A REVISÃO DA LÍNGUA
PERIODIZAÇÃO
NEOLO GISMOS
A PRONUNCIA
O debate em tomo da ortografia refletia o desejo de registrar
graficamente a pronúncia brasileira. Todavia, para essa finalidade,
a formação lingüística no Brasil era bastante deficitária, como se
depreende das denúncias de AMADEU AMARAL, já em 1925.
Com poucas exceções, os trabalhos, nesse campo, continuavam apresen
tando caráter impressionista, tal como o de PEDRA BRANCA, um
século antes.(T0) Até fins dos anos 30 eram quase exclusivamente os
portugueses os teóricos seguidos no Brasil.
No entanto, não são poucas as tentativas de descrição da pro
núncia brasileira, tanto no âmbito das monografias gerais sobre o
português do Brasil, em que se cotejam as diferenças, relativamente
a Portugal, quanto naquelas que exploram um só aspecto regional.
A característica mais comum a estes trabalhos era a sua finalidade
prática, conforme se pode verificar na obra dos autores que mais se
distinguiram no tratamento do assunto: JOÃO RIBEIRO, ANTENOR
NASCENTES, CÂNDIDO JUCÁ (Filho).
Em 1916, JOÃO RIBEIRO, como relator da Comissão de Ins
trução Pública, recomendava a pronúncia carioca como “padrão ortoé-
pico normal” (71), parecer que reitera em 1927, ao tratar da fixação da
pronúncia para o canto erudito — assunto que seria retomado dez
anos depois, em São Paulo, no Primeiro Congresso da Língua Na
cional Cantada, em que prevaleceu essa opinião. Note-se, de passa
gem, que, não obstante ser aquela a finalidade do Congresso, as
teses apresentadas focalizavam fatos de pronúncia regional, no caso,
pouco pertinentes.(72) Finalmente, em 1929, JOÃO RIBEIRO, voltou
ao assunto, na Academia Brasileira de Letras, que então cogitava
da organização de uma “gramática geral brasileira”.(78)
ANTENOR NASCENTES, preocupado com a questão desde os
tempos de O linguajar carioca em 1922, tratou de pôr em prática suas
idéias em 1930, quando sugeriu ao então Diretor Geral da Instrução
Pública do Distrito Federal, professor FERNANDO DE AZEVEDO, a
constituição de uma comissão destinada a fixar uma pronúncia-pa-
drão para o ensino nas escolas primárias, profissionais e normais.
Acolhida a sugestão, iniciaram-se os trabalhos da Comissão, de que o
próprio ANTENOR NASCENTES era parte. Começou-se por recolher
os “votos de seus membros quanto à natureza dos fonemas existentes
na fala do Distrito Federal e o modo de pronunciá-los”, “para
depois ir a diversos estabelecimentos de ensino ouvir estes mesmos
fonemas pronunciados de modo espontâneo”.(74) Dessa forma, “de
pois de várias reuniões semanais ficou estabelecido o quadro geral
dos fonemas e, ouvindo cerca de cem crianças cariocas e filhas de
pais cariocas, de todas as classes ( . . . ) ” , encerrou-se a coleta do
material.<75)
Como relator dos trabalhos, ANTENOR NASCENTES, ciente das
deficiências da pesquisa, lamentava a impossibilidade de “conseguir
a gravação em discos” e o caráter precário dos resultados: “mais
tarde, também, quando estiver montado o Gabinete de fonética ex
perimental do Colégio Pedro II, estes resultados poderão ser apre
ciados a fim de que possam ser corrigidos nas falhas que apre
sentarem”. (76)
Quanto à finalidade imediata da pesquisa, que visava ao en
sino, os acontecimentos políticos de 1930 impediram que as con
clusões fossem postas em prática imediatamente. Só na gestão de
ANÍSIO TEIXEIRA, em 1933, é que ANTENOR NASCENTES con
seguiu reviver a questão, fixando-se, então, “nas escolas do Distrito
Federal um padrão de pronúncia o qual possa orientar o ensino da
leitura”.(77)
Esse padrão de pronúncia é essencialmente o que ANTENOR
NASCENTES descreve em O idioma nacional, 1937.(78)
Quanto à atuação de CÂNDIDO JUCÁ (Filho), destaque-se além
do trabalho apresentado no Primeiro Congresso da Língua Nacional
Cantada (“Problemas de fonologia carioca”), a tese que desenvolveu
no Congresso das Academias de Letras e Sociedades de Cultura Li
terária, 1936.(79) No parecer em que se aprovava a tese, pode ler-se:
“Prosódia da língua: Vantagens de ser fixada uma prosódia literária
da língua, o qual será adotada no teatro, nas escolas de canto e de
declamação, e ensinada nas escolas públicas do país”.(80) Segue-se
uma observação digna de atenção; “ ( . . . ) os foneticistas reconhecem
geralmente quatro tipos de pronúncia: familiar rápida, familiar lenta,
cuidada e solene”.(81) O A., porém, nada explicita do ângulo sodo-
cultural.
Todavia, por essas tentativas, fica bastante clara a necessidade,
já sentida na época, de instituirem-se estudos experimentais de foné
tica. Para tomar contato com essa atividade, CÂNDIDO JUCÁ (Filho)
fez várias visitas ao Instituto de Fonética de Paris e chegou mesmo
a encarregar um amigo, OSVALDO SERPA, de fazer a revisão da re
ferida tese no Laboratório Experimental de Londres, sob controle
de um técnico, ocasião em que algumas das observações do A. foram
confirmadas, outras corrigidas.(82)
Importa notar que, na exposição que faz da pronúncia brasileira,
CÂNDIDO JUCÁ (Filho) utilizou o alfabeto da Associação Fonética
Internacional, por considerá-lo mais fácil do que os demais, para o
leitor comum.(88) Em todo caso, já era um passo além do emprego
acomodado da notação alfabética, então corrente em trabalhos de
fonética no Brasil.
No desenvolvimento de sua tese, CÂNDIDO JUCÁ (Filho) enca
rece as vantagens da pronúncia que descreve, para: 1. garantir a uni
dade nacional, através do teatro, da declamação, da oratória, da
cátedra e do rádio; 2. estabelecer estalão livre de regionalismos,
para o ensino de estrangeiros. Com vista ao bom resultado dessa
prática, aconselha que, nos exercícios escolares de leitura, os mes
tres se esforcem para que seus alunos: 1- “pronunciem LL finais
com o som de L; qualquer que seja”; 2. “articulem RR finais com
clareza, de preferência com o som de R intervocálico”; 3. “sibilem
os SS que ocorrem em fim de frase ou antes de pausa”. Além disso,
1. “devem trabalhar no sentido de impedir o aparecimento de fo-
nemas artificiais entre os vocábulos, qual seja a articulação desse NH
tão freqüente entre o ditongo EM e uma voz, como na frase “Quem
nh-é?”; 2. “devem ainda ensinar a boa articulação do T, do D,
do N e do L, os quais em conexão com o E, e sobretudo com o I
soem ouvir-se um tanto palatizados, aproximando-se defeituosamente
do CH, do DJ e do LH”.(84)
O A., que se vangloria de não ter recorrido, em seu trabalho,
nem à Estatística, nem à Geografia Lingüística, apresenta, pois, uma
pronúncia brasileira ideal.
Desse ângulo, o período 1920-45 corresponde, portanto, a ten
tativas armadas de boa vontade, mas não de fundamentação sufi
ciente. para enfrentar a tarefa que já se afigurava básica para a
caracterização da variante brasileira. Nesse sentido, os anos 50 tra
riam alguns avanços,(85) ficando, porém, os primeiros frutos real
mente apreciáveis para o decênio seguinte.(86)
A par dos trabalhos mais avançados, como os já referidos, de
ANTENOR NASCENTES e CÂNDIDO JUCÁ (Filho), que abordavam
aspectos da prosódia brasileira descritivamente, e com finalidade social,
continuam a proliferar aqueles que procuravam caracterizar comparati-
va-contrastivamente as diferenças entre Portugal e Brasil. Tais estu
dos ocupavam-se mais com as causas do que com os fatos. Dentre
aquelas, são invariavelmente apontadas a “deturpação” devida ao
uso da língua por aloglotas indígenas e africanos, e aos efeitos do
clima. A única inovação, nos trabalhos deste tipo, consistia na in
clusão, entre os aloglotas, do contingente dos imigrantes, segregados
ou não em núcleos, mas alimentados por contínuas levas de falantes
da mesma origem, como os portugueses no Rio de Janeiro,(8T) fato
de que resultam “condições e estímulos novos de crescimento não
só de gente como de culturas”.(88)
A esse propósito, observe-se, à guisa de curiosidade, que, se
gundo depoimento de JOÃO RIBEIRO, nos meios teatrais do Rio de
Janeiro era prestigiado o sotaque português, que os atores nacionais
procuravam imitar.(89)
A GRAMÁTICA
O ENSINO DA LÍNGUA
LÍNGUA LITERÁRIA