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DESENVOLVIMENTO DA AUTORREGULAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: INVESTIGAÇÃO DOS EFEITOS DIRETOS DA INTERVENÇÃO E DE TRANSFERÊNCIA DE GANHOS PARA
COMPORTAMENTO E SAÚDE MENTAL DAS CRIANÇAS E DO PROFESSOR View project
Remediação cognitiva para prevenção de transtornos mentais e promoção cognitiva em adolescentes. View project
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DESENVOLVIMENTO TÍPICO
Dias NM, Seabra AG. Funções executivas: desenvolvimento e intervenção. Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107):206-12.
CORRESPONDÊNCIA
Natália M. Dias
natalia_mdias@yahoo.com.br.
RESUMO
FUNÇÕES EXECUTIVAS: DESENVOLVIMENTO E INTERVENÇÃO: Funções executivas (FE) permitem o controle dos comporta-
mentos, cognições e emoções. Incluem três habilidades principais: inibição, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva. Outras ha-
bilidades, como planejamento e tomada de decisão, são habilidades executivas complexas e emergem da interação entre as habili-
dades principais. O desenvolvimento das FE inicia por volta do primeiro ano de vida, porém essas habilidades apenas estão consoli-
dadas em meados da adolescência, sendo que algumas continuam em desenvolvimento até início da vida adulta. Atualmente, consi-
derando a relevância dessas habilidades para a aprendizagem e para o comportamento, pesquisadores têm se preocupado em deli-
near e investigar procedimentos que promovam ou facilitem o desenvolvimento de FE em crianças. Diferentes abordagens têm sido
empregadas com esse propósito, entre elas os currículos escolares e os programas complementares que, aplicados pelos próprios
professores, têm se mostrado eficazes em promover as FE de crianças. Esses programas empregam técnicas e atividades que pos-
sibilitam que a criança pratique e, assim, desenvolva suas FE. Tais investigações também têm ocorrido no Brasil, o que possibilitou a
disponibilização do primeiro programa para promoção de FE no contexto nacional. A despeito de seu potencial preventivo, estudos
futuros devem considerar o impacto desse tipo de intervenção a curto, médio e longo prazo.
Unitermos: Cognição, Infância, Autorregulação.
ABSTRACT
EXECUTIVE FUNCTIONS: DEVELOPMENT AND INTERVENTION: Executive functions (EF) allow the control of behaviors, cogni-
tions, and emotions. They include three main skills: inhibition, working memory and cognitive flexibility. Other skills, such as planning
and decision making, are complex EF and emerge from the interaction between the main skills. The EF development starts around the
first year of life, but these skills are consolidated only in the mid-teens, and some are still in development until early adulthood. Cur-
rently, considering the importance of EF for learning and behavior, researchers have focused on delineating and investigating proce-
dures that promote or facilitate EF development in children. Different approaches have been employed for this purpose, including
school curricula and supplementary programs that, applied by the teachers themselves, have proven effective in promoting EF in chil-
dren. These programs employ techniques and activities that allow the child to practice and thus develop their EF. Such investigations
have also occurred in Brazil, which allowed the disclosure of the first program to promote EF in the national context. Despite its pre-
ventive potential, future studies should consider the impact of this type of intervention in the short, medium and long term.
Keywords: Cognition, Childhood, Self-regulation.
Funções executivas se referem a um conjunto de habi- des principais: inibição, memória de trabalho e flexibilidade
lidades responsáveis pelo controle top-down do compor- cognitiva. A partir da integração dessas três funções exe-
tamento. Ou seja, essas habilidades atuam no controle e cutivas principais, outras habilidades surgiriam, como, por
na regulação de outros processos comportamentais, o que exemplo, planejamento, tomada de decisão, resolução de
1-4
inclui cognição e emoção , e são requeridas sempre que problemas e mesmo raciocínio, consideradas funções
2
o indivíduo se engaja em tarefas ou situações novas, para executivas complexas .
as quais não possui um esquema comportamental prévio
A primeira das habilidades principais é a inibição ou
ou automatizado, bem como na resolução de problemas e
controle inibitório. Essa habilidade permite ao indivíduo
no estabelecimento de objetivos, sendo fundamentais ao
3,5,6 controlar comportamentos inapropriados, o que é referido
seu funcionamento adaptativo no dia a dia .
como inibição de resposta ou autocontrole. Está também
2,7,8
Um modelo bastante aceito na literatura recente e envolvida no controle dos processos de atenção e dos
9
sugerido pelo estudo de Miyake et al. em 2000 considera pensamentos, o que é designado como controle de interfe-
que as funções executivas se constituem de três habilida- rência. Esse último, na medida em que permite inibir a
206
Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107).
atenção a estímulos irrelevantes, inclui também o conceito depois. Isso mostra o quão importante é o estudo de tais
de atenção seletiva. A inibição é grandemente relevante habilidades e seu adequado desenvolvimento.
em inúmeras tarefas e situações do dia a dia, pois provê
O papel das funções executivas para a aprendizagem
ao indivíduo o controle de seus processos cognitivos, 13
também tem sido destacado recentemente , havendo não
emocionais e comportamentais, suplantando o controle por
apenas evidências da relação entre essas habilidades e o
eventos externos, reações emocionais automáticas, ten- 10,14,15
desempenho escolar , mas também dados acerca da
dências prévias ou habituais. Dessa forma, o indivíduo se
importância dessas habilidades para as competências de
torna capaz de inibir impulsos, comportamentos inadequa- 16-19
leitura e matemática . Isso torna imprescindível a con-
dos, respostas automáticas ou prepotentes, assim como
sideração das habilidades executivas e sua avaliação
estímulos irrelevantes ou distratores, de modo que possa
2 frente à queixa de dificuldade de aprendizagem. Instru-
ponderar e pensar antes de emitir uma resposta .
mentos têm sido desenvolvidos, adaptados e validados no
20-22
Esse componente se assemelha muito ao conceito de contexto nacional para lidar com essa demanda .
autorregulação, habilidade que permite o ajustamento e a
Para além de seu papel na aprendizagem, alterações
adaptação do indivíduo, o que ocorre por meio do monito-
nas funções executivas têm sido documentadas em diver-
ramento, regulação e controle de seus estados motivacio- 23
10 2 sos quadros (veja Dias et al. para uma revisão de altera-
nal, emocional e cognitivo . Para Diamond , os conceitos
ções nessas habilidades na infância e adolescência), co-
de inibição e autorregulação se sobrepõem, sendo que o
mo Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade
último incluiria também a ativação cognitiva, emocional e
(TDAH), abuso de substâncias, quadros sindrômicos,
motivacional.
como Síndrome de Down e Síndrome de Prader-Willi,
Por sua vez, a memória de trabalho, segunda habilida- Transtornos do Espectro do Autismo, entre outros. Recen-
de das funções executivas, refere-se à manutenção da temente, porém, alterações nessas habilidades têm sido
informação em mente por tempo limitado e à habilidade de encontradas em crianças e adolescentes na ausência de
manipular mentalmente essa informação, seja atualizando qualquer quadro diagnóstico. Ou seja, em alguns casos,
os dados necessários a uma atividade, seja utilizando-os essas habilidades podem não estar se desenvolvendo
24
na realização da tarefa. Essa habilidade permite que o adequadamente . Essa constatação coloca duas impor-
indivíduo possa relacionar ideias, integrar informações tantes questões, as quais este artigo buscará responder:
presentes com outras armazenadas na memória de longo 1) Qual o desenvolvimento normal das funções executi-
prazo e lembrar sequências ou ordens de acontecimentos. vas? É necessário conhecer o desenvolvimento de tais
Está, portanto, relacionada à memória sequencial e à habilidades para que se possam identificar alterações
projeção de sequências de ações no futuro, o que é fun- nesse curso?, e 2) É possível promover o desenvolvimento
damental, por exemplo, para a organização e o planeja- dessas habilidades? Se sim, como?
2,11
mento de comportamentos complexos .
Por fim, a terceira habilidade das funções executivas é a Desenvolvimento
Desenvolvimento das funções executivas
executivas
flexibilidade cognitiva, que permite ao indivíduo adaptar-se
às demandas do ambiente e adequar seu comportamento a Dois pontos são importantes ao se considerar como as
novas regras. Envolve a habilidade de mudar o foco de funções executivas surgem e se desenvolvem. O primeiro
atenção e de perspectiva e tem sido relacionada à criativi- deles refere que essas funções possuem um longo curso de
dade. Assim, a flexibilidade possibilita que o indivíduo abor- desenvolvimento, isto é, iniciam seu desenvolvimento pre-
de um problema a partir de uma perspectiva diferente e cocemente na infância, por volta dos 12 meses, em um
possa gerar soluções alternativas ou novas, sem manter-se trajeto até a adolescência ou mesmo a vida adulta inicial. O
2
preso a padrões pré-estabelecidos de comportamento . segundo, que os distintos componentes das funções execu-
tivas parecem seguir trajetos de desenvolvimento distintos,
Para se compreender a relevância dessas habilidades,
12 com algumas habilidades já mais bem estabelecidas na
pode-se recorrer aos resultados de Moffitt et al. . Os auto-
adolescência, enquanto que aquelas mais complexas atingi-
res avaliaram e acompanharam 1.000 crianças em uma 13,24-31
riam maturação mais tardiamente no ciclo vital .
investigação longitudinal de 30 anos. Concluíram que
aqueles com melhores habilidades executivas durante a Apesar desse longo curso de desenvolvimento e do fa-
infância tenderam a apresentar, quando adolescentes e to de que diferentes habilidades se consolidam em diferen-
adultos, menores taxas de evasão escolar, menor propen- tes momentos, evidências apontam que a infância parece
são ao abuso de substâncias e envolvimento em crimes, ser um período importante para o desenvolvimento das
melhores índices de saúde (física e mental) e maior su- funções executivas. Em recente estudo acerca do desen-
cesso profissional. Ou seja, as funções executivas na volvimento dessas habilidades dos 5 aos 17 anos, Best et
26
infância podem predizer índices tão relevantes quanto os al. verificaram que as funções executivas se desenvol-
de saúde, prosperidade e criminalidade, três décadas vem rapidamente na infância (maior efeito de idade em
207
Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107).
crianças de 5 a 7 anos), com mudanças mais modestas inadequado, agressivo por exemplo, e agir de modo “adap-
ocorrendo em crianças mais velhas e mesmo durante a tativo”, adequando seu comportamento às demandas e
adolescência (efeito apenas moderado entre 8 e 15 anos e regras sociais, inclusive controlando suas emoções. Nessa
pequeno entre 15 e 17 anos). idade, as crianças já são capazes de avaliar o produto de
suas ações (por exemplo, “meu desenho ficou muito boni-
Há evidências de que a primeira habilidade a emergir
24 to”), o que é um ato metacognitivo. Podem, ainda, distin-
seja a inibição , por volta dos 12 meses. Porém, nesse
guir entre o que devem ou não fazer, que comportamentos
estágio de desenvolvimento, essa habilidade é ainda muito
são ou não adequados, e sentem desconforto na trans-
incipiente e, até aproximadamente os 3 anos de idade, os
gressão, o que significa que são capazes de compreender,
comportamentos infantis ainda são predominantemente
13 apesar de nem sempre serem capazes de seguir as regras
espontâneos, refletindo reações ao ambiente . É apenas 33
que lhes são impostas .
entre 4 e 5 anos que as crianças se tornam progressiva-
mente mais capazes de inibir a reação inicial e de agir de Entre os 3 e 5 anos, a aquisição da linguagem dá à cri-
modo mais ponderado. Apesar de emergir em idade pre- ança uma importante ferramenta de controle e regulação.
coce, a inibição tem um desenvolvimento mais pronuncia- A fala autodirecionada pode, assim, ser utilizada para
do entre 3 e 5 anos de idade, continuando até a adoles- manejo do comportamento do outro e, depois, do seu
25,30
cência, quando atinge nível equivalente ao do adulto . próprio. Essa estratégia é evidente em crianças com ida-
des entre 3 e 5 anos e é totalmente internalizada apenas
Após os 12 meses, evidências sugerem a emergência
32 entre 9 e 12 anos. E, mesmo após essa idade, essa estra-
da habilidade de memória de trabalho . Mas é apenas a
tégia ainda pode ser utilizada quando a dificuldade da tarefa
partir dos 3, até aproximadamente os 5 anos de idade, que
é elevada, por exemplo. A internalização da fala facilita o
as crianças precisarão cada vez menos da presença e da
cumprimento de regras e o uso de estratégias de solução de
manipulação física do objeto para pensar sobre ele. Nesse 24
problemas, autoinstrução e automonitoramento .
período, elas se tornam capazes de criar imagens mentais e
13
operar sobre elas . Por exemplo, na resolução de um que- Dessa forma, inicialmente, até os 3 anos de idade emer-
bra-cabeça, uma criança com até 3 anos de idade experi- gem habilidades básicas; e, entre 3 e 5 anos, tais habilida-
mentaria peça a peça para completar um quadro com um des, ainda em desenvolvimento, são integradas, permitin-
item faltante. Já em torno dos 5 anos, a criança se torna do à criança maior controle de seu comportamento. Nesse
capaz de manipular o conjunto mentalmente; ela ignora período há a emergência e o desenvolvimento de habilida-
peças muito pequenas ou grandes, aquelas obviamente des tais como inibição, atenção seletiva, memória de tra-
erradas, e seleciona apenas aquelas com maior possibilida- balho e de aspectos metacognitivos, que permitem à cri-
de de completar o quadro. Ela não precisa mais tentar en- ança avaliar o produto de suas ações e saber se um com-
caixar uma a uma, pois já ponderou as características da portamento é, ou não, adequado às regras ou a contextos
situação mentalmente. A literatura da área destaca que a específicos. A partir dessa idade, dos 5 aos 6 anos, as
memória de trabalho continua a desenvolver-se ao longo da crianças se tornam capazes de se engajar em comporta-
29 25,27,30
infância e adolescência até a vida adulta inicial . mentos mais complexos, tomar decisões e planejar, dividir
2 comportamentos complexos em sequências e os recombi-
Com relação à flexibilidade, Diamond considera que
nar em novas formas para resolução de novos problemas
essa habilidade começaria a se desenvolver mais tardia-
ou objetivos, o que exige a atuação integrada de outras
mente em relação à inibição e à memória de trabalho, 13,24,33,34
habilidades do funcionamento executivo .
pois, em certa medida, envolveria essas outras habilida-
des. Por exemplo, para tomar uma perspectiva diferente, Um ponto relevante a se considerar é que o curso lento
seria necessário, antes, inibir a perspectiva prévia e, ain- e progressivo de desenvolvimento das funções executivas,
da, ativar na memória de trabalho a nova abordagem ao de idades precoces até a vida adulta, pode possibilitar
problema. Algumas evidências sugerem que a flexibilidade uma ampla janela de vulnerabilidade, de modo que altera-
apresenta desenvolvimento significativo entre 5 e 7 anos ções precoces no desenvolvimento dessas habilidades
de idade, apesar de contínuo crescimento ao longo da podem acarretar consequências diversas em curto, médio
25 34
infância e adolescência . Outras evidências sugerem que e longo prazo . No entanto, essa janela pode também
essa habilidade se desenvolve até aproximadamente os prover oportunidade para a estimulação e a promoção do
30
15 anos , enquanto que outros estudos ainda não encon- desenvolvimento dessas habilidades, o que será abordado
traram um nível de desempenho equivalente ao do adulto no tópico seguinte.
27
em adolescentes .
Retomando um antigo debate da psicologia, nature and
Entre os 4 e 5 anos, progressivamente, desenvolvem- nurture, que poderia ser traduzido como natureza (referin-
se as habilidades de focalizar a atenção e de recordar-se do-se aos aspectos biológicos, genéticos) e ambiente,
de algum evento de forma deliberada, ignorar distratores, ambos estão implicados no desenvolvimento das funções
postergar gratificação, interromper um comportamento executivas. O córtex pré-frontal, uma das principais estru-
208
Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107).
turas do substrato neurológico das habilidades executivas, Desse modo, fica evidente a importância do desenvol-
é a última região cerebral a atingir maturação. A mieliniza- vimento das funções executivas, mesmo em fase precoce
ção das fibras se inicia em estágios precoces do desenvol- da vida, e não somente pelo seu impacto em curto prazo,
vimento e, especificamente nos lobos pré-frontais, continua mas pelo potencial preventivo de dificuldades futuras. O
até o início da vida adulta, quando essa estrutura atinge leitor interessado em reabilitação de funções executivas
maturidade. O curso temporal desse processo de matura- em pacientes neurológicos ou mesmo psiquiátricos poderá
43
ção assim como de suas conexões subcorticais encontra consultar Sohlberg e Mateer para uma revisão mais
alta correspondência com o curso de desenvolvimento das específica. Neste tópico será abordada a promoção do
24,35
funções executivas . Outros marcos de maturação impor- desenvolvimento das habilidades executivas em crianças.
tantes ocorrem no mesmo período: por exemplo, o aumento 7
Em uma revisão recente sobre o tema, Diamond e Lee
da substância cinzenta, caracterizado principalmente pelo
apresentaram seis diferentes abordagens para promover
crescimento no número de sinapses, cujo pico se dá antes
funções executivas nos primeiros anos escolares, em
dos 5 anos, havendo uma subsequente redução dessas
crianças de 4 a 12 anos, aproximadamente. A primeira
conexões, chamada poda neuronal. Um segundo período
abordagem mencionada é o Treino Computadorizado, que,
de crescimento da substância cinzenta se inicia novamente
em geral, são jogos computadorizados com progressivo
entre 11 e 12 anos, seguido de novo episódio de poda.
aumento da demanda sobre habilidades específicas. No
Esses períodos de crescimento se caracterizam por fases
entanto, as evidências a favor dessa abordagem são con-
de rápido aprendizado e desenvolvimento, enquanto que, na
traditórias e uma revisão recente questiona sua eficácia,
redução subsequente, há a consolidação das novas capaci-
24 principalmente no que tange à generalização de ganhos
dades e aprendizados adquiridos . 44
na habilidade treinada para outras áreas e situações . De
Por outro lado, evidências também têm sugerido impor- fato, não basta melhorar no treino e em testes similares à
tante papel do ambiente no desenvolvimento das funções situação de treinamento. É fundamental que o indivíduo
executivas. Por exemplo, crianças que vivem em ambien- possa se beneficiar do ganho na habilidade para seu de-
tes desorganizados, cujos pais têm dificuldades de plane- sempenho e funcionamento em tarefas do dia a dia. Outra
jamento, apresentam maior probabilidade de terem prejuí- abordagem combina jogos computadorizados e não com-
24
zos executivos . A literatura também aponta que diversas putadorizados e, assim como o modelo anterior, os resul-
variáveis ambientais parecem impactar o desenvolvimento tados parecem ser específicos para a habilidade treinada e
36
dessas habilidades, como nível socioeconômico , cultu- em tarefas também específicas. Ou seja, melhorar o de-
37,38
ra , ambiente familiar e estilo de interação entre a cri- sempenho durante o treino não é suficiente para que haja
39-41
ança e seus pais . Mais recentemente, evidências tam- transferência para outras atividades, e o desenvolvimento
bém sugerem que artes marciais, práticas contemplativas, das funções executivas deveria ter como objetivo final
como meditação, e intervenções conduzidas no contexto promover o funcionamento adaptativo do indivíduo.
escolar, como currículos escolares específicos ou mesmo
A terceira abordagem se refere aos exercícios aeróbi-
complementares, também podem impactar o desenvolvi-
cos. Alguns estudos sugerem ganhos em flexibilidade
mento das funções executivas e ser utilizados para pro-
7 cognitiva, e também em criatividade, em crianças de 8 a
movê-las com resultados bastante promissores .
12 anos de idade com a prática de exercícios aeróbicos, e
que tais ganhos são maiores do que os observados na
Intervenções para promoção educação física padrão. A prática regular de esportes pode
impactar ainda mais as funções executivas do que as
das funções executivas atividades aeróbicas, pois demandam atenção sustentada,
memória de trabalho e disciplina, além de favorecer a
7
A maioria das intervenções delineadas para crianças com interação social .
pobres habilidades executivas objetiva remediar as conse- A quarta abordagem se refere às artes marciais e prá-
quências do déficit, e não tentar preveni-los. Promover o ticas de contemplação mental (mindfulness). De fato, as
desenvolvimento dessas habilidades precocemente, no en- artes marciais tradicionais têm como foco o desenvolvi-
tanto, pode acarretar benefícios de curto a longo prazo nos mento do autocontrole e disciplina. O treino contemplativo,
âmbitos escolar e social. Um maior desenvolvimento dessas por sua vez, envolve o controle top-down da atenção.
habilidades pode promover melhor adaptação e rendimento Além de ganhos em habilidades executivas, essas práticas
escolar, além de prevenir uma série de problemas sociais e têm algumas evidências de generalização de ganhos para
de saúde mental, o que pode mesmo conduzir à diminuição outras áreas e atividades.
nos custos sociais relacionados a comportamentos desadap- 7
tativos e antissociais, incluindo adição a substâncias, e no A quinta abordagem consiste nos currículos escolares .
diagnóstico de desordens do funcionamento executivo, a Um currículo que promove o desenvolvimento de habilida-
exemplo do TDAH e do Transtorno de Conduta .
42 des executivas e tem sido foco de alguns estudos é o “Tools
209
Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107).
13
of the Mind” (em português, Ferramentas da Mente) . Em em regular seu comportamento podem se utilizar dessas
um desses estudos, com crianças com idade média de 5 habilidades na aprendizagem, explicando os ganhos em
anos, constatou-se que a participação no programa levou a áreas não diretamente endereçadas nesses programas.
ganhos significativos de memória de trabalho, controle inibi-
O que esses programas curriculares e complementa-
tório e flexibilidade cognitiva que se generalizaram e foram 13,24,46,47,50
res possuem em comum, e que são alguns dos
transferidos para novas atividades, diferentes daquelas
42 aspectos relevantes para a promoção das funções execu-
conduzidas em sala de aula . Outro estudo, conduzido com
tivas, são: (1) foco em “como aprender” e não só no produ-
crianças de 3 e 4 anos de idade, evidenciou que a participa-
to final, refletindo a opinião unânime dos autores de que as
ção no mesmo programa proveu ganhos na autorregulação
habilidades executivas precisam e devem ser ensinadas;
e no funcionamento executivo, sendo que o grupo experi-
(2) promoção de oportunidades para que a criança possa
mental obteve maior sucesso e superou o grupo-controle
45 praticar e exercitar funções executivas em diferentes situa-
em medidas de comportamento social .
ções. Isso pode se dar de diferentes maneiras e em diferen-
A sexta e última abordagem apresenta os programas tes tipos de atividades, como no planejamento da brincadei-
curriculares complementares. A exemplo dos currículos, ra em “Tools of the Mind”; a partir de uma narrativa, como
em tais programas os professores são treinados e, eles em “Sarilhos do Amarelo”; ou pelo ensino de estratégias,
mesmos, implementam as atividades em suas salas de como proposto por Meltzer e por Dawson e Guare; (3) ênfa-
aula. Evidências apontam ganhos em habilidades executi- se no uso da linguagem como ferramenta autorregulatória;
vas e generalização dos ganhos para outras áreas, como (4) condução de atividades em pares ou grupos maiores
7
desempenho escolar . O programa “Sarilhos do Amarelo”, para permitir a regulação mútua de comportamentos; (5)
33
dos autores portugueses Rosário et al. , pode ser enqua- uso de mediadores e/ou ensino de estratégias; (6) instru-
drado nessa categoria. Aplicado a pré-escolares de 5 anos ção direta e explícita, com recurso à modelagem e prática;
de idade, os autores verificaram que as crianças foram (7) necessidade do envolvimento e engajamento da crian-
capazes de utilizar as estratégias implementadas no pro- ça no processo; e (8) modo de interação e papel do pro-
grama (planejamento, execução, avaliação) em outras fessor, com clara ênfase em oferecer maior suporte inicial
46
atividades, ainda que em contexto de sala de aula . Ou- e, gradativamente, retirar esse apoio, provendo autonomia
24
tros programas, como os sugeridos por Dawson e Guare crescente à criança.
47
e Meltzer , também podem ser tomados como curricula-
O relatório Self-regulated learning: a literature rewiew
res complementares. Esses programas visam a ensinar
(Aprendizagem autorregulada: revisão da literatura), do
estratégias que auxiliem as crianças a inibir impulsos,
Instituto de Educação de Londres, apresenta ainda outros
planejar, organizar-se, focalizar a atenção e mesmo regu-
programas interventivos e iniciativas políticas, cujo objetivo
lar suas emoções. Podem ser utilizados em contexto de
é estimular e desenvolver habilidades executivas e promo-
sala de aula com todos os estudantes, mas também para
ver autorregulação em diversas faixas etárias, como Brai-
endereçar dificuldades específicas de algumas crianças ou
nology, Learning to Learn, Visible Thinking, Personal Lear-
mesmo adolescentes, com evidências de sua eficácia já
48 ning and Thinking Skills, Social and Emotional Aspects of
documentadas na literatura .
Learning, Tools of the Mind, Deep Learning, Value Scho-
Apesar das diferentes abordagens ao desenvolvimento ols, Penn Resiliency Programme e Self-regulation Empo-
das funções executivas, pode-se compreender que os currí- werment Programme. Todos focalizam o desenvolvimento
culos escolares ou os programas curriculares complementa- de habilidades, ensino de estratégias, manejo de emoções
res poderiam ser os mais úteis, no sentido em que, imple- e comportamentos, visando à autonomia do aprendiz. Para
mentados nas escolas de Educação Infantil ou mesmo no os autores do relatório, a abordagem à autorregulação
Ensino Fundamental, permitiriam acesso a um grande nú- deve ser parte dos programas de aprendizagem. Relevam
mero de crianças, que muitas vezes não dispõem de recur- ainda que, ao menos em seu país, nos últimos anos tem
51
sos para práticas extracurriculares de meditação, artes sido crescente o interesse político nessa área .
marciais ou outros esportes. Também, em relação aos trei-
No Brasil, estudos sobre programas interventivos e sua
nos (computadorizados ou não), as abordagens curriculares
eficácia na promoção de funções executivas em crianças
possuem um caráter mais ecológico, possibilitando endere-
são ainda escassos. Até a data, há apenas um programa
çar as funções executivas de forma mais global, o que pode
desenvolvido, empiricamente testado e disponibilizado no
facilitar a generalização e transferência de ganhos.
país, o Programa de Intervenção em Autorregulação e
50
De fato, há evidências de que crianças expostas a cur- Funções Executivas ou PIAFEx .
rículos ou programas complementares que visam ao de-
No PIAFEx, a promoção de habilidades executivas é
senvolvimento das funções executivas possuem ganhos em
47-49 compreendida como resultado da prática intencionada,
áreas de desempenho escolar . Crianças mais hábeis
proporcionada por uma postura e interação educativa que
em focalizar a atenção, inibir impulsos, em fazer planos e
demande tais habilidades. Nesse sentido, constitui-se de
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Temas sobre Desenvolvimento 2013; 19(107).
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