia percorrido um longo ca-
minho e trabalhado arduamente para chegar ao ponto de reconhecer as próprias necessida-
des e se libertar das pressões da infância e do ambiente em que vivia. Parte do seu senti-
mento intenso de autocensura era resultado de estar vendo claramente, pela primeira vez em
muitos anos – ou talvez em toda a vida –, sua noção consciente dos valores que respeitavam
e protegiam os direitos de todos, exceto os dela.
O círculo vicioso
Patty foi apanhada no clássico dilema “condenada se fizer, condenada se não fizer”13,
13
“Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come”…
que submerge o alvo da chantagem sob as ondas de autocondenação. Enquanto aceitasse a
premissa de Joe de que o que ele queria com tanta urgência era um “pequeno favor” que
devia a ele, era impossível resistir – muito embora, como Patty disse: “Eu não sou o tipo de
pessoa que faz uma coisa dessas. Quem, em sã consciência, telefona para uma pessoa que
acaba de sofrer uma cirurgia, para pedir dinheiro?”.
Patty não perdeu a noção do que era apropriado, mas levada pela necessidade de
manter a paz com Joe, agiu como se tivesse perdido. Como resultado, encheu-se de remor-
sos e de desprezo por si mesma.
Porém o trágico resultado dessa autoflagelação é a formação de um círculo vicioso.
Sob pressão, às vezes fazemos coisas que não combinam com nossa noção de quem somos.
Chocados e sem poder acreditar, compreendemos o que fizemos e começamos a nos con-
vencer de que somos realmente tão deficientes quanto os chantagistas nos fazem crer. Então,
tendo perdido o amor-próprio, ficamos mais vulneráveis ainda à chantagem emocional, por-
que agora estamos especialmente desesperados pela aprovação do nosso chantagista – o que
iria provar que não somos realmente tão desprezíveis. Podemos não conseguir manter nos-
sos padrões, mas talvez seja possível concordar com os padrões do chantagista.
Como Patty disse:
Eu temia que, se não desse o telefonema, ele deixaria de me amar, temia não ser uma
boa esposa. E eu precisava dele. Ele ia deixar de me amar e eu o estaria desapontando.
Embora difícil para ela, dar o telefonema era mais confortável do que dizer não para
Joe. Dada a escolha entre violar a própria noção do certo e errado e parecer uma má esposa,
sabemos qual dessas opções ela escolheu.
Racionalizando e justificando
Proteger nossa integridade pode ser assustador e muito solitário. Corremos o risco de
incorrer na desaprovação das pessoas de quem gostamos e pode até prejudicar um relaciona-
mento. Margaret queria segurar Cal – de qualquer maneira –, por isso fez o que muitos alvos
de chantagem fazem diante da escolha entre ser leal a si mesmo ou ceder ao que o outro
quer: ela racionalizou.
Margaret tentou descobrir “boas razões” para fazer o que Cal queria. Disse a si mes-
ma que sexo em grupo não era nada de mais – talvez estivesse sendo antiquada e puritana.
Afinal, ele era tão maravilhoso em tantas outras coisas. A sua necessidade para essa raciona-
lização extensa devia ter sido o sinal de que estava ultrapassando os limites do que ela sabia
ser real e saudável.
É preciso muita energia mental e emocional para nos convencermos de que podemos
aceitar algo que não é certo para nós. Uma guerra interior é deflagrada entre a nossa integri-
dade e a pressão do chantagista e, como em todas as guerras, há perdas e danos. Margaret
pagou um preço alto e doloroso por sua racionalização e nós trabalhamos juntas para re-
construir seu amor-próprio, silenciar a crítica com a qual estava se flagelando e reforçar sua
ligação com a sua voz-guia interior.
Por mais confusos, cheios de dúvidas e incoerências sobre o que esteja acontecendo
em nossa interação com outra pessoa, jamais podemos silenciar inteiramente a voz interior
que sempre nos diz a verdade. Podemos não gostar do som dessa verdade – e muitas vezes a
deixamos murmurando fora do nosso consciente, sem parar o tempo necessário para ouvi-la
– mas, quando prestamos atenção, ela nos conduz à sensatez, à saúde e à claridade. Essa voz
é a guardiã da nossa integridade.
Eve estava matriculada no curso que a ajudaria a conseguir um emprego e com ele al-
guma segurança financeira, enquanto se esforçava para construir sua carreira. Mas sob a
pressão de Elliot, seu plano otimista desmoronou.
Tudo o que eu quero é aprender uma profissão para não ser eternamente dependente
de outra pessoa. Pensei em fazer um curso de computação gráfica, um pouco de ilustração,
para não precisar depender sempre de alguma grande comissão ocasional. Mas ele real-
mente detestou muito essa ideia e, no dia em que eu ia fazer aquela droga do teste de com-
putador, Elliot ameaçou tomar uma overdose. Fiquei atônita, era como se meu maior pesa-
delo estivesse se transformando em realidade. Ele estava lá, sentado com uma garrafa de
bebida e uma porção de vidros de comprimidos. Como eu podia voltar a estudar depois dis-
so? Eu disse para mim mesma “não faça, Eve, continue no curso”, mas… eu simplesmente
desmoronei. Aí eu disse: Quer saber, para o inferno com tudo isso.
Como a maior parte dos chantageados, Eve perdeu de vista o fato de que algumas das
promessas mais importantes que fazemos são para nós mesmos. Comparadas à pressão de
Elliot e ao fato de acreditar que era responsável pela sobrevivência dele, essas promessas
pareciam quase triviais.
As ameaças de Elliot eram assustadoras, e Eve ainda não estava preparada para en-
frentá-las, mas, mesmo quando a pressão é menos intensa, muitos alvos de chantagem ne-
gam a si mesmos. Um dos mais graves efeitos da chantagem emocional é o modo como ela
restringe o nosso mundo. Geralmente desistimos das pessoas e das atividades que amamos
para agradar o nosso chantagista, especialmente quando ele é extremamente controlador ou
carente.
Porém, a cada vez que você não faz o curso que deseja, a cada vez que deixa de rea-
lizar algum projeto ou de ver as pessoas de quem gosta só para satisfazer o chantagista, você
está abrindo mão de uma parte importante de você mesmo, e rebaixando a sua integridade.
Minha amiga estava no grupo e começou a me pressionar também. Mais tarde, des-
cobri que Rhonda a mandou tentar me convencer. Então eram as duas que me pressiona-
vam. Eu me senti duplamente traída e furiosa. Mas era uma fúria que eu não achava seguro
expressar diretamente. Na verdade, eu nem mesmo sabia se tinha direito de me sentir assim.
Como resultado, fiquei mais deprimida ainda. Foi uma experiência realmente horrível.
Rhonda me prejudicou muito. Eu estava muito vulnerável na época e ela jamais me
apoiou ou me valorizou. Ela me fez sentir pior comigo mesma – mais inadequada e mais
desprezível. Graças a Deus consegui ver o que estava acontecendo e saí a tempo.
Eve estava tão enrascada em seu relacionamento destrutivo com Elliot que pensou
que a própria sanidade estava ameaçada.
Eu sabia que tinha me metido numa encrenca. Minhas emoções eram tão esgotadas
que eu tinha medo de ser trancada numa sala de um centro de reabilitação. Eu precisava
literalmente ficar balançando em uma cadeira de balanço. Era como se eu estivesse ficando
biruta, mas não conseguia criar uma distância emocional de Elliot. Era aquela combinação
horrível de raiva, amor e culpa.
Kim, a editora de revista que estava fazendo horas extras absurdas para atender à
pressão do chefe, acordou no meio da noite com dores agudas que iam do ombro ao pulso.
Eu temia que algo desse tipo acontecesse comigo, mas é sempre um choque quando
acontece com a gente. Não sei por que não consegui dizer: “meus braços estão começando
a doer e preciso ir mais devagar – fazer o trabalho de uma pessoa e não de duas ou três”.
Mas eu ouvia a voz de Ken na minha cabeça dizendo o quanto Miranda era formidável, e
estava determinada a provar que era tão boa quanto ela. E aquele filho da mãe sabe exa-
tamente como me convencer. O mais assustador disso tudo: fui eu quem fez isso comigo
mesma.
Quando não protegemos nosso corpo, ele nos avisa através das dores até receber
atenção. Para Kim, os repetidos danos causados pela tensão significavam que podiam causar
doenças incapacitantes se insistisse em ceder à pressão para trabalhar demais.
Na situação de Kim, causa e efeito eram bem óbvios. Trabalho excessivo, longas ho-
ras e pressão para ser perfeita deixaram-na exausta e seu corpo se rebelou.
Eu não defendo a ideia de que todas as doenças físicas são psicossomáticas, mas há
ampla evidência de que a mente, as emoções e o corpo estão intimamente ligados. O estres-
se emocional pode aumentar significativamente nossa vulnerabilidade às dores de cabeça,
aos espasmos musculares, aos problemas gastrointestinais, à disfunção respiratória e mais
uma série de outros males físicos. Acredito firmemente que o estresse e a tensão que acom-
panham a chantagem emocional podem se manifestar através de sintomas físicos, quando
outros canais expressão estão bloqueados ou fechados.
Sabemos que ceder à chantagem emocional nos faz trair a nós mesmos e à nossa in-
tegridade. Mas geralmente ignoramos o modo pelo qual, ao tentar acalmar o chantagista ou
evitar sua desaprovação, podemos estar traindo também pessoas de quem gostamos.
Vimos muitos exemplos neste livro de como a chantagem afeta as outras pessoas que
fazem parte da vida do chantageado. Josh está traindo Beth quando diz aos seus pais que
não está mais saindo com eia, e isso a magoa profundamente. Ela sente-se desprotegida.
Sabe também que quando chegar o momento – como sempre acontece – e a verdade surgir,
o tumulto provavelmente será bem maior do que seria se Josh tivesse enfrentado a situação
mais corajosamente logo no começo.
Karen se viu no meio de uma questão entre mãe e filha, tendo de escolher entre ma-
goar uma ou outra.
Eu tinha planejado uma pequena festa para comemorar os 75 anos de minha mãe.
Quando minha mãe perguntou quem eu tinha convidado, comecei a dizer os nomes, mas
quando cheguei a Melanie ela me interrompeu. “Eu não quero Melanie aqui”, disse ela.
“Sei que ela é sua filha, mas ultimamente ela tem sido horrível para mim – completamente
desrespeitosa. A última vez que telefonei, ela estava ocupada demais para falar comigo. Ela
só é amável quando quer alguma coisa”.
Tentei apaziguar as coisas dizendo que Melanie ultimamente está cheia de proble-
mas, mas minha mãe nem quis ouvir. “Se você não disser a Melanie para não vir”, disse
ela, “eu não quero sua festa. Pode fazer a festa sem mim. Já passei sozinha outros aniversá-
rios e posso passar mais este”. Assim, eu tinha de dizer para minha filha que sua presença
não era bem vinda à festa de aniversário da avó.
Karen se deixou envolver no conflito entre a sua mãe e Melanie, tornando-se assim o
fio condutor e a mensageira de todo o ressentimento entre duas mulheres adultas. Como a
maioria de nós, ela desconhecia as estratégias eficazes para lidar com a chantagem emocio-
nal e se convenceu de que tinha apenas duas escolhas – ceder à vontade da mãe e magoar a
filha, ou resistir a ela se arriscando a magoá-la – uma verdadeira posição de perder ou per-
der.
Muitos de nós já estivemos em situação parecida, tendo de escolher entre duas pes-
soas que gostamos por causa da necessidade de um chantagista. “São seus filhos ou eu”, é
uma exigência muito comum. Foi essa a escolha que Alex apresentou a Julie quando resol-
veu que o filho dela estava roubando a atenção que devia ser dada a ele.
Outro cenário familiar pode envolver vários membros da família que se pressionam
mutuamente para se unir a um cônjuge contra o outro, especialmente depois do divórcio. Se
o divórcio foi litigioso, uma forma típica de chantagem emocional pode ser: “Se você conti-
nuar a conversar com seu pai/sua mãe, estará fora da minha vida (ou do meu testamento) e
nunca mais vou falar com você”. É um dilema doloroso. Qualquer que seja a escolha, al-
guém será traído, aumentando a carga já bastante pesada de culpa e autocensura.
O impacto no relacionamento
Fechando as portas
Eve falou sobre a erosão da intimidade no seu relacionamento com Elliot de um mo-
do especialmente comovente.
Eu sei que ele parece bizarro e louco, mas nem sempre foi assim. No primeiro ano,
foi um relacionamento completamente diferente – simples e romântico. Ele é brilhante e
incrivelmente talentoso e nós nos amávamos de verdade. Foi quando passei a morar com
ele que Elliot começou a mostrar seu lado insano.
Agora é como uma câmara de pressão. Nem sei como descrever direito. É o que sen-
timos por alguém com quem estamos zangados e que talvez esteja com uma doença terrível,
mas nós o amamos e nos importamos profundamente com ele. Porém, não há intimidade,
uma verdadeira intimidade. Não estou falando de sexo. Estou falando de emoções. Não
posso dizer a ele o que sinto realmente, porque ele é tão vulnerável… frágil. Não posso con-
tar meus sonhos, meus planos, porque ele se sente tão ameaçado por eles. Não são assuntos
seguros. Não há intimidade verdadeira quando precisamos vigiar cada palavra que dize-
mos.
O que restou quando precisamos constantemente ficar pisando em ovos com alguém?
Conversas superficiais, silêncios embaraçosos, muita tensão. Bem abaixo da calma artificial
que cerca o chantagista apaziguado e o alvo que cedeu à sua vontade existe um abismo cada
vez maior se abrindo entre os dois.
A mãe de Karen recorre à intimidação15 para ficar mais tempo junto dela, porém,
apesar de toda a proximidade que restou entre elas, é como se estivesse falando com uma
imitação em papelão da filha. A interação rígida não tem espaço para a verdadeira Karen ou
o que interessa para ela. É como se rolos de arame farpado separassem as duas mulheres,
um fio formado pela atitude crítica da mãe e o outro pelo esforço de Karen para se proteger
guardando-se cada vez mais.
É espantoso o quanto escondemos de nós mesmos quando tentamos evitar outro epi-
sódio de chantagem emocional. A todo o momento procuramos sair pela tangente para evitar
uma conversa séria, ou pior, uma exigência. Zoe disse muito bem:
Eu nem pergunto mais para Tess como ela vai porque sei que ela vai querer me dizer
tudinho, e depois vai querer fazer com que eu torne as coisas melhores para ela. Acho que
podemos conversar sobre, hum… tempo, futebol, Mel Gibson, filmes – mas apenas comé-
dias. Eu apenas procuro manter a conversa bem leve.
Não posso dizer a Jo que estou com medo ou inseguro, porque tenho de ser o ro-
chedo de Gibraltar. Mas ela é minha mulher e eu gostaria de partilhar com ela, nem que
fosse um pouco do que tenho passado ultimamente. Estou tendo problemas com os negócios
– as vendas estão à zero – e tive de lançar mão de alguns investimentos para pagar as con-
tas. Há uma pequena fábrica em San José que eu quero ver. Estão falando em alguns novos
contratos que seria uma salvação para nós. Mas nem penso em mencionar uma viagem de
alguns dias. Ela vai surtar. E não posso contar a verdade, porque vai entrar em pânico. Que
diabo, isto não é uma parceria verdadeira – é uma banda de uma pessoa só.
Allen procurava se cuidar para não falar em assuntos, que, segundo ele “Jo não podia
lidar”, e como resultado, embora os dois vivessem juntos, ele se sentia muito só, sem a inti-
midade de quem pode compartilhar tanto os dias sombrios quanto os cheios de sol. Seu ca-
samento era uma camisa-de-força emocional.
14
Rock the boat, no original em inglês: significa dar trabalho, incomodar, chacoalhar as estruturas.
15
Arm-twisting: queda-de-braço, vencer pelo cansaço usando pressão moral.
Diminuindo a generosidade emocional
Um dos maiores paradoxos da chantagem emocional é que quanto mais tempo, aten-
ção ou afeto o chantagista nos exige, menos nos sentimos livres para dar. Frequentemente
evitamos demonstrar até a mais casual forma de afeição porque tememos que seja interpre-
tada como um sinal de que estamos cedendo à pressão. Nós nos transformamos em sovinas
emocionais, para não alimentar as esperanças ou as fantasias do chantagista.
Reger, o roteirista de filmes, falou sobre esse paradoxo logo que comecei a trabalhar
com ele, antes do seu relacionamento com Alice voltar ao terreno mais sólido.
Alice e eu temos incríveis momentos juntos e eu gostaria de poder dizer isso a ela e
também o quanto a aprecio e que mulher maravilhosa ela é, sob muitos aspectos. Mas não
posso dizer nada que pareça carinhoso, porque sei que ela vai interpretar como um pedido
de casamento. Ou vai começar a falar no bebê outra vez. Eu sou uma pessoa muito afetuo-
sa, mas estou sempre me contendo – não quero dar falsas esperanças – e depois me sinto
mal porque não tenho liberdade para me expressar, e sei que ela se sente rejeitada.
Roger, nessa fase do relacionamento, não se sentia livre para expressar seus verdadei-
ros sentimentos – embora fossem positivos – porque sabia que qualquer coisa que dissesse
cairia nas voltas e reviravoltas das expectativas irreais de Alice e se transformaria em muni-
ção para uma futura chantagem emocional.
Frequentemente temos que guardar nossos sentimentos de felicidade e de amor por-
que não há motivo para comemoração, a não ser que consigamos ser feliz nos termos do
chantagista. Josh, evidentemente, não pode partilhar nenhuma alegria com os pais, porque a
desaprovação rigorosa do pai ao seu namoro com Beth torna isso perigoso.
“Ele não quer falar no assunto. Eu não tenho o direito de conduzir minha vida. Ele
diz que me ama, mas como pode me amar?”, perguntou Josh. “Ele nem mesmo sabe quem
eu sou”.
O relacionamento que o pai de Josh pensa ter com o filho não existe. O Josh obedi-
ente não existe. E o que é real – o contentamento que Josh encontrou em Beth – só tem
permissão para existir fora do conhecimento do pai. O relacionamento entre pai e filho é
uma farsa, como são muitas outras, senão a maior parte delas, de nossas relações de longa
data com chantagistas emocionais.
Quando a segurança e a intimidade desaparecem, nós nos acostumamos a representar.
Fingimos que somos felizes quando não somos e dizemos que tudo está bem, quando não
está. Agimos como se algo não nos interessasse quando na verdade nos encanta, e encena-
mos amar a pessoa que nos tiraniza, embora não a conheçamos mais. O que um dia foi uma
dança graciosa de carinho e intimidade passa a ser um baile de máscaras no qual as pessoas
escondem cada vez mais seus verdadeiros rostos.
Chegou o momento de juntar toda essa compreensão e transformá-la em ação, para
que possamos enfrentar com eficácia a chantagem emocional e as pessoas que a usam contra
nós. Você verá com que rapidez vai conseguir recuperar sua integridade – e melhorar espe-
tacularmente seu relacionamento com o chantagista.
SEGUNDA PARTE:
Como transformar
compreensão em ação
INTRODUÇÃO:
A hora de mudar
Uma das minhas histórias favoritas é sobre um homem dirigindo seu carro que vê
uma mulher abaixada engatinhando debaixo de um poste iluminado. Pensando que ela pre-
cisava de ajuda, ele para o carro.
Algum problema, minha senhora? – ele pergunta. – Parece que está precisando de
ajuda.
Obrigada – ela responde. – É que estou procurando as minhas chaves e não consi-
go encontra-las.
Depois de procurar por algum tempo, ele pergunta:
A senhora tem alguma ideia de onde as deixou cair?
Ah, sim – ela responde. – Eu as perdi mais ou menos a uns dois quilômetros daqui.
Sem entender, ele perguntou:
Então, por que está procurando aqui?
E ela responde:
Porque conheço bem esta parte da rua e aqui é bem iluminado.
Muitas vezes pensamos que podemos resolver o problema da chantagem emocional
recorrendo a um repertório de comportamentos habituais para encontrar uma saída. Aceita-
mos as acusações do chantagista, assumimos a culpa que ele nos dá, pedimos desculpas e,
por fim, obedecemos. Há uma boa lógica nisso – São coisas que sabemos fazer e concor-
dando conseguimos alívio imediato. Porém, se insistimos em nosso modo usual de resposta,
nunca teremos em mãos a verdadeira chave para acabar com a chantagem emocional. Ela
está há dois quilômetros de distância, nos comportamentos de autoafirmação e não defensi-
vos, que irei ensinar nesta parte do livro.
É de importância vital sair da área segura e bem iluminada das respostas habituais
para a esfera desconfortável da mudança de comportamento. A esta altura já temos uma
boa compreensão de como e por que somos chantageados, mas esse conhecimento é com-
pletamente inútil se não servir como um instigador que nos impulsiona a fazer o que é ne-
cessário para acabar com a chantagem. A mudança exige principalmente o uso da informa-
ção, e não apenas a sua acumulação. Para mudar, é preciso saber o que deve ser feito e de-
pois é necessário agir. Contudo, por uma série de razões, a maioria das pessoas resiste a
esse passo com cada fibra do seu ser. Temos medo de tentar e falhar. Temos medo de perder
as partes boas do relacionamento quando tentamos nos livrar das partes más. Nós, que so-
mos bons em tantas coisas em nossas vidas, muitas vezes resistimos à mudança de padrões
de comportamento autodestrutivos com justificativas primorosamente elaboradas do porquê
de não agirmos de modo diferente.
Assim, esperamos para aprender um comportamento quando estivermos um pouco
menos ansiosos, um pouco menos assustados ou inseguros. E a chantagem fica cada vez
pior. A boa notícia é que se estiver disposto a agir agora, e a se deixar envolver por senti-
mentos de confiança e competência, você pode acabar com a chantagem emocional. A má
notícia é que deve começar o processo de mudança enquanto ainda está com medo.
Passo a passo
Provavelmente você já ouviu a piada do turista em Nova York que faz parar um ho-
mem com um violino debaixo do braço e pergunta qual o caminho para o Carnegie Hall.
“Você quer saber como chegar ao Carnegie Hall?”, diz o violinista. “Prática, prática, prá-
tica”.
Nós todos conhecemos esses caminhos, e a maioria é capaz de reconhecer a relação
entre prática e perfeição em vários aspectos da vida. Você provavelmente se lembra de
quando se equilibrava precariamente numa bicicleta ou quando movia os dedos desajeita-
damente no teclado enquanto aprendia a digitar.
No entanto, quando se trata de fazer mudanças importantes em nossas vidas, nós ge-
ralmente esperamos resultados da noite para o dia. A verdade incontestável é que aprender
novas habilidades exige prática, e pode levar algum tempo até nos acostumarmos ao uso
delas. Assim como temos que andar um pouco com os sapatos novos até amaciá-los, temos
de nos habituar ao nosso comportamento. Provavelmente você não verá mudanças imediatas
na sua vida no primeiro dia em que se comprometa a se livrar da chantagem emocional –
mas elas aparecerão logo. Lembre-se, assumir um compromisso é uma promessa feita a vo-
cê mesmo, e isso é algo que vale a pena ser cumprido.
O primeiro passo
Antes de pensar em enfrentar o chantagista, há algumas coisas que você precisa fazer
a si mesmo – regras básicas para este processo. Durante todos os dias da próxima semana eu
gostaria que reservasse algum tempo só seu para trabalhar com três instrumentos muito
simples: um contrato, uma declaração de poder e um conjunto de frases autoafirmativas.
Vai precisar de apenas 15 minutos por dia. Eu gostaria que desligasse o telefone, providen-
ciasse para não ser interrompido e então procurasse focalizar toda a atenção em você mes-
mo. Algumas pessoas descobriram que o único tempo livre e privativo possível é quando
estão na banheira, no carro ou na mesa de trabalho, na hora do almoço. Isso é muito bom.
Esse trabalho pode ser feito em qualquer lugar.
A primeira coisa a fazer é assinar um contrato com uma lista de promessas para você
mesmo – regras básicas para este processo. Você pode ter sérias dúvidas sobre sua capaci-
dade de cumprir promessas desse tipo, especialmente se no passado já tentou em vão deixar
de ceder à chantagem emocional. Quero que esqueça o passado agora mesmo e comece a
dar os primeiros passos para uma nova compreensão e novas habilidades.
Este contrato é um símbolo poderoso que dá forma tangível à sua disposição para
mudar e ajuda a tornar mais claros seus objetivos.
Alguns vão achar que conseguem melhores resultados quando escrevem o contrato
numa folha de papel. Podem também escrever na primeira página de um caderno, reservado
especificamente para estes exercícios. Eu vou orientá-los. Se quiserem registrar suas obser-
vações e descobertas, no decorrer do processo, por favor, façam isso.
Quer esteja numa folha de papel ou simplesmente assinado neste livro, leia o contrato
em voz alta todos os dias desta semana.
Segundo, quero que ensaiem a declaração de poder, uma frase curta que pode ser
usada para firmar sua posição quando o chantagista aumentar a pressão.
Declaração de poder:
Essas quatro palavras podem parecer insignificantes, mas se usadas corretamente po-
dem se tornar uma das suas armas mais poderosas para resistir à chantagem emocional. São
eficazes, negam a ideia que nos leva diretamente a dizer sim ao chantagista: a convicção de
que não posso suportar a pressão que ele vai nos impor.
Estamos constantemente dizendo coisas como essas para nós mesmos, e se você acre-
dita realmente que não pode suportar – quer esteja se referindo às lágrimas do chantagista, a
um grito furioso ou à lembrança “cortês” de o quanto você deve a alguém – você só será
capaz de ver um curso de ação. Terá de recuar, ceder, concordar para manter a paz. Essa
convicção é a armadilha fundamental que prende os alvos da chantagem. Fizemos do “não
suporto” o nosso mantra e, na verdade, fizemos em nós mesmos uma lavagem cerebral. Em-
bora talvez não acredite em mim agora, você é muito mais forte do que pensa. Você pode
suportar a pressão e seu primeiro passo consiste em substituir qualquer convicção que diga
o contrário.
Repetindo “EU POSSO suportar”, você começa a inserir uma nova mensagem no seu
consciente e no seu inconsciente. Durante esta semana, toda vez que pensar em dar alguns
passos para eliminar a chantagem e sentir que começa a ter medo, a se preocupar ou ficar
desencorajado, pare e repita esta afirmação. Respire profundamente, solte o ar completa-
mente e diga, “Eu posso suportar”. Faça isso no mínimo dez vezes.
Minha sugestão é que procure praticar, imaginando-se face a face com um chanta-
gista que está exercendo pressão sobre você. Você já viu os escudos de acrílico que a polícia
de choque usa às vezes? Faça com que “eu posso suportar” seja o escudo entre você e as
palavras e expressões não verbais do chantagista. Diga a declaração de poder em voz alta,
enquanto pratica. Pode se sentir um pouco tímido a princípio e não muito convincente, mas
continue mesmo assim. Vai começar a acreditar em você mesmo. Esse processo é mecânico?
Sim. Parece estranho? Sim, pode parecer. Mas lembre-se de que suas antigas respostas não
funcionaram. Garanto que repetir para você mesmo “eu posso suportar” funciona.
Invertendo os comportamentos
de consentimento
Agora, usando o mesmo conceito básico de substituir antigas convicções por novas,
procure criar um conjunto de frases de autoafirmação para se acalmar, para se sentir mais
forte e possuir coragem de agir. Primeiro, vejamos uma série de afirmações que descrevem
os sentimentos e o comportamento típico dos alvos de chantagem emocional em relação ao
chantagista. A maior parte dessas afirmações, senão todas, pode ser verdadeira para você –
não em todos os seus relacionamentos, certamente, mas quando você enfrenta a chantagem
emocional. Marque os que se aplica ao seu caso.
Essas afirmações parecem provas de fraqueza, não parecem? Mas não fique embara-
çado. Até poucos anos atrás, a maioria dessas afirmações seria verdadeira para mim, tam-
bém, em certos relacionamentos – e são verdadeiras para muita gente.
A chantagem emocional é muito prevalente, e estamos juntos nisso. Preste atenção
nos sentimentos que despertam em você as afirmações que marcou e use a lista seguinte
para identificar toda a gama de sentimentos que acompanham esse comportamento. Faça um
círculo em volta das palavras que se aplicam a você e acrescente outros sentimentos que
descobrir que não constam da minha lista.
Como me sinto quando ajo desse modo?
Amedrontado Impotente
ANTIGO: Faço coisas para agradar os outros e fico confuso sobre o que eu quero.
NOVO: Faço coisas para agradar a mim mesmo, tanto quanto aos outros, e sei perfei-
tamente o que eu quero.
Você pode também passar as afirmações do seu comportamento original para o pas-
sado, dizendo, “Eu antes [a declaração], mas não faço mais isso”. Por exemplo, “Eu antes
dizia a mim mesma que o que eu queria era errado, mas não faço mais isso”.
Tente os dois modos e veja qual se aplica melhor ao seu caso.
Então, diga outra vez as novas declarações positivas, em voz alta, como se fosse uma
descrição de você mesmo. Eu sei que isso não é verdade por enquanto e ainda pode parecer
falso, mas servirão para transmitir a sensação de como será estar livre de um comporta-
mento motivado pelo medo, pela obrigação e pela culpa. Passando essas afirmações para o
passado ou repetindo-as de modo positivo ajuda a fazer com que a força que elas contêm
passe para você. Esse exercício tem sido extremamente eficaz para alguns dos meus clientes
quando repetem as declarações para eles mesmos olhando para os próprios olhos no espe-
lho. Dará a você a oportunidade de literalmente descrever suas ações de modo afirmativo.
Pense em como seria se você agisse desse novo modo. Use a lista seguinte para des-
crever seus sentimentos.
Impressionado
Eu gostaria de dar a você um plano do jogo, começando com os primeiros passos an-
tes de responder às exigências do chantagista. É fácil de lembrar e, resumindo ao essencial,
é isto: Quando sentir que está afundando pressionado pela chantagem emocional, envie um
S.O.S.
Não é preciso saber o código Morse nem acenar bandeirolas. Basta lembrar essa
abreviação convencional para os três primeiros passos do processo. S.O.S.: Stop. Observe.
Strategize. Ou seja: pare, observe e faça sua estratégia. Veremos os dois primeiros passos
neste capítulo e, no próximo, os instrumentos e as estratégias. Não omita nenhum passo –
construir nossas estratégias sobre uma base sólida é essencial.
Patty ficou um pouco perplexa quando eu disse a ela que a primeira coisa que o alvo
de chantagem emocional deve fazer é nada. Isso significa que não se toma decisão alguma
sobre como responder imediatamente a uma exigência após ser feita. Isso parece fácil, mas
pode ser um verdadeiro desafio – especialmente quando a pressão para conseguir a resposta
pareça extrema –, portanto é importante proteger a si mesmo e se preparar.
No começo você vai se sentir desconfortável. Está tudo bem: sinta-se desconfortável
– mas continue.
Como é que se faz “nada”? Bem, a primeira coisa que você precisa fazer é dar a si
mesmo tempo para pensar – longe da pressão. Para isso, é necessário aprender algumas fra-
ses para aplacar um pouco a situação. Eis algumas sugestões para sua primeira resposta di-
ante de qualquer tipo de exigência:
Use frases para ganhar tempo assim que a demanda for feita, e continue a repeti-las
se o chantagista ficar pressionando para uma decisão imediata. Quanto tempo você deve
pedir? Evidentemente, quanto maior o interesse e mais importante o que estiver em jogo,
mais tempo você precisa. Você pode tomar decisões rápidas sobre onde passar as férias ou
se vão comprar ou não um computador e, mesmo que a escolha não seja a melhor, não se
perde muita coisa. Mas quando se tratam de coisas importantes, como o destino de um ca-
samento, os filhos ou uma mudança de emprego, você precisa estar preparado para levar o
tempo que for necessário para resolver as coisas.
Como uma parte do processo de aprendizado neste livro, quando o chantagista o
pressiona sobre alguma coisa que pertence à categoria de “assunto da máxima importância”,
diga a ele que você quer no mínimo 24 horas para decidir. Você estará usando o tempo que
ganhou para tomar uma decisão e se preparar para defendê-la com firmeza.
É agora ou nunca
Essas afirmações para ganhar tempo podem confundir ou irritar o chantagista. Afinal
de contas você está mudando o cenário habitual e esperado ao não ceder automaticamente.
É quase como se os dois estivessem dançando tango e de repente você começa a valsar. Para
o chantagista esse descompasso pode ser visto como resistência ou desistência, e imediata-
mente ele começa a pressionar. O resultado pode ser, e geralmente é, o caos. Só o fato de
você dizer “eu preciso de tempo”, mudou o equilíbrio do poder no relacionamento, deixan-
do o chantagista na posição de esperar para ver o que você vai fazer – um papel reativo e,
para ele, muito menos poderoso.
Esteja preparado para mais pressão quando o chantagista tentar retomar a posição an-
terior. Assim como ele vai insistir no seu já tão batido roteiro, insista também no seu novo
jogo de respostas, repetindo mentalmente, “eu posso suportar”.
16
São os ultimatos: “aja agora, última chance!” (do texto original), “é pegar ou largar!”, “é para ontem!” ou “não quer,
tem quem quer!”.
A força de velhos hábitos e a habilidade do chantagista em criar o FOG pode fazer
com que o uso dessas novas respostas seja uma experiência muito desgastante. Com os cas-
tigadores, que não gostam de abrir mão de parcela alguma de controle num relacionamento
– e com os chantagistas extremamente resistentes às suas solicitações de tempo é importante
deixar bem claros os seus motivos. Você poderá dizer algo como:
Se estiver lidando com uma pessoa racional, são afirmações razoáveis e tranquiliza-
doras que podem ajudar a aliviar a tensão.
Uma vez que pedir tempo e manifestar seus motivos faz com que saiamos do nosso
papel habitual, não é raro fazermos a coisa certa e mesmo assim nos sentirmos como se ti-
véssemos arruinado a nossa parte do acordo. Foi o que aconteceu com Zoe.
Quer saber o que aconteceu? Foi terrível. Tess estava me pressionando para ser de-
signada para a nossa grande conta de sapatos porque os sócios, donos da empresa, deve-
riam vir de Nova York na semana seguinte e ela queria impressioná-los, especialmente Dale
que, ela está convencida disso, está de olho no seu emprego. Faltava uma semana para a
visita, e ela queria ser designada AGORA. Ela tentou de tudo. Dizia: “Sei que vou ser des-
pedida se você não me deixar fazer isso, e não sei o que vou fazer se não me ajudar. Detesto
pressionar você, mas eu realmente preciso de ajuda agora”. As lágrimas ameaçavam apa-
recer nos olhos dela.
Eu fiz o que você mandou, “Eu sinto muito, mas não posso tomar uma decisão tão
importante neste momento”. Ela respondeu imediatamente, “Mas você sabe o quanto isso
significa para mim. Preciso realmente da sua ajuda. Não somos amigas? Você não confia
em mim? Sabe que vou fazer um bom trabalho e sabe muito bem que eu faria isso por vo-
cê”.
A essa altura sinto que começo a me enredar no “Oh, meu Deus, oh, meu Deus. Pre-
ciso ajudá-la. Isto é urgente. Ela tem razão. Se não a ajudar agora, ela vai ficar encrenca-
da. Tenho de fazer alguma coisa”. Meu coração começou a bater mais forte, minha respira-
ção acelerou. Tentei me acalmar e mentalmente repeti uma ou duas vezes o eu-posso-
suportar. Depois, eu disse, “Eu sei que você quer que eu faça alguma coisa imediatamente,
mas preciso de tempo para pensar no assunto. Podemos voltar a falar amanhã”.
Ela olhou furiosa para mim e disse: “Pensei que você era minha amiga, além de mi-
nha chefa. Pensei que a amizade significava alguma coisa para você”. Então saiu furiosa
do meu escritório e eu me senti como um monte de lixo. Ainda sinto que a desapontei. Achei
que isso iria me fazer sentir melhor. Eu me sinto horrível.
“Meus parabéns”, eu disse. “Isso quer dizer que está quebrando velhos padrões”.
Maus hábitos são sedutoramente confortáveis – até você sentir as consequências. Ganhar
tempo pode não ser uma coisa fácil, mas fica mais fácil com o uso. Como lembrei a Zoe,
tudo o que você está fazendo neste momento é adiar a decisão. Nada mais fez do que inscre-
ver a chantagista na sua agenda – jamais um passo drástico, como provavelmente o chanta-
gista irá dizer.
Com a continuação do seu roteiro para ganhar tempo, o chantagista pode reagir com
crescente desespero. As palavras que passam a funcionar são “Me dê – AGORA”.
Aprender a tolerar o desconforto a serviço de uma mudança saudável é uma das coi-
sas mais difíceis que podemos fazer. No passado, o desconforto era sempre o prelúdio da
concessão, mas agora você está mudando tudo isso e vai se sentir um tanto abalado. É nor-
mal sentir-se incerto e ansioso à medida que recupera sua integridade. As coisas estão co-
meçando a mudar, tanto interiormente quanto externamente, e posso garantir que é natural
ficar abalado quando isso está acontecendo.
Não deixe que o desconforto o desvie do seu caminho.
Zoe sentia-se cada vez menos à vontade para persistir no seu pedido de tempo. Tess
era insistente e a cada vez que Zoe a via, era a imagem perfeita do sofrimento. Quanto mais
ela pensava no pedido de Tess, mais se convencia de que não podia ceder – mesmo que o
sentimento de culpa lhe parecesse estar crescendo cada vez mais.
Não posso me livrar da sensação de que sou uma criminosa sem coração. Sinto-me
cada vez pior. Não estou fazendo coisa alguma e isso está me desmoronando. Tem certeza
de que está funcionando?
Desconforto, você pensa que é uma grande coisa, não pensa? Há muito tempo você
está comandando o espetáculo e estou farta disso. Dei a você poder demais, mas estou co-
municando que esses dias acabaram. Pensei que você era maior do que eu – e talvez sou-
besse mais –, mas quando olho para você, vejo que você é pequeno, feio e só me cria pro-
blemas. Na verdade, sempre que você controla a cena, eu me torno insegura e covarde. Nem
sei mais quem sou. Estou farta de você. Sabe de alguma boa razão para não colocar você
para fora e fechar a porta?
No começo, me senti meio idiota, mas quando entrei no jogo, compreendi que essa
parte de mim realmente toma o controle muitas vezes. É apenas uma parte e eu ajo como se
fosse um gorila de 250 quilos. É muito mais como esse par de sapatos – não serve para a
minha vida tanto quanto eu pensei.
Na parte seguinte do exercício, Zoe sentou de frente para mim, segurando o sapato,
desempenhando o papel do seu desconforto respondendo ao que ela havia dito.
Você vai me colocar para fora? Que piada. Não vou a lugar algum. Gosto daqui e
não vou embora sem uma luta. É muito aconchegante aqui – tudo o que tenho a fazer é dar
um pequeno grito e você salta para me deixar fazer o que eu quero.
Zoe terminou o exercício com uma nova visão da sensação que ela sempre conside-
rou incontrolável. Mas eu disse que essa percepção consciente não ia mudar as coisas da
noite para o dia. Embora estivesse começando a encontrar algumas das chaves para seus
padrões habituais de consideração e capitulação, seu desconforto não iria embora sem luta.
Sua tarefa continuava a ser a mudança de comportamento, enquanto se sentia desconfortá-
vel. Nesse meio tempo, podia continuar a procurar saber o que provocava seu desconforto,
quando enfrentava um chantagista – e continuar a explorar os meios para ver o desconforto
apenas como um elemento de uma situação, não como a totalidade insuportável.
Espero que você use esse exercício. Pode falar com um objeto ou, se preferir, escre-
ver uma carta ao seu desconforto e uma carta do seu desconforto para você. Certas pessoas
gostam de escrever diálogos, primeiro falando com o desconforto, depois fazendo perguntas
ou deixando que ele responda.
Suas palavras e descobertas podem ser muito diferentes das de Zoe, mas estou certa
de que vai adquirir informação valiosa. O objetivo do exercício é externar o desconforto,
olhar para ele e começar a criar meios para manejá-lo, e não apenas para correr em outra
direção. Quando enfrentar o desconforto, você verá que ele é menor, menos ameaçador do
que parecia quando tentava evitá-lo com todas as suas forças.
Há outra versão da técnica de não fazer nada, útil quando você está no meio de um
conflito entre duas pessoas, ou quando uma terceira pessoa está usando chantagem emocio-
nal contra você para beneficiar um terceiro. O seu modo de ação deve ser: Sair do caminho.
Para Karen, no meio da sua minicrise entre a mãe e a filha, fazer nada provou ser o
começo da solução do problema para as três mulheres. Karen disse;
Digamos que consigo adiar a solução, como você recomenda quando minha mãe diz
“Se Melanie vier à festa, quero que cancele tudo”. E digamos que eu seja capaz de dizer
que não posso tomar uma decisão a esse respeito naquele momento e que telefonarei mais
tarde. Então o que acontece?
“Você telefona e informa que a sua decisão é que não vai tomar nenhuma decisão”,
eu disse. “Ouça Karen, isso é entre Melanie e sua mãe. Você sabe o que acontece ao juiz
quando tenta ficar no meio de dois lutadores – ele leva pancada! Você precisa sair do meio.
Diga para sua mãe que ela é quem vai dizer a Melanie que não a quer na festa e que você
não vai fazer isso para ela. Tem ainda muito tempo para cancelar a festa, se for preciso. Va-
mos ver o que acontece”.
Como era de esperar, Frances gritou e se lamentou e pressionou Karen para fazer o
trabalho sujo para ela. Mas quando viu que Karen não ia ceder, telefonou para a neta e disse
que estava aborrecida com ela. Para espanto de todos, isso abriu a porta para um diálogo
franco entre Melanie e a avó, que teve como resultado um grande acerto de contas entre elas
– e o começo de um relacionamento mais sincero. O efeito foi também positivo no relacio-
namento de Karen com Frances, porque ela viu a filha não ceder à pressão. Como resultado,
Frances ganhou um novo respeito por Karen e começou a compreender que as antigas ma-
nipulações não iam mais funcionar. Tudo isso porque Karen não fez “nada”.
No caso de você ser uma parte do triângulo no conflito entre duas pessoas que você
ama é essencial retirar-se graciosamente do ringue, recusando-se a carregar mensagens ou se
tornar juiz. Se você não se afastar, é mais do que certo que os sentimentos hostis entre as
duas pessoas acabem caindo sobre você e nada será resolvido.
No caso de Maria, seus sogros interferiram entre Maria e Jay e estavam apertando
sem dó os pontos explosivos da obrigação para evitar que ela deixasse seu filho. Maria já
dissera a Jay que precisava de tempo para tomar uma decisão tão importante e, a despeito
das súplicas dele por uma resposta, ela não cedeu. Entretanto, com os sogros, estava tendo
muita dificuldade para manter sua resolução.
Eu sei quanto os estou magoando e eles não merecem isso. São pessoas doces e mui-
to queridas e não fizeram nada de errado, mas eu sei o quanto vão sofrer se me divorciar de
Jay. A mãe dele me telefona quase todos os dias para lembrar o quanto vai significar para
eles se Jay e eu chegarmos a um acordo.
Eu disse para Maria que ela também precisava aprender a fazer nada. No seu caso, is-
so envolvia evitar as conversas repetidas no telefone com a sogra ou falar do assunto com
qualquer outra pessoa que tinha também seus problemas. Um exemplo do conjunto de res-
postas que dei para Maria pode ajudá-lo a se libertar da pressão de terceiros.
SOGRA: Fred e eu não podemos suportar isso. Não sabemos o que está acontecendo,
nem o que vai acontecer. Estamos tão preocupados com você. Jay e com nossos netos.
Quanto tempo vai levar para você resolver se quer ou não o divórcio?
MARIA: Mãe, eu não decidi ainda.
SOGRA: Então quanto tempo vai levar para decidir?
MARIA: Mãe, o tempo que for necessário. Vamos falar de outra coisa.
Continue dizendo que ainda não resolveu, repita que vai levar o tempo que for neces-
sário – e então, mude de assunto. As pessoas nos fazem uma infinidade de perguntas e quase
sempre achamos que temos de dar uma resposta definitiva imediatamente. É claro que não
precisamos. E perfeitamente adequado responder com “Eu não sei”. Ou, “Eu aviso quando
resolver”. E se a pressão continua, é perfeitamente natural desviar a conversa para outros
assuntos. Mesmo quando a pessoa que o pressiona não é o chantagista, mas alguém de quem
você gosta e a quem respeita, é vital manter sua agenda e não permitir que a apressem a to-
mar uma decisão, especialmente quando é importante.
Uma vez distanciado do drama da chantagem, você está pronto para coletar informa-
ção que o ajudará a decidir como responder ao chantagista. Durante o tempo que você ga-
nhou para tomar uma decisão, deve adotar a atitude de observador, tanto de você mesmo
quanto da outra pessoa.
Use a visualização
Para ajudá-lo a fazer isso, eu gostaria que você usasse este exercício de visualização.
Visualize um elevador de vidro no térreo de uma torre de observação com 50 andares. Ima-
gine-se dentro do elevador que sobe lentamente. Olhando para fora, é difícil ver alguma coi-
sa, por causa de uma neblina espessa e turbilhonante. Ocasionalmente a neblina se abre e
você pode ver o contorno dos objetos e das pessoas, mas vagos e apagados, aparecendo e
desaparecendo. Esse é o reino das emoções puras, os instintos que o chantagista tumultua
dentro de nós.
O elevador continua a subir e aos poucos você deixa a névoa para trás e começa a ver
uma paisagem mais ampla. Quando você chega ao topo da torre, tem uma vista panorâmica
e percebe que a névoa que você pensou que cobria tudo está confinada ao vale na base da
torre. O que parecia abranger tudo não passava de uma minúscula área, uma pequena parte
do quadro. O elevador chegou a um lugar diferente, o lugar da razão, percepção e objetivi-
dade. Desça do carro para a plataforma de observação. Saboreie a calma e a clareza. Lem-
bre-se que você sempre terá acesso a esse lugar.
Elevar-se do nível instintivo para o da razão é útil diante da pressão da chantagem,
porque é muito fácil sermos completamente capturados pelos sentimentos de medo, obriga-
ção e culpa onde a nossa percepção fica fragmentada ou distorcida. Não estou pedindo para
se distanciar dos seus sentimentos – apenas para adicionar percepção e razão à mistura e não
ser conduzido somente pelos sentimentos. Tanto o intelecto quanto as emoções contêm uma
grande quantidade de informação, e precisamos criar uma ponte entre si. O objetivo é poder
pensar e sentir ao mesmo tempo, em vez de se debater somente ao sabor das emoções.
Quando a chantagem aumenta, você precisa da perspectiva do observador da torre.
Aqui estão as notas que Patty tomou, depois de uma cena recente com Joe:
Ele estava se distanciando, emburrado, parecendo muito zangado. Sua postura e sua
linguagem corporal estavam comunicando o quanto estava triste e desapontado. Cruzou os
braços no peito e não me olhava de frente. Suspirava muito e tirava fiapos do suéter, e
quando falava sua voz era chorosa. Então, ele ficou de pé, bateu a porta e ligou o rádio no
quarto de dormir.
Escreva o que se passa em sua mente, prestando atenção especial aos pensamentos
repetidos ou que persistem em aparecer. Eles nos dão uma compreensão valiosa sobre as
convicções formadas durante nossa vida. As convicções mais comuns que tenho visto em
alvos de chantagem são:
Qual dessas frases parece verdadeira para você? Com qual você se identifica mais?
Faça a pergunta: Onde e como aprendi isso, e há quanto tempo acredito nisso?
Nenhuma dessas convicções é verdadeira, mas nos apegamos a elas porque foram as
que absorvemos ao longo dos anos. Frequentemente, como já mencionei, pensamos que so-
mos nós que fizemos tais escolhas, mas nos foram transmitidas por pessoas poderosas em
cada estágio de nossa vida – pais, professores, mentores, amigos. É importante identificar
nossas convicções sobre nós mesmos quando elas surgem diante dos casos de chantagem,
porque as convicções são as precursoras dos sentimentos.
Os sentimentos não são as forças efêmeras e independentes como costumamos pen-
sar. São reações ao que pensamos. Quase todos os sentimentos de ansiedade, de tristeza, de
medo ou de culpa que a chantagem emocional provoca são precedidos por convicções nega-
tivas ou errôneas sobre nossa própria aceitabilidade, afetividade e responsabilidade para
com os outros. E essas convicções são as fontes matrizes dos nossos sentimentos. Nosso
comportamento geralmente é, portanto, uma tentativa de acalmar os sentimentos desconfor-
táveis que nascem dessas convicções. Em resumo: para mudar os padrões de comportamen-
to negativos, devemos começar pela raiz – as nossas crenças.
Quando Eve, sentindo-se culpada, desiste do seu curso porque Elliot está aborrecido,
ela o faz porque está convicta de que os sentimentos dele valem mais do que os dela. Pri-
meiro, a convicção: o outro é mais importante do que eu, e o que eu quero não é importante.
Da convicção fluem os sentimentos: a culpa, a obrigação, a piedade. E, finalmente, o com-
portamento: desistir da escola,
Sabemos que nossos estados de espírito são influenciados tanto pela química do nos-
so cérebro quanto pelos eventos em nossa vida, mas mesmo as pessoas que têm episódios
repetidos de depressão e ansiedade devido ao desequilíbrio bioquímico podem exacerbar
essas condições com convicções autodepreciativas. Descobrir suas convicções mais arraiga-
das pode ajudá-lo a aprender por que você se sente assim. E uma vez feito isso, você come-
ça a ver como essas convicções e crenças se tornam os catalisadores dos padrões de compor-
tamento autodestrutivo de consentimento e aceitação.
Paralisado
Esta lista equivale a tomar o pulso emocional e, embora seja simples, é um importan-
te instrumento de diagnóstico. Tenha em mente que um sentimento é um estado emocional
que pode ser expresso em uma, ou no máximo duas palavras. No momento em que você diz,
“Eu me sinto como…”, ou “Eu sinto que…”, pode estar descrevendo o que você pensa ou
no que acredita, e não um sentimento propriamente dito. Porque estamos tentando diferen-
ciar sentimento de pensamento e encontrar o relacionamento que há entre eles, é importante
ser bem claro.
Exemplo: “Eu sinto que meu marido sempre ganha” é um pensamento e não um sen-
timento. Para descrever o sentimento, você pode dizer, “Eu acredito que meu marido sem-
pre ganha e eu me sinto desanimada por isso”.
Agora verifique seu corpo.
Na sua lista, procure identificar onde esses sentimentos se manifestam fisicamente.
Estão girando no seu estômago? Dando nós no seu pescoço? Agarrando suas costas? Quei-
mando seu rosto? Sua cabeça dói? Procure observar como seu corpo reage aos sentimentos.
Às vezes nosso corpo nos diz uma verdade que a mente não diz. Podemos dizer que
não estamos ansiosos – e então notamos que estamos suando copiosamente. Não, não, nada
de errado – então porque meu estômago está cheio de nós? As respostas do corpo atraves-
sam a barreira da negação e da racionalização e o corpo não mente para nós. Lembre-se
de que toda vez que identificar sentimentos de raiva ou ressentimento, você está sendo aler-
tado para procurar aspectos que não são de seus melhores interesses na exigência apresenta-
da.
As palavras do chantagista e sua linguagem não verbal ecoam dentro de uma maneira
muito particular, e é importante saber quais são nossos gatilhos pessoais. Expressões faciais,
tom de voz, gestos, posturas, palavras e até cheiros podem ativar sistemas de convicções
que nos levam a ceder à exigência. São os fios que se conectam diretamente aos nossos pon-
tos explosivos e quanto melhor soubermos o que os está ativando, mais perto nós estaremos
de desligá-los.
Observe-se e pense nos casos de chantagem emocional do passado. Depois faça a lis-
ta dos comportamentos que mais o afetam. Entre os gatilhos que tenho visto estão:
Gritos.
Bater portas.
Certas palavras (como “egoísta”, “se achando o tal”, “teimoso”) que nos faz sentir
mal sobre nós mesmos.
Choro.
Suspiros.
Uma expressão de zanga – rosto vermelho, sobrancelhas franzidas, olhar furioso.
O tratamento do silêncio.
Tom arrogante
Josh notou que sua atitude defensiva e sua ansiedade diminuíam quando descrevia
sua observação do seguinte modo: “É interessante como toda vez que vejo o rosto do meu
pai ficar vermelho eu sinto medo”. É uma declaração muito mais ponderada e objetiva do
que dizer: “Eu realmente morro de medo quando vejo o rosto do meu pai ficar vermelho”.
Essa objetividade ajuda a ver de uma forma mais cognitiva e a nos afastar da autocrítica.
“Quando eu disse para mim mesmo: ‘é interessante como…’, eu me senti como um bebê e
frágil”, disse Josh.
A frase “é interessante como…” fazia Josh perceber que o que vinha a seguir eram
comentários do observador, e isso o distanciava mais do seu juiz interior, aquilo que tanto
tende a criticar e rotular nossas reações.
Continue observando, até começar a fazer conexões entre suas convicções, senti-
mentos e comportamentos. Nossos chantagistas já fizeram essa conexão, tanto instintiva-
mente quanto intelectualmente, e a usaram para manter sua vantagem sobre nós. Mas agora
você começou a nivelar o campo de jogo e o que antes era “informação secreta” também
está disponível para você. Agora darei a você os instrumentos para transformar esta prepara-
ção e este conhecimento em estratégias comportamentais eficazes que vão alterar de modo
drástico os padrões existentes entre você e o chantagista.
9. A hora da decisão
Para começar, quero que retorne às exigências que lhe fizeram e responda algumas
questões a respeito. Escreva as respostas sem autocensura e não se sinta permanentemente
comprometido com o que escreveu. Se mudar de ideia ou se tiver outras, volte e apague ou
acrescente à sua resposta original.
Vai notar que se olhar para as partes componentes da exigência/pedido, pode muito
bem aceitar todas, menos uma ou duas. Por exemplo, seu marido a está pressionando para
uma viagem ao outro lado do país, para visitar os parentes dele, o que você gostaria muito
de fazer, mas é com a época de maior movimento no seu trabalho e isso a coloca numa posi-
ção difícil. Essa é uma informação importante para formular sua resposta.
Você pode sentir os primeiros sinais de alarme ao responder sim ao aviso de perigo
perguntando se alguém vai ser prejudicado se aceitar o encargo. É o barômetro da sua inte-
gridade sinalizando uma tempestade iminente.
Ao examinar suas respostas, vai descobrir que a maior parte das exigências se encai-
xa em uma das três categorias:
O processo
Quando Leigh, a corretora da bolsa cuja mãe, Ellen, usava constantemente compara-
ções negativas, mencionou que estava sobrecarregada de trabalho e receava a perspectiva de
jantar fora com a mãe no fim da semana, como Ellen a estava pressionando para fazer, pedi
a ela para usar esse processo.
“Ora, deixe disso, Susan”, ela disse. “Isso é ridículo. Tudo bem, estou cansada. É só
um jantar e não vai me matar”.
“Apenas examine a lista”, eu disse. “Nunca se sabe o que podemos encontrar”.
“Está certo”, disse relutantemente. “Isso não vai demorar. A única coisa que me in-
comodou a respeito desse jantar foi que, quando eu disse que estava cansada, minha mãe
disse alguma coisa sobre Caroline sempre ter tempo para ela. Não me importo de levar mi-
nha mãe para jantar e é bobagem perguntar se isso vai prejudicar alguém – é claro que não
vai. Se ela se importa com o que estou sentindo – bem, não completamente, mas é apenas
um jantar, pelo amor de Deus. Por que eu iria discutir? Ela está me amedrontando? Não.
Pressionando? Mais ou menos. Culpada? Um pouco. Mas e daí? Provavelmente vou jantar e
ficar satisfeita por ter ido – acredite ou não, gostamos de estar juntas. O que ganho com is-
so?… Eu a farei feliz e me sentirei bem por isso”.
Perguntei a Leigh quais tipos de sensações teve ao responder às perguntas.
“Acho que meu pescoço e meu queixo estão um pouco tensos”, ela disse. Leigh sa-
bia, pelo trabalho de observação feito, que aqueles eram seus pontos de tensão provocados
pela ira, uma pista para prestar atenção.
Contrastando com a reatividade exagerada de muitos chantagistas que vimos no Ca-
pítulo 5, alguns alvos da chantagem emocional tendem, como Leigh, a uma sub-reação. Isso
significa que geralmente minimizam os sentimentos de desconforto, negando que alguma
coisa os aborrece e usando a racionalização para se convencerem de que suas objeções aos
pedidos de outras pessoas não têm sentido.
Sugeri a Leigh que, no processo de examinar o que a mãe queria dela, podia fazer al-
gumas perguntas a mais, para ajudar a se conscientizar dos seus modos habituais de respon-
der. Claro que não aconselho examinar cada relação microscopicamente – não é necessário
superanalisar tudo, tirando toda a espontaneidade do trato com outras pessoas. No entanto,
se você sentir desconforto ou ameaça emocional num relacionamento, é importante exami-
ná-lo com uma visão mais crítica do que em circunstâncias normais.
Se você acha que pode ser sub-reativo, sugiro que pergunte a você mesmo:
Eu realmente não me importo! – a respeito de sair com a mãe. O que me deixa furio-
sa é o modo pelo qual ela me faz concordar. Detesto ser comparada com Caroline e gosta-
ria que ela parasse com isso.
A pressão que o chantagista usa pode ser insultante, irritante e humilhante, e é vital
não minimizá-la ou deixá-la passar só porque o que está sendo colocado parece insignifican-
te e você não planeja discordar. No caso de Leigh, o mais importante era chamar a atenção
da mãe para o ressentimento que as comparações negativas despertavam nela. Sim, ela po-
dia levar Ellen para jantar porque isso em si não era problema, mas precisava dizer para a
mãe como devia pedir as coisas sem usar a chantagem emocional.
Consentimento consciente
O consentimento consciente é o sim que você escolhe, depois de pensar sobre o que a
outra pessoa quer e depois de desativar os mecanismos automáticos de obediência, através
da observação e conscientização dos seus pensamentos, sentimentos e preferências. Usado
corretamente, o consentimento consciente pode ser o melhor meio de conseguir os resulta-
dos que são mais importantes para você. Mas lembre-se de que essa forma de consentimento
é resultado de um processo cuidadoso de reflexão. Vem depois do S.O.S. (os passos Pare,
Observe, Examine) que descrevi.
O consentimento consciente é uma boa escolha quando:
Você examina a questão e vê que não há impacto negativo. Talvez tenha sido feito
com um pouco de choradeira e mau humor, mas não é seguido por algum tipo de
comportamento habitual, e não há padrão de chantagem imobilizando você e a ou-
tra pessoa. Pode ser que ele ou ela queira algo que para você pareça chato ou can-
sativo, mas não vai prejudicar pessoa alguma. Você pode ver sua decisão de con-
cordar como parte do natural dar e receber de um bom relacionamento, uma ex-
pressão de generosidade que provavelmente será retribuída.
Você examina o pedido e vê que não terá impacto negativo desde que envolva
uma troca igual com o chantagista. Você vai concordar desta vez, mas o chanta-
gista concorda em permitir que você tome uma decisão igual na próxima. Por
exemplo, neste ano eu escolho o local para as férias e no próximo ano você esco-
lhe. Não estou sugerindo que você organize uma tabela de marcação dos pontos,
nem que reduza o intercâmbio com um amigo, colega de trabalho ou parceiro a
“Eu concordei com sua vontade duas vezes e você só concordou uma vez com a
minha, portanto você me deve”. Mas, se você examinar suas transações recentes
com a pessoa e chegar à conclusão de que está fazendo a maior parte das conces-
sões, está vendo o início de um desequilíbrio de poder. É importante tratar disso
antes que se torne um hábito.
Você examina o pedido e, vendo que não irá prejudicar a você ou a outras pesso-
as, conclui que pode dizer sim com boa vontade, mas apenas a certas partes dele.
Nesse caso, o consentimento consciente significa fazer um acordo – dizer sim ao
que você pode. Em troca, você pede ao chantagista para desistir dos elementos
que o desagradam.
Você examina o pedido e resolve dizer sim durante um período de tempo – e
chama o seu consentimento de estratégia. Você sabe que está dizendo sim, e ela-
bora um plano para alterar as partes da situação que não são aceitáveis.
Quando Leigh considerou o que poderia fazer para que o jantar com a mãe fosse me-
nos sofrível para ela, compreendeu que não havia dado para si mesma opção alguma além
de jantar e passar o resto da noite com a mãe.
Perguntei a Leigh se o mundo ia acabar se ela dissesse à mãe que podia jantar com
ela, mas queria voltar cedo para casa.
“Posso mesmo fazer isso?”, ela perguntou.
“É claro”, eu disse. “O que você precisa dizer é que teve uma semana difícil no traba-
lho e pode ir jantar, mas não vai a casa dela depois. E então – isto é realmente importante –
deve dizer, ‘Mamãe, eu quero que deixe de me comparar com Caroline toda vez que eu digo
não para você. É uma coisa que me magoa muito, me deixa ressentida e com pouca vontade
de fazer alguma coisa com você. E estou avisando que vou dar uma surra em você todas as
vezes que me comparar com ela. Combinado? ’”.
Embora fosse uma solução bastante óbvia, Leigh não a havia percebido antes. Tipi-
camente, nas nossas interações repletas de FOG com os chantagistas, o óbvio escapa à nossa
atenção. Por isso é tão importante agir mais devagar e observar. Isso nos permite explorar
um vasto território que existe fora do sim instantâneo que estamos habituados a dizer aos
nossos chantagistas. Quando vemos com clareza nossa decisão, antes de responder ao chan-
tagista, podemos encontrar um compromisso que geralmente satisfaz a ambos.
Ela diz que pode fazer, mas eu sei que está querendo mais responsabilidade do que é
capaz de assumir. Porém, como amiga e chefe, quero dar uma chance a ela. É isso que está
me atormentando. Não quero desapontá-la nem agir com indiferença, mas me preocupa a
idéia de entregar a Tess uma grande conta porque é muito importante para a empresa. Pen-
sei que eu estava simplesmente sendo perfeccionista, mas a verdade é que essa não é uma
tarefa para iniciantes. Acho que é isso – a questão de saber se vai prejudicar alguém. Pode
me prejudicar muito se não fizermos um bom trabalho para esse cliente, e pode prejudicar
mais uma porção de pessoas.
Jan ficou extremamente tentada a aceitar o que parecia ser um grande negócio ofere-
cido pela irmã. Podia dar mil dólares a Carol e, em troca, seria parte da família como tanto
desejava.
Para Jan mil dólares era muito dinheiro, mas não ia falir se fizesse o empréstimo, ou
se nunca mais visse o dinheiro. O que ela não podia perder era sua integridade. “Tenho de
resolver agora, portanto, não me fale sobre integridade”, ela choramingou. “Carol diz que
vão ficar na rua. Sem querer ofender, mas esse negócio de sentir e examinar é completamen-
te irrelevante”.
“Tenho certeza de que parece assim quando está sob esse tipo de pressão”, eu disse,
“mas faça a minha vontade. Dê uma olhada nesta lista e veja se ainda acha que é irrelevan-
te”.
Para ajudar Jan a compreender o que o conceito nebuloso de integridade tinha a ver
com sua decisão de ajudar Carol, pedi a ela para responder às questões seguintes. Para mui-
tas pessoas são úteis quando se sentem vagamente inquietas sobre um pedido, mas têm difi-
culdade em identificar o que as preocupa, ou quando querem avaliar o preço real da decisão.
Se eu disser sim ao pedido:
Podem notar que são perguntas baseadas nos componentes da integridade. São efica-
zes para revelar como e onde não estamos sendo fiéis a nós mesmos. Várias dessas questões
foram relevantes para Jan.
Se eu estou enfrentando pessoas que me ofenderam?… Isso foi como água gelada no
meu rosto. Porque para mim Carol é uma pessoa que me magoou muito no passado. Não só
a mim, mas a muita gente, e ninguém jamais diz isso para ela. Então cheguei à questão so-
bre estar cumprindo as promessas que fiz a mim mesma. O fato é que, depois da nossa
grande briga por causa de dinheiro, eu jurei nunca mais ser pressionada por ela. Carol não
é confiável quando se trata de dinheiro. E a pergunta mais terrível foi sobre estar dizendo a
verdade. Carol não mudou, e nem a nossa família. Não é real pensar que posso sacudir uma
varinha mágica, fazer um cheque para Carol e nos transformarmos numa família cheia de
calor aconchegante e feliz. Se eu estarei traindo alguém se fizer isso? Sim… A mim mesma.
Como pode ser tão fácil deixar tudo isso de lado e fingir que nunca aconteceu? É
mais deprimente do que se eu estivesse disposta a jogar mil dólares no lixo.
Quando alguém nos pede dinheiro emprestado, geralmente parece ser uma questão de
termos ou não o dinheiro e de a outra pessoa ser ou não digna de crédito. Mas dinheiro nun-
ca é apenas dinheiro entre duas pessoas que são íntimas. É um poderoso símbolo de amor,
confiança, competência, de quem ganha e quem perde. Entre amigos e parentes em níveis
diversos de sucesso monetário, frequentemente há inveja e ressentimentos, que contaminam
o relacionamento. Também é muito comum – especialmente quando se trata de membros da
família – se estabelecer papéis definidos a respeito do dinheiro: o que socorre, o herói da
família, o irresponsável e imprudente.
Jan compreendeu que isso tinha acontecido na sua família. Agora podia tomar sua
decisão baseada num novo conhecimento e numa nova percepção. Ela resolveu dizer não a
Carol, porque compreendeu que se cedesse à chantagem emocional da irmã estaria usando o
dinheiro para tentar comprar algo que não existia. Além disso, encorajaria a irmã a continuar
a ser imprudente com dinheiro, como a família dela vinha fazendo há anos. (Eu lembrei a
ela que esse tipo de chantagem nunca é um incidente isolado. Um pedido de dinheiro geral-
mente leva a outro). E o mais importante, ela teria de negar verdades arduamente aprendidas
e quebrar promessas importantes feitas a si mesma, comprometendo o seu amor-próprio. O
custo da sua integridade seria muito maior do que mil dólares.
O sexo é todo sobre dar e receber e é certo dar alguma coisa para agradar a outra pes-
soa. Por exemplo, um homem acorda de manhã com vontade de fazer amor e a mulher está
com sono e não especialmente disposta para sexo, mas tem prazer em agradá-lo. Nada é
perdido e a integridade não está em jogo, a não ser que isso faça parte de um padrão consis-
tente do ato do homem tomar e a mulher concordar sem desejo e sem prazer. Num bom re-
lacionamento entre duas pessoas sexualmente compatíveis, ceder uma vez ou outra não pre-
judica nossa integridade, quando não se torna uma obrigação ou uma imposição. Do mesmo
modo, digamos que a mulher pede ao parceiro para realizar uma das suas fantasias – “Calce
suas botas de caubói”.
Pode não ser a fantasia do parceiro, mas num relacionamento saudável, pedimos e
oferecemos prazer.
Porém, precisamos nos sentir livres e nos proteger quando o pedido ultrapassa os li-
mites e pode ser prejudicial. Helen contou seu desconforto certa noite, quando fez sexo com
Jim porque queria reconquistar a afeição dele – embora estivesse completamente exausta e
estressada. “Para mim foi deprimente”, ela disse. “Eu me sentia tão fora de tudo, mas ele
estava me fazendo sentir tão culpada que achei melhor concordar. Eu gosto de sexo, mas
não foi nada bom. Eu me senti usada – invisível”.
Lembrei a Helen que há uma grande diferença entre ser cordato, procurar agradar ou-
tra pessoa, mesmo quando preferimos ler ou fazer outra coisa qualquer, e ser pressionado
para fazer sexo quando não nos sentimos bem ou quando estamos estressados. Ela compre-
endeu imediatamente a diferença. “Eu amo Jim, mas já tomei minha decisão”, ela disse.
“Não vou deixar isso acontecer de novo”. Helen pediu ajuda para ficar firme na sua decisão
e no próximo capítulo mostrarei algumas das respostas que ela podia dar, na próxima vez
que tivesse de enfrentar a mesma situação.
Obrigar uma pessoa a fazer sexo quando ela realmente não quer, ou não se sente bem,
é uma coisa desprovida de qualquer sentimento de amor e a pessoa que se sente tentada a
ceder nessas circunstâncias deve perguntar: isto é amor ou se trata de poder, controle, vitória
e dominação? Se for amor, a outra pessoa terá alguma compaixão pelo que você sente. E se
não for, é vital proteger seu amor-próprio e sua integridade.
Nesses casos, você não se pode dar ao luxo de pedir tempo, e terá de tomar sua deci-
são e agir rapidamente.
Padrões mantidos: decidindo não decidir
Eu não sei o que aconteceu conosco, Frank. No começo você me tratava tão bem.
Pensei que significava muito para você. Mas o amor não ó um teste. Eu sou sua amiga, sua
amante, talvez serei sua mulher e sinto-me ofendida vendo tantas condições para o nosso
amor. O quê? Não podemos casar porque não quero cuidar dos filhos da sua irmã? Como
se atreve a ser tão mesquinho? Como se atreve a me avaliar baseado nisso? Você não pode
comprar amor, Frank, e eu me recuso a ser forçada a comprar o seu. O que você pensa que
eu sou? Como pode ser tão idiota? Pára com isso! Pára com isso!
Sarah estava com a respiração acelerada quando terminou. Ela sorriu, virou-se para
mim e disse: “Tudo bem. Agora estou pronta para fazer a minha lista”.
Eu disse a Sarah que quando definimos claramente o que queremos num relaciona-
mento, não estamos tentando controlar a situação. Na verdade estamos dizendo, “É isto que
pode fazer o relacionamento mais satisfatório para mim”.
Sarah fez a lista seguinte para ela e para Frank:
1. Nada de testes para provar o que sinto por você. Ou quer casar comigo, ou não
quer. Eu o amo e quero casar com você, porém não vou mais saltar por dentro de
arcos para provar isso. Se você está tão inseguro a meu respeito, fale comigo, que
resolveremos juntos.
2. Eu o amo e quero expandir meu negócio. Uma coisa não exclui a outra, e as duas
podem coexistir. Se não podem, em sua mente, então há algo fundamentalmente
errado entre nós, e é melhor descobrirmos agora do que mais tarde.
3. Preciso que você deixe de usar minha resistência aos seus vários pedidos como
prova de que não estou totalmente interessada em você. Uma coisa nada tem a
ver com a outra.
4. Se você quiser alguma coisa de mim, peça e eu farei todo o possível para atender,
se concordar com o pedido. Mas preciso poder dizer não a algumas coisas sem
que você me faça sentir como um serial killer.
“Sinto-me muito bem por ter feito isso”, Sarah disse, “mas agora estou preocupada. E
se ele caçoar de mim? Se ele disser, não, não posso fazer isso?”.
“Nunca vai saber se não tentar”, eu disse. “Pode ensaiar até se sentir à vontade com o
que quer dizer a ele, e então você diz e vê como ele reage. Lembre-se de que você está ainda
coletando informação. Não faça suposições, mas preste muita atenção. Você estará tomando
duas decisões. A primeira, dizer a Frank o que você precisa. E a segunda, adiar a tomada de
decisão sobre o relacionamento, até ver como Frank reage”.
Há anos Liz vem armazenando sua ira e reagiu exageradamente quando Michael se
aborreceu com sua decisão de voltar a trabalhar. Os dois recorreram a ameaças – a de Liz
era acabar com o casamento e a de Michael levar os gêmeos para longe dela e deixá-la sem
dinheiro. Quando examinou o que Michael queria que ela fizesse – “Ficar em casa com os
filhos” – ela compreendeu que não podia fazer isso sem desistir de algo vital para sua pró-
pria noção do que ela era.
Sugeri a Liz escrever uma carta para Michael, dizendo o que ela sentia e mais uma
vez descrevendo o que ela precisava. Se achasse que devia desculpas, podia pedir e eu a
aconselhei a usar o mesmo tipo de abordagem não agressiva que Sarah usou, quando des-
creveu para Frank o que ela precisava.
Escrever uma carta para o chantagista, especialmente quando a situação entre os dois
está visivelmente deteriorada, é um meio seguro de evitar o excesso de ansiedade que nos
impede de dizer o que queremos e nos ajuda a focalizar nos pontos principais para nós. Pen-
se nisso como um meio de agir com graça, sob pressão.
Eis o que Liz escreveu para Michael:
Querido Michael,
Espero de todo coração que essas condições sejam aceitáveis para você. Estou mais
do que disposta a trabalhar com você. Susan sugeriu 60 dias para o período de experiência,
e para mim parece bom. Então podemos reavaliar as coisas e ver como nos sentimos. Neste
momento sinto-me muito assustada, mas também muito esperançosa. Acho que temos real-
mente a chance de usar esta crise como um trampolim maravilhoso para um casamento
melhor.
Liz
Michael estava sendo punitivo e emocionalmente abusivo e não era possível prever
sua reação à declaração clara de Liz das suas necessidades e esperanças, mas a carta era um
passo positivo para Liz, independente do resultado.
Problemas no trabalho
Para mim chega. Passei a vida à minha mesa de trabalho com as mãos cirurgica-
mente grudadas ao computador e ao telefone. Estou tão exausta que mal posso pensar di-
reito e Ken não desiste das comparações negativas. Sinto-me como se ele estivesse me segu-
rando na frente de padrões impossíveis. Não sou viciada em trabalho, como alguns dos
meus colegas, e se eu não funcionar na velocidade máxima, vou sair da sua lista dos bons e
passar para a dos marginais – em perigo na próxima vez que esta empresa maluca resolva
fazer contenção de despesas novamente.
Não posso fazer nada a não ser procurar outro emprego. Mas estou esgotada física e
emocionalmente e quando chego em casa, só com esforço não começo a chorar ou grito
com alguém que não merece. Não posso pedir demissão porque precisamos do dinheiro.
Nunca acreditei no inferno antes, mas acredito agora.
Chame de estratégia
Quando tiver resolvido de que modo pode se beneficiar de uma situação difícil, você
vai notar uma queda no nível do estresse. Lembre-se de que estará protegendo sua integri-
dade, tomando conta de você mesmo e fazendo escolhas que são partes de uma estratégia
definida, em vez de reagir levado pelo medo.
Às vezes temos de dizer basta. Tentamos determinar os limites e expressar nossas ne-
cessidades e verificamos que não adiantou nada.
Maria tentou durante vários meses trabalhar com Jay na reconstrução do relaciona-
mento, mas foi em vão.
Você sabe que dei a ele todas as oportunidades, Susan. Conversamos e conversamos
e pedi a ele para vir às sessões de aconselhamento comigo, o que ele fez exatamente uma
vez. E ele concordou em me acompanhar para falar com nosso pastor da igreja – mas ele
mentiu o tempo todo e o pastor praticamente ficou encantado com ele.
Temo que sim e não posso permitir que ele me use deste modo. Além disso, as crian-
ças vão sofrer no meio dessa tensão constante. Eu estou a ponto de explodir e quando olho
para meus filhos vejo que eles também estão. Ver a mãe tão infeliz já é péssimo, mas que
tipo de modelo é um pai que mente e tem aventuras extraconjugais?
Não vou mentir para você, Susan. Examinei a situação de todos os ângulos possíveis
à procura de um modo para manter a família unida. Para mim é uma agonia dar esse passo
– é como se estivesse amputando um braço. Mas compreendi que, em longo prazo, é a me-
lhor coisa que posso fazer, para as crianças também. Minha vida será melhor e as deles
também. Quando estou mais calma, posso ver que será muito pior para eles viver com um
pai como Jay e uma mãe amarga e infeliz, que resolveu ser mártir por causa deles. Nós to-
dos precisamos tirar esse veneno das nossas vidas. E o único tratamento possível para nós.
Eu disse a Maria que, baseada em tudo o que já vi no meu trabalho com famílias, es-
sa solução era sem dúvida a melhor para os filhos. Os pais geralmente pensam que devem
ficar juntos “por causa dos filhos”, mas eu sei que é muito mais traumático e destrutivo para
uma criança ficar exposta a doses diárias de hostilidade e desespero entre pais infelizes do
que enfrentar o processo de divórcio.
Maria descobriu a atitude sensata que a ajudará a começar a ter paz. O que resta para
ela agora é ficar firme na sua decisão.
Roberta também chegou à conclusão de que a separação era necessária. Ela não podia
continuar a ter contato com sua família.
Preciso que eles acreditem e aceitem o que estou dizendo – meu pai abusou fisica-
mente de mim quando eu era pequena. Não adianta estabelecer condições para o nosso re-
lacionamento, porque tenho anos de história com todos eles e sei o que farão. Não aceita-
rão a verdade da minha infância e dirão que estou louca, a não ser que concorde com sua
versão. Você viu isso, Susan, e nós duas sabemos que estão unidos nessa campanha e eu
não posso dar o que eles querem, ou seja, concordar com a versão deles da realidade. Pelo
menos não posso ceder se quiser continuar mentalmente sã. Por isso, acho que tem de ser o
que você sempre disse – ou eles ou minha saúde mental. E estou escolhendo a minha saúde
mental.
Roberta resolveu informar a família da sua decisão, numa reunião comigo no hospi-
tal, um ambiente muito seguro. Roberta tinha toda a equipe do hospital, uma terapeuta e o
apoio enorme de todo o ambiente para ajudá-la a atravessar aqueles momentos difíceis.
Quando apresentou sua decisão à família, ela sentiu-se mais leve, mais livre e mais sã, a
despeito das críticas.
Se, como Roberta, você está envolvido com problemas de abuso ou tem uma história
de depressão ou fragilidade emocional e resolveu se desligar, pelo menos no momento, de
algumas pessoas da sua vida, é importante ter um sistema de apoio. Se você não tem um
terapeuta, deve pedir ajuda às pessoas que tem certeza de estarem do seu lado – o cônjuge,
amigo ou irmão. Informe a essas pessoas da sua decisão e diga que vai precisar da ajuda
delas nesse momento crítico de sua vida.
Poucas coisas são mais estressantes do que tomar uma decisão importante na nossa
vida. Nesses momentos são perfeitamente normais a ambivalência, a incerteza, a inseguran-
ça e a alta ansiedade. Porém é preciso não esquecer que você está agora no papel de proati-
vo, não mais de reativo. Isso ajudará a aliviar o estresse.
Não deixe de usar sua declaração de poder – “Eu posso suportar” – e continue a se
visualizar saindo do reino turbulento da emoção para o posto de observador. As duas técni-
cas o ajudarão a ter calma e estabilidade nos momentos difíceis. Além disso, há atividades
maravilhosas para reduzir o estresse, acessíveis a todos nós. Meditação, ioga, aulas de dan-
ça, esportes e passatempos, passar algum tempo com pessoas alegres – tudo isso mantém o
fluxo da endorfina para reforçar a sensação de prazer e diminuir as sensações desagradáveis.
Mais ainda, é claro, existem vários recursos profissionais a preços módicos, que podem ser
usados nesses momentos, se precisar de apoio extra.
Não importa a decisão que você tem de tomar, use as técnicas descritas neste capítulo
para parar no meio da pressão, centralizar sua mente e observar o que está acontecendo e o
que está sendo exigido de você. Quando você chega a uma decisão baseada em critérios que
são seus e não os do chantagista, está desferindo um golpe decisivo no ciclo da chantagem
emocional.
Agora, vamos transformar sua decisão em ação.
10. Estratégia
Toda a nossa preparação anterior foi feita para esse momento, onde você informa a
sua decisão ao chantagista. Eu conheço as emoções conflitantes que o atormentam – o me-
do, a preocupação e a ansiedade que tanto acompanham a mudança de comportamento.
Eu gostaria de descrever agora algumas estratégias poderosas para você apresentar a
sua situação e defendê-la firmemente, não importa qual a reação da outra pessoa. Quando
você pratica e usa as quatro principais estratégias que vou mostrar neste capítulo, pode ter
certeza de que conseguirá mudar o equilíbrio do poder no seu relacionamento. Essas estra-
tégias – comunicação não defensiva, transformar um adversário em aliado, negociar e usar
seu senso de humor – constituem os instrumentos mais eficazes que conheço para acabar
com a chantagem emocional.
Gostaria de poder estar ao seu lado quando você anunciar sua decisão ao chantagista,
mas não é possível. O que eu posso fazer é dar a você um roteiro para memorizar, guardar e
usar sempre que for alvo de chantagem emocional.
Por favor, preste atenção. Se você está vivendo ou envolvido com alguém que você
considera instável e potencialmente perigoso, não informe antecipadamente a essa pessoa
sobre seus planos de terminar o relacionamento. Proteja-se e saia. Se houver uma história de
abuso físico no relacionamento, este é um momento perigoso para você. Vá para um lugar
seguro e procure ajuda, se não da família, de alguma forma de abrigo. Não vá sozinha. Pro-
cure os serviços de ajuda à mulher e tome muito cuidado. Seria irreal e irresponsável de mi-
nha parte dizer que essas estratégias funcionarão com uma pessoa dada a abuso físico.
Estratégia 1:
Comunicação não defensiva
Como já vimos, algumas pessoas conseguem as coisas aos berros, atormentando, fa-
zendo-se de vítimas, ameaçando e acusando. Procuramos responder da melhor forma possí-
vel, com os instrumentos de que dispomos no momento, para erguer uma barreira entre nós
e os sentimentos de medo, obrigação e culpa que esse tipo de comportamento nos induz.
Argumentamos contra o modo pelo qual a pessoa nos descreve. Dizemos: “Eu
não estou sendo egoísta. Você é que está sendo egoísta. Como pode dizer isso de
mim? Eu faço tudo para você. Será que não está lembrado de quando…”.
Procuramos adivinhar os pensamentos da pessoa quando está sofrendo. Dizemos:
“Por favor, diga qual é o problema. O que foi que eu fiz? Vamos, diga o que posso
fazer para que você se sinta melhor”.
Tentamos comprar sua aprovação, na esperança de que a outra pessoa não fique
mais zangada conosco. Dizemos: “Muito bem, se isso o incomoda tanto, posso
mudar meus planos/deixar o curso/não ir ao ensaio/não aceitar o emprego/não ver
aquele amigo…”.
Tentamos explicar, contradizer, pedir desculpas, tudo para que a outra pessoa pos-
sa ver as coisas como nós vemos. Dizemos: “Por que você não pode ser razoável?
Você não consegue ver o quanto está errado? O que você quer é ridícu-
lo/louco/irracional/insultuoso…”.
O problema com essas respostas é que são todas defensivas e na verdade aumentam a
intensidade emocional da situação. Como talvez você já tenha percebido, elas simplesmente
não funcionam. Nossa tentativa de nos proteger acaba servindo de combustível e surte o
mesmo efeito de jogar gasolina para apagar o fogo.
O que aconteceria se as faíscas das acusações, ameaças e rotulações depreciativas ca-
íssem em um solo úmido? O que aconteceria se você não tentasse mudar a outra pessoa, e
em vez disso apenas mudasse o seu script? E se você respondesse à pressão com declara-
ções como estas:
Você está absolutamente certo (mesmo que não seja essa sua opinião).
Essas frases são o eixo central da comunicação não defensiva. Memorize todas e
acrescente algumas de sua autoria. Diga todas em voz alta, até se acostumar. Se for possível,
ensaie com um amigo. É importante fazer dessas frases uma parte do seu vocabulário e estar
sempre pronto para usá-las. Não defenda nem justifique sua decisão, ou você mesmo, na sua
resposta à pressão.
Sei que essas frases vão parecer estranhas a princípio. Poucas pessoas conseguem
responder a bombardeios desse tipo com uma ou duas frases curtas sem emoção. Não se
preocupe muito se você se sentir tentado a melhorar algumas delas – apenas não faça isso.
A comunicação não defensiva irá funcionar com qualquer pessoa em algum ponto do
acordo de chantagem emocional. Já a ensinei para milhares de pessoas e as usei pessoal-
mente durante muitos anos. Isso não significa que no começo foi fácil para mim e certamen-
te não quer dizer que eu tenha acertado o tempo todo. Senti o mesmo frio na barriga e o
mesmo coração disparado que quase todo mundo sente, e às vezes ainda sinto. Mas garanto
que a cada vez que você usar essa estratégia, e as outras que mostrarei mais adiante, isso vai
ficando mais fácil. Como puderam constatar pasmados muitos chantagistas, sem o combus-
tível do alvo as tentativas de chantagem que no passado funcionavam tão bem desaparece-
ram completamente.
Josh sabia que para recuperar seu amor-próprio, salvar seu relacionamento com Beth
e criar a possibilidade de ter um relacionamento honesto com o pai, devia deixar de rodeios
e dizer que estava disposto a casar com Beth. Eu o incentivei a reunir toda sua coragem e
dar a notícia aos pais, para que a mãe soubesse da sua decisão diretamente e não através dos
filtros do pai. “Gosto da ideia de usar um método não defensivo”, ele disse, “mas você vai
ter de me ajudar, porque eu não sei o que dizer nem como ajeitar as coisas”.
Começamos com algumas regras básicas para apresentar sua decisão. “Primeiro”, eu
disse, “Você tem que estar o mais à vontade possível e ter certeza de que a outra pessoa seja
um ouvinte receptivo”. Para apresentar uma decisão importante a uma pessoa, você deve
estar numa posição extremamente vantajosa. Isso significa não tentar iniciar a conversa
quando a outra pessoa estiver cansada ou estressada, ou as crianças correndo pela casa.
Com um marido ou parceiro, informe que você quer conversar e escolha um momen-
to mais tranquilo em que não serão interrompidos. Desligue o telefone. Se você não mora
com a outra pessoa, diga que quer conversar e determine a hora e o lugar. Certifique-se de
escolher um lugar em você se senta à vontade. Lembre-se de que o ambiente tem energia e é
importante não escolher um lugar cheio de fantasmas do seu passado ou lembranças que o
façam sentir-se inferior a essa pessoa e perturbem sua calma assim que entrar.
“Eu podia telefonar uma noite e convidá-los para sobremesa e café na minha casa”.
Josh disse, “mas eu sei que é incômodo para eles e serão dois contra um. Acho que posso
muito bem ir para casa”.
Perguntei a Josh se não havia na casa dos pais muitas lembranças – quadros ou obje-
tos que podiam lembrar sua infância.
“Oh, não”, ele disse. “Não foi nessa casa que eu cresci. Eles se mudaram para o apar-
tamento e é mais como um hotel do que uma casa. Olhe, eles não são agressivos. Só estão
agindo com a mente fechada”.
Uma vez determinado o local e a hora, volte sua atenção para o que vai dizer exata-
mente. Sugeri a Josh começar pedindo aos pais para o ouvirem sem interromper ou contra-
dizer, garantindo que ao terminar eles poderiam dizer o que quisessem. Assim seria possível
apresentar sua decisão. Trabalhando juntos, Josh e eu criamos a seguinte exposição:
Papai e mamãe, eu queria que vocês se sentassem e ouvissem o que vou dizer. Não
vai ser fácil para mim. Pensei muito no assunto e porque eu os amo e respeito, quero ser
honesto com vocês e terminar com uma situação desagradável que se criou entre nós. Que-
ro que saibam que estou resolvido a casar com Beth. Estou envergonhado por não ter sido
franco com vocês sobre isso nos últimos sete meses. Fiz isso porque tenho medo de vocês.
Tenho medo da sua ira e da sua desaprovação. Estou morrendo de medo neste momento.
Josh diz muita coisa, para começar. Determina suas condições para o encontro. Ex-
pressa seus sentimentos, tanto os que se referem à situação quanto os do momento. Reco-
nhece que não foi honesto e afirma seu desejo de não precisar mais agir assim. E anuncia
sua decisão.
Quero que saibam que nada do que disserem ou fizerem pode me fazer mudar de
ideia. É a minha decisão e é a minha vida. Vou saber se é mais importante para vocês ter
razão e fazer o que querem do que manter seu relacionamento comigo. Espero em Deus que
não seja. Peço desculpas se não me apaixonei por uma católica. Não, que droga, eu não
vou pedir desculpas! E vocês podem acatar e ser parte da minha nova família ou podem
não aceitar. Eu amo vocês, papai e mamãe, e acho que devem ter algum tempo para pensar
e resolver o que vão fazer.
Josh continua firme na sua decisão, oferecendo aos pais a chance de aceitá-la – ou
não. Finalmente, ele oferece uma sugestão: eles não precisam responder imediatamente, mas
podem pensar no que ele disse.
Antecipando as respostas
Aconselhei Josh a praticar o discurso como um ator, memorizando sua fala. Você po-
de fazer isso com outra pessoa, falar com uma cadeira vazia, ou falar com uma foto da outra
pessoa. Provavelmente vai parecer estranho, porém, quanto mais praticar, mais confiante vai
se sentir quando chegar o momento de sentar na frente da pessoa real que o pressionou tão
completamente no passado.
Se você tiver algumas condições para apresentar, pode tomar notas numa “colinha” e
consultar, de modo que a outra pessoa possa ver o que você está fazendo. Mas por favor,
ensaie em voz alta – não apenas mentalmente. Essa preparação dará um grande impulso a
você.
“Não me importo de praticar”, Josh disse, “mas não estou muito preocupado com o
que eu terei para dizer, o que me preocupa é o que eles vão dizer. Não vai ser coisa fácil ver
meu pai fervendo em fogo lento na minha frente”.
Ajudei Josh a acalmar sua ansiedade a respeito da resposta dos pais, contracenando
com ele e fazendo com que respondesse às perguntas e aos comentários que mais temia. Vo-
cê pode fazer isso com um amigo ou sozinho.
“Qual a reação que acha que será pior para você. Josh?”, perguntei.
“Da parte do meu pai acho que vai ser, ‘Você sabe que isso significa que não posso
mais mantê-lo no nosso negócio’”.
“E a sua resposta?”
“Dane-se! Não preciso do seu dinheiro!”
“Bem, acho que podemos encontrar alguma coisa menos agressiva”.
“Tudo bem. Então que tal, ‘Sinto muito que pense assim. Já tomei minha decisão’”.
Nós ensaiamos, assim como você pode ensaiar, uma série de respostas possíveis.
Susan (como o pai de Josh): “Não podemos apoiar esse casamento. Estou ofendido e
chocado porque você mentiu para mim”.
Josh: “Não me orgulho disso, papai. Eu estava com medo. Sinto muito se você sente
assim, mas eu vou casar com Beth”.
Susan: O que sua mãe vai dizer?
Josh: Aposto que a primeira coisa vai ser "O que vai acontecer com seus filhos? Vai
mandá-los para uma escola católica? Você vai criá-los na nossa religião?". Nem estamos
casados ainda, mas minha mãe está sempre pensando no futuro.
Susan: E o que você vai dizer para ela?
Josh: “Mamãe, vamos criar nossos filhos com muito amor e os ensinaremos a serem
pessoas boas”.
Susan (como a mãe de Josh): “Quero saber se serão católicos ou judeus”.
Josh: E eu vou dizer “Atravessaremos essa ponte quando tivermos filhos, mamãe,
quando isso for uma realidade. Neste momento, é a última coisa que me preocupa”.
Quando Josh finalmente apresentou sua decisão aos pais, ele estava trêmulo e inten-
samente nervoso, mas se manteve fiel ao roteiro, jamais se permitindo passar para a defen-
siva.
Não foi o encontro mais suave do mundo. Meu coração batia com tanta força que eu
tinha certeza de que eles podiam ouvir e fiquei um pouco nauseado. Lembrei-me de conti-
nuar respirando e repetindo mentalmente “eu posso suportar”. Isso ajudou, mas nada disso
foi fácil. Meu pai usou todas as suas armas. Primeiro ele disse, “Por que está fazendo isso
conosco? Como pode nos magoar tanto?”. Era como se estivesse enfiando uma faca no
meu coração, mas eu disse apenas, “Sinto muito que veja a coisa desse modo, papai”. Ele
ficou surpreso, mas não desistiu. A seguir foi, “Se casar com aquela moça, não será mais
parte desta família. Isso está matando sua mãe”. E eu disse, “Papai, suas ameaças estão
matando nosso relacionamento. Eu sei que está zangado e muito decepcionado”. Então ele
disse uma coisa que eu já estava esperando: “Não posso acreditar que tenha mentido para
nós”. Minha resposta foi, “Menti porque tenho medo de você. É algo que eu espero que nós
possamos mudar”.
Nada parecia estar funcionando para ele, então passou para “Depois de tudo que
sua mãe e eu fizemos por você…”, e eu disse “Papai, sou muito grato por tudo, mas minha
gratidão não vai ao ponto de permitir que você escolha com quem devo me casar”. Sua úl-
tima trincheira foi me comparar a meu irmão que casou com uma moça católica e tinha
uma porção de belos filhos católicos. Eu disse, “Papai, não posso ser como Eric porque
não sou Eric. Eu sou eu”.
A essa altura, percebi que ele estava gaguejando e ficando sem ter o que dizer, então
fiz o que você sugeriu. Eu disse que achava que ele precisava de algum tempo para pensar.
A última coisa que meu pai me disse foi: “Você está me pedindo demais. Tenho re-
gras, valores e convicções que significam muito para mim e não sei se posso aceitar sua
decisão ou não”. Eu me levantei e eles me acompanharam até o meu carro. Abaixei o vidro
da porta e meu pai disse: “Bem, eu sempre o ensinei a defender suas decisões, mas não pa-
ra que fizesse isso comigo”. E ele meio que sorriu e eu fui embora.
Josh tinha enfrentado seu maior temor, que era desagradar os pais. Sabem o que
aconteceu? Ninguém morreu. A casa não veio abaixo. O mundo não acabou. Não foi uma
experiência agradável para ele, mas faz com que se sentisse aliviado e cheio de autoestima.
“Eu me senti como se tivesse crescido três metros!”, Josh me disse.
Ele havia recuperado a sua integridade.
Na vida real, com pessoas reais, as emoções e as interações são complexas, especial-
mente numa família; raramente há um final como os de Hollywood. Eu gostaria de dizer que
a família de Josh resolveu aceitar sua nova mulher, mas não foi o que aconteceu. O pai de
Josh resolveu que não queria perder o filho, mas até agora ele não aceitou Beth como nora e
não demonstra nenhum carinho por ela. Josh compreendeu com tristeza que não quer rom-
per totalmente com seus pais, mas precisa reduzir o tempo que passa com eles por causa da
tensão. Sua grande esperança é de que eles amenizem essa atitude algum dia, talvez quando
aparecerem os netos – é o que eu espero também. Porém, mesmo que isso não aconteça,
Josh fez uma coisa saudável. Seu amor-próprio e sua integridade estão intactos e agora pode
viver muito melhor consigo mesmo do que quando estava mentindo para os pais e traindo
seu compromisso com Beth.
Em certos casos, os pais e outras pessoas próximas de nós acabam cedendo. O impor-
tante é o que você faz por si mesmo e quem você é na hora de tomar uma decisão.
Porque você conhece tão bem a outra pessoa, não será tão trabalhoso prever quais ti-
pos de respostas serão rebatidas após manifestarmos a nossa decisão. Porém, como a maio-
ria de nós é muito inexperiente em usar a comunicação não defensiva, podemos não ser tão
rápidos na resposta, especialmente quando tentamos escolher palavras que suavizem a emo-
ção do momento.
Não se preocupe com a rapidez – você tem todo o tempo necessário para pensar e é
uma boa deixar um pequeno silêncio pairando sobre as palavras da outra pessoa antes de
você falar.
O mais importante é resistir à tendência de cair no antigo padrão por se sentir ansi-
oso e não saber o que dizer. Assim, mostrarei a seguir alguns tipos específicos de respostas
às reações mais comuns.
Nunca é demais enfatizar a importância de praticar essas respostas, até se tornarem
naturais para você.
Como responder a:
1. Predições catastróficas e ameaças.
Os castigadores e os auto castigadores podem tentar pressioná-lo para mudar sua
decisão através de um bombardeio de cenas com consequências extremamente nega-
tivas se você levar a cabo o que decidiu fazer. Nunca é fácil resistir ao medo provo-
cado por essas visões pavorosas do que está para acontecer, especialmente quando o
tema martelado é “Coisas muito ruins vão acontecer – e a culpa será toda sua”. Mas
fique firme.
Quando o chantagista diz:
Se você não tomar conta de mim, vou acabar no hospital/na rua/incapaz de traba-
lhar.
Você nunca mais verá seus filhos.
Você vai destruir esta família.
Você não é mais meu filho/filha.
Você não é mais meu marido/mulher.
Estou tirando você do meu testamento.
Vou ficar doente.
Não posso fazer isso sem você.
Vou fazer você sofrer.
Você vai se arrepender.
Você diz:
A escolha é sua.
Espero que não faça isso, mas essa é a minha decisão.
Sei que está zangado/a agora. Quando tiver oportunidade de pensar no assunto,
talvez você mude de ideia.
Por que não conversamos outra vez a esse respeito, quando você estiver mais
calmo/a?
Ameaças/sofrimento/lágrimas não funcionam mais.
Eu sinto muito que você esteja aborrecido/a.
2. Xingamentos, rotulações e julgamentos negativos.
É a reação mais natural no mundo querer se defender quando alguém nos diz um
palavrão, mas provavelmente o máximo que conseguiremos responder é “Não sou is-
so!” ou “Você também é!” inutilmente. Em vez disso, devemos respirar fundo e dei-
xar o medo, a obrigação e a culpa sendo digeridos longamente no estômago enquanto
trabalhamos com a cabeça. Não esqueça que para o propósito de apresentar a decisão
e fazer pé firme, o mais importante não é o que sentimos, mas o que dizemos. Esta-
mos mudando de comportamento antes, e mais tarde a atenção será voltada para aqui-
lo que acontece dentro de você.
Quando eles dizem:
Não posso acreditar que você possa ser tão egoísta. Nem parece você.
Você só pensa em você. Nunca pensa nos meus sentimentos.
Eu pensei realmente que você fosse diferente das outras mulheres/dos outros ho-
mens com quem estive. Mas acho que me enganei.
Essa é a coisa mais idiota que já ouvi.
Todo mundo sabe que os filhos devem respeitar os pais.
Como pode ser tão desonesto/a?
Você está simplesmente sendo idiota.
Você diz:
Como pôde fazer isso comigo (depois de tudo que fiz por você)?
Por que está acabando com a minha vida?
Por que você é tão teimoso/obcecado/egoísta?
O que deu em você?
Por que está agindo desse modo?
Por que quer me magoar?
Por que está exagerando a importância disso?
Você diz:
Eu sabia que você não ia gostar, mas é assim que tem de ser.
Não há vilões aqui. Apenas queremos coisas diferentes.
Não pretendo assumir nada mais do que 50 por cento da responsabilidade.
Eu sei o quanto você está descontrolado/zangado/decepcionado, mas isso não é
negociável.
Estamos vendo as coisas de modos diferentes.
Eu sei bem que é assim que você vê as coisas.
Sinto muito se você está chateado.
Manejando o silêncio
Porém, o que dizer da chantagem feita por meio da raiva disfarçadamente demons-
trada por meio de mau humor e baixo astral? Quando ele/a não diz coisa alguma, o que você
pode dizer ou fazer? Para muitos alvos essa ira silenciosa incomoda e enlouquece muito
mais do que um ataque aberto.
Às vezes é como se nada funcionasse com esse tipo de chantagista, e às vezes nada
funciona mesmo. Mas você terá mais sucesso se perseverar com os princípios da comunica-
ção não defensiva e ficar consciente do que deve ou não deve fazer.
No caso de um chantagista silencioso, você não deve:
Lembre-se de que está lidando com uma pessoa que se sente rejeitada e vulnerá-
vel, e temem sua capacidade para feri-la ou abandoná-la.
Enfrente o chantagista quando ele estiver mais capaz de ouvir o que você tem a
dizer. Considere escrever uma carta. Pode parecer menos ameaçador para ele.
Convença o chantagista de que pode contar o motivo da sua zanga e que você vai
ouvi-lo sem retaliar.
Use tato e diplomacia, isso o convence de que você não vai explorar suas vulne-
rabilidades e atacá-las com recriminações.
Diga coisas tranquilizadoras como: “Eu sei que está zangado agora e estarei dis-
posto a falar no assunto quando você estiver pronto”. Então, deixe-o sozinho. Se
não fizer isso, ele vai se fechar mais ainda.
Não tenha medo de dizer que o comportamento dele deixa você chateado, mas
comece expressando respeito e consideração. Por exemplo: “Papai, eu me importo
realmente com você, e acho que você é uma das pessoas mais inteligentes que co-
nheço, mas não compreendo por que toda vez que discordamos você fica calado e
vai embora. Isso está prejudicando nosso relacionamento e gostaria que pudésse-
mos conversar melhor sobre isso”.
Não perca o foco do problema que deixa você incomodado.
Prepare-se para ser atacado quando você faz uma reivindicação, porque para ele
isso representa um ataque.
Diga que sabe que ele está zangado e o que está disposto a fazer a respeito. Por
exemplo, “Sinto muito que você esteja aborrecida porque não quero que sua famí-
lia fique em nossa casa quando vem à cidade, mas estou disposto a providenciar
um bom hotel e talvez pagar parte das férias deles”.
Aceite o fato de que você tem de dar o primeiro passo na maior parte das vezes.
Deixe passar alguma coisa.
Essas técnicas são as únicas com possibilidade para interromper o padrão típico do
chantagista silencioso e zangado, o ciclo do “Veja como estou aborrecido e a culpa é toda
sua. Agora, descubra o que você fez de errado e como vai corrigir isso”. Eu sei o quanto é
insuportável ter que ser uma pessoa racional quando sua vontade é estrangular o outro,
mas é o único modo que eu conheço de criar uma atmosfera favorável à mudança. Sua tare-
fa mais árdua será continuar com a atitude não defensiva e convencer o chantagista zangado
e silencioso que está tudo bem em ficar enfurecido, quando ele passou a vida inteira acredi-
tando exatamente no oposto.
Falamos muito a respeito de lidar com a raiva do chantagista, mas como manter a ati-
tude não defensiva quando a sua própria fúria cresce dentro de você? Allen, cuja ex-esposa
Beverly estava usando os filhos para puni-lo, falou sobre esse terrível dilema durante uma
sessão de terapia.
Levei as crianças para acampar na semana passada e quando as trouxe de volta ela
começou a gritar porque eles estavam sujos e cansados. Eles se divertiram muito, mas ela
disse que eu havia exagerado com eles. Então, disse que se eu não sabia como cuidar deles,
ia anular meu direito de visitas. Eu sei que foi um erro, mas simplesmente explodi e come-
çamos a gritar como dois lunáticos. Acontece que ela me deixou furioso. Como se atreve a
me ameaçar de não ver meus filhos? Que diabo eu faço agora?
Existem situações para as quais não temos soluções mágicas. Beverly foi dolorosa-
mente ferida com o divórcio e uma vez que seus ataques aumentaram depois que Allen ca-
sou de novo, era evidente que a única coisa que ele podia fazer para mudar o que ela sentia
era sentir-se infeliz também. Mas com certeza ele podia mudar o que ele poderia ter feito
para aumentar a tensão.
“Eu sei o quanto está furioso”, eu disse, “mas você tem apenas que aprender a con-
trolar essa fúria e se acalmar. Você está ficando muito bom na comunicação não defensiva
com Jo, então por que não tenta o mesmo com Beverly? A parte mais difícil é parecer cal-
mo, quando o que a gente sente é uma fúria homicida”.
“Você me treinou bem, Susan”, ele disse com um grande sorriso. “Sei que vai dizer
que a única pessoa que posso mudar sou eu mesmo”.
“Certo”, respondi. “Basicamente, sua tarefa é fechar a boca, por mais irracional que
Beverly seja e, dependendo da situação, só dizer coisas como: ‘Sinto muito que você esteja
zangada com o acampamento, mas eles se divertiram muito. Você se sentiria melhor se, da
próxima vez que eu planejar algo parecido, eu explicasse antes o que vamos fazer e o que
você pode esperar? ’. Você disse também que os meninos nunca estão prontos quando você
chega e às vezes nem mesmo estão em casa. Isso é realmente irritante, mas a custódia dá a
ela muitas vantagens, e você tem que achar um meio de conviver com isso, do contrário vo-
cês irão viver num estado constante de raiva e amargura”.
“Outra vez, volte a algumas daquelas frases calmas e calmantes. Em vez de descontar
toda a sua raiva, respire fundo e diga: ‘Beverly, eu agradeceria muito se você tivesse os me-
ninos prontos quando eu chegar. O que eu posso fazer para facilitar isso? ’. Não posso pre-
dizer a resposta dela, mas tenho certeza de que você vai se sentir muito menos vitimizado".
Estratégia 2:
Recrutar o chantagista
como aliado
Será que pode me ajudar a compreender porque isso é tão importante para você?
Pode sugerir algo que eu possa fazer para resolver o problema?
Pode me ajudar a encontrar algumas coisas que podemos fazer para melhorar nos-
so relacionamento?
Pode me ajudar a compreender por que está tão zangado/aborrecido?
Além disso, recomendo o que chamamos de Instrumento Maravilhoso, que pode soar
como algum anúncio de teleshopping. Na verdade, é uma estratégia que consiste em encora-
jar a outra pessoa a imaginar, com você, o que sentiriam com a mudança, ou como o pro-
blema pode ser resolvido.
Utilize o Instrumento Maravilhoso com frases como estas:
Poder imaginar junto com alguém é dar asas à imaginação com um gosto de brinca-
deira – é não defensividade num sentido mais prazeroso. Ninguém gosta de ser atacado, mas
geralmente todos nós estamos dispostos a ajudar na solução de um problema.
Ouvindo soluções
O relacionamento de Allen com Jo era muito menos complexo do que seu relaciona-
mento com Beverly, uma vez que Allen e Jo se amavam e queriam estar juntos. Mas Allen
se esforçava muito para encontrar uma maneira de lidar com a carência de sua nova esposa.
Depois de tentar dizer a ela durante vários dias que, por força do seu trabalho, teria de pas-
sar alguns dias longe dela, ele me procurou pedindo ajuda para encontrar uma solução.
Não sei o que posso fazer para que ela não surte quando eu fizer essa viagem ao
norte. Sei que não vai adiantar coisa alguma dizer: “Não me importa como vai se sentir.
Não me importa que fique aborrecida. Preciso fazer essa viagem”. Então, além de me preo-
cupar com a viagem, vou ter de me preocupar com uma mulher em prantos.
Eu disse a Allen que talvez ele pudesse aliviar um pouco a tensão ao apresentar sua
decisão, perguntando a Jo o que ele podia fazer para minimizar o medo dela de ficar sozi-
nha. Lembrei que não competia a ele curar Jo ou ter de lidar com os traumas da vida dela,
que a fizeram tão dependente. Ela teria que fazer isso sozinha, para que o casamento pudes-
se ser uma parceria em vez de uma relação pai-filha. Enquanto isso, porém, Allen podia fa-
zer dela uma aliada. Praticamos como ele podia usar as frases “estive pensando…”, e “pre-
ciso compreender o que posso fazer…”, para fazer com que Jo participasse da sua decisão,
em vez de pressioná-lo para mudar.
“Ok”, Allen disse. “Que tal: ‘Jo, preciso ir a São Francisco por alguns dias e, antes de
você ficar chateada, eu queria saber se você pode me ajudar a compreender por que fica tão
neurótica quando saio de casa por dois segundos’”.
“Não, Allen. Não estamos tentando rotular ninguém no momento, apenas conseguir
informação. Ela pode ter sugestões para melhorar as coisas, portanto pergunte a ela. Que tal:
‘Jo, preciso ir a São Francisco por uns dias a negócios. Sei que você fica preocupada quando
temos de nos separar, mas é uma viagem importante e eu estive imaginando o que posso
fazer para que você se sinta melhor’”.
Apresentando o dilema desse modo, Allen estaria levando em conta os sentimentos
de Jo. Não a estava chamando de coisa alguma, nem deixando a porta aberta para a possibi-
lidade de desistir da viagem.
Foi muito mais fácil do que eu pensei. Eu falei aquilo que combinamos e assim que
perguntei o que faria com que se sentisse menos ansiosa com a minha viagem ela disse
“Leve-me com você”. Eu disse que não teria problema algum com isso, mas acrescentei que
ia ser uma viagem de negócios, não de férias, e provavelmente ela ficaria sozinha grande
parte do tempo porque eu teria muitas reuniões de negócios. No início ela disse que estava
tudo bem, ela gosta de hotéis, porém mais tarde contou que tinha pensado no caso e estaria
mais confortável em casa.
Assim, foi escolha dela ficar em casa. Ela só queria que eu telefonasse todas as noi-
tes. Meu Deus, isso foi um alívio. Nunca havíamos conseguido coisa parecida antes – sem-
pre foi tudo ou nada.
O que havia mudado foi o fato de Allen decidir fazer o que precisava ser feito e tra-
balhar com Jo levando em conta os sentimentos dela. Juntos encontraram uma solução que
Allen talvez deixasse passar ou relutasse em sugerir se não estivesse disposto a se aliar com
sua esposa, em vez de brigar com ela.
Kim usou uma variedade de técnicas não defensivas para dizer a seu chefe, Ken, que
ele devia deixar de usar comparações negativas e que ela precisava diminuir sua carga de
trabalho para proteger a saúde. Ela gostou especialmente da ideia de recrutá-lo como aliado
porque, como ela disse:
Não posso fazer a lei ou impor minha vontade, mas posso fazer o que nós todos de-
vemos fazer por aqui – ser um bom membro da equipe. Eu costumava pensar que isso signi-
ficava apenas fazer o que os outros mandam, custe o que custar, mas comecei a pensar em
termos de isso ser mais como um verdadeiro trabalho de equipe, fazendo o melhor possível,
trabalhando dobrado nas horas de pico e diminuindo o ritmo quando necessário para cui-
dar da minha vida e da minha saúde.
Keti, talvez você não tenha notado, mas você está sempre me comparando com Mi-
randa. No passado, foi realmente um modo eficaz de me incentivar a superar meus limites,
mas isso não vai ser mais possível. Posso dar a você 110 por cento e fazer o melhor possível
sem me sentir prejudicada, porque eu realmente quero e gosto deste trabalho. Fico feliz por
ver que me respeita, assim como eu o respeito também. Mas, por favor, pare com esse jogo
de menina boa/menina má comigo. Somos dois adultos. Você não é meu pai e obviamente
não sou sua filha. Sou três anos mais velha do que você, pelo amor de Deus! E Miranda
não é minha irmã, portanto não tenho nada a ver com essa família disfuncional.
Para Kim, assim como para qualquer pessoa que escreve bem, mas que tem dificul-
dade de achar as palavras quando está cara a cara alguém, era vital praticar o discurso. Ela
pediu a uma amiga para ouvir e contracenar com ela, praticou em voz alta no carro, pediu
ajuda ao marido – e entrou na redação da revista sabendo sua fala na ponta da língua.
Estratégia 3:
Fazer barganhas
Quando você quer que a outra pessoa mude seu comportamento e ao mesmo tempo
reconhece que você também precisa fazer algumas mudanças, é o caso de se fazer uma bar-
ganha. Todos nós fazemos barganhas desde pequenos – duas revistinhas de super-heróis por
um livro, meu sanduíche de atum pelo seu de creme de amendoim e geleia – dando alguma
coisa e recebendo alguma coisa de valor igual. A grande vantagem de fazer barganhas para
minimizar a chantagem emocional é que com elas elimina-se a ideia de que o fardo depende
totalmente de uma só pessoa. Na troca não há dar sem receber. Não há perdedores.
Eu vi o poder da barganha resolver o impasse de uma chantagem emocional, quando
um casal, Matt e Amy, me procurou há alguns anos. Amy estava furiosa porque Matt a igno-
rava.
Ele me trata como se eu fosse invisível. Levanta da cama, vai para o trabalho, volta
para jantar e mal fala, depois fica sentado na frente da televisão até a hora de ir dormir. Há
semanas ele nem toca em mim e nunca me senti mais sozinha em toda a minha vida.
Matt, por sua vez, disse que o problema era o fato de Amy estar tão gorda.
Esta não é a mulher com quem me casei. Eu acho que seu passatempo é comer e po-
de ver o tamanho que ela está. Não acho isso atraente. Ela diz que estou agindo como se
não sentisse nenhuma atração por ela e está certa – não sinto. Não com todo esse peso.
Não vou fingir que não faz nenhuma diferença para mim.
O relacionamento de Matt e Amy deteriorou para “Se você não descobrir um modo
de ser mais carinhoso, eu vou embora”, da parte dela e “Se você não emagrecer, vou conti-
nuar o castigo, me afastando de você”, da parte dele. Não expressavam esses pensamentos
com palavras e nem precisavam. Seus comportamentos diziam claramente, como se estives-
sem gritando no sistema de som ambiente.
Amy estava comendo porque se sentia negligenciada e Matt dizia que a negligencia-
va porque ela estava comendo demais.
Estavam num impasse e se culpando um ao outro por sua infelicidade. Então, eu pro-
pus um acordo: Amy começaria a dieta no dia seguinte e Matt reservaria meia hora para
conversar e restabelecer contato ao chegar à noite em casa. É claro que Amy não perdeu
peso de um dia para o outro e Matt não se transformou no Senhor Comunicação instantane-
amente, mas fizeram algum progresso para sair daquela sinuca de bico – e, por fim, recons-
truir o relacionamento.
Ninguém gosta de sentir ou parecer que está cedendo, e a aversão por soluções unila-
terais impede que muitas pessoas deem o primeiro passo para a solução de uma disputa. A
barganha, porém, cria uma situação de ganhar ou ganhar mais facilmente aceita por ambas
as partes. Isso também elimina outra dinâmica que nos impede de resolver problemas com
alguém – a sensação de que estão agindo mal conosco, estamos furiosos por isso e essa pes-
soa precisa sofrer. Não cedemos um centímetro sequer porque é ele ou ela quem merece
mais a punição.
Porém, de algum modo, a sensação de conseguir alguma coisa da outra pessoa torna
mais fácil deixar de lado nossos ressentimentos.
Fazer uma barganha é uma estratégia especialmente eficaz porque permite às duas
partes conseguir algo que desejam sem as acusações e os ataques tão típicos da maioria dos
conflitos.
Eliminando o impasse
A estratégia da troca fez com que Lynn e Jeff abandonassem as táticas de opressão
mútua. Eles concordaram que, no fundo, a questão não resolvida do seu casamento era a
disparidade dos seus recursos financeiros, algo que Lynn, em particular, ainda tinha dificul-
dade para aceitar. Mas quando sentaram no meu consultório e conversaram, começaram a
ver um ao outro como seres humanos outra vez, em vez de apenas objetos de raiva. Cada
um apresentou uma oferenda de paz e fizeram o possível para não ser defensivos. Lynn co-
meçou:
Eu sei que essa coisa de dinheiro é algo que eu preciso trabalhar um pouco mais. Eu
pensei que para mim estava tudo bem, e quando fomos viver juntos concordamos que eu
não o usaria contra você, nem iria tratá-lo como uma criança que ganha uma mesada ou
algo assim. Portanto, vou honrar esse acordo. O que eu quero de você, Jeff, é a promessa
de que quando surgir algum problema, como comprar caminhão para você, nós dois vamos
examinar juntos nossas finanças e tomar uma decisão baseados no que achamos que pode-
mos gastar. Em outras palavras, nada de pressão de que você irá desaparecer se eu não
fizer o que você quer. Preciso entender por que você sai de casa sem dizer para onde vai
quando sabe que isso me deixa louca.
Jeff respondeu:
Às vezes fico tão furioso quando tenho de pedir algo que eu preciso, que tenho de sa-
ir de casa para não fazer algo de que venha me arrepender. Eu tenho que desabafar e
quando saio não sei quanto tempo vou levar para me acalmar. Na maior parte das vezes,
nem sei para onde estou indo.
Lynn disse:
Eu sei o quanto minha atitude em relação ao dinheiro o deixa furioso. Peço descul-
pas por isso e prometo trabalhar nesse sentido. Sei que se continuarmos a falar sobre isso,
em vez de guardar o que eu sinto e depois descarregar em você, vai ser possível resolver
esse problema do dinheiro. Mas preciso que você pelo menos me avise que vai sair, ao invés
de desaparecer de repente, e preciso que me dê alguma noção do tempo que ficará fora. Eu
sei que você nem sempre sabe, mas, por favor, tente. E quando souber, pode me telefonar
para dizer onde está e quando vai voltar. Eu me sentiria muito melhor.
Jeff disse:
Você sabe que eu a amo e que não vou ficar em lugar algum por muito tempo. Mas se
isso ajuda, serei especifico sobre onde irei ficar e por quanto tempo. E talvez esteja na hora
de repensar nas finanças. Quero examinar com você – sou melhor com dinheiro do que você
pensa – e sei que posso fazer muita coisa para ganhar dinheiro. Estive pensando em treinar
cavalos no vale, mas estava tão furioso com você que nem quis mencionar isso. Achei que
você ia zombar de mim, porque certamente ainda não estarei ganhando tanto quanto você -
provavelmente nunca ganharei.
Jeff e Lynn ainda tinham muito para conversar, ouvir e negociar, mas ao usar essa
forma de troca eles prepararam o terreno para tudo isso.
Sherry, cujo chefe e amante, Charles, ameaçou despedi-la quando ela resolveu acabar
com o envolvimento romântico deles, decidiu pedir três coisas para ele numa troca que tra-
ria vantagens para os dois. Era inegociável o fato de que sob nenhuma circunstância ela es-
tava disposta a dormir com ele mais. Isso era uma questão de integridade básica. Mas ela se
ofereceu para continuar no emprego até terminar os projetos nos quais estava trabalhando e
ajuda-lo a contratar e treinar uma substituta. Em troca, ela queria um pedido de desculpas de
Charles por pressioná-la e a promessa de manter suas interações civilizadas.
Eu estava muito preocupada que ele fosse me despedir sumariamente, mas pratiquei
bastante para ter certeza do que queria dizer e acho que ele ficou surpreso vendo que eu
não estava com medo dele. No começo ele realmente parecia estar dizendo: “Sem sexo, sem
emprego”, mas quando eu disse que não podia negociar esse ponto, ele recuou e disse:
“Não sei se sou capaz de suportar ver você todos os dias. Eu tenho sentimentos também – e
isto não foi uma simples aventura”. Então eu disse que talvez devêssemos tentar e ver o que
iria acontecer, e ele disse tudo bem. Acho que ajudou muito o fato de eu ter algo para ofere-
cer, e não chegar disposta a discutir. Estou trabalhando numa tarefa que seria difícil passar
para outra pessoa e acho que ele sabe que seria melhor para todos esperar que eu termi-
nasse do que me despedir imediatamente.
As coisas ficaram realmente difíceis. Ele passou a me criticar bastante na frente dos
clientes e não perdia uma chance de me provocar ou me diminuir. Charles não está cum-
prindo sua parte do acordo e eu não sei o que vou fazer.
Eu disse a Sherry que a única coisa a fazer naquela situação era voltar a falar com
Charles e dizer que ele não estava cumprindo o prometido. Palavras não bastam. Precisam
do reforço da ação. Muitos chantagistas emocionais acham fácil pedir desculpas e dizer que
vão mudar, mas são muito difíceis para cumprir suas promessas. É importante avivar a me-
mória deles dizendo, por exemplo: “Nós temos um acordo e eu gostaria muito que você
mantivesse a sua palavra”.
Sherry voltou a falar com Charles de modo gentil e não defensivo.
Eu disse a ele: “Talvez você não tenha percebido o quanto ofensivo tem sido os seus
comentários, mas quero que pare”. E é claro que ele nem perguntou quais eram os comen-
tários – ele sabia do que eu estava falando. Fez uma cara de sorriso e disse: “Você era uma
pessoa tão amável antes de começar a terapia…”.
Mesmo num caso como o de Sherry, onde o objetivo final é se desvencilhar de uma
situação difícil, é importante estar sempre vigilante e fazer com que a outra pessoa cumpra o
prometido enquanto estiverem juntos.
Estratégia 4:
Usando o humor
Num relacionamento que é basicamente bom, o humor pode ser um instrumento efi-
caz para mostrar à outra pessoa o que achamos do seu comportamento. Darei alguns exem-
plos.
Certo dia, quando Patty se queixava do sofrimento de Joe, ela desabafou: “Meu Deus,
alguém devia dar um Oscar para aquele homem: o melhor papel de sofredor”.
“Por que você não dá?”, perguntei.
Patty gostou tanto da ideia que foi a uma loja de troféus e comprou uma réplica do
Oscar. Quando Joe começou o ato de lamentar e suspirar, com um grande sorriso, Patty
aplaudiu e entregou o prêmio. “‘Isso foi brilhante!’, eu disse. E depois: ‘Gostei especial-
mente do suspiro no final’”. A situação de repente pareceu tão ridícula,” Patty contou, “que
nós dois desatamos a rir – e desde então Joe não pode mais sofrer convincentemente”.
O relacionamento de Sarah com Frank estava se desgastando, mas permanecia intac-
to, e ela resolveu que o humor podia despertar a atenção dele. Apanhou um bambolê guar-
dado há anos no armário e na primeira vez que Frank determinou mais uma condição para o
casamento ela disse, “Quer segurar isto para eu pular por dentro dele?”.
“Que negócio é esse?”, ele perguntou.
“Ora, meu bem”, ela disse, “tenho notado que você gosta de me fazer pular através de
arcos, como um golfinho, para ficar provando que sou boa para você. Você acha que pode-
mos falar sobre isso?”.
“Do que está falando? Eu não faço isso”, Frank disse.
“Tenho certeza de que você não percebe que faz, e sei que você me ama, mas eu sinto
como se fosse uma série interminável de testes para mim”.
“Arcos, hein?”, ele disse. “Está certo, vamos falar sobre isso”.
Então, contou, “Ele deu aquele sorriso que eu simplesmente adoro e disse: ‘Mas an-
tes de falarmos a sério, acha que pode saltar por dentro desse pequeno arco para mim?’ Isso
simplesmente descontraiu o ambiente”.
Não há nada mais íntimo do que partilhar uma piada particular com alguém. O humor
é um laço entre duas pessoas, e reviver experiências divertidas pode ser parte do tecido de
um relacionamento sólido. Usar o humor para argumentar com um chantagista pode levar a
um estado mais tranquilo que permite a ambos lembrar o prazer que podem ter na compa-
nhia um do outro – e um forte lembrete de como é bom sentir-se confortável junto de al-
guém. O humor cura. Diminui a pressão sanguínea e pode esfriar um confronto potencial-
mente incendiário com quem estamos tendo alguma dificuldade.
Se o humor faz parte do seu vocabulário habitual e você se sente à vontade com ele, é
um modo maravilhoso de se expressar. Não posso garantir que funcione sempre, mas sem
dúvida nos faz sentir muito menos sombrios.
Avaliando os resultados
Não é possível saber como a outra pessoa vai reagir enquanto não expressarmos nos-
sos sentimentos e definirmos os limites necessários para solidificar o relacionamento. Du-
rante muitos anos trabalhei com alvos da chantagem emocional, que me procuraram junto
com seus chantagistas, e muitas vezes me surpreendi ao ver qual dos dois reagia aos pedidos
de mudança. De um modo geral, pessoas de quem eu esperava muito pouco, porque pareci-
am zangadas, insensíveis ou mesquinhas, na verdade estavam perfeitamente dispostas a tra-
balhar para fortalecer o relacionamento. E algumas vezes as que pareciam amistosas e flexí-
veis se mostravam fechadas, defensivas e nem um pouco sensíveis à necessidades dos seus
alvos.
Um resultado positivo
Michael foi um exemplo notável de uma pessoa que respondeu exatamente ao contrá-
rio do que eu esperava. Embora Liz temesse uma explosão quando apresentou suas condi-
ções a ele, ela ficou encantada com o que aconteceu.
Pensei muito no que ia fazer depois de escrever aquela carta. Devia entregar a ele e
sair de casa por algum tempo, ou ir ao seu escritório e deixar sobre a mesa, ou simplesmen-
te deixar em um lugar onde ele pudesse encontrar? Finalmente resolvi que o mais conveni-
ente para mim, porque não tenho medo de agressão física da parte dele, era sentarmos e eu
ler a carta para ele.
Uma ou duas vezes ele tentou me interromper, mas alguma coisa o tocou realmente,
porque ele ficou muito quieto e eu vi que ouvia muito atentamente. Por um breve momento,
eu vi outra vez o homem por quem me apaixonei sentado na minha frente, em vez daquele
homem autoritário e controlador. Então ele ergueu suas defesas e atacou. Ele disse: “Nada
disso teria acontecido se você não tivesse me ameaçado com o divórcio. As coisas jamais
teriam chegado a esse ponto se você não tivesse se voltado contra mim daquele modo”. Tive
vontade de responder gritando, mas apenas disse: “Michael, não estou disposta a assumir
mais de 50 por cento da responsabilidade”.
Ele se acalmou e disse: “Acho que eu não queria ver o quanto a estava magoando.
Porque não me disse?” Eu não sou nenhuma Pollyanna e sei que vai levar algum tempo,
mas a coisa que mais me animou foi ele ter concordado em fazer terapia. Seu temperamento
explosivo é na verdade um problema e acho que ele compreendeu que seu ato de “Mim Tar-
zan, você Jane” não funciona mais.
Michael, como muitos chantagistas, ficou surpreso quando viu o quanto tinha mago-
ado e assustado Liz. Muitas vezes ouvi pessoas que recorrem à chantagem emocional dize-
rem: “Porque ele/ela não me contou?” ou, “Se eu soubesse quanto meu comportamento o/a
estava magoando, podíamos ter salvado tudo antes da destruição”. Isso não é prevaricação
ou algum tipo de desculpa esfarrapada. Os chantagistas muitas vezes não se dão conta de o
quanto estão ferindo com seu comportamento e com a pressão que fazem, porque os alvos
estavam assustados, zangados ou desanimados demais para dizer a eles, acreditando que não
ia adiantar. Em outras palavras, talvez você não esteja dizendo “Ai!” tão alto como devia.
Muitas vezes nos inibimos com frases como “Não seja um chorão” ou “Não tenha
pena de você mesmo”. Algumas pessoas, especialmente os homens, querem parecer fortes e
confiantes e não facilmente magoados. Por isso não expressamos nossos sentimentos. Não
dizemos: “Você está me magoando. Por favor, pare”.
Portanto, não se surpreenda com a surpresa da outra pessoa em relação aos seus sen-
timentos. Seja qual for sua resposta, determine-se a continuar falando, se expressando ho-
nestamente e usando a comunicação não defensiva. Depois observe para ver o que a outra
pessoa faz com a nova informação.
Como eu disse a Liz, depois de uma conversa franca com a outra pessoa, a informa-
ção que precisamos só o tempo pode dar. “Eu sei que esta é uma ocasião de esperança para
você”, eu disse, “e estou feliz por você e satisfeita porque Michael vai fazer terapia. Espero
que não seja apenas uma lua-de-mel e, para ter certeza de que as coisas estão no caminho
certo, precisamos continuar reavaliando tudo”.
Muitas vezes ficamos entusiasmados com a reação inicial da outra pessoa e acredita-
mos que o conflito está resolvido, porque ele ou ela concordou verbalmente com nossos
termos. Porém, com o tempo podemos notar que as promessas são esquecidas e os antigos
hábitos reaparecem. Não queremos bancar cães de guarda e marcadores de placar em nossos
relacionamentos, mas precisamos ver com realismo o que está mudando e como isso se en-
caixa naquilo que decidimos que precisamos e queremos.
Por isso é tão importante tomar a decisão de não definir um plano final de ação en-
quanto não houver certeza do que a outra pessoa vai fazer. Quando se toma uma decisão
importante sobre o futuro de um relacionamento, devemos dar à outra pessoa tempo – mi-
nha sugestão e de 30 a 60 dias – e observar as respostas, tanto nas ações quanto nas pala-
vras. Não é o suficiente dizer: “Peço desculpas – agora não vamos mais falar sobre isso”.
O que é o suficiente?
É uma coisa um tanto assustadora dizer para alguém: “Isso é o que eu sou. Isto é o
que eu quero”. Mais assustador ainda é lutar pela nossa própria verdade – nossa integridade
– como devemos fazer quando damos ao outro a escolha de aceitar nossas decisões e dife-
renças ou não. Pode dar a impressão de que definir nossas necessidades é semelhante a estar
fazendo exigências, mas é preciso lembrar que nosso pedido é absolutamente razoável: que-
remos que a outra pessoa pare de nos manipular. Não estamos pedindo nada que possa nos
prejudicar a ou a eles.
Muitas vezes, adiamos a apresentação da nossa decisão porque temos medo do que
pode acontecer. Mas, pare por um momento e pergunte a si mesmo: qual a pior coisa que
pode acontecer? Um temor comum é que o relacionamento desmorone irreparavelmente.
Porém, as consequências de não defender sua decisão são piores. Quem desmorona é você.
Com o passar do tempo você vai saber cada vez menos quem você é, o que você quer e no
que você acredita. O seu íntimo fica tão frágil quanto uma folha.
Se a sobrevivência do relacionamento depende de ficar cedendo constantemente às
chantagens emocionais, você deve perguntar a si mesmo se vale a pena sacrificar seu bem-
estar para isso. Se você está mais forte, mais saudável e mais confiante, e isso não agrada ao
seu parceiro, o que dizer sobre a qualidade desse relacionamento que você está tentando
salvar tão arduamente? No que ele se baseia?
Neste capítulo, vimos vários relacionamentos que melhoraram e outros que acabaram
não sobrevivendo. Porém em todos os casos os alvos da chantagem se livraram da chanta-
gem e conseguiram um sólido reforço em sua inestimável integridade. Ninguém pode prever
o que acontecerá quando você começar a mudar, mas posso garantir que se usar essas estra-
tégias e enfrentar a chantagem emocional, em vez de ceder a ela, não importa o resultado,
você será uma pessoa mais forte e mais saudável.
11. Abrindo caminho através do FOG
Se você começou a usar os instrumentos que lhe indiquei no último capítulo, está de-
senvolvendo novos meios eficazes de comunicação e comportamento. Agora vou mostrar
como pode desativar os seus pontos explosivos mais importantes.
Provavelmente você já conseguiu resistir com sucesso à pressão de alguém, e talvez
esteja notando mudanças, tanto em você quanto no relacionamento. Está saboreando a satis-
fação e a sensação de força renovada, provocadas pela religação com sua integridade. Mas
deve ter notado também que muitos dos antigos sentimentos de medo, obrigação e culpa que
o atormentaram no passado continuam com você. E como se um novo prédio brilhante este-
ja se erguendo no lugar de outro, antigo, mas os moradores indesejáveis, que sempre mora-
ram no porão, se recusam a sair.
Não precisa se preocupar. Os sentimentos não mudam com a rapidez que desejamos.
Eles estão com você há muito tempo. Levaram anos para se tornarem pontos explosivos e
não vão permitir que você os expulse sem uma luta árdua. Mas é uma luta que você vai ven-
cer. Vou mostrar os meios diretos e práticos de diminuir as mágoas e sensibilidades prolon-
gadas que o fizeram vulnerável à chantagem emocional.
Lembre-se, embora eu demonstre a maior parte dessas estratégias através do meu tra-
balho com outras pessoas, todos os exercícios e papéis representados, todos os deveres de
casa e visualizações devem ser feitos por você, sozinho.
Para aqueles que já leram meus outros livros, especialmente Pais Tóxicos, pode ser
surpresa que o trabalho que faremos aqui nem sempre envolva voltar às experiências do
passado, a raiz da maior parte das nossas vulnerabilidades. Em vez disso, vamos nos con-
centrar em mudar nossas respostas a essas experiências. Sem dúvida nós todos carregamos
as marcas do nosso passado. A maioria das pessoas tem ao menos alguma consciência de o
quanto foram magoadas e de quem as magoou. Se já trabalhamos um pouco em nós mes-
mos, geralmente fizemos a importante conexão entre nossas cicatrizes emocionais e o modo
pelo qual nos comportamos nos relacionamentos com outras pessoas.
Porém, que torna alguns de nós vulneráveis à chantagem é o modo pelo qual “favore-
cemos” os danos que sofremos. Sabotamos a nós mesmos cedendo à chantagem para evitar
sentimentos desagradáveis, em vez de aprender a manejá-los. É bem parecido com torcer o
tornozelo e continuar mancando muito tempo além do necessário, com medo da dor que
poderemos sentir se andarmos normalmente outra vez. Vou me referir a algumas experiên-
cias da infância, como nos capítulos anteriores. Mas meu objetivo é ajudá-lo a aprender no-
vas respostas a antigos sentimentos, sem sair do presente e interagindo com as pessoas que
produzem esses sentimentos em você, agora.
Observação: Antes de começarmos este trabalho quero reiterar um aspecto importan-
te. Existem vários problemas que exigem certas formas de ajuda profissional. Se você está
lutando com uma depressão recorrente, ansiedade incapacitante, abuso ou resíduos de abuso
físico, sexual ou emocional, da infância, há várias intervenções médicas, psicológicas e bio-
químicas que não exigem grande investimento de tempo ou de dinheiro.
Psicoterapia interativa breve, novos medicamentos antidepressivos, grupos de apoio,
programas de ajuda mútua e seminários sobre crescimento pessoal têm mudado a face da
psicoterapia tradicional na última década. Em todos eles há ajuda para quem realmente de-
seja.
É provável que você saiba o que faz quando seus pontos explosivos são acionados.
Talvez você seja do tipo que gosta de agradar as pessoas. Ou leu a respeito da síndrome de
Atlas e disse: “Esse sou eu”. Talvez você evite a raiva como uma praga. Ao começar este
trabalho vital de desmanchar o FOG, quero que você focalize os elementos do FOG aos
quais é mais sensível. Faça um breve inventário, verificando os itens abaixo que se aplicam
a você.
Quando eu cedo a alguém que está me pressionando, faço isso porque:
Note que as três primeiras frases dizem respeito ao medo, as três seguintes à obriga-
ção e as últimas três à culpa. Pode ser que a maioria, ou até mesmo todas, se apliquem a vo-
cê. Foi o que aconteceu com Eve, que tinha medo da desaprovação dos outros se tentasse se
libertar da dependência sufocante de Elliot, presa a ele por ter lhe dado uma casa para morar
e as contas pagas, e sobrecarregada de culpa pela ideia de deixá-lo.
Em outras pessoas, os pontos explosivos podem estar ligados a um sentimento pre-
ponderante, embora haja sempre uma superposição entre os estados de sentimento. Por
exemplo, particularmente Liz não sentia obrigação ou culpa, mas tinha medo da ira de Mi-
chael. As afirmações anteriores irão ajudá-lo a determinar qual ponto explosivo está em
primeiro plano para você e em qual elemento – ou elementos – do FOG você precisa traba-
lhar para conseguir uma mudança profunda e duradoura.
Medo de desaprovação
Esse temor pode parecer insignificante, mas acredite, para muitas pessoas é insupor-
tável. O medo da desaprovação é muito mais profundo do que se encolher diante da cara
feia de desaprovação de alguém por algo que você fez ou disse. Está entrelaçado com a nos-
sa noção básica de autoestima. Se você permite ser definido pela aprovação ou desaprova-
ção dos outros, fica predisposto a se convencer de que há algo essencialmente errado com
você sempre que incorre em desaprovação.
Nós todos gostamos da aprovação e do aplauso dos outros, e algumas vezes isso pode
ser uma coisa absolutamente essencial. Há muitos anos, antes de voltar a estudar para ser
terapeuta, eu ganhava a vida como atriz. Eu adorava quando meus esforços eram recebidos
com aplausos e aprovação, e ia ao fundo do poço quando isso não acontecia. Eu media meu
progresso tomando como base o modo como os outros reagiam a mim. Mas, quando fiquei
mais velha, fiz uma descoberta maravilhosa. Enfrentei muitos riscos em minha vida e des-
cobri que posso tolerar o silêncio retumbante da desaprovação de alguém e mesmo as críti-
cas mais ácidas, desde que eu continue ligada à minha integridade.
Sei que não é fácil manter firme essa conexão quando pessoas importantes para você
dizem que você está errado, mas isso pode ser feito.
O relacionamento de Sarah com Frank tem melhorado significativamente desde que
ela o alertou dos pequenos testes sucessivos aos quais era submetida para merecer casar com
ele.
As nossas conversas têm ajudado muito, mas ainda não me libertei da ideia de que
não posso me sentir bem comigo mesma ou com as minhas decisões se ele não aprovar. Te-
nho tentado me convencer de que preciso crescer e superar isso, mas não está funcionando.
Não quero acabar como a minha mãe, que não podia nem mesmo atravessar uma rua sem a
permissão do meu pai.
Você me pediu para pensar nas melhores partes de mim e no topo da lista coloquei o
meu espírito de luta e o gosto por desafios. É o meu trabalho que alimenta os dois e não
17
Ver “Os Perigos do ‘Catastrofismo’ e da profecia autorrealizável”.
tive que pensar muito para compreender que tenho de seguir em frente, expandindo o meu
negócio. Eu amo Frank, mas ele não é toda a minha vida. Eu disse que se ele parasse um
pouco para pensar no assunto, iria ver que seria muito mais agradável conviver comigo se
eu estivesse realmente empolgada com o que estou fazendo. Ele resmungou um pouco, mas
eu continuei a usar as frases não defensivas e ele percebeu que eu não ia recuar.
Ele está bem com isso agora. Eu me sinto como se fosse Natal!
Mas o caso de Eve era diferente. Sarah era bem-sucedida em sua carreira e tinha um
relacionamento potencialmente sólido. Eve estava enfrentando o desconhecido – e o traba-
lho de reconstruir sua vida – mas estava também começando a acalmar o seu medo de desa-
provação.
Há tanto tempo ouço estas frases: “você é uma vadia sem coração”, “você não tem
sentimentos”, “que coisa mais idiota você fez”, “você só faz besteiras”. Mas não vou me
preocupar demais com o que os outros pensam, porque o que eles pensam neste mundo po-
de ser bastante estranho. Existe gente que acredita que o Holocausto nunca aconteceu!
No outro lado do medo da desaprovação está a liberdade para imaginar e criar uma
vida que realmente pertence a você.
Não vou dizer que é fácil, mas a cada vez que você se compromete a comandar seu
navio, como Sarah e Eve fizeram, está dando um passo gigantesco para moldar uma vida
que reflete aquilo que você sabe e acredita que é certo para você – não importa o que os ou-
tros possam pensar ou dizer. Quando fizer isso, pode se libertar do vício da aprovação.
Medo da ira
Michael cumpriu a promessa de trabalhar o seu gênio explosivo, mas não demorou
muito para Liz compreender que ele não era o único que precisava trabalhar com essa emo-
ção. Ela disse:
Outra noite ele tropeçou num brinquedo que as crianças não tinham guardado e co-
meçou a xingar e a gritar. Eu estava em outra sala e ele não estava gritando comigo, mas
só o som da sua voz fez meu coração disparar. Ele está realmente tentando mudar e eu
achei que tudo estaria bem quando ele conseguisse controlar sua raiva, mas ainda sou mui-
to sensível a ela… Não quero passar o resto da vida entrando em pânico toda vez que al-
guém levanta a voz.
Liz não tinha medo de que Michael a agredisse fisicamente. Sem dúvida houve abu-
sos verbais anteriormente, mas ela insistia que não havia a menor chance de ocorrer algo
mais longe que isso. Então, o que estava criando uma reação tão forte e visceral nela?
Fiz três perguntas a ela:
Acho que tenho medo de que ele perca o controle e parta para cima de mim. E difícil
explicar. E como se eu tivesse dois anos de idade e fosse totalmente indefesa. Quando ele
fica furioso, é como um calor arrasador e destruidor…
O som dos gritos de Michael transportam Liz através do tempo. Ela não é mais uma
mulher adulta de 35 anos, mas uma menina que ouve exclusivamente perigo quando alguém
eleva a voz. Isso não é surpresa, uma vez que ela cresceu numa família instável, onde os
gritos eram o sinal para se abaixar e se esconder. Mas, como muitos alvos de chantagem que
recuam para acalmar ou evitar a fúria, ela está sempre misturando o passado com o presente.
Eu disse a Liz que em algum momento seria uma boa ideia dizer ao pai e ao irmão o quanto
ela ficava assustada, mas por enquanto eu queria que ela se concentrasse no modo de lidar
com os “deslizes” de Michael.
Ninguém nos ensina a lidar com os ataques de raiva dos outros, e a maioria das pes-
soas tem um repertório pequeno de respostas. A primeira coisa a fazer com uma pessoa que
grita é escolher um momento de calma e então dê um ultimato. Deixe bem claro: “não estou
disposto a permitir que grite comigo e, da próxima vez que você gritar, eu vou sair da sala”.
Desse modo você assume imediatamente uma posição forte e se torna proativo a favor de si
mesmo. Então, deve fazer a mesma coisa na próxima vez que acontecer, para que a outra
pessoa leve a sério suas palavras.
Ao mesmo tempo em que você se exclui do conflito, diga uma das frases seguintes
com voz forte e clara: “pare com isso!”, ou “deixe de gritar!”, ou a minha preferida: “Dá
para dar um tempo com isso?”. Liz olhou para mim perplexa: “eu realmente posso fazer is-
so?”, perguntou.
“Por que não?”, respondi. “Tem a minha permissão”.
Muitas vezes imaginamos os gritos de outra pessoa aumentando até o ponto de ela
perder o controle e passar para a violência. (E, se você tem realmente medo de que outra
pessoa possa maltratá-lo/a fisicamente, o seu lugar não é ao lado dela). Porém a maioria de
nós raramente procura imaginar o que aconteceria se respondêssemos de modo mais enérgi-
co e confiante. Quando você abandona o papel de menina ou menino assustado e se compor-
ta como um adulto, está no caminho certo para dominar o medo da raiva que desencadeia
tanta submissão.
Reescrevendo a história
“Uma das razões porque tenho tanto medo da raiva”, Liz me disse “é que quando é
dirigida a mim, a pessoa atrás dela desaparece. Não existe mais Michael – só aquela rajada
de gritos”.
Pedi a Liz para fazer o papel do “Berrador” imitando Michael no seu pior momento.
“Você está brincando, certo?”, ela disse. “Não posso fazer isso”.
“Deixe de lado a timidez e tente”, eu disse. “Algumas coisas interessantes podem
acontecer. Fazer o papel do chantagista por alguns momentos pode ser muito revelador”.
Liz começou hesitante, mas se animou e me deu uma ideia aproximada de Michael
em plena guerra.
Se você acha que vai se safar assim não sabe o que te espera. Você não vai destruir
esta família e, se tentar, vai se arrepender amargamente! Não terá nem um centavo e não
vou deixar que leve os nossos filhos! Está ouvindo?
Foi uma coisa muito estranha. Não me senti nem um pouco poderosa dizendo essas
coisas. Estava assustada e indefesa, como se alguém estivesse tentando tirar de mim algo
que eu realmente quero, e o único jeito de não chorar era gritar e xingar. Eu me senti como
uma garotinha tendo um chilique – não tinha as palavras certas, então simplesmente fiz
muito barulho.
Medo da mudança
Estou com medo, Susan. Tenho medo de ser uma mulher divorciada lá fora no mundo
outra vez. Tenho medo da dor e da aflição. Tenho medo da incerteza. Tenho medo de ter que
começar tudo de novo. Tenho medo de não saber fazer com que meus filhos se sintam segu-
ros e protegidos quando estiver sozinha com eles.
Tenho medo do que as pessoas vão pensar – que eu fracassei, que eu tinha tudo e jo-
guei fora. É tão grande a tentação de desistir do divórcio e voltar à conhecida infelicidade
– pelo menos eu sei como fazer isso.
Maria podia desempenhar seu papel de esposa submissa e mãe perfeita, e sabia como
se comportar no contexto de situações conhecidas. Mas esse conforto, claro, era o problema
– era difícil desistir disso. Assim que nos vemos diante de realizar qualquer mudança impor-
tante, quase todos nós sentimos algum grau de pânico. E é desse pânico que os chantagistas
mais destrutivos se alimentam. Então, permanecemos com nossos velhos padrões de com-
portamento e geralmente nos apegamos a relacionamentos e situações prejudiciais para po-
der amenizar a ansiedade e a insegurança que ameaçam nos dominar completamente.
Eu disse a Maria que eu havia permanecido num péssimo casamento por muitos anos
além do que devia porque tinha medo das mesmas coisas que a assustavam.
“É realmente muito bom saber disso”, ela disse, “e me ajuda muito saber que não sou
uma pessoa anormal ou estranha porque me sinto assim”.
O medo da mudança é universal e os chantagistas geralmente o exploram com frases
como estas:
Medo de abandono
O medo do abandono pode ser a mãe de todos os medos. Alguns especialistas acredi-
tam que está codificado nos nossos genes e é o ponto mais alto de todos os temores a respei-
to dos nossos relacionamentos, incluindo o medo da desaprovação e o medo do ódio. Fran-
camente, eu não acho que seja importante o fato de ser instintivo ou aprendido, ou uma
combinação dos dois. O resultado final é que nós todos sentimos. Algumas pessoas o mane-
jam muito bem, mas para outras esse medo é profundo. Quando o medo do abandono nos
faz capitular repetidamente de um modo autodestrutivo, é como se estivéssemos dizendo:
“Faço qualquer coisa – mas não me deixe”.
Lynn ficou extremamente reconfortada quando Jeff concordou em não abandoná-la
depois de uma briga, sem avisar aonde ia e quando pretendia voltar. Mas o medo do aban-
dono, que era parte dela há muitos anos, não desapareceu da noite para o dia.
Isto realmente me deixa paralisada. Se alguém se aborrece comigo, sei que vai aca-
bar me deixando, então eu faço o que a pessoa quer. Sei que é covardia, mas não me impor-
to.
Há uma distância muito grande e não muito lógica entre “você fica bravo comigo”
para “você vai me abandonar para sempre”, mas o pensamento negativo não é lógico e pode
facilmente se descontrolar, transformando um simples desacordo em um primeiro passo para
o abismo.
Se, como Lynn, você for levado a um redemoinho de pensamentos calamitosos, um
dos melhores meios para escapar é limitar ativamente o tempo e a atenção que dá a eles.
Bloqueio do pensamento
Durante a próxima semana, quero que você reserve algum tempo para focalizar seus
pensamentos negativos de abandono. Fique à vontade para ligar a máquina do juízo final e
deixar as imagens assustadoras fluírem. Mas aqui está o truque: você deve ligar o cronôme-
tro para cinco minutos e limitar o pensamento negativo exclusivamente a esse período.
Você só precisa fazer isso uma vez por dia. Considere isso como o seu horário de
tormento e preocupação. Terminados os cinco minutos, diga aos seus pensamentos, como
diria a um hóspede indesejável, que eles precisam ir embora. Se voltarem durante o dia, diga
a eles que já tiveram seus cinco minutos e que você os verá outra vez no dia seguinte. Redu-
za o tempo a cada dia até que, no quinto dia, eles tenham só um minuto. Sei que isso parece
simplista, mas lembre-se: os sentimentos são disparados pelos pensamentos, por mais fuga-
zes que sejam. Energizamos nossos medos alimentando-os constantemente com nossa aten-
ção mental. Essa técnica de bloquear o pensamento nos permite interromper a sequência
pensamento/sentimento/comportamento em sua fonte e nos devolve a posição de comando.
O buraco negro
A estratégia de bloquear o pensamento durante uma semana evitou que Lynn entrasse
em parafuso emocional, mas ela não havia ainda enfrentado o medo do que ela chamava de
“buraco negro”, o lugar em que ela iria cair – e jamais conseguiria sair – se Jeff a deixasse.
Lynn não foi a primeira pessoa a usar essa expressão. Eu a ouvi muitas vezes de pessoas que
têm pavor do abandono. Ao que parece é a ideia universal do inferno.
A imagem do buraco negro vivia com Lynn há tanto tempo que nem podia lembrar
mais. Ela estava intimamente familiarizada com o pavor que o envolvia, e não queria rom-
per o limite e entrar nele. Mas, era exatamente isso – eu disse – o que ela devia fazer.
“Não sei se posso”, ela disse, hesitante.
“Se não fizer hoje, quando então?”, perguntei. “Quero que segure a minha mão e en-
tre no buraco negro comigo. O que você vê?”.
“Está escuro e muito, muito frio. Nenhum contato humano. Só isolamento, sem nin-
guém com quem falar, Estou completamente isolada do mundo. Os dias são tão longos sem
companhia… As paredes se fecham… Ninguém me ama ou se importa comigo, nem mesmo
sabem que eu existo”.
Quem não escolheria a submissão, quando a única outra escolha é parecer estar cain-
do naquele estado depressivo sinistro descrito por Lynn? E como ficamos vulneráveis à ma-
nipulação quando condicionamos a nossa sobrevivência emocional a uma única pessoa!
“Tudo bem”, eu disse para Lynn. “Você me trouxe aqui. Agora quero que você en-
contre a saída”.
“Sim, certo”, disse Lynn. “E só balançar minha varinha mágica que o terror desapa-
rece”.
“Você sabe que pode sair”.
“Só Jeff pode me tirar daqui”, ela respondeu.
“Não, – você tem de fazer isso sozinha, do contrário isso não significará coisa algu-
ma. Não estou diminuindo o fato de o quanto Jeff significa para você, mas ele é somente um
dos elementos que enriquecem a sua vida. Vamos começar com algum pensamento criativo.
Qual é o contrário do buraco negro, para você?”.
Lynn fechou os olhos.
“Estou pensando nas outras pessoas de quem eu gosto – minha família, meus amigos,
alguns colegas de trabalho… coisas que gosto de fazer – espere, estou me lembrando de um
dia especial. Tenho mais ou menos 12 anos e ganhei de meu pai meu primeiro cavalo – um
belo cavalo palomino18. Eu nem podia acreditar! Era todo meu. Lembro do cheiro do feno, o
sol no meu rosto... acho que foi a sensação mais próxima de felicidade completa que já ex-
perimentei”.
“E você pode voltar a esse lugar sempre que sentir que está entrando em pânico”, eu
disse. “Pode recapturar todos os prazeres sensuais e a alegria, quando quiser. E pode ter ou-
tro dia como aquele. Você tem marido e outras pessoas que a amam, uma boa carreira e a
capacidade para sentir profundamente. Que dons maravilhosos! Você viu? – acabou de en-
contrar sozinha a saída do buraco negro!”.
Esse tipo de visualização pode ser feito por todos nós quando estamos assustados.
Sente-se, feche os olhos e respire fundo quatro ou cinco vezes. Agora, lembre-se de um dos
melhores dias da sua vida. Pode ser um dia na infância, quando você não tinha qualquer tipo
de preocupação na vida. Ou talvez prefira voltar a um belo lugar que visitou, onde todos os
seus sentidos estavam afiados e absorvendo o romance e a beleza do ambiente. Encha sua
mente e seu corpo com esse dia, os suspiros e os sons, a sensação do ar em sua pele, o per-
fume das flores ou da grama recém-cortada. Procure se entregar completamente à sensação
desse dia até que as lembranças o acalmem. Lembre-se de que você pode sempre usar essa
18
Cavalo muito manso de origem estadunidense, palomino vem do espanhol e significa “pombo claro”.
visualização para iluminar o buraco negro.
O medo do abandono que sentimos nos relacionamentos amorosos é a versão adulta
do medo de abandono que sentimos na infância, quando não podíamos sobreviver se ficás-
semos sozinhos. Infelizmente, muitos adultos ainda acreditam que enfrentarão uma espécie
de morte psicológica se forem abandonados por alguém que amam. Mas o buraco negro
existe só na imaginação. É uma mentira camuflada como verdade.
As pessoas e as experiências prazerosas e preciosas que alimentam nossa vida ten-
dem a desaparecer da nossa mente quando estamos com medo, mas estão disponíveis a to-
dos nós tanto na realidade quanto em nossa lembrança e imaginação. Se o medo é como um
rio escuro cruzando por você, você pode criar um caminho de pedras no meio desse escuro
para atravessá-lo.
Iria ser muito bom se alguém pudesse atribuir algum tipo de “imposto de renda” so-
bre as nossas obrigações, assim como o governo faz com nossa declaração de rendimentos.
Certamente facilitaria muito a nossa vida se houvesse uma fórmula para calcular o que de-
vemos a alguém, em vez de ficarmos constantemente enfrentando esse dilema. Não seria
maravilhoso se existissem diretrizes claras dizendo se o que damos está muito acima ou
abaixo do necessário, mostrando se isso é algo que ajuda ou prejudica, ou determinando
como manter o equilíbrio entre nossos deveres para com os outros e nossas obrigações vitais
e verdadeiras conosco mesmos?
Não nascemos com o senso de obrigação. Nós o aprendemos com nossos pais, na es-
cola, com a religião, a política e a nossa cultura em geral. E, para complicar mais as coisas,
somos bombardeados com novas regras o tempo todo. Durante muitos anos o sacrifício e o
altruísmo foram considerados desejáveis. Veio então a “Geração do Eu” 19, com os mantras
“Faça o que quiser” e “Resista às autoridades”. Depois o pêndulo voltou para um modo
mais compassivo e carinhoso de tratar os outros. Não é de admirar que estejamos confusos.
Não é fácil descobrir exatamente onde aprendemos as crenças sobre obrigação que
adotamos. E em longo prazo, isso não importa. O que importa é que nós as possuímos – e
algumas delas podem nos tornar vulneráveis à chantagem emocional. Se você age a partir da
convicção de que as necessidades de todos são automaticamente mais importantes do que as
suas, e se adotou o padrão de se colocar habitualmente em último lugar em qualquer relaci-
onamento até se esgotar física, mental, emocional, espiritual e financeiramente, está na hora
de examinar – e mudar – essas convicções.
19
“Me Generation”, como descreveu Tom Wolfe a respeito de quem nasceu na década de 70, ou a “Década do Eu”, e
seus slogans: “Resist Authority”, “Question Authority”, “Do Your Own Thing”, “If It Feels Good, Do It”.
gumas sugestões para começar:
Agora, reescreva cada declaração começando com a frase “ONDE ESTÁ ESCRITO”
com maiúsculas. Veja como “ONDE ESTÁ ESCRITO que não tenho o direito de ter férias
porque preciso ficar com a família do meu marido?” soa diferente de “Meu marido espera
que passemos todos os feriados e férias com a família dele”. ONDE ESTÁ ESCRITO que as
necessidades dos outros são mais importantes do que as suas? ONDE ESTÁ ESCRITO que
você deve sacrificar seu bem-estar para tomar conta de um pai ou uma mãe exigente, perfei-
tamente capaz de se cuidar sozinho? ONDE ESTÁ ESCRITO?
Essas regras aparentemente imutáveis – que o fazem tratar a si mesmo com menos
até do que a metade da consideração com que trata os outros – não estão gravadas numa
pedra. Só existem no sistema de convicções gravado a fogo em sua mente sobre como espe-
ram que você seja no mundo.
Karen teve grande dificuldade para se livrar da noção fortemente arraigada de “Eu-
devo-a-minha-filha-tudo-o-que-ela-quiser-porque-ela-passou-por-momentos-difíceis-e-foi-
tudo-por-minha-culpa", a ladainha da autoflagelação. Ela precisou trabalhar com seus sen-
timentos de obrigação num nível tanto emocional quanto mental.
Karen fora o Juiz e o júri da própria sentença que a condenou à “prisão da obrigação”
por um crime que não cometeu – o acidente de carro que tirou a vida do seu marido. Pedi a
ela para procurar a palavra acidente no dicionário, no meu consultório.
“Quer dizer ‘não previsto, inesperado e… ’”, ela parou por um momento e seus olhos
se encheram de lágrimas – e não intencional!
“Exatamente”, eu disse. “Não intencional”. Pedi a ela para que repetisse isso cons-
tantemente. Ela não desejou, não planejou e não tinha coisa alguma a ver com o que aconte-
ceu. Disse a ela que todas as pessoas, exceto alguns assassinos punidos com prisão perpétua
sem possibilidade de condicional, saem da prisão mais cedo ou mais tarde. Como é que ela
ainda estava presa?
Eu sei que Karen tinha uma vida espiritual muito rica. Ela frequentava regularmente
as reuniões do Al-Anon, fazia retiros às vezes, era uma ávida estudante de ioga e meditava
diariamente. Contudo, Karen não era capaz de cruzar o limiar do perdão a si mesma.
Pedi a ela que imaginasse uma figura que tivesse o poder de libertá-la da prisão da
obrigação, uma figura com quem ela pudesse contracenar.
“Bem… acho que não mc sinto à vontade fazendo o papel de Deus, mas acredito que
tenho um anjo da guarda em algum lugar – posso fazer o papel dele”.
“Ótimo”, eu disse. “Você será o anjo da guarda. Faça Karen sentar numa cadeira e a
liberte dessa prisão horrível de uma vez por todas! E quero que comece dizendo: ‘Eu a per-
doo’”.
Karen começou, com as lágrimas descendo dos olhos.
Eu a perdoo, Karen. Voce não teve nada a ver com a morte de Pete. Foi um acidente.
Você tem sido uma boa mãe, protetora e amorosa para seus dois filhos, sempre foi uma boa
filha, uma enfermeira maravilhosa. Você se importa realmente com as outras pessoas – está
na hora de começar a dar alguma coisa para você mesma. Eu a perdoo, querida – eu a per-
doo, eu a perdoo.
Eram coisas que Karen jamais teve coragem de dizer a si mesma, mas no papel do
seu anjo da guarda podia dar a si o reconhecimento e a liberdade que precisava tão desespe-
radamente. Aconselho a tentar esse exercício. Se a ideia do anjo da guarda não funciona pa-
ra você, pode ser substituída por uma pessoa da sua vida que você ama e na qual confia re-
almente. O importante é focalizar a prisão da obrigação onde você está e sair dela.
Essa sessão foi realmente o momento decisivo para Karen.
Quase no fim da sessão, ela disse: “Então, ONDE ESTÁ ESCRITO que eu devo des-
falcar o dinheiro da minha aposentadoria porque minha filha precisa de uma casa imediata-
mente?”.
Eu disse a Karen que era perfeitamente correto se ela quisesse ajudar Melanie finan-
ceiramente, desde que dentro de suas posses e que estivesse fazendo por amor e generosida-
de, e não por medo das represálias da filha. Ela disse que os 5.000 dólares que Melaine que-
ria era muito para ela no momento, mas podia ajudar com 1.500.
“E se Melanie reclamar?”, perguntei.
Karen sorriu e respirou fundo.
“Bem… ela já reclamou antes e tenho certeza que vai reclamar outra vez no futuro.
Direi apenas que é o melhor que posso fazer e, se ela quiser ficar zangada com alguém, pode
ficar zangada com Susan – ela é a responsável pela mudança que consegui”.
As pessoas crescem e evoluem, mas às vezes suas crenças e convicções não crescem
com elas. Como Karen, você tem o direito de viver de acordo com os códigos e crenças que
aceitou livremente como adulto, em vez daqueles que assumiu automaticamente e sem ques-
tionamentos há muito tempo.
Eve sabia que tinha de deixar Elliot, mas todos os elementos do FOG a estavam imo-
bilizando.
Ele precisa tanto de mim. Eu faço tudo para ele. E devo tanto a ele. Simplesmente
não posso pôr o pé fora daquela porta.
Essa mulher bonita e talentosa jovem deu tanto de si mesma para tomar conta de El-
liot que estava vivendo em um saque emocional a descoberto, com praticamente nada em
seu banco psicológico. Tinha se afastado dos amigos, de todo tipo de divertimento ou ativi-
dades que lhe davam prazer, sua carreira e aspirações estavam mergulhadas nas dele e seu
mundo não era maior do que uma lasca de madeira.
Quanto mais recursos que você tem, mais você pode dar. É simples assim. Se você
tem muita riqueza em sua vida – pessoas que você ama e que o amam, satisfação emocional
e profissional, amigos, diversão, dinheiro – provavelmente pode dar muito sem prejudicar
seu bem-estar. Por outro lado, se você está no meio de um divórcio, com problemas no tra-
balho e juntando centavos para sobreviver, é muito mais difícil gastar tempo e energia para
satisfazer as exigências de outra pessoa. É uma dura lição, mas a verdade é que não dá para
evitar que alguém se afogue, se você mal pode manter sua própria cabeça fora da água.
A culpa absorve grande parte da nossa força pelo fato de que geralmente temos muita
dificuldade para diferenciar a culpa merecida da culpa não merecida. Acreditamos que se
estamos nos sentindo culpados só pode ser porque fizemos alguma coisa errada.
A euforia de Allen quando conseguiu conversar calmamente com Jo e elaborar com
ela um plano para sua viagem de negócios durou mais ou menos cinco minutos. Quase ime-
diatamente, ele se viu encurralado entre a certeza de estar fazendo a coisa certa e a sensação
intensamente desconfortável de estar processando uma mudança tão grande no seu modo de
se relacionar com sua esposa.
Eu sei que Jo concordou em ficar em casa e não parecia muito aborrecida, mas eu
me sinto culpado como o diabo. Tenho na mente a imagem de Jo enrodilhada no sofá na
frente da TV chorando e saltando ao menor barulho que ouve. Não se sente culpa sem moti-
vo, Susan. Posso ser muitas coisas, mas não sou o tipo de homem que gosta de ver a esposa
sofrer.
Eu disse a Allen que se ele respondesse a algumas perguntas seria possível determi-
nar rapidamente se a sua culpa era apropriada ou exagerada para a situação. Perguntei:
Se você responder sim a qualquer uma dessas perguntas, a culpa que está sentindo é
legítima, desde que provoque sentimentos de remorso e não de ódio a você mesmo. Honrar
sua integridade significa assumir a responsabilidade por seu comportamento e fazer as cor-
reções necessárias. Não significa que você é um monstro moral.
Mas se, como Allen, você está fazendo algo saudável para você mesmo e não tentan-
do prejudicar ou diminuir outra pessoa, então sua culpa é infundada e precisa ser confronta-
da. Se não fizermos isso, a culpa exagerada pode se fixar tanto em você quanto um papel de
parede – tornando-se o pano de fundo em todos os dias de sua vida.
Allen respondeu não a todas as questões, mas ainda estava cheio de dúvidas quando
saiu para sua viagem de negócios a San Francisco sem Jo.
A primeira noite foi a mais difícil. Como eu temia, ela estava chorando quando tele-
fonei à noite. Meu primeiro impulso foi fazer uma porção de sugestões sobre o que ela po-
dia fazer – ver amigos, sair, visitar a família –, mas compreendi que o único meio de ajudá-
la era parar de dizer o que ela devia fazer e deixar que descobrisse sozinha. Então eu disse
que estava com saudades, que a viagem estava indo bem e que telefonaria na noite seguin-
te.
O segundo dia foi realmente o ponto decisivo para mim. Quando telefonei, ela não
estava em casa. Fiquei preocupado, deixei uma mensagem e quando ela ligou de volta, dis-
se que tinha ido ao cinema com sua amiga Linda. Ela parecia ótima. Era como se toda
aquela preocupação fosse por nada. Durante a semana ela teve seus altos e baixos, mas
achou coisas para fazer e acabou se saindo bem. Não estou dizendo que tudo isso foi fácil,
mas nós dois conseguimos superar. A próxima vez vai ser sem dúvida muito menos difícil.
Use as perguntas acima como ajuda sempre que o seu sentimento de culpa, como
aconteceu com Allen, pareça desproporcional ao fato que a provocou. Uma consciência sau-
dável irá criar a quantia de culpa compatível ao que aconteceu. Claro que a culpa existe se
você dormiu com o melhor amigo do seu marido, e com certeza a intenção dessas perguntas
não é livrar pessoa alguma de atos criminosos. Mas você não merece sentir culpa apenas
porque queimou uma torrada ou sugeriu um filme horrível. E, certamente, também não por
querer fazer algo para aprimorar sua vida – mesmo que a outra pessoa não aprove.
As pessoas em nossa vida que recorrem à chantagem emocional não fazem qualquer
tipo de discriminação quando se trata de culpa. Elas nos empurram o máximo de culpa pos-
sível, tanto pelas grandes quanto pelas pequenas coisas. E é impressionante a boa vontade
com que abrimos a porta e deixamos a culpa entrar.
Leigh disse para a mãe o quanto as comparações negativas com sua prima a magoa-
vam e a mãe aparentemente compreendeu. Mas velhos hábitos são difíceis de eliminar, e
quando a mãe queria alguma coisa e Leigh resistia, ela passou a usar uma forma diferente de
pressão.
Ela queria que eu passasse o fim de semana com ela em San Diego para visitar meu
irmão e a família dele, mas eu tinha um encontro e entradas compradas para o teatro. Eu
disse que ela já era grandinha e podia ir sozinha. Sei que era um tanto maldoso, mas sugeri
que ela fosse com Caroline. Bem, ela não usou a comparação de sempre com minha prima,
mas mudou de tática: “Acho que você está ocupada demais para passar algum tempo co-
migo – está tão preocupada com sua própria vida que não se importa com mais ninguém.
Não posso acreditar que você tenha ficado assim!”. Eu sei que isso era manipulação e que
ela está bancando a mártir, mas, que diabo, ainda me sinto culpada. Não tanto quanto an-
tes, mas mais do que eu quero. Cheguei a pensar em cancelar meu encontro e dar as entra-
das de presente – mas não fiz isso, então eu acho que isso é um progresso.
É claro que isso era um progresso. A despeito da pressão, Leigh mudou seu compor-
tamento e, como muitos de nós fazemos, não estava dando crédito suficiente a si mesma,
porque esperava que seus sentimentos mudassem com a mesma rapidez. Uma das coisas que
ela podia fazer para acelerar o processo de diminuir sua culpa não merecida seria aprender a
distinguir os rótulos negativos da mãe daquilo que aconteceu de fato.
Pedi a Leigh para fazer uma lista das piores coisas que a mãe atribuía a ela durante
todos aqueles anos. Acredito que esses rótulos provavelmente sejam familiares para a maio-
ria dos alvos de chantagem emocional.
Aqui estão alguns itens da lista de Leigh.
Insensível.
Egoísta.
Sem consideração.
Desajeitada.
Teimosa.
Mesquinha.
Irracional.
Grossa.
Paus e pedras podem certamente quebrar nossos ossos20, e “elogios” como esses vin-
dos de alguém que amamos podem causar muitos danos. No entanto esses rótulos não são a
verdade. Eles são a opinião de outra pessoa. Geralmente revestimos nossos chantagistas
com o manto de sabedoria. Eles nos conhecem melhor do que nós mesmos – acreditamos –
e quando nos definem de modo negativo, a nossa tendência é aceitar rapidamente essas de-
finições, especialmente se refletirem o que outras pessoas nos disseram no passado. É desse
modo que transformamos opiniões de outros em fatos. “Você é egoísta” passa a ser dentro
de nós “Eu sou egoísta”. É o mesmo que acontece com uma criança que sempre ouve “Você
é má” de alguém importante para ela e acaba internalizando essa mensagem como “Eu sou
uma pessoa má”.
Para ajudar Leigh a separar fato de ficção, fiz com que escrevesse na frente de cada
rótulo da sua lista a frase “É UMA OPINIÃO, E NÃO UM FATO!” ou, mais simplesmente,
“OPINIÃO, NÃO FATO!” em maiúsculas. A lista então ficou assim:
Tenho certeza de que você compreendeu a ideia. É importante absorver esse conceito.
Às vezes, é claro, podemos ser insensíveis ou sem consideração, e é importante exa-
minar a veracidade do rótulo que nos foi dado. As perguntas que fiz a Allen irão ajudá-lo
nisso. Mas na maior parte das vezes, quando lidamos com chantagistas emocionais, as ca-
racterísticas que nos atribuem são tendenciosas, intransigentes e motivadas por interesses
próprios. Trata-se de algo particularmente difícil ser percebido quando o chantagista é o pai
ou a mãe, como no caso de Leigh, porque passamos os primeiros anos de nossa vida acredi-
tando que eles sempre estavam certos. Mas, como sistematicamente demonstramos neste
livro, os chantagistas operam a partir de seus próprios medos e frustrações, e geralmente as
mesmas coisas de que somos acusados são características e comportamentos deles mesmo.
Eles projetam essas falhas em nós, presumindo que iremos incorporá-las. Vamos devolvê-
las, portanto.
Devolver ao remetente
O inconsciente presta muita atenção aos rituais e cerimônias simbólicas. Uma das
partes mais interessantes do meu trabalho tem sido criar rituais simples para ajudar meus
clientes a enfrentar seus demônios de maneiras novas e interessantes. Eis uma para a culpa
20
"Sticks and stones may break my bones but words will never hurt me" (“Paus e pedras podem quebrar meus ossos,
mas palavras jamais me atingirão” - resposta pronta na língua inglesa utilizada contra o preconceito e o bullying verbal.
realmente capaz de desativar esse ponto explosivo.
Pegue uma pequena caixa com tampa, como uma caixa de sapatos. Faça dela a sua
“Caixa de Culpa”. Anote diariamente, durante uma semana, anote as afirmações instigado-
ras de culpa ou os adjetivos que alguma pessoa usa para pressioná-lo que você sabe que são
injustos e manipuladores. Escreva cada um num papel separado e ponha na caixa.
No final da semana, embrulhe a caixa como se fosse despachá-la pelo correio, escre-
va o nome e o endereço do instigador de culpa como destinatário e como remetente coloque
no centro o seu próprio nome. Com letras grandes, de preferência vermelhas, escreva “DE-
VOLVER AO REMETENTE” na frente da caixa. Então, tão cerimoniosamente quanto quei-
ra, descarte-a em algum lugar do seu gosto. Pode enterrá-la no quintal, queimá-la e espalhar
suas cinzas, jogá-la numa caçamba ou lixeira, ou mesmo passar com seu carro por cima de-
la. O objetivo é parar de aceitar as entregas de culpa que não lhe pertencem realmente. Não
é sua. Não a deixe entrar.
Um exercício em paradoxo 21
Apesar de todos os demônios que a atormentavam, Eve encontrou coragem para dei-
xar Elliot da melhor maneira possível. Fixou uma data para a sua saída e ficou o tempo sufi-
ciente para ajudá-lo a encontrar uma assistente pessoal para fazer grande parte do trabalho
que costumava executar. Também avisou aos membros da família dele sobre sua depressão
e vários deles concordaram em manter contato com ele e tentar convencê-lo a procurar aju-
da profissional.
Mas eu sabia que ela não ia se livrar da sua montanha de culpa injustificada tão fa-
cilmente, mesmo considerando seu enorme progresso. Ela foi morar temporariamente com a
mãe, que por sinal estava indo muito bem, e resolveu procurar outro emprego. Porém, sem-
pre que Elliot telefonava e desmoronava no telefone, ela era lançada de volta para dentro do
FOG.
Coloquei uma cadeira vazia à sua frente e sugeri a ela que imaginasse Elliot sentado
nela. Então, pedi para ela se ajoelhar na frente da cadeira e dizer “Eu sei que você não pode
viver sem mim, por isso nunca sairei da sua vida. Vou voltar e jamais irei deixa-lo. Desisti-
rei de todos os meus sonhos, minhas aspirações e minha vida por causa de você. Não irei
pedir coisa alguma para mim. Vou tomar conta de você para sempre”.
Eve olhou para mim como se eu estivesse louca.
“Você está brincando?!”, exclamou espantada. "Eu jamais vou dizer uma coisa des-
sas!”.
“Faça o que estou pedindo”, disse a ela.
Com relutância, Eve obedeceu. Quase na metade do que ia dizendo ela parou e disse:
“Espere um pouco! Isto é ridículo. Sei que sou sensível demais, mas não sou idiota!
Não vou voltar! Vou ter uma vida minha! Eu não fiz Elliot ser o que ele é – por que tenho de
consertar as coisas?".
Esse tipo de trabalho chama-se terapia paradoxal. Um paradoxo é uma contradição e
se refere a algo que pode parecer absurdo ou ridículo à primeira vista, mas que na realidade
contém algumas verdades básicas. A terapia paradoxal é maravilhosamente eficaz. Como
vimos, Eve teve sua alma instigada pelo absurdo do que eu pedi que dissesse, e ela se rebe-
lou. Embora ela jamais tivesse realmente podido dizer aquelas palavras para Elliot, até re-
centemente seu comportamento dizia por ela. O paradoxo levou-a a assumir o extremo do
21
A mesma ideia da “Redução ao absurdo” (reductio ad absurdum), uma forma de refutar filosoficamente uma situa-
ção apontando para as consequências inaceitáveis (ou absurdas) a que essa situação conduz.
ridículo de sua culpa e ver o quanto era imerecida. Uma vez feito isso, ela estava a caminho
da liberdade.
Algumas semanas depois, Eve anunciou que tinha arranjado um emprego de nível
básico numa agência de publicidade. Estava muito diferente da jovem encurralada e deses-
perançada que eu havia conhecido cinco meses antes. Perguntei se ela se lembrava de ter
dito que estava certa de que iria “'morrer de culpa” se um dia deixasse Elliot.
“Bem, eu nunca vi alguém morrer de culpa e não pretendo ser a primeira” ela disse.
“Apenas tenho que me tornar forte e financeiramente independente. Estou plenamente quali-
ficada para viver do meu trabalho, e tudo de que preciso é um apartamento de um quarto e
um automóvel que funcione. Água corrente e um carro andando. Isso eu posso conseguir e
estou muito bem assim”.
Certamente que estava.
Jan estava confusa quando me procurou depois de dizer para a irmã que não podia
emprestar o dinheiro.
Eu sei que foi a coisa certa, mas não consigo me livrar da ideia de que fiz uma coisa
terrível. Ela está mesmo em apuros. Quando penso nisso, todos aqueles velhos chavões me
vêm à mente: a família é tudo o que você tem, perdoe e esqueça, o sangue é mais forte do
que a água, o passado é passado. Resumindo, ela é minha irmã. Está com problemas e não
me sinto bem em deixa-la à mercê da sorte.
Jan estava travando uma batalha interior entre o que sabia e o que não podia deixar
de esperar. Era como se tudo aquilo que aprendeu, a duras e dolorosas penas durante todos
os anos de contato com Carol, não pudesse penetrar o suficiente para derrotar o seu senti-
mento de culpa.
Quando o inconsciente resiste a uma mudança saudável, descobri que o uso de metá-
foras e histórias é muito eficiente para alcançá-la em vez da conversa terapêutica tradicio-
nal. Para ajudar Jan a fazer isso, pedi a ela para escrever um conto de fadas sobre seu relaci-
onamento com a irmã. “Vai ser mesmo um conto de Grimm”, ela disse, ironicamente. “En-
tão, como é que faço isso?”
Eu disse que ela podia escrever o que quisesse, mas usando a linguagem e as imagens
de um conto de fadas, na terceira pessoa e se não com um final feliz, pelo menos com algu-
ma esperança.
A história que Jan escreveu é muito especial e quero compartilhar com vocês:
Era uma vez duas princesinhas. Uma era a favorita do rei e seus guarda-roupas es-
tavam cheios de belos vestidos e joias. Ela passeava numa carruagem de ouro e bastava
desejar uma coisa que seu desejo era realizado. A outra princesinha era a favorita da rai-
nha. Esta princesa era inteligente e corajosa, mas aparentemente não teria nada na vida,
porque a outra princesinha contou mentiras para o rei só para que a irmã parecesse mal
aos olhos dele. Assim, a pobre princesa vestia as roupas que a irmã não queria mais, e
quando pedia ao rei brinquedos ou cenouras para alimentar seu pônei (ela só tinha um pô-
nei, em vez de uma carruagem), ele dizia: “Vá ser aprendiz de um dos comerciantes da ci-
dade”, o modo rebuscado de o rei dizer: “Vá arranjar um emprego!”. Então a pobre prin-
cesinha foi trabalhar para o joalheiro da cidade, que a ensinou a fazer coisas belas e res-
peitava seu talento e sua dedicação.
Quando as princesas cresceram, a princesa mimada casou com um sapo que não se
importava se ela sabia cozinhar ou trabalhar. Oh, o sapo era belo, mas um perdulário e não
servia para nada. Ele a amava por sua riqueza, que ele queria para investir em terras pan-
tanosas e inúteis. Logo, todas as joias da princesa mimada desapareceram, e ela e o sapo
foram obrigados a pedir esmola. Isso foi uma grande humilhação para a princesa mimada.
Enquanto isso, a pobre princesinha tinha trabalhado arduamente e teve grande su-
cesso na vida. O bondoso joalheiro da cidade deixou sua loja para ela quando ficou velho
demais para trabalhar, e eram famosas as mais belas coroas e os mais belos anéis que ela
fazia. Tinha agora sua própria joalheria, Joalheria Princesa, e orgulhava-se do seu traba-
lho. A única tristeza em sua vida era a lembrança de como o pai e a irmã a tratavam quan-
do ela era pequena.
Assim, quando a princesa egoísta bateu em sua porta implorando a ela algumas joi-
as para que sua carruagem e seu castelo não fossem tomados pelos credores, a princesa
trabalhadora se viu num dilema terrível. “Por favor, me ajude”, implorou a princesa egoís-
ta. “Eu sei que nunca fui boa para você, mas se me der um pouco do que conseguiu com
tanto trabalho, eu serei tudo o que uma irmã deve ser”.
A princesa trabalhadora queria acreditar em sua irmã, e queria muito tê-la em sua
vida. Mas a irmã jamais fora boa para ela e a princesa trabalhadora temia que ela não ti-
vesse mudado. Para ordenar seus pensamentos perturbados ela foi caminhar pelo bosque e
chegou a um lago cristalino. Sentou na margem olhando para o próprio reflexo na água, e
perguntou: “O que devo fazer? O que devo fazer? Sei que minha irmã vai gastar tudo que
eu lhe der, mas como eu gostaria de ter o amor de uma irmã!”. Enquanto falava, uma lá-
grima caiu na água e, quando a superfície voltou a se acalmar, viu o reflexo de seu rosto ser
substituído pelo da sua melhor amiga.
“Você tem uma irmã”, disse o reflexo. “Eu te amo e me importo com você como sua
irmã verdadeira jamais a amou, e você sempre terá uma família como eu tenho”.
A princesa trabalhadora sabia que isso era verdade e quando voltou para casa, disse
para a princesa mimada: “Você não pode ter as joias da minha loja. Você nunca teve um
presente que não tenha perdido no pântano. Eu gostaria que fôssemos mais unidas, mas não
somos, e talvez jamais seremos. As joias não podem mudar isso”.
Jan disse que escrever a história foi algo que lhe deu muita força.
Eu realmente vi a verdade. Minha irmã jamais vai mudar. Mil dólares estão longe de
começar a corrigir o que está errado. Desde que éramos pequenas, Carol tentou tomar as
coisas, mentiu a meu respeito e tentava me deixar mal com minha mãe e com meu pai. Nun-
ca tivemos um bom relacionamento e provavelmente nunca teremos. Mas me senti muito
melhor quando escrevi sobre as duas irmãs. Minhas duas amigas são mais próximas de mim
do que minha verdadeira irmã jamais será. Portanto, não perdi nada – a não ser uma pesa-
da carga de culpa.
Escrever a história na terceira pessoa deu a Jan alguma distância emocional necessá-
ria para que visse o relacionamento com a irmã com absoluta clareza. E coloca-la na forma
de conto de fadas libertou a imaginação, com toda sua criatividade e humor – uma arma po-
derosa contra a culpa. A imaginação é tão leve quanto pesada é a culpa, e tira o peso dos
nossos pensamentos mais sombrios.
Eu o aconselho a escrever seu conto de fadas para obter uma perspectiva mais pro-
funda do relacionamento que o faz sentir culpado. E especialmente eficaz escrever sobre
pessoas da família, mas pode também escrever sobre um/a amigo/a ou um/a parceiro/a (“Era
uma vez um rei e uma rainha. O rei costumava ir para a floresta, mal-humorado, quando não
conseguia o que queria…”). Acho que você vai ficar surpreso e contente com o que pode se
revelar em sua história, e com a luz que isso pode lançar numa situação na qual você tem
estado cego pela culpa.
Sei que dei a você uma grande quantidade de informação e de trabalho neste capítulo,
alguns dos quais podem despertar emoções muito fortes. Você pode sentir tristeza com a
perda da segurança no relacionamento ou uma raiva inevitável contra o chantagista, por sua
manipulação, e contra você mesmo, por ceder tão sistematicamente. Este trabalho pode até
ativar algumas coisas mal resolvidas em sua infância.
Seja gentil consigo mesmo e preste atenção aos seus sentimentos e ao que eles dizem.
Se começar a sentir que o peso é demais para você, algum aconselhamento psicológico pode
ser apropriado, ou procure apoio extra de alguém em quem confia. Lembre-se, não precisa
fazer tudo nas próximas vinte e quatro horas. Siga com seu passo habitual e escolha os exer-
cícios e tarefas que se aplicam ao seu caso. Garanto a você que vale o esforço por isso.
12. EPÍLOGO
O milagre da mudança
Quando você deixa de esperar que a outra pessoa mude e passa a trabalhar o seu pró-
prio comportamento, milagres podem ainda acontecer. A utilização de apenas um dos seus
novos instrumentos pode enviar ondas de mudança através de qualquer relacionamento. Ve-
ja o que aconteceu com Liz e Michael.
“Você não acreditaria se visse como Michael está diferente”, Liz me disse um dia.
“Para ser franca, não pensei que íamos conseguir”.
“Mas, quem mudou primeiro?”, perguntei.
“Acho que fui eu”, Liz respondeu. “Tive dúvidas quando você disse que é assim que
funciona, mas vejo agora que se eu continuasse a agir como antes, jamais teríamos sobrevi-
vido”.
Com um largo sorriso, Liz abriu a bolsa e tirou uma folha de papel dobrada.
“É uma carta que Michael escreveu para sua terapia e me pediu para mostrar a você”.
Era uma carta e tanto!
Olá.
Preciso conversar com você. Gostaria de toda sua atenção para um assunto dc
grande importância para mim. Há algum tempo você vem me causando vários problemas.
Eu não tinha ideia do que estava acontecendo até Liz e John (o terapeuta de Michael)
chamarem minha atenção. Muitas coisas estão mais claras para mim agora e nós dois va-
mos esclarecer tudo agora mesmo.
Estou sofrendo agora devido à tensão e à infelicidade que provoquei por sua causa.
Quando penso como estive perto de perder tudo o que eu amo, por acreditar estupidamente
que podia me sentir poderoso e no controle, pressionando minha mulher para fazer tudo o
que eu queria e punindo-a quando ela não concordava, fico perplexo e furioso com você.
Estou atônito com a amplitude da minha insensibilidade. Pensar que, olhando nos
olhos da minha mulher, eu a tratei de modo mesquinho, degradante e emocionalmente cru-
el, pensando que estava corrigindo certos erros, me enche de dor por magoá-la, pelos mo-
mentos perdidos, pelo amor perdido, por agir exatamente ao contrário do que eu sentia, por
não respeitar e honrar a coisa mais importante de todas: a dignidade e a individualidade
humanas.
Quero que saiba. Senhor Chantagista, que não há lugar dentro de mim para você.
Não estou disposto a negociar ou fazer um acordo a esse respeito. Não é mais possível para
mim.
Sei que não vai ser fácil. Tenho muito que aprender ainda, muitos hábitos para serem
quebrados, muitos temores de parecer fraco, para poder vencer. Mas já fiz coisas difíceis
antes, que não significavam tanto para mim como o que estou fazendo agora, e vou fazer
esta também. Seus dias terminaram, e hoje e amanhã são algo novo e diferente.
Adeus.
Michael
Como muitos alvos de chantagem, Liz depositou sua fé em ceder, acreditando que
podia comprar estabilidade concordando com as exigências de Michael. Ela não tinha como
saber que com isso estava apenas reforçando o comportamento de Michael que os estava
dilacerando. Quando Liz mudou suas respostas a ele, abriu a porta para a aproximação que
ambos desejavam.
“Tudo que posso dizer é que, se isto pode acontecer, então acredito em milagres”, Liz
disse. “Michael voltou para mim – e eu também”.
Não posso garantir que se você fizer esse trabalho sempre será recompensado com
uma resposta espetacular, como a de Michael, dos chantagistas na sua vida. Mas, mesmo
que as pessoas à sua volta mudem muito pouco, você estará diferente e o mundo vai parecer
diferente para você. Vai saber que, se a sobrevivência de um relacionamento só depende da
sua aquiescência às chantagens emocionais, então esse não é um relacionamento que vai
enriquecer seu bem-estar.