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Em meio a alguns processos, senti a necessidade de escrever a partir de um momento, um flash em

meio a tantos que tem vindo a tona nas últimas semanas. Permiti a escrita espontânea e fluida, não
reli, não revisei, não alterei, foi tomando forma no caos e sinto partilhar pra além de mim, escolhi
essa rede.

*** PODE HAVER GATILHOS, POIS TRATA DE UM MOMENTO EM UMA SÉRIE DE


GATILHOS ***

Sex in capitalism

Provavelmente feito no ano de 2010.

Há pouco essa imagem me veio a mente como num flash, um dos desenhos preferidos que fui
presenteada. Após essa memória, me veio a tona a cena que completou a obra, mas cujos
efeitos venho percebendo que ainda se fazem presentes, e vem ainda como padrões cíclicos
ressignificados. Nada de muito novo no front. A memória imagética vem pintada com a
adrenalina descarregada naqueles momentos, olho agora o rolo de papel kraft que tem no
meu quarto e me vem como um enjoo de um tanto que precisa ser vomitado, a consciência da
indigestão quase uma década depois. Gritos, acusações, descontrole, o desenho sendo
brutalmente arrancado da parede, placas de gesso sendo lançadas ao chão, gritos pedindo pra
parar, não sei quanto tempo durou. Lembrei agora o medo que senti, um flash do momento
em que busquei uma rota de fuga caso meu corpo fosse o próximo objeto a ser destruído, na
sequência a sensação de um corpo que não se movia, a culpa imobiliza. Não sei quanto tempo
durou. Lembro do olhar, do ódio expresso, não faço ideia do motivo naquele dia e ainda me
custa entender que não interessa o motivo. Só lembrei da cena, não sei quanto tempo durou.
Em algum momento parou. Eu provoquei, choro, choro pelo choro, reconhecimento e
identificação do descontrole, desta vez com danos físicos a um espaço, meu quarto. Espanto,
medo reprimido, choro, pedido de desculpas pelo descontrole, pelas palavras, pela destruição
material, desculpas, desculpas. É só um momento, assuma sua parte. Eu provoquei. Sex in
capitalim.

Lide com isso, lide com toda a destruição da destruição. Quase uma década e após um breve
diálogo, ligações numa madrugada, esculhambações e ao amanhecer “foi mal, tive uma crise
daquela, cê ta ligada”. Tô. Era carnaval. 2019 e milhares de quilômetros de distância. Tô ligada.
E essa música não me cabe, nem a outra. Nem aquela poesia, a do barquinho.

Uma década. Uma pandemia. Uma quarentena.

Processos pulsantes em algum lugar escondido do insconsciente despertos como gatilho de


uma metralhadora. “Você precisa se responsabilizar” e uma catarse.

A percepção e o reconhecimento do corpo que pensa diante uma, duas, três invasões, percebe
que ainda se imobiliza enquanto um turbilhão de pensamentos tenta se articular com a voz, na
segunda vez, a ação vem mais imediata. Pernas que voltam ficam inquietas repentinamente.
Insônia que pede pra que algo seja trazido a consciência. Dor de garganta, não é COVID. Dor
que imobiliza articulação. Não é chikungunha. Não quero mencionar mais que isso. Nem
outras situações, nem narrar ou descrever fatos, trajetórias, pensamentos, pessoas, processos.
Paro por aqui.

Muitas reflexões e processos vem se abrindo nos últimos tempos. A espiritualidade e a


retomada de algumas leituras tem auxiliado a dar sustentação aos processos reabertos. O
reconhecimento das feridas e cicatrizes ajuda a caminhar, ajuda a ajudar outras a caminharem.
Escuto gritos de uma dor sem lugar e sei que estão em mim, que estão em todas as mulheres e
que não quero permitir que outra se imobilize numa situação e que precise de uma década pra
conseguir se olhar de outra forma, e ainda assim sentir os efeitos das destruições de
“momentos pontuais”. Não dá pra continuar ouvindo “perdi o controle”, “tive outra crise
daquela”, “foi mal”, “não justifica, mas”, “ele nunca me bateu, mas”.

É só um flash de um momento que não vive só em mim.

Alguns dias atrás,

As mestras Sálvia e Artemísia abriram um portal, em meio a memórias, lua crescente e


reflexões, sangrei em uma limpeza que preparou o caminho da fertilidade desta terra para
novos plantios. Um velho sábio me entregou as sementes. Jovens sábias parteiras e doulas me
acolhem e conduzem a caminhada, acordam velhas bruxas que chegam dispostas ao trabalho.
O caldeirões estão no fogo que movimenta chegadas de mestras e mestres, cujos corpos
parecem destoar da grandeza das missões que assumiram. Nós também chegamos assim a
este mundo.

Juá, Óregano, Camomila, Laranja, Erva doce, Capim Santo, Gengibre, música e flores
acalentam, alertam, apontam caminhos.

Não tenho a receita em mãos, estamos fazendo. Seguimos.

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