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GESTÃO DE MUSEUS:
OPORTUNIDADES E DESAFIOS MUNDO AFORA

Daniele Pereira Canedo1


Carolina Marques2
Archimedes Amazonas3

Resumo: O projeto Gestão Cultural Mundo Afora alia a pesquisa acadêmica com a
atividade de extensão para pesquisar, analisar, discutir e difundir modelos gerenciais na
área cultural com o objetivo de democratizar informações e metodologias de gestão
aplicadas em diferentes setores culturais e países. As experiências de gestores culturais
internacionais são organizadas em episódios de uma webserie disponibilizada
gratuitamente na internet. Este artigo apresenta de forma descritiva os resultados da
primeira temporada do projeto que foi dedicada à gestão de museus e realizada entre
2012 e 2014.

Palavras-chave: cultura, gestão cultural, museus.

Introdução

O papel da cultura e da economia criativa na organização da sociedade


contemporânea nas dimensões simbólica, social e econômica é reconhecido por
governos, organizações supranacionais, empresas privadas e pela sociedade. Todavia,
no que concerne à atuação profissional na organização da cultura, trata-se de um campo
que ainda está em formação e que carece da troca de informações sobre metodologias e
estratégias de gestão. Os recentes cursos de formação acadêmica (bacharelados, pós-
graduações, especializações) ainda são em pequeno número e pouco adequados à
preparação prática dos estudantes com informações atualizadas e de caráter universal
sobre a administração de setores culturais específicos. A bibliografia da área também
está sobretudo focada nos estudos das políticas culturais públicas e privadas, com
poucas publicações voltadas para as especificidades da gestão cultural.

                                                                                                                       
1
Professora do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (Cecult) da Universidade Federal
do Recôncavo do Bahia. E-mail: danielecanedo@ufrb.edu.br
2
Graduada em Produção em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal da Bahia e especialista
em Gestão de Projetos pela UNIFACS. E-mail: carolkirols@gmail.com
3
Professor do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo do
Bahia. E-mail: archieamazonas@gmail.com

 
A necessidade de promover o compartilhamento de experiências práticas de
instituições e gestores atuantes em diferentes setores culturais e países motivou a
idealização do projeto de extensão "Gestão Cultural Mundo Afora". O objetivo é aliar a
pesquisa acadêmica sobre modelos de gestão com a linguagem audiovisual, enquanto
veículo de transmissão do conteúdo, e a internet, como principal porta de difusão e
distribuição do produto final. A proposta metodológica prevê a realização de
temporadas com diferentes objetos a serem pesquisados; a realização e gravação de
entrevistas; e a produção de episódios temáticos por temporada.
A gestão de museus foi escolhida como temática para a primeira temporada, que
foi financiada pelo Fundo de Cultura da Bahia e executada no período de 2012 a 2014.
A execução do projeto pode ser considerada uma produção audiovisual de guerrilha,
pois contou com poucos recursos e uma equipe pequena (APÊNDICE A). Foram
gravadas mais de 30 horas de entrevistas com 23 gestores culturais (QUADRO 1) de
cinco museus do Brasil, do Reino Unido e da Bélgica. Os museus que gentilmente
aceitaram participar da série foram: Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), de
Salvador, Brasil; The National Gallery (TNG) e Natural History Museum (NHM), de
Londres, no Reino Unido; Museum aan de Stroom (MAS), de Antuérpia, e Musées
Royaux des Beaux-Arts de Belgique (MRBAB), de Bruxelas, ambos na Bélgica. Os
museus foram escolhidos observando critérios como público, acervos, implantação de
inovações tecnológicas, bem como a disponibilidade para participar do projeto. O
resultado pode ser conferido em cinco episódios documentais, com duração média de 30
minutos cada. Os temas dos episódios são: 1) Conservação e Restauração de Acervos;
2) Gestão Econômica e Financiamento; 3) Produção de Exposições; 4) A Comunicação
e o Público; e 5) Novas Tecnologias: Digitalização e Interatividade.
A primeira temporada foi lançada para o público de Santo Amaro e do Centro de
Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB) no dia 23 de setembro de 2014, no Teatro Dona Canô; e para o público
de Salvador e da Universidade Federal da Bahia, no dia 06 de outubro de 2014, no
Cinema do Museu, no Museu Geológico da Bahia. Os cinco episódios estão registrados
sob licença Creative Commons e estão disponíveis no site Cultura Mundo Afora
(culturamundoafora.com), em plataformas de compartilhamento de vídeos (Youtube e
Vimeo) e na rede social Facebook. Neste artigo, apresentamos alguns aspectos da gestão
de museus na contemporaneidade que foram discutidos pelos gestores entrevistados.
Museu Entrevistado Setor
Frederik Leen Curadoria e Direção
Musées Royaux des Beaux-Arts de Isabelle Vanhoonacker Departamento de Educação
Belgique (MRBAB) - Michel Draguet Direção
Bruxelas, Bélgica Pierre-Yves Museu Digital
Sophie Van Vliet Produção
Adriana Araújo Arte e Educação
Carolina Câmara Produção
Eliane Moniz Galpão de Oficinas
Museu de Arte Moderna da Bahia
Janaína Chavier Arte e Educação
(MAM-BA)
Luciana Moniz Direção Executiva
Salvador, Brasil
Maria Lúcia Lyrio Conservação
Sandra Regina Jesus Museologia
Stella Carrozzo Direção
Thiago Falcão Comunicação
Museum aan de Stroom (MAS) Carl Depauw Direção
- Antuérpia, Bélgica
Clare Valentine Acervos
Natural History Museum (NHM) -
Emily Smith Comunicação
Londres, Reino Unido
Louise Fitton Exposições Permanentes
Peronel Craddock Exposições Temporárias
Charlote Sexton Mídias Digitais
The National Gallery (TNG)
Jane Ellis Financeiro
Londres, Reino Unido)
Jill Preston Comunicação
Larry Keith Conservação
QUADRO 1: Gestores entrevistados. Série Gestão Cultural Mundo Afora - temporada Museus
Elaboração própria

A gestão de museus na contemporaneidade

A gestão de museus foi escolhida como temática para a primeira temporada


levando em consideração que a atividade museológica vem passando por
questionamentos e transformações que desafiam a manutenção do modelo de gestão
tradicional do setor. O modelo inicial, surgido no contexto da Revolução Francesa para
evitar a destruição de objetos considerados de valor histórico e cultural, promoveu a
criação de museus como depósitos seguros e abertos à visitação da população com o
objetivo de fomentar a identidade nacional e o civismo. Posteriormente, no século XIX,
o setor passou a valorizar os recursos naturais, com a criação de coleções de botânica,
mineralogia, além da etnografia e da arqueologia, nos museus de Ciências Naturais.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, teve início um movimento de
renovação dos objetivos e princípios dos museus buscando transformá-los em centros de
informação e lazer da população. Grandes eventos internacionais foram organizados por
instituições como a UNESCO para discutir o papel dos museus nos países em
desenvolvimento. No período de 1960 a 1980, as lutas por direitos das minorias
motivaram novas reformas no modelo de museus enquanto instituição que simbolizava
a cultura dominante, com foco no acervo, buscando um envolvimento mais efetivo com
as questões sociais e culturais da população.
Nas últimas duas décadas, as mudanças econômicas, tecnológicas e de hábitos
culturais e de consumo da sociedade contemporânea passaram a requerer ações para
tornar os museus mais competitivos e eficientes. O primeiro desafio está relacionado
com a carência de recursos que por vezes tem inviabilizado a sustentabilidade dessas
instituições. No atual cenário brasileiro, por exemplo, os museus em sua maioria, se
encontram em uma dependência quase crônica das verbas públicas, geralmente restritas.
A segunda questão desafiadora está relacionada com a crescente relação entre a
tecnologia e as atividades de entretenimento. Para atrair o público, os museus devem se
modernizar através da digitalização do acervo, da implantação de instrumentos que
permitam maior interatividade e da presença qualificada na internet através de sites e
redes sociais. Todavia, a implantação de novas tecnologias e a promoção de uma
comunicação mais eficiente com o público requer também atualização e capacitação dos
gestores e do corpo funcional.
Tais desafios são comuns a museus espalhados por todo o mundo, embora cada
instituição possua especificidades em relação a tipologias, tamanho do acervo, públicos
e fontes de financiamento. As principais questões debatidas pelos gestores entrevistados
em relação aos desafios e oportunidades da gestão de instituições museais foram
organizados em cinco episódios da série Gestão Cultural Mundo Afora. Nas próximas
páginas, apresentamos resumidamente algumas questões e estratégias inovadoras
apresentadas na série com o intuito de difundir os resultados e convidar o leitor deste
artigo a assistir aos cinco episódios.

Episódio 1 - Conservação e restauração de acervos

No primeiro episódio, os gestores dos cinco museus apresentam as principais


características de cada acervo, comentam sobre a composição dos departamentos de
museologia e explicam as rotinas de conservação e restauro adotadas por cada museu. A
importância dos setores de conservação e restauro na estrutura do museu é acentuada
por Frederik Leen, curador e diretor de acervos do Musées Royaux des Beaux-Arts de
Belgique (MRBAB). Ele afirma que "o objetivo principal de um museu é salvaguardar
uma coleção". Ao explicar sobre o trabalho executado por tais setores, Leen declara:
"Tentamos manter as obras intactas, o máximo possível. Nós fazemos de tudo para
manter os trabalhos como eles são. É claro que o passo seguinte é mostrá-los para o
público. E estudá-los." (informação oral, tradução nossa)4.
Os entrevistados ressaltam dois fatores limitadores para a aquisição de novas
obras e objetos para o acervo. Em primeiro lugar está a questão legal. Antes da
aquisição, é preciso checar a autenticidade das obras, a procedência e a legalidade da
comercialização. Tal preocupação tem relação com o processo histórico de obtenção
ilegal de acervos em processos de dominação e períodos de guerra. Outro fator limitador
para a aquisição de novas peças diz respeito à escassez de recursos para a compra de
obras famosas, principalmente de arte contemporânea.
As condições ideais de conservação do acervo envolvem o controle da
temperatura, da umidade e da exposição ao sol. Todavia, embora estas sejam medidas
simples, é um agravante o fato de que alguns museus estão abrigados em edifícios
históricos, o que dificulta a manutenção das redes elétrica e de ar condicionado. Estes
são os casos do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), localizado à beira-mar,
e do Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique MRBAB, construído em 1808 por
Napoleão Bonaparte. Em outros museus, a solução encontrada foi construir novos
prédios adaptados às necessidades de conservação da coleção, como nos casos do
Natural History Museum (NHM) e do Museum aan de Stroom (MAS). O restauro de
uma obra pode ser iniciado por diversas razões: considerações estéticas provenientes de
pesquisas, estratégias emergenciais para obras com problemas físicos e manutenção
preventiva para peças que vão participar de exposições, entre outras.
Outro desafio está na necessidade de reinventar os museus e novas exposições a
partir do próprio acervo para manter o museu atraente para o público. Um exemplo
disso foi executado pelo MRBAB ao criar, dentro do espaço físico original do
tradicional museu, uma nova área dedicada aos trabalhos do renomado artista belga
René Magritte. As obras já existiam no acervo e não estavam expostas. Segundo explica
Isabelle Vanhoonacker, responsável pelo departamento de Educação, o Museu Magritte,
embora localizado espacialmente e institucionalmente dentro do MRBAB, foi
considerado como um novo museu, o que se configurou como uma oportunidade para a
implementação de novas estratégias, principalmente nas áreas de comunicação,
cenografia e interatividade. Na estratégia executada pelo MRBAB é interessante notar
que a gestão utilizou especificidades do contexto e da cultura local (um artista belga
                                                                                                                       
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LEEN, Frederik, Jane. Episódio 1: Conservação e restauração de acervos. Série Gestão Cultural
Mundo Afora - temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
renomado) para criar um diferencial competitivo em relação a outros museus do mundo.
Com o novo museu, Bruxelas se tornou o principal destino para alguém que deseja
conhecer mais do trabalho de Magritte.
Outra estratégia inovadora apresentada no episódio é a reserva técnica aberta a
visitação do Museum aan de Stroom (MAS), localizado em Antuérpia, também na
Bélgica. Qualquer visitante pode conhecer as obras que não estão nos espaços
expositivos. Trata-se de uma estratégia de diferenciação competitiva que desperta a
curiosidade dos visitantes. A julgar pelos indicadores elevados de público de diferentes
nacionalidades da reserva técnica do MAS, a estratégia tem sido bem sucedida.

Episódio 2 - Financiamento e Gestão Econômica

O segundo episódio ressalta as estratégias de gestão econômica dos cinco


museus localizados em Salvador, Londres, Antuérpia e Bruxelas. Entre outros aspectos,
os gestores apresentam informações sobre vínculos institucionais, planejamento
financeiro, distribuição do orçamento e estratégias inovadoras de captação de recursos.
Os cinco museus que participam da série são museus públicos. Os museus ingleses
NHM e The National Gallery (TNG) são nacionais, assim como o belga MRBAB. O
MAM-BA é um museu do Estado da Bahia e o MAS é um museu da cidade de
Antuérpia. O planejamento financeiro das instituições é feito com uma antecedência que
varia de dois a cinco anos. Todavia, os gestores ressaltam que a previsão orçamentária
pode mudar em razão de crises econômicas e políticas.
Entre os principais custos fixos dos museus estão a conservação do acervo, o
pagamento dos funcionários e a manutenção da estrutura física. A principal dificuldade,
segundo os gestores entrevistados, é que tais custos são elevados e se tornam maiores
com o passar dos anos, embora o montante recebido pelos museus permaneça estável.
Entre os principais custos flutuantes estão a produção de exposições e os programas
educativos. Estes últimos dependem dos recursos excedentes do primeiro grupo.
Segundo Jane Ellis, do TNG, a conservação do acervo é a prioridade absoluta:

A primeira obrigação do gestor é conservar a coleção por um longo tempo e


isso requer um orçamento muito alto e custos fixos que você não pode evitar.
Então, você precisa colocar isso em primeiro lugar e se assegurar de que
tudo foi considerado, antes que você vá adiante e comece a fazer programas
mais facultativos, como por exemplo, programas educativos ou melhoria de
acessos, renovação de espaços expositivos, etc (informação verbal,
tradução nossa)5.

A geração de recursos próprios foi apontada como sendo imprescindível para os


museus na contemporaneidade. As principais fontes de recursos extras são a
comercialização de produtos em lojas físicas e virtuais; bilheteria; restaurantes e cafés;
ações beneficentes; relacionamento com parceiros corporativos e doadores; e aluguel de
espaços físicos. A cobrança de ingressos é uma questão que divide opiniões. Como
todos os museus são públicos, alguns gestores como Jill Preston, do TNG, e Stella
Carrozzo, do MAM-BA, ressaltam a importância de manter as exposições abertas à
visitação gratuita. Todavia, outros gestores advertem que a bilheteria representa uma
entrada de recursos que não pode ser dispensada.
Os dois museus belgas, o MRBAB e o MAS, trabalham com 60% do orçamento
proveniente do poder público e 40% de receitas próprias. Segundo o diretor geral do
MRBAB, Michel Draguet, o custo de manutenção de um museu dividido pelo número
de visitantes resulta em um custo médio de 200 euros por visitante. Todavia, o preço de
ingresso cobrado varia entre oito e dez euros apenas. Já no TNG, que tem uma média de
25% dos recursos provenientes de receitas próprias, a solução encontrada foi manter
acesso gratuito para as exposições de longa duração e cobrar ingresso para as
exposições de curta e média duração. A solução garante que a produção de exposições
seja uma fonte valiosa de recursos, tanto através de venda de bilheteria, quanto de
patrocínio de empresas interessadas em fazer marketing cultural.
Entre as iniciativas inovadoras de captação de recursos é interessante destacar os
programas de adesão corporativa, no qual pessoas físicas ou jurídicas podem se tornar
membros ou "amigos" do museu. Tais membros pagam uma cota de adesão anual e em
troca recebem vantagens como convites para lançamentos de exposições e descontos na
aquisição de produtos. No programa executado pelo MRBAB existem diferentes tipos
de amigos. O objetivo é incluir pessoas com perfis financeiros diferenciados, mas com
vontade de participar e colaborar com o museu. Tais associados atuam como voluntários
do museu, o que contribui para a redução de custos com terceirização de funcionários. A
permuta de serviços também foi efetuada pelo MRBAB para as obras de qualificação do
espaço que se tornaria o Museu Magritte. Como não conseguiu apoio em recursos, a

                                                                                                                       
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ELLIS, Jane. Episódio 2: Gestão Econômica e Financiamento. Série Gestão Cultural Mundo Afora -
temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
instituição negociou parcerias em serviços com grande empresas da Bélgica para a
realização da obra.
O NHM criou uma marca de produtos varejistas que inclui brinquedos,
vestuários, alimentos, eletrodomésticos e utilidades domésticas. Os produtos com a
marca NHM são comercializados em diversas lojas de departamento e supermercados
de Londres. A estratégia comercial da instituição parece atingir dois objetivos - por um
lado, mantém uma fonte de renda extra e, por outro, faz divulgação permanente do
museu por toda a cidade.
O MAS, inaugurado em 2011, é um exemplo de gestão que agrega fontes de
recursos das esferas públicas federal, comunitária (estadual) e municipal, bem como de
apoio privado. Vale ressaltar que na Bélgica não existe uma tradição de apoio privado a
museus. Todavia, quando o museu estava sendo planejado, foi feita uma campanha de
convencimento da população sobre a importância de um museu municipal que
preservasse a memória local. "O que nós tentamos fazer foi seduzir empresas privadas,
mas também seduzir indivíduos, a se tornarem parceiros desta nova ideia, criando um
novo museu e criando um novo prédio", explica Carl Depauw, diretor do MAS
(informação verbal, tradução nossa)6.
Foram criadas duas estratégias principais. A primeira estava destinada a quatro
empresas que se tornariam fundadoras do museu. Além das grandes empresas, o MAS
promoveu um esquema de financiamento coletivo para pessoas físicas com o objetivo
de arrecadar 300 mil euros. O projeto do MAS previa a instalação de 300 "mãos de
metal", símbolo da cidade de Antuérpia, na fachada do prédio. Cada doador que
contribuísse com mil euros teria a sua "mão" na fachada. A estratégia foi bem sucedida.
Para Stella Carrozzo, diretora do MAM-BA, é preciso que haja mais
conscientização do cidadão e das empresas privadas sobre o papel que devem assumir
no apoio à cultura. Todos os gestores entrevistados concordam que é preciso
desenvolver estratégias de financiamento a longo prazo e, cada vez mais, envolver
pessoas físicas e jurídicas no financiamento à cultura.

Episódio 3 - Produção de Exposições

O objetivo do terceiro episódio é acentuar as estratégias dos gestores dos cinco


museus para manter o interesse do público nas exposições que organizam. No episódio,
                                                                                                                       
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DEPAUW, Carl. Episódio 2: Gestão Econômica e Financiamento. Série Gestão Cultural Mundo Afora -
temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
os gestores explicam como organizam o calendário anual; como adaptam os espaços
físicos para exposições de curta, media e longa duração; e as principais estratégias para
modificar a narrativa museológica e atrair novos públicos.
No TNG e no MRBAB, existem exposições fixas que só se alteram quando uma
obra está em restauro, em estudo ou foi emprestada para compor exposições de curta ou
média duração. No NHM, as exposições de longa duração permanecem estáveis por
cerca de dez anos. O MAS e o MAM-BA, por outro lado, preferem não montar
exposições de longa duração. A ideia é que o público possa conhecer um museu
diferente a cada visita. Na média, em todos os museus, as exposições de curta duração
ficam montadas por cerca de três meses. No que concerne ao calendário, o mais comum
é que o museu tenha entre duas e quatro exposições de diferentes tamanhos e formatos
por ano. O acervo pode ser da coleção permanente do museu ou ser composto por peças
emprestadas de outros museus.
Planejamento antecipado é um dos princípios para a produção de exposições. Os
entrevistados ressaltaram que as exposições são planejadas com uma antecedência
média de dois a cinco anos. As ideias para novas exposições partem, em geral, dos
curadores dos museus. Todavia, também é comum que parceiros externos proponham
exposições a serem desenvolvidas no museu. Nestes casos, a execução da proposta pode
ser feita pela equipe interna ou ser totalmente terceirizada. Um dos aspectos prioritários
na decisão sobre novas exposições é a definição do público. As exposições podem ser
pensadas para todos os públicos ou para grupos específicos. A definição do público é
essencial para que o grupo de comunicação defina as estratégias de divulgação.
Segundo os gestores, um dos principais desafios é construir narrativas e
estruturas que atraiam a atenção do público e da mídia e que sejam capazes de gerar
renda através da bilheteria ou do marketing cultural. O desafio se torna ainda maior
tendo em vista a limitada disponibilidade de recursos para as exposições e o
crescimento da competição no campo do entretenimento. Segundo Peronel Craddock,
responsável pelas exposições temporárias do NHM, uma das estratégias do museu é
desenvolver exposições que possam circular em outras cidades do Reino Unido e em
outros países. Nesse intuito, a produção investe em estruturas flexíveis e adaptáveis a
diferentes espaços expositivos. Eles também investem na utilização de materiais e
métodos inovadores para que a exposição continue atual por longo tempo.
Os produtores também buscam inovar nas formas de transmissão de conteúdos.
Em geral, a informação sobre uma peça é organizada em níveis para agradar a diferentes
públicos. No primeiro nível é incluída uma informação genérica para um público que
deseja ler pouco e passar rapidamente pelas peças. Os níveis seguintes apresentam
informações mais detalhadas. Ademais, informações adicionais podem ser
disponibilizadas em computadores e tablets nos espaços expositivos, nos guias,
catálogos e na internet. Os museus estão usando a interatividade para que o usuário
possa decidir sobre os elementos que despertaram mais interesse e sobre os quais
desejariam obter mais informações. O MAS disponibiliza códigos de barra (QR Code)
em todas as peças expostas. Caso deseje, o visitante pode gravar as informações apenas
aproximando aparelhos celulares e tablets das peças. Com o mesmo objetivo, o NHM
disponibiliza para o visitante uma cartão (Nature Plus) que pode armazenar as
informações desejadas. Posteriormente, em casa, a pessoa pode acessar o site do museu,
digitar o código do cartão e obter informações sobre as peças preferidas. Com isso, o
visitante também se torna um membro da comunidade online do museu.
Um outro princípio basilar da produção de exposições é a necessidade de
conhecer o mercado e avaliar as exposições. Em geral, os gestores fizeram referências a
três tipos de avaliação: prévia, processual e final. A avaliação prévia testa estruturas,
protótipos e aplicativos interativos para garantir a efetividade e a durabilidade. A
realização de grupos focais propicia a análise da percepção dos públicos sobre os
conteúdos, as estruturas físicas, a disposição dos elementos, entre outros aspectos. A
avaliação processual aplica questionários a visitantes para mensurar se os objetivos
pretendidos estão sendo alcançados e analisar se as pessoas estão satisfeitas com a
exposição. Por fim, a avaliação final mensura dados quantitativos como visitantes,
investimentos, arrecadação, geração de mídia espontânea; e dados qualitativos como
percepção do público.

Episódio 4 - A comunicação e o público

A compreensão contemporânea sobre o público dos museus está mudando e se


tornando mais inclusiva. Os gestores entrevistados para a série Gestão Cultural Mundo
Afora usam a palavra “públicos”, no plural, para sempre ressaltar que trata-se de
diferentes audiências. Isabelle Vanhoonacker, do Departamento de Educação do
MRBAB explica:

Antes, eu acho, há cerca de 50 anos, o público não era considerado como


algo variável. Existia um público e existia uma dimensão em direção a este
público. Nós, enquanto museu, deveríamos exibir nossas obras de arte e eles,
o público, deveria nos escutar e ver nossas obras e a comunicação acontecia
apenas em uma direção. Enquanto que, hoje em dia, os museus tem que
reconhecer que existem muitos públicos diferentes. Então, nós tentamos
atender às necessidades de cada um dos públicos (informação verbal,
tradução nossa)7.

Nas entrevistas, os gestores citavam alguns tipos de públicos: a pessoa que visita
apenas uma vez para conhecer o museu; o visitante regular, que volta ao museu sempre
que tem uma nova exposição; o turista que está de passagem na cidade e vai ao museu
como um ponto turístico; artistas e profissionais do setor cultural; os associados e
voluntários; os pesquisadores acadêmicos; os visitantes virtuais; e o não-público, ou
seja a pessoa que ainda não conhece o museu, mas é um visitante potencial, e precisa ser
alcançado de alguma forma. Em relação aos perfis socioeconômicos, parece haver um
consenso de que os museus devem ser acessíveis para todos os públicos. Como explica
o diretor do MAS, Carl Depauw, "Nós tentamos desenvolver um produto cultural
diverso que seja interessante não apenas para pessoas de diferentes antecedentes étnicos,
mas também para diferentes idades e outros aspectos"(informação verbal, tradução
nossa)8. Entre os desafios do relacionamento com o público está a necessidade do
museu se comunicar tanto com públicos que o entendem como uma instituição de
pesquisa científica e salvaguarda do patrimônio quanto com públicos que buscam
entretenimento e vão se relacionar com os museus que oferecerem alternativas de
diversão.
Com esta finalidade, os cinco museus que participam da série desenvolvem
ações que buscam oferecer programações alternativas à simples visitação. Tais
iniciativas tem como princípio que o público da contemporaneidade não se contenta
com uma posição passiva diante das exposições. Este novo público espera participar das
atividades e as ações buscam oferecer mecanismos de interatividade para criar uma
relação de proximidade com o visitante. Entre as ações de relacionamento com o
público citadas no episódio estão atividades de mediação cultural, cursos
profissionalizantes, oficinas, palestras, jogos, eventos culturais, entre outros. As ações
são pensadas para o público individual e para grupos de pessoas como famílias, amigos,
estudantes, colegas de trabalho, vizinhos, etc.

                                                                                                                       
7
, VANHOONACKER, Isabelle. Episódio 4: A comunicação e o público. Série Gestão Cultural Mundo
Afora - temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
8
, DEPAUW, Carle. Episódio 4: A comunicação e o público. Série Gestão Cultural Mundo Afora -
temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
Vale ressaltar, por exemplo, a ação do TNG para atrair visitantes adultos no
horário pós-trabalho. Todas as sextas-feiras, o museu londrino fica aberto até mais tarde
e oferece uma ambiência de happy-hour que inclui música ao vivo e bebidas alcoólicas.
O evento se tornou uma referência na cidade e atrai grupos de amigos que passam
algumas horas na galeria antes de sair para jantar ou para dançar, por exemplo. Outra
iniciativa interessante é a do NHM, que desenvolve uma ação chamada "Uma noite no
museu", no qual são oferecidas diversas atividades e brincadeiras para grupos de
pessoas de diferentes idades - crianças e adultos - que querem ter a experiência de
dormir uma noite no meio de esqueletos de dinossauros. Já o MAM-BA apoia a
realização de eventos que agregam outras linguagens artísticas, como o concerto
musical "JAM no MAM" que atrai públicos diversos.
Existem também os ações que visam promover o contato com o público que
nunca visitou o museu. Tais ações também incluem iniciativas que buscam aproximação
com públicos socialmente ou economicamente excluídos das atividades culturais. O
MRBAB executa projetos com imigrantes e moradores de rua da Bélgica. O MAM-BA
desenvolve programas com as comunidades carentes que estão no entorno da
instituição. Nas ações, tanto a equipe dos museus vai às ruas e comunidades quanto as
pessoas e comunidades vão para o museu.
Para atingir todos os públicos, os gestores realizam pesquisas buscando obter o
máximo de informações sobre as demandas e expectativas dos grupos sociais. Eles
apostam na segmentação dos públicos, criando estratégias diferenciadas para se
comunicar com diferentes públicos. Além dos tradicionais métodos de divulgação como
assessoria de imprensa, propaganda e anúncios em guias turísticos e culturais, os
museus estão investindo muito na comunicação direcionada para endereços eletrônicos
e nas redes sociais. Todavia, a estratégia mais importante parece ser a constância e a
regularidade - os gestores advertem que é preciso manter os espaços de comunicação
sempre ativos e atualizados. Ademais, é preciso responder às mensagens do público
com brevidade.

Episódio 5 - Novas tecnologias: digitalização e interatividade

No quinto e último episódio da temporada museu, refletimos sobre como as


novas tecnologias de digitalização e interatividade estão transformando os museus da
contemporaneidade. Os gestores entrevistados relatam como foi o processo de inclusão
das tecnologias da informação e da comunicação na contexto de cada museu, a
importância da digitalização para a documentação dos acervos e os desafios de lidar
com complexos banco de dados de informações.
Os gestores explicam que no processo de digitalização dos acervos, cada objeto
é fotografado com câmeras de altíssima definição. As características dos objetos
também são descritas em detalhes. O TNG, por exemplo, foi pioneiro ao iniciar, em
1998, uma política de digitalização do acervo. Desde 2000, o museu disponibilizou todo
o acervo online para que o público tenha acesso a imagens em altíssima definição, o que
permite a visualização de detalhes que dificilmente são perceptíveis a olhos nus. As
obras estão disponíveis gratuitamente para acesso pessoal, educacional ou cultural; ou
comercialmente para empresas interessadas em utilizar as imagens.
Um dos desafios do processo de digitalização é a necessidade de lidar com as
questões de direitos autorais, pois mesmo que não seja para fins comerciais, o museu
precisa pagar os direitos autorais antes de disponibilizar qualquer imagem na internet.
Uma solução encontrada pelo MRBAB foi procurar os detentores de direitos autorais e
explicar o caráter cultural da digitalização e a importância de disponibilizar os acervos
sem fins lucrativos. A negociação deu resultados positivos e muitos trabalhos foram
liberados para serem disponibilizados na internet.
A digitalização também é um instrumento de acompanhamento e controle das
demandas de restauro. No MAS, cada objeto que foi digitalizado agora tem um código
de barra. A leitura do código permite ter a descrição e a história do objeto, a fotografia e
informações sobre onde o objeto está guardado, a descrição da situação em termos de
conservação, entre outras informações. Os profissionais entrevistados ressaltaram como
a tecnologia está auxiliando os departamentos de conservação e restauro na análise
científica de imagens, na manutenção de banco de dados, na previsão de estratégias de
conservação e no compartilhamento de imagens. Como explica Larry Keith, do
departamento de restauro do TNG:

Nós podemos ter uma boa ideia da extensão dos danos que talvez existam na
pintura. Podemos saber sobre a estrutura dos níveis da pintura, se for
necessário, nós podemos, saber com certeza sobre a composição do verniz
que talvez esteja no topo da pintura. Todas essas coisas são resultados de um
trabalho analítico antes mesmo de começarmos o trabalho de restauro que
pode realmente informar sobre o tratamento necessário (informação verbal,
tradução nossa)9.

                                                                                                                       
9
, KEITH, Larry. Episódio 5: Novas tecnologias: digitalização e interatividade. Série Gestão Cultural
Mundo Afora - temporada Museus. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
Além dos benefícios para os setores de conservação e restauro, as novas
tecnologias transformaram o modo como as exposições são planejadas e montadas. A
visita a um museu passou a ser uma experiência mediada pela cenografia e por
aparelhos multimídia e audiovisuais. Charlote Sexton, responsável pelas mídias digitais
do TNG, explica que eles estão sempre pensando em como contar a história das
pinturas de uma forma interessante que possa engajar o público. Na contemporaneidade,
isso inclui o uso de aplicativos e aparelhos celulares e tablets. Todavia, no que concerne
à interatividade, não existe concenso. Pierre Yves, do MRBAB explica que muitos
curadores ainda são contrários ao uso de celulares nos espaços expositivos.
Os principais desafios destacados no episódio estão relacionados à necessidade
de manter os sistemas e equipamentos atualizados, já que as tecnologias mudam
permanentemente. Ademais, é preciso prover oportunidades constantes de capacitação
para o corpo funcional. Tais desafios são agravados tendo em vista as questões
financeiras que já foram discutidas anteriormente. Nesse sentido, os gestores ressaltam a
necessidade de planejar cuidadosamente a compra de equipamentos, priorizando
investimentos em tecnologia que serão estratégicas para o futuro da instituição.

Conclusões

Este artigo apresentou um panorama geral dos principais assuntos tratados na


temporada Museus da série Gestão Cultural Mundo Afora. Um diferencial da proposta é
o foco do produto audiovisual. A maioria dos vídeos e documentários sobre museus
focam na perspectiva do público. No projeto de extensão, o foco é o olhar do gestor
cultural, buscando ressaltar aspectos diferenciais na organização e gestão. As entrevistas
são focadas na discussão das metodologias de trabalho e nas estratégias inovadoras de
produção, captação de recursos, dentre outros aspectos pertinentes ao setor. A proposta
busca uma nova visão sobre a gestão cultural, mais dinâmica e colaborativa. A
utilização da internet como difusor de conteúdo e conhecimento ultrapassa o concreto
dos espaços culturais e a pouca visibilidade pública dos artigos científicos e busca
ampliar o acesso do público à informação. A divulgação dos vídeos na internet atende a
um anseio de difundir o conhecimento sobre os modelos gerenciais da gestão cultural de
maneira ampla a gestores, produtores, pesquisadores, artistas, estudantes, e outros
interessados no tema.
A segunda temporada do projeto de extensão Gestão Cultural Mundo Afora,
iniciada em abril de 2015, é dedicada à gestão de orquestras. Campo cultural
comumente associado a tradição, música erudita e classista, as orquestras têm buscado
novas configurações estratégicas de formação artística, governança, financiamento,
atração de público e infraestrutura. Esta pesquisa vai analisar os principais desafios
encontrados pelos gestores de orquestras e as estratégias gerenciais que estão inovando
o setor.

REFERÊNCIAS

AMAZONAS, A. R. . Políticas de Museus. In: RUBIM, A.A.C. (Org.). Políticas


Culturais no governo Lula. 1ªed. Salvador: Edufba, 2010, v. 6, p. 201-217.
______. Políticas e formas de financiamento para o setor museológico nacional no
período (1999-2005). In: III Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura, 2007,
Salvador. ANAIS. Salvador: UFBA, 2007.
GESTÃO Cultural Mundo Afora - temporada Museus. Direção de Daniele Canedo.
Produção Executiva de Carolina Marques. Salvador: Volta do Mundo Produções, 2014.
DVD (160 min), widescreen, color.
JULIÃO, L. Apontamentos sobre a história do museu. 2.ed. Brasília: Ministério da
Cultura/IPHAN/DEMU; Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura/
Superintendência de Museus, 2006.

APÊNDICE A - Equipe

Realização Volta do Mundo Produções e Tv Mundo Afora


Patrocínio Fundo de Cultura - Secretaria de Cultura - Governo da Bahia
Direção Daniele Canedo
Produção executiva Carol Marques
Produção Brasil Carol Marques
Produção Europa Jéssica Passos
Pesquisa museologia Archimedes Amazonae e Dhalila Nogueira
Roteiros Daniele Canedo e Larissa Ramos
Entrevistas Daniele Canedo
Imagens Ricardo Khouri
Câmeras adicionais Daniele Canedo, Jéssica Passos, Darlan Nunes e imagens
cedidas pelos museus
Edição e finalização Daniele Canedo
Som direto Marcello Benedictis
Arte Julio Landim
Animação Leonardo Freitas
Trilha sonora Line of Flight (Revolution Void)
Tradução Thiana Biondo e Daniele Canedo
Redes sociais Gleisyelle Canedo e Lucas Macedo Nascimento

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